Veja Digital #2918 - 08nov24

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Fundada em 1950

VICTOR CIVITA ROBERTO CIVITA


(1907-1990) (1936-2013)

Publisher: Fabio Carvalho

Diretor de Redação: Mauricio Lima

www.grupoabril.com.br
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CARTA AO LEITOR

GABRIELA BILÓ/FOLHAPRESS

A HORA DA VERDADE
ADAM SMITH, o pai da economia moderna, já dizia que
a riqueza de uma nação não reside apenas em seu poten-
cial produtivo, mas na capacidade de gerir eficientemente
seus recursos. O Brasil, com uma máquina pública inchada
e gastos fora de controle, há tempos caminha na contra-
mão dessa visão. Hoje, as despesas da União continuam a
subir em ritmo preocupante, corroendo o Orçamento e
comprometendo o futuro econômico do país. Cálculos de

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O AMOR É LINDO UMA IDEIA DE GÊNIO

especialistas estimam que a re-


Rosângela da Silva, a namorada Aladdin, produção da Disney, é a nova
de Lula, tem emprego em estatal aposta do estúdio em live action
Editora ABRIL
Edição 2636 - ano 52 - nº- 22
29 de maio de 2019

lação dívida-PIB alcance 80%

www.veja.com
ao fim deste ano, um número
que explica as oscilações que te-
mos testemunhado do dólar e
da bolsa de valores. Vale ressal-
tar, no entanto, uma excepcio-
PREVIDÊNCIA OU MORTE nal (e recente) mudança. É lou-
Em entrevista exclusiva, Paulo Guedes diz que sem a reforma o país quebra em um ano

vável ver que, finalmente, a


e que ele vai mesmo embora se a economia com o projeto for menor que 800 bilhões
de reais em dez anos. Na opinião do ministro, o governo, até aqui, merece nota 7,5

MÃOS DE TESOURA atual administração de Luiz


CAPA_2636.indd 1 5/23/19 16:07

Lula, Haddad e capa de Inácio Lula da Silva — forte-


VEJA: o corte de gastos mente influenciada pela prega-
é fundamental para atrair ção do ministro Fernando Had-
investimentos dad — parece reconhecer a gra-
vidade da situação. A necessida-
de de cortar custos, antes vista como uma afronta por se-
tores do próprio PT, agora surge como um passo funda-
mental para a sustentabilidade financeira.
Nesta edição, VEJA traz um retrato detalhado dos prin-
cipais escoadouros de recursos públicos. Na reportagem
“Tempo de cortar”, assinada pelo editor Márcio Juliboni e
pela repórter Juliana Elias, serão evidenciados setores nos
quais a ineficiência e o desperdício se tornaram norma, se-
ja por má gestão, seja por vícios de longa data no uso do
dinheiro federal. Um dos pontos críticos, por sinal, conti-
nua a ser o nosso sistema de Previdência, que, corrigido
pelo salário mínimo, voltou a drenar recursos em excesso.

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Gastos com saúde, educação e aposentadorias são essen-


ciais, é claro. Mas existe uma diferença gritante entre des-
pender para o bem-estar da população, para que o país
avance em áreas sensíveis ou vitais, e permitir que o di-
nheiro se perca em um emaranhado de burocracia, cor-
rupção e mero populismo.
Esses “vazamentos”, é importante destacar, tiram ver-
bas que poderiam nos transformar em uma nação mais
justa e funcional para todos os seus cidadãos. Ao tapar es-
ses buracos com uma execução eficiente do pacote fiscal, o
governo tem a chance de reverter essa situação e pavimen-
tar o caminho para um Brasil mais próspero e atrativo pa-
ra investidores globais. Esse importante sinal de preocupa-
ção com as contas trará benefícios inequívocos para o fi-
nanciamento de empresas e de projetos que necessitam de
capital estrangeiro, além de provavelmente ajudar a dimi-
nuir o valor do dólar e da inflação. Em um cenário de des-
pesas mais equilibradas, a confiança dos investidores au-
menta, e o país se torna um polo de desenvolvimento e ino-
vação. Em resumo: desinchar a máquina pública é um ato
de responsabilidade com a sociedade, que clama por efi-
ciência e resultados. Que o governo aproveite essa oportu-
nidade para fazer do Brasil uma nação mais robusta e
comprometida com seu próprio futuro. ƒ

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ENTREVISTA SEBASTIÃO MELO
CESAR LOPES

“É UM ERRO
ESTAR COM LULA”
Reeleito após a tragédia em Porto Alegre, prefeito do
MDB comemora triunfo sobre o PT, critica
o seu partido por integrar o governo federal e
defende candidatura presidencial de oposição

RAMIRO BRITES

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NASCIDO EM GOIÁS, Sebastião Melo chegou a Porto


Alegre em 1978, quando tinha 20 anos, e logo se filiou ao
MDB, única legenda na qual militou em sua trajetória. Foi
vereador, vice-prefeito e deputado estadual e diz que é “o
cara que mais quis ser prefeito” da capital gaúcha. A reali-
zação do sonho veio em 2021, mas a gestão foi turbulenta.
Aliado ao PL de Jair Bolsonaro, foi criticado na pandemia
por adotar vermífugos e remédios contra a malária para
combater a covid-19, apesar da falta de respaldo científico.
No ano em que iria tentar renovar o mandato, deparou-se
com o principal desafio de sua vida pública. Assim como a
maioria do Rio Grande do Sul, o município ficou debaixo
d’água na mais devastadora enchente registrada em uma
cidade marcada por cheias históricas. A crise espalhou
13 000 pessoas por 130 abrigos (hoje há 377 em um local),
deixou cinco mortos, levou o caos à cidade e fechou o aero-
porto Salgado Filho por 170 dias. Apesar das críticas pelas
falhas no sistema anticheia, o que virou tema óbvio de
campanha, ele surpreendeu ao derrotar Maria do Rosário
(PT) com alguma facilidade. A VEJA ele diz que o eleitor
julgou os quatro anos de mandato, afirma que a centro-di-
reita venceu em todo o país porque a esquerda não enten-
deu que “o cidadão da periferia quer liberdade em tudo” e
diz achar um equívoco o MDB participar do governo Lula.

O senhor enfrentou a maior tragédia climática de Porto


Alegre, foi muito criticado e acabou reeleito. A que atribui

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a vitória nesse cenário? O resultado foi um julgamento


dos quatro anos de mandato e de todas as políticas públicas
que liderei com a equipe e a sociedade, porque muitas
transformações foram provocadas pela prefeitura, com
grandes parcerias. E povo também me julgou, incluindo a
minha atuação em relação às enchentes. A votação no Bra-
sil, do Oiapoque ao Chuí, reelegeu prefeitos que dialogam
com a cidade, com os cidadãos, que enfrentam os proble-
mas e têm transparência nos atos.

Sobre a inundação, faltou manutenção ou investimento


da prefeitura no sistema de prevenção? Por que a estru-
tura antienchente não funcionou? O sistema foi concebido
e executado após a grande enchente de 1941, baseado na-

“O MDB tem que desenhar um


caminho para a sucessão
presidencial. Se o partido não
tiver um candidato próprio,
defendo uma aliança de centro-
direita para 2026”
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quele volume de água. Ele nunca tinha sido testado com a


ferocidade dessa tragédia que se abateu sobre o Rio Grande
do Sul. Quando aconteceu, vimos que diques que deveriam
ter sido construídos no passado, não foram; estruturas que
deveriam ter uma altura, não tinham. Todos os prefeitos
que me antecederam fizeram a sua parte na manutenção,
eu fiz a minha também, mas a verdade é que tivemos vaza-
mentos de água em 21 lugares, portões que romperam,
contenções que não funcionaram. O sistema não foi revisa-
do durante todos esses anos, e, quando veio aquela quanti-
dade de chuva, se mostrou insuficiente.

Diante disso, por que a população não o responsabilizou


nas urnas? A campanha fez um diálogo franco e mostrou
qual é a responsabilidade de cada um. A limpeza dos arroios
é uma competência do município, e nenhum deles transbor-
dou, porque estamos gastando dinheiro com isso desde
2021. A Constituição diz que a proteção contra calamidades
também diz respeito à União. Quem mais me atacou, que foi
o PT, governou a cidade por dezesseis anos; o sistema era o
mesmo e não fizeram nenhuma obra para refazê-lo. E o cul-
pado de tudo é o Melo? Esse discurso ficou frágil.

O governo federal cumpriu o que prometeu na retomada


pós-enchente? Existem anúncios feitos e que se concreti-
zaram e outros que foram feitos e não se confirmaram. É
importante dizer: o governo Lula anunciou 6 bilhões de

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reais para a proteção contra cheias na bacia metropolitana.


Falei sobre esse assunto no Ministério das Cidades, mas ain-
da não saiu do anúncio. Tem que fazer uma portaria, e essa
portaria tem que gerar a criação de um fundo, que vai ser
gerido pelo governo do estado. Para Porto Alegre é meio bi-
lhão de reais. Quando os ministros estavam aqui, disseram:
“Essas obras emergenciais nós também vamos bancar”.

O que fazer diante dessa demora? Eu não podia esperar.


Já lancei algumas licitações. Tem empréstimos também
que estão a caminho. Para o Pronampe (linhas de crédito
para pequenas empresas), veio dinheiro, mas sempre vai
ser insuficiente. No Auxílio Reconstrução se inscreveram
278 000 pessoas, mas o governo reconheceu só umas
70 000. As obras mais pesadas dependem de estudos que
não são só do meu município, parte depende da bacia. Se
você olhar a quantidade de sujeira que tem no Guaíba, é
uma coisa assustadora, mas a limpeza é competência única
e exclusiva do governo do estado.

Se pudesse voltar no tempo, o que o senhor teria feito de


diferente? O sistema de monitoramento até a enchente era
muito frágil. Um meteorologista previa que iria chover nas
próximas 24 horas de 80 a 100 milímetros, mas, ele nunca
dizia se a chuva seria na primeira hora, na segunda hora ou
espaçada nas 24 horas. Não é porque ele não é competente,
é porque não tinha elementos suficientes para isso. Se eu

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pudesse voltar no tempo, faria o que estamos fazendo: uma


sala de monitoramento, porque você pode ter mais preci-
são na sua tomada de decisão.

De quanto tempo Porto Alegre vai precisar para se recu-


perar totalmente dos estragos da tragédia? Temos um
longo caminho que envolve gestão e dinheiro. Esse é um te-
ma central. Não dá para determinar um tempo, se é no
meio ou no fim do ano que vem. O certo é que toda a força
de trabalho está sendo colocada para devolver a cidade à
normalidade o mais rápido possível, porque isso dá digni-
dade e segurança. Em uma cidade recuperada, a economia
volta mais rápido. Se, por um lado, setores perderam mui-
to, por outro, sempre alguém vai ganhar dinheiro. A cons-
trução pesada no Rio Grande do Sul está com um fatura-
mento extraordinário. Pontes foram derrubadas, sistemas
de proteção de cheias também foram derrubados.

O MDB tem três ministérios no governo Lula, mas nas


eleições as críticas do senhor ao governo federal eram
bem frequentes. Não é uma contradição? Sou um prefei-
to que governou por dois anos com o presidente Jair Bol-
sonaro e tive um entendimento bom. E com o atual gover-
no tive um diálogo antes e durante a enchente, quando o
presidente esteve aqui, e com os ministros. Agora, acho
um equívoco o MDB estar no governo Lula, mas essa é
uma decisão nacional.

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O senhor defende ir para a oposição? Nós disputamos a


eleição de 2022 (com Simone Tebet) e perdemos. Não sou
bolsonarista, mas votei no Bolsonaro no segundo turno.
Tenho uma aliança com o PL desde a disputa passada, o
que estava em jogo aqui era a municipalidade. O MDB tem
que desenhar um caminho para a sucessão presidencial,
um projeto para liderar o Brasil. Vou trabalhar por isso.

Como se articularia esse projeto? Conversei rapidamente


com o presidente do partido, Baleia Rossi, tenho conversa-
do com o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes. A primeira
coisa é que o MDB precisa se reunir. Sempre discuti ideias e

“Talvez o PT tenha perdido a


periferia por apostar
muito em política paternalista.
O cidadão, mesmo de áreas
pobres, quer liberdade em tudo.
O desenvolvimento leva riqueza,
não o contrário”
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convivi bem com divergências partidárias e com as deci-


sões tomadas, desde que sejam democráticas. Sem uma
candidatura presidencial, vamos nos dividir. Temos que lu-
tar pela unidade, sob a coordenação do Baleia. Quero aju-
dar. Mas, se o MDB não tiver candidato próprio, defendo
uma aliança de centro-direita em 2026.

Qual a chance de esse movimento prosperar? A contri-


buição de um prefeito de capital tem limite. Vou defender
minha posição, assim como outros emedebistas vão enten-
der que tem que ser uma candidatura de centro-esquerda.
Mas essa discussão tem que acontecer.

O MDB foi o partido que mais venceu em capitais, com


cinco, mesmo número do PSD. Por que acha que teve es-
se desempenho? O brasileiro foi pragmático, deixou um
pouco os extremos de lado. Há um eleitor que tem defini-
ção ideológica, de um lado e de outro, mas que nunca vai
ser suficiente para ganhar a eleição. O MDB escolheu bem
seus candidatos, fez uma boa eleição municipal, e nossa
responsabilidade aumentou. Na medida em que temos
mais representações, temos também mais condições para
tomar uma decisão na eleição que vem.

E a que atribuiu a ampla vitória dos partidos de centro-


direita? O maior problema social de um governo é o bai-
xo desenvolvimento econômico. Talvez o PT tenha per-

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dido a periferia por apostar muito em política paternalis-


ta. Quando o partido começa a ganhar na classe média
alta, já é sinal de que as coisas mudaram. O cidadão da
periferia quer liberdade em tudo. Cuidamos muito da li-
berdade econômica, levamos inovação aos bairros, regu-
larização fundiária, sem olhar partidos; é fazer o que tem
que ser feito. O desenvolvimento leva riqueza à periferia
— e não o contrário. Esse é um caminho demonstrado a
cada eleição e por isso a centro-direita está cada vez
maior nas capitais.

O eleitor está recebendo melhor essa visão econômica?


Não só em relação à economia, mas também com a partici-
pação popular verdadeira. Não fizemos do orçamento par-
ticipativo um aparelho de governo, como era com o PT. Fo-
mos aos bairros para debater o tema daquele local. Coloca-
se uma caixa de som, dez, quinze pessoas falam, e o secre-
tariado escuta tudo. Claro que o orçamento tem limites,
mas dá credibilidade dizer para a pessoa “isso dá para fa-
zer”, “isso é para daqui a um ano”. Ou seja, isso é participa-
ção popular sem ser paternalista. Ganhamos as eleições em
todas as urnas e, especialmente, nas classes mais baixas. O
discurso identitário da esquerda pega parte da sociedade,
mas nós conversamos com todos.

O antipetismo ajudou o senhor a ganhar as eleições? O


meu discurso foi a favor da cidade, mas, no enfrentamen-

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to político, especialmente no segundo turno, a chapa es-


quenta. Alguns votaram em mim por profunda convicção,
outros porque não queriam que o PT voltasse. O segundo
turno é um mano a mano. A soma disso deu o resultado
da eleição. E teve ainda a questão da abstenção, que mos-
trou o desencanto de milhares de pessoas no Brasil intei-
ro. Em Porto Alegre, não foi diferente. É preciso fazer
com que esses brasileiros que não têm votado voltem a
participar das eleições.

O senhor pretende deixar a prefeitura para disputar o go-


verno em 2026? Não. Estarei aqui prefeiturando. Aliás,
vou ser o prefeito, depois da redemocratização, com mais
tempo no cargo em Porto Alegre. Fui o cara que mais quis
ser prefeito. E serei outra vez. ƒ

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IMAGEM DA SEMANA

CRISE CONJUGAL
COM O MUY AMIGO

EM SUA MARCHA autoritária, o presidente da Venezuela,


Nicolás Maduro, segue a cartilha dos ditadores: escolher
inimigos, inclusive os que não são, para galvanizar a
opinião pública. No sábado 2, foi a vez de o Brasil entrar na
mira. Ele acusou o governo brasileiro, amigão de todas as
horas, de empreender uma “agressão descarada e grosseira”
ao promover uma “campanha sistemática que viola
PALACIO MIRAFLORES/EFE

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os princípios das Nações Unidas”. No dia seguinte, deu-se


outra ofensiva. A agência de notícias estatal publicou uma
charge em que o Ministério das Relações Exteriores, em
Brasília, estaria atendendo aos interesses dos
Estados Unidos. Celso Amorim, ex-chanceler e atual
assessor especial para assuntos internacionais da
Presidência, foi declarado persona non grata. A crise
conjugal começou em julho, quando Lula sugeriu a
realização de novo pleito presidencial. Há duas semanas
agravou-se, com o veto do Planalto à entrada
da Venezuela no Brics ampliado. Maduro chegou a ir
pessoalmente ao evento da organização, em Kazan, na
Rússia, numa tentativa de forçar a barra, mas voltou para
Caracas de mãos vazias. Conhecido pela habilidade em
navegar na intrincada geopolítica global, o Itamaraty evitou
o confronto direto. E só se manifestou depois de a polícia
bolivariana publicar uma foto com a bandeira do Brasil e a
frase: “Quem se mete com a Venezuela se dá mal”. Notórios
por sempre interceder em favor do regime chavista, Lula e o
PT vivem uma saia justa, que um dia despontaria, claro,
diante do muy amigo, que ri sabe-se lá do quê. ƒ

Ernesto Neves

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CONVERSA HELEN MIRREN

ACLAMADA
A estrela: “Ser artista
ARNOLD JEROCKI/GETTY IMAGES

é fugir do padrão
considerado normal”

“O CINEMA
É PODEROSO”
A atriz inglesa de 79 anos reflete sobre sua
trajetória e seu novo filme, Pássaro Branco
— Uma História de Extraordinário, no qual ela
interpreta uma sobrevivente do Holocausto

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No filme, a senhora é avó de um garoto que faz bullying


contra um colega com deficiência — trama retratada em
outro filme, Extraordinário, de 2017. Ao ensiná-lo sobre
gentileza, ela conta de um amigo que a escondeu e a sal-
vou do Holocausto. Por que essa trama a atraiu? Eu
cresci na Inglaterra no pós-guerra e desde muito nova senti
a obrigação de não deixar que o Holocausto fosse esquecido
para que ele não se repita. De lembrar que nós, seres huma-
nos, somos capazes de seguir um caminho tão vergonhoso.
O filme é uma forma ótima de passar essa mensagem aos jo-
vens, pois ele ainda entretém, é lindo e visceral.

Acredita que o cinema pode ser, então, uma ferramenta


de influência? Sim. Amo filmes e peças de teatro. Quando
estou diante de uma boa história, esqueço da realidade. Se
os personagens estão com frio, eu sinto frio. Se estão com
calor, também sinto calor. O cinema é poderoso e tem uma
enorme capacidade de nos fazer pensar, chegando a cama-
das profundas, intelectualmente e emocionalmente falando.

Recentemente, a senhora interpretou a ex-primeira-mi-


nistra israelense Golda Meir. Em seguida, a atual guerra
entre Israel e Palestina estourou. Como analisa este mo-
mento e as críticas à nação israelense? Eu interpretei
muitas mulheres judias, e não sou judia. Sou uma admirado-
ra. A contribuição da comunidade judaica para o mundo é
incomparável. Acredito que temos que separar os políticos

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do povo. Quando as pessoas criticam Israel, elas estão falan-


do das ações do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, e
não do povo israelense.

Em 2024, a senhora completou sessenta anos de carrei-


ra como atriz. Como vê essa jornada? Ser uma atriz é fu-
gir do padrão, do que é considerado normal. Ser artista é ser
um pouco anormal, a gente se afasta do que é considerado o
caminho tradicional da vida. Na adolescência, já sabia que
eu era diferente. Que não queria me casar nem ter filhos, ou
trabalhar em um emprego qualquer. Na época, ninguém na
minha família entendeu. Era algo considerado insano. Mas
foram minhas escolhas, e não me arrependo.

Notou alguma diferença gritante do começo da carreira


para agora? Tenho a impressão de que as personagens fe-
mininas choram demais. Por que tanto choro, meu Deus?
Não entendo esses roteiristas. Mas, conforme envelheci, mi-
nhas personagens passaram a chorar menos, ufa (risos)! ƒ

Raquel Carneiro

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DATAS

OBRAS-PRIMAS
Quincy Jones:
de Fly Me to the
Moon, com Sinatra,
a Thriller, de
Michael Jackson
RON GALELLA/GETTY IMAGES

O SONHO AMERICANO
Se houvesse uma trilha sonora para o sonho americano
— e há — ela teria o dedo do trompetista, pianista e arran-
jador Quincy Jones. Onde quer que ele tenha posto a
mão, ao construir partituras de permanente pegada jaz-
zística, fez-se ouro. A lista de músicos com os quais traba-

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lhou (e que reinventou) tende ao infinito e começa com


nomes como Ray Charles, Count Basie, Frank Sinatra,
Aretha Franklin — e, claro, Michael Jackson. Jones pro-
duziu com esmero o álbum Thriller, do rei do pop, em
1982. A dupla tinha uma ambição, fazer o “maior álbum
da história”. O resultado: a construção de um totem ini-
gualável, que vendeu algo em torno de 120 milhões de có-
pias. Ao montar a lista de canções, com clássicos como
Beat It e Billie Jean, Jones resumiu a fórmula: “Você tem
de ir direto na garganta em quatro, cinco, seis áreas dife-
rentes: rock, adulto contemporâneo, R&B e soul”, disse.
Ele bem poderia ter lembrado também de uma outra es-
cola que sempre admirou, registrada em Big Band Bossa
Nova, de 1962, inspirada na revolução de João Gilberto,
Tom e Vinicius nascida em Ipanema. É impossível não se
empolgar com a versão do americano para Chega de Sau-
dade e Samba de Uma Nota Só. Entre brasileiros, ele tra-
balharia também com Milton Nascimento, Ivan Lins e Si-
mone, que punha entre as grandes do mundo. “As melo-
dias são rainhas, nunca se esqueça disso”, costumava di-
zer. “As letras parecem vir na frente, mas não.” Mesmo
com um intérprete genial como Sinatra, de dicção e afina-
ção perfeitas, com quem esteve no início dos anos 1950,
os instrumentos se sobrepunham às palavras — Fly Me to
the Moon, obra-­prima dos dois, de 1954, leva qualquer ser
humano à Lua. Quincy Jones morreu em 3 de novembro,
aos 91 anos, em Los Angeles.

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O ROMANTISMO DO REI DA VOZ


O vozeirão de Agnaldo Rayol é uma joia da canção ro-
mântica escutada por gerações de brasileiros. Ele começou
a fazer sucesso de mãos dadas com a Jovem Guarda de Ro-
berto Carlos, mas logo enveredou pelo que fazia com maes-
tria: o cancioneiro romântico, especialmente o italiano e
standards americanos. Nos anos 1990, fez sucesso com Mia
Gioconda, que virou tema da novela O Rei do Gado, e Tor-
mento d’Amore, abertura de Terra Nostra, ambas da Globo.
Com pinta de galã, o Rei da Voz, como era apelidado, foi
também estrela na televisão em folhetins dos anos 1970, co-
mo As Pupilas do Senhor Reitor e Os Deuses Estão Mortos,
da Record. Rayol morreu em 4 de novembro, aos 86 anos,
depois de uma queda em sua casa, em São Paulo.

FÁBIO GUINALZ/FOTOARENA

AMOR E SAUDADE Agnaldo Rayol:


Mia Gioconda e Tormento d’Amore

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A LENTE MÁGICA E HUMANA

EVANDRO TEIXEIRA/ACERVO IMS


DENÚNCIA O Forte de Copacabana em 1964 (acima) e a
violência policial em 1968: olhar corajoso contra a ditadura militar
EVANDRO TEIXEIRA/ACERVO IMS

Já que o “jornalismo é um rascunho bruto da história”,


na definição de um ex-presidente do The Washington Post,
o fotógrafo Evandro Teixeira deve ser celebrado como um

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de seus mais argutos repór-


teres. As imagens do baiano
filho de um fazendeiro e de
uma dona de casa de Iraju-
ba, a 300 quilômetros de
Salvador, nascido no dia do
Natal, ajudam a contar —
prioritariamente em preto e
branco — a história do Bra-
sil a partir da segunda meta-
MARCOS RAMOS/AGÊNCIA O GLOBO

de do século XX, em espe-


cial o terrível período da di-
tadura militar.
RÁPIDO O baiano Evandro Contratado pelo Jornal
Teixeira: ele via o que os do Brasil em meados dos
outros não viam anos 1960, depois de ter feito
um curso por correspondên-
cia oferecido pela revista O Cruzeiro, Evandro começou a
destacar-se ao registrar a violência de quepe como ninguém
antes fizera. Na madrugada de 1º de abril de 1964, flagrou o
deslocamento dos soldados no Forte de Copacabana, debai-
xo de chuva, na contraluz, que estamparia a capa do JB — e
que logo viraria símbolo dos horrores que nasciam. Em ju-
nho de 1968, meses antes da decretação do AI-5, fez outro
clique memorável durante uma manifestação contra o go-
verno — a do estudante cercado por dois policiais de cassete
em mãos, caindo no asfalto, ao redor do Teatro Municipal

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do Rio. “Na foto, estão os três no ar, e os óculos do estudante


estão voando. Ele deu um tremendo gemido e ficou lá estira-
do. Os soldados tentaram levantar o rapaz, fiz mais uma fo-
to e me mandei, porque corriam atrás de mim”, contou, a
seu estilo, simples e direto.
Rápido de raciocínio, quase sempre no lugar certo, em
cantos apartados dos colegas, via o que ninguém via e fez
das lentes instrumento de manifesto do cotidiano. Como o
Brasil talvez fosse pequeno demais para ele, pôs seus olhos
também na ditadura militar do Chile de Pinochet, em 1973,
com direito a um furo de reportagem internacional — as ce-
nas do poeta Pablo Neruda morto. “Ele tem uma fotografia
de resistência, humanística, na linha de frente”, disse a VE-
JA Sergio Burgi, curador de uma mostra dedicada a seu tra-
balho que, no ano passado, ocupou as salas do Instituto Mo-
reira Salles, no Rio e em São Paulo.
Afeito a câmeras sempre pequenas, como a Leica — ana-
lógicas e apenas recentemente digitais —, Evandro pouco
usou teleobjetivas, que o afastariam demais das cenas, como
ensinou o francês Robert Capa: “Se suas fotos não são boas
o suficiente, então você não está perto o suficiente”. Morreu
em 4 de novembro, no Rio de Janeiro, aos 88 anos, de falên-
cia de múltiplos órgãos, depois de uma pneumonia. Fica de-
le a lembrança anotada por Carlos Drummond de Andrade
em um poema inspirado no arsenal de Evandro no calor dos
eventos de 1985: “É preciso que a lente mágica enriqueça a
visão humana”. ƒ

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FERNANDO SCHÜLER

O PAÍS DA GRANDE
FOGUEIRA
“DESTRUIÇÃO de todos os livros”, diz a ordem do ministro
Flávio Dino. Desconfio que ficará na história. O tema é co-
nhecido. Os livros continham preconceitos e opiniões detes-
táveis, e sobre isso não há muita dúvida. A pergunta relevan-
te é sobre como desejamos lidar com isso. Se de fato deseja-
mos dar aos agentes do Estado o poder de julgar estas coisas:
o erro e o acerto de uma opinião. E a partir daí mandar calar,
suprimir, silenciar, destruir. Não penso que seja uma questão
trivial. Todos já escutaram a frase famosa de Louis Brandeis,
segundo a qual o melhor remédio para as más ideias é mais
debate, mais discurso, mais contraditório, e não o “silêncio
forçado”. Ele disse isso em um julgamento da Suprema Corte
americana, em 1927. Havia uma intuição, ali, de que dar ao
Estado o poder de suprimir uma má opinião pode ser ótimo,
no curto prazo. Mas ao longo do tempo tende a ser um desas-
tre. Um desastre como conceito do que deve ser uma repúbli-
ca. De minha parte, não me surpreendo em nada com a deci-
são do ministro. Não temos um Brandeis por aqui. E lamento
dizer que não basta que esteja escrito, na Constituição, que “é

