Salazar Serpen
Salazar Serpen
Salazar Serpen
Ao
meu lado, Skorpio, com seus cabelos de castanhos com mechas esverdeadas, move-se
com a agilidade entre cada viela sinuosa. Não saia da minha cabeça o que poderia fazer
com esse corpo.
Juntos, nós cinco, uma breve aliança entre mercenários, acabamos de saquear o banco
de Argentum. Unidos pela ganância trocamos olhares enquanto passávamos
furtivamente pelas altas muralhas da cidade.
As vozes dos guardas ecoam ao longe, seus passos ressoam pelas ruas vazias, alertando-
nos para o perigo iminente. Deslizamos pela calçada como serpentes, nossos passos
silenciosos gritando apenas em nossos pensamentos. O ar gelado da noite corta nossos
rostos suados.
“Você não está tão ruim esta noite, novato” ela diz com um sorriso malicioso, seus olhos
faiscando com um desafio oculto. “Mas não se engane, eu poderia ter feito isso sozinha.
Não preciso da sua ajuda.”
Sorrio de volta, sem recuar diante de sua agressividade. “Interessante. Então por que
precisou de mim para entrar na sala do dinheiro?”
Ela solta uma risada sarcástica, seus lábios curvando-se em um sorriso mordaz. “Porque
até mesmo os melhores ladrões precisam de distrações. E você, Salazar, é uma distração
bastante conveniente.”
A provocação dela me faz rir. “Bem, parece que funciono bem nesse papel. Mas
cuidado, Skorpio, não subestime o que posso fazer.” Adverti me deixando levar pela
brincadeira.
Seus olhos cintilam com uma faísca de admiração misturada com desafio. “E você
deveria fazer o mesmo.”
[...]
Após escaparmos dos limites dos campos de Argentum, eu e Skorpio lideramos o grupo
em uma corrida desenfreada em direção à Floresta Negra. Com galhos retorcidos e
sombras densas, a floresta nos envolve terror. Após horas de corrida, encontramos uma
clareira escondida, iluminada pelos tênues raios da lua.
Os outros três ladrões, sujos e taciturnos como eu, se jogam no chão da clareira,
exaustos pela fuga. Deieixaram cair os enormes sacos de ouro que haviam pegado no
cofre que não contive meus pensamentos, a visão da riqueza me cegava a todo instante.
Grick e Rogar, ambos de estatura imponente e intimidadora são a força bruta da equipe,
mas com cérebro de amendoim. Fyira, por outro lado é um senhor astuto, mais sábio, o
plano de invadir o cofre de Argentum veio dele próprio.
“Ei novato sem você, estaríamos todos mortos ou apodrecendo em uma cela. ...
“Você parece exausto, Salazar. Talvez isso te ajude a recuperar suas energias.” Ela
estende um cantil de madeira para mim.
Sem hesitar, tomo um gole da bebida, esperando sentir algum alívio para o meu
cansaço. Mas antes mesmo que eu possa engolir, percebo o gosto amargo e metálico se
espalhando pela minha boca.
Meu corpo começa a queimar como se estivesse dentro de uma fornalha, pronto para ser
incinerado até virar pó.
Grito..
Grito o mais alto que minha garganta cheia de sangue me permitiu naquele momento de
agonia. Minha gengiva regurgitava cachoeiras de um líquido vermelho e amarelo, o
veneno misturado ao meu sangue.
Com um lapso de sanidade olho diretamente para Skorpio, buscando uma fagulha de
esperança em me salvar. Não podia nem sequer ouvir suas risadas enquanto morria
lentamente afogado no próprio vômito.
Antes que tudo se tornou escuridão consegui sentir seus lábios que tanto desejava
abusar naquelas poucas horas juntos, senti chegar amorosamente em meu pescoço.
Dor...
[...]
Minha mente foi tão inutilmente tingida pela sombra da desconfiança e da amargura.
Prometi a mim mesmo que, se algum dia conseguisse escapar desta armadilha sombria,
não deixaria pedra sobre pedra em minha busca por vingança. A traição não será
esquecida, nem perdoada. Eles vão pagar caro por cada gota de confiança que traíram.
Aos poucos, meus olhos se acostumam à escuridão, revelando uma figura estranha
diante de mim. Uma raposa, mas não uma raposa comum. Esta tem uma cartola
perfeitamente colocada na cabeça e seu olhos que brilham com uma inteligência
desconcertante. Me enrubesci sem notar.
A raposa de cartola apenas sorri, um sorriso malicioso que faz meu coração disparar de
medo.
