15597-Texto Do Artigo-18578-1-10-20120518
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Gérard Monnier*
Resumo
O texto apresenta uma reflexão crítica e propositiva acerca da história da
arquitetura. Defende a necessidade de realização de uma história crítica da
arquitetura recente, problematizando os limites da crônica e informações de
divulgação. Assume como premissa que os edifícios, como outras produções
materiais, são objeto de consumo e renovação/alteração muito rápidas. Desta forma,
defende a construção de um projeto de história destes objetos recentes de forma a
evitar ou minimizar o desaparecimento das fontes documentais, escritas ou orais,
afeitas a estes objetos arquiteturais. Indica alguns critérios e procedimentos que
viabilizariam a realização deste projeto, e propõe que o historiador desta arquitetura
do passado recente deve ter também papel propositivo acerca de intervenções
nestes objetos. O olhar profissional e qualificado sobre estes bens arquitetônicos,
diferenciando-se da crônica e das posturas doutrinárias, deverá ser capaz de
apresentar pontos de vistas inéditos que tragam esclarecimentos e visões
renovadoras sobre estes edifícios modernos, presenças de um "passado recente".
Abstract
The paper presents a critical and propositive reflection about history of architecture. It
points out the need for a critical history of recent architecture, questioning the limits
of chronological record and mass-media information. Assuming that buildings, as well
as other material productions, are subject to very quick consumption and renovation,
it defends the construction of a historical approach of these recent architectural
objects, in order to avoid or minimize the disappearance of documental sources,
written or oral, related to them. It indicates some criteria and procedures that make
feasible the realization of this project and proposes that the historian of this
architecture of the recent past should also have a propositive role on the
A necessidade de tal história não é evidente por si só: a maioria dos edifícios
recentes não estão nem perdidos de vista, nem esquecidos, ou tampouco relegados
a um passado incerto; eles são simplesmente um material que está diante de nossos
olhos. Para o pesquisador de história da arquitetura, a própria presença dos objetos
diferencia este tipo de pesquisa de outros trabalhos na área de História: a existência
dos edifícios na história da arquitetura não depende primeiramente de seu lugar na
narrativa, e esta narrativa está relacionada aos objetos vistos por certas pessoas
todos os dias (se admitirmos temporariamente que nenhuma destruição venha
abater as fileiras). Diferentemente de outros fatos históricos, como, a crise de 1929,
o colonialismo, ou a descoberta da radioterapia, - que são ao mesmo tempo objetos
invisíveis e ausentes da memória pessoal da maior parte de nossos
contemporâneos -, esses objetos de conhecimento estão completamente
identificados com a produção dos historiadores.
Além disso, muitos desses edifícios foram o suporte de diferentes conceitos que
expressam níveis diferentes da formação de opinião, desde boatos mais ou menos
espontâneos (caso da La Maison du Fada, A Casa do Fada, em Marselha), a textos
de críticos profissionais. Estes últimos, temos de admitir, ensinaram-nos a ver e a
situar estes edifícios dentro de uma cronologia aproximativa, porém, suficiente para
orientar a nossa própria memória de décadas passadas. Alguns destes edifícios,
dentro dessa crônica, estão identificados com um mito, seja ele pessoal (a obra de
um arquiteto genial), seja ele estilístico e/ou conceitual (um edifício art-déco): da
“torre de 300 m” que acabou batizado com o nome de seu engenheiro idealizador,
Gustave Eiffel, às entradas do metrô de Hector Guimard, às principais
manifestações de Horta em Bruxelas.