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livre a manifestação do pensamento”, como um direito fun-


damental. Se essas palavras não se converterem em um valor
na sociedade, e se não houver instituições capazes de fazer
isso valer, sejamos sinceros, elas são letra morta. Minha úni-
ca curiosidade é saber como esses livros serão destruídos.
Não acho que isso deveria ser feito às escondidas, mas em
uma grande fogueira, quem sabe na Praça dos Três Poderes.
Há uma certa tradição nessa maneira de destruir livros, e po-
deríamos incorporar isso a nossos rituais republicanos. De
tempos em tempos, uma imensa pira com todos os livros er-
rados. Feito rituais de purificação de nossa democracia.
Para quem achar que vai alguma ironia aqui, digo que
não. Não muda nada se os livros forem moídos ou picota-
dos. É exatamente isso que estamos fazendo. E tudo é per-
feitamente coerente com o que nos tornamos como país, nos
últimos anos. O que estamos fazendo é consagrar algo que
George Orwell chamou de “crimideia”. Não o crime de in-
júria ou calúnia a alguém, em particular, tipificado em nos-
sas leis. Mas a noção de uma “opinião criminosa”, julgada
por alguém como capaz de causar “ofensa coletiva”. Algo
como dizer: “Os apoiadores do candidato X são nazistas”.
Quer dizer: eles são racistas, querem meter seus inimigos
em uma câmara de gás. É um pouco inútil entrar no mérito
de cada uma dessas ofensas. Há infinitas delas, todos os
dias, em nosso debate público. E é irrelevante perguntar so-
bre o que deve entrar na conta de “discurso odioso” ou de
“agressão à dignidade humana”. Na medida em que aceita-

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E+/GETTY IMAGES

JUÍZO Livros no limbo: podem conter opiniões


detestáveis, mas para que o silêncio forçado?

mos delegar a um agente de Estado tomar essa decisão em


nosso nome, o problema já está decidido, de antemão.
O que vamos instituindo, na vida brasileira, é a república
dos direitos flutuantes. Certos tipos de ofensas, a certos gru-
pos, em certas publicações, autorizam a censura. Quando o
juiz Oliver Holmes, da Suprema Corte americana, fixou o seu
critério de que apenas discursos que gerassem “risco claro e
imediato” deveriam ser proibidos, ele quis exatamente afastar
a seletividade das interpretações. Encurtar a distância entre

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“O vigor de
uma regra só é
testado diante
das piores ideias”
o fato e a regra, de modo que a subjetividade de quem ocupa
o poder não terminasse por fabricar o direito. Na prática: evi-
tar o abuso. Se um dia criarmos um humanoide magnânimo,
com uma IA perfeitamente constitucional, quem sabe possa-
mos delegar esse julgamento com tranquilidade. Por ora ele
não existe. Felizmente. E é isso que dá sentido à prudência
republicana de deixar nas mãos dos cidadãos, e não dos agen-
tes de Estado, a prerrogativa de separar o joio do trigo. De
julgar as boas e más opiniões. E recusar a ideia do Estado-pa-
nóptico, dia e noite vigiando frases, livros, comentários no
rádio, filmes, documentários, peças de teatro, programas de
humor e conversas no WhatsApp.
Foi esta a tese sustentada pela desembargadora Marga
Tessler no processo. Ela foi clara em definir como “total-
mente inadequado patrulhar a produção jurídica, histórica
ou artística, pinçando frases aqui e ali, e a partir daí identi-
ficar a publicação como um todo de disseminação de ódio
ou ameaça à dignidade humana”. Cito aqui a desembarga-

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dora Tessler para mostrar que há uma divergência no mundo


jurídico brasileiro que reflete algo maior: uma divergência
sobre o tipo de república que desejamos ser. De minha parte,
acho curioso que este seja, no fundo, um antigo debate. Há
exatos 380 anos, em 1644, o poeta John Milton escreveu
uma carta com um nome difícil, “Aeropagítica”, ao Parla-
mento inglês. Uma carta pedindo exatamente o fim da cen-
sura aos livros. Milton lembra do mito de Osíris e da verdade
partida em mil pedaços, que só serão novamente rejuntados
no Dia do Juízo. Tudo para lembrar de nossa condenação
como humanos: lidar com a incerteza. O ônus da dúvida e
do juízo. Bendita condenação, que traz junto de si liberdade.
Milton desconfia do poder. Pergunta se por acaso seríamos
nós, pessoas comuns, tão “levianas, sem formação e debili-
tadas”, que não seríamos capazes de processar o que “não
passasse pelo filtro de um censor”. E por fim reconhece o
óbvio: que somos falíveis. Que temos nossos vieses. E que
isso se aplica inclusive a quem detém o poder. Aqueles que
“podem se enganar na escolha de um censor tão facilmente
quanto o censor pode se enganar sobre um livro”. Seu ponto
era dizer que, caso esse direito fosse concedido ao Estado,
seus agentes iriam errar. Agir com seletividade. Se alguém
duvidar, basta observar a incrível variedade de motivos usa-
dos no Brasil, ainda agora, para justificar a censura. Fiz uma
lista apenas lendo algumas decisões recentes de nossos tri-
bunais e percebi que a coisa iria longe: “discurso de ódio”,
“intolerância”, defesa da “dignidade humana”, “tratamento

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desrespeitoso”, “preconceito”, “ameaças à democracia”,


“agressão”. Conceitos abertos, generosos, em que cabe a ri-
gor qualquer coisa que uma autoridade desejar. Na própria
decisão sobre os livros, estava lá a ideia de que a liberdade
de expressão não serviria para a “prática de maldades”, e
sim para “promover o bem-estar e a dignidade do ser huma-
no”, ou ainda (a melhor de todas), para as ideias que “engran-
deçam a democracia, e não o contrário”.
Não é preciso ir longe para saber a que situação o uso de
(in)definições como estas nos levaria. Quem sabe punir uma
revista, por ser “conservadora”, ou um punhado de cidadãos,
por protestarem à frente de um evento, em Nova York. Ou
quem sabe um professor, por indagações no Twitter sobre o
resultado de algumas urnas. Tudo isso aconteceu no Brasil.
E aconteceu precisamente porque admitimos aquela regra. A
regra do Estado guardião das palavras. Curador, editor, juiz
da opinião. E, logo, censor. É exatamente isso que deveríamos
revisar. Entender de uma vez por todas que o vigor de uma
regra, como a liberdade de expressão, só é testado diante das
piores, e não das melhores ideias. E é por isso que sugiro
aquela imensa fogueira em Brasília. Ela possivelmente não irá
acontecer. Mas é real. E quem sabe apenas a sua lembrança,
e de tudo que ela carrega, possa nos lembrar sobre uma linha
que jamais deveríamos cruzar em nossa vida republicana. ƒ

Fernando Schüler é cientista político e professor do Insper

ƒ Os textos dos colunistas não refletem


necessariamente as opiniões de VEJA

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SOBEDESCE

SOBE
CAMILO SANTANA
O ministro da Educação comemorou
os números do último Enem: foram
cerca de 4,3 milhões de inscrições,
27% a mais em relação a 2022.

DAVI ALCOLUMBRE
Com o aval do PT, que se soma
agora aos apoios de PL, União
Brasil, PP, PDT e PSB, o senador
consolidou de vez o favoritismo
para voltar à presidência da
casa legislativa em 2025.

BRASIL NA F1
Depois de oito anos sem pilotos
nacionais na categoria, o país
terá um representante em
2025: será Gabriel Bortoleto,
que irá guiar pela Sauber.

1|2
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DESCE
BRUNO HENRIQUE
O atacante do Flamengo é alvo
de investigação conjunta da PF
e do Gaeco/DF por suspeita de
envolvimento em manipulação de
resultados em jogos de futebol.

SILVIO ALMEIDA
A editora Record suspendeu o
lançamento de dois livros do
ex-ministro até a conclusão
da investigação sobre assédio
sexual que provocou a
demissão dele do governo.

NETFLIX
Os escritórios da empresa em Paris e
em Amsterdã sofreram operações de
buscas em um caso relacionado a
fraude fiscal e trabalho clandestino.

2|2
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VEJA ESSA

“O conselho simples para os


jovens é: façam o que amam.”
FRANCIS FORD COPPOLA, 85 anos, diretor da trilogia O
Poderoso Chefão e de Apocalypse Now, em entrevista para o
programa Em Cartaz, de VEJA

ERNESTO RUSCIO/GETTY IMAGES

1|4
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“Se a chacoalhada, no caso do governo,


é mudar ministros, aí é um julgamento
do presidente da República.”
HUMBERTO COSTA, senador e coordenador
do grupo de estratégia eleitoral do PT

“O meu fim de semana não tem sido


dos melhores, mas o Brasil sempre será
o lugar onde meus sonhos se realizam.
Eu sou muito grato por
esse país, pelo seu povo e seu amor.”
LEWIS HAMILTON, depois de pilotar em Interlagos a
McLaren com a qual Ayrton Senna ganhou o bicampeonato
mundial de F1, em 1990 (leia a reportagem “Jornada do herói”)

“Trabalho dá dignidade.”
FABIO ASSUNÇÃO, ao incentivar o filho João a sempre
ter algum emprego. Ele trabalhou na produção do Rock in Rio

“Você viu algum babaca tentando


questionar o resultado da eleição
dizendo que as urnaseletrônicas
não eram confiáveis?”
PAULO PIMENTA, ministro da Secretaria de Comunicação
Social, ao lembrar que nenhum dos 48 candidatos a vereadores

2|4
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“A verdade,
como o sol, sairá.”
MARCELO, lateral-esquerdo do Fluminense, depois
de ter seu contrato rescindido. Ele teve um desentendimento
com o treinador Mano Menezes

“A palavra ‘chef’ tem uma coisa de


status que eu não quero carregar.”
PAOLA CAROSELLA, apresentadora do programa
Alma de Cozinheira, dona do restaurante Arturito, em São Paulo,
e da rede de empanadas La Guapa

“Sou um nepo baby dessa geração,


mas estou trilhando meu caminho.”
PEDRO NOVAES, filho dos atores Leticia Spiller
e Marcello Novaes

“A segunda coisa que mais gosto é sexo.


A primeira é sexo com amor, e a terceira
é um bom sorvete de morango.”
ROBERTO CARLOS, em show no Paraguai,
antes de cantar Proposta

3|4
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“Eu sou
um homem
de saia e
adoro isso.
Fora o podre, o
resto, tudo o que
homem faz eu
também faço. Sou
um homem de saia.”
INSTAGRAM @LUAPIO

LUANA PIOVANI, atriz

4|4
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RADAR
GUSTAVO MAIA

Com reportagem de Nicholas Shores


e Pedro Pupulim

Test drive tivamente o posto já ocu-


Aos 30 anos, João Campos pado por Eduardo Cam-
assumiu nesta semana a pos, seu pai. Será em maio
presidência do PSB, interi- de 2025.
namente, cobrindo férias de
Carlos Siqueira. Na cúpula Até quando deu
do partido, está tudo enca- Apalavrado com Elmar Nas-
minhado para que o prefei- cimento por causa de uma
to de Recife assuma defini- aliança para sua reeleição, o

NACIONAL João Campos: seguindo os passos do pai


como dirigente partidário

HÉLIA SCHEPPA/PCR

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pernambucano só pulou pa-


ra o barco de Hugo Motta
quando teve certeza de que o
baiano ficou isolado.

Grupo seleto
Virtualmente eleito, Motta
deverá levar o Republica-
nos pela primeira vez ao
comando da Câmara. Des-
de a redemocratização, só
GERALDO MAGELA/AGÊNCIA SENADO

seis partidos chegaram lá:


PMDB, PFL (e DEM), PS-
DB, PT, PCdoB e o PP de
Arthur Lira.
SENADO Alcolumbre:
O zero dois negociações a todo o vapor
Com a primeira vice-presi- para acomodar aliados
dência do Senado já prome-
tida ao PL por Davi Alco- Fazer o quê?
lumbre para o próximo biê- Apesar de ter anunciado o
nio, Eduardo Gomes, ex-lí- apoio a Alcolumbre nesta
der do governo Bolsonaro semana, a bancada do PT na
no Congresso, é o mais co- Casa está desconfortável
tado para a posição na Me- com o espaço maior para o
sa Diretora. Mas há outros PL. Os insatisfeitos, porém,
interessados no partido. não viram saída a não ser

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aderir ao favorito. Restou a da, teria de fazer um bate-


segunda vice. volta ao Amazonas, por-
que já estará no Rio, para
Só pensa naquilo encerrar a Cúpula Social
Randolfe Rodrigues é exce- do G20, novidade da Pre-
ção entre os senadores petis- sidência brasileira.
tas, por ter motivos de sobra
para apoiá-lo. O líder do go- Peregrinação
verno Lula no Congresso O ministro Ricardo Le-
quer a chancela do presiden- wandowski voltou da Es-
te do Senado para sua reelei- cócia e vai percorrer gabi-
ção no Amapá, em 2026. netes da Câmara e do Se-
nado para defender a PEC
Sem definição da Segurança Pública,
O Planalto está em compas- apresentada recentemente
so de espera pela definição a governadores.
da Casa Branca para saber
se Joe Biden vai mesmo pas- Fora de tempo
sar por Manaus antes de ir à Causou desconforto no go-
Cúpula do G20. Isso se ele verno a PF fazer a operação
ainda vier, após a derrota de contra Bruno Henrique, do
Kamala Harris para Trump. Flamengo, entre os dois jo-
gos da final da Copa do
Ponte aérea Brasil com o Atlético Mi-
A questão é que Lula, ain- neiro. “É uma busca incan-
da se recuperando da que- sável pelos holofotes”, diz
da no banheiro do Alvora- uma autoridade.

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Quem não se comunica... citar Trump pela eleição


A Polícia Federal, aliás, nos EUA.
vem se queixando do con-
tingenciamento de recursos O exemplo da terrinha
e deve torrar 1,3 milhão de Idealizador da exitosa polí-
reais para alugar um painel tica de descriminalização
de LED de 3 metros de lar- de drogas de Portugal, o
gura por 6 de altura, a ser médico João Goulão de-
instalado no seu complexo sembarca em Brasília nos
em Brasília. Para “publici- próximos dias para trocar
dade institucional”. experiências no Ministério
da Justiça.
Agora vai
O Ministério da Gestão A voz do povo
autorizou a nomeação de Julgamentos do Tribunal
473 excedentes aprovados do Júri, como o que conde-
em um concurso da PRF, nou os assassinos de Ma-
de 2021. Lula ainda preci- rielle e Anderson, tiveram
sa aprovar. mais de 13 000 condena-
ções no país em 2024, além
Silêncio sepulcral de 4 902 absolvições. Os
Os canais diplomáticos dados são de ferramenta
com a Venezuela estão des- criada pelo CNJ.
ligados desde o veto no
Brics. No Itamaraty, cha- Da rua para a Corte
mou atenção o tom cordial O TJ de Goiás, onde Ro-
de Nicolás Maduro ao feli- naldo Caiado disse ter aca-

4|6
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bado com o crime, foi o E ainda não acabou...


que mais recebeu casos A dois meses do fim do ano,
novos no ano. as despesas pagas pela Câ-
mara dos Deputados em
Prepara o cofre 2024 superaram 5,22 bi-
Estão em fase de perícia na lhões de reais — 66% do or-
Justiça do Trabalho três çamento deste ano.
ações coletivas contra o
Banco do Brasil que pedem Depois de Davos
adicional de periculosidade Rodrigo Pacheco e Ronaldo
(30% do salário) para os Caiado confirmaram pre-
funcionários das três torres sença no Brazil Economic
da sede em Brasília. O moti- Forum em Zurique, de VEJA
vo? A presença de tanques e LIDE, que acontece em ja-
de combustível no subsolo. neiro de 2025.

Hora de pagar Te cuida, Netflix!


O acidente da Voepass con- Batizada de Tela Brasil, a
tribuiu para a queda de plataforma pública de
19,5% no lucro líquido re- streaming do Ministério da
gistrado em agosto pelo se- Cultura deverá ser lançada
tor de seguros, na compara- em janeiro do ano que vem.
ção com o mesmo mês do A previsão é que o catálogo
ano passado. Foram cerca inicial tenha 405 obras, to-
de 700 milhões de reais a das nacionais, que estão
menos, segundo levanta- sendo selecionadas em um
mento do IRB+Inteligência. edital de licenciamento ao

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FACEBOOK @PAGINADOSILVIOSANTOS

HERANÇA Silvio Santos: filhas não pretendem vender o SBT


“de jeito nenhum”

custo de 3,8 milhões de quer que seja. Segundo


reais. As inscrições acaba- uma pessoa próxima da fa-
ram no mês passado. mília, as seis filhas do co-
municador “não vendem
Quem quer dinheiro? de jeito nenhum” a emisso-
As herdeiras de Silvio ra do pai. Pelo contrário,
Santos, que morreu há “estão lá dentro de cabeça,
quase três meses, não que- superempolgadas” em
rem saber de ofertas de manter e reestruturar o seu
compra do SBT, de quem maior legado. ƒ

6|6
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BRASIL POLÍTICA

RETOCANDO
A IMAGEM
Após a derrota nas eleições municipais, governo prioriza a
área de segurança pública, se aproxima dos evangélicos
e anuncia pacote de corte de gastos mirando 2026
DANIEL PEREIRA E SOFIA CERQUEIRA

RESGATE
Lula: a ordem
é atualizar
bandeiras, renovar
quadros, ampliar
diálogo e aprimorar
estratégias

LUIS GANDARILLAS/EFE

1 | 10
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D
ias antes do primeiro turno da eleição deste ano,
José Dirceu disse numa entrevista que todo gover-
no precisa de ajustes e que Lula tem experiência e
capacidade de sobra para fazer as mudanças ne-
cessárias. Chefe da Casa Civil no primeiro manda-
to do petista, o ex-ministro previu na ocasião a derrota da
esquerda nas urnas e defendeu “aperfeiçoamentos” na ges-
tão federal diante da nova realidade mundial e do fortaleci-
mento da direita no Brasil. Os tempos mudaram, assim co-
mo as demandas da população, as prioridades nacionais e
até as arenas nas quais os embates políticos são travados.
Seria urgente, portanto, atualizar bandeiras, renovar qua-
dros, ampliar canais de diálogo e aprimorar estratégias de
comunicação. O diagnóstico de Dirceu parece um tanto ób-
vio, mas foi reforçado porque, até então, não sensibilizava o
principal destinatário de sua mensagem — o presidente da
República, criticado por aliados por administrar o país co-
mo se este fosse o mesmo de duas décadas atrás. Quando
era cobrado a atualizar o seu programa, Lula costumava re-
chaçar sempre da mesma forma: “Ganhe uma eleição presi-
dencial que a gente conversa”. A situação agora é diferente.
Com o fracasso da esquerda na disputa municipal, o for-
talecimento dos partidos de centro e a demonstração de vita-
lidade da direita, o presidente resolveu fazer alguns gestos
para tentar melhorar os resultados e a imagem de sua admi-
nistração. Um deles foi feito na área de segurança pública,
usada pelos bolsonaristas para desgastar o governo e a es-

2 | 10
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VALTER CAMPANATO/AGÊNCIA BRASIL


BANHO-MARIA Lewandowski: medidas ficaram
engavetadas por meses devido a disputas internas

querda. Na quinta-feira 31, Lula recebeu governadores para


tratar de uma proposta de emenda constitucional (PEC) que
era prometida havia meses, mas que tinha ficado em banho-
-maria em razão de uma disputa interna entre os ministros
da Justiça, Ricardo Lewan­dowski, e Casa Civil, Rui Costa. O
texto só deixou os escaninhos da burocracia e foi levado à
mesa de negociação — exatamente quatro dias após o segun-
do turno — porque o presidente finalmente entendeu que era
chegada a hora de reagir. Desenhada pela equipe de Lewan-
dowski, a PEC dá à União o poder de estabelecer diretrizes
gerais na política de segurança, amplia a área de atuação da
Polícia Rodoviária Federal (PRF) e fortalece o papel da Polí-
cia Federal no combate a organizações criminosas e milícias.

3 | 10
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O presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco


(PSD-MG), elogiou a iniciativa e afirmou que a primeira im-
pressão sobre a proposta foi positiva. Apesar dessa declara-
ção, o caminho até a aprovação será longo e tortuoso. Inte-
grantes da chamada bancada da bala anunciaram a inten-
ção de votar um projeto alternativo, redigido por eles. Já al-
guns governadores demonstraram preocupação com a pos-
sibilidade de o governo federal acabar com a autonomia dos
estados em determinados assuntos de segurança. Em tese,
esse confronto de posições divergentes pode servir de motor
para o aperfeiçoamento do texto. O problema é que boa par-
te dos atores envolvidos na questão está mais preocupada
com o impacto eleitoral do que com o mérito da PEC. Políti-
cos de direita não querem abrir mão do discurso, de forte
apelo popular, de que jogam duro contra os criminosos, en-
quanto Lula e o PT “defendem bandidos”, como gostam de
repetir nas redes sociais e nos plenários da Câmara e do Se-
nado. Esse pano de fundo eleitoral, que pode atrapalhar o
resultado final da proposta, ficou claro durante a reunião do
presidente com os governadores.
No encontro, Ronaldo Caiado, pré-­candidato à Presidên-
cia pelo União Brasil, reclamou de uma suposta tentativa de
usurpação de prerrogativa dos governadores e afirmou ter
derrotado o crime organizado em Goiás. Lula recorreu à iro-
nia na réplica: “Tive a oportunidade hoje de conhecer o único
estado que não tem problema de segurança”. O debate mal
começou — e começou mal. O presidente respondeu porque

4 | 10
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MARLENE BERGAMO/FOLHAPRESS
CULTO NO PLANALTO Lula e os evangélicos:
a fé sequestrada pela política

sabe onde o calo aperta. Desde o início de seu terceiro man-


dato, o governo e o PT procuram um discurso e uma propos-
ta para reagir à direita no tema da segurança pública. A PEC é
uma tentativa dos governistas de achar um norte e evitar que
a esquerda perca a disputa política por não ter ou não saber o
que dizer. Ou por não ter coragem de defender o que realmen-
te pensa, como ocorreu quando da votação do projeto que en-
dureceu as regras sobre as saidinhas de presos. “A PEC repre-
senta uma tentativa do governo de mostrar protagonismo no
tema da segurança pública, em que o governo deixa muito a
desejar. Embora seja algo ainda tênue diante dos desafios da
área, a proposta apresenta tópicos que precisam ser tratados”,
diz Rafael Alcadipani, professor da FGV e integrante do Fó-

5 | 10
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rum Brasileiro de Segurança Pública. “A PEC não terá uma


vida fácil no Congresso, pois a direita não quer oferecer prota-
gonismo para a esquerda num tema que lhe é tão caro.”
Outros movimentos do presidente foram feitos de olho
nos humores do eleitorado. Entre eles, uma nova tentativa de
aproximação com os evangélicos. Nesse segmento, a repro-
vação ao governo é de 55%, 14 pontos a mais do que a média,
de 41%, segundo pesquisa Genial/Quaest. Além da fragilida-
de na base dos fiéis, Lula enfrenta dificuldades no topo, espe-
cialmente com líderes evangélicos que se aproximaram do
ex-presidente Jair Bolsonaro, como o pastor Silas Malafaia,
da Assembleia de Deus Vitória em Cristo. “Lula pode inven-
tar o que quiser, Minha Casa, Minha Vida e Bolsa Família
com rosto de evangélicos, que esse movimento não vai atin-
gir nem 1% dos fiéis”, diz Malafaia. Não resta ao presidente
outra alternativa senão tentar, já que os evangélicos corres-
pondem a cerca de 30% da população brasileira. E ele tentou
mais uma vez entre o primeiro e o segundo turno da eleição
municipal, quando organizou uma cerimônia no Palácio do
Planalto para sancionar a lei que instituiu o Dia Nacional da
Música Gospel. A solenidade teve como convidado especial
o deputado federal Otoni de Paula (MDB-RJ), que é pastor
— até pouco tempo atrás ele cerrava fileiras com Bolsonaro e
chegou a ser investigado no inquérito das fake news.
Em sintonia fina com o governo, o parlamentar declarou
que os evangélicos não têm “dono” e que estão “entre os bra-
sileiros mais contemplados” por suas políticas sociais. Numa

6 | 10
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ROBERTO CASIMIRO/FOTOARENA
ECONOMIA Mercados: falta de disposição para cortar
gastos provoca instabilidade, desconfiança e impopularidade

só pregação, tentou afastá-los do ex-presidente e aproximá-


-los de seu sucessor. “A minha presença neste evento deu tan-
ta repercussão porque sou um deputado historicamente liga-
do ao bolsonarismo. A motivação é tentar trazer a Igreja de
volta ao seu real propósito. Ela havia sido sequestrada pela
política, perdendo a sua capacidade de dialogar”, declarou na
solenidade. A conversão do deputado ocorreu com a ajuda
do prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), reeleito
em outubro com o apoio de Lula. “O presidente precisa fazer
gestos, não são necessariamente ações de governo, são gestos
pessoais mesmo, em direção a essas lideranças evangélicas”,
afirma Paes. Ministros também têm tentado reduzir a dis-
tância entre o presidente e o segmento. Titular da Advocacia-

7 | 10
Telegram: @Clubederevistas

Geral da União (AGU), o evangélico Jorge Messias alega que


o objetivo não é substituir Bolsonaro por Lula no púlpito,
mas despolitizar a Igreja e devolvê-la a Jesus Cristo.
O núcleo duro do governo, no entanto, quer conquistar a
simpatia da base dos fiéis, ressaltando programas oficiais que
beneficiam os mais pobres e a classe média. “Pelo lado so-
cial, o presidente tem chances de aumentar o eleitorado
evangélico. Todos os movimentos que o governo vem fazen-
do em termos de atendimento à vulnerabilidade social e ali-
mentar têm a ver com essas classes sociais, mas o governo
precisa se comunicar melhor”, declara o deputado federal Si-
las Câmara (Republicanos-­AM), líder da bancada evangéli-
ca. Melhorar a comunicação, em todas as áreas, é uma das
prioridades do Palácio do Planalto. Para tentar facilitar a cor-
te aos evangélicos, a Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT,
lançará um curso específico para preparar integrantes do
partido a lidar com esse público. As aulas serão uma espécie
de briefing sobre, por exemplo, o que pensam os evangélicos,
como enxergam a política e as diferenças entre as denomina-
ções da religião. “As políticas públicas devem ser para todos,
mas é preciso ter uma comunicação melhor com esse públi-
co, falar a língua dele, explicar que os programas sociais, por
exemplo, beneficiam a família, um dos pilares dos evangéli-
cos”, observa o teólogo e pastor progressista Sergio Dusilek.
Desde antes da eleição municipal, Lula era aconselhado a
fazer ajustes em sua gestão, cuja avaliação positiva está está-
vel, mas num nível próximo ao da avaliação negativa. Segun-

8 | 10
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do pesquisa Datafolha di-


vulgada em outubro, 36%
aprovam o governo e 32%
reprovam. Os números são
parecidos aos de Bolsonaro
durante o mesmo período
MAXIM SHIPENKOV/POOL/AFP

de mandato. Antigos con-


selheiros do presidente ale-
gam que a composição do
INTERNACIONAL ministério não reflete a
Putin e Maduro: fim da parceria frente ampla montada para
com o ditador venezuelano derrotar o ex-presidente.
Por isso, ponderam que o
ideal seria Lula aumentar os espaços de aliados do centro,
como forma de tentar oxigenar a equipe, fortalecer a base
aliada no Congresso e amarrar as legendas do Centrão a sua
eventual candidatura à reeleição. O desafio é convencer o
mandatário, o PT e alguns aliados a fazerem essa e outras
guinadas. O debate promete ser intenso. Tão intenso como
ocorre nos principais dilemas do governo. Um deles, relacio-
nado à agenda internacional, diz respeito à Venezuela. No
ano passado, Lula fortaleceu o ditador Nicolás Maduro ao
recebê-lo com pompa e circunstância em Brasília, quando a
oposição no país vizinho já alertava para a possibilidade de
fraude na eleição venezuelana deste ano. Com a fraude con-
sumada, o governo brasileiro reagiu de forma cautelosa, sob
a alegação de que precisava preservar seu papel de líder re-

