zeluiz,+AF4 Artigo Graciela
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RESUMO
O objetivo deste artigo é relatar as experiências de um projeto de extensão que buscou G raciel a da Silva
estimular o interesse de estudantes do ensino médio pela teoria da evolução biológica, O liveira
popularizando os conceitos-chave das ideias promulgadas por Charles Darwin (1859). Universidade Federal
do Mato Grosso. Institu-
As ações do projeto foram: (1) conhecer, por meio da aplicação de questionários, a
to de Biociências, Mato
percepção que estudantes do ensino médio e seus professores de Biologia apresentam Grosso, Brasil
sobre ciência e a teoria da evolução biológica; (2) promover mostras científicas por
meio da oferta de oficinas e minicursos nas escolas públicas. Os resultados indicam
que as percepções dos estudantes e professores do Ensino Básico, em relação à ciência
e à teoria da evolução biológica, são otimistas e positivas, e as crenças pessoais não
parecem influenciar em seus posicionamentos sobre o tema. O estudo das percepções
de estudantes e professores forneceu subsídios na definição de “o que, para quem e
como comunicar” temas científicos no espaço escolar. Assim, seguiu-se a segunda
etapa deste projeto – a elaboração e execução de oficinas para estudantes do ensino
básico – que resultou em novas oportunidades, para os envolvidos, de reconstruir a
relação e atribuir valores a ciência.
Palavras-chave: Cultura Científica. Divulgação. Educação Científica. Evolução
Biológica.
ABSTRACT
The objective of this paper is to report the experiences of an extension project that
aimed to stimulate the interest of high school students by the theory of biological
evolution, popularizing the key concepts of the ideas promulgated by Charles Da-
rwin (1859). The project’s actions were: (1) known, by means of questionnaires, the
perception that high school students and their biology teachers have on science
and the theory of biological evolution; (2) promote science exhibitions by offering
Rev. Cult. e Ext. USP, São Paulo, n. 12, supl., p.57-71, mar. 2015 57
DOI: http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9060.v12isupl.p57-71
workshops and short courses in public schools. The results indicate that the percep-
tions of students and teachers of basic education in relation to science and theory of
biological evolution, are optimistic and positive, and personal beliefs do not seem to
influence in their positions on the subject. The study of the perceptions of students
and teachers provided information on the definition of “what, for whom and how
to communicate” scientific subjects at school. So was followed by the second stage
of this project – the development and implementation of workshops for students of
basic education – which resulted in new opportunities for those involved, to rebuild
the relationship and assign values to science.
Keywords: Scientific Culture. Disclosure. Science Education. Biological Evolution.
INTRODUÇÃO
Este artigo tem como objetivo relatar as experiências de ensino, pesquisa e ex-
tensão vivenciadas durante o desenvolvimento do Projeto de Extensão Evolução Bio-
lógica: exposições científicas e culturais nas escolas públicas de Cuiabá – MT, realizado
entre os anos de 2011-2012 por um grupo de estudantes e sua professora, durante o
curso de Licenciatura em Ciências Biológicas. Esse projeto de extensão teve como
enfoque estimular o interesse dos estudantes de ensino médio pela teoria da evolu-
ção biológica, popularizando os conceitos-chave das ideias promulgadas por Charles
Darwin (1859), bem como os conceitos científicos das Ciências Biológicas que estão
diretamente ligados a essas ideias.
O desenvolvimento desse projeto de extensão foi importante, de modo amplo, para
aproximar o público acadêmico e o escolar em um processo de comunicação científi-
ca e, particularmente, contribuiu para ampliar a compreensão da percepção pública
de jovens estudantes e professores da educação básica sobre a ciência, apontando
caminhos para ações mais efetivas de desenvolvimento de uma cultura científica.
Quando se fala em cultura científica, alguns desafios merecem destaque, pois de
acordo com Vogt [15] nunca na história houve tantas iniciativas governamentais e
acadêmicas em favor da comunicação científica e tecnológica no mundo. Porém,
embora sejam várias as iniciativas e as razões em favor da divulgação e comunicação
científica, paradoxalmente, nota-se um declínio de jovens interessados em assuntos
relacionados à ciência, bem como em seguir uma carreira científica, apesar de convi-
verem intensamente com produtos científicos e tecnológicos.
As razões que afastam os jovens de temas científicos parecem associadas, princi-
palmente, as suas experiências e valores adquiridos durante a sua trajetória escolar.
