61265-Texto Do Artigo-216574-1-10-20231229

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DOSSIÊ MÍDIA & CULTURA

AS PRIMEIRAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS E SERVIÇOS TELEGRÁFICOS DE


JORNAIS NO BRASIL DO SÉCULO XIX: RESULTADOS DE PESQUISA
HEMEROGRÁFICA

THE EARLIEST NEWS AGENCIES AND NEWSPAPER SYNDICATES IN 19TH-


CENTURY BRAZIL: RESULTS OF NEWSPAPER ARCHIVAL RESEARCH

LAS PRIMERAS AGENCIAS DE NOTICIAS Y SERVICIOS TELEGRÁFICOS DE


PERIÓDICOS EN BRASIL EN EL SIGLO XIX: RESULTADOS DE INVESTIGACIÓN
HEMEROGRÁFICA

João Pedro de Almeida Sabadini1

Resumo: O artigo expõe resultados de pesquisa hemerográfica de iniciação científica


desenvolvida no âmbito do bacharelado em Jornalismo da Universidade Federal Fluminense
desde 2022 sobre a história das agências de notícias brasileiras, aqui delimitando-se ao século
XIX. Além de sintetizar a história das primeiras empresas do ramo, a Agencia Americana
Telegraphica (1874-1875), o Centro Telegraphico da Imprensa (1888-1890) e o Serviço
Especial d’O Paiz (1889-1905), o trabalho demonstra a ligação entre elas por meio de
personagens em comum, com ênfase na atuação do jornalista e político Quintino Bocaiúva. Ao
final, instiga ao aprofundamento de estudos sobre esse segmento do jornalismo que, em 2024,
completa seu sesquicentenário no país.
Palavras-chave: história da imprensa; jornalismo de agências; agências de notícias; pesquisa
hemerográfica.

Abstract: This paper presents the results of a study conducted in newspaper archives as part of
the undergraduate Journalism program at the Federal Fluminense University since 2022,
focusing on the early history of news agencies in Brazil, specifically in the 19th century. In
addition to summarizing the history of the first companies in this industry—Agencia Americana
Telegraphica (1874-1875), Centro Telegraphico da Imprensa (1888-1890), and Serviço
Especial d’O Paiz (1889-1905)—the paper illustrates their intertwining through individuals in
common, with a particular emphasis on the role of Brazilian journalist and politician Quintino
Bocaiúva. The conclusion encourages further exploration of this branch of news media, which
will reach its 150th anniversary in the country in 2024.
Keywords: press history; news agency journalism; news agencies; newspaper archive research.
Página 140

1
Graduando do bacharelado em Jornalismo da Universidade Federal Fluminense (IACS/UFF). Este artigo é
resultado de projeto “História das Agências de Notícias Brasileiras e das Agências de Notícias Estrangeiras no
Brasil”, financiado pelo programa PIBIC/UFF e orientado pelo Prof. Dr. Pedro Aguiar (UFF). E-mail:
joaopedrosabadini@id.uff.br .

Revista Discente Planície Científica, Campos dos Goytacazes – RJ v. 5, n. 2, jul./dez. 2023


DOSSIÊ MÍDIA & CULTURA

Resumen: Este artículo presenta resultados de una investigación hemerográfica desarrollada


en el marco de la carrera de pregrado en Periodismo de la Universidad Federal Fluminense
desde 2022, centrada en la historia de las agencias de noticias en Brasil, con un enfoque
específico en el siglo XIX. Además de resumir la historia de las primeras empresas en este
campo, la Agencia Americana Telegraphica (1874-1875), Centro Telegraphico da Imprensa
(1888-1890) y el Serviço Especial d’O Paiz (1889-1905), el trabajo destaca la conexión entre
ellas a través de personajes en común, con énfasis en la actuación del periodista y político
brasileño Quintino Bocaiúva. Al final, se invita a profundizar los estudios sobre este segmento
del periodismo, que en 2024 celebra su sesquicentenario en el país.
Palabras-clave: historia de la prensa; periodismo de agencias; agencias de noticias;
investigación hemerográfica.

INTRODUÇÃO
É recente o interesse de pesquisadores acadêmicos quanto à história das agências de
notícias no Brasil. Embora nenhum livro publicado trate diretamente do assunto (Aguiar, 2016),
há anotações esparsas em obras de referência da historiografia da imprensa brasileira,
especialmente Molina (2015, p. 400-429), Erbolato (1991[1978], p. 170-189) e Bahia
(2009[1964], p. 274-282). Atualmente, um projeto de pesquisa em andamento no âmbito da
iniciação científica em Jornalismo na Universidade Federal Fluminense busca reunir
informações isoladas para construir essa história de forma sistemática, coerente e disponível ao
público. Afinal, trata-se de uma história que, em 2024, completa 150 anos.

Em 1874, três marcos históricos deram o pontapé inicial para a trajetória das agências
de notícias no Brasil: em fevereiro, a fundação da primeira empresa nacional do ramo, a
Agencia Americana Telegraphica, de Manoel Gomes de Oliveira; em junho, a instalação do
cabo telegráfico submarino do Atlântico Sul (de Carcavelos, em Portugal, a Recife, no Brasil);
e, em julho, o início das operações do escritório conjunto da francesa Havas e da britânica
Reuters no Rio de Janeiro (Aguiar, 2020a).