9 | 10
Telegram: @Clubederevistas

gional. Maduro continuou no poder sob aplausos do PT, e


Lula seguiu com um desgaste tremendo no colo. Atacado de-
pois por Maduro, reagiu tardiamente e vetou a entrada da
Venezuela como parceira no Brics. A decisão deixou de lado
a afinidade ideológica e finalmente levou em consideração a
recomendação dos profissionais da chancelaria.
A dubiedade do presidente se estende para outros cam-
pos, alguns deles minados. Com quase dois anos de manda-
to, Lula ainda não decidiu o nível de comprometimento que
tem com o equilíbrio das contas públicas. Com a escalada re-
cente do dólar, ele decidiu abraçar o plano dos ministros da
Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento, Simone Te-
bet, desenhado para conter a expansão das despesas obriga-
tórias e da dívida pública. A questão agora é ver a sua dimen-
são (leia a matéria “Tempo de cortar”) e execução. Há dúvi-
da sobre qual caminho seguir, que medidas adotar, com que
intensidade — e não apenas na área econômica. Experiente e
habilidoso, o presidente ensaia uma reação num momento
em que a esquerda enfrenta desgaste — e a direita e os con-
servadores ganham terreno. A situação, que já era complica-
da, tornou-se ainda mais desafiadora com a vitória de Do-
nald Trump na eleição americana. A lista de adversários de
Lula em 2026 deu uma encorpada considerável. Dependen-
do do desgaste, simples retoques podem ser insuficientes pa-
ra recuperar um quadro que já foi luminoso. ƒ

Colaboraram Hugo Marques e Lucas Mathias

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BRASIL PODER

FORA DOS AUTOS


Em atuação para costurar projeto que enquadra
emendas parlamentares, Flávio Dino mostra
que vestiu a toga do STF, mas não perdeu
a alma de político VALMAR HUPSEL FILHO

ATUAÇÃO Flávio Dino: para os críticos, ele é


o líder do governo no Supremo Tribunal Federal

ANTONIO AUGUSTO/STF

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AS EMENDAS parlamentares se tornaram um dos princi-


pais pontos de atrito entre os poderes da República nos últi-
mos anos, principalmente pela escala que ganhou em volu-
me de recursos, pela falta de transparência no manejo do
dinheiro público e pela reacomodação política que causou
ao emparedar o governo, empoderando o Congresso de for-
ma inédita. Nos últimos dias, a solução para o imbróglio te-
ve um encaminhamento improvável, com a formatação de
regras resultantes de uma articulação que teve a participa-
ção de integrantes não só do Legislativo e do Executivo, mas
do Judiciário. A proposta foi aprovada na Câmara com uma
margem confortável de votos (330 a 74) e já recebeu sinali-
zação de que deverá ter tramitação célere também no Sena-
do. O acordo só foi possível graças à atuação decisiva de um
personagem que, em tese, estaria afastado da política: o mi-
nistro do Supremo Tribunal Federal Flávio Dino.
Tudo começou em agosto, quando o magistrado, que ha-
via sido empossado no Supremo seis meses antes, deu um
xeque-mate no Congresso. Com uma liminar, suspendeu a
execução de praticamente todas as emendas parlamentares
até que Executivo e Legislativo garantissem transparência e
rastreabilidade na execução dos recursos. A medida atendia
ao interesse do governo, cada vez mais fustigado pelo au-
mento de poder dos parlamentares por causa das emendas.
A decisão de Dino, que antes era ministro de Lula, gerou
uma crise com o Congresso. Os parlamentares enxergaram
na interferência as digitais do presidente, que desde a cam-

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ROSINEI COUTINHO/STF
MUDANÇA Com Angelo Coronel: proposta
do senador perdeu a prioridade

panha falava em retomar o Orçamento. Para os críticos, Di-


no atuou como uma espécie de “líder do governo” no STF.
A partir da decisão, o Congresso se mexeu para oferecer
um texto que atendesse às exigências do magistrado — e foi
aí que Dino fez o segundo movimento. Na Câmara, o texto
foi construído pelo deputado Rubens Pereira Jr. (PT-MA),
segundo ele, “com a participação de integrantes do Executi-
vo e do Judiciário”. A proposta terá prioridade também na
outra Casa, segundo o presidente do Senado, Rodrigo Pa-
checo (PSD-MG), com previsão de ser aprovada ainda em
novembro. Pereira Jr. é amigo pessoal de Dino e seu aliado
desde 2006, quando ambos concorreram a cargos públicos

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pela primeira vez, representando o mesmo grupo político do


Maranhão. Naquele ano, Dino foi eleito deputado federal e
Pereira Jr., estadual. Depois, liderariam a oposição que levou
Dino ao governo e pôs fim à hegemonia do clã Sarney.
A prioridade dada ao texto sobre emendas parlamenta-
res do velho amigo e aliado de Dino ocorreu de forma sur-
preendente. Até então, a proposta que havia sido colocada
na mesa do Congresso era a do senador Angelo Coronel
(PSD-BA) — e que não contempla todos os pontos exigidos
por Dino. O ministro recebeu Coronel no final de outubro e,
por quase duas horas, discutiu, artigo a artigo, o projeto do
parlamentar. O senador saiu da reunião com ao menos qua-
tro sugestões ao texto e prometeu analisá-las. No dia seguin-
te, no entanto, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP
-AL), sinalizou que colocaria para votar o requerimento de
urgência e o mérito do projeto de Pereira Jr. Diante disso,
Coronel teve de admitir: seu projeto tem grande chance de
não ser apreciado. Crítico do texto da Câmara por considerá
-lo muito “pró-governo”, o senador disse, sorrindo, ao pro-
grama Os Três Poderes, de VEJA, que acredita ser “coinci-
dência” ter sido dada prioridade à matéria cujo autor é um
antigo aliado do ministro do Supremo.
Intrigas políticas à parte, a articulação de Dino resultou
em um desfecho que, ao que parece, fará bem ao país. Desde
2015, o mecanismo das emendas vem ganhando proporção
inédita a partir de decisões legislativas que tornaram obri-
gatória a sua execução, aumentaram exponencialmente seus

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BRUNO SPADA/CÂMARA DOS DEPUTADOS

PARCERIA Rubens Pereira Jr.: aliado e amigo de


Dino desde 2006, foi o autor de projeto aprovado

valores e permitiram que fossem executadas sem a devida


transparência. O valor, que era de 6,1 bilhões de reais em
2014, chegou a 49,2 bilhões de reais neste ano. O novo for-
mato prevê limites para tal quantia, que fica atrelada a exi-
gências do novo regime fiscal; cria regras para a execução
(define as áreas prioritárias para destinação, como saúde,
saneamento e educação, entre outros); e enquadra as cha-
madas “emendas Pix”, que precisarão informar o valor e o
objeto do investimento, além de passarem a ser fiscalizadas
pelo Tribunal de Contas da União.
O caso das emendas parlamentares não é a única incur-

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são política de Dino no seu primeiro ano de toga. Na semana


passada, ele participou como representante do STF de uma
reunião no Palácio do Planalto convocada por Lula para dis-
cutir um plano de segurança com os governadores (leia a
reportagem “Retocando a Imagem”). Não seria nada demais
se Dino não tivesse sido o ministro da Justiça e Segurança
Pública até fevereiro e se diversas ações debatidas na reu-
nião, bem como trechos da proposta elaborada pelo governo
federal, não fossem ideias da época de sua gestão na Espla-
nada. No encontro, lembrou que um dos temas discutidos, a
possibilidade de um acusado não ser liberado em audiências
de custódia por crimes nos quais é reincidente, foi apresen-
tado por ele em sua breve passagem pelo Senado.
A atuação de Dino fora do âmbito da Corte se insere em
um movimento recente de integrantes do Supremo para ten-
tar mediar casos complexos. O ministro Gilmar Mendes,
por exemplo, relator de cinco ações que questionam a deci-
são do STF de considerar inconstitucional o marco temporal
para terras indígenas, criou um grupo de trabalho com seg-
mentos da sociedade e, na abertura, disse que a solução pas-
saria por uma “disposição política” de todos os envolvidos.
Já Cristiano Zanin foi o mediador de uma solução para a de-
soneração fiscal de setores da economia, outro ponto de cri-
se com o Congresso. Para o professor de direito constitucio-
nal da FGV Direito Rio, Álvaro Palma de Jorge, a participa-
ção do Judiciário na política pública não é novidade, nem no
Brasil nem em outros países, mas a mediação de magistra-

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MARINA RAMOS/CÂMARA DOS DEPUTADOS

APOIO Arthur Lira: presidente da Câmara deu tramitação de


urgência e garantiu a aprovação com folga das novas regras

dos traz desafios, principalmente para não se confundir com


um processo de negociação política, cujo fórum não é a Cor-
te. “O papel do Supremo é a preservação dos direitos funda-
mentais e a aplicação da Constituição, enquanto que o Par-
lamento é o espaço constitucionalmente previsto para que a
discussão, o debate negocial político, ocorra”, afirma.
Quando se leva em conta apenas a estratégia na qual o
governo federal resolveu investir, a da aliança no STF para
servir de contrapeso à sua dificuldade de articulação no
Congresso, a escolha de Dino encaixou-se perfeitamente.
Ainda no governo, ele se notabilizou pela maneira aguerrida

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e voluntariosa com que travou debates sobre questões polê-


micas com parlamentares da direita bolsonarista, que fize-
ram dele um recordista de convites para ir ao Congresso, em
sessões sempre conturbadas. Com a toga, tomou decisões
polêmicas, sendo a mais recente delas a que determinou a
retirada de circulação de livros jurídicos com conteúdo con-
siderado homofóbico. Na Corte, herdou de Rosa Weber
ações que vão exigir um olhar político experimentado, co-
mo a questão do aborto e a investigação que mira o ministro
das Comunicações, Juscelino Filho, seu ex-colega de Espla-
nada e conterrâneo, para a qual não se declarou impedido.
Nada disso é novidade para quem se alterna, há mais de
trinta anos, entre cargos no mundo jurídico e político — já
foi juiz federal, desembargador, deputado, governador, sena-
dor e ministro, antes de chegar ao Supremo.
Inegavelmente, Dino foi vitorioso na questão da regula-
ção das emendas. Ela é também uma grande vitória do go-
verno e, de quebra, traz algum tipo de tranquilidade ao Con-
gresso, facilita a fiscalização dos recursos públicos e diminui
a probabilidade de questionamentos judiciais. Ao discursar
após a sua indicação ao STF ser aprovada no Senado, Dino
afirmou que o sentimento era de “saudade” e falou sobre a
possibilidade de voltar a discursar na Casa. “Quem sabe,
após a aposentadoria, em algum momento, se Deus me der
vida e saúde, eu possa aqui estar”, afirmou. Como demons-
tram seus movimentos, ele vestiu a toga, mas não abando-
nou a alma de político. ƒ

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MURILLO DE ARAGÃO

ENTRE O DELÍRIO
E A NECESSIDADE
Há perigo na confluência da ideologia
com as expectativas populares

AS ELEIÇÕES MUNICIPAIS deste ano, assim como a vitó-


ria de Donald Trump nos Estados Unidos, revelam uma rea-
lidade marcada por dois elementos centrais que parecem go-
vernar as ações e reações políticas: o delírio e a necessidade.
Observamos políticos que, muitas vezes, permanecem
imersos em suas próprias ficções, presos a ideologias e
utopias que, por mais atraentes que possam parecer, ig-
noram os problemas concretos do cotidiano. Há ainda
aqueles que moldam seus delírios em resposta às necessi-
dades populares, buscando uma convergência entre suas
ideias e a realidade.
A população, por sua vez, encontra-se pressionada entre
as urgências da sobrevivência e as demandas pragmáticas
por melhores condições de vida. Limitada pelas necessida-
des imediatas, ela busca soluções que aliviem seu cotidiano,
inclinando-se para respostas práticas, mesmo quando estas
se encontram revestidas de discursos ilusórios.
Essa dualidade — entre políticos enredados em ficções

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ideológicas e o povo encurralado pelas necessidades — re-


vela uma tensão fundamental na política contemporânea. O
perigo reside justamente nessa confluência entre o delírio
ideológico e as expectativas populares. O encontro desses
elementos pode desencadear ciclos de insensatez, frustração
e instabilidade, com consequências potencialmente destruti-
vas para a sociedade.
A história mostra o risco desse fenômeno: a Alemanha
nazista, a Itália de Mussolini e a ascensão do comunismo
soviético ilustram o perigo que surge quando a demagogia
ideológica se associa ao imediatismo das necessidades po-
pulares. Essa aliança entre delírio ideológico e expectati-
vas populares gera frustrações e abre portas para regimes
autocráticos, comprometendo os avanços civilizatórios.
Nos Estados Unidos, Donald Trump venceu a eleição
ao prometer resolver questões relacionadas ao custo de vi-

“O futuro da política
prossegue incerto,
e a democracia,
como conceito, sob
severa ameaça”
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da e à imigração ilegal, apresentando uma narrativa qua-


se messiânica. O eleitorado, desiludido com o que consi-
derou uma falta de energia na liderança democrata, espe-
cialmente na figura de Kamala Harris, optou pelo retorno
de Trump. Em seu discurso, ele sugere, nas entrelinhas,
um governo centrado nos problemas domésticos, propon-
do, em uma promessa de “era de ouro”, um afastamento
das questões globais. Já o discurso politicamente correto
dos democratas americanos não emociona uma sociedade
endurecida pelos seus desafios do dia a dia.
O futuro da política, situado entre o delírio e a realida-
de, prossegue incerto, e a democracia, como conceito, sob
severa ameaça. As crises, já turbinadas pelas redes so-
ciais, fake news e interpretações tendenciosas, poderão
ganhar proporções apocalípticas pelo uso da inteligência
artificial. Esse cenário se desenrola em um ambiente de
“burrice estrutural”. A política, potencializada pela tecno-
logia, tornará o eleitorado cada vez mais exigente na bus-
ca por respostas que nem sempre estarão em consonância
com a razoabilidade, o discernimento ou a capacidade
prática dos governos em atendê-las.
O século passado foi marcado por figuras psicopatas e
neuróticas que alimentaram conflitos e massacres em
quase todos os continentes. Este século traz ameaças se-
melhantes, agora encarnadas por novos personagens
igualmente histriônicos, perigosamente patéticos e deli-
rantemente não pragmáticos. ƒ

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BRASIL MINAS GERAIS

CAMINHO DIFÍCIL
Após apoiar nomes que não decolaram na última
eleição e ver concorrentes saírem das urnas
fortalecidos, Zema enxerga mais longe o sonho de
tentar o Planalto em 2026 VICTORIA BECHARA

SEM RUMO O governador: apostas erradas


colocaram em dúvida sua capacidade de liderança

GIL LEONARDI/AGÊNCIA MINAS

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O EMPRESÁRIO Romeu Zema estreou na política de forma


surpreendente em 2018, quando foi eleito governador de Minas
Gerais, o segundo maior colégio eleitoral do país, prometendo
um choque privado de gestão em um estado à beira da falência.
Conseguiu resolver, ou adiar, os principais problemas e, quatro
anos depois, foi reeleito no primeiro turno, consolidou sua po-
pularidade e rapidamente se tornou um dos nomes cotados pa-
ra disputar a Presidência da República em 2026. O sonho que
sempre alimentou, no entanto, sofreu um baque nas eleições
municipais deste ano. Deu tudo errado. Fez apostas equivoca-
das em alianças políticas, acumulou derrotas e viu seus adver-
sários saírem fortalecidos para o próximo embate eleitoral. A
caminhada para o Palácio do Planalto não foi oficialmente
abandonada, mas o trajeto ficou bem mais acidentado.
O desempenho de Zema como cabo eleitoral na disputa
municipal realmente não foi dos melhores. O governador
apostou três vezes no nome errado em Belo Horizonte. Pri-
meiro, bancou a candidatura de sua secretária de Planeja-
mento e Gestão, Luísa Barreto (Novo). Com baixa intenção de
votos, ela acabou como vice na chapa do apresentador e depu-
tado estadual Mauro Tramonte (Republicanos), com quem
Zema fez aliança. O candidato chegou a liderar, mas, tal qual
um “cavalo paraguaio”, foi perdendo força e chegou em ter-
ceiro lugar. No segundo turno, então, Zema decidiu apoiar o
deputado estadual Bruno Engler (PL), que liderou o páreo no
primeiro turno, mas perdeu para o prefeito Fuad Noman
(PSD). Fora da capital, o governador acumulou derrotas em

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TAYNARA BARBOSA/ATO PRESS/AGÊNCIA O GLOBO

ONDA Nikolas, Engler e o ex-presidente:


movimento bolsonarista em Minas

cidades importantes como Uberlândia, Contagem, Juiz de Fo-


ra, Uberaba e Governador Valadares. “Zema sai com a per-
formance muito ruim nos cinco dos principais municípios do
estado. É significativo”, diz o cientista político Leonardo
Avritzer, da Universidade Federal de Minas Gerais.
O resultado é ainda pior se comparado ao de quadros com
o mesmo perfil que querem tentar o Planalto em 2026. Go-
vernadores alinhados à direita, Tarcísio de Freitas (São Pau-
lo), Ratinho Junior (Paraná) e Ronaldo Caiado (Goiás) saíram
fortalecidos das eleições municipais. O gestor de São Paulo,
considerado o nome mais forte para representar a direita caso
o ex-presidente Jair Bolsonaro continue inelegível, foi o princi-
pal fiador da vitoriosa candidatura de Ricardo Nunes (MDB)
à reeleição na capital paulista. Ratinho conseguiu eleger
Eduardo Pimentel (PSD) em Curitiba, vencendo a radical
Cristina Graeml (PMB). Caiado obteve feito parecido em
Goiânia e emplacou Sandro Mabel (União Brasil) contra Fred

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Rodrigues (PL), concorrente apoiado por Bolsonaro. O presi-


dente do Novo, Eduardo Ribeiro, diz que o partido pode ne-
gociar uma aliança com os governadores, mas que por ora vai
manter a candidatura de Zema na mesa. “São grandes nomes,
nenhuma porta deve ser fechada”, afirmou.
Não bastasse ter ficado menor no plano nacional, Zema
viu o seu espaço encolher em Minas. A reeleição de Noman
fortalece o plano do PSD, rival de Zema, de tomar o governo
em 2026. O partido tem o presidente do Senado, Rodrigo Pa-
checo, e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira,
como opções para a disputa. Ambos mantêm boa relação
com Lula, o que poderia resultar em uma aliança com o petis-
ta no estado. “Temos capacidade e condições de ter candidato
a governador, vice-governador, senador e ótimas chapas de
deputados federais e estaduais”, diz o presidente do diretório
estadual do PSD, Cássio Soares. Outros nomes fortes podem
estar no páreo ao governo, como o ex-prefeito Alexandre Ka-
lil, que deixou o PSD, o ex-governador Aécio Neves (PSDB) e
o senador Cleitinho Azevedo (Republicanos).
O maior problema para Zema, no entanto, é o fortalecimen-
to do PL no estado. Além de Bruno Engler, que foi muito bem
votado, há a possibilidade de aparecer no páreo o deputado Ni-
kolas Ferreira. Se isso ocorrer, Zema perde o voto bolsonarista
e de direita, o que seria fatal para alguém que chegou ao gover-
no embalado por esse eleitor e que planeja disputar o Planalto
como uma alternativa exatamente desse segmento ideológico.
O candidato de Zema, por enquanto, é o vice-governador, Ma-

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GUILHERME BERGAMINI/ALMG

PROBLEMAS Servidores na Assembleia: protestos


frequentes contra a gestão estadual

teus Simões, também do Novo. Ele foi eleito vereador da capi-


tal em 2016 e ocupou o cargo de secretário-geral de governo
no primeiro mandato, entre 2020 e 2022. Assumiu o coman-
do do estado na última semana, porque Zema viajou para a
Ásia. Preparando-­se para a campanha de 2026, o vice fez di-
versas viagens para o interior nos últimos meses, participou de
encontros com prefeitos e inaugurou obras. Nas eleições tam-
bém visitou municípios que tinham candidatos apoiados pelo
Novo. O tamanho do partido pode ser um empecilho para o
projeto político dos dois. Apesar de ter crescido no pleito deste
ano, a sigla só tem dezenove prefeitos e está atrás de outras le-
gendas nanicas como PCdoB, Avante e Mobiliza. A bancada
na Câmara tem quatro deputados, o que não dá direito nem a
participação em debates e no horário eleitoral.
É impressionante a inversão de expectativas que ocorreu
com relação ao nome do governador. Quando surgiu na políti-

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MARCO EVANGELISTA/AGÊNCIA MINAS


A APOSTA Mateus Simões: vice deverá
ser o candidato governista em 2026

ca, na onda de outsiders de 2018, Zema parecia um dos no-


mes mais promissores. A carreira de sucesso empresarial e o
discurso liberal encantaram muitos eleitores. Quase de ime-
diato, passou a ser citado como um candidato forte numa fu-
tura eleição ao Palácio do Planalto. Só que a estrela foi se apa-
gando por uma série de percalços. Para além dos obstáculos
no âmbito eleitoral, há os problemas de gestão. Zema não con-
seguiu, por exemplo, avançar em nenhuma privatização, uma
de suas grandes promessas. Seis anos depois de assumir o
cargo prometendo restabelecer a saúde financeira do estado,
ele está enredado em uma gigantesca crise. A dívida com a
União, que era de 14 bilhões de reais em 1998, ao fim do man-
dato de Eduardo Azeredo (PSDB), chegou a 165 bilhões de
reais na atual gestão. Desde 2019, quando assumiu, Zema ten-
ta aprovar a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal. Apesar
dos seus esforços, a pauta travou na Assembleia. Interessado

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em assumir o comando do estado, Rodrigo Pacheco também


entrou nas negociações com a União sobre o tema. O gover-
nador anunciou, em 2 de outubro, que pagou a primeira par-
cela à União, após um acordo homologado pelo STF, mas ain-
da resta quitar 153 bilhões de reais.
O cenário para Zema não está nada animador, é verdade,
mas ele dá sinais de que não irá jogar a toalha tão cedo. Em
meio às derrotas, recorreu ao expediente de aumentar o volu-
me de seu discurso de oposição. Nas últimas semanas, inten-
sificou as críticas a Lula, fez acenos à direita ao elogiar a vitó-
ria de Donald Trump e criticar a absolvição de José Dirceu
pelo STF e se recusou a ir a um evento no Palácio do Planalto
sobre segurança. “O que nós temos visto é um governo que
tem procurado debater sobre o crime e não combater o cri-
me”, disse. Também criticou o rival Alexandre Silveira e o go-
verno federal pelo acordo de repactuação de Mariana com as
mineradoras responsáveis pela tragédia. Nas entrevistas, ad-
mite que não irá tentar o Senado (serão duas vagas), porque
avalia não ter perfil para o Congresso, mas diz que estará no
embate nacional de alguma forma. “Quero estar atuando mui-
to na campanha presidencial, não sei se como candidato, co-
mo vice ou como apoio a um nome da centro-direita”, afir-
mou após a eleição municipal. Como bom mineiro, Zema vai
ficar olhando o movimento, esperar o trem para 2026 chegar
ao pátio da estação e só aí decidir se tem cacife para ser o ma-
quinista ou se vai embarcar como passageiro. O risco maior é
o de ficar pelo meio do caminho. ƒ

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RICARDO RANGEL

O RECADO DE TRUMP
PARA O BRASIL
Daqui a dois anos tem eleição
por aqui. É bom a turma acordar

DONALD TRUMP não apenas superou Kamala Harris em


todos os estados-pêndulo, como ganhou até no voto popu-
lar, coisa que um republicano não conseguia desde George
W. Bush, em 2004. Fez maioria no Senado e deve conseguir
o mesmo na Câmara.
Nos últimos anos, Trump atacou e descredibilizou a im-
prensa, aparelhou a Justiça, nomeou os juízes que revoga-
ram o direito ao aborto. Deu incontáveis declarações racis-
tas e misóginas, prometeu uma onda de deportações, amea-
çou encarcerar adversários, foi classificado como “fascista”
por seus próprios ex-auxiliares.
É despreparado, pouco equilibrado e um inimigo da de-
mocracia que questionou o resultado da eleição e encora-
jou um ataque ao Congresso em busca de um golpe de Es-
tado. É alvo de inúmeros processos e foi condenado por
vários crimes federais.
“Superamos obstáculos que ninguém acreditava ser pos-
sível superar”, afirmou. Tem toda a razão: como é possível
que alguém como ele tenha vencido?

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A vitória de Trump diz mais sobre seu país (e sobre o


nosso) do que sobre ele mesmo.
Lá, como cá, grande parte da população tem a percepção
de que “o sistema”, viciado, não corresponde às suas expec-
tativas. Nos EUA, a globalização e a revolução tecnológica
trouxeram insegurança no emprego e estagnação salarial,
especialmente na classe trabalhadora e em áreas rurais. E o
combate de Biden à pandemia gerou forte inflação.
No Brasil, a globalização foi benéfica e ajudou a reduzir a
pobreza, mas a devastação econômica dos anos Dilma redu-
ziu boa parte dos ganhos. O Estado cobra impostos escor-
chantes, mas é incapaz de fornecer bons serviços. E dificulta
a vida de quem quer empreender.
Mudanças sociais resultantes de imigração (no caso ame-
ricano) e do aumento de direitos para as minorias (nos dois

“Grande parte da população


tem a percepção de que
‘o sistema’, viciado, não
corresponde às suas
expectativas”
2|3
Telegram: @Clubederevistas

países) geraram desconforto e ressentimento entre idosos e


conservadores. A esquerda abandonou a defesa dos pobres
e abraçou o identitarismo, pauta de classe média que hostili-
za homens e brancos (de ambos os sexos). A polarização é
acirrada pelas redes sociais.
A incapacidade das elites política e econômica de forne-
cer respostas adequadas para essas questões tornou-as alvo
de profunda desconfiança. O resultado desta semana sugere
que essa desconfiança é maior hoje do que era em 2016,
quando Trump foi eleito pela primeira vez.
Faz tempo que a população manda recados sobre sua in-
satisfação. No Brasil, tivemos junho de 2013; depois, a Lava-
Jato e a revelação do petrolão; Bolsonaro foi eleito e quase
reeleito; em seguida veio o 8 de Janeiro; e, há pouco, Pablo
Marçal por um triz não foi ao segundo turno em São Paulo.
Diante de tantos alertas, o que faz a classe política? Lu-
la se comporta como se estivesse tudo bem. A esquerda,
derrotada, diz que quer se refundar — mas repete as fór-
mulas equivocadas de sempre. O Centrão, vitorioso, se
comporta como se nada houvesse. Ministros do Supremo
continuam, monocraticamente, tomando liberdades inde-
vidas com a Constituição.
Daqui a dois anos tem eleição no Brasil. É bom a turma
acordar.
(O bolsonarismo está acordado. Eduardo Bolsonaro, por
exemplo, foi acompanhar a apuração da eleição na casa de
Trump, na Flórida.) ƒ

3|3
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BRASIL EDUCAÇÃO

UMA PROVA DE
RESISTÊNCIA
A concessão da gestão de escolas em São Paulo segue
adiante, mesmo enfrentando forte oposição à
participação da iniciativa privada na educação pública
ISABELLA ALONSO PANHO

VITÓRIA Tarcísio de Freitas na B3: o martelo vai continuar


batendo em 2025

MARCELO S. CAMARGO/GOVERNO DO ESTADO DE SP

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A INSERÇÃO da iniciativa privada na prestação de servi-


ços públicos nunca foi um processo isento de polêmica.
Desde as primeiras privatizações após o fim do ciclo mili-
tar, iniciadas timidamente com José Sarney e Fernando
Collor e aprofundadas com FHC, a desestatização de ati-
vidades em setores como telefonia, energia, ferrovias e
bancos sempre foi tocada sob choro e ranger de dentes.
Aos poucos, porém, a prática foi vencendo resistências e
tomou quase todas as áreas do Estado. Há uma, no entan-
to, no qual ela é incipiente e, quando avança, é debaixo de
muita objeção: a educação. Foi o que ocorreu com o leilão
de escolas feito pelo governador de São Paulo, Tarcísio de
Freitas, nos últimos dias. No primeiro lote, a Justiça deu
liminar, depois cassada, ao sindicato dos professores
(Apeoesp) para sustar o processo. Na segunda-feira 4, no
segundo leilão, o martelo foi batido na B3 debaixo de pro-
testos de docentes e militantes de esquerda do lado de fo-
ra, com direito a tentativa de invasão, empurra-empurra e
uso de cassetetes e bombas de gás.
A bem da verdade, o projeto paulista passa longe de
qualquer intervenção na área pedagógica. A iniciativa en-
volve a construção e manutenção de 33 escolas por 25
anos, em dois contratos que, ao final, vão somar quase 7
bilhões de reais pagos às concessionárias Consórcio SP +
Escolas e Novas Escolas Oeste SP pela gestão das unida-
des. Com isso, em vez de as escolas terem vários contra-
tos para cada um dos serviços que hoje já são feitos por

2|7
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BARULHO NA AULA
Iniciativa em São Paulo prevê unidades
públicas de ensino construídas sob
novo modelo de gestão

O QUE FOI LEILOADO?