Vogt [15] explica sobre essa associação:
a palavra “ciência” assusta a esmagadora maioria dos cidadãos [...] porque traz à
memória fracassos escolares por incapacidade de compreensão ou de manipulação de
conceitos. Com demasiada frequência, o ensino das ciências funciona como um fator
de seleção dos “bons” e de exclusão dos “maus”. Depois, logicamente, slogans como
“a ciência é divertida, criativa e ao alcance de todos”... parecem mentiras.
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M AT E R I A I S E M É T O D O S
Este projeto foi desenvolvido por uma professora e alunos do curso de Licenciatura
em Ciências Biológicas, do Instituto de Biociências – Campus Cuiabá (MT) –, ma-
triculados na disciplina Instrumentação para o Ensino III, sendo dois bolsistas de
Extensão e outros 19 alunos da disciplina. O público alvo configurou-se em alunos
dos três anos do ensino médio e seus respectivos professores de Biologia, de duas
escolas públicas de Cuiabá, uma municipal e a outra estadual. A escolha dessas es-
colas deveu-se à proximidade da gestão do projeto com alguns de seus funcionários.
O total de alunos do ensino médio participantes do projeto foi de 227, cujas faixas
etárias estão distribuídas da seguinte forma: menos de 15 anos, três alunos; entre 15 e
20 anos, 189 alunos; e mais de 20 anos, 30 alunos. Não responderam a essa pergunta
cinco alunos.
O Gráfico 1 mostra a distribuição desses alunos por ano de escolarização:
Gráfico 1– Distribuição dos jovens estudantes que participaram do projeto, por ano escolar
60
50 49
47
40
36 37
28 30
30
20
10
0
Masculino Feminino
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A coleta dos dados foi realizada a partir do contato direto com os inquiridos, du-
rante o período letivo, em horários previamente negociados com a gestão e com os
professores da escola. A aplicação dos questionários durava, em média, 20 minutos.
As questões presentes nos questionários aplicados aos estudantes versavam sobre:
caracterização socioeconômica; proximidade e interesse por ciências e suas aulas de
ciências; interesse por tópicos que sustentam a teoria da evolução biológica; e carac-
terização cultural, particularmente, proximidade com crenças religiosas. A escolha
dos temas ciência e religião foram importantes para compreensão de como os estu-
dantes se relacionam com eles.
Os dados obtidos foram processados no Software Statistical Package for Social Scien-
ce (SPSS) – Pacote Estatístico para as Ciências Sociais – versão 18.0, que é um pro-
grama estatístico facilitador e mediador do trabalho de análise numérica. O SPSS
utilizado foi licenciado pelo projeto Desempenho escolar inclusivo na perspectiva multi-
disciplinar – Observatório da Educação (CAPES/INEP, 2010), no qual a coordena-
dora do presente projeto participa como pesquisadora.
Para avaliar diferenças entre as amostras e relações entre as variáveis, foram re-
alizadas análises descritivas de frequências absolutas e relativas, seguidas do exa-
me das variáveis e suas correlações por análises multivariadas (Mann Whitney e
Kruskal-Wallis).
À luz dos referenciais teóricos que orientam o ensino da teoria da evolução bio-
lógica, os acadêmicos elaboraram oficinas pedagógicas para aplicação nas escolas,
com base em um roteiro denominado Oficina Pedagógica, no qual caracterizaram:
carga horária; limite de vagas; ementa; objetivos educacionais; materiais necessários;
sistemática/desenvolvimento do trabalho; e estratégias de avaliação e autoavaliação.
A duração de cada oficina foi de quatro a oito horas e essas formações versaram
sobre temas relacionados à teoria da evolução biológica. Para chamar atenção dos
jovens, as oficinas receberam os seguintes títulos: Evolução Biológica: afinal o que é
isso?; A natureza: entre o bem e o mal; Répteis: descobrindo seu passado; O que os
olhos não veem; Quem é Darwin?; e Os fósseis e você, tudo a ver.
Ao final das oficinas, o grupo de pesquisadores avaliou as opiniões dos estudantes
sobre as atividades que foram desenvolvidas e retomou, também, as ideias iniciais
que os jovens apresentaram sobre ciência e evolução biológica.
C O M U N I C A Ç Ã O E D I F U S Ã O D A C U LT U R A C I E N T Í F I C A
AT R AV É S D A T E O R I A D A E V O L U Ç Ã O B I O L Ó G I C A
O projeto teve início com a busca pela percepção sobre ciência entre os jovens ma-
triculados no ensino médio e seus professores de Biologia.
