Game Studies Esports: Galáxia (São Paulo) 1982-2553 Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica - PUC-SP

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Galáxia (São Paulo)

ISSN: 1982-2553
Programa de Estudos Pós-graduados em Comunicação e
Semiótica - PUC-SP

Macedo, Tarcízio
Querelas esquecidas dos game studies: monopólio e diversidade configuracional nos esports1
Galáxia (São Paulo), vol. 48, núm. 1, e58769, 2023
Programa de Estudos Pós-graduados em Comunicação e Semiótica - PUC-SP

DOI: https://doi.org/10.1590/1982-2553202358769

Disponível em: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=399674920002

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Querelas esquecidas dos


game studies: monopólio e
diversidade configuracional
nos esports1

Tarcízio MacedoI
https://orcid.org/0000-0003-3600-1497

I - Universidade Federal do Rio Grande do Sul


Porto Alegre (RS). Brasil.

Resumo: O intuito deste artigo é promover uma crítica ao monopólio temá-


tico exercido pelo esport profissional. Para desenvolver este argumento, apre-
sentamos a noção de diversidade configuracional dos esports para considerar
um conjunto de situações de jogo que compõe as atividades e experiências
esportivas voltadas para videogames. Tal diversidade seria formada por pelo
menos quatro configurações de esports: profissional, bricolada, comunitária
e escolar. Para essa construção, buscamos apoio na literatura dos game stu-
dies, da comunicação, dos esportes e em experiências de trabalho de campo
etnográfico empreendidas entre 2016 e 2022 com diferentes matrizes que
constituem os esports no país.

Palavras-chave: game studies; esports; comunicação; cultura gamer; diversidade.

Abstract: Forgotten quarrels in game studies: monopoly and configura-


tional diversity in esports - The purpose of this article is to promote a cri-
tique of the thematic monopoly exercised by professional esports. In order
to develop this argument, the notion of configurational diversity of esports
is presented to consider a set of game situations that composes the sportive
activities and experiences aimed at videogames. Such diversity would be built
by at least four configurations of esports: professional, bricolage, community
and school. For this construction, we sought support in the literature of game

1 O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de


Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

1 Galáxia (São Paulo, online), ISSN: 1982-2553. Publicação Contínua. e58769


http://dx.doi.org/10.1590/1982-2553202358769. v. 48, 2023, pp.1-23.
artigo Querelas esquecidas dos game studies: monopólio
e diversidade configuracional nos esports

studies, communication, and sports, and in ethnographic fieldwork experien-


ces undertaken between 2016 and 2022 with different matrices that make up
esports in the country.

Keywords: game studies; esports; communication; game culture; diversity.

Introdução
Esport, e-sport, eSport, e-Sport e pro gaming são alguns exemplos do número
diversificado de denominações encontradas para o que se convencionou
chamar de esportes eletrônicos. Considerado um fenômeno que alimenta
a mudança e o avanço na indústria de videogames e no design de jogos
em nosso tempo, a atividade esportiva baseada em jogos digitais mobi-
liza grandes quantias de recursos (NEWZOO, 2022; NIKO, 2019) e também
pressiona a indústria a promover um (re)enquadramento da experiência
de jogo (FALCÃO et al., 2020). Embora nem todos os jogos digitais criados
sejam voltados para competições, as ligas de esports permeiam o mercado
e a experiência de jogo contemporânea.

Esse cenário fez que a atenção à esportificação2 dos jogos digitais aumen-
tasse na academia na última década, como mostram recentes revisões de
literatura (REITMAN et al., 2020; ROGSTAD, 2021). Apesar do considerável
crescimento e abertura à discussão sobre os esports nos campos dos game
studies e da comunicação, a produção recente esbarra em certa dificuldade
de estabelecer um rompimento em relação ao olhar midiático, sobretudo
no que diz respeito ao jornalismo de games e ao voltado para esports.

As consequências dessa interação são perceptíveis: o tratamento dado ao


fenômeno tem sido fundamentado em uma ênfase nos jogos de compu-
tador e em uma leitura homogênea da atividade. Mais que isso, os esports
são resumidos à cultura profissional e a certo culto à profissionalização de
práticas de jogo. Embora todo aparelho que suporte jogos digitais, hoje,
possa ser lido como um computador, a discussão é direcionada especial-
mente à plataforma. Inúmeros autores ainda hoje se debruçam sobre equi-
pes profissionais e grandes torneios e competições de esports em jogos de
computador (HUTCHINS, 2008; SUMMERLEY, 2020; TAYLOR, 2012). Em geral,
prevalece nesses trabalhos uma ideia genérica dada à atividade, como se

2 A esportificação, procedimento de regramento e disciplinação de jogos, é definida por Parlebas


(1999) como um processo social e institucional que envolve um conjunto de dinâmicas pelo qual
uma dada prática ludomotora obtém o status de esporte.

2 Galáxia (São Paulo, online), ISSN: 1982-2553. Publicação Contínua. e58769


http://dx.doi.org/10.1590/1982-2553202358769. v. 48, 2023, pp.1-23.
artigo Tarcízio Macedo

não houvesse uma diversidade configuracional3 de modos de praticá-la e


experimentá-la para além da natureza ou atmosfera profissional.

Isso fez que termos como esportificação e profissionalização, embora relaciona-


dos, fossem tratados como sinônimos quando nos reportarmos aos esports.
Nosso argumento neste texto, porém, é de que a modalidade profissional
ainda promove um monopólio temático das atividades esportivas em jogos
digitais, excluindo, assim, outros modelos configuracionais presentes nos
esports. A hipótese deste artigo, portanto, é que o status profissional é apenas
parte da ideia de esportificação dos jogos digitais, e não sua dimensão cen-
tral. Embora a profissionalização seja relevante, essa mudança de percepção
nos parece mais adequada no sentido de reagregar os esports (LATOUR, 2005)
como uma área de atividades esportivas muito mais abrangente voltada para
videogames — não apenas profissional, mas também recreativa. Tal ajuste
teórico seria útil para contemplar de forma mais apropriada, é nossa crença,
a diversidade estética e temática das atividades esportivas em jogos digitais.

Essa interpretação central é o ponto de partida que guia a construção do


presente trabalho. Seu intuito é prover um referencial teórico e empírico que
enderece uma amostra da variedade de manifestações dos esports no país.
Desenvolvemos esta abordagem a partir da noção de diversidade configura-
cional dos esports, um construto usado para considerar e definir um conjunto
de situações de jogo que compõe as atividades e experiências esportivas
voltadas para videogames. Para alcançar esse objetivo, contudo, é preciso
percorrer as diferentes modalidades que constituem essa diversidade, des-
crevendo alguns dos elementos que caracterizam cada uma das situações
de jogo. Para essa construção, mobilizamos a literatura dos game studies, da
comunicação, dos esportes e experiências de trabalho de campo etnográfico
empreendidas entre 2016 e 2022 no cenário de esport de Belém (PA) e de
Porto Alegre (RS), em particular, e no acompanhamento de outras cenas pelo
Brasil. Introduzimos a presente leitura tecendo um relato de cunho misto
— acadêmico e pessoal —, com base nas aproximações e experiências com
as diferentes matrizes que compõem os esports no país.