A construção, manutenção,
administração e gestão de serviços
que não sejam pedagógicos de
33 novas escolas estaduais

QUAL É O MODELO
A D O TA D O ?

A PPP (parceria público-privada),


uma das formas de participação do capital
privado no serviço público. A gestão da
educação continua sendo do estado

O E N S I N O VA I C O N T I N U A R
A S E R G R AT U I T O ?

Sim. Os alunos seguirão integrados


ao sistema estadual de ensino

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O QUE AS EMPRESAS
CONCESSIONÁRIAS GANHAM?

Os dois consórcios que venceram os


leilões (Novas Escolas Oeste SP e Consórcio
SP + Escolas) receberão do governo pouco
mais de 11 milhões de reais mensais
cada um pelo prazo de 25 anos

0,6
É O PERCENTUAL DAS ESCOLAS
ENVOLVIDAS NO PROJETO EM RELAÇÃO
AO TAMANHO DA REDE, QUE TEM
MAIS DE 5 300 COLÉGIOS
Fonte: Secretaria da Educação
do Estado de São Paulo

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empresas (como merenda, segurança e manutenção), o


governo vai gerir apenas um por lote. Toda a parte edu-
cacional seguirá sendo feita por servidores do estado, sob
as regras da Secretaria da Educação. Um projeto seme-
lhante, o Somar, de Minas Gerais, foi implantado em
2022, mas abrange apenas três unidades. No Paraná, o
governador Ratinho Junior (PSD) sancionou em junho lei
para terceirizar 200 escolas já existentes, mas nenhuma
foi concedida ainda.
Apesar da oposição que suscita, o projeto de São Paulo
envolve um número muito pequeno de unidades — menos
de 1% da rede (veja o quadro). A ideia do secretário de Par-
cerias em Investimentos, Rafael Berrini, sob cuja guarda
as PPPs nascem e crescem, é economizar com burocracia.
“Estamos criando uma maneira nova de pensar e de gerir
essas escolas, que vai trazer mais eficiência. O jeito como
está hoje não é o melhor”, diz. A gestão já planeja voos
mais altos: está previsto para o segundo semestre de 2025
o leilão da reforma de 143 escolas na capital e a inclusão de
200 em certame está em estudo no governo.
O ambicioso plano de incluir a gestão privada na educa-
ção pública é uma experiência interessante, mas não é ga-
rantia de sucesso. No exterior, onde o modelo mais fre-
quente é o das charter schools (escolas inteiramente geri-
das por organizações sem fins lucrativos custeadas por
verba pública), há tantos resultados positivos quanto nega-
tivos. A aposta sempre é que, livre da gestão, o Estado pos-

5|7
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PAULO PINTO/AGÊNCIA BRASIL

CONFUSÃO Protesto contra o leilão:


ofensiva na rua e no Judiciário

sa se concentrar no estudante. “A educação pública tem es-


pecificidades. Para os alunos dessa rede, especialmente os
mais vulneráveis, a escola precisa resolver os problemas
deles. Se repassarmos a parte administrativa a um ente pri-
vado, o diretor pode ter mais foco nisso”, diz Claudia Cos-
tin, professora da FGV e ex-diretora de Educação do Ban-
co Mundial. Outro desafio, lembra, é a necessidade de um
sistema qualificado de fiscalização, que, na proposta, fica-

6|7
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rá debaixo do guarda-­chuva da Arsesp, a agência que re-


gula serviços públicos em São Paulo.
Um dos fatores que provocam a resistência ao projeto é
de cunho ideológico. “A educação é de certa forma intocá-
vel, porque mexe com o modo de pensar de futuras gera-
ções”, diz Maria Antonia De’Carli, mestre em ciência políti-
ca pela London School of Economics. Uma crítica frequen-
te, mas que carece de consistência, é a de que a entrega da
administração dos colégios possa ser a porta de entrada pa-
ra uma privatização radical do setor, incluindo a da parte
pedagógica. É uma preocupação razoável, mas, até agora,
no entanto, ninguém dá sinais de avançar o sinal. Parte da
resistência se deve também a questões políticas. No caso de
São Paulo, a Apeoesp, que lidera a resistência na Justiça e
nas ruas, é uma entidade filiada à CUT e historicamente li-
gada ao PT, que fazem oposição a Tarcísio.
É fato que a gestão dele ainda precisa mostrar mais ser-
viço nessa área. Os resultados do Ideb de 2023, primeiro
ano do mandato de Tarcísio, mostram São Paulo abaixo da
meta, que deveria ter sido alcançada em 2021, nos anos
iniciais e finais do ensino fundamental e do médio. Além
disso, não é difícil encontrar escolas públicas em péssimas
condições de estrutura, o que, claro, dificulta o aprendiza-
do e o interesse do aluno. Diante desse quadro, é urgente
buscar novas soluções. A boa notícia é que o governo deci-
diu fazer a lição de casa. Vale acompanhar de perto os re-
sultados da nova experiência. ƒ

7|7
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BRASIL JUSTIÇA

NO EPICENTRO
DA TRAMA
General que comandava o setor do Exército
responsável pelos relatórios que questionaram
a segurança das urnas durante o governo Bolsonaro
é indicado para o STM RICARDO CHAPOLA

CRIME FUNCIONAL Plenário do STM:


a Corte pode julgar os militares acusados
de tentativa de golpe de Estado

PEDRO LADEIRA/FOLHAPRESS

1|6
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O SUPERIOR Tribunal Militar (STM) poderá enfrentar,


em breve, uma situação no mínimo inusitada. Uma investi-
gação da Polícia Federal afirma que um grupo de militares
de alta patente se envolveu numa conspirata para tentar
anular as eleições de 2022. Entre os acusados estão o ge-
neral Braga Netto, ex-candidato a vice-presidente da Re-
pública, o general Paulo Sérgio de Oliveira, ex-ministro da
Defesa, e o capitão Jair Bolsonaro. Como se trata de um
crime comum, o inquérito tramita no Supremo Tribunal
Federal (STF). Ocorre que, por envolver militares e se hou-
ver uma condenação superior a dois anos de prisão, o caso
será automaticamente levado ao STM, que vai decidir se
os oficiais continuarão ostentando suas patentes ou se se-
rão considerados “mortos”, a punição mais humilhante im-
posta a um integrante das Forças Armadas. A situação inu-
sitada é que existe a possibilidade de estar entre os juízes
que podem julgar a causa no futuro um que esteve no epi-
centro dos acontecimentos que deram origem ao processo
e conhece bem os principais personagens envolvidos.
Atual comandante militar do Sudeste, o general Guido
Amin Naves foi indicado pelo presidente Lula na última
segunda-feira, 4, para ocupar a vaga no STM do também
general Lúcio Mário de Barros Góes, que se aposenta no
próximo mês. Em 2022, no ápice da crise entre o então
presidente, Jair Bolsonaro, e o Tribunal Superior Eleitoral
(TSE), Naves ocupava o posto de chefe do Departamento
de Ciência e Tecnologia do Exército (DCT) e acompanhou

2|6
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REINALDO CANATO/FOLHAPRESS
O ESCOLHIDO Guido Naves: reuniões
no Planalto com Bolsonaro e Braga Netto

de perto alguns dos momentos mais tensos daquele perío-


do. Em novembro daquele ano, por exemplo, logo após o
segundo turno das eleições, o cenário em Brasília era de
muita incerteza. Recolhido no Palácio da Alvorada, Bol-
sonaro, depressivo, se recusava a reconhecer publicamen-
te a vitória de Lula. Justificava que só faria isso depois de
ter a certeza de que não houve fraude na apuração dos vo-
tos. Paralelamente, manifestantes acampados em frente
ao quartel-general do Exército pregavam uma interven-
ção militar. Na época, um relatório produzido pelo Minis-
tério da Defesa acirrou ainda mais os ânimos.
Num documento apresentado ao TSE, os técnicos da
pasta que avaliaram a segurança do sistema eletrônico

3|6
Telegram: @Clubederevistas

de votação durante as elei-


ções afirmaram não ter en-
contrado indícios de frau-
de. A constatação coloca-
ria um ponto-final no im-
passe. Mas, sabe-se lá por
quais razões, informaram

MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL


também que, mesmo as-
sim, não descartavam a hi-
pótese de ter ocorrido al-
gum tipo de irregularida-
de. O relatório foi assinado ANTIGUIDADE Múcio: o
por militares do Comando atual ministro da Defesa
de Defesa Cibernética, se- encaminhou o nome do
tor subordinado ao depar- general ao presidente Lula
tamento chefiado por Na-
ves. O general participava de reuniões no Planalto em
que esse assunto era discutido, uma delas, inclusive,
ocorreu com a presença do presidente Bolsonaro, do mi-
nistro Paulo Sérgio e do general Braga Netto. No dia 8
de janeiro, as sedes do Palácio do Planalto, do Congres-
so e do Supremo Tribunal Federal foram invadidas e de-
predadas — evento considerado pela Polícia Federal co-
mo o desfecho de uma frustrada tentativa de golpe que
teria sido planejada por meses, tinha como pano de fun-
do desacreditar o sistema eleitoral e visava manter Bol-
sonaro no poder.

4|6
Telegram: @Clubederevistas

De perfil discreto, o ge-


neral não é identificado pe-
los colegas de farda como
militante de causas bolso-
naristas, apesar da proxi-
midade que tinha com a cú-
pula do governo passado.
Aos 62 anos, ele foi indica-
do para o STM pelo critério

JOÉDSON ALVES/EFE
de antiguidade. Em nota, o
Exército ressaltou que o
trabalho de Guido Naves GOLPISMO Paulo Sérgio:
sempre foi “técnico, inte- o ex-ministro da Defesa é
gralmente pautado pela investigado em inquérito
portaria de criação da Co- que tramita no Supremo
missão de Transparência
das Eleições e reportado ao Ministério da Defesa, que de-
finia como objetivo geral estudar o processo eleitoral e
propor medidas para aumentar a transparência e a segu-
rança do referido processo”, diz o texto. O general esteve
com o presidente no Palácio do Planalto uma semana an-
tes da indicação ser oficializada. Estava acompanhado do
ministro da Defesa, José Múcio. No encontro, Lula teria
sido integralmente informado sobre o currículo do candi-
dato e detalhadamente sobre as funções que ele exerceu
no governo anterior. Na ocasião, o presidente não teria fei-
to nenhuma restrição.

5|6
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Antes de assumir o novo posto, Guido Naves será saba-


tinado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.
A data ainda não foi marcada, mas seus assessores ressal-
tam que ele estará à disposição para esclarecer eventuais
dúvidas que ainda existam sobre sua atuação no governo
Bolsonaro. A pessoas próximas, o general contou que seu
currículo foi previamente escrutinado pelo Planalto. Ex-
plicou que como chefe do DCT informava o presidente da
República e o Alto Comando das Forças Armadas sobre
os avanços obtidos por sua equipe em relação às melho-
rias que poderiam ser feitas para aprimorar o processo
eleitoral — tudo de forma técnica, sem nenhuma conota-
ção política. “É um assunto pacificado, que não gerou ne-
nhum estresse ou atrito dentro ou fora do governo”, ga-
rantiu um oficial graduado. Ao menos, não até agora. ƒ

6|6
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RADAR ECONÔMICO
PEDRO GIL

Com reportagem de Diego Gimenes


e Felipe Erlich

Limpeza geral
O Grupo Simpar, presidido
por Fernando Simões e
controlador de empresas nas
áreas de logística, locação de
carros, mobilidade, sanea-
mento e gestão de resíduos,
deve investir 700 milhões de
reais na zeladoria urbana de
Belém, no Pará. A cidade se-
rá sede da COP30, em 2025.

Zelo bilionário
O aporte será feito por
meio da Ciclus Ambiental,
empresa de gestão de resí-
duos do grupo, que possui
DIVULGAÇÃO

convênio semelhante no
Rio de Janeiro. Entre outras FAXINA Simões, presidente
obrigações, o contrato pre- da Simpar: 700 milhões de
vê a coleta de lixo e a cons- reais em zeladoria urbana
trução de um aterro sanitá-
rio na região. A Ciclus Am- Tá dando onda
biental projeta faturar 1 bi- O Brazilian Surf Clubs
lhão de reais por ano com a (BSC), empresa que cons-
nova operação. trói e administra piscinas

1|3
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com ondas, prepara dois do para participar de obras


lançamentos nos próximos de engenharia em Goiás,
meses, ambos no Rio de Ja- quer entrar também no ne-
neiro. Um deles será em An- gócio das ferrovias.
gra dos Reis, próximo ao re-
sort Portobello, e o outro, Sem poluentes
em Búzios, em parceria A varejista Renner será uma
com o fundo Opportunity. das poucas empresas brasi-
leiras presentes na COP29,
A força das águas no Azerbaijão, que será rea-
O BSC é uma sociedade en- lizada de 11 a 22 de novem-
tre o empresário Ricardo bro. Em setembro, a compa-
Laureano, fundador da fin- nhia teve sua meta de zerar
tech Koin, o escritório Carpa emissões de gases de efeito
Family Office e o fundo Su- estufa aprovada pela entida-
pera Capital. A ideia é abrir de ambientalista Science
vinte piscinas com ondas em Based Targets Initiative
dez anos, com investimento (SBTi), do Reino Unido.
total de 1 bilhão de reais.
As marcas preferidas
Mira nos trilhos Dez entre dez brasileiros da
A estatal China Railway es- geração Z — composta de
tá de olho em licitações no nascidos entre 1995 e 2010
Brasil. O grupo chinês, que — consomem ao menos
já explora uma mina de fos- uma destas três marcas:
fato e assinou acordo com o Netflix, Nike e Red Bull. Ou-
governador Ronaldo Caia- tras marcas onipresentes na

2|3
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vida dessas pessoas são Ins- em 1976 por Jim Good-


tagram (90%), Spotify night, a companhia fez uma
(88%), McDonald’s (85%), série de ajustes na operação
Coca-Cola (76%) e Apple para ingressar na bolsa. No
(72%). É o que mostra um Brasil, a empresa seguirá in-
levantamento da agência de vestindo em ferramentas de
viagens Forma Turismo. inteligência artificial. “A IA
vai melhorar processos e
De grão em grão soluções”, diz André Novo,
O Terminal de Grãos do Ma- presidente da SAS no país.
ranhão, no Porto de Itaqui,
recebeu autorização ambien- Negócio na vizinhança
tal para ampliar os berços de A consultoria brasileira Aud-
atracação de navios. As das assessorou o grupo boli-
obras começarão no segun- viano Asai Capital na com-
do semestre de 2025, com in- pra de uma divisão de moa-
vestimento de 1,5 bilhão de gem de grãos da Alicorp,
reais. Cerca de 70% do valor uma das maiores empresas
deve ser financiado pelo alimentícias do Peru, com fa-
Banco do Nordeste do Brasil. turamento anual de 3 bilhões
de reais. A Auddas auxiliou
Rumo à bolsa na avaliação do ativo, cotado
A americana SAS, uma das em 1 bilhão de reais. ƒ
maiores empresas de tecno-
logia do mundo, prepara OFERECIMENTO
sua abertura de capital nos
Estados Unidos. Fundada

3|3
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Telegram: @Clubederevistas
ECONOMIA CONTAS PÚBLICAS

TEMPO DE CORTAR
Em apenas vinte meses, a dívida pública cresceu de 72%
para 79% do PIB. Para conter a escalada, o governo teria
de tomar medidas duras. Mas vai bancar?
MÁRCIO JULIBONI E JULIANA ELIAS

DESAFIO Tebet e Haddad: missão de convencer


Lula e o Congresso de que a crise fiscal é grave

FATIMA MEIRA/AGÊNCIA ENQUADRAR/AGÊNCIA O GLOBO

1 | 14
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S
e há um consenso entre os principais economistas
do país, é o de que o prometido pacote fiscal dos
ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do
Planejamento, Simone Tebet, não atacará as raízes
da disparada da dívida pública, que saltou de 72%
para 79% do produto interno bruto (PIB) em apenas vinte
meses. Tampouco mudará a rígida estrutura do Orçamen-
to federal, cujas despesas obrigatórias já somam 90% do
total. Até o fechamento desta edição, na quinta-feira 7, o
governo ainda retocava o pacote. Para os analistas, ele ser-
virá apenas para salvar o arcabouço fiscal, que sucumbirá
já no primeiro ano de vida, se as projeções de mercado se
confirmarem e o Brasil encerrar o ano com um déficit pri-
mário de 0,6% do PIB — pior que o piso de 0,25% da meta.
O pessimismo vem sobretudo pela aparente má vontade do
presidente Lula em bancar medidas mais duras — e urgen-
tes — para arrumar a casa. No seu lugar, o governo deve
enviar ao Congresso apenas um placebo, que nem de longe
tirará o país do sufoco. “A montanha vai parir um rato”,
afirma Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Cen-
tral e colunista de VEJA, referindo-se às medidas.
Para ser levado a sério, o governo deveria primeiro di-
mensionar corretamente o tamanho do problema. No me-
lhor cenário, o pacote economizará 50 bilhões de reais. A
primeira ressalva dos analistas é que não está claro se essa
redução seria anual ou se representaria um acumulado de
alguns anos. Além disso, não há garantia de que estabilize

2 | 14
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NA PRÓPRIA CARNE
Se bem executado, o ajuste
fiscal pode gerar uma grande
economia ao país nos
próximos anos. Veja onde o
governo pode enxugar os
gastos (em reais)

1 ,1
TRILHÃO EM
DEZ ANOS

Correção das aposentadorias


pela inflação, em vez de seguir
o salário mínimo

3 | 14
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97

BILHÕES EM TRÊS ANOS


Reajuste do piso de investimentos em saúde e
educação pela inflação, e não pela arrecadação

46
BILHÕES EM DEZ ANOS
Critérios mais rigorosos para a liberação
de emendas parlamentares

10 BILHÕES EM DEZ ANOS


Novos critérios para concessão de
seguro-desemprego e abono salarial

7,5 BILHÕES
Fim dos supersalários de servidores públicos

Fontes: Consultoria de Orçamento da Câmara e ARX Investimentos

4 | 14
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a dívida. “O pacote não resolve a questão”, diz Marcus Pes-


tana, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI). “Ele
só oferece um equilíbrio emergencial.” Os economistas cal-
culam que seria necessário gerar um superávit primário
anual de 1,4% a 1,7% do PIB apenas para estabilizar a dívi-
da ao redor de 80% do PIB. Como o Brasil já está deficitá-
rio, isso significaria promover um corte equivalente a 3%
do PIB, ou cerca de 400 bilhões de reais. A cifra pode ser
ainda maior com a alta dos juros.
Na quarta-feira 6, o Comitê de Política Monetária do
Banco Central elevou a taxa Selic para 11,25% ao ano. Tan-
to Roberto Campos Neto, atual presidente do BC, quanto
Gabriel Galípolo, que o sucederá em 2025, votaram a favor
da alta e cobraram uma política fiscal “crível e comprome-
tida com a sustentabilidade da dívida”. A questão é que os
juros atuam como mocinho e bandido nessa história. De
um lado, ajudam a conter a inflação causada por gastos pú-
blicos maiores. De outro, encarecem o custo da dívida. O
IFI estima que a despesa com os juros da dívida passou de
5,5% do PIB em 2021 para 7,5% no ano passado.
O segundo passo seria desarmar os mecanismos que
aceleram o crescimento da dívida. O principal é a indexa-
ção. De acordo com a Constituição de 1988, o reajuste do
salário mínimo deve reger o aumento de gastos com a pre-
vidência social, o Benefício de Prestação Continuada
(BPC) e o abono salarial. A Lei 7998/1990 determina que
ele também corrija o seguro-desemprego. Somente em

5 | 14
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CRISTIANO MARIZ/AGÊNCIA O GLOBO

SINTONIA Campos Neto (à esq.) e Galípolo: atual e futuro


presidente do Banco Central cobram maior disciplina fiscal do
governo Lula para baixar os juros no país

2024, essas rubricas somarão 1,1 trilhão de reais, de um


total de 2 trilhões em despesas. Outra questão: os gover-
nos petistas adotam uma política de dar ganhos reais ao
salário mínimo. Embora seja louvável melhorar a renda
dos mais vulneráveis, a prática fez as despesas indexadas
escalarem de 6,5% do PIB para quase 10%, entre 2003,
quando Lula assumiu seu primeiro mandato, e 2016, ano
do impeachment de Dilma Rousseff. Após um leve declí-
nio, a proporção acabaria voltando ao mesmo patamar
com o retorno de Lula ao Palácio do Planalto, em 2023.
Se nada mudar, os economistas calculam que, em 2025,
essas despesas crescerão 420 milhões de reais para cada 1
real de reajuste do salário mínimo. Como a proposta orça-

6 | 14
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FORA DA CURVA
O peso da dívida do Brasil sobre
seu produto interno bruto (PIB) é maior
que o de países comparáveis, como os
latino-americanos e os emergentes
(dívida bruta como proporção
do PIB em 2023, em %)

79*
74
68

53
40
29
IL

RI NA

NT ES

A
SI

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AM

* Critério do Banco Central Fonte: FMI

7 | 14
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mentária enviada ao Congresso prevê um aumento de


6,9% para o mínimo, que passaria para 1 509 reais, os
gastos vinculados subiriam 41 bilhões de reais. “Uma de-
saceleração significativa das despesas só é possível se
houver a desvinculação”, afirma Solange Srour, diretora
de macroeconomia da gestora UBS Global Wealth Mana-
gement. A desvinculação, contudo, passa longe do recei-
tuário econômico do petista.
A situação ilustra a maior fragilidade do arcabouço fis-
cal. Como se sabe, ele determina que a soma de todas as
despesas cresça 2,5% ao ano, já descontada a inflação. Seu
objetivo é tornar o Orçamento mais flexível em relação ao
teto de gastos criado no governo de Michel Temer e bom-
bardeado pelos petistas. Mas, ao permitir que algumas
obrigações, como as corrigidas pelo salário mínimo, au-
mentem mais que a regra, o arcabouço cria um paradoxo: a
soma das partes tende a ser maior que o todo.
Para os analistas, um ajuste fiscal sério passaria a corri-
gir os gastos pela inflação. Assim, Lula poderia seguir com
a política de ganhos reais para o salário mínimo dos traba-
lhadores que estão na ativa, enquanto os aposentados te-
riam sua renda protegida contra o aumento de preços. Por
fim, a pressão desses encargos sobre o Orçamento come-
çaria a cair. Segundo Paulo Bijos, que ocupou a Secretaria
de Orçamento do Ministério do Planejamento até junho
passado, ao corrigir aposentadorias, pensões e o BPC pela
inflação, o governo economizaria até 1,1 trilhão de reais de

8 | 14
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GABRIELA BILÓ /FOLHAPRESS


PRESSÃO Previdência: nova regra de reajuste
pouparia cerca de 1,1 trilhão de reais

2025 a 2034. “Sabemos que a magnitude do ajuste fiscal


impede que seja feito do dia para a noite”, diz Bijos. “Por is-
so, a correção pela inflação permitiria uma recuperação
gradual do superávit.”
As despesas com saúde e educação são o segundo gran-
de grupo de rubricas indexadas. A Constituição estabelece
que o governo aplique, no mínimo, 15% da receita corrente
líquida em saúde, e 18% dos impostos arrecadados em
educação. De 2016 a 2023, quando vigorou o teto de gas-
tos, essa regra foi substituída por reajuste pela inflação. Ao
revogá-lo e instituir o arcabouço fiscal, Lula restaurou as
regras constitucionais. O efeito foi um salto. Em 2024, a
União está obrigada a investir 218 bilhões de reais em saú-

9 | 14
Telegram: @Clubederevistas

de e 100 bilhões em educação. Os valores correspondem a


reajustes de 18% e 6%, respectivamente, sobre o ano pas-
sado — muito acima do limite de 2,5% previsto no arca-
bouço. “Foi um erro crasso cometido à luz do dia, apesar
dos alertas”, diz Gabriel Barros, economista-chefe da ges-
tora ARX Investimentos. Para ser crível, o ajuste fiscal
também deveria alterar o critério de correção desses gas-
tos, passando a reajustá-los pela inflação. Paulo Bijos, ou-
tro defensor da ideia, estima que a medida economizaria
97 bilhões de reais até 2028.
Outras medidas teriam um efeito mais moral do que prá-
tico, como um basta aos supersalários do funcionalismo
público. Estima-se que 25 000 servidores ganhem mais que
o teto constitucional, representado pelo salário de 44 000
reais dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Segundo
Barros, da ARX, enquadrar essa turma aliviaria os cofres
públicos em até 7,5 bilhões de reais por ano. Se Lula quiser
ir além, a revisão de isenções e benefícios fiscais é um cam-
po enorme. Em 2025, a União deixará de arrecadar 544 bi-
lhões de reais, uma alta de 21 bilhões sobre este ano. A ava-
liação geral é que muitas isenções não trazem resultados
para o país. A luta para eliminar as benesses é dura e passí-
vel de derrotas, como as sofridas por Haddad quando ten-
tou reverter a desoneração da folha de pagamento e encer-
rar o Perse, o programa de apoio ao setor de eventos. Mas a
disposição de cortar seria apoiada pelo mercado. “O gover-
no precisa escolher suas brigas, mas há bons argumentos

10 | 14
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NO VERMELHO
O Brasil convive com déficits desde junho
de 2023 (acumulado de 12 meses até a
data indicada — em trilhão de reais*)

D E S P E S A T O TA L
R E C E I TA L Í Q U I D A

2,600

2,500

2,400

2,300

2,200

2,100

2,000

1,870
1,900

1,800
1,702
1,700

1,600

1,500

2019 2020 2021

* Ajustado pelo IPCA, em valores de agosto/2024

11 | 14
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contra os subsídios”, afirma Evandro Buccini, sócio da ges-


tora Rio Bravo. “Este é o momento de fazer coisas grandes.”
Mesmo que Haddad convença Lula e a Esplanada dos
Ministérios de que é hora de cortar na carne, precisará de
igual empenho para angariar o apoio do Congresso. Medi-
das estruturais como a desvinculação dos pisos da saúde e
da educação e a correção das aposentadorias pela inflação
só seriam implementadas por meio de emendas constitu-
cionais, cuja aprovação requer os votos de, pelos menos,

2,323

2,095

2022 2023 JUN 2024 AGO

Fonte: Tesouro Nacional

12 | 14
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MÁRIO AGRA/CÂMARA DOS DEPUTADOS


INTERESSE Congresso: o ajuste
fiscal garantiria emendas parlamentares

308 dos 513 deputados federais e de 49 dos 81 senadores.


Com uma base gelatinosa no Parlamento, o Planalto teria
de negociar muito para assegurar uma vitória.
O grande trunfo seria mostrar a deputados e senadores
o óbvio: o avanço desenfreado das despesas obrigatórias
ameaça as emendas parlamentares. Além disso, o presiden-
te deveria sinalizar que assumiria o desgaste de bancar me-
didas impopulares, como limitar as despesas com saúde e
educação. “Lula aceitaria o ônus do ajuste, e ainda daria o
bônus ao Congresso de garantir que o pacote abriria espaço
para as emendas”, diz Vítor Oliveira, sócio da consultoria
política Pulso Público. “O caminho é simples, mas muito
custoso para o presidente.”

