CR 891 25.jul

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 4

Acta Scientiae Veterinariae, 2023. 51(Suppl 1): 891.

CASE REPORT ISSN 1679-9216


Pub. 891

Retinopatia deficiente de taurina em uma gata


Taurine Deficiency Retinopathy in a Cat
Úrsula Chaves Guberman 1, Natalie Bertelis Merlini 2, Cintia Sesso Perches 1,
Micaella Gordon Gandolfi 1, Bruna Menegate Nascimento 2, Mariana de Sessa 1,
Juliana Marques de Sousa 1 & Cláudia Valéria Seullner Brandão 1

ABSTRACT

Background: Taurine is an essential amino acid for cats and its deficiency causes an ocular disorder called taurine defi-
ciency retinopathy. The retinal lesion is definitive and can be classified into five progression stages. In an advanced stage,
it leads to blindness that in most cases is irreversible. This disease is considered rare as taurine is currently supplemented
in commercial cat food. The objective of this report is to describe the ophthalmic changes in a cat with advanced taurine
deficiency retinopathy, a rare but current disease that is important for differential diagnosis of blindness in cats.
Case: We report the case of an adult mixed-breed cat (weighing 3.4 kg), that was attended by the Ophthalmology Service
of the College of Veterinary Medicine and Animal Science (UNESP - Botucatu), which was treated due to complaints of
poor visual acuity for about 1 year. The animal, which was previously a stray animal, had been adopted for 2 years and
provided premium cat food ad libitum. Ophthalmic examination showed bilateral mydriasis, with negative menace, direct
pupillary, and consensual light reflexes. No change was observed in the ocular appendages, cornea, anterior chamber, lens,
and vitreous humor. The eyes were normotensive and fluorescein test negative. Direct and indirect fundoscopy revealed
an area of ellipsoidal hyperreflexia with darkened margins laterally to the optic nerve disk in the tapetal region and intense
retinal vascular attenuation in both eyes, with a diagnosis of taurine deficiency retinopathy. Complete blood count and bio-
chemical analysis parameters were within the normal range, including the leukocyte count. The guardian was instructed to
continue feeding the cat balanced cat food and received information on the proper care and management of a blind animal.
Discussion: Although taurine deficient retinopathy is currently underdiagnosed due to the supplementation of this amino
acid in commercial cat food, animals that are not properly fed, such as those receiving dog food or homemade food, may
be deficient in this amino acid. Taurine deficiency and in this case, the consequent taurine deficiency retinopathy, was
diagnosed by visualizing the lesion characteristic of this amino acid deficit since no other retinal change presents this
aspect in cats. Therefore, this lesion is considered pathognomonic of this deficiency. Hyperreflective retinal lesions with
darkened margins indicate the slow chronic progression in the already stabilized lesions. The animal in this report pre-
sented pigmented lesion margins, indicating the chronicity of these retinal changes. Moreover, lesion signs are visible on
fundoscopy only after a period of 2-11 months of nutritional amino acid deficiency, and complete retinal atrophy usually
occurs after at least nine months of taurine deficiency. Thus, complete blindness associated with advanced retinal changes
reinforced the suspicion that the animal had taurine deficiency for a prolonged period of time prior to its adoption. Its
guardian was instructed to provide balanced commercial cat food, because although retinal lesions are irreversible, cardiac
changes resulting from taurine deficiency are reversed with dietary supplementation. In addition, taurine deficiency affects
other organs and systems, such as the central nervous, immune, and reproductive systems. In conclusion, although taurine
deficiency retinopathy is currently rare, this condition should be considered one of the possible differential diagnoses for
blindness in feline patients.
Keywords: amino acid, blindness, retina.
Descritores: aminoácido, cegueira, retina.

DOI: 10.22456/1679-9216.126976
Received: 4 February 2023 Accepted: 29 June 2023 Published: 25 July 2023
1
Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia Animal, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia Universidade Estadual Paulista (UNESP), Botucatu,
SP, Brazil, 2Universidade Paranaense (UNIPAR), Umuarama, PR, Brazil. CORRESPONDENCE: C.V.S. Brandão [valeria.brandao@unesp.br]. Programa de
Pós-Graduação em Biotecnologia Animal - UNESP. Campus Botucatu. Rua Prof. Doutor Walter Mauricio Correa s/n. CEP 18618-681 Botucatu, SP, Brazil.