Esports como ecossistema de


mídia holístico e multidimensional
A multiplicidade de modos de se referir aos esports é acompanhada por
um contingente relativamente proporcional de definições para a prática,

3 Por modelos configuracionais nos esports, com base na proposta de Damo (2005) para o futebol,
compreendemos as possibilidades de segmentação de um múltiplo e abrangente universo cuja
agregação aparece pelo uso do termo esport.

3 Galáxia (São Paulo, online), ISSN: 1982-2553. Publicação Contínua. e58769


http://dx.doi.org/10.1590/1982-2553202358769. v. 48, 2023, pp.1-23.
artigo Querelas esquecidas dos game studies: monopólio
e diversidade configuracional nos esports

que sofre com a amplitude de sua semântica. Em parte, essa problemá-


tica deriva da própria natureza multidimensional do fenômeno (FREEMAN;
WOHN, 2017; WOHN; FREEMAN, 2020). Ainda assim, conceituar esports e
situá-los é um movimento retórico relevante para inúmeros pesquisadores,
pois fundamenta o enquadramento de suas pesquisas ao tema (REITMAN
et al., 2020; TAYLOR, 2012).

Na literatura especializada dos game studies, porém, paira um entendimento


geral que enquadra os esports como uma configuração dos videogames com-
petitivos na qual a atividade de jogo é definida pela profissionalização de seus
membros (MACEDO; FALCÃO, 2019, 2020; BURK, 2013; JIN, 2010; TAYLOR,
2012, 2018). Em outras palavras, essa acepção genérica enquadra o fenô-
meno como uma forma profissional de jogar jogos digitais. Embora o termo
esport seja largamente empregado, a revisão de Freeman e Wohn (2017)
sugere que os pesquisadores abordam a área sob distintos pontos de vista,
destacando aspectos específicos e sem um consenso definido.

No intuito de oferecer uma contribuição que procure reagregar o fenômeno


(LATOUR, 2005), defendemos que os esports se referem a toda forma de
praticar um jogo competitivo esportivo mediado por computadores, que
pode tanto ser assistido online quanto presencialmente por um número
variável de espectadores. A atividade esportiva voltada para videogames
envolve diferentes níveis de gameplay, uma variedade de comportamen-
tos, gêneros, modalidades e formatos de jogo, grupos de jogadores e tipos
de equipes. Essa definição, entretanto, ainda é insuficiente para abarcar os
esports como um ecossistema de mídia holístico multidimensional (WOHN;
FREEMAN, 2020) que se estabelece na interseção entre jogo, esporte, mídia,
espetáculo, visualizações, gastos, live streaming, movimentos de base e uma
infraestrutura administrativa complexa (organização, moderação e outros).

É preciso acrescentar que todas essas atividades reivindicam uma quanti-


dade de comportamentos online em diferentes escalas (jogar, streamar, assis-
tir, gastar, organizar, moderar etc.), grupos de usuários online (jogadores,
streamers, espectadores e doadores, por exemplo) e formas específicas de
relacionamentos mediados (interações jogador-streamer, jogador-jogador,
doador-streamer e streamer-espectador, por exemplo). Embora adotar uma
definição de esports como um ecossistema de mídia ofereça inúmeras informa-
ções, como sugerem Wohn e Freeman (2020), é preciso melhor interpretá-la,
delimitar fronteiras, traçar especificidades, identificar conexões e compreen-
der a diversidade nas práticas competitivas que envolvem os esports.

4 Galáxia (São Paulo, online), ISSN: 1982-2553. Publicação Contínua. e58769


http://dx.doi.org/10.1590/1982-2553202358769. v. 48, 2023, pp.1-23.
artigo Tarcízio Macedo

Com a intenção de expandir a multidimensionalidade das situações de jogo


que compõe a experiência esportiva dos esports, aplicamos a noção de diver-
sidade configuracional. Nossa compreensão dos esports, que encontra eco nos
escritos de Wagner (2006) e Wohn e Freeman (2020), entende que as compe-
tições esportivas em jogos digitais variam em diferentes níveis e escalas — de
pequenas partidas locais em uma lan house a torneios nacionais e interna-
cionais de grande escopo. A esse respeito, convém ressaltar que os esports
camuflam o monopólio estético e temático praticado pela sua matriz profis-
sional com maior facilidade do que outros esportes, graças ao amplo acesso à
transmissão de outros modelos configuracionais (MACEDO; FRAGOSO, 2021).

O monopólio temático da modalidade profissional


Em 2006, Wagner parecia perceber o monopólio das representações exercido
pela versão profissional dos esports quando indicava que eles são, na maioria
das vezes, considerados equivalentes ao professional gaming (pro gaming) —
um modo competitivo particular de se jogar jogos digitais em um ambiente
profissional. Sob esse ponto de vista, os esports estariam definidos de modo
bastante restrito. Em vez disso, a definição de Wagner (2006) contempla o
fenômeno como uma área de atividades esportivas muito mais ampla. De
nossa perspectiva, esse enquadramento teórico é um aspecto importante
de se revisitar. A despeito dos consideráveis avanços sobre os esports na
literatura, o indicativo oferecido pelo autor parece ter sido desconsiderado
pelos pesquisadores subsequentes. É perceptível que a produção recente
ainda encontra dificuldade de colocar em vigor uma ruptura em relação ao
olhar midiático que privilegia a cobertura do circuito profissional de esports.

Um dos impulsos decisivos para uma maior atenção acadêmica a esse


universo ocorreu com a publicação de Raising the Stakes: E-Sports and the
Professionalization of Computer Gaming, de T. L. Taylor (2012), trabalho que
exerceria forte influência nos anos seguintes. Nesta que é a primeira obra
acadêmica completamente dedicada ao estudo do fenômeno, a autora
explora o cenário emergente dos jogos de computador profissionais e os
esforços que acompanham seus participantes em transformar esse tipo de
jogo em um esporte. A partir desse impulso, mais de uma dezena de estudos
foram produzidos nos últimos anos. Em detrimento da expansão dos hori-
zontes interpretativos, é possível, uma década depois, retomar criticamente
os escritos de Taylor (2012). Uma dessas críticas diz respeito ao tratamento
homogêneo conferido aos esports e a uma ênfase particular nos jogos de

5 Galáxia (São Paulo, online), ISSN: 1982-2553. Publicação Contínua. e58769


http://dx.doi.org/10.1590/1982-2553202358769. v. 48, 2023, pp.1-23.
artigo Querelas esquecidas dos game studies: monopólio
e diversidade configuracional nos esports

computador: o esport é resumido ao ethos profissional. É seguro dizer que


quem lê Taylor (2012) buscando identificar a qual referente empírico ela
está se reportando ao usar o termo esport não encontrará dificuldade em
reconhecê-lo na versão profissionalizada de jogos para computador.

A autora aponta para um uso da expressão esport voltada para designar o


fenômeno da profissionalização do jogo digital, desconsiderando o carácter
mais abrangente ao redor da ideia de esportificação de uma prática ludo-
motora (PARLEBAS, 1999). Mais recentemente, em Watch Me Play: Twitch and
the Rise of Game Live Streaming, Taylor abre seu livro definindo esports como
competições nas quais “jogadores profissionais competem em um torneio
formal para ganhar um prêmio em dinheiro” (2018, p. 1, tradução nossa),
repetindo a mesma leitura epistemológica de sua obra anterior. Talvez a
crítica se aplique menos a Taylor (2012, 2018), uma pioneira, e mais ade-
quadamente aos estudos que se seguiram a ela.