Desde então, nomes conhecidos como Quintino Bocaiúva, Olavo Bilac, Sérgio Buarque
de Holanda, Monteiro Lobato, Menotti del Picchia, Austregésilo de Athayde, Raul Bopp,
Cásper Líbero, Cecília Meireles, Carlos Lacerda e Alberto Dines (Aguiar; Sabadini, 2023, p. 2)
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passaram pelo jornalismo de agências no Brasil, embora essa passagem raramente seja
destacada em suas biografias. Preencher essa lacuna de pesquisa identificada é um dos
principais objetivos do estudo aqui apresentado.

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METODOLOGIA
A pesquisa, ainda em execução, visa justamente suprir essa demanda historiográfica. A
importância passa, além de uma reconstituição histórico-material dessas informações, por uma
função de construção basal dos conteúdos. Ao longo dos anos, com a contribuição de
diversos(as) autores sobre o tópico, espera-se ter material organizado, tabulado e publicado a
ponto de integrar espaços que outros ramos do jornalismo – como o impresso, radiofônico,
televisivo e digital – já integram, com inúmeras obras próprias sobre o assunto e possibilitando
o crescimento dos estudos teóricos para futuros(as) pesquisadores(as).

De início, deparamo-nos com o problema das fontes. A bibliografia sobre agências de


notícias no Brasil é escassa. Em geral, ainda há pouco material registrado, catalogado, analisado
e produzido sobre o setor. A consulta bibliográfica feita serviu para obter dados biográficos e
informações contextuais, e, se necessário, confrontá-las com os acervos pesquisados. Fazendo
um levantamento do registro sobre agências de notícias nas obras canônicas da historiografia
da imprensa no Brasil, Sabadini (2023) sugere que

Molina (2015, p. 400-429) é o único que apresenta um capítulo inteiro sobre


o assunto, intitulado “Agências de notícias”, em seu compêndio sobre os
jornais brasileiros no século XIX. É ele quem atribui o pioneirismo à Agencia
Americana Telegraphica (Molina, 2015, p. 424). Romancini e Lago (2007, p.
70-71) apresentam um subcapítulo de duas páginas sobre as agências de
notícias dentro do capítulo “O processo de consolidação da imprensa
brasileira”. (Sabadini, 2023, p. 2)

Além disso, há também equívocos em certas informações nessas poucas menções


supracitadas:

Morais (1994, p. 266) e Lene (2010, p. 70-71) apontam a Agência Meridional


como tendo sido a primeira do Brasil. Já o verbete biográfico sobre Cásper
Líbero no PJ:Br (Portal do Jornalismo Brasileiro)2, organizado pela Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), apresenta
o jornalista paulista como o fundador da suposta “primeira agência noticiosa
brasileira”, a Agência Americana, no ano de 1913. Contudo, a Agência
Americana nasce em 1909 e a Meridional apenas em 1931 – quase 60 anos
depois do surgimento da pioneira – chegando já a ser a quinta brasileira da
história (depois da Agencia Americana Telegraphica [1874], Centro
Telegraphico da Imprensa [1888], Agência Americana [1909] e Agência
Brasileira [1926]). (Sabadini, 2023, p. 2-3)
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2
Disponível em <https://pjbr.eca.usp.br/arquivos/monografia1_i.htm>

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Na pesquisa em andamento, abordamos como objeto de estudo tanto as agências de


notícias brasileiras (ou seja, aquelas nascidas e com sede no Brasil) quanto agências de notícias
estrangeiras (criadas em países de fora, majoritariamente do norte global, e com bureaux no
Brasil). Cada uma dessas categorias mobiliza fontes, procedimentos e redes institucionais
particulares (como os laços entre proprietários, assinantes e jornalistas que trabalharam em cada
uma). Para o presente artigo, o foco será posto especificamente nas agências brasileiras,
enquanto a janela temporal adotada é restrita ao século XIX, mais precisamente entre os anos
de 1874 (marco inicial das agências de notícias do e no Brasil, conforme critério estabelecido
anteriormente) e 1900, último ano do século, no intuito de dar foco às primeiras empresas do
jornalismo de agências existentes no país até então.

O principal método adotado para o desenvolvimento da pesquisa e, consequentemente,


deste artigo, é a pesquisa hemerográfica (consultas a jornais em acervos digitalizados). A
Hemeroteca Digital Brasileira (HDB) da Biblioteca Nacional é a fonte majoritária de busca e
conta com um vasto acervo de jornais impressos digitalizados que parte de 1740 até os dias de
hoje (no website memoria.br.br ). Para a nossa pesquisa, iniciamos a coleta de referências pelo
ano de 1874, mas o banco de dados pode servir a estudos das mais diversas áreas devido à sua
qualidade e quantidade de informações, muitas delas encontradas exclusivamente lá.