1
U.C. Guberman, N.B. Merlini, C.S. Perches, et al. 2023. Retinopatia deficiente de taurina em uma gata.
Acta Scientiae Veterinariae. 51(Suppl 1): 891.

INTRODUÇÃO Não foram constatadas alterações em anexos oculares,


A taurina é um aminoácido essencial para córnea, câmara anterior, lente e vítreo em nenhum dos
gatos, pois nesta espécie há limitação na síntese da olhos. Ao exame de fundoscopia direta e indireta, ob-
taurina a partir da cisteína [3]. A taurina é estocada no servou-se área de hiperreflexia elipsoidal com bordas
organismo principalmente nos fotorreceptores da retina escurecidas lateral ao disco do nervo óptico em região
e musculatura cardíaca, porém sua função na retina não tapetal e atenuação vascular intensa e hiperreflexia
é bem definida, sendo sugerido a sua atuação como um tapetal generalizada em ambos os olhos, sendo diag-
neurotransmissor e como protetor de membrana [2,13]. nosticada cegueira por retinopatia deficiente de taurina.
O déficit deste aminoácido em gatos pode Para o registro das imagens de fundoscopia, posterior
promover doença cardíaca, reprodutiva e alteração no ao exame de fundoscopia, realizou-se a retinografia de
sistema imune [3]. Além disso, a deficiência crônica ambos os olhos com o equipamento Clearview Fundus
de taurina causa uma afecção denominada retinopatia Câmera (Figura 1).
deficiente de taurina, também chamada de degeneração Ao exame físico geral, o animal apresentava
retiniana central ou degeneração retiniana nutricional bulhas rítmicas normofonéticas sem sopro e campos
[1,2,5,13]. Atualmente, esta doença é considerada rara, pulmonares limpos, mucosas róseas e linfonodos com
devido ao fato da taurina ser suplementada nas rações tamanho e mobilidade normais. Procedeu-se a coleta
comerciais para gatos [2,5,8]. de sangue para realização de hemograma e análise bio-
A retinopatia deficiente de taurina pode ser química sérica (ureia, creatinina, aspartato aminotrans-
diagnosticada pela visualização de lesão hiperreflexiva ferase, fosfatase alcalina, gama glutamil transferase,
em formato elipsoidal em porção tapetal da retina [4], proteína total, albumina e globulina). Os resultados do
sendo que a alteração bilateral é considerada patogno- hemograma estavam dentro dos parâmetros de norma-
mônica [2,8]. A lesão retiniana é definitiva e pode ser lidade, apresentando leucograma normal (11,4x103/
classificada em cinco estágios de evolução, sendo que μL). Os valores bioquímicos também se encontravam
quando se encontra em estágio avançado acarreta ce- dentro dos valores de referência. O proprietário foi
gueira que na maioria dos casos é irreversível [2,4,5,7]. orientado quanto ao manejo adequado com o animal
Objetiva-se com este relato de caso descrever devido cegueira e a continuar fornecendo ração pre-
as alterações oftálmicas em uma gata com retinopatia mium balanceada para gatos.
deficiente de taurina em estágio avançado, doença rara
DISCUSSÃO
atualmente, mas que ainda se faz presente, sendo impor-
tante como diagnóstico diferencial de cegueira em gatos. Apesar de atualmente a retinopatia deficiente
de taurina ser pouco diagnosticada devido à suple-
CASO
mentação deste aminoácido nas rações comerciais
Uma gata adulta, sem raça definida, pesando para gatos, animais que não são alimentados adequa-
3,4 kg foi atendida pelo Serviço de Oftalmologia da damente, como os que recebem ração para cães ou
Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (UNESP comida caseira, podem apresentar deficiência deste
- Botucatu) devido à queixa de má acuidade visual há aminoácido [3,5,6].
cerca de 1 ano. Segundo o proprietário, a paciente não A deficiência de taurina e consequente retino-
apresentava blefarospasmo, fotofobia, prurido e se- patia deficiente de taurina neste caso foi diagnosticada
creção ocular. O animal havia sido adotado há 2 anos, por meio da visilibilização da lesão característica do
sendo anteriormente um animal errante, e desde então déficit deste aminoácido, pois nenhuma outra altera-
foi fornecido ração para gatos premium ad libitum. ção retiniana em gatos apresenta este aspecto. Sendo
Ao exame oftálmico, observou-se bilateral- assim, esta lesão é considerada patognomônica desta
mente midríase, com ausência dos reflexos de ameaça, deficiência [2].
pupilares diretos e consensuais. A pressão intraocular O paciente deste relato era adulto quando foi
foi aferida com auxílio de tonômetro de aplanação, adotado e apresentava histórico desconhecido, levantan-
estando o olho direito com 18 mmHg e o esquerdo do-se a hipótese de que em período anterior à adoção, o
com 16 mmHg. O teste de fluoresceína foi realizado, animal tenha sofrido deficiência nutricional de taurina e
apresentando resultado negativo em ambos os olhos. consequentemente gerado as lesões retinianas.