13 | 14
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LALO DE ALMEIDA/FOLHAPRESS
NA MIRA Zona Franca de Manaus: segundo
analistas, há espaço para cortar isenções

Os analistas acreditam que Lula não pagará esse pre-


ço e bancará apenas um ajuste paliativo, que empurre o
problema para longe, em 2027, quando começará um no-
vo governo. A perspectiva desanima os observadores.
“Não resolvemos o problema fiscal nos últimos dez anos
e, sem vontade política, não o resolveremos nos próximos
dez”, diz Márcio Holland, que chefiou a Secretaria de Po-
lítica Econômica do Ministério da Fazenda de 2011 a
2014 e viu de perto a deterioração das contas públicas no
governo Dilma Rousseff. “Rumamos para o abismo.” Ca-
be a Lula impedir que o Brasil caia no precipício. Pagar
essa conta lhe custará caro, mas ignorá-la certamente
custará muito mais. ƒ

14 | 14
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PT: O DESAFIO
DA MODERNIZAÇÃO
É preciso mirar-se na evolução
da esquerda europeia

“FORAM DOIS anos de sabotagem do bolsonarista Cam-


pos Neto, a serviço de quem o colocou lá.” Assim falou a
presidente do PT, Gleisi Hoffmann, em uma de suas diatri-
bes contra o atual presidente do Banco Central (BC). É
provável que não seja maldade, mas pura desinformação, o
que pode gerar crenças em ideias econômicas equivoca-
das. O PT tem mostrado que pensa como sua líder. Desde
que nasceu (1980), professa visões anticapitalistas. Acusa
o BC de estar a serviço de bancos. Acredita que o gasto pú-
blico é a fonte básica do crescimento (é a produtividade!).
“Gasto é vida”, disse a ex-presidente Dilma Rousseff.
O PT poderia estudar com interesse a evolução do
pensamento dos partidos de esquerda europeus. No seu
início, entre o fim do século XIX e o começo do século
XX, eles defendiam a ditadura do proletariado e o contro-
le estatal dos meios de produção. Começando na Alema-
nha, essas agremiações passaram a buscar o poder pelo
voto e não por uma revolução comunista como a de 1917,

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que criou a União Soviética. Uns poucos partidos incluí-


ram nos seus estatutos o objetivo de estatização total. Fo-
ram os casos de facções da Espanha e do Reino Unido. No
pós-­guerra, as transformações econômicas e sociais da
Europa, na esteira dos Trinta Anos Gloriosos, criaram o
ambiente favorável à revisão das propostas e dos dogmas
econômicos da esquerda. Uma delas foi o crescimento do
setor serviços e a correspondente queda da participação
do contingente de trabalhadores da indústria na força de
trabalho, que eram a base de votos dos partidos de es-
querda. Com o tempo e muitos debates internos, a nova
realidade se impôs. A esquerda modernizou o pensamen-
to econômico e consagrou, em seu ideário, a democracia e
a economia de mercado sob regulação do Estado.
Na Espanha e na Grã-Bretanha, houve a influência de
dois outros fatores. Na Espanha, a motivação foi o projeto

“O resultado das eleições


mostra que o partido
precisa renovar
as lideranças e as
ideias econômicas”
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de ingresso no Mercado Comum Europeu (atual União


Europeia), a que se candidatara, que poderia torná-la um
país rico. Havia que aprovar duras reformas para assegu-
rar a estabilidade macroeconômica e o crescimento da
produtividade. Na Grã-­Bretanha, quatro derrotas conse-
cutivas mantiveram os trabalhistas fora do poder por de-
zoito anos. Em ambos os países, a ascensão política im-
plicava conquistar votos no eleitorado de centro. Líderes
excepcionais — Felipe González, na Espanha, e Tony
Blair, no Reino Unido — convenceram seus partidos a
aceitar a revisão estatutária, chegaram ao poder, promo-
veram reformas, incluindo privatizações, e presidiram
períodos de prosperidade.
O PT não se saiu muito bem nas eleições municipais.
Isso pode sugerir que precisa renovar suas lideranças e
abandonar ideias econômicas carcomidas. Nas cidades
em que 40% dos eleitores são beneficiários do Bolsa Fa-
mília — que eram fontes seguras de votos — o partido não
elegeu um só prefeito. Pesquisas indicam que antigos
apoiadores almejam empreender ou ter um emprego for-
mal, e não depender do apoio direto do Estado. ƒ

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INTERNACIONAL ESTADOS UNIDOS

ELE VOLTOU. E AGORA?


Donald Trump atropela Kamala Harris, conquista maioria no
Congresso e fica com o caminho livre para pôr em marcha
um segundo mandato, que pode mudar as feições do planeta
RICARDO FERRAZ, de Washington, E AMANDA PÉCHY
CHIP SOMODEVILLA/GETTY IMAGES

AÍ VEM ELE O presidente eleito na noite


da vitória: “O maior movimento político de todos os tempos”

CAPA: FOTO DE MARY ALTAFEER-POOL/GETTY IMAGES/AFP

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Q
uando o furacão chamado Donald Trump varreu a
política americana pela primeira vez, em 2016, o
mundo, atônito, se perguntou como aquele outsi-
der, que não era levado muito a sério nem pela cú-
pula do próprio partido, tinha conseguido romper
barreiras e se instalar na Casa Branca. Seguiram-
se quatro anos de sobressaltos, movimentos imprevisíveis, fa-
las irresponsáveis ou francamente abomináveis — enfim,
uma Presidência como nunca tinha se visto e que, de tão de-
safiadora e caótica, acabou por não conduzi-lo à reeleição.
Pronto. Trump acabou, pensou a oposição. Pois, passados
quatro anos, o homem do topete que faz a festa dos cartunis-
tas volta ao poder, desta vez com ampla maioria de votos e
sempre insistindo na tecla megalômana: “Make America
Great Again”, fazer os Estados Unidos serem grandes nova-
mente. Ou seja: Trump não mudou. Quem mudou foram os
americanos. “Acho que foi o maior movimento político de to-
dos os tempos. Nunca houve nada como isso neste país”, ce-
lebrou no hiperbólico — como sempre — discurso da vitória.
O sucesso incontestável em 5 de novembro, com poten-
cial de abalar pilares dentro e fora do país, foi uma lavada e
uma surpresa. Como já havia ocorrido antes, as pesquisas
apontavam para um empate técnico entre Trump e sua ad-
versária, Kamala Harris. No fim, o republicano não só ven-
ceu nos estados em que liderava a disputa, como carregou
com vantagem quase todos os chamados “pêndulos”, onde a
eleição é decidida: até quinta-­feira 7, vencera em cinco dos

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sete — entre eles Wisconsin, Michigan e Pensilvânia, os


principais tijolos do chamado blue wall que votaram no de-
mocrata Joe Biden em 2020 —, com chance de conquistar
outros dois onde a apuração não estava definida.
No começo da manhã de quarta-­feira, Trump já havia
passado dos 270 votos necessários para ter maioria no Colé-
gio Eleitoral (veja no gráfico ao lado), que bate o martelo na
disputa, e ao longo da apuração superou a rival em cerca de
5 milhões de votos. Em outro feito crucial, os republicanos,
agora unidos em torno de Trump, o dono do partido, recu-
peraram a maioria no Senado e caminhavam para manter a
liderança na Câmara. “Eles (os eleitores) vieram de toda par-
te, sindicalizados, não sindicalizados, pretos, brancos, ho-
mens, mulheres, latinos, árabes”, destacou o presidente elei-
to no discurso em Palm Beach, na Flórida, ao lado da mu-
lher, Melania, dos filhos e do vice, J.D. Vance.
O caminho de volta para Washington foi pavimentado pe-
lo avanço de Trump em setores democratas da sociedade on-
de, até alguns anos atrás, ninguém votaria nele. A culpa maior
pela virada é atribuída à falha do governo Biden em duas
áreas: economia e segurança, essa atrelada à questão da imi-
gração. Os preços dispararam na pandemia e, embora a infla-
ção esteja agora sob controle, tudo hoje — comida, gasolina,
remédios, casa própria — custa mais caro do que nos quatro
primeiros anos de Trump no poder. Além disso, aproveitando
a abertura de fronteiras no início da gestão Biden, milhões de
imigrantes ilegais entraram nos Estados Unidos, incitando as

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ONDA
REPUBLICANA
Numa eleição que prometia disputa
voto a voto, Donald Trump venceu
com folga a democrata Kamala
Harris. Veja a comparação com
os dois últimos pleitos

WA VT NH
MT ME
ND
OR MN
ID SD WI MA
NY
WY RI
MI
CT
IA PA
NE NJ
NV OH
UT IL IN DE
CO WV MD
KS MO VA
KY DC
CA NC
TN
AZ NM OK
AR SC
MS AL GA
LA
TX

FL
AK HI

* Resultado até quinta-feira 7. Os estados em


cinza ainda estavam indefinidos

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20 24 *

DELEGADOS

226 270 295


Kamala Harris PARA GANHAR Donald Trump

20 20
DELEGADOS

306 270 232


Joe Biden PARA GANHAR Donald Trump

20 1 6
DELEGADOS

232 270 306


Hillary Clinton PARA GANHAR Donald Trump

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denúncias de concorrência desleal, dilapidação dos serviços


sociais e, principalmente, aumento da violência com a chega-
da de “criminosos de fora” — uma afirmação sem base nas es-
tatísticas que o próprio Trump atiçou com gosto.
Atropelada pela onda vermelha, a cor do Partido Repu-
blicano, Kamala Harris e seus apoiadores ainda tentam en-
tender o que aconteceu. “Quando lutamos, nós vencemos.
Mas às vezes a luta é demorada”, ela observou no discurso
de aceitação da derrota. Obedecendo à lógica que pautou as
disputas anteriores e deu a vitória a Biden, o comando da
campanha de Harris se organizou para obter maioria nos
grandes centros urbanos e mobilizar minorias que pode-
riam fazer a diferença, sobretudo negros e latinos, redutos
democratas desde sempre e alvo de boutades racistas do
bloco trumpista. Não colou. “Ganhava mais dinheiro no
tempo dele”, disse a VEJA Manuel Cueva, 42 anos, enquan-
to cortava o cabelo em uma barbearia na Filadélfia. Pela pri-
meira vez, os homens latinos concederam a vitória ao repu-
blicano, com 54% da preferência. “Sempre haverá racismo.
Pelo menos, Trump diz as coisas na minha cara”, justificou.
A alta de preços inflou a população de rua, engrossada
ainda pelos consumidores de drogas como crack e fentanil,
uma epidemia que varre os Estados Unidos e que é muitas
vezes colocada na conta da atitude leniente das administra-
ções mais progressistas. Na Filadélfia, a maior cidade da
Pensilvânia, assim que o sol se põe os moradores de rua se
aglomeram nas esquinas. Nos ônibus e metrôs que se diri-

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ANDREW CABALLERO-REYNOLDS/AFP

NÃO DEU PARA ELA Harris: derrotada por eleitores


insatisfeitos com o governo e desejosos de mudança

gem aos bairros onde se concentra a população negra, é co-


mum ver homens e mulheres com carrinhos repletos de la-
tas de alumínio e outras embalagens recicláveis. Mais para o
interior, fábricas abandonadas e população reduzida com-
põem o “cinturão da ferrugem”, região dilapidada pela glo-
balização da produção e que se sente abandonada pelas
autoridades — um celeiro de eleitores trumpistas. Os bons
números atuais da economia americana — inflação de 2,1%
nos últimos doze meses e alta do PIB de 2,8% no último tri-

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ANNA ROSE LAYDEN/GETTY IMAGES

PATO MANCO Joe Biden: o presidente sai de cena como


responsável pela herança que prejudicou os democratas

mestre — só ressoam em subúrbios da Filadélfia, como


Chester County, que se mobilizou fortemente por Harris. Lá,
mansões cercadas de grama verde convivem com conces-
sionárias de automóveis de luxo como Ferrari e McLaren.
Trump se elegeu porque soube explorar o tamanho do
descontentamento da população com Biden e sua disposi-
ção para votar na mudança — na véspera da eleição, 56%
dos americanos desaprovavam o atual presidente, pior índi-
ce em quatro anos. Nesse contexto, a imagem de Trump co-

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mo líder durão, que não se intimida perante as “elites”, se


tornou palatável até para quem não tinha por ele o menor
respeito — e a avalanche de agora é a expressão dessa es-
pantosa mudança. “Harris não conseguiu se descolar do
governo e foi punida pela impopularidade do presidente”,
diz Jon Green, professor de ciência política da Universidade
Duke, na Carolina do Norte. Dos 3 141 condados do país,
apenas cinco não foram fortemente afetados pelo aumento
de preços dos aluguéis e do supermercado. “A questão pas-
sou a ser quem você vai culpar por isso”, diz o aposentado
Carl Weir, 72 anos.
Com maioria praticamente garantida no Congresso, o
presidente eleito terá pista livre para agir. Em alusão a uma
política econômica protecionista, com a implementação de
tarifas pesadas sobre todas as importações (sendo as mais al-
tas sobre produtos da China, o rival número 1), citou a neces-
sidade de pôr os interesses dos Estados Unidos no topo das
prioridades, ainda que “por um tempo”. Também estão
ameaçados os programas sociais que o Partido Democrata
implementou, sobretudo no setor da saúde. O bilionário Elon
Musk está encarregado — até segunda ordem, pelo menos —
de promover um enxugamento do Estado que, a depender
dele, chegará a 2 trilhões de dólares. “A inflação e as taxas de
juros passaram a ser atribuídas aos altos gastos do governo,
que não foram acompanhados pelo aumento do poder de
compra”, afirma Dan Mallinson, cientista político da Univer-
sidade Estadual da Pensilvânia.

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FADEL ITANI/NURPHOTO/GETTY IMAGES

ALIADO ESTRATÉGICO Ataque em Beirute, no Líbano:


Netanyahu conta com apoio mais incondicional à sua guerra

Trump pretende ainda baixar impostos em geral, de pes-


soas físicas e empresas, além de podar o alcance das agên-
cias regulatórias, medidas que animam os mercados finan-
ceiros. No dia seguinte à eleição, a bolsa de valores abriu
com alta de 1 300 pontos e o dólar subiu em toda parte, es-
caladas que devem perdurar. No longo prazo, o otimismo dá
lugar à preocupação com o impacto de gastos maiores e ar-
recadação menor na delicada situação fiscal do país, que
tem déficit público de 7% e dívida superior a 100% do PIB.
No Brasil, teme-se desde já o impacto negativo do prome-
tido tarifaço no superávit que o país registra na balança co-

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PABLO MARTINEZ MONSIVAIS/A/IMAGEPLUS

“O CARA” Lula com Obama, em 2009: a afinidade


com o presidente americano ficou no passado

mercial bilateral. “O triunfo de Trump põe mais pressão no


governo brasileiro por corte de gastos, já que a alta da moe-
da americana poderia resultar em inflação e subida mais ele-
vada dos juros”, diz o economista André Perfeito. No campo
das relações internacionais, devem pesar os laços ideológi-
cos do presidente eleito com Jair Bolsonaro e com o argenti-
no Javier Milei. Lula, que antes das eleições sugeriu que um
novo mandato trumpista seria “nazismo com outra cara”,
cumprimentou Trump pela vitória e priorizou o diálogo —
que, entre os dois, sempre será relutante, sem um milímetro
da efusividade da relação com Barack Obama, que se referiu

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ao colega brasileiro como “o cara”. Avesso a controles am-


bientais e a acordos internacionais, Trump terá pouco a falar
com Lula sobre questões climáticas, um raro tema em que o
Brasil exerce protagonismo no debate mundial.
Trump, nas interações com outros países, mostrou-se
intempestivo e imprevisível no primeiro mandato, descon-
siderando acordos e parceiros de longa data — e nada indi-
ca que vá mudar de atitude agora, embora a imprevisibili-
dade seja uma de suas marcas. De um lado, ignorou países
na periferia dos Estados Unidos, o Brasil inclusive (mesmo
sendo o parça Bolsonaro seu colega brasileiro na época).
De outro, interferiu, sem um pingo de sutileza, nos assun-
tos de nações na zona de interesse americano. Esse zigue-
zague pode agora ser desastroso para a Ucrânia, que de-
pende do poderoso aliado para enfrentar os invasores rus-
sos. Antecipa-se que o presidente Volodymyr Zelensky se-
rá pressionado a, em nome da paz, ceder os 20% do terri-
tório ucraniano já conquistado pelos russos a Vladimir Pu-
tin, líder autoritário por quem Trump não esconde a sim-
patia. Em Israel, o primeiro-ministro, Benjamin Netanya-
hu, foi um dos primeiros a cumprimentar Trump e cele-
brar sua “volta retumbante”, contando que o presidente
eleito vai apoiá-­lo na guerra atual sem as imposições para
negociar um cessar-fogo e prover ajuda humanitária aos
palestinos, defendidas pelo governo Biden.
Nenhum tema pegou tão bem na campanha trumpista
quanto a promessa de expulsar os 11 milhões de imigrantes

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RICARDO FERRAZ
VOTO PRAGMÁTICO
Manuel Cueva, 42 anos, é um dos muitos homens latinos
que deram a vitória a Trump, apesar dos comentários
xenofóbicos: “Racismo sempre houve, Trump só fala na
cara.Voto em quem melhorar minha vida”.

ilegais no país, na “ maior deportação da história”, que custa-


ria 300 milhões de dólares. Sob a alegação de que bandos de
criminosos entram e agem à vontade, o republicano pretende
enviar forças federais às cidades governadas pelos democra-
tas para “impor a lei e a ordem” e defende o aumento dos po-
deres da polícia, com imunidade contra processos. A proposta
é aprovada inclusive por imigrantes já instalados no país. “É

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preciso haver uma seleção melhor das pessoas que estão vin-
do para cá”, diz Milagro Melendez, 59 anos, nascida em Porto
Rico. No discurso de vitória, Trump atenuou o tom, ao dizer
que “vamos permitir que as pessoas sigam entrando em nosso
país, só que legalmente”.
O autoritarismo do presidente eleito, bem como sua liga-
ção preferencial com autocratas mundo afora, foi ampla-
mente explorado pelos democratas na campanha eleitoral,
aparentemente sem muito efeito, embora a preservação da
democracia esteja no topo das preocupações dos america-
nos, o que talvez contribua para limitar excessos. Seja como
for, o segundo mandato de Trump transcorrerá em um país
decisivamente mais inclinado para a direita. A curva apare-
ce, nítida, no campo da imigração, onde se percebe signifi-
cativa desidratação do consagrado direito de asilo, que di-
tou as políticas de entrada de estrangeiros desde os tempos
da Guerra Fria. Também está cravada no sistema judiciário,
onde a indicação de juízes pelo governo ganhou evidente
contorno ideológico e expandiu os tribunais com viés con-
servador (a começar pela Suprema Corte). “Há um risco
real de que as instituições federais sejam politizadas e per-
cam a neutralidade”, disse a VEJA Anne Apple­baum, auto-
ra do livro Autocracia S.A. “Mas uma ditadura plena é im-
provável, já que no sistema americano os estados têm muito
poder e recursos para desafiar o governo central.”
No campo pessoal, duas indagações incendeiam as re-
des sociais. Uma é se Trump perdoará a si mesmo nos dois

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AARON J. THORNTON/GETTY IMAGES


SÓ SOBROU FERRUGEM Fábrica
abandonada na Pensilvânia: o “muro azul”
que levou Biden à vitória rachou nesta eleição

processos federais aos quais responde, um deles por incitar


os ataques ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021. Outra é se
Melania vai se mudar para a Casa Branca, residência que
já experimentou e decididamente não gostou. Donald
Trump tomará posse no fim de janeiro, provando que na-
da, nem duas tentativas de assassinato, freia o ímpeto do
empresário-político de 78 anos que sonha escrever outros
capítulos na biografia. Na celebração da vitória, declarou-
se — não pela primeira vez — um predestinado: “Deus
poupou minha vida por um motivo, e esse motivo é salvar
nosso país e restaurar sua grandeza”. Traduzindo: pelos
próximos quatro anos, goste-se ou não, ele voltou. ƒ

15 | 15
Telegram: @Clubederevistas
VILMA GRYZINSKI

AUTENTICIDADE:
QUEM TEM, TEM
Público usa sensores além da lógica
para captar sinceridade

COMPLETAMENTE obscurecido pelo grande reality show


da eleição americana, um processo interessante se desenro-
lou na semana passada na Grã-Bretanha: a escolha da pessoa
que vai liderar o Partido Conservador, o mais antigo do
mundo, e recompor sua posição no quadro político para sal-
vá-lo do que parece uma extinção anunciada. Kemi Bade-
noch, a escolhida, teria tudo para perder a eleição final, feita
por cerca de 130 000 membros comuns do partido. Num
país em que se cultivam a contenção e a polidez como forma
de evitar conflitos, ela é brava, briguenta e mercurial, a pon-
to de jornalistas britânicos brincarem de apostar com quem
ela vai perder a paciência primeiro.
Exatamente por causa disso, comprou as brigas mais pe-
rigosas do mundo no momento. Entre elas, contra o silêncio
obrigatório, imposto pelas regras do wokismo, em relação a
intervenções hormonais e cirúrgicas em menores de idade
que decidem querer mudar de gênero. Importante: é proibido
sequer discutir se mudanças tão drásticas são realmente in-

1|3
Telegram: @Clubederevistas

dicadas para todos os casos ou se alguns demandariam tra-


tamento terapêutico para entender todas as dimensões psi-
cológicas envolvidas. Kemi entrou nessa briga como uma
guerreira iorubá, tradição que leva na bagagem como des-
cendente de nigerianos. Transmitiu assim uma mensagem
tácita de autenticidade. Mesmo sob o risco de ser chamada
pelo pior dos insultos do mundo woke, o de transfóbica, to-
mou posições que deixariam outros políticos intimidados.
Essa capacidade de se conectar com o público por ser fiel
a si mesmo é uma mercadoria valiosa no mundo da política.
Amem-nos ou odeiem-nos, Lula e Bolsonaro passam uma
forte impressão de autenticidade — atenção, não significa ne-
cessariamente fidelidade à verdade dos fatos. Ambos che-
gam a chorar em público, o oposto do modelo de masculini-
dade serena e envolta na toga imemorial da autoridade que
se espera dos líderes de nações. Essas características com-

“A capacidade
de se conectar
com o público
é mercadoria valiosa no
mundo da política”
2|3
Telegram: @Clubederevistas

põem o que os americanos chamam, em latim, de gravitas.


Não são, claro, exclusivamente masculinas. Margaret That-
cher era a própria encarnação dela, com seus “olhos de e Stálin

voz de Marilyn Monroe”, na descrição de François Mitter-


rand, com quem ela se dava muito bem.
A incapacidade de transmitir autenticidade, apesar da es-
plêndida embalagem, atrapalhou Kamala Harris numa cam-
panha em que deveria nocautear Trump. Mesmo com mar-
queteiros brilhantes, Harris ficou no meio do caminho entre
qual arquétipo assumir: o maternal, da líder política que cui-
daria do país inteirinho como uma mãezona, ou o da guer-
reira que protege a população dos males da inflação e do
trumpismo. Apesar da relação extremamente flexível com a
verdade, Trump foi fiel a si mesmo: nem um único eleitor po-
de acusá-lo de esconder o jogo.
Seria interessante ver duas mulheres em posições-chave
do mundo anglo-saxão, uma ultraprogressista, como Harris,
outra indomitamente conservadora, como Kemi Badenoch
— ambas, já que é obrigatório lembrar, de origem negra. “Au-
tenticidade significa apagar a distância existente entre o que
você acredita firmemente por dentro e o que revela ao mun-
do exterior”, define o psicólogo americano Adam Grant, ven-
dedor mais refinado no infindável balcão da autoajuda. Foi o
que faltou a Kamala Harris. ƒ

3|3
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GENTE
VALMIR MORATELLI
Com reportagem de Giovanna Fraguito e Nara Boechat

QUEM DISSE QUE FALTA TEMPERO?


Muita gente anda se queixando nos bastidores da Globo da audiên-
cia de Mania de Você, a trama das 9, que não decola. Não é o caso
de GABRIELLY NUNES, mais conhecida como GABZ, 25 anos,
que circula nos corredores da emissora com sorriso de orelha a
orelha. A razão é que experimentou uma ascensão meteórica — de
papéis fugazes e inexpressivos, virou a protagonista do folhetim.
“Venho me preparando a
vida toda para o que está
acontecendo agora. Me
sinto pronta”, diz, resoluta,
a jovem que está, no entan-
to, às voltas com um tre-
mendo desafio: interpretar
uma chef sofisticada, papel
que a obriga a dar uma dis-
farçada na falta de traquejo
com as caçarolas. Fez até
curso no Le Cordon Bleu, a
escola francesa de gastro-
nomia com base no Rio, pa-
ra pegar uns macetes. Mas
reconhece: “Sou boa mes-
INSTAGRAM @GABZ

mo fazendo um frangão
com arroz”.

1|5
Telegram: @Clubederevistas

É A LAMA, É A LAMA
Depois que o rei Charles,
75 anos, teve seu discur-
so interrompido em re-
cente visita à Austrália
por uma senadora de ori-
gem aborígine, que teceu
ácidas críticas sobre o
papel da monarquia britâ-
nica, agora foi a vez do rei
FELIPE VI, 56, e da ra-
inha LETIZIA, 52, passa-
ROBER SOLSONA/EUROPA PRESS/GETTY IMAGES

rem por sufoco. Depois


da pior tempestade em
décadas na Espanha, tra-
gédia que ceifou vidas e
engoliu moradias na pro-
víncia de Valência, eles
decidiram se despencar para lá, mas foram recebidos com pedra-
das e muita lama. Logo pegaram o avião de volta para casa. “Enten-
do a frustração pelo que tenham passado, mas os mecanismos do
Estado estão funcionando”, se pronunciou o rei, passados alguns
dias. Para dar uma suavizada na imagem, o canal oficial da realeza
mostrou algo que menos gente viu: os monarcas abraçando pes-
soas que perderam tudo.

2|5
Telegram: @Clubederevistas

ENFIM, O BEIJO
Quase duas décadas separam a censura da TV Globo ao beijo
gay que BRUNO GAGLIASSO, 42 anos, chegou a gravar (e
nunca foi ao ar) na novela América de seu novo trabalho, a mi-
nissérie Os Quatro da Candelária, da Netflix, que recria a chaci-
na que teve como palco o centro do Rio. Não é de hoje que o
ator se queixa da chance desperdiçada naquela época de ter
abordado o tema de forma franca e explícita. “No dia em que
aquele beijo foi censurado, fiquei triste demais, chorei. A gen-
te tinha gravado sete vezes”, conta. O mundo girou e, agora,
não apenas o beijo dele com outro homem apareceu sem fil-
tros no streaming como ocorreu de maneira muitíssimo enfá-
tica. “A língua era necessária, beijo é beijo. Tinha que ser as-
sim”, defende o ator.
INSTAGRAM @BRUNOGAGLIASSO

3|5
Telegram: @Clubederevistas
RONNY SANTOS/FOLHAPRESS

FOI SÓ SUSTO
Depois que a executiva Daniela Beyruti, 48 anos, assumiu o coman-
do do SBT, as mudanças não param. Em meio a esse clima de incer-
tezas, CARLOS ALBERTO DE NÓBREGA, 88 anos, o mais antigo
funcionário da casa, acabou sendo convocado para uma reunião
com ela. Tomou um susto. “Daniela disse que queria conversar na
minha sala, e a primeira coisa que pensei é que seria mandado em-
bora, mas ela só me elogiou”, contou a VEJA o comediante, aliviado.
À frente do A Praça É Nossa, ele bate o pé que não quer alterações
no tipo de humor que ali pratica há décadas. “É um exagero esse po-
liticamente correto. Não pode mais falar ‘anão’? Imagine: Branca de
Neve e os sete homens de pequeno porte”, zomba ele, cutucando
um daqueles vespeiros que atiçam um polêmico debate sobre o
que, nos dias de hoje, deve servir de fonte para o humor.