Selecionando o recorte temporal por década3, buscamos por palavras-chave e


analisamos as menções àquelas palavras nos jornais arquivados na HDB. Com isso, foi possível
filtrarmos e selecionarmos o que é interessante a partir da tabulação desses dados, possibilitando
a complementação das informações (Tabela 1, próxima página). Em nossa tabela, adotamos
alguns campos padronizados para facilitar o registro, a identificação e a análise de todo o
conteúdo que for registrado. Dentre os critérios escolhidos, temos “agências citadas”,
“periódico”, “URL”, “data”, “edição”, “página”, “coluna”, “título da matéria ou coluna”,
“assinatura/autoria”, “pessoas citadas”, “evento”, “cidade (UF)”, “coletor(a)”, “data coleta” e
“observações”. Com tais divisões, acreditamos que a visualização dos achados é facilitada e
permite o fácil acesso a algum registro já feito há tempos com uma facilidade maior.
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3
No sistema da HDB, as décadas são iniciadas por anos terminados em 0 e concluídas em anos terminados em 9.
No calendário gregoriano, as décadas e séculos só começam nos anos terminados em 1.

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Tabela 1. Síntese quantitativa das referências a agências de notícias no acervo da


Hemeroteca Digital Brasileira da Biblioteca Nacional (1874-1900)

Agência (na ortografia da época) 1874-1889 1890-1900 Total

Agencia Americana Telegraphica 51 - 51

Agencia telegraphica submarina 7 - 7

Serviço Telegraphico da Gazeta de Noticias 6 - 6

Centro Telegraphico da Imprensa 29 8 37

Serviço Especial do Jornal do Commercio 1 9 10

Serviço Especial d’O Paiz 3 - 3

Serviço Telegraph. da Provincia de S.Paulo 8 - 8

Serviço Especial do Jornal do Brazil - 2 2

TOTAL 105 19 124


Fonte: De lavra própria, com base nos dados da pesquisa.

Os tipos de referências buscados não são meras citações às agências em notícias


corriqueiras (reproduções dos despachos provenientes de agências publicados em impressos),
mas menções extraordinárias às agências, suas estruturas, equipes, operações, serviços e
localizações, filtrando por operadores booleanos (uso de aspas para sintagmas específicos, soma
ou exclusão de termos para refinar os resultados) e tomando por critérios os seguintes objetivos:

a) Levantamento de referências nominais a agências de notícias atuantes no Brasil


(brasileiras ou estrangeiras);
b) Levantamento de referências nominais a criadores, gestores e jornalistas de
agências de notícias atuantes no Brasil (brasileiros ou estrangeiros);
c) Levantamento de referências factuais de acontecimentos relativos à atuação de
agências no Brasil: notícias de criação e fechamento, abertura de sucursais,
ofertas de novos serviços, homenagens a seus proprietários ou gestores, além de
anúncios, relatórios, editais, prestações de contas e publicidade legal.
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O mesmo modelo de coleta de dados pode ser feito via acervo digitalizado de jornais
privados, como O Estado de S.Paulo (no ar desde 2012, com acervo iniciado em 1875), O

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Globo (no ar desde 2013, com acervo iniciado em 1925) e Folha de S. Paulo (no ar desde 2018,
com acervo iniciado em 1921). No entanto, dos mencionados, apenas o Estadão possui coleção
de edições desde o século XIX. Também é relevante comentar que tais acervos não podem ser
acessados e reproduzidos gratuitamente, ao contrário do material da Hemeroteca Digital da
Biblioteca Nacional.

De forma complementar, o estudo recorre à pesquisa documental em arquivos públicos


e privados, gerais ou setoriais, que façam referência a agências de notícias – como em textos
legislativos, atas de debates parlamentares e projetos institucionais de memória corporativa,
quando disponíveis.

AGENCIA AMERICANA TELEGRAPHICA (1874-1875)

Notícias vindas de agências estrangeiras já chegavam ao Brasil anos antes disso – com
menções encontradas a partir de 1851 (AGUIAR, 2022), graças ao transporte de despachos via
navios. A pesquisa hemerográfica localizou ainda menções a correspondências com notícias
estrangeiras, mais especificamente de Londres, vindas através de uma certa “Agencia
telegraphica sub marina” <sic> e iniciadas no dia 5 de outubro de 1870, no Diário do Rio de
Janeiro, pouco mais de três anos antes da instalação do cabo telegráfico ligando o Brasil a
Portugal, e com última aparição em 6 de dezembro de 1877, no jornal O Cearense, de Fortaleza.
Nenhuma outra informação sobre tal agência aparece nos registros.

No entanto, a primeira empresa brasileira do ramo, a Agencia Americana Telegraphica


(AAT), aparece pela primeira vez na imprensa no dia 11 de fevereiro de 1874, nos jornais
Diario do Rio de Janeiro e A Reforma, quatro meses antes da instalação do cabo telegráfico
que ligava Recife a Lisboa, em notícia de seu lançamento ao público.

Um melhoramento de grande alcance acaba de ser installado nesta capital e


dentro de pouco tempo começará a produzir os seus naturaes resultados. A
iniciativa de um intelligente e activo membro do corpo commercial desta
cidade deve-se a organisação de uma agencia telegraphica que vae pôr ao
alcance de todos as communicações com o resto do mundo por um preço
relativamente infimo. A necessidade da creação de uma tal agencia, succursal
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obrigada da grande empreza que se acaba de inaugurar, estava prevista e


assignalada pelo mesmo grandioso commettimento a que devemos a

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solidariedade social da nossa patria com as outras nações civilisadas. (Diario


do Rio de Janeiro, 11 de fev. de 1874, p.2; mantida a ortografia da época)4

Com pioneirismo no Brasil, a Agencia Americana Telegraphica é, possivelmente,


também a primeira agência de notícias da América Latina (AGUIAR, 2020a). Mesmo com sua
história relativamente curta, a AAT e seu fundador, Manoel Gomes de Oliveira, inauguraram
um setor antes mesmo de empresas estrangeiras no país e serviram de base para outros
empreendimentos nascerem e expandirem. A existência da AAT durou de fevereiro de 1874 até
meados de outubro de 1875 (últimos registros encontrados na Hemeroteca Digital), ou seja,
pouco mais de um ano e oito meses.