Quanto à percepção que os estudantes têm sobre ciência, não houve diferença es-
tatística significativa ao nível de 5% nas respostas dos estudantes quanto às variáveis:
sexo, idade e série.
Os dados obtidos indicam que os jovens consideram que a ciência é relevante
para a sociedade e contribui para resolver problemas do cotidiano. Paradoxalmente,
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quando as afirmações se voltam para a origem e evolução humana, com um índice de
44,5% de aceitação para a afirmação O ser humano se originou da mesma forma como
as demais espécies biológicas; 49,3% para A espécie humana habita a Terra há cerca de
100.000 anos; e 35,2% para Primeiros humanos viveram no ambiente africano. Destacam-
-se os percentuais de “não resposta” de 14,1% também para os itens relacionados à
origem e evolução humana.
Embora sejam menores os níveis de concordância dos estudantes com itens sobre
a origem e evolução humana, não houve diferença significativa (5%) entre as respos-
tas. Esses resultados apontam que os estudantes parecem interessados e motivados
por temas relacionados à teoria da Evolução Biológica.
Essa motivação não parece influenciada por uma proximidade com a religião, pois
a maioria dos jovens se considera religioso e acredita em explicações teológicas para
origem da vida, como pode ser observado nos níveis de aceitação dos itens das ques-
tões Sou uma pessoa religiosa**, em que 76% concordam; em Acredito na doutrina ou
nos ensinos religiosos, com 70,4% de concordância; em Os conhecimentos religiosos são
úteis no meu dia a dia, com 69,6% de concordância; e em Acredito nas explicações reli-
giosas para origem da vida, com o qual 72% concordam. Portanto, existe uma aparente
convivência de ideias opostas para o jovem estudante.
Esses resultados contradizem os dados encontrados por Oliveira e Bizzo[8], que
pesquisou sobre esses mesmos temas dentre estudantes do ensino médio de Tangará
da Serra (MT) e São Caetano do Sul (SP). Os resultados do pesquisador mostram
que os níveis de aceitação parecem influenciados principalmente pela religião: os es-
tudantes mato-grossenses e evangélicos apresentaram níveis mais baixos de concor-
dância com a teoria evolutiva, diferentemente dos estudantes paulistas, que apresen-
tam níveis mais altos de aceitação, inclusive de itens referentes à origem e evolução
da Terra e do ser humano.
Contudo, Bizzo, Santos Gown e Mota [4], em uma pesquisa semelhante que re-
alizaram em âmbito nacional, não encontraram relações de proximidade dos jovens
em relação à teoria da evolução e crenças religiosas, e destacam que a aceitação da
evolução não varia consideravelmente entre os sexos e entre as religiões, embora as
meninas, de maneira geral, e os meninos evangélicos mostrem menor concordância
com essa ideia do que meninos e meninas católicos. Um resultado relevante, apontado
pelos autores, foi a discordância de 80% dos católicos e de 67% dos evangélicos com
a afirmação minha religião me impede de acreditar na evolução biológica.
Diante dos resultados apresentados, os autores citados comentam que os jovens
parecem entender que a ciência não pode ser vista como um simples sistema de ver-
dades e dogmas, e que a religião não impede o desenvolvimento de nossa capacidade
de observar e interpretar o mundo.
Assim, considerando os resultados encontrados por Bizzo, Santos Gouw e Mota [4]
e os apontados na pesquisa apresentada neste artigo, surgem novos questionamentos,
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suas crenças pessoais, as questões religiosas ensinadas na escola e ainda o ensino
da teoria da evolução biológica.
De maneira geral, os dados analisados apontam que as percepções positivas em
relação à ciência e à teoria da evolução biológica foram comuns entre os estudantes
e professores, e que questões religiosas não parecem influenciar explicitamente nas
suas opiniões e posicionamentos. No entanto, considera-se necessário o desenvolvi-
mento de estudos de cunho quantitativo associados a qualitativos para aprofundar a
compreensão de como as características culturais e sociais dos sujeitos pesquisados
se relacionam com a percepção da ciência.
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grupos e desafiados por um jogo de perguntas e respostas, o Jogo dos Fósseis, que con-
siste em um tabuleiro que identifica concepções prévias dos estudantes sobre o tema.
Ao longo da atividade, os ministrantes anotavam as principais respostas dos grupos
e, após analisarem-nas, identificaram que a maioria das ideias sobre fósseis estava as-
sociada a restos de dinossauros e, principalmente, que a fonte de informação desses
estudantes era a mídia, em programas de televisão e internet.