“Ah, meu caro Salazar, você está em uma situação interessante agora,” ela diz, sua voz
suave como o vento. “Você caiu na toca do escorpião e lidou como uma simples presa
tola, embebida em ganância e entusiasmo sexual.”
Sinto um arrepio percorrer minha espinha enquanto ele fala. “O que você quer de
mim?” pergunto, cauteloso.
O Hyennin inclina a cabeça, seu sorriso se alargando. “Veja bem, Salazar, esta aposta
que fiz é um tanto... complicada. Estou envolvido em uma situação delicada que requer
um toque especializado, alguém como você... Um homem, que mente, que trai, que
rouba. Perfeito para mim.”
Minha mente começa a girar com possibilidades. “E o que eu ganho com isso? Por que
deveria ajudá-lo?” questiono, desconfiado, mas receoso pela audácia de questionar um
Deus.
O Hyennin solta uma risada melodiosa, ecoando na escuridão. “Ah, meu caro Salazar, o
que você ganha é algo que você valoriza mais do que tudo: sua liberdade. Eu o ajudarei
a sair desta situação complicada em que se encontra, e quem sabe até mesmo lhe
concederei alguns favores extras ao longo do caminho.”
“Ora, não é como se você tivesse escolhas jovem ladrão... Mas vou apostar que você
aceitaria de mesma forma.” Diz o trapaceiro. “Quero a sua existência ao meu igual,
quero que tome um dos tronos desse mundo, apenas quero seu ser pequeno, que você
roube um Deus. É generosidade demais para mim, não acha?”
“Você quer que eu tome o lugar de outro Deus?” pergunto, minha voz vacilante.
O Hyennin assente com um olhar penetrante pela minha astúcia. “Exatamente! Salazar.
Ssaazzaar, o Deus da perversão, a serpente está enfraquecendo. Ele não é mais útil para
os propósitos deste mundo, nem para os meus. Você, com suas habilidades únicas e sua
astúcia, seria um substituto muito mais adequado.”
O Hyennin sorri, um sorriso cheio de mistério. “Ah, meu caro Salazar, quantas questões
superficiais, esses são detalhes que não precisamos nos preocupar agora. Tudo o que
você precisa saber é que, se concordar em me ajudar... eu posso te retribuir
imediatamente.” A raposa sorri macabramente com dentes pontudos percorrendo seu
focinho.
“Eu aceito sua proposta, Hyennin. Mas apenas sob uma condição.”
“Oh, uma condição? Eu adoro jogos. Estou ouvindo, Salazar. Diga-me o que deseja.”
Meu coração dispara quando ele aparece atrás de meu ouvido em uma distância que me
atacaria se a raposa fosse de fato selvagem.
Sinto cada fibra do meu ser sendo distorcida e remodelada, como se a própria essência
da minha existência estivesse sendo arrancada e substituída por algo grotesco e
inumano. Uma dor lancinante percorre cada centímetro do meu corpo enquanto minha
carne é moldada em formas que desafiam a razão.
E então, como se para acentuar minha agonia, sinto as pontas afiadas emergindo onde
antes estavam meus dentes, presas sinistras que prometem apenas mais sofrimento e
carnificina. Cada vez que fecho a boca, sinto a pressão dolorosa dessas novas armas,
como se minha própria boca se rebelasse contra sua nova forma.
Enquanto sofro nessa metamorfose tortuosa, posso ouvir o riso frenético e desdenhoso
ecoando no fundo. O Deus raposa, o arquiteto da minha ruína, observa com prazer
sádico enquanto minha humanidade é despojada, substituída por algo que só posso
descrever como uma perversão do divino. Seu riso é uma cacofonia de zombaria.
E enquanto meu ser é despedaçado e refeito sob seu olhar impiedoso, percebo que
nunca na vida estive mais...
P o d e r o s o...
[...]
“Ei você não fique se escondendo, estamos te vendo.” Rogar ruge para um andarilho
misterioso caminhando pelo pântano.
“Deixe ele ir, não nos fará mal algum.” Argumentou Fyira contra o brutamontes.
“Vamos indo, estamos a seis dias de caminhada até Bureau onde podemos limpar todo
esse ouro roubado... Está ouvindo saco de bosta?”
Fyira apenas podia ouvir o gorgolejo de sangue que explodia pela falta de uma cabeça
no lugar do corpo de Rogar. A traquéia exposta ao ar livre causou um choque tão grande
no velho ladrão que em seus anos de profissão não o prepararam para nada dessa
natureza. O corpo caiu de joelhos na frente do homem com capuz de couro.
