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Abstract: This paper presents the results of a study conducted in newspaper archives as part of
the undergraduate Journalism program at the Federal Fluminense University since 2022,
focusing on the early history of news agencies in Brazil, specifically in the 19th century. In
addition to summarizing the history of the first companies in this industry—Agencia Americana
Telegraphica (1874-1875), Centro Telegraphico da Imprensa (1888-1890), and Serviço
Especial d’O Paiz (1889-1905)—the paper illustrates their intertwining through individuals in
common, with a particular emphasis on the role of Brazilian journalist and politician Quintino
Bocaiúva. The conclusion encourages further exploration of this branch of news media, which
will reach its 150th anniversary in the country in 2024.
Keywords: press history; news agency journalism; news agencies; newspaper archive research.
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1
Graduando do bacharelado em Jornalismo da Universidade Federal Fluminense (IACS/UFF). Este artigo é
resultado de projeto “História das Agências de Notícias Brasileiras e das Agências de Notícias Estrangeiras no
Brasil”, financiado pelo programa PIBIC/UFF e orientado pelo Prof. Dr. Pedro Aguiar (UFF). E-mail:
joaopedrosabadini@id.uff.br .
INTRODUÇÃO
É recente o interesse de pesquisadores acadêmicos quanto à história das agências de
notícias no Brasil. Embora nenhum livro publicado trate diretamente do assunto (Aguiar, 2016),
há anotações esparsas em obras de referência da historiografia da imprensa brasileira,
especialmente Molina (2015, p. 400-429), Erbolato (1991[1978], p. 170-189) e Bahia
(2009[1964], p. 274-282). Atualmente, um projeto de pesquisa em andamento no âmbito da
iniciação científica em Jornalismo na Universidade Federal Fluminense busca reunir
informações isoladas para construir essa história de forma sistemática, coerente e disponível ao
público. Afinal, trata-se de uma história que, em 2024, completa 150 anos.
Em 1874, três marcos históricos deram o pontapé inicial para a trajetória das agências
de notícias no Brasil: em fevereiro, a fundação da primeira empresa nacional do ramo, a
Agencia Americana Telegraphica, de Manoel Gomes de Oliveira; em junho, a instalação do
cabo telegráfico submarino do Atlântico Sul (de Carcavelos, em Portugal, a Recife, no Brasil);
e, em julho, o início das operações do escritório conjunto da francesa Havas e da britânica
Reuters no Rio de Janeiro (Aguiar, 2020a).
Desde então, nomes conhecidos como Quintino Bocaiúva, Olavo Bilac, Sérgio Buarque
de Holanda, Monteiro Lobato, Menotti del Picchia, Austregésilo de Athayde, Raul Bopp,
Cásper Líbero, Cecília Meireles, Carlos Lacerda e Alberto Dines (Aguiar; Sabadini, 2023, p. 2)
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passaram pelo jornalismo de agências no Brasil, embora essa passagem raramente seja
destacada em suas biografias. Preencher essa lacuna de pesquisa identificada é um dos
principais objetivos do estudo aqui apresentado.
METODOLOGIA
A pesquisa, ainda em execução, visa justamente suprir essa demanda historiográfica. A
importância passa, além de uma reconstituição histórico-material dessas informações, por uma
função de construção basal dos conteúdos. Ao longo dos anos, com a contribuição de
diversos(as) autores sobre o tópico, espera-se ter material organizado, tabulado e publicado a
ponto de integrar espaços que outros ramos do jornalismo – como o impresso, radiofônico,
televisivo e digital – já integram, com inúmeras obras próprias sobre o assunto e possibilitando
o crescimento dos estudos teóricos para futuros(as) pesquisadores(as).
2
Disponível em <https://pjbr.eca.usp.br/arquivos/monografia1_i.htm>
3
No sistema da HDB, as décadas são iniciadas por anos terminados em 0 e concluídas em anos terminados em 9.
No calendário gregoriano, as décadas e séculos só começam nos anos terminados em 1.