A despeito de contribuir significativamente para tornar os esports um objeto


de investigação importante, Taylor limitou-se à interpretação de um fato
social atrelado àquele projetado pelas narrativas midiáticas. As pesquisas
que se procederam, em grande maioria citando a autora, replicaram-se na
mesma concepção temática reiterando a percepção epistemológica equiva-
lente entre esports e pro gaming, à exceção de uma ou outra contribuição,
embora incompletas — Freeman e Wohn (2017), Wohn e Freeman (2020) e
Wagner (2006), por exemplo. Nossa definição, contudo, assume uma pos-
tura que não considera a popularidade da transmissão, a existência de um
público estável e amplo e um nível de infraestrutura institucional (contextos
altamente organizados, regras padronizadas, treinamento, culturas de fãs e
competições profissionais regulamentadas) como fatores predeterminantes
para classificar um game como esport.

O argumento faz sentido quando consideramos, por exemplo, que jogos


menos populares em certos países — como o futebol americano no Brasil
— não deixam de ser esportes pela falta de contextos institucionais locais.
O que interessa reter aqui é a ideia de que existindo profissionalização, a
atividade esportiva nos jogos digitais não pode ser limitada a ela. Ainda
assim, a prática profissional, durante muito tempo restrita sobretudo aos
homens e a um grupo reduzido dentre eles, tornou-se um aspecto cobiçado
por pesquisadores ao se debruçarem sobre o fenômeno. A visibilidade da
hegemonia temática do profissionalismo é percebida quando se consulta

6 Galáxia (São Paulo, online), ISSN: 1982-2553. Publicação Contínua. e58769


http://dx.doi.org/10.1590/1982-2553202358769. v. 48, 2023, pp.1-23.
artigo Tarcízio Macedo

a principal lista dedicada à bibliografia e editada pela Esports Research


Network4, na qual se oferece um vislumbre do estado da arte sobre esports
em termos de investigações e publicações. O rastreamento da literatura
nessa lista5 aponta a presença de mais de duas centenas de trabalhos nos
mais variados formatos disponíveis.

Pelo que podemos entender dos títulos em geral e da leitura integral da


maioria desses estudos, prevalece um tratamento genérico dado aos esports.
Erroneamente, essa, que é somente uma das partes do fato social, foi frag-
mentada. Em certo sentido, a lógica do establishment midiático é reprodu-
zida na seleção dos assuntos acadêmicos. Tal enquadramento, que restringe
a diversidade das situações de jogo nos esports, é rastreável mesmo em
outras modalidades esportivas, como endereça o estudo de Damo (2005) a
respeito do futebol. Para ele, ainda que o interesse seletivo da grande mídia
seja compreensível, de uma perspectiva da audiência e dos contratos publi-
citários, o recorte acadêmico é, no mínimo, discutível.

A diversidade de configurações sociais dos esports


Argumentar que há uma diversidade de modos de se vivenciar o esport no
Brasil não é, de certa forma, nada mais do que uma obviedade, principal-
mente quando consideramos a vasta cartela nacional de títulos voltados para
atividades esportivas baseadas em jogos digitais. Mas talvez não seja óbvio
dizer que essa ideia é demasiadamente restrita ao jogo profissional. Menos
ainda seja se empenhar em estabelecer alguns arranjos dessa diversidade,
condição que cremos ser substancial ao avanço das pesquisas e interpre-
tações sobre o fenômeno em nosso país.

É de Damo (2005) que tomaremos emprestado quatro configurações pro-


postas no contexto do futebol6, mas que também nos parecem úteis a uma
compreensão do objeto de nossa investigação. A diversidade das situações
de jogo nos esports pode, assim, ser agrupada nas seguintes configurações:
esport profissional (também denominado como pro gaming); esport de bricola-
gem (isto é, o jogo de improviso, recreativo, informal, casual, um duelo — x1

4 Disponível em: https://esportsresearch.net/literature/. Acesso em: 19 dez. 2022.


5 A busca pela expressão professional gaming retorna 252 trabalhos, por exemplo, um número signi-
ficativo da presença do monopólio profissional na literatura sobre esports. Esses dados, porém, não
são exaustivos, à medida que o termo esport está diretamente associado ao jogo profissional.
6 Embora essa caracterização não seja projetada para ser extensiva ao esporte de maneira mais
ampla, Damo (2005) não descarta essa possibilidade, tomadas as possíveis adaptações.

7 Galáxia (São Paulo, online), ISSN: 1982-2553. Publicação Contínua. e58769


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artigo Querelas esquecidas dos game studies: monopólio
e diversidade configuracional nos esports

—, uma partida qualquer de um jogo digital voltado para a prática espor-


tiva); esport comunitário (o esporte de várzea, entusiasta, de certa cidade
ou semiprofissional); e esport escolar/universitário (vinculado à instituição
escolar, como dispositivo pedagógico e disciplinar).

Nesta linha de raciocínio, um duelo (x1) — visto aqui como uma pelada digital
e denominado de esport de bricolagem — é uma configuração, não somente
porque tem uma dimensão empírica, mas porque aquele que joga um jogo
como Free Fire (FF)7 de sua casa no Tapanã pode jogar em um x1 do Umarizal
— ambos bairros de Belém (PA) —, e também nos duelos de FF na Cidade
Baixa, em Porto Alegre (RS), ou em Xangai, na China, desde que domine os
códigos e as regras de etiqueta do jogo. Mas o mesmo jogador ou jogadora
encontrará resistência considerável para jogar no time de FF do Corinthians,
por exemplo. Ocorre que o Corinthians não está para as peladas digitais de
FF como uma equipe profissional está à outra. Isso significa que a equipe
do Corinthians e as peladas digitais de FF fazem parte de configurações dife-
rentes, embora conectadas.

A conexão a que nos referimos seria efetivada por um tipo de unidade/par-


tícula do esport, uma forma estrutural/residual comum a todas as matrizes.
Existe, assim, um certo núcleo compartilhado por todos os esports, formado
por determinadas propriedades, por meio das quais a prática, o que inclui
suas variações, é socialmente reconhecida e nomeada como tal. A unidade do
esport estaria situada em um cruzamento que combina competição, intera-
ção, colaboração, recreação, tarefa, mediação virtual e regras. Sua estrutura
seria composta de: a) dois jogadores individuais ou em equipes (princípio
de coletividade e interação); b) tarefas com metas ou objetivos idênticos e
claros, mas assimétricos (princípio do conflito e da competição); c) disputa
mediada por objetos materiais (controles, teclados, mesas, mouses, smar-
tphones etc.) e por interfaces humano-computador em um ambiente virtual
intenso que demanda tomada de decisão e taxa de resposta velozes (princí-
pio da mediação virtual e da evitação); d) e um conjunto de regras (respon-
sáveis por delimitar o espaço, o tempo e o ilícito no contexto da prática).