Congratulamo-nos sinceramente com o Sr. Manoel Gomes de Oliveira pela


feliz idéa que teve de fundar n’esta cidade uma agencia telegraphica, ad instar
da bem conhecida empreza européa Havas. É um grande melhoramento para
o commercio, para a imprensa e para todas as relações sociaes a creação da
Agencia Telegraphica Americana, devida á iniciativa desse intelligente
cavalheiro. (A Reforma, 11 de fev. de 1874, p. 1; mantida a ortografia da
época)5

Não há muitas informações sobre a vida pessoal e trajetória profissional de Manoel


Gomes de Oliveira, o fundador da AAT. Os poucos registros disponíveis dão conta de que era
amanuense (uma espécie de escrivão da época) antes de abrir um banco por conta própria, o
que não funcionou e tivera, ali, seu primeiro fracasso. No entanto, seguiu na área dos negócios
e resolveu fundar a Agencia Americana Telegraphica, que apesar do curto tempo de vida,
certamente foi seu negócio mais exitoso (Aguiar, 2018).

Assim como fora a trajetória de Charles-Louis Havas [fundador da primeira


agência de notícias do mundo] na França no início do século XIX, também
Gomes de Oliveira chegou a ser um renomado financista no Segundo Reinado,
com o banco Gomes de Oliveira & Irmão, e dirigente da patronal de
seguradoras (Associação Brasileira de Seguros e Benefícios-Mútuos), até falir
no final dos anos 1860. Jornais entre 1867 e 1870 registram diversos processos
abertos contra a firma, contestando o pedido de concordata feito antes. A partir
daí, tudo leva a crer que, como Havas, este Manoel procurou mudar de vida.
Em 1871, foi nomeado corretor de fundos públicos e de mercadorias da Corte
Imperial, cargo subordinado ao Tribunal do Comércio Administrativo
(equivalente a uma atual junta comercial). No ano seguinte, foi eleito
presidente da junta de corretores do Rio. Em 1873, também aparece como
diretor-geral da Associação Brasileira de Seguros e Benefícios-Mútuos,
Página 146

4
Disponível em <http://memoria.bn.br/docreader/094170_02/31267>, 3ª coluna
5
Disponível em <http://memoria.bn.br/docreader/226440/5654>, 3ª coluna

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tesoureiro da Sociedade Philarmonica Fluminense, e domiciliado na Rua


Primeiro de Março 53A. (Aguiar, 2018, n.p.)

Logo no início, Gomes de Oliveira estruturou sua empresa com escritórios


estrategicamente localizados nas cidades já cabeadas, como Belém e Lisboa. Já em 17 de abril
de 1874, há o registro da abertura de uma sucursal da AAT em Belém (PA). O texto, que contém
um comunicado na íntegra escrito por Manoel Gomes de Oliveira – criador e dono da agência
– tem início com o anúncio de Domingos Antônio Gomes Pércheiro como delegado da empresa
naquela província, encarregado de chefiar as operações da sucursal. A mensagem também
explica os objetivos da empresa que acabara de surgir e o modus operandi da agência, além de
informações sobre os valores e de como contratar os serviços. Quanto aos locais de
funcionamento fora da sede carioca, o Jornal da Noite, com base em Lisboa (Portugal), trouxe,
na edição dos dias 30 e 31 de março de 1874, uma pequena nota anunciando o endereço
provisório (Travessa de Santa Justa, n° 95, 1° andar) do escritório da AAT na capital
portuguesa, chefiado pelo representante da AAT no continente europeu, identificado como W.
Allen.

Tal planejamento também demonstrava as intenções e a força com que pretendia atuar,
pois, já de início, já tinha uma concepção e investimento de internacionalização em locais-
chave, além das inspirações nas agências francesa e britânica, respectivamente, “Havas” e
“Reuter” (assim escrita à época).

Tanto a linha telegraphica submarina já estabelecida ao longo da nossa costa,


como nas grandes linhas em via de execução, que brevemente serão
inauguradas, o preço dos despachos telegraphicos é excessivo, como o são em
todas as emprezas deste genero. Um só despacho de 20 palavras do Pará para
a côrte ou vice-versa custa 40$000. E tanto bastaria para que o commercio e
todas as pessoas interessadas no movimento social, economico e politico do
Brazil se vissem privadas de receber com frequencia as communicações de
que tanto carecem, porque seria necessario uma despeza colossal. Atendendo
a isso e seguindo o exemplo da Europa e Estados-Unidos busquei fundar,
baseado no principio da associação, uma agencia de despachos telegraphicos
noticiosos, politicos e commerciaes pelo modo das agencias Havas e Reuter
da Europa. Para esse fim celebrei contracto com a empreza ‘Western and
Brazilian Telegraph Company’, que me garante por dez annos, e com exclusão
Página 147

de outro qualquer concorrente, a transmissão dos despachos da minha agencia,


sob vantajosas condições, esperando eu as mesmas vantagens com relação ás
communicações do cabo europeu e platino (para o que estão tomadas as
providencias), o primeiro dos quaes estará ligado a Pernambuco até o dia 15
de junho. A ‘Agencia Americana’ vai ser, pois, o centro de todas as

