Religiões No Brasil Dos Anos 1950: Processos de Modernização e Configurações Da Pluralidade
Religiões No Brasil Dos Anos 1950: Processos de Modernização e Configurações Da Pluralidade
Religiões No Brasil Dos Anos 1950: Processos de Modernização e Configurações Da Pluralidade
configurações da pluralidade1
Emerson Giumbelli
Resumo
O objetivo deste texto é reunir uma série de registros – em geral, resultados de pesquisas
nas áreas da história e das ciências sociais – que permitem esboçar uma topografia do
campo religioso no Brasil nos anos 50 do século XX. Enfatiza-se a consideração da
pluralidade de expressões, tratando-se de seguir as suas reconfigurações na década em
questão. Outra preocupação é apontar as conexões entre o que se passa no campo
religioso e o tema mais geral da modernização, a fim de se assinalar alguma sintonia. Ao
fazê-lo, vislumbra-se assim uma certa importância da questão religiosa dentro do
panorama da época. Além de campo religioso brasileiro, outra noção orientadora é a de
modernidades múltiplas ou alternativas.
Palavras-chave: Campo religioso brasileiro; Modernização; Década de 1950.
Abstract
The aim of this paper is to bring together a series of records – resulting in general from
researches in the areas of History and Social Sciences - which enable the outlining of
Brazilian religious field‟s topography in the 1950s. A consideration of the plurality of
religious expressions is focused on, trying to follow their reconfigurations in that decade.
Another concern is to point out the connections between what goes on in the religious
field and the more general theme of modernization. In doing so, the paper searches to
demonstrate the importance of the religious issue in the panorama of the time. Besides
the Brazilian religious field, another guiding concept is that of multiple/alternative
modernities.
Keywords: Brazilian religious field; Modernization; the 1950s.
*
Professor do Departamento de Antropologia e do Programa de Pós-Graduação em Antropologia
Social da UFRGS; Autor de O Cuidados dos Mortos: uma história da condenação e legitimação do
espiritismo (1997). Email: emerson.giumbelli@yahoo.com.br
Tanto a CNBB quanto os movimentos leigos são o palco para uma disputa
que se colocou no interior da Igreja Católica entre duas concepções distintas de
relação entre religião e sociedade. De um lado, havia aqueles que propunham
inovações para insistir no combate à secularização, defendendo que a sociedade
deveria estar orientada pelos princípios cristãos. Nessa chave, a prioridade da
Igreja deveria ser o aprimoramento espiritual dos indivíduos pela missa, pelos
sacramentos e a defesa da moral católica na vida familiar e social. Os
movimentos leigos deveriam funcionar como uma extensão da hierarquia. De
outro lado, havia aqueles que propunham inovações por reconhecerem que a
Igreja seria parte do mundo; sua responsabilidade nesse mundo seria lutar por
uma ordem social justa em termos não apenas religiosos. Admitiam ainda maior
autonomia do leigo para realizar a missão social da Igreja. Tal disputa prefigura e
anuncia a oposição entre “conservadores” e “progressistas” que mais tarde
caracterizaria os embates internos à CNBB e mesmo ao clero brasileiro em geral.
Mas então, sob outro olhar, o que dizer das dimensões e como caracterizar
esse universo que a Igreja Católica via como ameaçador? Primeiramente, uma
observação sobre as estatísticas existentes. Nos censos oficiais, há uma lacuna
com a ausência de dados sobre adesão religiosa nos anos 1910, 1920 e 1930. Os
dados referentes aos anos 1940, 1950, 1960 e 1970 utilizam as categorias
(mencionarei aquelas cujos percentuais são maiores que 1%): católicos,
protestantes e espíritas. Não se tinha, portanto, informações mais específicas
sobre as variedades dos cultos protestantes e a denominação “espírita” cobria
boa parte das práticas mediúnicas. Outras estatísticas oficiais contavam com as
informações fornecidas pelos templos nesses três universos, mas não tiveram
continuidade para além das décadas de 50 e 60. Mesmo com muitas limitações,
os dados apontavam um aumento do universo não católico. Era possível, por
exemplo, afirmar que entre 1950 e 60, os protestantes cresciam 62%, enquanto a
população em geral crescera 35%. Estatísticas mais circunscritas davam maior
razão aos alertas católicos, como dados sobre favelas cariocas de 1958,
apontando 83,5% de católicos, 8,1% de protestantes, 6% de espíritas e 2,4% sem
religião (Camargo, 1973). Mesmo um recorte dos dados censitários já produzia
impressão semelhante: enquanto os espíritas eram 1,6% da população brasileira,
chegavam a 3,25% da população paulistana e 5,2% da população carioca. As
pesquisas de Negrão (1996) junto a registros de cartórios mostram um
movimento impressionante de criação de templos de umbanda nas décadas de
50, 60 e 70.
um editorial do jornal O Estado de São Paulo, que em 1958 pedia que “os 1500
centros de exploração da fraqueza humana instalados na Capital Bandeirante
devem ser impiedosamente eliminados em nome da civilização” (apud Ortiz,
1978). A situação era também promissora no Rio de Janeiro, e nesse caso o
melhor indício vem do acompanhamento da carreira de Átila Nunes. Jornalista e
bacharel em Direito, Nunes protagoniza o primeiro programa umbandista em
uma rádio em 1947, o qual se mantém pela década seguinte. Em 1958, é eleito
vereador; dois anos depois, torna-se deputado no estado da Guanabara.
Umbandistas já haviam tentado se eleger, sem sucesso, entre 1950 e 54. O êxito
de Nunes animará cogitações sobre a formação de um partido político
espiritualista no final da década.8
4. Considerações finais
Referências
1 Este texto origina-se da apresentação em um dos módulos do curso de extensão “Os anos
eufóricos: de Vargas a JK. O Brasil e o mundo nos anos 50”, oferecido pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro em 2006. Agradeço aos pareceristas anônimos de Plura, cujas sugestões
contribuíram para a realização de várias alterações no texto original.
2 O Pagador de Promessas, direção de Anselmo Duarte, 1962, 95 minutos.
3 Fonte dos dados: Mainwaring (1989) e Della Cava (1975). Das mesmas referências vieram as
informações e análises que informam o quadro que ofereço sobre a Igreja Católica nos anos 50.
4 Sobre as mudanças na Igreja Católica, ver Mainwaring (1989) e Della Cava (1975); sobre o
catolicismo urbano, ver Oliveira (1997).
5 Sobre D. Hélder Câmara, baseio-me, sobretudo, na biografia de Piletti e Praxedes (1997).
6 Dados apresentados por Camargo (1973).
7 A base para meus comentários é o trabalho de Freston (1994).
8Os dados sobre Átila são apresentados por Brown (1985), em quem me baseio para comentar a
umbanda.
9 As fotos foram reproduzidas no livro editado por Kaz (2005/06).
10 Sobre Joãozinho da Goméia, utilizei o texto de Lody e Silva (2002).