Por meio dessa partícula, detectável em todos os esports, se articulam varia-


dos modos de praticá-los com base nas quatro matrizes principais denomi-
nadas de profissional, bricolada, comunitária e escolar. Tal qual no futebol

7 Jogo de tiro para dispositivos móveis criado pela desenvolvedora 111dots Studio e adquirido pela
Garena.

8 Galáxia (São Paulo, online), ISSN: 1982-2553. Publicação Contínua. e58769


http://dx.doi.org/10.1590/1982-2553202358769. v. 48, 2023, pp.1-23.
artigo Tarcízio Macedo

(DAMO, 2005), as quatro configurações devem ser lidas como uma opção
a outros modos de gradação dos esports – e, em geral, dos esportes, o que
também inclui aquela que determina a cisão entre o amadorismo de um lado
e o profissionalismo de um outro. O esport profissional seria, desse ponto
de vista, apenas mais uma modalidade dentro da multiplicidade configura-
cional da prática que coexistiria com outras, e cuja matriz topológica pode
ser concebida por meio de variadas configurações espaciais e materiais.

Assim, em torno desses quatro modelos configuracionais, cremos que a


diversidade da atividade esportiva nos videogames seja melhor visualizada
e compreendida. As quatro matrizes são conectadas umas às outras, mas
cada uma mantém sua singularidade. A distinção possível entre elas não é
realizada necessariamente pelo significado imputado à prática, mas “pelo
espaço, pelo tempo e pela morfologia social que lhe é atribuída, isto é, a cons-
tituição do público, o desenvolvimento de redes particulares de relações e
interesses, divisão social do trabalho dentro e fora do espaço-tempo de jogo
e vínculos variados para além do esport, do esporte e das práticas corporais”
(MACEDO; FRAGOSO, 2021, p. 8). Enfim, compreende-se os esports uma vez
que se enuncie os marcos entre diferentes categorias e, por consequência,
situações de jogo que compõem a experiência esportiva do fenômeno.

A matriz profissional dos esports


O esport profissional — também chamado de pro gaming — caracteriza-se,
em termos gerais, por um conjunto de propriedades. A mais relevante é o
modelo globalizado, monopolista, centralizado e hierarquicamente organi-
zado com base na governança das desenvolvedoras. O universo dos esports
estabelece conexões e distanciamentos com a indústria de esportes e dos
games (MACEDO; FALCÃO, 2019; MACEDO; KURTZ, 2021). Diferentemente dos
esportes, esports derivam de jogos privados e são produtos de propriedade
intelectual que mobilizam a organização de competições, em sua maioria
reguladas, direta ou indiretamente, por empresas que detêm o direito inte-
lectual dos jogos praticados (BURK, 2013).

Essas empresas, nessa visão, devem regular a própria cena competitiva por
meio da articulação de eventos (campeonatos, torneios, copas, ligas etc.) e
da organização de equipes gerenciadas por terceiros, além de estabelecer
normas para as relações entre os times e de controlar a circulação de joga-
dores e do comércio de imagens e merchandising. São elas que, assumindo

9 Galáxia (São Paulo, online), ISSN: 1982-2553. Publicação Contínua. e58769


http://dx.doi.org/10.1590/1982-2553202358769. v. 48, 2023, pp.1-23.
artigo Querelas esquecidas dos game studies: monopólio
e diversidade configuracional nos esports

o papel de órgãos dirigentes, produzem uma gramática comum para que a


prática possa ser desenvolvida (apesar das variações locais) e impulsionam
a profissionalização de seus jogos e cenários competitivos.

O profissionalismo nos esports também é identificado por uma intensa


divisão social do trabalho, embora sua regulamentação formal seja ainda
tímida em alguns países, como é o caso do Brasil (FALCÃO et al., 2020). Entre
quem pratica e quem assiste há uma considerável rede de especialidades
que podem ser compartimentadas conforme determinados fundamentos
classificatórios. Com essa segmentação, podemos identificar semelhanças,
diferenças e lutas, no que diz respeito aos interesses, às reciprocidades e
às competências (DAMO, 2005). Baseado no modelo introduzido por Toledo
(2002), ampliado por Damo (2005) e aplicado ao futebol profissional, apre-
sentamos a seguinte caracterização ao contexto dos esports, com a ressalva
de que faltou atribuir às dimensões física, espacial e material do jogo maior
destaque. Tomamos a liberdade de o fazer agora:

1. Os profissionais [diretos]: aqui estão todos aqueles que intervêm no


jogo diretamente, seja dentro do ambiente do game — o que inclui a per-
formance dos próprios jogadores, técnicos (coachs) e juízes na procura de
resultados imediatos —, seja na percepção de jogadores, preparadores
físicos, profissionais da saúde, entre outros, ou no apoio administrativo
prestado aos dirigentes que tornam viável a competição como espetáculo;

2. Os especialistas: aqui se incluem todos os profissionais que participam


da cobertura do jogo — jornalistas, analistas, casters — o equivalente a
narradores —, comentaristas, apresentadores etc. —, e que buscam, por
meio das técnicas disponíveis em cada meio de comunicação, produzir
uma decodificação e ordenação do jogo para uma narrativa jornalística;

3. Os torcedores/espectadores: os responsáveis por dar aos esports a cha-


mada “circularidade das emoções” (TOLEDO, 2002, p. 17) (cf. MACEDO;
FRAGOSO, 2021; TAYLOR, 2012, 2018);

4. Os dirigentes: aqueles que têm o controle político e econômico do


esport profissional. Podem ter cargos eletivos ou mantidos por outras
vias, como nomeações de acionistas, patrocinadores, administradores
ou outros gestores (DAMO, 2005). Aqui estão inclusos os represen-
tantes das empresas que gerenciam diferentes cenários competitivos
profissionais voltados para os jogos digitais, assim como os managers
(administradores) de equipes e organizações;

10 Galáxia (São Paulo, online), ISSN: 1982-2553. Publicação Contínua. e58769


http://dx.doi.org/10.1590/1982-2553202358769. v. 48, 2023, pp.1-23.
artigo Tarcízio Macedo

5. A dimensão física, espacial e material do jogo: a existência da espacia-


lidade e materialidade do ambiente onde o jogo é praticado — exemplo,
ginásio, estádio, arena etc. —, das condições materiais para a atividade
e os corpos dos jogadores.

A divisão social do trabalho, elemento constitutivo da profissionalização


e espetacularização, seria o que distingue a modalidade profissional das
outras configurações. Como a regulação trabalhista ainda está em disputa
nos esports — ou seja, ainda não foi efetivada em inúmeros países, incluindo
o Brasil — (FALCÃO et al., 2020), essa dinâmica enfrenta alguns encaminha-
mentos diferentes em relação a outros esportes amparados por dispositi-
vos legais consolidados.