“O QUE VOCÊ F....” A mandíbula do velho caiu no chão feito por um corte grotesco e
sujo, sua língua veio ao solo junto com a preocupação por seu velho amigo.
“AAAAHHHHaaaahhh.”
“O que foi isso Skorpio? Juro que ouvi Fyira gritar.” Falava com a boca cheia de
comida.
“Gritos de Fyira? Que novidade, deve ser Rogar levando mais um sermão, aquele velho
está começando a me irritar.” Skorpio segura firme seu cantil de madeira envernizada.
“Talvez esteja chegando a hora de uma troca de liderança.” Sussurrou.
“SKORPIO, OLHE” Grick largou a comida ao ver dois corpos mutilados violentamente
na lama, enquanto moscas começarão a perceber a presença de cadáveres fresquinhos.
“MAS QUE MER...”
“Cale-se.” A atenção da mulher foi completamente roubada. “Porque fez isso?” Grick
não conseguia enxergar para onde sua parceira estava olhando mas podia notar uma
energia fria vindo de um dos galhos retorcidos sob a neblina.
“...” Se ouvia somente o sibilo das serpentes no seu capuz. “Eles eram... distrações
interessantes.” A figura fala com um voz de escárnio, estridente, poderia rachar uma
taça.
Skorpio encolhe-se de medo, seu corpo tenso e os olhos arregalados refletindo o pavor
que a consome. Seus pés se viram em direção contrária ao homem encapuzado, mas
antes que pudesse ter oportunidade de fugir uma pequena foice de mãos atravessou em
alta velocidade o véu de neblina.
A lâmina acertou o centro perfeito do globo ocular de Grick, que urrou violentamente.
Em questão de segundos enquanto rugia, seu crânio foi tomado por uma cor negra e
gosmenta. Seu rosto desfigurado fez Skorpio soltar um grito de pavor.
De repente, uma mão gélida agarra o ombro da mulher por trás, fazendo-a estremecer de
terror. Um arrepio percorre sua espinha quando ela sente a pressão fria de uma lâmina
roçando suas costas, um instante de puro pavor congelando seus pensamentos. A dor
lancinante que se segue é acompanhada por uma onda de choque e incredulidade, seus
sentidos mergulhados em uma confusão turva. O mundo ao seu redor parece distante e
distorcido, enquanto ela cai de joelhos, seu corpo tremendo com a intensidade da
experiência traumática.
“Não, não, não só vai quando eu deixar.” A voz esganiçada estremece rouca.
Sua realidade voltou e pode sentir novamente a dor do veneno atravessando cada gota
do seu sangue podre. O brutamontes já estava em decomposição no chão, e vermes
entravam sem piedade pelos buracos do corpo.
Mas... podia enxergar tudo ao ser redor, e como se não bastante o coração no limite,
pode ver o culpado por sua agonia se aproximando. Dessa vez seu rosto estava visível.
Seu rosto pálido como a lua brilhando em uma noite escura. Seus olhos amarelos,
semelhantes aos de uma cobra venenosa, brilham com uma intensidade sinistra,
parecendo penetrar na alma de quem os encara. Presas afiadas reluzem em sua boca,
promessas silenciosas de perigo iminente e violência letal. Seu olhar é como o de um
predador pronto para atacar, e um sorriso sutilmente cruel dança em seus lábios,
revelando um prazer doentio na agonia dos outros. Cada movimento é calculado e
ameaçador, emanando uma aura de veneno e malevolência que parece envenenar o
próprio ar ao seu redor.
“Salaz...”
“Shiiii.” Pediu silêncio colocando suas mãos pálidas sobre a boca de Skorpio. “Isso já
vai terminar, deixe entreter me mais um pouquinho.”
Skorpio sentiu um beijo em seus pescoço, as presas finas e molhadas roçando na sua
jugular. O rosnado das serpentes era nada demais comparado ao que se tornou Salazar.
Logo em seguida, Salazar recua lentamente para as sombras do pântano, seus passos
silenciosos ecoando como suspiros sombrios na noite. Seu olhar amarelado permanece
fixo, penetrando na escuridão como os olhos de uma fera à espreita. Com um último
sorriso venenoso, ele desaparece na escuridão, deixando para trás a mulher... Que a cada
segundo a mais de dor lançante sucumbirá a morte iminente e vil.
De longe, uma pequena raposa observa orgulhosa de seu devoto mais fiel...