4|5
Telegram: @Clubederevistas

VIRA-CASACA
Torcedor do Boca Juniors
desde a infância, JAVIER
MILEI, 54 anos, anda de
mal com seu agora antigo
time. Sob holofotes, o his-
triônico presidente decla-
rou que seu “coração” bate
hoje pelo River Plate, justa-
mente o grande rival do Bo-
ca. A batalha começou com
DIEGO RADAMES/ANADOLU/GETTY IMAGES

um desentendimento entre
Milei e o ex-jogador Juan
Román Riquelme, hoje pre-
sidente do time, que ga-
nhou uma disputa com o
candidato de Mauricio Macri, o ex-ocupante da Casa Rosada, que
era o preferido do atual dono da faixa. No caldo de ressentimentos,
ainda entrou o técnico Fernando Gago, desafeto do descabelado
mandatário. “Deixei de ser torcedor do Boca quando um certo per-
sonagem (Riquelme) voltou e quando surgiu um meio-campista cujo
desempenho era inferior (Gago)”, explicou. A mágoa vem se apro-
fundando de um ano para cá. Ao chegar para votar no pleito do clu-
be, do qual Riquelme acabou saindo vencedor, Milei ouviu de torce-
dores xeneizes: “Ladrão, ladrão!”. Nunca engoliu. ƒ

5|5
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GERAL MATERNIDADE

DOCE RECOMEÇO
Com os avanços da medicina e os recentes arranjos
familiares, uma crescente ala de mulheres
tem decidido voltar a ser mãe na maturidade, uma
experiência que pode ser envolta em mais leveza
DUDA MONTEIRO DE BARROS
INSTAGRAM @GISELE

VIROU MANCHETE
A modelo Gisele Bündchen,
44 anos, que já tem os filhos
Benjamin, 14, e Vivian, 11 (acima),
agora está grávida do namorado,
o professor de jiu-jítsu Joaquim
Valente, 35 (à dir.), pai de primeira
REPRODUÇÃO

viagem. Por ora, ela nada falou

1|8
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A
criação de filhos é daquelas tarefas que envolvem
muitas camadas de afeto e elevadas doses de can-
saço, tamanha a lista dos cuidados com o bebê.
Quem é mãe sabe: são fraldas para trocar, noites
insones em série e incertezas existenciais, sobre-
tudo na maternidade de primeira viagem. Aí eles crescem
e, ops!, o rol de afazeres não cessa, mas muda de tonalida-
de conforme as questões adolescentes se avizinham. É uma
jornada intensa que, normalmente, as mulheres experi-
mentavam em uma única etapa da vida, ao dar os primei-
ros passos para valer na fase adulta — e pronto. Mas, como
tantas coisas que mudaram neste globo que não para de gi-
rar, também essa lógica já não é mais a mesma. Com a
ciência esticando o período em que podem ter filhos — se-
ja pela segurança conferida no pré-natal, seja por avanços
que permitem adiar a gravidez com métodos como o con-
gelamento de óvulos —, um crescente número de mulheres
repete a dose mais tarde, já maduras, e tem 1 milhão de
histórias para contar.
O assunto, que é alvo de pesquisas entre expoentes da de-
mografia e da sociologia mundo afora, veio à luz no Brasil
com a recente notícia de que Giselle Bündchen, 44 anos, está
grávida do namorado, o professor de jiu-jítsu Joaquim Va-
lente, 35, há cinco ou seis meses — tema sobre o qual ela
preferiu silenciar, limitando-se a confirmar a gestação. En-
quanto a barriga desponta, a modelo anda, em paralelo, às
voltas com a educação de Benjamin Rein, de 14 anos, e Vi-

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INSTAGRAM @CAROLINAFERRAZ
O OLHAR MUDOU
A atriz Carolina Ferraz, 56, ao lado das filhas,
Isabel, 9, e Valentina, 29, diz que hoje é uma mãe
muito diferente daquela de duas décadas atrás.
“A maturidade me fez ser mais presente”, conta

vian Lake, de 11, ambos do casamento de mais de uma dé-


cada com o jogador de futebol americano Tom Brady. Im-
placáveis, as redes dispararam: “É velha demais! Vai parecer
avó do filho!” Não acontece só com ela, não. Essa aura de
preconceito ainda ronda mulheres que se aventuram pelo
universo das mamadeiras após os 40 — um contingente que,
segundo o IBGE, expandiu-se 66% em pouco mais de dez

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anos. “Elas se sentem mais livres e enxergam hoje possibili-


dades que eram impensáveis décadas atrás”, afirma a soció-
loga Daniela Rosa, da Unicamp.
Os especialistas no tópico — uma novidade entre várias
nos arranjos familiares modernos — enxergam na opção da
ala feminina que se embrenha pela maternidade quando os
primeiros rebentos já estão mais independentes, e elas pró-
prias se veem alçando seus voos com menos amarras, al-
guns traços em comum. Além do ânimo para recomeçar
anos mais tarde, ter filhos com maior estabilidade financei-
ra e maturidade traz às mulheres mais leveza para enfren-
tar as alegrias e asperezas da função. A contadora Aline
Pinto, 44 anos, ainda estava terminando o ensino médio
quando soube estar esperando Lucas, hoje com 25, do en-
tão namorado, com quem é até hoje casada. A vida deu uma
guinada. “Era inexperiente aos 18, mas fiz o melhor que po-
dia”, lembra. Na beira de chegar aos 40, a carioca decidiu
que era a hora de passar por tudo outra vez. “Fiz exames,
tomei medicações e a ginecologista disse que estava saudá-
vel para engravidar”, conta ela, que se sente mais preparada
agora, como mãe de Ana Carolina, de 4 anos.
Diversas mulheres se queixam do tanto de cobranças que
recaem sobre seus ombros em relação ao modo como criam
a prole. Não é raro para quem é mãe ouvir julgamentos e ver
narizes torcidos diante de questões cotidianas — como lidar
com a manha, quais alimentos vetar do cardápio, como alo-
jar a criança no carrinho — até problemas de mais alta com-

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INSTAGRAM @GPIRESOFICIAL

A GRANDE FAMÍLIA
Gloria Pires, 61, e sua prole de idades variadas:
Cleo, 42, Ana, 24, Anttónia, 32, e Bento, 20
(da esq. para a dir.). A primogênita, a única de
Fábio Jr., é como uma segunda mãe para os irmãos

plexidade, entre eles, que limites impor e como fazê-los vin-


gar. No final, a experiência familiar pode ser de profunda ri-
queza — e libertadora para a mulher. “Com mais idade, é
normal se importar menos com palpites alheios”, pontua a
psicóloga Lidia Aratangy.

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A escolha pela maternidade em fase mais avançada da


vida tem também a ver com uma marca positiva destes tem-
pos — ao contrário do passado, hoje, quando o casamento
vai mal, a união se desfaz, em vez de se arrastar a qualquer
custo. E aí entram em cena muitos enlaces selados após os
40, que podem vir junto com a vontade de construir novo
núcleo familiar. Ocorreu com a advogada Giovana Plantz,
49 anos, que engravidou de Amanda aos 26, depois que su-
biu ao altar pela primeira vez. Após uma década, já separa-
da, conheceu o atual marido, que também tinha um filho
crescido. Bateu então o desejo mútuo de ter um bebê. “Era
para ser um, mas acabaram sendo dois em seguida, no sus-
to. Fiquei desesperada”, confessa ela, que é mãe de Gabriel,
8, e Guilherme, 10. “Apesar de ser cansativo, acho agora
mais fácil. Tenho uma rede de apoio que não havia antes”,
avalia ela, que, honesta, pondera: “Acho que os hormônios
da menopausa provocam uma certa impaciência”.
Sempre que uma celebridade como Gisele faz o assunto
ser tão comentado, outras mulheres se sentem mais à von-
tade para falar. Um dos casos sempre lembrados é o da atriz
Gloria Pires, 61 anos, que engravidou de Cleo, 42, atriz co-
mo ela, aos 19, durante a relação com Fábio Jr. Casada de
novo com o cantor Orlando Morais, teve mais três filhos,
Anttónia, Ana e Bento — o caçula completou 20, uma dife-
rença de mais de duas décadas para a primogênita, que
acaba sendo um pouco mãe. Há um ano, Claudia Raia cho-
cou muita gente ao anunciar, definindo-se “plena e preen-

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ARQUIVO PESSOAL
PROLE DE DUAS UNIÕES
A advogada Giovana Plantz, 49 anos, teve Amanda
(à esq.), 23, assim que se casou pela primeira vez.
Do segundo matrimônio, vieram Guilherme, 10, e Gabriel,
8. “Hoje tenho mais estabilidade e me cobro menos”, diz

chida”, estar grávida aos 56 — o que certamente deman-


dou mais cuidados médicos, conforme estabelece a ciên-
cia, do que quando teve Sophia, de 21, e Enzo, 27. “É um
avanço feminino ter liberdade para escolher o tempo da
maternidade, mas ainda pesam o machismo e o etarismo
contra elas, que têm suas decisões frequentemente questio-
nadas”, observa a socióloga Daniela Rosa.

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Interessante notar que ser mãe em etapas tão distintas


da existência não é garantia nenhuma de ter todas as res-
postas na ponta da língua. A atriz Carolina Ferraz, 56
anos, mãe de Valentina, 29, e Isabel, 9, teve de se redesco-
brir com a chegada da caçula. “Hoje consigo ser mais pre-
sente. Antes, trabalhava demais”, afirmou a VEJA. “As
duas são completamente diferentes. Isabel é uma criança
com outro temperamento. É como se eu estivesse fazendo
tudo de novo pela primeira vez”, resume. Como o mundo
passou por tão radicais mudanças, a relação com os filhos
também precisou se ajustar. “Não dá para achar que repe-
tir a educação dada ao mais velho vai resolver”, enfatiza a
terapeuta Lidia Aratangy.
Outro empurrão à maternidade em dois momentos
tem a ver com a chamada síndrome do ninho vazio —
uma sensação que às vezes faz o peito latejar quando os
filhos vão crescendo e trilhando rumo próprio. A inde-
pendência é desejável, sem dúvida, mas exige dos pais
uma adaptação. E alguns encontram a resposta para a
mudança tendo outro bebê. É verdade que há mais riscos
envolvidos na gravidez depois dos 40, mas a evolução da
medicina está aí para ajudar as mulheres. “Gestar é um
grande esforço para o corpo, e a mulher deve estar com a
saúde física e mental em dia”, ressalta o médico Isaac
Moise, especialista em reprodução humana. Isso posto,
que todas que decidirem se aventurar outra vez tenham
um ótimo recomeço. ƒ

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GERAL SAÚDE

NOVO ROSTO,
NOVA EXISTÊNCIA
Com avanços espetaculares, os transplantes de face se
consolidam como um meio de devolver identidade e
bem-estar a vítimas de graves acidentes e tumores
PAULA FELIX
INSTAGRAM @NYULANGONE

COMPLEXIDADE Força-tarefa: operação pode chegar a


24 horas de duração e envolver mais de 100 profissionais

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HÁ QUASE DUAS décadas, o mundo foi apresentado à no-


va fisionomia da francesa Isabelle Dinoire (1967-2016). Até
então desconhecida, ela ganhou as manchetes depois de ser
atacada pelo próprio labrador, que desfigurou boa parte de
seu rosto, e ter se tornado a primeira pessoa na história a ser
submetida a um transplante facial. Trata-se de uma das ope-
rações mais complexas na medicina — e, não à toa, realiza-
da em pouquíssimos centros mundo afora, nenhum deles no
Brasil. O procedimento de Isabelle foi um salto ousado,
inaugurando um método que, com aperfeiçoamentos e tec-
nologias de ponta, tem devolvido qualidade de vida, autono-
mia e sorrisos a quem estaria condenado a conviver com de-
formidades limitantes. Desde 2005, quando a francesa pas-
sou pela mesa cirúrgica, ao menos cinquenta transplantes
foram feitos em onze países para reconstruir rostos compro-
metidos por acidentes e tumores. E, agora, acaba de ser pu-
blicado o primeiro estudo com um balanço das experiên-
cias. Sua conclusão: a proposta é segura e efetiva à reabilita-
ção dos pacientes, traumatizados física e psicologicamente
por danos a seu cartão de visita.
A cirurgia de Isabelle, que recebeu o nariz, a boca e o
queixo de um doador morto, abriu as portas para um campo
que envolve um nível elevado de refinamento técnico a fim
de interligar ossos, músculos e uma trama de vasos sanguí-
neos. O procedimento facial demanda um suporte intenso já
no pré-operatório: a equipe concebe as intervenções em mo-
delos computadorizados prévios, e o paciente precisa rece-

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REVOLUÇÃO CIRÚRGICA
Triagem para transplante facial é
rigorosa, com uso de tecnologia avançada,
e procedimento pode demorar 24 horas

ANTES DO TRANSPLANTE

Método é indicado a pacientes com


lesões que não podem ser resolvidas
com cirurgias plásticas

O paciente passa por uma rigorosa triagem


de saúde, na qual se verifica se tem câncer,
distúrbios psicológicos ou infecções

São realizados exames de raio X, tomografia


computadorizada e ressonância magnética
para avaliação de ossos e tecidos da face

Pode ser feito um planejamento com moldes


em 3D para guiar o alinhamento de ossos e
parafusos no dia da cirurgia

3|7
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DURANTE A CIRURGIA

Duas equipes de cirurgiões


vão realizar o procedimento

A primeira faz a retirada do tecido


facial do doador enquanto a outra
prepara o receptor

O receptor recebe medicamentos


imunossupressores para evitar
rejeição; as partes do rosto a ser
substituídas são removidas

Os ossos são fixados com


placas e parafusos de titânio

Com auxílio de um microscópio, são


conectados os vasos sanguíneos e nervos

Os músculos do doador são


ligados à face do paciente

Por fim, a pele é costurada

4|7
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DEPOIS DA CIRURGIA

A pessoa pode ficar de uma


a seis semanas no hospital

Nesse período, faz reabilitação


para mastigar, engolir e falar

Mesmo com a alta, precisa continuar


recebendo imunossupressores

Fontes: Cleveland Clinic; Johns Hopkins Medicine;


Mayo Clinic; NYU Langone Health; Yale Medicine

ber todo o suporte emocional de alguém que ganhará o ros-


to de outra pessoa. Mesmo com todas as adaptações anatô-
micas e cuidados para evitar a rejeição dos tecidos, a cautela
é gigantesca, porque, ao contrário de um órgão interno, a fa-
ce poderá ser vista e tocada a todo momento.
Para os médicos, o desafio é assegurar que todos os pas-
sos seguirão o roteiro milimetricamente planejado. “Nosso
trabalho ocorre em espaços pequenos, com muitos nervos
delicados e vasos que precisam ser reconectados para ga-

5|7
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rantir o máximo de funcionalidade possível”, disse a VEJA


Adam Taylor, professor de anatomia da Universidade de
Lancaster, na Inglaterra. Com o avanço das técnicas e dos
recursos, os resultados têm superado expectativas inclusive
em termos estéticos — num processo que vai deixando para
trás o início de recuperação chocante dos primeiros opera-
dos. Prova visível disso é o americano Aaron James, de 46
anos. Sobrevivente de um acidente com cabos de alta ten-
são, ele não só recebeu parte do rosto, como entrou para a
história pelo pioneiro procedimento de transplante total de
globo ocular. Mesmo sem poder enxergar, o olho não sofreu
encolhimento, mantendo pressão e fluxo sanguíneo.
Explorar novas possibilidades é viável graças à integração
de tecnologias como o planejamento 3D e estudos para o uso
da inteligência artificial, que aprimora a triagem de compati-
bilidade entre doadores e receptores. E, se havia receio de que
esses pacientes teriam seus dias abreviados por limitações,
um estudo publicado no periódico Jama Surgery aponta que a
sobrevida em cinco anos chega a 85% e, em dez, a 74%. “A ta-
xa de sobrevivência sugere que essa é uma opção reconstruti-
va de longo prazo”, afirmou Pauliina Homsy, cirurgiã e pes-
quisadora da Universidade de Helsinque, na Finlândia. Con-
tudo, a expansão do método encara grandes obstáculos.
Ainda há escassez de profissionais especializados pelo
planeta e a cirurgia, que pode demorar 24 horas, precisa de
equipes que superam 100 pessoas. Os custos estimados de
um único transplante beiram 350 000 dólares — e somam-

6|7
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DENIS CHARLET/AFP
RECOMEÇO Pioneiros:
o americano Aaron James
HALEY RICCIARDI/NYU LANGONE HEALTH

recebeu parte do rosto e um


olho; a francesa Isabelle
Dinoire foi a primeira
paciente da história

se a esse valor 20 000 dólares anuais de medicamentos para


evitar rejeição. No Brasil, ainda faltam regulamentação e lo-
cais aptos aos transplantes em si, mas ganham terreno os
procedimentos de reconstrução da face que se valem de pró-
teses cada vez mais realistas. “Temos profissionais altamen-
te capacitados, mas é necessário evoluir nos aspectos éticos
e lidar com os altos custos”, diz Clayton Souza, coordenador
de cirurgia plástica e microcirurgia reconstrutiva do Hospi-
tal de Amor, em Barretos (SP). São desafios que a medicina
espera superar para devolver a algumas pessoas a felicidade
que apenas um rosto é capaz de traduzir. ƒ

7|7
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PRIMEIRA PESSOA

ARQUIVO PESSOAL

1|4
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A CIÊNCIA MUDOU
MINHA VIDA
O piauiense Manoel Nunes, 17, fala da trilha que o levou a
conquistar a láurea tida como o Nobel jovem

DESDE PEQUENO, cultivava aquele fascínio pelo funciona-


mento das coisas simples — desmontava brinquedos para en-
tender a função de cada peça e criar algo novo, diferente. Com
essa cabeça, participei da primeira feira de ciências aos 6 anos
e segui investigando o mundo à minha volta. Minhas ideias
chamavam atenção — achavam originais —, mas ficou claro
para mim que precisava extrapolar a sala de aula. Às vezes,
fazia uma pergunta, e o professor vinha com uma resposta va-
ga. Aí criei meu próprio método de aprendizagem, que se so-
mava ao do colégio. Era uma viagem solitária. Não me interes-
savam as fórmulas nem ficar decorando conceitos. Meu gran-
de prazer sempre foi ir atrás dos detalhes. E assim se passaram
os anos — até que recebi em Estocolmo, na Suécia, um prêmio
com o qual tanto sonhava, uma espécie de Nobel da ciência

2|4
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concedido a um projeto dedicado ao estudo sobre a água. A


láurea só me deu mais gás para continuar nessa trilha.
Foi no ensino médio que decidi encarar o universo das
competições científicas para valer. A estreia, porém, foi um
desastre: fiquei em último lugar na primeira feira de ciências
fora da escola. Mas não me desmotivei, não. Passava noites em
claro estudando, a ponto de esquecer de comer. Perdi 10 qui-
los. E minhas necessidades foram crescendo conforme ia me
aprofundando nas pesquisas. Na ciência, quanto mais você
quer, mais caro tudo fica. Para tirar as ideias do papel, precisa-
va de equipamentos, como impressora 3D e computadores
avançados, com que minha família não tinha condições de ar-
car. Nunca recebi apoio financeiro, de empresas nem de go-
vernos. Comecei então a vender rifas e brownies para pôr de
pé meus projetos. E o prejuízo só fez crescer quando passei a ir
a torneios internacionais e bancar as despesas. Até hoje, de-
sembolso dinheiro para estar entre meus pares mundo afora.
De todos, meu mais ambicioso invento foi o Rover Aquático,
um barco de baixo custo, capaz de monitorar a qualidade da
água de forma autônoma e remota. Criei pensando nas comu-
nidades ribeirinhas e no povo Yanomami, que sofrem constan-
temente com a contaminação dos rios. O objetivo era construir
algo que qualquer pessoa pudesse usar, mesmo sem conheci-
mento técnico. O Rover realiza sozinho todo o processo que
normalmente exigiria uma equipe especializada em tratamen-
to de água, com a vantagem de contribuir para o ambiente, pre-
venindo desastres naturais. Passei quase dois anos aperfeiçoan-

3|4
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do o projeto. Foram oito versões antes de chegar ao protótipo


final. Ganhei com ele cinco medalhas de ouro em feiras nacio-
nais e decidi me candidatar ao Prêmio Jovem da Água de Esto-
colmo. Nunca alguém vindo do Nordeste havia vencido a etapa
nacional e representado o Brasil na Suécia. Só faltava enfrentar
os quarenta melhores jovens cientistas do mundo, entre ameri-
canos, chineses e outros excelentes competidores.
Quando meu nome foi anunciado como vencedor, pensei:
“Valeu tudo!”. Como parte do rito, fui convidado para um jan-
tar com a realeza sueca e recebi um diploma assinado pela co-
missão do próprio Nobel. As pessoas me dizem que sou super-
talentoso, mas, honestamente, sei que não sou um gênio. Sou é
dedicado desde muito, muito cedo, e empolgado. O ambiente
que tive em casa, ao lado dos meus pais, também se revelou
decisivo. Eles não apenas sustentaram meus estudos — minha
mãe como manicure e meu pai como cobrador de ônibus —,
mas sedimentaram em mim a ideia de que estava ali a chave
para uma vida melhor. Meu próximo passo é buscar parcerias
com instituições públicas e privadas para que o Rover Aquáti-
co possa ser produzido em larga escala e tenha um papel efeti-
vo na preservação ambiental. Quero cursar engenharia elétri-
ca e me especializar no exterior, onde posso adquirir conheci-
mentos que infelizmente no Brasil, onde ainda se investe pou-
co em ciências, acho que não teria. Depois, o plano é voltar e
dividir o que aprendi. Não troco meu Piauí por nada. ƒ

Depoimento a Sara Salbert

4|4
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GERAL AMBIENTE

PLANTANDO
O FUTURO
Uma radical mudança nas engrenagens da economia
e no modo como as pessoas vivem faz
da Finlândia a mais sustentável nação do planeta
DUDA MONTEIRO DE BARROS, de Helsinque
ISTOCK/GETTY IMAGES

CARTILHA VERDE Criança na escola: aprender a


preservar a natureza é lição ensinada desde o início da vida

1|6
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O OUTONO em Helsinque não é para amadores. Os ter-


mômetros alcançam gélidas temperaturas de um minuto
para outro, fazendo com que a população, habituada que
está à moldura invernal, se cubra sob pesados mantôs ou
se abrigue em uma boa sauna, presente em todas as casas.
Desde o aeroporto, de atmosfera clean, até as sossegadas
ruas da capital finlandesa, avistam-se placas em que em-
presas de ramos variados sublinham sua performance na
redução de emissão de carbono — marca das mais valori-
zadas num país plantado na próspera Escandinávia, ao
norte da Europa, que coloca 100% de suas engrenagens
para trabalhar em prol da tão necessária, e para muitos
ainda tão distante, transição verde. Pois esse naco do glo-
bo encravado entre a Rússia e a Suécia, enaltecido pelos
admiráveis indicadores socioeconômicos, acaba de virar
campeão global em sustentabilidade, segundo um relató-
rio da ONU que serve de espelho às demais nações.
Diante do avanço do aquecimento da Terra, o território
finlandês se converteu em um eficaz laboratório para ex-
perimentos que têm resguardado o ambiente sem frear o
ímpeto inovador. A mais visível mudança de hábitos nas
ruas tomadas de culinária ousada e um pontilhado de lojas
de design é o espírito que rege o dia a dia em todas as fai-
xas etárias — desde o garotinho que faz sua parte na seara
da reciclagem ao lançar dejetos na lata de lixo certa (90%
das garrafas plásticas já são recicladas) até cidadãos que
praticam uma mania nacional: usar roupas, utensílios, li-

2|6
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ED LALLO/GETTY IMAGES
FAZ-SE O SILÊNCIO Bonde elétrico:
adeus ao barulho dos motores em ação

vros, tudo passado de mão em mão num ultrassofisticado


mercado de brechós. Pilotando prestigiadas panelas de co-
bre na capital, o chef Janne Kylmämaa, 36 anos, é um des-
ses radicais seguidores da cartilha verde. Chama a atenção
que, num restaurante tão elegante como o dele, nenhum
talher faça par com outro. “Compro tudo usado, sem com-
binar mesmo, e não desperdiço nenhuma parte dos ali-
mentos, para não gerar resíduos”, explica.
Tal qual seus vizinhos — dois deles, Suécia e Dina-
marca, em segundo e terceiro lugar no mesmo rol de res-
ponsabilidade da ONU —, a Finlândia se guia pela cha-
mada economia circular, baixando ao máximo o desper-

3|6
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dício, reaproveitando tudo o que dá e bolando produtos


não nocivos ao verde, como os veículos elétricos, abaste-
cidos em pontos que se espalham pela cidade. Imagine
um lugar onde não se ouve zumbido de motores a com-
bustão, mas apenas o deslizar das bicicletas e o atrito na
calçada das botas dos cidadãos, afeitos a caminhadas.
A previsão é de que o conjunto da frota se torne verde em
apenas cinco anos — peça central de um bem engendra-
do plano de transição energética que tem como meta a
neutralidade nas emissões de carbono até 2030. Nos
anos 1990, quando sustentabilidade ainda era um vocá-
bulo com muitas letras e pouco significado, a Finlândia
instituiu um imposto sobre o CO2. Quem ultrapassar o li-
mite paga uma taxa ao Estado, indutor de um leque de
políticas que vêm transformando o cenário que, rumo ao
norte, proporciona a beleza da aurora boreal.
Com aportes vultosos nessa transição, dá-lhe substituir
combustíveis fósseis por alternativas limpas — 94% da
energia nacional já vem de fontes renováveis, entre eólica,
solar e nuclear. “Usamos a natureza a nosso favor, aprovei-
tando o que há de abundante por aqui, como o vento”, diz
Berndt Schalin, CEO da Flexens, empresa localizada no
complexo de Kokkola, um dos grandes centros industriais
voltados para inovações energéticas na União Europeia.
Ainda que a diferença de dimensões entre Brasil e Fin-
lândia, com seus 5,5 milhões de habitantes e área 25 vezes
menor, seja abissal, vale observar a fórmula implantada

4|6
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naquelas bandas do Ártico. A existência de vastas flores-


tas une os dois países. No lado finlandês, o desmatamento
é rigorosamente regulamentado e fiscalizado, com méto-
dos de manejo que garantem a regeneração das árvores e a
preservação de regiões ecologicamente vitais. “Quando
cortamos uma árvore, não só a replantamos, como utiliza-
mos todas as partes dela para produzir bioprodutos, como
embalagens recicláveis”, conta Ilkka Hämälä, CEO da
Metsä, companhia de produção de madeira e celulose.
A Escandinávia, que costuma disparar nos rankings de
sustentabilidade, foi a primeira região do globo a ter o es-
talo — precisava agir para livrar sua economia da fuligem
industrial. Em 1991, a Suécia se adiantou e decidiu taxar as
emissões de carbono, algo então sem precedentes. Foi um
passo relevante que, ao envolver altas cifras, estimulou as
energias renováveis. A ideia pegou entre os vizinhos, que
arregaçaram as mangas décadas antes dos demais países
do mundo desenvolvido, inclusive os que estavam logo ali,
na Europa. A estabilidade econômica, sim, foi um fator que
deu gás para que esse pedaço do planeta vigorosamente
abraçasse políticas verdes. E o Estado, em todos eles, se re-
velou estratégico na hora de prover treinamento à mão de
obra dos tempos do carvão que, a partir dali, precisaria
trabalhar sob a nova lógica.
A congelante área em que a Finlândia está fincada vive
uma daquelas situações que rendem imagens estarrecedo-
ras e algo futurista. Situado no extremo norte do país, o

5|6
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Ártico registra elevação de até 10 graus na comparação


com o período pré-industrial, causando incêndios como
nunca antes se viu, degelo e subtração da farta biodiversi-
dade. A mentalidade das novas gerações é toda centrada
na preservação do que permanece lá — uma coleção de
cartões-postais de tirar o fôlego que compõem a identida-
de nacional e, com suas notáveis riquezas, movem comér-
cio e indústria. “Manter a natureza a salvo é certamente o
melhor de todos os recursos”, resume Juha Peltomäki, di-
retor de indústria da organização Business Finland. Eis aí
uma aula que meninos e meninas finlandesas recebem
desde muito cedo, como uma disciplina que integra sua
moderna grade escolar. É uma lição para a vida toda e que
deveria influenciar o resto do mundo. ƒ

Colaborou Ernesto Neves

6|6
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GERAL ARQUEOLOGIA

A MÃE DE TODAS
AS INVENÇÕES
Estudos iluminam a origem da roda, resultado
da necessidade de transporte do cobre pelos
mineiros das montanhas dos Cárpatos há
mais de 6 000 anos MARÍLIA MONITCHELE

QUADRADA? O início de tudo, na pedra: ideia que ganharia


tração com o melhor e mais eficaz dos passos, a colaboração

TETRA IMAGES/GETTY IMAGES

1|6
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ALGUMAS perguntas fundamentais guiam a humanidade.


