Gustav Radbruch em Cinco Minutos de Filosofia Do Direito

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12/06/2019 ConJur - Gustav Radbruch em Cinco Minutos de Filosofia do Direito

EMBARGOS CULTURAIS

Gustav Radbruch e seu pensamento em “Cinco


Minutos de Filosofia do Direito”
22 de junho de 2014, 8h00

Por Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

Em 1945, logo após o fim da Segunda Guerra Mundial,


o jurista alemão Gustav Radbruch (1878-1949)
distribuiu uma circular para seus alunos de Direito na
Universidade de Heildelberg[1]. O texto é
emblemático, vale como alerta, deve ser recebido com
o respeito devido a quem foi afastado da cátedra,
ainda em 1933, por opor-se ao nazismo, ainda que,
bem entendido, em seus escritos da década de 1920
possa se evidenciar uma adesão quase que ilimitada
ao positivismo.

Cinco Minutos de Filosofia do Direito é fragmento que


supõe retomada do jusnaturalismo, insumo conceitual
que orientará algumas linhas jusfilosóficas da segunda metade do século XX, e que
se desdobraram de alguma forma no neoconstitucionalismo, paradoxalmente
também batizado de neopositivismo. Com o fim da guerra, Radbruch dirigiu a
Faculdade de Direito em Heildelberg. Morreu sem a possibilidade de acompanhar o
trabalho do Tribunal Federal Constitucional da Alemanha.

O humanismo de Radbruch é também marcado por sua passagem pela Cruz


Vermelha, onde atuou como voluntário. Sua ação política foi marcada por militância
entre grupos socialistas, bem como por sua atuação como deputado e como ministro
de Justiça durante a República de Weimar.

Para Radbruch, “ordens são ordens, é a lei do soldado[2]”. A afirmação, tomada


isoladamente, justificaria a posição dos alemães julgados em Nuremberg, e de todos
os que foram posteriormente processados, inclusive entre os próprios alemães e no
que se refere às próprias consciências[3]. Além do que, continua, “a lei é a lei, diz o
jurista”[4]. Explicando o tempo que a Alemanha acabava de viver, isto é, os anos do
nacional-socialismo, afirmou que “ao passo que para o soldado a obrigação e o
dever de obediência cessam quando ele souber que a ordem recebida visa a prática
dum crime, o jurista, desde que há cerca de cem anos desapareceram os últimos
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jusnaturalistas, não conhece exceções deste gênero à validade das leis nem ao
preceito de obediência que os cidadãos lhes devem[5]”. Concluiu esse primeiro
minuto culpando o positivismo pelo pesadelo nazista, do ponto de vista jurídico:

“ “Esta concepção de lei e sua validade, a que chamamos Positivismo, foi


a que deixou sem defesa o povo e os juristas contra as leis mais
arbitrárias, mais cruéis e mais criminosas. Torna equivalentes, em
última análise, o direito e a força, levando a crer que só onde estiver a
segunda estará também o primeiro”[6] .

No segundo minuto Radbruch criticou outro dogma da filosofia nacional-socialista


do direito, para a qual o direito deveria se identificar com uma imaginária utilidade
popular. E assim:

“ “Pretendeu-se completar, ou antes, substituir este princípio por


est’outro: direito é tudo aquilo que for útil ao povo. Isto quer dizer:
arbítrio, violação de tratados, ilegalidade serão direito desde que sejam
vantajosos para o povo. Ou melhor, praticamente: aquilo que os
detentores do poder do Estado julgarem conveniente para o bem
comum, o capricho do déspota, a pena decretada sem lei ou sentença
anterior, o assassínio ilegal de doentes, serão direito. E pode até
significar ainda: o bem particular dos governantes passará por bem
comum de todos. Desta maneira, a identificação do direito com um
suposto ou invocado bem da comunidade, transforma um “Estado-de-
Direito” num “Estado-contra-o-Direito”. Não, não deve dizer-se: tudo o
que for útil ao povo é direito; mas, ao invés: só o que for direito será útil
e proveitoso para o povo”[7].

A obsessão dos teóricos do nacional-socialismo com a tese de que o Führer revelava


em suas ações a vontade do povo, o que inclusive fixava um princípio interpretativo
do direito (Führerprinzip), marcou um populismo chauvinista que subverteu a
ordem jurídica e os comprometimentos dessa com os ideais de justiça e de respeito à
pessoa humana. Radbruch aproximou direito e justiça na reflexão que tomava o
terceiro minuto, passo no qual repudia todas as leis que carreguem alguma injustiça:

“ “Direito quer dizer o mesmo que vontade e desejo de justiça. Justiça,


porém, significa: julgar sem consideração de pessoas; medir a todos
pelo mesmo metro. Quando se aprova o assassínio de adversários
políticos e se ordena o de pessoas de outra raça, ao mesmo tempo que
ato idêntico é punido com as penas mais cruéis e afrontosas se
praticado contra correligionários, isso é a negação do direito e da
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Justiça. Quanto as leis conscientemente desmentem essa vontade e


desejo de justiça, como quando arbitrariamente concedem ou negam a
certos homens os direitos naturais da pessoa humana, então carecerão
tais leis de qualquer validade, o povo não lhes deverá obediência, e os
juristas deverão ser os primeiros a recusar-lhes o caráter de
jurídicas”[8].