O mesmo modelo de coleta de dados pode ser feito via acervo digitalizado de jornais
privados, como O Estado de S.Paulo (no ar desde 2012, com acervo iniciado em 1875), O
Globo (no ar desde 2013, com acervo iniciado em 1925) e Folha de S. Paulo (no ar desde 2018,
com acervo iniciado em 1921). No entanto, dos mencionados, apenas o Estadão possui coleção
de edições desde o século XIX. Também é relevante comentar que tais acervos não podem ser
acessados e reproduzidos gratuitamente, ao contrário do material da Hemeroteca Digital da
Biblioteca Nacional.
Notícias vindas de agências estrangeiras já chegavam ao Brasil anos antes disso – com
menções encontradas a partir de 1851 (AGUIAR, 2022), graças ao transporte de despachos via
navios. A pesquisa hemerográfica localizou ainda menções a correspondências com notícias
estrangeiras, mais especificamente de Londres, vindas através de uma certa “Agencia
telegraphica sub marina” <sic> e iniciadas no dia 5 de outubro de 1870, no Diário do Rio de
Janeiro, pouco mais de três anos antes da instalação do cabo telegráfico ligando o Brasil a
Portugal, e com última aparição em 6 de dezembro de 1877, no jornal O Cearense, de Fortaleza.
Nenhuma outra informação sobre tal agência aparece nos registros.
4
Disponível em <http://memoria.bn.br/docreader/094170_02/31267>, 3ª coluna
5
Disponível em <http://memoria.bn.br/docreader/226440/5654>, 3ª coluna
Tal planejamento também demonstrava as intenções e a força com que pretendia atuar,
pois, já de início, já tinha uma concepção e investimento de internacionalização em locais-
chave, além das inspirações nas agências francesa e britânica, respectivamente, “Havas” e
“Reuter” (assim escrita à época).
Em agosto daquele ano, Gomes de Oliveira decidiu ampliar seus negócios e abre seu
próprio jornal, chamado O Globo (sem conexão com o homônimo criado pela família Marinho,
que viria a existir apenas a partir de 1925). Na empreitada, teve como sócios Salvador de
Mendonça, Joaquim Dias da Rocha e o cubano Bernardo Caymari (Aguiar, 2018). Tal jornal,
inclusive, trazia folhetins escritos por ninguém menos que Machado de Assis, além de crônicas
do grande escritor brasileiro com críticas à Havas – disfarçadas como “o telégrafo” -, ironizando
o fato da empresa francesa publicar “barrigas” (notícias falsas publicadas involuntariamente) e
criticando a “pobreza de estilo” dos escritos (Quadros, 2013, p. 763-768).
6
Disponível em <http://memoria.bn.br/docreader/704555/4881>, 3ª e 4ª colunas
Aguiar (2018) conta que, em meados de 1875, Gomes de Oliveira enfrentou duas
dificuldades que acabaram ocasionando o seu fechamento: as acusações de plágio envolvendo
o Jornal do Commercio do Rio e o Diario do Gram Pará, de Belém, e o episódio que mais
causou complicações, a denúncia de prática de loteria ilegal.
Na tentativa de buscar ampliar suas fontes de renda (visto que a Havas-Reuter havia
acabado de chegar no Brasil, trazendo um concorrente de peso), a direção da AAT optou por
adotar um sistema de “plano por assinatura”, no qual parte dos lucros seria repassado aos
assinantes, similar a uma ideia de sociedade empresarial: “recebendo o socio possuidor do
recibo de assignatura da folha, que tivesse numero egual ao do maior premio na loteria do
governo, os lucros da quinzena de que desistiam os demais socios por commum acordo” (O
Globo, 29 de nov. de 1874, p. 2)7. No entanto, o esquema foi denunciado e julgado como loteria,
o que era ilegal à época (lei 1099 de 18 de setembro de 1860). Detalhes do julgamento e trechos
da defesa (a cargo do ilustre jurista Saldanha Marinho) foram publicados em algumas edições
do jornal O Globo, mas o resultado não foi favorável a Gomes de Oliveira:
7
Disponível em <http://memoria.bn.br/docreader/369381/461>, 2ª a 6ª colunas
Araújo (2015, p. 132-133) registra como a relação entre Gomes de Oliveira e Bocaiúva
era de confiança, a ponto de o empresário despachar o jornalista (à época com 37 anos) para
Salvador com a missão de estabelecer uma sucursal e uma base de clientes para a AAT. Nessa
missão, aprendeu os trâmites dos contratos de fornecimento noticioso para a imprensa e teve de
lidar com a pressão competitiva da Havas, cuja rede de informações, em função do cartel que
mantinha com a Reuters e a alemã Wolff, era de alcance global (Nalbach, 1999).