No esport profissional, de forma similar à versão profissional do futebol


(DAMO, 2005), a excelência performática é uma imposição mediada pelos
interesses do público. As exigências de quem assiste, torce e consome conte-
údos derivados do esport profissional conduzem quase todos os profissionais
diretos à dedicação exclusiva — não somente os jogadores. Essa dedicação
integral, por seu turno, é recompensada como trabalho. Dos jogadores é
requerido preparo especial aos eventos (as partidas) e um grau elevado de
conhecimento sobre o jogo — desenvolver um conjunto de competências e
habilidades cognitivas, sociais, psicológicas e corpóreas necessárias à prática
do esport (MACEDO e FALCÃO, 2019; TAYLOR, 2012). O profissionalismo nos
esports, além disso, não se limita apenas à gameplay qualificada ao máximo e
ao gerenciamento estratégico de equipes, mas também destaca a chamada
“cultura profissional” (TAYLOR, 2012).

Na esfera do espetáculo profissional, o sistema de enfrentamento nos esports


varia de título para título, com ligas se organizando com grande grau de
autonomia. Esse cenário é consequência direta do direito à propriedade
intelectual das empresas que criam jogos. As regras que pairam sobre cada
torneio, no entanto, raramente são estendidas para fora de um determinado
jogo ou estabelecidas por um órgão externo de governança, a exemplo das
federações e confederações esportivas. A singularidade dos esports é que,
ainda hoje, eles não são supervisionados por uma organização externa com
autoridade e estrutura institucional independente. Em geral, as disputas
são gerenciadas em forma de divisões hierárquicas — A, B e C ou 1ª, 2ª e 3ª
divisão —, de modo a impedir a disputa entre desiguais e forçar um cruza-
mento entre as equipes mais poderosas.

11 Galáxia (São Paulo, online), ISSN: 1982-2553. Publicação Contínua. e58769


http://dx.doi.org/10.1590/1982-2553202358769. v. 48, 2023, pp.1-23.
artigo Querelas esquecidas dos game studies: monopólio
e diversidade configuracional nos esports

Toda partida de esport carrega a potência espetacular, na medida em que a


cada jogador — dotado de certas materialidades e conhecimentos técnicos — é
permitido transmitir partidas recreativas e semiprofissionais pela internet. No
esport profissional, entretanto, a espetacularização midiática é central para a
realização e viabilidade dos esports enquanto prática esportiva que mobiliza
multidões. Neste contexto, o espetáculo difere em escala e complexidade em
relação a outras situações de jogo. “Essa espetacularização, embora mediada,
depende fortemente da convergência de pessoas para um único espaço físico,
como argumentamos em estudo anterior” (MACEDO; FRAGOSO, 2021, p. 4).

Constata-se, nessa dinâmica, a perenidade de um elemento que é central


entre diferentes configurações de esport, embora mudando em escala: a pre-
sença do público. O caráter espetacular dos esports profissionais, contudo,
está associado à presença de grandes multidões nas arenas esportivas. A
não distinção entre as várias modalidades anula um conjunto de media-
ções, entre elas materiais e espaciais, necessário a cada uma das matrizes:
diferentemente dos esports profissionais, partidas recreativas de esports de
bricolagem não dependem de homogeneidade de condições para todos os
jogadores (MACEDO; FRAGOSO, 2021).

A matriz bricolada dos esports


O esport bricolado é entendido como a configuração na qual se acolhe um
leque variado de adaptações em relação às normas de torneios oficiais como
a Liga Brasileira de Free Fire (LBFF)8, desde que conservada a unidade do esport
mencionada anteriormente. Não havendo agência para controlá-lo com rigi-
dez, embora o sistema do jogo e a desenvolvedora definam um conjunto de
ações que podem ou não ser feitas, os limites são mais amplos para a inter-
venção e/ou variação de códigos situacionais em partidas recreativas, com
destaque, principalmente, às distorções em relação às normas de torneios
oficiais. Aqui, a dinâmica se assemelha a jogar um jogo de futebol no parque
local, onde um jogador pode participar de uma partida eventual de esport
(online ou presencial) com amigos ou jogadores aleatoriamente escolhidos.

Considerando que estes ajustes são incontáveis e testemunhados em prati-


camente todos os contextos socioculturais nos quais esports como FF são pra-
ticados — desde que respeitadas, como dito, as especificidades permitidas

8 A LBFF é a principal competição de Free Fire no Brasil. É um órgão ligado à Garena que detém o
monopólio sobre as regras do cenário profissional do jogo mobile.

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http://dx.doi.org/10.1590/1982-2553202358769. v. 48, 2023, pp.1-23.
artigo Tarcízio Macedo

pelo sistema do jogo e pela desenvolvedora —, seria possível chamá-lo de


improviso ou informal. Porém, o termo bricolagem, seguindo a mesma linha
de raciocínio de Damo (2005), parece-nos mais adequado na medida em que
não pressupõe a ideia de déficit, de carência, de impropriedade, descom-
promisso e desinteresse que a noção de improviso, carregada de juízo de
valor, sugere. Uma partida normal personalizada em um jogo como FF não
é incompleta porque um jogador está jogando sozinho, com um amigo ou
com um pequeno grupo de pessoas, apesar de não estar em uma equipe.

Na realidade, é essa bricolagem casual/recreativa que caracteriza as parti-


das normais e gerenciadas em esports: joga-se com o que se dispõe ou se
inventa, seja com o estabelecimento de regras, seja adequando os recursos
materiais disponíveis. Casualidade, aliás, é a expressão que melhor define
essa matriz na variedade de seus espaços para a prática de jogo, na alea-
toriedade dos aparatos técnicos ao seu serviço, na frequência de partidas
ou na presença inconstante dos jogadores. Jogam-se em momentos aleató-
rios e recreativos, com as condições possíveis naquele instante, o que não
é muito diferente da experiência de uma pelada de futebol ou de um jogo
de basquete no parque local.

O que melhor caracteriza esta configuração de esport é a sujeição do sistema


de regras aos contornos locais, temporais, materiais, espaciais, enfim, aos
circuitos psíquicos, sociais e físicos dos praticantes. O tempo da bricolagem,
em geral, é visto como o tempo social do não trabalho (DAMO, 2005), isto
é, da recreação, do entretenimento, do ócio, do lazer etc., mesmo que seus
praticantes se empenhem de forma tão laboriosa, com um gasto conside-
rável de tempo e energia psíquica e física, que não raro a atividade se asse-
melha a um tipo de extensão ou até intensificação do trabalho. Ao situarmos
o tempo da bricolagem com o tempo social do não trabalho, é importante
sublinhar que fazemos referência aos jogadores recreativos, e não aos joga-
dores aspirantes que almejam posições privilegiadas em um sistema de
pirâmide extremamente lucrativo, no qual apenas alguns poucos ascendem
(MACEDO; KURTZ, 2021)9.

A duração das partidas varia conforme o ânimo dos jogadores, a disposi-


ção de tempo para a atividade, o acesso à banda larga no local, os pacotes
de dados móveis disponíveis para celulares, a acessibilidade e limitação de

9 No entanto, nas matrizes bricolada, comunitária e escolar convivem jogadores com distintas epis-
temologias de relacionamento com o jogo, o que torna as fronteiras entre cada uma dessas
matrizes facilmente borradas.