“De onde viemos?” e “Para onde vamos?”, eis duas indaga-
ções inescapáveis. Embora a origem ou o epílogo de cada um
de nós seja ainda um fascinante mistério, é certo que, na tra-
vessia, em algum momento dependeremos de rodas para per-
correr o caminho. Há milênios, a mãe de todas as invenções é
celebrada como um dos maiores feitos do conhecimento e da
inteligência da espécie, um marco do progresso social e eco-
nômico. Há, porém, uma página em branco na história: quan-
do foi inventada a roda? Agora, uma nova teoria promete, en-
fim, conduzir à resposta de 1 milhão de dólares.
Uma hipótese de longa data indica que a primeira roda
não era bem como a conhecemos, mas sim um disco de olei-
ro, usado para fazer cerâmica, criado na Mesopotâmia por

VAPOR
Os primeiros
exercícios com
veículos movidos
WILLIAM FELTON

a energia: início
do século XIX

2|6
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volta de 4000 a.C. Outra tese sugere o norte da Turquia co-


mo provável berço da invenção. Recentemente, contudo, es-
tudos apontam para as profundezas das montanhas dos
Cárpatos, uma cordilheira de 1 500 quilômetros que se es-
tende desde a República Tcheca até a Romênia. Nessa região
remota, antigos mineradores de cobre teriam desenvolvido
o artefato que faria nascer a civilização. As minas antigas te-
riam sido o ambiente perfeito para a invenção devido às li-
mitações impostas pelos caminhos estreitos por onde o co-
bre deveria ser transportado.
Em artigo recém-publicado na revista Royal Society Open
Science, uma equipe liderada por Richard Bulliet, professor
da Universidade Columbia, fez simulações em computador,
com apoio de inteligência artificial, para explorar os fatores
ambientais que impulsionaram a evolução dos rolos — tron-
cos sem galhos — para as primeiras rodas com eixo. A ideia
foi lançada originalmente por Bulliet em 2016, no livro The
Wheel: Inventions and Reinventions.
O pulo do gato, por assim dizer, do raciocínio: o desen-
volvimento não foi fruto de uma invenção repentina, como
um eureca, mas de um refinamento gradual moldado por
desafios na lida com a natureza. Inicialmente, os minerado-
res criaram ranhuras nos rolos para evitar que as caixas de
minério deslizassem. Em seguida, as extremidades foram
sendo ampliadas, criando uma espécie de “protorroda” com
um eixo central. Finalmente, rodas independentes foram fi-
xadas nas pontas dos eixos, permitindo maior controle e

3|6
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mobilidade. Essa evolução teria acontecido ao longo de


aproximadamente 500 anos.
A técnica de rolos, usada para mover objetos pesados, não
era exclusiva dos mineiros dos Cárpatos, tendo sido emprega-
da em várias civilizações, da Assíria à Fiji pré-colonial. Con-
tudo, nas minas confinadas do Leste europeu, de solo irregu-
lar e extremamente coalhado de pedras, a tecnologia rudi-

AVENTURA REDONDA
Uma pequena história da roda — a peça
que criou a civilização

PR IMITIVA
4000 a.C.

Foi desenvolvida na Mesopotâmia ou nas


montanhas dos Cárpatos para facilitar o
transporte de cargas pesadas. Era feita de
madeira sólida e utilizada em carros simples

4|6
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mentar apresentava muitas limitações. Os mineiros, portanto,


inovaram ao imaginar métodos para aumentar a estabilidade.
Não demoraria, é natural, para que o recurso se expandisse,
conforme escavações de arqueólogos nos Cárpatos e a identi-
ficação de mais de 150 modelos de carroças em quatro rodas.
Os artefatos são atribuídos à cultura Boleráz, que floresceu na
região montanhosa durante a Idade do Cobre — e foi desse
conjunto de descobertas que nasceu a atual conclusão.
A evolução nunca mais cessaria, com a instalação de raios,
atalho para leveza e eficiência, e de máquinas a vapor que fa-
ziam girar os círculos, na gênese das locomotivas, no início do

C OM R AIO S
Entre 2000 e 1200 a.C.

Com o tempo, ela evoluiu, ficou mais leve e


eficiente. Essa inovação permitiu a construção
de veículos mais rápidos e manobráveis,
ampliando seu uso em diversas culturas

5|6
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século XIX. E então brotariam materiais como ferro e borra-


cha (veja no quadro abaixo), que permitiram velocidade e so-
bretudo segurança.
A beleza do trabalho da turma de Bulliet, que não che-
gou exatamente a inventar a roda: ela não foi criação de
um período muito específico ou de indivíduos geniais, mas
sim resultado de colaboração premida pelas necessidades
do cotidiano. “Esse capítulo da história humana vai contra
a crença popular de que as tecnologias surgem abrupta-
mente da epifania de uma mente solitária”, diz Bulliet. As-
sim caminha a humanidade. ƒ

MOD ERNA
Século XIX até o presente

A introdução de materiais como ferro e


borracha possibilitou sua aplicação em
bicicletas, locomotivas e automóveis.
O desempenho e a segurança melhoraram

6|6
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GERAL TECNOLOGIA

SEM RUÍDO NA LINHA


Novos fones da Apple prometem limitar sons
do ambiente e proteger os ouvidos de forma
inteligente, mas não substituirão certos
cuidados com a audição LUIZ PAULO SOUZA

FALE BAIXINHO AirPods Pro 2: a atualização recém-


anunciada pretende revolucionar a proteção sonora

APPLE

1|5
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SE HÁ UM DISPOSITIVO eletrônico que surfa na onda


do minimalismo, este é o fone de ouvido. Cada vez mais
discretos — apesar da convivência com os modelos gran-
diloquentes e chamativos —, eles se popularizaram com os
hábitos digitais e se tornaram uma febre assim que chega-
ram as primeiras versões sem fio ao mercado, em 2016.
Hoje há um leque de opções e marcas à venda, com uma
porção de funcionalidades e preços diferentes, sem falar
nos produtos piratas. O estrondoso fenômeno, contudo,
traz uma preocupação: em um mundo já repleto de polui-
ção sonora, horas e horas ouvindo músicas e podcasts em
alto volume podem contribuir para uma pandemia de per-
da auditiva. O alerta não parte só dos pais, cônjuges e cole-
gas de trabalho: vem da Organização Mundial da Saúde
(OMS), segundo a qual cerca de 1,5 bilhão de pessoas so-
frem com o problema no planeta. O envelhecimento tem
sua parcela de culpa no cartório, mas os especialistas ba-
tem na tecla de que os fones estão deixando os ouvidos sob
pressão. É a fim de atender a essa demanda de cuidados
que a gigante Apple, uma das responsáveis pelo estouro
desses produtos, aprimorou sua última geração de apare-
lhos. O principal ativo: zelar pela audição do usuário.
A atualização foi implementada no modelo AirPods Pro
2, o mais avançado entre os fones intra-auriculares da em-
presa, comercializados no Brasil por exatos 2 599 reais. O
equipamento em si não é novo. A versão foi lançada há dois
anos, mas, desde então, tem recebido uma sequência de lapi-

2|5
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SONY
QUASE LÁ Sony CRE-E10: dispositivos
over the counter democratizaram o acesso

dações. Na mais recente, do fim de setembro, os recursos de


proteção auditiva foram implementados. Além de reduzir o
ruído ambiente para resguardar células sensíveis no ouvido
interno — em um show de rock ou na barafunda de uma fei-
ra ou de um shopping, por exemplo —, o gadget permite rea-
lizar um teste validado clinicamente para checar a capaci-
dade de ouvir e, ao modular as ondas sonoras de interesse,
promete servir como uma espécie de aparelho auditivo para
pessoas com perdas leves ou moderadas.
Profissionais de saúde ficaram divididos com o anúncio
da Apple. Há quem aponte o risco de usuários com déficit au-

3|5
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ditivo deixarem de pro-


curar um médico e ba-
nalizar o teste em subs-
tituição aos exames de
audiometria, feitos em
clínicas especializadas.
Mas há os otimistas.

ISTOCK/GETTY IMAGES
“Recursos como esse
vão ajudar pessoas que
não buscariam ajuda a SOB PRESCRIÇÃO Aparelhos
perceber que têm al- personalizados: os melhores
gum grau de perda au- modelos esbarram em preços altos
ditiva”, diz a fonoaudió­
loga Ingrid Gielow, da Sociedade Brasileira de Fonoaudiolo-
gia. Para ela, no entanto, o diagnóstico não deve se restringir
à avaliação conduzida pelos fones e pelo celular. Só a análise
com um especialista conseguirá distinguir a causa do proble-
ma e, consequentemente, propor a melhor solução.
Outra ponderação tem a ver com o fato de que dispositi-
vos como os da Apple não são capazes de substituir plena-
mente os aparelhos auditivos prescritos. A tecnologia até
permite adaptações úteis a quem tem deficiências mais
brandas, assemelhando-se a uma categoria de aparelhos
de audição chamados de over the counter, como o
CRE-E10, da Sony, e o Tala, da marca Lucid. Eles costu-
mam quebrar o galho por serem mais baratos que os dis-
positivos de ponta prescritos — cujo preço pode variar de

4|5
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3 000 reais a 40 000 reais — e por poderem ser configu-


rados com qualquer smartphone. Mas não se equiparam
aos modelos prescritos para perdas mais significativas e
surdez. “Esses são personalizados de acordo com as ne-
cessidades do paciente”, diz Gielow. Não à toa, exigem
visitas ao especialista para definir tanto o formato quan-
to as frequências que serão amplificadas.
As atualizações dos AirPods Pro 2 ainda aguardam
autorização da Anvisa para chegar ao Brasil, mas quem
testou lá fora já percebeu limitações. Além de as funções
só estarem disponíveis quando conectados a equipamen-
tos Apple, como iPhone e iPad, eles ainda não são tão
apurados quanto os dispositivos over the counter, e sua
autonomia é de apenas algumas horas até uma recarga.
Mas isso está longe de significar que as novidades não
sejam bem-vindas. Conhecida pelo pioneirismo, a Apple
tem fama de aprimorar constantemente suas criações. É
provável, portanto, que as próximas gerações, turbina-
das pela inteligência artificial, sejam mais eficientes, sem
falar na corrida dos concorrentes para desenvolver pro-
dutos parecidos. “Isso deve trazer maior visibilidade aos
cuidados auditivos”, afirma Gielow. Ainda assim, não
basta um fone possuir funcionalidades como cancela-
mento de ruídos do ambiente. O usuário tem um papel a
cumprir, seja baixando o volume e dando descanso aos
ouvidos, seja procurando um profissional se o mundo co-
meçar a ficar silencioso demais. ƒ

5|5
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GERAL MODA

PERNAS
COLORIDAS
Vermelho, azul...
Uma imensa paleta
de tonalidades vivas
de meias-calças
invadiu as passarelas,
as ruas e as redes sociais,
em interessante
renascimento fashion
SIMONE BLANES

RUBRA Kendall Jenner:


o vermelhão para
chegar e aparecer

INSTAGRAM @KENDALLGLOBE

1|5
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ELA NÃO COSTUMAVA


errar. A estilista Coco
Chanel disse certa vez, em
meados do século passado,
que “a moda que não chega
às ruas não pode ser cha-
mada de moda”. Estava cer-
ta. E nada mais onipresente
nas calçadas urbanas (e nas
redes sociais, claro, claro)
ANWAR HUSSEIN/GETTY IMAGES

do que a meia-calça. As
clássicas, pretas e nude, são
indispensáveis. Mas há uma
novidade transformada em ESCÂNDALO
tendência: a variedade de Diana, em 1985: mercurial
peças coloridas, principal- quebra de protocolo
mente em tons de verme-
lho. Muita gente torceu o nariz — e pensou que não prospera-
ria —, até porque não é declaração fashion totalmente inédita.
Mas basta olhar para baixo, e pernas para que te quero.
Deve-se ressaltar que usá-las não é arma contra temperatu-
ras mais baixas. Valem também no calor, porque o que im-
porta, hoje, é o estilo. Provocam, chamam a atenção, fazem
rir quando necessário. Combinam com tudo, e às favas as
regras rígidas do bom gosto. “Elas são as protagonistas nas
produções de moda”, diz o stylist Dudu Farias, que veste a
top model Renata Kuerten.

2|5
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VIRAL
Dua Lipa: aposta
em tom nude
azulado nas
redes sociais,
e onde mais
seria?

FACEBOOK @DUALIPA

Dito de outro modo: como se adequam a várias posturas e


tipos de corpos, incorporam questões atuais como a diversi-
dade. Também são versáteis, práticas, acessíveis, cabem em
qualquer lugar, não custam caro e, de fato, deixam as pernas
mais bonitas, ao alongar as silhuetas. Rapidamente foram
abraçadas pela geração Z, de jovens com até 30 anos de idade,
namorados do visual meio hipster, meio indie dos anos 2000.
Musas como Kendall Jenner, Dua Lipa, Jenna Ortega e Manu
Gavassi aparecem vestidas da cintura para baixo de arco-íris.

3|5
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Como sempre, para entender a onda, é bom o olhar his-


tórico. Originadas do guarda-roupa masculino, as meias-
calças não tinham a função de aquecer as pernas nem res-
saltar a moda. Eram utilizadas para distinção social, com
a nobreza vestindo seda e os plebeus, algodão. Passaram a
ser exclusivas do guarda-roupa feminino em meados do
século XIX, e ganharam força na Era Vitoriana (1837-
1901), quando as pernas femininas passaram a ser vistas
pela ótica do desejo. Anos mais tarde, foram potencializa-
das pelo apelo fetichista de modelos de renda e “arrastão”
usados por estrelas como Elizabeth Taylor (1932-2011) e
Marilyn Monroe (1926-1962).
As coloridas e as estampadas já nasceram polêmicas, nas
pernas das melindrosas no pós-guerra dos “loucos” anos
1920, só virando acessórios
de moda na década de 1960,
combinadas às minissaias
criadas por Mary Quant e
disseminadas pela modelo
Twiggy. Ruído mesmo hou-
ve em 1985, quando a prin-
cesa Diana resolveu apostar
em um look monocromático
com meias-calças rubras —
ESCARLATE
INSTAGRAM @MANUGAVASSI

e quebrou o protocolo sóbrio


A atriz e cantora Manu
da realeza britânica. Sendo
Gavassi: pegando fogo
ela um incontornável ícone

4|5
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NAS PASSARELAS:
Miu Miu: das cidades para
os desfiles, e vice-versa

de moda, abriu de vez as portas


para a ousadia das meias ultra-
coloridas levadas às passarelas
da Versace e Dolce&Gabbana, na
década de 1990, e Gucci e Lan-
vin, nos anos 2000. Recente-
mente, voltaram a ganhar os ho-
lofotes pela personagem de Lei-
ghton Meester, Blair Waldorf,
na série Gossip Girl, e nas cole-
ções da Miu Miu, em 2022, e
Chanel, em 2023, além da on-
da que inundou Copenhague,
Londres e Paris durante as se-
manas de moda. De lá para
cá, o sucesso — e a paleta —
só aumenta. E as peças vão
continuar firmes e fortes para os
próximos meses, sem mostrar ne-
nhum sinal de desaceleração. Tal
como previu Chanel: as meias-cal-
ças coloridas brilham porque são,
MIU MIU

digamos, democráticas. ƒ

5|5
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CULTURA TELEVISÃO

JORNADA DO HERÓI
Ídolo eterno e trágico da Fórmula 1, Senna será
retratado na ficção pela primeira vez em uma minissérie
da Netflix — uma grande aposta da plataforma, que
investiu alto em busca do público global
AMANDA CAPUANO

PROTAGONISTA
O ator Gabriel
Leone, sobre
interpretar a lenda
das pistas: “Foi o
maior desafio
e a maior honra da
minha carreira”

FOTOS NETFLIX; KURT ISWARIENKO/NETFLIX

1|6
Telegram: @Clubederevistas

E
ra manhã no Brasil quando o tricampeão Ayrton Sen-
na (1960-1994) largou da pole position no GP de San
Marino, em Ímola, na Itália. Naquele 1º de maio de
1994, caso vencesse a corrida, ele planejava homena-
gear o austríaco Roland Ratzenberger (1960-1994),
que havia morrido após uma batida na classificação do dia
anterior. Mas a bandeira da Áustria que carregava consigo
nunca foi balançada: na sétima volta, a Williams de Senna
passou reto pela curva Tamburello, lançando o carro sem
controle contra o muro. O choque a mais de 200 quilômetros
por hora foi fatal, fazendo de Ayrton a segunda vítima de um
final de semana lembrado como o mais trágico da Fórmula 1.
Três décadas depois, as histórias dos domingos vitoriosos
de Ayrton Senna, assim como a do trágico acidente que ceifou
ALEXANDRE SCHNEIDER/NETFLIX

INÍCIO Infância com o pai: produção


relembra as primeiras aceleradas no kart

2|6
Telegram: @Clubederevistas

sua vida aos 34 anos, continuam sendo relembradas para os


velhos e novos fãs, das mais diferentes formas e nas mais dife-
rentes plataformas. O mais novo produto do gênero é a minis-
série Senna, que estreia no dia 29 de novembro na Netflix. Fic-
ção baseada na história real, ela conta com Gabriel Leone na
pele do piloto. “A F1 tem dezenas de ídolos, mas só um herói.
Explicar como Senna se tornou essa figura, dentro e fora do
Brasil, é nosso desafio”, disse o diretor Vicente Amorim du-
rante uma visita de VEJA ao set de filmagem, em São Paulo.
Figura de adoração de nomes como o heptacampeão in-
glês Lewis Hamilton — que, no final de semana passado, pi-
lotou em Interlagos a lendária McLaren com a qual o brasilei-
ro foi bicampeão em 1990 —, Senna já teve a vida vertida em
diversos documentários, mas é a primeira vez que ganha as
GUILHERME LEPORACE/NETFLIX

TECNOLOGIA No set: simulador e


telões deixam cenas mais imersivas

3|6
Telegram: @Clubederevistas

telas em uma dramatização. “Foi o maior desafio e a maior


honra da minha carreira”, conta Leone, que fez uma prepara-
ção intensa nos karts para interpretar o piloto — recentemen-
te, o mesmo ator deu vida a outro automobilista, Alfonso de
Portago (1928-1957), no filme Ferrari. O interesse em levar
Senna para as telas, no entanto, é antigo, até mesmo em
Hollywood: há mais de dez anos, um filme que teria Antonio
Banderas como protagonista chegou a ser negociado, mas foi
barrado pela família, que não teria controle sobre a produção.
Agora, o cenário é diferente: a Net­flix contou com o apoio
oficial e, com a consultoria dos responsáveis pelo legado de
Senna, a série deve correr dentro dos limites da pista, refor-
çando a imagem do herói nacional. Extremamente talentoso
e competitivo, Senna é reverenciado como um dos maiorais
ALAN ROSKYN/NETFLIX

RIVAIS Hugo Bonemer


como Piquet (acima) e
Matt Mella no papel de
Prost: elenco reforçado

ALAN ROSKYN/NETFLIX

4|6
Telegram: @Clubederevistas

da história da F1. Conquistou o tricampeonato da categoria e


protagonizou rivalidades históricas, como aquela com o fran-
cês Alain Prost. A busca obstinada pela vitória e o gosto pelo
perfeccionismo lhe renderam fãs no Brasil e no resto do mun-
do, mas também algumas antipatias. “Ele, assim como todos
nós, tinha seus defeitos e contradições, mas vivia no limiar do
que o esporte pedia”, reflete Amorim.
A produção é a mais ambiciosa já feita pela Netflix brasi-
leira e exigiu uma estrutura gigantesca, com atores de dezes-
seis países e cenas gravadas na Argentina, no Uruguai e na Ir-
landa do Norte, além do Brasil. No total, 22 réplicas dos car-
ros de Senna e dos adversários foram construídas — mas a
demanda era de mais de oitenta, fazendo a equipe apelar tam-
bém para o digital. No figurino, foram 100 macacões e cerca
de 17 000 pessoas envolvidas — fora uma equipe de efeitos
visuais de cerca de 600 pessoas. “A tecnologia de produção
virtual é algo que a gente já usa há algum tempo, mas não
com essa complexidade”, explica Marcelo Siqueira, um dos
chefes desse setor da produção. Exemplo disso, as cenas de
corrida são uma conjunção de três camadas: parte delas foi
gravada na pista, com pilotos de verdade. Depois, takes deta-
lhados, como as trocas de marcha, pisadas no freio e giros do
volante, foram filmados em estúdio.
Na visita de VEJA ao estúdio em São Paulo, Leone rodava
uma prova em Mônaco, um dos palcos preferidos de Senna.
Para a filmagem, uma réplica do chassi da McLaren foi posi-
cionada sobre uma plataforma, criada pela equipe da série,

5|6
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SPORTS PRESS PHOTO/FOTOARENA/AGÊNCIA O GLOBO

IDOLATRIA Lewis Hamilton: heptacampeão


inglês tem Senna como inspiração

que simula os movimentos da corrida. A parafernália era sin-


cronizada com animações digitais em 3D da pista, feita em
um programa comum na produção de jogos, o Unreal. Desen-
volvida a partir de registros históricos, a reprodução digital
bruta dos circuitos levou cerca de três meses para ser feita. As
animações foram projetadas em telões de LED posicionados
ao redor do carro, formando uma espécie de caixa imersiva.
“A gente marca na plataforma um ponto em que quer um aci-
dente, por exemplo. Na hora da ação, o cenário começa a ro-
dar e, quando tem o choque, a plataforma reproduz o movi-
mento”, explica Siqueira. O conhecimento desenvolvido po-
derá ser usado em projetos futuros, como, por exemplo, em
filmes ambientados no mar, com barcos. Por ora, todo o es-
forço realizado até aqui já se justificaria pela importância do
projeto Senna. De carona nessa produção caprichada, a mi-
nissérie tentará dar a bandeira de largada ao esforço de trazer
de volta a sensação de alegria que contagiava fãs com as ma-
nobras e vitórias do campeão. ƒ

6|6
Telegram: @Clubederevistas
CULTURA TELEVISÃO
DIVULGAÇÃO

AMOR PROIBIDO Tita e Pedro: o casal


é separado em melodrama mexicano

TEMPERO LATINO
Produzida por Salma Hayek Pinault, a
minissérie Como Água para Chocolate mistura
romance, crítica social e realismo mágico em
uma trama sob medida para os fãs de novelões

1|3
Telegram: @Clubederevistas

NA DÉCADA de 1990, aos


20 e poucos anos, a atriz Sal-
ma Hayek se mudou do Mé-
xico para os Estados Unidos
com o intuito de investir na
carreira internacional. Sob a
sina que atinge boa parte dos

TAYLOR HILL/GETTY IMAGES


imigrantes, ela penou para se
adaptar ao novo país e à nova
língua. O conforto e o incen-
tivo para persistir vieram do RECEITA Salma:
sucesso do filme Como Água “Gostamos de intensidade,
para Chocolate (1992), adap- de paixão e de drama”
tação do livro de mesmo no-
me, da autora mexicana Laura Esquivel. O longa, falado ma-
joritariamente em espanhol, ajudou a furar a bolha da resis-
tência americana e europeia com tramas latinas e ganhou in-
dicações ao Globo de Ouro e ao Bafta. Hoje, aos 58 anos,
bem-sucedida e assinando com o sobrenome do marido, o
magnata francês François-Henri Pinault, a atriz e produtora
lança uma nova adaptação do título em formato de minissé-
rie com seis episódios na HBO e na plataforma Max. “Eu
amo o livro, é muito sensual”, disse Salma a VEJA. “É sobre
tradições e família. Elas podem ser nocivas, mas também po-
dem nos fazer mais fortes”, completou a mexicana.
Do filme Frida (2002), no qual ela também atua como
protagonista, até Como Água para Chocolate, Salma usa

2|3
Telegram: @Clubederevistas

sua influência e habilidade narrativa para iluminar histó-


rias de seu país natal. Nos últimos anos, ainda mais envol-
vida com os bastidores do que com a atuação, ela ganhou
o empurrão das plataformas de streaming, as quais reco-
nhecem quão populares são os melodramas latinos. “Nós
gostamos de intensidade, de paixão e de drama. Provavel-
mente porque nossos países passaram por muitos sofri-
mentos”, teoriza Salma.
Cheia de reviravoltas, como um novelão mexicano raiz, a
minissérie segue Tita (Azul Guaita), que é apaixonada por
Pedro (Andrés Baida), mas impedida de casar com ele por
sua mãe, Elena (Irene Azuela), que sempre a rejeitou e escon-
de o motivo por trás desse desprezo. A matriarca viúva alega
que, pela tradição, sua filha caçula deve ficar solteira para
cuidar dela até sua morte, e sugere que o mocinho se case
com Rosaura (Ana Valeria Becerril), a primogênita. O galã
aceita para poder ficar perto de Tita, mesmo que isso signifi-
que fazer a amada sofrer amargamente o peso de vê-lo casa-
do com sua irmã. Com a Revolução Mexicana (1910-1917)
como pano de fundo, a produção ainda fala sobre desigual-
dade social enquanto ganha toques de realismo mágico: a
protagonista possui o dom de passar suas emoções para as
receitas que prepara, seja amor, seja tristeza, e, por conse­
quên­cia, para quem prova sua comida. Para quem gosta de
um bom tempero latino, eis aí um prato cheio. ƒ

Kelly Miyashiro

3|3
Telegram: @Clubederevistas
CULTURA MÚSICA

A FARIA LIMA É SHOW


Vindo do mercado financeiro, o empresário
Pepeu Correa criou a 30e em plena pandemia
— e fez dela uma das maiores produtoras de
espetáculos do Brasil FELIPE BRANCO CRUZ

CAIXA
Pepeu: 270 milhões de
reais de investidores
para abrir o negócio
LINCOLN IFF

1|5
Telegram: @Clubederevistas

DENTRO DO CLUBE fechado que costuma ser o mer-


cado de produção de grandes shows no Brasil, um “in-
truso” começou a chamar a atenção. Vindo do mercado
financeiro, o empresário Pepeu Correa, de 36 anos, ten-
tou a sorte no ramo em 2021, fundando em São Paulo a
30e. Em poucos anos, ela se tornou uma das maiores for-
ças no ramo, à frente de concorrente nacionais como a
T4F e até o braço brasileiro da Live Nation. O salto da
30e veio com a turnê Titãs Encontro, que reuniu os sete
músicos da banda em 2023 e se tornou a mais bem-suce-
dida daquele ano. “Após uma tentativa frustrada de reu-
nir o Sepultura, eu pensei: ‘Qual outra banda poderia re-
tornar?’. Os Titãs sempre foram grandes vendedores de
ingressos”, afirma Pepeu. Apostar na nostalgia, aliás, foi
uma boa sacada. Ele investiu em nomes que pareciam
pálidos, mas se revelaram capazes de arrebanhar multi-
dões, como Natiruts e NX Zero. Na seara internacional,
trouxe Kendrick Lamar, Lana Del Rey e Mariah Carey.
Até dezembro, a empresa se consolida de vez como a
maior produtora de espetáculos internacionais neste ano
no país com apresentações do rapper americano Chris
Brown e do cantor Lenny Kravitz.
A primeira investida na produção de show surgiu na
adolescência, quando Pepeu enxergou o grupo Village
People, um dos ícones da disco music dos anos 1970, co-
mo uma possível mina de ouro. Famosa por músicas co-
mo Macho Man, coreografada pelos integrantes vestidos

2|5
Telegram: @Clubederevistas
MARCOS HERMES

como ícones da masculinidade, entre eles, um índio, um


operário, um policial e um cowboy, a trupe cultuada pela
cena gay havia acabado de retornar aos palcos. Sem expe-
riência no mercado de entretenimento — mas com um
providencial aporte financeiro de seu avô, o renomado
publicitário Petrônio Correa (1928-2013) —, Pepeu con-
tratou a banda para sete apresentações no Brasil em 2008.
Na época com 19 anos, ele embarcou com a trupe em um
ônibus e precisou lidar com empecilhos como um chilique
de um dos cantores e uma tentativa de fuga da prisão em
Tremembé, que quase cancelou uma apresentação.