2
U.C. Guberman, N.B. Merlini, C.S. Perches, et al. 2023. Retinopatia deficiente de taurina em uma gata.
Acta Scientiae Veterinariae. 51(Suppl 1): 891.

O déficit de taurina pode desencadear também da paciente. Sendo assim, o histórico do animal, os
cardiomiopatia dilatada em gatos, gerando sinais clíni- achados de exame clínico, as características das le-
cos como letargia, anorexia e dispneia. Além disso, o sões retinianas e os exames laboratoriais corroboram
animal pode apresentar efusão pleural, edema pulmonar a hipótese de que a desnutrição tenha ocorrido antes
e ritmo cardíaco de galope [3,6]. Porém, ao exame clí- da adoção.
nico da paciente não foram detectadas outras anorma- A retinopatia deficiente de taurina pode ser
lidades, além das oftálmicas, sugerindo que a paciente classificada em 5 estágios de evolução, dependendo
não apresentava afecção cardíaca e que deficiência de das alterações na fundoscopia, sendo: Estágio 1- ca-
taurina tenha ocorrido em momento anterior à adoção racterizado pela presença de pigmento de característica
da gata, pois a alteração cardíaca pode ser revertida com granulomatosa em porção central da retina; Estágio
a suplementação de taurina na alimentação [9]. 2- por lesão em formato elipsoidal em região central da
As lesões retinianas hiperreflexivas quando retina; Estágio 3- em que há presença de segunda lesão
apresentam uma borda enegrecida, indicam uma pro-
hiperreflexiva nasal ao disco do nervo óptico; Estágio
gressão lenta, crônica e que já são alterações estabili-
4- onde as duas lesões coalescem; e Estágio 5- em
zadas [4]. O animal deste relato apresentou as bordas
que ocorre degeneração retiniana generalizada, com
das lesões pigmentadas, indicando o caráter crônico
atenuação ou ausência de vascularização retiniana [2].
destas alterações retinianas. Além disso, sabe-se que
No presente caso, só foi observada 1 única lesão com
o aparecimento dos sinais de lesão na fundoscopia
o aspecto característico da deficiência de taurina, mas
são visíveis apenas após período de 2 a 11 meses de
deficiência nutricional do aminoácido [4] e a atrofia apesar de não ter sido observada segunda lesão elipsoi-
completa de retina costuma ocorrer com no mínimo 9 dal e consequente coalescência destas, classificou-se
meses de déficit de taurina [2]. Então como o animal a doença como estágio 5 devido à intensa atenuação
apresentava cegueira completa, associado ao avançado vascular retiniana apresentada.
estágio de evolução das alterações retinianas, reforça- As lesões retinianas podem gerar déficit de
-se a suspeita de que a deficiência de taurina tenha visão, dependendo do estágio de evolução, porém
ocorrido por tempo prolongado em período anterior à apenas em estágios avançados da doença há perda
adoção do animal. da função visual [2]. O animal descrito neste artigo
Outra questão sugestiva de que a deficiência de apresentava perda completa de visão, sendo condizente
taurina não estivesse presente no momento da avalia- com a intensa degeneração retiniana observada por
ção, é que o déficit deste aminoácido causa leucopenia meio da fundoscopia e ausência dos reflexos pupilares
[11], quadro que não foi encontrado no hemograma e de ameaça.