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communicações telegraphicas com as provincias do Brazil, a Europa, a


America do Norte e os Estados do Sul e do Pacifico. Ella pode oferecer as suas
vantagens por um preço relativamente infimo, graças ao seu mecanismo
especial. (O Liberal do Pará, 17 de abr. de 1874, p. 1; mantida a ortografia da
época)6

Demonstrando a relevância da “Agencia Americana Telegraphica” na história das


agências de notícias brasileiras, o Diário do Rio de Janeiro trouxe, em 19 de julho de 1874, um
comunicado relatando que a AAT teria tido “a honra de ser a que recebeu o primeiro
telegramma do Brasil para a imprensa de Lisboa” (Boletim, 19 de jul. 1874, p. 4).

A partir de julho de 1874, no entanto, o monopólio da AAT se encerrava. Isso porque a


Reuters e a Havas, dominantes no cenário internacional com aporte financeiro e estrutura
consolidada, chegaram ao país, instalando seus escritórios e iniciando seus serviços com os
jornais brasileiros. Com isso, a AAT passou a sofrer com uma concorrência assimétrica, visto
que o tamanho e a experiência das outras era incomparável.

Em agosto daquele ano, Gomes de Oliveira decidiu ampliar seus negócios e abre seu
próprio jornal, chamado O Globo (sem conexão com o homônimo criado pela família Marinho,
que viria a existir apenas a partir de 1925). Na empreitada, teve como sócios Salvador de
Mendonça, Joaquim Dias da Rocha e o cubano Bernardo Caymari (Aguiar, 2018). Tal jornal,
inclusive, trazia folhetins escritos por ninguém menos que Machado de Assis, além de crônicas
do grande escritor brasileiro com críticas à Havas – disfarçadas como “o telégrafo” -, ironizando
o fato da empresa francesa publicar “barrigas” (notícias falsas publicadas involuntariamente) e
criticando a “pobreza de estilo” dos escritos (Quadros, 2013, p. 763-768).

No cabeçalho do Globo de agosto de 1874, alguns dados importantes eram


revelados: em destaque, vinham estampados o título, o proprietário e alguns
dos interesses expressos pelo jornal: O Globo: Órgão da Agência [Americana]
Telegráfica, dedicado aos interesses do Comércio, Lavoura e Indústria;
proprietário: Gomes de Oliveira & C. Nas pequenas linhas contidas abaixo,
alguns “lemas” eram enfatizados: Liberdade plena de enunciação do
pensamento com responsabilidade real e efetiva do seu autor; Completa
neutralidade na luta dos Partidos Políticos; Oferta gratuita das suas colunas a
todas as inteligências que quiserem colaborar em assuntos de utilidade
pública. Em 1874 ainda não seriam divulgadas informações sobre tiragens,
mas os preços de assinatura eram os seguintes: na Corte e em Niterói: 20$000
(por ano) e 12$000 (por 6 meses) / nas Províncias: 24$000 (por ano) e 14$000
Página 148

(por 6 meses). As assinaturas podiam ser adquiridas na Tipografia do Globo,


localizada na Rua dos Ourives, nº 51. Posteriormente também seriam aceitas

6
Disponível em <http://memoria.bn.br/docreader/704555/4881>, 3ª e 4ª colunas

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assinaturas por correspondência e, pelo menos inicialmente, os exemplares


não seriam vendidos de forma avulsa. (Salvaia, 2014, p. 15)

No início de 1875, mais precisamente no dia 13 de janeiro, O Globo anunciou a


contratação do trabalho do serviço conjunto “Havas-Reuter”, somando-se à própria AAT.

Aguiar (2018) conta que, em meados de 1875, Gomes de Oliveira enfrentou duas
dificuldades que acabaram ocasionando o seu fechamento: as acusações de plágio envolvendo
o Jornal do Commercio do Rio e o Diario do Gram Pará, de Belém, e o episódio que mais
causou complicações, a denúncia de prática de loteria ilegal.

Na tentativa de buscar ampliar suas fontes de renda (visto que a Havas-Reuter havia
acabado de chegar no Brasil, trazendo um concorrente de peso), a direção da AAT optou por
adotar um sistema de “plano por assinatura”, no qual parte dos lucros seria repassado aos
assinantes, similar a uma ideia de sociedade empresarial: “recebendo o socio possuidor do
recibo de assignatura da folha, que tivesse numero egual ao do maior premio na loteria do
governo, os lucros da quinzena de que desistiam os demais socios por commum acordo” (O
Globo, 29 de nov. de 1874, p. 2)7. No entanto, o esquema foi denunciado e julgado como loteria,
o que era ilegal à época (lei 1099 de 18 de setembro de 1860). Detalhes do julgamento e trechos
da defesa (a cargo do ilustre jurista Saldanha Marinho) foram publicados em algumas edições
do jornal O Globo, mas o resultado não foi favorável a Gomes de Oliveira:

