Game Studies Esports: Galáxia (São Paulo) 1982-2553 Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica - PUC-SP
Game Studies Esports: Galáxia (São Paulo) 1982-2553 Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica - PUC-SP
Game Studies Esports: Galáxia (São Paulo) 1982-2553 Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica - PUC-SP
ISSN: 1982-2553
Programa de Estudos Pós-graduados em Comunicação e
Semiótica - PUC-SP
Macedo, Tarcízio
Querelas esquecidas dos game studies: monopólio e diversidade configuracional nos esports1
Galáxia (São Paulo), vol. 48, núm. 1, e58769, 2023
Programa de Estudos Pós-graduados em Comunicação e Semiótica - PUC-SP
DOI: https://doi.org/10.1590/1982-2553202358769
Tarcízio MacedoI
https://orcid.org/0000-0003-3600-1497
Introdução
Esport, e-sport, eSport, e-Sport e pro gaming são alguns exemplos do número
diversificado de denominações encontradas para o que se convencionou
chamar de esportes eletrônicos. Considerado um fenômeno que alimenta
a mudança e o avanço na indústria de videogames e no design de jogos
em nosso tempo, a atividade esportiva baseada em jogos digitais mobi-
liza grandes quantias de recursos (NEWZOO, 2022; NIKO, 2019) e também
pressiona a indústria a promover um (re)enquadramento da experiência
de jogo (FALCÃO et al., 2020). Embora nem todos os jogos digitais criados
sejam voltados para competições, as ligas de esports permeiam o mercado
e a experiência de jogo contemporânea.
Esse cenário fez que a atenção à esportificação2 dos jogos digitais aumen-
tasse na academia na última década, como mostram recentes revisões de
literatura (REITMAN et al., 2020; ROGSTAD, 2021). Apesar do considerável
crescimento e abertura à discussão sobre os esports nos campos dos game
studies e da comunicação, a produção recente esbarra em certa dificuldade
de estabelecer um rompimento em relação ao olhar midiático, sobretudo
no que diz respeito ao jornalismo de games e ao voltado para esports.
3 Por modelos configuracionais nos esports, com base na proposta de Damo (2005) para o futebol,
compreendemos as possibilidades de segmentação de um múltiplo e abrangente universo cuja
agregação aparece pelo uso do termo esport.
Nesta linha de raciocínio, um duelo (x1) — visto aqui como uma pelada digital
e denominado de esport de bricolagem — é uma configuração, não somente
porque tem uma dimensão empírica, mas porque aquele que joga um jogo
como Free Fire (FF)7 de sua casa no Tapanã pode jogar em um x1 do Umarizal
— ambos bairros de Belém (PA) —, e também nos duelos de FF na Cidade
Baixa, em Porto Alegre (RS), ou em Xangai, na China, desde que domine os
códigos e as regras de etiqueta do jogo. Mas o mesmo jogador ou jogadora
encontrará resistência considerável para jogar no time de FF do Corinthians,
por exemplo. Ocorre que o Corinthians não está para as peladas digitais de
FF como uma equipe profissional está à outra. Isso significa que a equipe
do Corinthians e as peladas digitais de FF fazem parte de configurações dife-
rentes, embora conectadas.
7 Jogo de tiro para dispositivos móveis criado pela desenvolvedora 111dots Studio e adquirido pela
Garena.
(DAMO, 2005), as quatro configurações devem ser lidas como uma opção
a outros modos de gradação dos esports – e, em geral, dos esportes, o que
também inclui aquela que determina a cisão entre o amadorismo de um lado
e o profissionalismo de um outro. O esport profissional seria, desse ponto
de vista, apenas mais uma modalidade dentro da multiplicidade configura-
cional da prática que coexistiria com outras, e cuja matriz topológica pode
ser concebida por meio de variadas configurações espaciais e materiais.
Essas empresas, nessa visão, devem regular a própria cena competitiva por
meio da articulação de eventos (campeonatos, torneios, copas, ligas etc.) e
da organização de equipes gerenciadas por terceiros, além de estabelecer
normas para as relações entre os times e de controlar a circulação de joga-
dores e do comércio de imagens e merchandising. São elas que, assumindo
8 A LBFF é a principal competição de Free Fire no Brasil. É um órgão ligado à Garena que detém o
monopólio sobre as regras do cenário profissional do jogo mobile.
9 No entanto, nas matrizes bricolada, comunitária e escolar convivem jogadores com distintas epis-
temologias de relacionamento com o jogo, o que torna as fronteiras entre cada uma dessas
matrizes facilmente borradas.
11 Alguns dos exemplos mais famosos no estado do Pará são o Parazão Free Fire, a Liga União
Paraense de Free Fire e a Liga Paraense de Free Fire.
Além disso, Damo (2005) aponta que o espaço físico, em si mesmo, não seria
suficiente para prescrever as atitudes de atividades esportivas escolares. A
temporalidade seria uma variante elementar, uma vez que o tempo de aula
assume um sentido diretamente oposto ao tempo do intervalo/recreio ou
aquele que antecede o início das aulas. No pátio das escolas ou das uni-
versidades joga-se, quase sempre, a configuração bricolada de um esport,
na medida em que este ambiente é, em relação à formalidade das salas
de aula, um espaço menos institucionalizado. Essas percepções são cons-
truídas por meio de um agregado de relações em que a instituição escolar
exerce vasto prestígio.
Considerações finais
Ao longo deste artigo, buscamos oferecer uma amostra da diversidade con-
figuracional nos esports e alguns indicadores e características que se mani-
festam nas matrizes sugeridas. Nossa proposta funciona como um relance
de uma cena em fluxo; é uma remontagem parcial (LATOUR, 2005) de alguns
dos fragmentos que compõem essa diversidade. Tratam-se de elementos
configuracionais que ajudam a definir cada uma das modalidades de ativida-
des esportivas voltadas para os videogames. Em vez de posicionar o esforço
analítico ora sobre o comportamento dos jogadores, ora sobre as nuances
materiais, mecânicas e institucionais do esport, a teoria laturiana permite
remontar a associação entre os atores que formam esses contextos — uma
associação que envolve não apenas a tecnologia, mas também as práticas
emergentes das comunidades, as estruturas institucionais e legais que dão
forma ao esport e ao jogar, suas dimensões socioculturais, o mundo mate-
rial que o atravessa e assim por diante (TAYLOR, 2009), dando vasão, por-
tanto, a sua diversidade.
A tipologia aqui sugerida tem ainda uma aplicação estratégica, de tal forma
que é inadequada e improdutiva quando empregada como simples ins-
trumento de gradação com um fim em si mesmo. Essa segmentação com
base na prática de jogar foi construída para delimitar as continuidades e
descontinuidades no universo dos esports, tomando as seguintes variáveis
apresentadas por Damo (2005), acrescidas de contribuições nossas: a) o
nível de codificação e agenciamento, b) o grau de intensidade da divisão
social do trabalho, c) a morfologia, d) a disposição do espaço e do tempo,
e) a espetacularização e a presença de público, f) e a dimensão física, espa-
cial e material do jogo. Com esse conjunto de fatores, construímos tipolo-
gias matriciais de base sociológica para, fundamentado nelas, pensar nas
questões comunicacionais, sobretudo de ordem sociotécnica, atribuídas à
prática e à fruição dos esports.
tarciziopmacedo@gmail.com
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