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Bocaiúva era chefe de redação do jornal O Paiz quando articulou, em dezembro de 1887,
a criação do consórcio empresarial Centro Telegraphico da Imprensa (CTI), a segunda agência
de notícias brasileira propriamente dita, que existiu entre os anos de 1888 e 1890. Ligado ao
jornal carioca, que era dirigido por Bocaiúva na época, o CTI entrou em operação em 1º de
janeiro de 1888 (Aguiar, 2020a), como documenta um texto celebratório publicado em O Paiz
naquela data:
Desde hoje e por accôrdo que celebrámos com varios collegas da imprensa
das provincias, encetamos um serviço telegraphico especial, que supommos
ser um melhoramento vantajoso, sobretudo para os referidos collegas. Tendo
ampliado e desenvolvido, tanto quanto nos foi possivel, a creação de agencias
locaes para a prompta expedição das noticias importantes por meio do
telegrapho, julgamos que era opportuno estabelecer uma associação com os
nossos collegas das provincias afim de que pudessem, com grande economia,
publicar simultaneamente connosco as noticias que nos fossem transmittidas
pelos nossos correspondentes. [...] Precedendo aos seus collegas da imprensa
fluminense nossa util tentativa, O Paiz quer somente assegurar para os
associados do Centro Telegraphico da Imprensa os meios de darem curso
facil, prompto e certo as noticias de interesse geral e local, e preparar-lhes
assim um melhor, futuro, com o favor publico, que seguramente lograrão as
folhas que possam offerecer aos seus leitores mais abundantes e completas
informações telegraphicas. (O Paiz, 1 de jan. de 1888, p. 4; mantida a
ortografia da época)8
Dois anos depois, em 1° de novembro de 1890, o jornal O Brazil noticia a decisão d’O
Paiz de encerrar as atividades do CTI. Em seu lugar, é dito que “O Paiz acabou com o Centro
Telegraphico da Imprensa e tem agora um serviço especial seu, todo seu, exclusivamente seu”
(O Brazil, 1 de nov. de 1890, p. 2), indicando não uma interrupção do serviço prestado, mas
sim uma transformação do consórcio no Serviço Especial d’O Paiz – ou seja, uma continuidade
institucional – informação até agora inédita no campo de estudo das agências de notícias em
território nacional.
8
Disponível em <http://memoria.bn.br/docreader/178691_01/4872>, 4ª coluna
Notícias, que a pesquisa conseguiu detectar creditado nos jornais entre 1877 e 1884. Outros
nominalmente identificados na pesquisa hemerográfica foram o Serviço Especial da Gazeta da
Tarde (1884-1901), Serviço Especial da Cidade do Rio (1887-1900), do jornal de José do
A partir da década de 1890, as siglas dos serviços telegráficos ou especiais dos jornais,
especialmente O Paiz e o Jornal do Commercio do Rio de Janeiro, começam a aparecer nas
seções de “telegrammas” (Matheus, 2012, p. 9-10), disputando espaço com o "H.", inicial de
identificação da Havas. Embora tenha sido o primeiro a começar, já em 1874, o Serviço
Especial do Jornal do Commercio foi acusado no início de apenas reproduzir os despachos
recebidos da Havas e revendê-los para a imprensa do interior (Araújo, 2015, p. 133). Só na
década de 1910 assumiria importância como fonte primária de informação de apuração própria,
especialmente por seus correspondentes no exterior, para a imprensa brasileira.