Os factos, a que allude a portaria e que fazem o objecto do presente processo,


não constituem, nem podem constituir o crime de loteria ou rifa definido na
lei n. 1099 de 18 de setembro de 1860. A loteria e a rifa pertencem aos jogos
de puro azar (Mello 4,3 § 24. Rocha § 874). Nos jogos deste genero uma das
partes perde aquillo que outra parte ganha: – perda de um, ganho de outro,
dependentes do facto casual; eis os elementos essenciaes do jogo de azar. (O
Globo, 29 de nov. de 1874, p. 2)

A decisão judicial, em janeiro de 1875, condenou os sócios. Em maio do mesmo ano,


apelando à segunda instância, a condenação foi revogada e o processo foi anulado (O Direito,
1875, p. 140-157), mas o desgaste e a fuga de clientes forçaram a AAT a fechar as portas em
outubro. A saída encontrada para enfrentar a concorrência acabou por selar o fim da empresa.
Página 149

7
Disponível em <http://memoria.bn.br/docreader/369381/461>, 2ª a 6ª colunas

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CENTRO TELEGRAPHICO DA IMPRENSA (1888-1890)

Apesar de a ligação empresarial entre O Globo e a AAT de Manoel Gomes de Oliveira


ter sido relativamente curta, a continuidade entre personagens que trabalharam no jornal e
depois no CTI é um indício de que a experiência da primeira agência de notícias brasileira,
ainda que efêmera, deve ter aberto portas e deixado um aprendizado entre os que tiveram
contato com ela.

Uma dessas personalidades foi o jornalista e político fluminense Quintino Bocaiúva


(nascido Quintino Antônio Ferreira de Sousa, em Itaguaí, em 1836, e que adotou o sobrenome
tupi como adesão às correntes nativistas). Como personagem, Quintino Bocaiúva é mais
lembrado pela historiografia por seu papel nas campanhas abolicionista e republicana (LEMOS,
2015). Mas as referências que a pesquisa encontrou nos jornais do período analisado revelam
uma atuação central de Bocaiúva na construção e na consolidação do jornalismo de agências
no Brasil. Tempos antes de se tornar uma importante figura política republicana, Bocaiúva
trabalhara com os mesmos sócios de Gomes de Oliveira na AAT: com Saldanha Marinho
editara o Diário do Rio de Janeiro, o primeiro jornal diário do país, na década de 1860; com
Salvador de Mendonça co-escrevera o “Manifesto Republicano” de 1870 e trabalhara no jornal
A República de 1871 a 1874; e recebera aportes financeiros de Bernardo Caymari várias vezes,
inclusive para comprar O Globo após a saída de Gomes de Oliveira (LEMOS, 2015, p. 1087-
1095). Enquanto fazia carreira política, Bocaiúva trabalhou na AAT e aprendeu o ofício do
jornalismo de agências (Araújo, 2015, p. 132). Depois, continuou trabalhando n’O Globo até o
jornal fechar, em 1883.

Araújo (2015, p. 132-133) registra como a relação entre Gomes de Oliveira e Bocaiúva
era de confiança, a ponto de o empresário despachar o jornalista (à época com 37 anos) para
Salvador com a missão de estabelecer uma sucursal e uma base de clientes para a AAT. Nessa
missão, aprendeu os trâmites dos contratos de fornecimento noticioso para a imprensa e teve de
lidar com a pressão competitiva da Havas, cuja rede de informações, em função do cartel que
mantinha com a Reuters e a alemã Wolff, era de alcance global (Nalbach, 1999).
Página 150

Bocaiúva era chefe de redação do jornal O Paiz quando articulou, em dezembro de 1887,
a criação do consórcio empresarial Centro Telegraphico da Imprensa (CTI), a segunda agência
de notícias brasileira propriamente dita, que existiu entre os anos de 1888 e 1890. Ligado ao

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jornal carioca, que era dirigido por Bocaiúva na época, o CTI entrou em operação em 1º de
janeiro de 1888 (Aguiar, 2020a), como documenta um texto celebratório publicado em O Paiz
naquela data:

Desde hoje e por accôrdo que celebrámos com varios collegas da imprensa
das provincias, encetamos um serviço telegraphico especial, que supommos
ser um melhoramento vantajoso, sobretudo para os referidos collegas. Tendo
ampliado e desenvolvido, tanto quanto nos foi possivel, a creação de agencias
locaes para a prompta expedição das noticias importantes por meio do
telegrapho, julgamos que era opportuno estabelecer uma associação com os
nossos collegas das provincias afim de que pudessem, com grande economia,
publicar simultaneamente connosco as noticias que nos fossem transmittidas
pelos nossos correspondentes. [...] Precedendo aos seus collegas da imprensa
fluminense nossa util tentativa, O Paiz quer somente assegurar para os
associados do Centro Telegraphico da Imprensa os meios de darem curso
facil, prompto e certo as noticias de interesse geral e local, e preparar-lhes
assim um melhor, futuro, com o favor publico, que seguramente lograrão as
folhas que possam offerecer aos seus leitores mais abundantes e completas
informações telegraphicas. (O Paiz, 1 de jan. de 1888, p. 4; mantida a
ortografia da época)8

O CTI funcionava como um consórcio empresarial articulado pela direção de O Paiz.