Revista CPC, São Paulo, n. 3, p. 54-68, nov. 2006/abr. 2007 55
Esta crônica tem virtudes incontestáveis: estado primitivo do saber, ela possui
freqüentemente o frescor e o deslumbramento do primeiro olhar; ela acrescenta à
trajetória dos atores a autenticidade de um testemunho vivido, dos conceitos
entendidos, da convicção compartilhada. Entretanto ela também é plena de um fluxo
de informações pouco controladas, de rumores, de inexatidão e de lacunas. Quando
começamos, em 1981, o estudo da Casa de Campo Noailles, o balanço de
informações sobre esta construção de R. Mallet-Stevens, hoje mais conhecida, era
um emaranhado de informações de segunda mão com erros grosseiros, alguns
ridículos: todos os autores sem exceção afirmavam, sem comprovação, que o
edifício tinha sido construído em concreto armado; ainda em 1977, um crítico
importante explicava de maneira bastante erudita a contribuição de Théo van
Doesburg ao projeto, a Blumenzimmer, como sendo o “projeto de uma loja de flores
para Hyères” (1). Era de nossa obrigação mostrar que a maior parte da obra era
uma construção de alvenaria de pedras, e que a Blumenzimmer indicava
exatamente o local, perto do vestíbulo, onde a senhora de Noailles costumava
preparar os vasos de flores (BRIOLLE; FUZIBET; MONNIER, 1990).
Além do mais, a crônica da atualidade não é homogênea. Para uma grande maioria,
a crônica é feita de um fluxo de informação, mas também de ecos reunidos, de
pontos de vista fugazes, e como vimos, de rumores instalados por repetição no
pseudo-conhecimento; neste caso, ela é ao mesmo tempo evidente e fugaz, se
esquiva e se renova a cada dia. Ela pode ser tão inconsistente que não fixe nem a
memória. Entretanto existe também uma crônica informada, preocupada em articular
suas informações, de colocá-las em perspectiva, de esclarecê-las através de um
olhar transversal. Para o período seguinte, aquele do crescimento dos anos de 1960,
o livro de Maurice Besset, Nouvelle Archicteture Française, (Nova arquitetura
francesa) nos fornece um excelente exemplo (1967). Mesmo escrito no calor da
hora, ele apresenta com lucidez um conjunto de realizações documentadas com
Esta passagem da crônica para a história impõe objetivos e uma dimensão que a
narrativa cotidiana não possui. Os aspectos mais evidentes desta dimensão estão
na forma da demanda de história pelo corpo social. Citaremos dois exemplos: o
primeiro, consiste em preencher as lacunas ou os erros da crônica; o segundo, exige
que a história documente e especifique os critérios de qualidade para o edifício, úteis
à industria do turismo, às políticas de agenciamento urbano, à proteção do
patrimônio.
Frente a esta precariedade efetiva dos objetos, o projeto de uma história recente
pode conduzir ao levantamento exaustivo das fontes documentais, arquivos escritos
e fontes orais, que podem fundamentar a proteção dos monumentos; definida por lei,
que obriga o Estado, em nome de um poder público, a proteger os testemunhos da
arte e da história. Dela decorre uma forte demanda por informações para dar
consistência às solicitações de proteção material e simbólica dos edifícios de
interesse para preservação. A administração atua através da verificação de
relatórios, vistorias, pela formulação de pareceres, por tomadas de decisão
justificadas. Neste processo, o lugar central, compartilhado com a vistoria
arquitetônica, é ocupado por informações elaboradas a partir de fontes históricas
(arquivos, documentos, fontes secundárias).
O conjunto dessa produção histórica, qualquer que seja o seu mérito, tem,
entretanto, limites evidentes. São estudos pontuais que dependem estreitamente de
valores ligados ao reconhecimento prévio dos arquitetos, a prestigiados programas
de arquitetura, ou a territórios determinados; propõe a noção de “estudos temáticos”
que o Ministério da Cultura, em determinado momento, pôs em uso para incitar à
proteção de categorias e de séries - por mais interessante que seja, constituiu
apenas um reagrupamento. Esses estudos deixam em aberto as questões ligadas a
uma história problematizada da arquitetura, e as questões nascidas da própria
pesquisa. Esta realização de investigação histórica, adaptada e finalizada aos
programas de proteção, por mais importante que seja, é portanto, distinta de uma
produção histórica completa e autônoma: ela está relacionada a um objeto isolado,
ela é dependente de um objeto existente. Nesse sentido, resulta que este
procedimento não pode se estender a um conjunto de edifícios dispersos no espaço,
nem a uma pergunta, nem a um conceito; ele não pode ser aplicado tampouco a
projetos não construídos, ou a edifícios desaparecidos. O campo de proteção
patrimonial, pelos seus limites, não pode estar identificado com a pesquisa de base;
é um campo de aplicação.