Em seguida, esses alunos foram convidados a confeccionar alguns moldes de fós-
seis, através do uso de massa de modelar e gesso, possibilitando a reflexão sobre como
ocorre o processo de fossilização. Foram apresentados, previamente, alguns fósseis
produzidos com gesso, simulando as formas reais e abordando com os alunos como
este artefato seria conservado ao longo dos anos.
Novas informações sobre os fósseis eram agregadas às atividades gradualmente,
por meio de exposições de imagens e da proposta de discussões a partir de textos
disponíveis na revista Ciência Hoje, particularmente a coluna Caçadores de Fósseis.
A utilização de textos de divulgação científica justifica-se pelo tempo disponível para
oficina e por se tratar de um material já adaptado para o público escolar em geral. Ao
longo da oficina, os ministrantes buscavam interfaces entre as dúvidas e comentários
apresentados pelos estudantes e o conteúdo conceitual.
No final das atividades os estudantes do ensino médio responderam a uma pesqui-
sa sobre o que foi estudado e avaliaram o curso por meio de um formulário composto
das seguintes questões dissertativas: O que você aprendeu de novo hoje? O que é
um fóssil? O que mais gostou na oficina? O que menos gostou na oficina? O que lhe
despertou mais interesse hoje? O que você mais gostou do jogo? O que você mais
gostou na construção dos fósseis?
Os estudantes pareceram satisfeitos com a oficina, demonstrando motivação em
estudar e pesquisar mais a respeito do que foi apresentado suscitando novos interes-
ses diante de temas científicos. Eles destacaram que aprenderam uma nova acepção
para o termo “fóssil”, já que o tema não estava tão restrito aos dinossauros, ampliando
seus conceitos, por exemplo, para fósseis de vegetais, o que não parecia possível ante-
riormente. Dentre os pontos negativos identificados pelos ministrantes destaca-se a
organização/sequência das atividades em relação à dinâmica da sala de aula, e a carga
horária disponível, que pareceu insuficiente para o que foi proposto.
As atividades de extensão em parceria com os sujeitos da escola retomam a dis-
cussão de que a formação inicial docente se coloca tanto no contexto universitário
quanto na educação básica. Embora esse projeto desenvolvido tenha sido de curto
prazo em sala de aula, construído a partir de ideias didáticas comuns e simples, a ex-
periência de sua aplicação representou mais uma possibilidade de superação de um
ensino fragmentado e desconectado da realidade do exercício docente.
No aprendizado a partir de situações concretas os alunos de licenciatura tiveram
oportunidade de refletir sobre os conteúdos biológicos enquanto temas que deverão
ser ensinados e transpostos para o saber escolar, contribuindo, assim, para o desenvol-
vimento da competência de selecionar, avaliar e refletir sobre as diferentes estratégias
didáticas para ensinar temas científicos. Do outro lado, os professores e alunos da
educação básica contemplados com as oficinas tiveram oportunidade de reconstruir
a relação com a ciência e os temas científicos.
68 Darwin na Escola: Relato de Uma Experiência de Divulgação Científica
Por fim, considera-se que iniciativas de desenvolvimento da cultura científica são
indispensáveis para inclusão dos jovens na compreensão da vida cotidiana e nela
atuar transformando a sua realidade e, principalmente, participando e julgando de-
cisões políticas.
REFERÊNCIAS
Rev. Cult. e Ext. USP, São Paulo, n. 12, supl., p.57-71, mar. 2015 69
encontram: religião e Ciência na trajetória de formação de alunos protestan-
tes de uma licenciatura em Ciências Biológicas. Investigaciones en Enseñanza
de las Ciencias; Investigations in Science Education. v.09, n.02, 2004. Dis-
ponível em: < http://www.if.ufrgs.br/public/ensino/revista.htm>. Acesso em:
04 ago. de 2013.
[14] VOGT, C. A.; CASTELFRANCHI, Y. Interesse, informação e
comunicação. Cultura científica em Iberoamérica encuesta em grandes
núcleos urbanos. ed. 1, Fecyt, OEI, Ricyt, pp. 16, p.21-36, 2009.
[15] VOGT, C. A. Ciência, Comunicação e Cultura Científica. In: VOGT, C. (org.).
Cultura Científica: desafios. São Paulo: Edusp/Fapesp, 2006, p.19-26.