9
Disponível em <http://memoria.bn.br/DocReader/178691_03/9555>
Província
Serviço /Estado Início Término
Como se vê, até o jornal A Província de S.Paulo, nome que o atual O Estado de S.Paulo
teve de 1875 até 1890, manteve o seu “Serviço Telegraphico da Provincia de S.Paulo”, depois
renomeado “Serviço Especial d’O Estado de S.Paulo” (1890-1935), que pode assim ser
considerado uma espécie de precursor da Agência Estado (AE), só formalmente criada em
1970. Por sua vez, o syndicate do JB funcionou de 1894 a 1909, mas retornaria nos anos 1910
sob o nome “Serviço Telegraphico do Jornal do Brazil”. Ambos podem ser considerados
antecedentes da Agência JB (1966-2013), que por um período no século XX chegou a ser a
maior agência de notícias do país. A coetaneidade das agências e serviços de jornais brasileiros
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que se pretendeu neste artigo foi esboçar uma história das primeiras agências de
notícias brasileiras e seus congêneres no mercado de distribuição noticiosa para a imprensa: os
serviços especiais ou telegráficos dos jornais, também ditos syndicates. Para além do inventário
das empresas atuantes no recorte temporal definido (1874-1900), buscou-se salientar a linha de
continuidade entre eles, nominalmente por meio do envolvimento pessoal de Quintino
Bocaiúva com três das empresas do ramo.
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O esforço do resgate histórico feito por nós e por outros(as) pesquisadores(as), ainda
que poucos, é de extremo valor para a constituição de uma parte praticamente não contada da
cronologia do jornalismo – e não se atendo apenas ao passado, haja vista a influência do setor
na atuação contemporânea nas grandes empresas jornalísticas. Além disso, ajuda a conectar
pontos na própria história da imprensa e do país: como visto previamente, personagens
importantíssimos estiveram diretamente envolvidos com o jornalismo de agências.
Vale ressaltar que a pesquisa ainda está em andamento, com previsão de término para o
final de 2024 (esperançosamente com ainda mais conteúdos descobertos até o fim). No entanto,
o maior objetivo é a constituição de uma base que possibilite a instrução e a continuação dos
estudos da área para que, cada vez mais, o jornalismo de agências seja explorado, analisado,
registrado, descoberto e contado por futuros(as) pesquisadores(as), preenchendo, assim, a
lacuna que tanto faz falta na área na história do jornalismo.
REFERÊNCIAS
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Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo, Fortaleza. Encontro Nacional de
Pesquisadores em Jornalismo, Anais..., 2020a. Disponível em:
http://sbpjor.org.br/congresso/index.php/sbpjor/sbpjor2020/paper/view/2817/1578 Acesso
em: 28 dez. 2023
AGUIAR, Pedro. “Brazilian News Agencies: a unique model between media conglomerates
and the State” in: ROBINSON, Laura et al. Brazil: media from the country of the future
(Emerald Studies in Media and Communications). Bingley (Reino Unido): Emerald, 2017, p.
163-185.
AGUIAR, Pedro. Breve História das Agências de Notícias Estrangeiras no Brasil. In: VI
Encontro Regional Sudeste de História da Mídia, Anais..., 2020b.
Página 156
AGUIAR, Pedro; SABADINI, João Pedro. História das Agências de Notícias Brasileiras e das
Agências de Notícias Estrangeiras no Brasil: resultados de pesquisa hemerográfica (1874-
1930). XIV Encontro Nacional de História da Mídia, Anais... Niterói, Rede AlCar, 2023.
BAHIA, Juarez. Jornal, história e técnica: história da imprensa brasileira. 5ª ed. Rio de
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NALBACH, Alexander Scott. The Ring Combination: information, power, and the world
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