Entretanto, o valor deste tipo de obra é frágil, por ela ser inversamente proporcional
às lacunas e às faltas que desequilibram iniciativas, louvável sob todos os aspectos.
Assim, o estudo Les années 30: L’archicteture et les arts de l’espace entre industrie
et nostalgie (Os anos 30: A arquitetura e as artes do espaço entre indústria e
nostalgia), rico em novas contribuições sobre a arquitetura deste período de crise,
concentra as análises na produção de cinco países (Alemanha, Estados Unidos,
França, Itália, URSS) (COHEN, 1997). Ignorando territórios tão ativos quanto a Grã
Bretanha, a Escandinávia, o Japão ou o Brasil, eles criaram uma distorção estranha
na abordagem de um fenômeno maior dos anos 1930, a recepção e o intercâmbio
entre centro e periferia. Estes estudos, sobretudo quando acompanhados de um
balanço sobre as artes do período, nos fornecem, entretanto, uma transversalidade
preciosa. Da mesma maneira, meus estudos de arquiteturas dos anos 1950,
A avaliação da espessura social das práticas de arquitetura pode ser um dos seus
eixos. Detalhando a articulação dos processos, da encomenda à concepção e à
Notas
(1) No catálogo de uma exposição em Berlim, na qual o projeto da Blumenzimmer estava exposto.
(2) Este primeiro estudo está publicado sob a forma de um catálogo de exposição, Architectures Paris 1848-
1914, em 1976.
(4) Image, use and heritage. The reception of architecture of the Modern Movement, VII conférence internationale
de DOCOMOMO, UNESCO, Paris, 16 au 21 septembre 2002 ; KLEIN Richard (Org.), La réception de
l’architecture, Lille-Paris, École d’architecture de Lille / Jean-Michel Place, 2002; MONNIER, Gérard (Org.),
L’architecture : la réception immédiate et la réception différée. L’œuvre jugée, l’édifice habité, le monument
célébré, Paris, Publications de la Sorbonne, sous presse.
Referências Bibliográficas
BESSET, Maurice. Nouvelle architecture française = New French Architecture. Stuttgart: Verlag Gerd Hatje,
1967.
BRIOLLE, Cécile; FUZIBET Agnès; MONNIER, Gérard. La villa Noailles. Marseille: Editions Parenthèses, 1990.
COHEN, Jean-Louis (Org.). Les années 30: l’architecture et les arts de l’espace entre industrie et nostalgie. Paris:
Editions du Patrimoine, 1997.
CREMNITZER, Jean-Bernard. L’architecture du sanatorium, mémoire de DEA. Paris: Université de Paris I, 1998.
GARCIAS, Jean-Claude. Les barres jumelles, Techniques et Architecture. [S.l.]: [s.n.], avril, 1982.
MONNIER, Gérard; KLEIN, Richard (Org.). Les années ZUP: Architectures de la croissance 1960-1973. Paris:
Picard, 2002.
PICON, Antoine (Org.). L’art de l’ingénieur. Paris: Centre Georges Pompidou / Le Moniteur,1997.
VOLDMAN, Danièle. La reconstruction des villes après les guerres: histoire de la constitution d’un objet d’étude,
pour une histoire des politiques du patrimoine. Paris: Comité d’histoire du ministère de la culture / Fondation
Maison des sciences de l’homme, 2003.