No quarto minuto Gustav Radbruch explicita que o bem comum também é finalidade
do direito, ainda que, por força de circunstâncias que fogem ao controle daqueles
que tem comprometimento com a justiça, não se consiga retirar a juridicidade de
normas injustas:

“ “Certamente, ao lado da justiça o bem comum é também um dos fins do


direito. Certamente, a lei, mesmo quando má, conserva ainda um valor:
o valor de garantir a segurança do direito perante situações duvidosas.
Certamente, a imperfeição humana não consente que sempre e em
todos os casos se combinem harmoniosamente nas leis os três valores
que todo o direito deve servir: o bem comum, a segurança jurídica e a
justiça. Será muitas vezes, necessário ponderar se a uma lei má, nociva
ou injusta, deverá ainda reconhecer-se validade por amor da segurança
de direito; ou se, por virtude da sua nocividade ou injustiça, tal validade
lhe deverá ser recusada. Mas uma coisa há que deve estar
profundamente gravada na consciência do povo e de todos os juristas:
pode haver leis tais, com um tal grau de injustiça e de nocividade para o
bem comum, que toda a validade até o caráter de jurídicas não poderão
jamais deixar de lhes ser negados”[9].

No quinto minuto, último dessa rápida reflexão, Gustav Radbruch invoca um direito
supralegal, protestando por princípios fundamentais que orientam o direito e que
transcenderiam o direito positivo, retomando um jusnaturalismo que também
nominou de jusracionalismo:

“ “Há também princípios fundamentais de direito que são mais fortes do


que todo e qualquer preceito jurídico positivo, de tal modo que toda a
lei que os contrarie não poderá deixar de ser privada de validade. Há
quem lhes chame direto natural e quem lhes chame direito racional.
Sem dúvida, tais princípios acham-se, no seu pormenor, envoltos em
graves dúvidas. Contudo o esforço de séculos conseguiu extrair deles
um núcleo seguro e fixo, que reuniu nas chamadas declarações dos
direitos do homem e do cidadão, e fê-lo com um consentimento de tal
modo universal que, com relação a muitos deles, só um sistemático

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cepticismo poderá ainda levantar quaisquer dúvidas. Na linguagem da


fé religiosa estes mesmos pensamentos acham - se expressos em duas
passagens do Novo Testamento. Está escrito numa delas (S. Paulo, Aos
romanos, 3,1): “deveis obediência à autoridade que exerce sobre vós o
poder”. Mas, numa outra (Atos dos Apost., 5, 29) está escrito também:
“deveis mais obediência a Deus do que aos homens”. E não é isto aí,
note-se, a expressão dum simples desejo, mas um autêntico princípio
jurídico em vigor. Poderia tentar-se resolver o conflito entre estas duas
passagens, é certo, por meio de uma terceira, também do Evangelho,
que nos diz: “dai a Deus o que é de Deus e a César que é de César”. Tal
solução é, porém, impossível. Esta última sentença deixa-nos
igualmente na dúvida sobre as fronteiras que separam os dois poderes.
Mais: ela deixa afinal a decisão à voz de Deus, àquelas voz que só nos
fala à consciência em face de cada caso concreto”[10].

Esse pequeno excerto de Radbruch, e que pode ser lido em cinco minutos, é
permanente convite para uma compreensão humana do Direito, no sentido de que
seu reconhecimento dependa prioritariamente do sentido absoluto de justiça que
possa qualificar.

Nesse sentido, a guinada de Radbruch para o jusnaturalismo, para alguns uma


correção de rota, e para outros a continuidade de uma linha conceitual que se
aperfeiçoava e qualificava[11], é sintoma muito nítido de que a apologia ao
jusnaturalismo é recorrente em instantes que sucedem a ditaduras, o que poderia
identificar no neoconstitucionalismo um roteiro histórico parecido, a exemplo de
sua ressonância em países como Espanha, Portugal, Itália, Argentina, Colômbia e,
principalmente, no Brasil.

[1] Há versão desse excerto em Radbruch, Gustav, Filosofia do Direito, Coimbra:


Antonio Amado, 1979, pp. 415-418. Tradução de L. Cabral de Moncada.
[2] Radbruch, Gustav, cit., p. 415.
[3] Conferir, no caso, Kempowski, Walter, Haben sie dabon gewusst?, Hamburg:
Albrecht Knaus Verlag, 1979.
[4] Radbruch, Gustav, cit., loc. cit.
[5] Radbruch, Gustav, cit., loc. cit.
[6] Radbruch, Gustav, cit., loc. cit.
[7] Radbruch, Gustav, cit., p. 416.
[8] Radbruch, Gustav, cit., loc. cit.
[9] Radbruch, Gustav, cit., p. 416.
[10] Radbruch, Gustav, cit., loc. cit.
[11] Esse tema é objeto de ensaio de Vigo, Rodolfo Luís, La injusticia extrema no es
derecho (de Radbruch a Alexy), Buenos Aires: La Ley- Universidad de Buenos Aires,
Faculdad de Derecho, 2006.

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Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy é livre-docente em Teoria Geral do Estado pela


Faculdade de Direito da USP, doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado
pela PUC-SP, professor e pesquisador visitante na Universidade da California
(Berkeley) e no Instituto Max-Planck de História do Direito Europeu (Frankfurt).

Revista Consultor Jurídico, 22 de junho de 2014, 8h00

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