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artigo Querelas esquecidas dos game studies: monopólio
e diversidade configuracional nos esports

horário imposta pela locação de computadores em lan houses e em razão


de outros fatores externos (espaciais, socioculturais, materiais, econômicos
etc.) (FALCÃO et al., 2020; MACEDO; FRAGOSO, 2019). A divisão social do tra-
balho, relativamente rigorosa, estruturalmente organizada e complexa no
esport profissional, é praticamente apagada das partidas normais bricoladas.
Especialmente quando restringimos nossa observação à divisão social das
tarefas desempenhadas pelos jogadores no âmbito das configurações de jogo,
que variam entre cada esport, constatamos que, em partidas normais, esta é
praticamente inexistente em inúmeros jogos — com uma ou outra exceção.

No FF, por exemplo, a formação mais comum de uma equipe é baseada em


cinco funções e perfis de jogadores (rushador, suporte, terceiro homem, gra-
nadeiro e capitão), cada um responsável por um conjunto de ações dentro
do jogo. Em partidas normais bricoladas, essa divisão não é clara, quando
muito há uma precária diferença entre determinados rushadores e suportes.
Mesmo quando alguns jogos forçam jogadores a optarem por determinadas
funções dentro do jogo, observa-se uma frágil distinção entre determinados
papéis. Nos casos em que essa divisão existe, tratam-se de arranjos situa-
cionais, diferentemente do que ocorre com os profissionais, especializados
não somente no aprimoramento de técnicas humano-maquínicas (relação
jogo-jogador) voltadas para determinado esport, como também na execução
de tarefas tão particulares inerentes a suas funções.

A matriz bricolada está diretamente relacionada com os agenciamentos


dos atores envolvidos, e esse aspecto é um dos critérios que a separam
das demais configurações dos esports. As normas e regras externas (e algu-
mas internas) ao jogo, além de adaptáveis aos muitos contextos sociais,
são arbitradas pelos próprios jogadores. Em termos gerais, a configuração
bricolada dos esports é marcada pela relativização da performance, ausência
(ou número bastante limitado) de espectadores e arranjos, recriações ou
carência de muitas das regras formais de comitês que controlam os cenários
competitivos profissionais — ligados às empresas. Além disso, são observá-
veis dramatizações de gênero e diferenças estéticas como consequência do
aperfeiçoamento e do uso utilitário — ou não — das técnicas humano-maquí-
nicas, visíveis na comparação entre jogadores bricolados e profissionais.

Para além de todos esses elementos referenciais, a bricolagem transforma-


se em um espaço privilegiado onde são socializados os fundamentos do
esport, pelo menos no Brasil. Essa experiência de jogo é praticada em casa,
em lan houses, no ônibus, em praças e parques, em shoppings, na residência

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artigo Tarcízio Macedo

de amigos e em outros tantos espaços à margem das instituições formais,


principalmente das instituições de ensino — escolas e universidades. Enfim,
na bricolagem, mais do que se ensinar ou aprender somente uma prática,
socializa-se um conjunto de códigos, valores e normas chamados de cul-
tura esportiva e cultura gamer, uma cultura pulsante que se revela quando
se invade a trama configuracional desses eventos discretos, que frequente-
mente escapam à vista do observador, tamanha nossa intimidade.

A matriz comunitária dos esports


Entre a matriz profissional e a bricolada existe pelo menos uma modalidade
de esport, denominada de comunitária, mas para a qual também podería-
mos chamar de esport de várzea, amador ou de certa cidade. Aqui o termo
comunitário é mais adequado porque abraça uma quantidade ampla de
grupos que, com regularidade, caracterizam-se como tal. Esses coletivos se
reconhecem não apenas pelas condições materiais de existência em relação
ao consumo de certos bens (DAMO, 2005), mas especialmente pela partilha
de determinados códigos comuns (culturais, éticos, estéticos, identitários e/
ou históricos) que os validam como pessoas que compartilham um mesmo
espaço, ambiente e/ou pertencem a um mesmo grupo social.

Esta configuração é desenvolvida em espaços mais uniformes do que a bri-


colagem10, embora sem o rigor predominante nos campos oficiais. Outro
elemento que caracteriza essa matriz é que ela não está delimitada por uma
construção que confere ao espaço um sentido sagrado — como os ginásios
e estádios o fazem (GUMBRECHT, 2014). Possivelmente, o que melhor carac-
teriza esse esport intermediário — pelo menos em Belém (PA) e Porto Alegre
(RS) — é a existência de aproximadamente todos os componentes do esport
profissional, porém, diferindo em escala.

Diferentemente da bricolagem, a divisão social do trabalho fora de campo


é precária, não nula. A maioria das equipes na periferia dos esports tem um
coach e, em quase todas, é possível identificar também a figura de um diri-
gente (manager). O técnico dessas equipes, entretanto, não é compensado
financeiramente e nem sempre treina o time no decorrer da semana. Em
princípio, as funções no jogo são bem determinadas e até especializadas,
mas não é de se surpreender, por exemplo, se o rushador de uma equipe
de FF, a certa altura, jogar como granadeiro; ou se o rapaz que estava como
terceiro homem e havia sido substituído em alguma das partidas ressurgir

10 Em canais comunitários do Discord, em encontros fixos em lan houses e parques e em eventos e


torneios locais organizados pela comunidade, por exemplo.

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artigo Querelas esquecidas dos game studies: monopólio
e diversidade configuracional nos esports

como suporte nos minutos finais de um jogo. O fluxo de entrada e saída


desse circuito não reivindica o mesmo capital corporal do profissionalismo
(nível de destreza, aptidão, esforço etc.), mas também não é tão permeável
quanto o esport bricolado.

Em alguns casos, em geral online, pode haver a organização de eventos que


reúnam a elite local de equipes em iniciativas varzeanas. Uma variedade de
torneios online também é criada com frequência por comunidades e perfis
em serviços de redes sociais, frequentemente oferecendo prêmios no jogo.
Em outros casos, são organizados torneios regionais, locais, presenciais e
híbridos, desenvolvidos por lan houses, patrocinadores ou iniciativas inde-
pendentes. Apesar desse contexto, nessa matriz prevalece, principalmente, a
organização de competições presenciais em torno de um circuito fechado ou
reduzido entre bairros e regiões metropolitanas, onde predomina o espaço
local. Essa característica é diferente do que competições como a LBFF repre-
sentam e demarca um contraste perceptível entre as configurações.

Os patrocinadores dessas equipes são, em geral, pequenos empreendedores


locais, não raro familiares, cujo patrocínio é concedido graças à interferên-
cia pessoal dos próprios jogadores. No FF, as equipes do cenário comuni-
tário de esport costumam se organizar no entorno de ligas e campeonatos
estaduais, e estes, em alguns casos, filiam-se a associações mais amplas
(regionais/nacionais)11. Tais ligas, campeonatos e associações, porém, não
têm qualquer relação formal com a desenvolvedor do jogo — são iniciativas
independentes, via de regra.

Em cenários periféricos, onde o esport comunitário se fundamenta em comu-


nidades entusiastas e sérias de lazer, é frequente sua confusão com outras
configurações. Isso ocorre pela sua interação e pelo compartilhamento de
espaços com o esport profissional, o esport escolar e o esport bricolado desen-
volvido em dada região. Nas competições locais, em torneios mais ou menos
organizados, é muito provável que transitem equipes entusiastas, semipro-
fissionais, universitárias e outras mais profissionalizadas, cuja fronteira entre
elas é pouco delimitada.