Figura 1. Imagem de fundoscopia de uma gata com aparelho ClearView®, evidenciando-se lesão hiperreflexiva elipsoidal com bordas escurecidas
lateral ao disco do nervo óptico em região tapetal. Além disso, observa-se intensa atenuação vascular e hiperreflexia tapetal generalizada em ambos os
olhos. A- Olho direito. B- Olho esquerdo.

3
U.C. Guberman, N.B. Merlini, C.S. Perches, et al. 2023. Retinopatia deficiente de taurina em uma gata.
Acta Scientiae Veterinariae. 51(Suppl 1): 891.

O proprietário da paciente foi orientado a for- Conclui-se que apesar da retinopatia deficiente
necer alimentação comercial balanceada para gatos, de taurina ser rara atualmente, esta afecção deve ser
pois apesar das lesões retinianas serem irreversíveis [7], considerada como um dos possíveis diagnósticos dife-
as alterações cardíacas decorrentes de sua deficiência
renciais para cegueira nos pacientes felinos.
são reversíveis por meio da instituição de alimentação
enriquecida com este aminoácido. Além disso, o déficit Declaration of interest. The authors report no conflicts of
de taurina acomete outros órgãos e sistemas, como o sis- interest. The authors alone are responsible for the content and
tema nervoso central, imune e reprodutivo [3,4,6,9-12]. writing of the paper.

REFERENCES

1 Anderson P.A., Baker D.H., Corbin J.E. & Helper L.C. 1979. Biochemical lesions associated with taurine deficiency
in cat. Journal of Animal Science. 49(5): 1227-1234.
2 Glaze M.B., Maggs D.J. & Plummer C.E. 2021. Feline Ophthalmology. In: Gellat K.N. (Ed). Veterinary Ophthalmology.
6th edn. Ames: Blackwell Publishing, pp.1665-1840.
3 Kirk C.A., Debraekeleer J. & Armstrong P.J. 2000. Gatos normales. In: Hand M.S., Thatcher C.D., Remillard R.L.
& Roudebrush P. (Eds). Nutrición Clínica en Pequeños Animales. 4th edn. Topeka: Mark Morris Institute, pp.347-413.
4 Leon A., Levick W.R. & Sarossy M.G. 1995. Lesion Topography and new histological features in feline taurine
deficiency retinopathy. Experimental Eye Research. 61(6): 731-741.
5 Miller P.E., Tilley L.P. & Smith Jr. F.W.K. 2009. Degeneração de retina. In: Miller P.E., Tilley L.P. & Smith Jr.
F.W.K. (Eds). Consulta Veterinária em 5 Minutos: Manual de Especialidades Caninas e Felinas- Oftalmologia. São
Paulo: Manole, pp.98-107.
6 Nelson R.W. & Couto C.G. 2015. Doenças miocárdicas do gato. In: Nelson R.W. & Couto C.G. (Eds). Medicina
Interna de Pequenos Animais. 4.ed. Rio de Janeiro: Elsevier Editora Ltda, pp.141-168.
7 Ofri R. 2017. Retina. In: Maggs D.J., Miller P.E. & Ofri R. (Eds). Slatter’s Fundamentals of Veterinary Ophthalmol-
ogy. 6th edn. St. Louis: Elsevier Saunders, pp.285-317.
8 Pion P.D., Kittleson M.D., Rogers Q.R. & Morris J.G. 1987. Myocardial failure in cats associated with low plasma
taurine: a reversible cardiomyopathy. Science. 237(4816): 764-768.
9 Pion P.D., Kittleson M.D., Thomas W.P., Delellis L.A. & Rogers Q.R. 1992. Response of cats with dilated car-
diomyopathy to taurine supplementation. Journal of the American Veterinary Medical Association. 201(2): 275-284.
10 Schuler-levis G., Mehta P.D., Rudeli R. & Sturman J. 1990. Imunologic consequences of taurine deficiency in cats.
Journal Leukocyte Biology. 47(4): 321-331.
11 Sturman J.A. & Messing J.M. 1991. Dietary taurine content and feline reproduction and outcome. Journal of Nutri-
tion. 121(8): 1195-1203.
12 Sturman J.A. & Messing J.M. 1996. Depletion of feline taurine levels by beta-alanine and dietary taurine restriction.
Nutrition Research. 16(5): 789-795.

CR891
http://seer.ufrgs.br/ActaScientiaeVeterinariae

Você também pode gostar