Logo no início, a iniciativa contou com a adesão de outros 18 jornais, como o Liberal do Pará,
A Provincia do Pará, o Jornal do Recife, Diario de Pernambuco, a Gazeta da Tarde (BA), a
Provincia do Espirito Santo, A Provincia de S. Paulo (atual Estadão), o Correio Paulistano, o
Diario Popular, Diario Mercantil e o Diario de Noticias (SP) (A Província, 1888).

Dois anos depois, em 1° de novembro de 1890, o jornal O Brazil noticia a decisão d’O
Paiz de encerrar as atividades do CTI. Em seu lugar, é dito que “O Paiz acabou com o Centro
Telegraphico da Imprensa e tem agora um serviço especial seu, todo seu, exclusivamente seu”
(O Brazil, 1 de nov. de 1890, p. 2), indicando não uma interrupção do serviço prestado, mas
sim uma transformação do consórcio no Serviço Especial d’O Paiz – ou seja, uma continuidade
institucional – informação até agora inédita no campo de estudo das agências de notícias em
território nacional.

O período de existência do CTI, de 1888 a 1890, coincide com as campanhas pela


abolição e pela proclamação da República. Tais eventos se conectam por um nome: Quintino
Página 151

Bocaiúva. Ambos os acontecimentos tiveram a participação ativa do jornalista. Aguiar (2020a,

8
Disponível em <http://memoria.bn.br/docreader/178691_01/4872>, 4ª coluna

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p. 7) relata que a “agência cooperativa colaborou para a disseminação de perspectivas


antimonarquistas para a imprensa de outras províncias. O CTI esteve ativo na época da
proclamação de 15 de novembro 1889, ajudando a divulgar o golpe militar” do marechal
Deodoro e de Benjamin Constant pelos jornais do país.

SERVIÇOS ESPECIAIS E TELEGRÁFICOS DE JORNAIS

Após o fim da AAT e antes do CTI, a distribuição de despachos telegráficos noticiosos


para os jornais de fora da Corte foi realizada principalmente por serviços de redistribuição
montados pelos jornais cariocas, análogos àquilo que no jargão da imprensa em inglês é
conhecido como syndication (e que já era prática corrente nos Estados Unidos desde a Guerra
de Secessão (Emery, 1965; Schwarzlose, 1989, p. 279n). Embora alguns tenham durado poucos
anos, os indícios hemerográficos apontam que os “serviços especiais” (ou “serviços
telegráficos” ou ainda “serviços particulares”) dos jornais brasileiros foram importantes para
fazer circular as notícias recebidas pelo telégrafo submarino da então capital para as outras
províncias, especialmente as mais afastadas do litoral. Nunomura (2018) conta que tais
atividades faziam com que os grandes jornais do Rio e de São Paulo vendessem as notícias “de
segunda mão” aos jornais do interior. A lógica de terem seus próprios serviços de venda de
notícias para a imprensa interiorana embasaria, mais tarde, algumas das maiores agências da
história do Brasil, como a Agência Meridional, dos Diários Associados, a Agência JB, além das
atuais Agência Estado, Agência O Globo e Folhapress.

O primeiro a funcionar nessa forma foi o Serviço Especial do Jornal do Commercio do


Rio de Janeiro, à época comandado por Francisco Picot e Júlio de Villeneuve. Seu serviço de
distribuição de notícias, o mais duradouro de todos, foi mantido até 1959, quando o jornal foi
comprado pelo grupo Associados e teve o serviço incorporado à Agência Meridional, fundada
em 1931.

O segundo syndicate brasileiro mais antigo foi o Serviço Telegraphico da Gazeta de


Notícias (mantida a grafia da época), mais tarde referido como Serviço Especial da Gazeta de
Página 152

Notícias, que a pesquisa conseguiu detectar creditado nos jornais entre 1877 e 1884. Outros
nominalmente identificados na pesquisa hemerográfica foram o Serviço Especial da Gazeta da
Tarde (1884-1901), Serviço Especial da Cidade do Rio (1887-1900), do jornal de José do

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Patrocínio, o Serviço Especial do Diário do Commercio (1888-1892), também do Rio de


Janeiro, e o Serviço Especial do Jornal do Brazil (1894-1898).

Mas poucos alcançaram a penetração e a capilaridade do Serviço Especial d’O Paiz


(1889-1905), por vezes simplificado para Serviço Especial do Paiz, ou SEOP (e, mais
raramente, identificado apenas pela letra “P.” em telegramas republicados por outros jornais),
que, além de durar até o início do século XX, difundiu o modelo de distribuição noticiosa na
imprensa brasileira (Aguiar, 2015; 2017).

A partir da década de 1890, as siglas dos serviços telegráficos ou especiais dos jornais,
especialmente O Paiz e o Jornal do Commercio do Rio de Janeiro, começam a aparecer nas
seções de “telegrammas” (Matheus, 2012, p. 9-10), disputando espaço com o "H.", inicial de
identificação da Havas. Embora tenha sido o primeiro a começar, já em 1874, o Serviço
Especial do Jornal do Commercio foi acusado no início de apenas reproduzir os despachos
recebidos da Havas e revendê-los para a imprensa do interior (Araújo, 2015, p. 133). Só na
década de 1910 assumiria importância como fonte primária de informação de apuração própria,
especialmente por seus correspondentes no exterior, para a imprensa brasileira.