Esse esport intermediário (aqui nomeado de comunitário) pode ainda ser


muito mais integrado ao sistema profissional. No cenário competitivo de FF,
por exemplo, um recorte desse cenário competitivo comunitário encontra
espaço na série C ou 3ª divisão da LBFF. Por intermédio das três sucessivas

11 Alguns dos exemplos mais famosos no estado do Pará são o Parazão Free Fire, a Liga União
Paraense de Free Fire e a Liga Paraense de Free Fire.

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artigo Tarcízio Macedo

subdivisões, o Castanhal E-Sports — um time de uma equipe de futebol do


interior do estado do Pará, da cidade de mesmo nome — integra, desde
2021, a base de uma pirâmide na qual a LOUD e o Corinthians Free Fire,
ambos da cidade de São Paulo e distantes quase três mil quilômetros da
primeira, estão no topo.

Tal modelo holístico, vigiado e hierarquizado por empresas como a Garena


não é, contudo, o mesmo vigente em todos os títulos de esports no Brasil, no
qual a organização regional da prática competitiva de esport é matizada pela
cultura local — de maneira similar ao futebol (DAMO, 2005). Apesar desse
modelo operado pela Garena contemplar o cenário comunitário de esport em
FF, ele não dá conta de visibilizar a diversidade de equipes e realidades pre-
sentes ali. Podemos dizer ainda que os esports comunitários são comumente
enquadrados como uma ponte de conexão direta com a matriz profissional
das atividades esportivas voltadas para jogos digitais, oferecendo uma base
abundante de jogadores entusiastas e toda sorte de profissionais relacionados.

A matriz escolar dos esports


Um quarto segmento configuracional dos esports gira em torno das institui-
ções de ensino, cuja atenção só recentemente tem sido dada por pesquisa-
dores dos game studies (TAYLOR; STOUT, 2020). Trata-se do esport praticado,
sobretudo, nas universidades e, com menor frequência, no ensino secun-
dário enquanto parte formal das disciplinas estabelecidas legalmente —
embora no Brasil não esteja incorporado aos conteúdos da educação física.
A distinção dessa matriz em relação às demais é, como se pode presumir,
a presença regular e mediadora da instituição escolar. O vínculo institucio-
nal, aliás, é um elemento obrigatório para que estudantes ingressem em
um ecossistema competitivo universitário formado em torno dos esports.

Além disso, Damo (2005) aponta que o espaço físico, em si mesmo, não seria
suficiente para prescrever as atitudes de atividades esportivas escolares. A
temporalidade seria uma variante elementar, uma vez que o tempo de aula
assume um sentido diretamente oposto ao tempo do intervalo/recreio ou
aquele que antecede o início das aulas. No pátio das escolas ou das uni-
versidades joga-se, quase sempre, a configuração bricolada de um esport,
na medida em que este ambiente é, em relação à formalidade das salas
de aula, um espaço menos institucionalizado. Essas percepções são cons-
truídas por meio de um agregado de relações em que a instituição escolar
exerce vasto prestígio.

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artigo Querelas esquecidas dos game studies: monopólio
e diversidade configuracional nos esports

Embora o esport escolar não seja um dispositivo pedagógico ou conteúdo


das aulas de educação física (diluído no rol das modalidades esportivas),
como o são os esportes escolares, há um número relevante de universida-
des que incentivam a organização de competições e festivais intramuros ou
em rede. Nesses termos, a presença de programas escolares voltados para
os esports é parte importante para sua institucionalização como esporte
(cf. TAYLOR; STOUT, 2020). Da perspectiva do uso das técnicas corporais de
habilidades motoras finas e do seu regime simbólico, essa matriz do esport
não tem uma distinção significativa no que tange às outras modalidades,
especialmente quando predomina a pedagogia do laissez-faire. Nesses casos,
a disposição natural é que o esport escolar se mova em direção às configu-
rações da bricolagem.

A matriz escolar de esports no Brasil, no entanto, difere dos modelos norte-


americano e canadense e se encontra menos consolidada nas estruturas
formais das instituições de ensino brasileiras do que nesses países, embora
aqui se registre um aumento de eventos e equipes relacionados aos esports
universitários na última década. No cenário nacional prevalece uma dinâmica
informal de equipes administradas por estudantes, muitas vezes precárias,
sem vínculo ou apoio formal das instituições de ensino. Uma estratégia usada
por alguns desses times, como a UFSC Titans, da Universidade Federal de
Santa Catarina, é a integração a projetos de extensão, por meio dos quais
se pode concorrer a editais de financiamento12. Foi assim que surgiu em
2015, na cidade de Belém (PA), o primeiro time universitário de esport do
Brasil, o Cesupa Team.

Enquanto nos Estados Unidos a National College Athletics Association (NCAA),


a maior entidade reguladora do atletismo universitário no país, ainda não
realizou esforços para incluir os esports em seu escopo (TAYLOR; STOUT,
2020), no Brasil, o contexto é bastante diferente. Desde 2016, a Confederação
Brasileira do Desporto Universitário (CBDU) inclui modalidades de esports nos
Jogos Universitários Brasileiros (JUBs). Ao longo das edições, o número de
modalidades (títulos) foi aumentando. Em 2020, a CBDU lançou o JUBs eSports,
uma competição independente realizada em razão da pandemia de covid-19.

O breve histórico oferecido nos parágrafos anteriores ilustra a presença cres-


cente e a importância do esport escolar no Brasil, bem como o ecossistema

12 Disponível em: <https://noticias.ufsc.br/2021/09/ufsc-titans-equipe-de-esports-representa-a-uni-


versidade-em-campeonatos-e-serve-de-laboratorio-a-alunos/>. Acesso em: 18 jan. 2022.

18 Galáxia (São Paulo, online), ISSN: 1982-2553. Publicação Contínua. e58769


http://dx.doi.org/10.1590/1982-2553202358769. v. 48, 2023, pp.1-23.
artigo Tarcízio Macedo

competitivo que vem se consolidando dentro dessa configuração. Ainda


assim, há uma lacuna considerável na literatura brasileira e internacional
sobre essa matriz. A invisibilidade da instituição escolar, de nossa perspec-
tiva, é produto da hipertrofia e do monopólio temático do esport profissional
diante das demais configurações esportivas voltadas para os jogos digitais.
A relação entre o espaço esportivo e aquele destinado ao esport escolar
aparenta ter se replicado no campo acadêmico da mesma forma que foi
introduzido no campo midiático.

O esport escolar, inclusive, tem sido posicionado constantemente pelos admi-


nistradores das universidades como uma estratégia e instrumento sedutor
para diminuir a evasão escolar e recrutar e reter estudantes (TAYLOR; STOUT,
2020). Em parte, isso revela o modo como o esport escolar é geralmente
percebido como um caminho de partida para os jogadores que desejam
consolidar uma carreira na matriz profissional da prática — talvez, menos
dolorosa do que a transição feita por meio da matriz comunitária e bricolada,
dado o potencial aparato institucional oferecido pelas instituições de ensino.