3|5
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@JU_ /@PRIDIABR/DIVULGAÇÃO

ARIEL MARTINI/DIVULGAÇÃO

LOTAÇÃO MÁXIMA
Turnê Titãs Encontro (ao lado); Mariah Carey e Lana
Del Rey em São Paulo (acima): apostas da empresa
passam pelo apelo da nostalgia até a busca por
astros internacionais com demanda nacional

Por essas e outras, o sonho de fazer carreira no show-


biz ficou adormecida durante um bom tempo. Pepeu en-
trou para o mercado financeiro como sócio da gestora de
investimentos Centuria, no coração da Faria Lima, em
São Paulo, mas o interesse pelo mundo artístico permane-
ceu. O retorno aos shows ocorreu na pandemia, em 2021,
quando ele apostou que poderia surfar na demanda repri-
mida por apresentações após a retomada dos eventos pre-
senciais. Assim nasceu a 30e. “A sociedade passa por re-
voluções de trinta em trinta anos”, diz Pepeu, explicando
o nome escolhido. Com a expertise do mercado financei-

4|5
Telegram: @Clubederevistas

ro, atraiu 270 milhões de reais em investimentos para ini-


ciar a operação e, rapidamente, colocou a empresa entre
as maiores do ramo no país. “Hoje temos investidores so-
brando. É um mercado ‘sexy’”, garante.
O modelo de negócios da 30e é de produzir eventos
em série. Nessa linha de produção, shows de grande su-
cesso acabam compensando as apostas menos rentáveis.
A estratégia tem dado resultado. Desde 2022, já gerou re-
ceitas de 1,4 bilhão de reais. Devido a esse ritmo acelera-
do de produções, de palco em palco, alguns tropeços aca-
baram acontecendo. No início de 2024, Ivete Sangalo e
Ludmilla romperam com a 30e, dizendo que a produtora
não entregou o que prometeu: ambas planejavam giros
gigantescos em estádios pelo país. “O planejamento foi
mesmo muito otimista”, reconhece Pepeu. Também en-
frentou uma tragédia que, infelizmente, ainda é comum
no meio: no festival I Wanna Be Tour, um jovem morreu
eletrocutado ao encostar em um food truck na chuva. Os
protocolos de segurança da empresa, então, foram revis-
tos, garante o criador e CEO da 30e.
Para 2025, ele quer realizar 300 eventos para um públi-
co de aproximadamente 5 milhões de pessoas — plano a
ser financiado por um fundo de 150 milhões de reais criado
para ajudar fornecedores fora do eixo Rio-São Paulo. A
grande aposta da companhia para o próximo ano será a
turnê de despedida de Gilberto Gil. Com a bilheteria cada
vez mais recheada, o show não pode parar mesmo. ƒ

5|5
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CULTURA LIVROS

O UNIVERSO
EM DETALHES
Autora de livros enxutos e reflexivos, a americana
Sigrid Nunez celebra o novo momento na carreira
após adaptação de Pedro Almodóvar que originou
O Quarto ao Lado RAQUEL CARNEIRO
MARLEEN MOISE/GETTY IMAGES

ESTILO A autora: ficção e ensaios se mesclam em obra


que vai de situações comuns a análises sobre a existência

1|4
Telegram: @Clubederevistas

QUANDO AS RESTRIÇÕES do isolamento da pande-


mia diminuíram, no fim de 2021, a escritora americana
Sigrid Nunez escolheu desfrutar a volta à normalidade
indo ao cinema. O filme era Mães Paralelas, do diretor
espanhol Pedro Almodóvar, estrelado por sua musa fa-
vorita, Penélope Cruz. Ao retornar para casa, Sigrid
abriu o computador e se deparou com um e-mail da pro-
dutora do cineasta, dizendo que ele estava interessado
em adquirir os direitos de adaptação de um de seus li-
vros. “Achei que era um golpe, foi muita coincidência”,
relembrou a autora em entrevista a VEJA.
Não era golpe. Almodóvar se encantou pelo livro O
que Você Está Enfrentando, publicado no Brasil pela
editora Instante, que narra, entre várias histórias, o en-
contro de uma escritora com uma amiga do passado que
sofre de uma doença terminal. A adaptação resultou no
filme O Quarto ao Lado, vencedor do Leão de Ouro no
Festival de Veneza e forte candidato ao Oscar de 2025.
Enquanto celebrava o sucesso do longa, Sigrid dividiu a
atenção com outro filme baseado em sua obra: elogiado
no Festival de Toronto, O Amigo adapta o livro de mes-
mo nome no qual uma mulher, vivida por Naomi Watts,
se vê obrigada a cuidar do cachorro do amigo que come-
teu suicídio. “Foi uma daquelas estranhezas da vida”,
diz Sigrid, que tem 73 anos e uma carreira de três déca-
das — ofício feito em paralelo com o de editora e de pro-
fessora universitária.

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MATT WINKELMEYER/GETTY IMAGES

RECONHECIMENTO Almodóvar:
filme premiado com o Leão de Ouro

Filha de imigrantes (a mãe era alemã e o pai, sino-pa-


namense), Sigrid cresceu em Nova York, onde ainda mo-
ra, em um clima de caos cultural: seus pais continuaram
fiéis aos hábitos e línguas originais — e, apesar das raízes
latinas, o pai se identificava mais como chinês. Ela se re-
fugiou nos contos de fadas e tomou gosto pela ficção —
substrato da arte no qual a ordem das coisas pode ser
subvertida pela pena do autor. “Me inspiro na minha rea-

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lidade, mas não faço autoficção”, afirma. Em comum, suas


tramas envolvem escritores e o ato da escrita, o que lhe
abre a possibilidade de permear a história com opiniões de
tom ensaístico e reflexões poéticas sobre a vida. Seus li-
vros são enxutos, e a ação se dá a partir de eventos aparen-
temente banais recheados de pequenos detalhes, como o
tamanho do cachorro de O Amigo, um dogue alemão, que
perde o tutor e deve viver num apartamento de 50 metros
quadrados; ou a cor rosada da neve vista pela janela do
hospital — e que faz aquele dia ter valido a pena na agenda
da mulher terminal.
Espécie de trilogia emocional, O Amigo (2018) e O que
Você Está Enfrentando (2020) se completam com Os Vul-
neráveis (2023), que chegou recentemente ao Brasil. Ne-
le, uma mulher mais velha, um jovem universitário e um
papagaio são obrigados a conviver no lockdown. “A mor-
te e a amizade são assuntos que, na maturidade, começa-
ram a chamar mais minha atenção”, diz a autora. O mes-
mo efeito ela vê em Almodóvar. Com 75 anos, o cineasta
fez de O Quarto ao Lado seu filme mais contido e intros-
pectivo. “É claramente a obra de uma pessoa mais velha”,
analisa Sigrid. A escritora não se envolveu com o roteiro.
Sua participação foi restrita a uma conversa inicial com o
diretor e, meses depois, com a atriz Julianne Moore, que
viu na autora um espelho para sua personagem, uma es-
critora com medo da morte e adepta da filosofia de que a
vida mora nos detalhes. ƒ

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WALCYR CARRASCO

LÁGRIMAS DE
CROCODILO
Cuidado com o amigo interesseiro:
ele pode lhe dar uma rasteira

AMIZADE PURA e sincera era um sonho da literatura


romântica. Nos grandes clássicos, muitas vezes são exalta-
das duas pessoas que não se largam, até vivem vidas para-
lelas. Os tempos mudaram, a inocência perdeu seu lugar.
Frequentemente, amigos íntimos são namorados fogosos,
que disfarçam a situação. Bentinho e Escobar, em Dom
Casmurro, por exemplo, são tão próximos a ponto de cau-
sar dúvidas. Bentinho estava com ciúmes de Capitu ou, na
verdade das verdades, do próprio Escobar? Que me per-
doem os acadêmicos, mas quem traiu quem? Fato: essa tal
amizade de não se largar nunca abre espaço para outras
interpretações. Inclusive na vida real.
Não existe mais aquele laço do passado, fiel, a ponto de
um cuidar da família do outro em caso de morte. Essa ami-
zade idílica foi substituída por um duro realismo. Para subir
de cargo, uma pessoa detona a outra sem piscar. Pior: ami-
gos demitem amigos e ainda dizem que se lamentam.
A vida ficou mais difícil, raras são as amizades eternas.

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Faz pouco tempo faleceu uma amiga de infância. Foi ela


quem me emprestou os primeiros livros, pois seu pai era
professor. Senti um aperto no coração. Não só por sua pas-
sagem. Mas por pensar em tudo que poderíamos ter vivi-
do, se tivéssemos nos esforçado para manter a ligação.
Mas eu mudei para São Paulo, ela para o Rio de Janeiro,
Brasília... Perdemos o contato.
Mas o pior é aquele suposto amigo que vive próximo,
compartilha nossas vidas e quer beber nosso sangue.
É aquela pessoa que, de fato, queria viver minha vida.
Quando se dá o rompimento, muitas vezes por uma boba-
gem, tudo vem à tona. O que eu não fiz que na sua opinião
devia ter feito? No meu caso, especificamente, sempre me
cobram arrumar trabalho em novela. Mas para outras

“Não existe mais


aquele laço do
passado, a ponto
de um cuidar da
família do outro
no caso de morte”
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pessoas, é a exigência de cargo na empresa, de indicação


para algum lugar poderoso. Sempre fico surpreso — nem
sequer imaginava que aquela pessoa desejava aquele lu-
gar. Na maioria das vezes, nada em seu currículo indica-
ria aquele caminho profissional. Ainda mais: caso você
arrume um lugar, na primeira chance, o amigo interessei-
ro pode lhe dar uma rasteira. É de seu perfil.
Muitos veem na relação de amizade uma oportunidade
para justiça social. Pedem dinheiro emprestado. Quando
tempos depois, toco no assunto, dizem que não dá pra pagar,
mas que mais tarde... Só que para os outros amigos dizem
que sou avarento. Não preciso, por que insisto em receber?
Interesseiro também manipula. Tive um que me ligou
pois tinha sido ameaçado por um credor. Chorou no telefo-
ne. Eu, crédulo, emprestei o que faltava para ele se livrar
da dívida. Meses depois, entendi por que o credor ficara
furioso. Não me pagou e ainda ficou bravo. Não sou do ti-
po que ameaça, ofende. Perdi o amigo, o dinheiro e mais
uma vez prometi a mim mesmo nunca mais emprestar di-
nheiro a alguém. Há pessoas para quem a amizade é uma
espécie de negócio. É linda quando verdadeira. Mas fre-
quentemente vira interesse. Mas eu sou molenga e ainda
me deixo comover por lágrimas de crocodilo. ƒ

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CULTURA VEJA RECOMENDA

CLÁSSICO
Niney como o
conde: adaptação
ambiciosa com
TOUCHSTONE HOME VIDEO

protagonista
cativante

CINEMA
O CONDE DE MONTE CRISTO (Le Comte de Monte Cristo, França, 2024. Em
cartaz no Festival Varilux entre 7 e 20 de novembro)

Seria a vingança um objetivo honroso? O dilema ético as-


sombra e corrói o herói do clássico de 1846, do autor francês
Alexandre Dumas: o marinheiro Edmond Dantés foi preso
injustamente no dia de seu casamento. Ele escapa catorze
anos depois e encontra um tesouro que lhe permite ir atrás
de revanche sob a identidade do conde do título. Entre deze-
nas de adaptações, em filmes e séries, de diversos países, a
nova empreitada retoma a história para seu país de origem,
acrescenta toques de modernidade, com ambientação impe-
cável e cenas épicas, e um protagonista carismático, vivido
por Pierre Niney. Antes de sua estreia oficial no Brasil, no
dia 5 de dezembro, o filme será exibido no Festival Varilux
de Cinema Francês, que passa por sessenta cidades do país.

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TELEVISÃO
PEDRO PÁRAMO (México, 2024. Disponível na Netflix)
NETFLIX

FANTASIA Manuel Garcia-Rulfo como


Páramo: drama histórico mexicano

Juan Preciado (Tenoch Huerta) viaja até a cidade de Coma-


la para exigir sua herança de Pedro Páramo, o pai que não
o reconheceu. O vilarejo, porém, está abandonado — e Juan
depara com os fantasmas locais que lhe narram o passado.
Adaptação do livro de Juan Rulfo, de 1955, um clássico da
literatura latina, o filme é fiel à obra. Misturando crítica so-
cial e fantasia, o autor transita no tempo e sugere que, mes-
mo com a Revolução Mexicana do início do século XX, os
poderosos continuaram a subjugar os desafortunados — ci-
clo de violência que atinge toda a sociedade e, eventual-
mente, retorna até seus algozes.

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DISCO
COME AHEAD,
de Primal Scream (disponível nas plataformas de streaming)

Quando Bobby Gillespie lançou, em 2021, um trabalho solo,


os fãs do Primal Scream ficaram receosos de que a banda es-
cocesa, ícone do rock alternativo britânico, não voltaria mais
a se reunir. Oito anos depois, o grupo surpreende com onze
músicas inspiradas em letras críticas ao capitalismo. As gui-
tarras funkeadas e as marcantes linhas de baixo dão o tom
em Ready to Go Home. A dance music à la Chic, de Nile Rod-
gers, dá as caras em Innocent Money. Já a introspectiva False
Flags fala de um soldado abandonado por seu país. ƒ

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Os mais vendidOs
CULTURA OS MAIS VENDIDOS

ficção Nã
1 é assim Que começa 1
Colleen Hoover [2 | 100#] GALERA RECORD

2 Verity 2
Colleen Hoover [4 | 133#] GALERA RECORD

3 a Vegetariana 3
Han Kang [3 | 3] TODAVIA

4 s. bernarDo 4
Graciliano Ramos [0 | 1] ANTOFÁGICA

5 a biblioteca Da meia-noite 5
Matt Haig [7 | 121#] BERTRAND BRASIL

6 tuDo é rio 6
Carla Madeira [8 | 108#] RECORD

7 a emPregaDa 7
Freida McFadden [6 | 27#] ARQUEIRO

8 a Professora 8
Freida McFadden [0 | 1] RECORD

9 a Paciente silenciosa 9
Alex Michaelides [0 | 35#] RECORD

10 a Hora Da estrela 10
Clarice Lispector [10 | 8#] ROCCO

AutoAjudA e esoterismo iN
4|8
1 PrincíPios milenares 1
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Não ficção
1 breaking news
Douglas Tavolaro [0 | 1] GENTE

2 o Pobre De Direita
Jessé Souza [1 | 3] CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA

3 ainDa estou aQui


Marcelo Rubens Paiva [3 | 7#] ALFAGUARA BRASIL

4 nexus
Yuval Noah Harari [2 | 8] COMPANHIA DAS LETRAS

5 o cérebro e a menoPausa
Lisa Mosconi [6 | 2] HARPERCOLLINS BRASIL

6 nação DoPamina
Dra. Anna Lembke [4 | 63#] VESTÍGIO

7 a geração ansiosa
Jonathan Haidt [5 | 10#] COMPANHIA DAS LETRAS

8 o PrínciPe
Nicolau Maquiavel [7 | 71#] VÁRIAS EDITORAS

9 socieDaDe Do cansaço
Byung-Chul Han [9 | 76#] VOZES

10 saPiens: uma breVe História Da HumaniDaDe


Yuval Noah Harari [0 | 371#] L&PM/COMPANHIA DAS LETRAS

iNfANtojuveNil
1 as aVenturas De PriminHa
5|8
Telegram:
10 a Hora @Clubederevistas
Da estrela 10
Clarice Lispector [10 | 8#] ROCCO

AutoAjudA e esoterismo iN
1 PrincíPios milenares 1
Tiago Brunet [5 | 12] ACADEMIA
toUChstone home video

2 café com Deus Pai 2025 2


Junior Rostirola [1 | 7] VÉLOS

3 Hábitos atômicos 3
James Clear [2 | 73#] ALTA BOOKS

4 o Homem mais rico Da babilônia 4


George S. Clason [9 | 188#] HARPERCOLLINS BRASIL

5 Pai rico, Pai Pobre 5


Robert Kiyosaki e Sharon Lechter [6 | 118#] ALTA BOOKS

6 a Psicologia financeira 6
Morgan Housel [7 | 57#] HARPERCOLLINS BRASIL

7 a morte é um Dia Que Vale a Pena ViVer 7


Ana Claudia Quintana Arantes [0 | 7#] SEXTANTE

g) 8 os segreDos Da mente milionária 8


T. Harv Eker [8 | 470#] SEXTANTE
l-
9 as 48 leis Do PoDer 9
ho Robert Greene [3 | 43#] ROCCO
m
10 como fazer amigos & influenciar 10
o- Pessoas Dale Carnegie [10 | 137#] SEXTANTE
ão Pesquisa: Bookinfo / fontes: Aparecida: Paulus; Aracaju: escariz, Paulus; Balneário Camboriú: C
e- Barueri: travessa; Belo Horizonte: disal, Jenipapo, leitura, livraria da rua, Paulus, sbs, vo
Paulus; Brasília: disal, leitura, livraria da vila, Paulus, sbs, vozes; Cabedelo: leitura; Cach
ze livraria da vila, loyola, Paulus, vozes; 6 | 8Campo Grande: leitura, Paulus; Campos do Jordão: his
santos; Capão da Canoa: santos; Caruaru: leitura; Cascavel: A Página; Cássia: livraria da Praç
Telegram:
10 saPiens: @Clubederevistas
uma breVe História Da HumaniDaDe
Yuval Noah Harari [0 | 371#] L&PM/COMPANHIA DAS LETRAS

iNfANtojuveNil
1 as aVenturas De PriminHa
irritante no reino Dos unicórnios
Gabriel Dearo e Manu Digilio [0 | 1] OUTRO PLANETA
2 o PeQueno PrínciPe
Antoine de Saint-Exupéry [3 | 441#] VÁRIAS EDITORAS

3 esPresso fantasma
Tiago Valente [0 | 1] GALERA RECORD

4 Harry Potter e a PeDra filosofal


J.K. Rowling [5 | 447#] ROCCO

5 maxton Hall: salVe-me


Mona Kasten [2 | 2] ALT

6 coraline
Neil Gaiman [8 | 90#] INTRÍNSECA

7 as aVenturas De mike
Gabriel Dearo e Manu Digilio [9 | 45#] OUTRO PLANETA

8 o Diário De uma Princesa DesastraDa


Maidy Lacerda [10 | 32#] OUTRO PLANETA

9 emocionário
Cristina Núñez Pereira [0 | 20#] SEXTANTE

10 Diário De um banana
Jeff Kinney [7 | 47#] VR

ário Camboriú: Curitiba; Belém: leitura, Paulus, sbs, travessia; Barra Bonita: real Peruíbe;
Paulus, sbs, vozes; Bento Gonçalves: santos; Betim: leitura; Blumenau: Curitiba; Boa Vista:
lo: leitura; Cachoeirinha: santos; Campina Grande: leitura, Paulus; Campinas: disal, leitura,
7 | 8leitura; Canoas: mania de ler,
os do Jordão: história sem fim; Campos dos Goytacazes:
ivraria da Praça; Caxias do Sul: Paulus; Colombo: A Página; Confins: leitura; Contagem:
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[A|B#] — A] posição do livro na semana anterior B] há quantas semanas


o livro aparece na lista #] semanas não consecutivas

Pesquisa: Bookinfo / Fontes: Aparecida: Paulus; Aracaju: Escariz, Paulus; Balneário Camboriú: Curitiba; Belém:
Leitura, Paulus, SBS, Travessia; Barra Bonita: Real Peruíbe; Barueri: Travessa; Belo Horizonte: Disal,
Jenipapo, Leitura, Livraria da Rua, Paulus, SBS, Vozes; Bento Gonçalves: Santos; Betim: Leitura;
Blumenau: Curitiba; Boa Vista: Paulus; Brasília: Disal, Leitura, Livraria da Vila, Paulus, SBS, Vozes;
Cabedelo: Leitura; Cachoeirinha: Santos; Campina Grande: Leitura, Paulus; Campinas: Disal, Leitura, Livraria
da Vila, Loyola, Paulus, Vozes; Campo Grande: Leitura, Paulus; Campos do Jordão: História sem Fim;
Campos dos Goytacazes: Leitura; Canoas: Mania de Ler, Santos; Capão da Canoa: Santos; Caruaru: Leitura;
Cascavel: A Página; Cássia: Livraria da Praça; Caxias do Sul: Paulus; Colombo: A Página; Confins: Leitura;
Contagem: Leitura; Cotia: Paulus, Prime, Sapiências, Um Livro; Criciúma: Curitiba; Cuiabá: Paulus, Vozes;
Curitiba: A Página, Curitiba, Disal, Evangelizar, Livraria da Vila, Paulus, SBS, Vozes; Florianópolis:
Curitiba, Livrarias Catarinense, Paulus; Fortaleza: Evangelizar, Leitura, Paulus, Vozes; Foz do Iguaçu: A
Página; Frederico Westphalen: Vitrola; Garopaba: Navegar; Goiânia: Leitura, Palavrear, Paulus, SBS;
Governador Valadares: Leitura; Gramado: Mania de Ler; Guaíba: Santos; Guarapuava: A Página, Paulus;
Guarulhos: Disal, Livraria da Vila, Leitura, SBS; Ipatinga: Leitura; Itajaí: Curitiba; Jaú: Casa Vamos Ler;
João Pessoa: Leitura, Paulus; Joinville: A Página, Curitiba; Juiz de Fora: Leitura, Paulus, Vozes; Jundiaí:
Leitura; Limeira: Livruz; Lins: Koinonia; Londrina: A Página, Curitiba, Livraria da Vila; Macapá: Leitura;
Maceió: Leitura, Paulus; Manaus: Paulus; Maringá: Curitiba; Mogi das Cruzes: A Eólica Book Bar, Leitura;
Natal: Leitura, Paulus; Niterói: Blooks, Ponte; Palmas: Leitura; Paranaguá: A Página; Pelotas: Vanguarda;
Petrópolis: Vozes; Poços de Caldas: Livruz; Ponta Grossa: Curitiba; Porto Alegre: A Página, Cameron, Disal,
Leitura, Macun Livraria e Café, Mania de Ler, Paisagem, Paulus, Santos, SBS, Taverna; Porto Velho:
Leitura; Recife: Disal, Leitura, Paulus, SBS, Vozes; Ribeirão Preto: Disal, Livraria da Vila, Paulus; Rio Claro:
Livruz; Rio de Janeiro: Blooks, Disal, Janela, Leitura, Leonardo da Vinci, Odontomedi, Paisagem, SBS;
Rio Grande: Vanguarda; Salvador: Disal, Escariz, LDM, Leitura, Paulus, SBS; Santa Maria: Santos; Santana
de Parnaíba: Leitura; Santo André: Disal, Leitura, Paulus; Santos: Loyola; São Bernardo do Campo: Leitura; São
Caetano do Sul: Disal, Livraria da Vila; São João de Meriti: Leitura; São José: A Página, Curitiba; São José do Rio
Preto: Leitura, Paulus; São José dos Campos: Amo Ler, Curitiba, Leitura; São José dos Pinhais: Curitiba; São
Luís: Hélio Books, Leitura, Paulus; São Paulo: Aigo Livros, A Página, B307, Círculo, CULT Café Livro
Música, Curitiba, Disal, Dois Pontos, Drummond, Essência, HiperLivros, Leitura, Livraria da Tarde,
Livraria da Travessa, Livraria da Vila, Loyola, Megafauna, Paisagem, Paulus, Santuário, Simples,
SBS, Vida, Vozes, WMF Martins Fontes; Serra: Leitura; Sete Lagoas: Leitura; Sorocaba: Paulus; Taboão da
Serra: Curitiba; Taguatinga: Leitura; Taubaté: Leitura; Teresina: Leitura; Uberlândia: Leitura, Paulus, SBS;
Umuarama: A Página; Vila Velha: Leitura; Vitória: Leitura, Paulus, SBS; internet: A Página, Amazon,
Authentic E-commerce, Boa Viagem E-commerce, Canal dos Livros, Curitiba, Leitura, LT2 Shop,
Magazine Luiza, Sinopsys, Travessa, Um Livro, Vanguarda, WMF Martins Fontes

8|8
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JOSÉ CASADO

GUINADA RADICAL
A GUINADA radical dos Estados Unidos na eleição de Do-
nald Trump ao segundo mandato enterra uma era de capita-
lismo liberal liderada por Washington a partir do fim da Se-
gunda Guerra. No novo mundo já esboçado por Trump as
instituições democráticas estão debilitadas, a Suprema Corte
magnetizada e o Senado tem maioria sob controle do presi-
dente. Ele anuncia fronteiras fechadas e guerra econômica
contínua, a partir de janeiro.
A tensão vai aumentar. É certeza predominante tanto nos
escritórios empresariais de São Paulo quanto nos gabinetes
burocráticos da Esplanada dos Ministérios, separados por
1 500 quilômetros. Prevê-se mais quatro anos, no mínimo, de
hostilidades crescentes entre Estados Unidos e China, com
recrudescimento do protecionismo econômico.
É um cenário tóxico onde se destacam as vulnerabilida-
des de nações como o Brasil, cujos governos, desde a virada
do milênio, tentam se equilibrar entre ambiguidades com
Washington — às vezes, hostilidades gratuitas — e depen-
dência econômica da China.
Por escolha política, o país voltou a viver do comércio de
matérias-primas, como na primeira metade do século pas-

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sado. Nessa viagem de regresso, desdenhou da transforma-


ção tecnológica da indústria e não educou a força de traba-
lho para a transição digital. Tornou-se um jogador relevante
no mercado mundial de insumos básicos, mas sem poder
real de mitigar ou de influenciar para reverter decisões que
atinjam os seus interesses.
É eloquente o filme do desempenho recente do comércio
brasileiro. Na última década (2013-2023) o valor das expor-
tações caiu continuamente durante sete anos, com perdas de
produção e de empregos qualificados. Avançou no ciclo da
pandemia (2020-2021), estagnou na sequência e segue em
declínio. A receita prevista para 2024 é de 328 bilhões de dó-
lares, informa a associação dos exportadores. Será uma redu-
ção de 3,5% em relação às vendas do ano passado.
As fragilidades ganham realce no cenário de riscos sob
Trump. O Brasil concentra (62%) do total das suas vendas ao
exterior em apenas três produtos — soja, minério de ferro e
petróleo. Esse trio de mercadorias também compõe a maior
parte (77%) das exportações para a China.
Houve um significativo aumento na dependência brasileira
de Pequim na última década: o mercado chinês era destino de
17% do comércio exterior; agora beira 34%. Alguns estados,
como Rondônia e Piauí, dependem dos consumidores chineses
para sustentar mais de um terço da sua atividade econômica.
Já os Estados Unidos são os principais clientes da indústria
brasileira. A receita das vendas aos EUA representa uma fra-
ção, cerca de um terço, das exportações à China, mas é vital

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“O Brasil está vulnerável


no novo mundo que Trump
desenha na volta ao poder”
para os produtos industrializados das regiões Sul e Sudeste. A
diferença na dependência econômica dos EUA e da União Eu-
ropeia, em comparação com a China, está no domínio do ca-
pital americano e europeu em investimentos no Brasil.
O retorno de Trump à Casa Branca, a bordo de uma vi-
tória eleitoral expressiva, deixa o Brasil numa situação
complexa. Está vulnerável à nova onda de protecionismo,
com reflexos diretos nas economias da China e da Europa,
no aumento de preços dos bens importados pelos EUA e na
valorização do dólar.
É previsível, ainda, que o país terá um custo extra, deri-
vado da diplomacia de microfone adotada por Lula. Quan-
do os americanos estavam indo às urnas, ele resolveu des-
qualificar o candidato republicano: “É o fascismo e o nazis-
mo voltando a funcionar, sabe, com outra cara”, disse em
entrevista ao repórter Darius Rochebin, de um canal fran-
cês de televisão. Em seguida, declarou sua “torcida” pela
adversária democrata, Kamala Harris. Num paralelo, repe-
tiu Jair Bolsonaro, que, quatro anos atrás, hostilizou publi-
camente o então candidato Joe Biden.

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Lula já havia feito coisa parecida no ano passado durante


a disputa eleitoral na Argentina. Na época, hostilizou o en-
tão candidato da extrema direita, Javier Milei. Até usou
uma reunião com banqueiros em Paris para atacar o ex-­
presidente Mauricio Macri, que apoiava Milei. Acusou-o —
sem provas — de corrupção num empréstimo de 40 bilhões
de dólares do Fundo Monetário Internacional (FMI) à Ar-
gentina. Foi além: mobilizou o governo, o Partido dos Tra-
balhadores e assessores no apoio ao candidato peronista
Sergio Massa. Perdeu, com Massa, para Milei. Empurrou a
Argentina para os braços da Casa Branca.
Preferências pessoais são naturais. Na Presidência da
República, porém, manifestações do gênero ganham di-
mensão institucional. Lula pode ser acusado de tudo, me-
nos de ingenuidade. Ele sabe que, adiante, essa fatura será
paga por todos os brasileiros. ƒ

ƒ Os textos dos colunistas não refletem


necessariamente as opiniões de VEJA

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