Com a transformação do CTI em Serviço Especial d’O Paiz, Quintino Bocaiúva


continuou à frente de um dos grandes empreendimentos do jornalismo de agências no país.
Durante alguns meses, os dois chegaram a coexistir, visto que o Serviço Especial d’O Paiz
começou em 1889 e o CTI só encerrou suas atividades um ano depois, em 1890 (Matheus, 2012,
p. 11). No entanto, esses outros serviços telegráficos (ou serviços especiais) continuaram até a
segunda década do século XX, quando passaram a ser desbancados pela brasileira Agência
Americana (de Olavo Bilac), e pelas estadunidenses Associated Press e United Press.

A última aparição da assinatura “Serviço Especial do Paiz” na rubrica “Telegrammas”,


no canto superior esquerdo da primeira página, é de 1º de junho de 19059, segundo o acervo
disponível na Hemeroteca Digital. A partir dessa data, os telegramas não mais são creditados a
um serviço próprio do jornal, nem a agências ou fonte alguma.
Página 153

9
Disponível em <http://memoria.bn.br/DocReader/178691_03/9555>

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Tabela 2. Catálogo de serviços especiais/telegráficos de jornais identificados na pesquisa


hemerográfica (1874-1900)

Província
Serviço /Estado Início Término

Serviço Especial do Jornal do Commercio RJ 1874 1959

Serviço Telegraphico da Gazeta de Noticias RJ 1877 1884

Serviço Telegraphico do Diário de Pernambuco PE 1878 1930

Serviço Especial da Gazeta da Tarde RJ 1884 1901

Serviço Especial d’O Paiz RJ 1886 1905

Serviço Telegraphico da Provincia de S.Paulo SP 1886 1889

Serviço Especial da Cidade do Rio RJ 1887 1900

Serviço Especial do Diário do Commercio RJ 1888 1892

Serviço Especial do Correio Paulistano SP 1890 1921

Serviço Especial do Estado ES 1890 1909

Serviço Especial d’A República PR 1890 1929

Serviço Especial do Jornal do Brazil RJ 1894 1909

Serviço Especial da República SC 1894 1922


Fonte: De lavra própria, com base nos dados da pesquisa.

Como se vê, até o jornal A Província de S.Paulo, nome que o atual O Estado de S.Paulo
teve de 1875 até 1890, manteve o seu “Serviço Telegraphico da Provincia de S.Paulo”, depois
renomeado “Serviço Especial d’O Estado de S.Paulo” (1890-1935), que pode assim ser
considerado uma espécie de precursor da Agência Estado (AE), só formalmente criada em
1970. Por sua vez, o syndicate do JB funcionou de 1894 a 1909, mas retornaria nos anos 1910
sob o nome “Serviço Telegraphico do Jornal do Brazil”. Ambos podem ser considerados
antecedentes da Agência JB (1966-2013), que por um período no século XX chegou a ser a
maior agência de notícias do país. A coetaneidade das agências e serviços de jornais brasileiros
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no século XIX pode ser visualizada na Figura 1 (na próxima página).

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Figura 1. Linha do tempo das agências de notícias e principais serviços


especiais/telegráficos de jornais brasileiros (1874-1900)

Fonte: De lavra própria, com base nos dados da pesquisa.

Com o fechamento do CTI e a dependência dos serviços especiais/telegráficos dos


jornais, a Havas desfrutou de um monopólio no fornecimento de telegramas de noticiário
internacional para o Brasil, sendo a única responsável por tal serviço em todo o território. Tal
situação só mudaria em 1909, com a fundação da Agência Americana por Olavo Bilac (depois
repassada a Oscar de Carvalho Azevedo), que investiu em ter correspondentes próprios no
exterior, e a entrada das agências norte-americanas United Press e Associated Press no mercado
brasileiro, entre 1916 e 1919 (Aguiar, 2020b).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que se pretendeu neste artigo foi esboçar uma história das primeiras agências de
notícias brasileiras e seus congêneres no mercado de distribuição noticiosa para a imprensa: os
serviços especiais ou telegráficos dos jornais, também ditos syndicates. Para além do inventário
das empresas atuantes no recorte temporal definido (1874-1900), buscou-se salientar a linha de
continuidade entre eles, nominalmente por meio do envolvimento pessoal de Quintino
Bocaiúva com três das empresas do ramo.
Página 155

O esforço do resgate histórico feito por nós e por outros(as) pesquisadores(as), ainda
que poucos, é de extremo valor para a constituição de uma parte praticamente não contada da
cronologia do jornalismo – e não se atendo apenas ao passado, haja vista a influência do setor

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na atuação contemporânea nas grandes empresas jornalísticas. Além disso, ajuda a conectar
pontos na própria história da imprensa e do país: como visto previamente, personagens
importantíssimos estiveram diretamente envolvidos com o jornalismo de agências.

Vale ressaltar que a pesquisa ainda está em andamento, com previsão de término para o
final de 2024 (esperançosamente com ainda mais conteúdos descobertos até o fim). No entanto,
o maior objetivo é a constituição de uma base que possibilite a instrução e a continuação dos
estudos da área para que, cada vez mais, o jornalismo de agências seja explorado, analisado,
registrado, descoberto e contado por futuros(as) pesquisadores(as), preenchendo, assim, a
lacuna que tanto faz falta na área na história do jornalismo.

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