Considerações finais
Ao longo deste artigo, buscamos oferecer uma amostra da diversidade con-
figuracional nos esports e alguns indicadores e características que se mani-
festam nas matrizes sugeridas. Nossa proposta funciona como um relance
de uma cena em fluxo; é uma remontagem parcial (LATOUR, 2005) de alguns
dos fragmentos que compõem essa diversidade. Tratam-se de elementos
configuracionais que ajudam a definir cada uma das modalidades de ativida-
des esportivas voltadas para os videogames. Em vez de posicionar o esforço
analítico ora sobre o comportamento dos jogadores, ora sobre as nuances
materiais, mecânicas e institucionais do esport, a teoria laturiana permite
remontar a associação entre os atores que formam esses contextos — uma
associação que envolve não apenas a tecnologia, mas também as práticas
emergentes das comunidades, as estruturas institucionais e legais que dão
forma ao esport e ao jogar, suas dimensões socioculturais, o mundo mate-
rial que o atravessa e assim por diante (TAYLOR, 2009), dando vasão, por-
tanto, a sua diversidade.

A depender de cada tipo de jogo, é provável que adaptações e acréscimos


sejam necessários ao modelo proposto. Além disso, nem todos os títulos
de esports se distribuem em todas as quatro configurações, seja no Brasil,
seja em qualquer outra parte do mundo, porque cada esport se desenvolve

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artigo Querelas esquecidas dos game studies: monopólio
e diversidade configuracional nos esports

localmente de forma diferente (FALCÃO et al., 2020). A transição de uma


configuração à outra pode ainda exigir a mudança de papel — de jogador
para torcedor, por exemplo — e, consequentemente, das condições e possi-
bilidades para cada função, o que inclui as redes de relações, os significados
da ação e os constrangimentos a que estaria implicado. Em outras palavras,
a diversidade das situações de jogo nos esports implica em arranjos midiáti-
cos, materiais, econômicos, espaciais, (geo)políticos e socioculturais distintos
(MACEDO; FRAGOSO, 2019), nos quais múltiplas mediações atuam e alteram
as matrizes esportivas em cada cena local, dando-lhe contornos próprios.

A tipologia aqui sugerida tem ainda uma aplicação estratégica, de tal forma
que é inadequada e improdutiva quando empregada como simples ins-
trumento de gradação com um fim em si mesmo. Essa segmentação com
base na prática de jogar foi construída para delimitar as continuidades e
descontinuidades no universo dos esports, tomando as seguintes variáveis
apresentadas por Damo (2005), acrescidas de contribuições nossas: a) o
nível de codificação e agenciamento, b) o grau de intensidade da divisão
social do trabalho, c) a morfologia, d) a disposição do espaço e do tempo,
e) a espetacularização e a presença de público, f) e a dimensão física, espa-
cial e material do jogo. Com esse conjunto de fatores, construímos tipolo-
gias matriciais de base sociológica para, fundamentado nelas, pensar nas
questões comunicacionais, sobretudo de ordem sociotécnica, atribuídas à
prática e à fruição dos esports.

Além disso, o protagonismo crescente dos esports na indústria de games,


na análise e na cultura de jogo contemporânea (TAYLOR, 2012) — e o reco-
nhecimento de “uma ontologia que sublinha sua condição experiencial
necessariamente midiática” (MACEDO; FALCÃO, 2019, p. 246) — aponta
para a relevância desse objeto nas pesquisas em comunicação. Como pro-
duto sociotécnico característico de uma cultura midiática — advindo da e
na mídia (HUTCHINS, 2008) —, como prática da cultura digital contempo-
rânea e como fenômeno híbrido que se compõe de forma transdisciplinar
(MACEDO; FALCÃO, 2019), os esports encontram espaço cativo em uma das
abordagens dos estudos da comunicação — a cibercultura ou cultura digital
—, embora não se limitem a ela. Como campo do saber, portanto, a comu-
nicação tem uma grande contribuição a oferecer aos esports. Contudo, a
agenda de estudos sobre o fenômeno demanda ainda um maior esforço
de pesquisa de campo para preencher lacunas e documentar sua história
social e comunicacional de forma mais adequada.

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http://dx.doi.org/10.1590/1982-2553202358769. v. 48, 2023, pp.1-23.
artigo Tarcízio Macedo

Esperamos ter conseguido mostrar que o fato social esportivo, sobretudo as


modalidades voltadas aos jogos digitais, tem inúmeras faces encobertas, e
elas, cada uma a sua maneira, têm muito o que nos dizer. Mas a diversidade
e a fragmentação precisam ser, de alguma forma, tratadas. Mais que isso,
é necessário mapear caminhos, cenários, e foi com tal propósito que deli-
neamos os limites — potencialmente transgredíveis — das quatro matrizes
aqui introduzidas. A descrição delas oferece um vislumbre de uma parcela
do que seja a variedade de manifestações dos esports no país, o que sugere
serem muito mais ricas em termos de diversidade de significados, estilos,
personagens, cenas, cenários e formas de organização imputados quer à
atividade esportiva em videogames, quer à sociabilidade que se desenvolve
ao redor de cada uma. A tese de que o conjunto das práticas reportadas
como esport pode ser dividido e/ou associado em quatro configurações dife-
rentes necessita ainda de mais discussão, dados de campo e aplicação de
conceitos. No entanto, pensar nas configurações sociais dos esports, como
recortes e/ou categorias de análise da diversidade esportiva presente nos
jogos digitais, parece-nos uma alternativa apropriada aos reducionismos
que se apresentam na literatura do fenômeno.

O mais relevante da contribuição que propomos neste estudo é a inclusão


dos esports no conjunto dos fatos sociais importantes à compreensão não
apenas da cultura de jogo no país, mas também da própria sociedade brasi-
leira. DaMatta (1997) já havia apontado para a relevância do esporte — em
debate o futebol — para um melhor entendimento do Brasil e do que pen-
sam sobre ele os brasileiros. O autor reiterava, com base nesse esporte, a
tese principal de seu livro, segundo a qual uma compreensão mais adequada
do país e do que seu povo pensa sobre a nação emerge quando desviamos
das instituições ditas sérias — a exemplo do Estado e do mercado — e nos
debruçamos sobre alguns fatos sociais supostamente menos apreciados.
Em síntese, ganhamos em entendimento de Brasil e dos brasileiros quando
nos aproximamos do carnaval, das religiões, do entretenimento, da música
e da diversidade das situações de jogo presentes no país, como o futebol,
o jogo do bicho, os videogames e, também, os esports.

Tarcízio Macedo é doutorando em Comunicação e


Informação na Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS) e mestre em Comunicação, Cultura e
Amazônia pela Universidade Federal do Pará (UFPA),
com período sanduíche na Universidade Federal da
Bahia (UFBA) e Universidade do Estado da Bahia (UNEB).

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artigo Querelas esquecidas dos game studies: monopólio
e diversidade configuracional nos esports

É especialista em Comunicação Científica na Amazônia


pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (Naea, UFPA)
e pesquisador do Laboratório de Artefatos Digitais
(UFRGS), do Laboratório Cubo de Inovação da Fundação
Getúlio Vargas (EMCI FGV) e dos grupos de pesquisa
Comunicação, Consumo e Identidade (UFPA) e Inovação
e Tecnologia na Comunicação (UFPA).

tarciziopmacedo@gmail.com

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Artigo recebido em 20/07/2022 e aprovado em 21/10/2022.

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