Unidade 1 Clínica Ampliada e Compartilhada
Unidade 1 Clínica Ampliada e Compartilhada
Unidade 1 Clínica Ampliada e Compartilhada
e Apoio Matricial
DE EDUCAÇÃO
PERMANENTE
EM SAÚDE
DA FAMÍLIA
UNIDADE 1
Clínica ampliada
Embora no imaginário popular a clínica esteja fortemente ligada à figura médica, todos os
profissionais da saúde possuem sua própria clínica. Campos (2009) descreve como a clínica
é percebida e que na concepção dos profissionais de saúde “A objetividade da clínica é for-
necida pelo conhecimento acumulado em protocolos e diretrizes construídos com base em
evidências” (p. 68-69). O autor ainda nos coloca alguns conteúdos e técnicas que permitem
ao profissional escrever parte da história do processo de adoecimento de uma pessoa, entre
elas a semiologia da doença e avaliação do risco, por meio de entrevistas, exames físicos e
coletas de dados provenientes de laboratórios, imagens ou anatomopatológicos. Esse con-
junto de conhecimentos legitima a autoridade do profissional de saúde frente a um usuário.
Para Campos (2009), essa concepção de saúde não está presente apenas no profissional.
Ela é mantida por três sujeitos nesse processo: o profissional, o usuário e o gestor. Entre os
usuários, é forte a concepção de saúde como um “bem de consumo”, então o momento de
encontro com o profissional de saúde deve ser rápido, resolutivo, com a prescrição de algum
produto a ser consumido pelo usuário que resolva o seu problema. As pessoas querem a
receita e o encaminhamento dos médicos, os choquinhos e a massagem do fisioterapeuta,
a dieta milagrosa da nutricionista, e assim por diante.
Na nossa situação problema, você pode verificar essa concepção no momento em que
a equipe cita os usuários e sua busca pelas “receitas azuis”, como popularmente são
conhecidas as receitas de medicamentos controlados — no caso da situação problema, os
benzodiazepínicos. Esse modelo favorece a criação de relações rápidas e superficiais entre os
profissionais e os serviços, favorecendo a busca por outros locais de trabalho para preencher
o tempo restante e melhorar o salário. Os gestores, por sua vez, caso não sejam implicados
com a qualificação da saúde ou a mudança no modelo de atenção, ficam diante de um cenário
favorável à desqualificação da atenção, em que só precisam mediar a relação entre usuários
e profissionais, dando a cada um o que querem. O resultado é o consumo de procedimentos
nas sintomatologias e pouca resolutividade sobre as causas dos problemas de saúde.
Arouca (1975), em sua tese O Dilema Preventivista, afirmou que uma escola médica norteada
pela clínica biológica, tendo o hospital como local privilegiado para formação e centrada
em procedimentos, gera profissionais descontextualizados das necessidades de saúde da
população. Por isso, a necessidade de compreender a particularidade de cada pessoa e de
cada comunidade é fundamental para ampliar a capacidade resolutiva de uma equipe, seja
ela uma Estratégia Saúde da Família, um NASF, seja um consultório na rua.
Historicamente, uma falsa dicotomia entre clínica e saúde coletiva permeou o espaço dos
serviços de saúde. A atenção primária é vista por alguns profissionais como local exclusivo
para prevenção e ações coletivas, mesmo contendo profissionais que realizam apenas as
condutas clínicas individuais e estas ocorrem no período patogênico, conforme descrito no
modelo da história natural da doença.
A clínica tradicional é um modelo surgido nos ambientes hospitalares e que acabou por ser
reproduzido nos demais pontos do sistema de saúde. Contudo, este não consegue respon-
der às demandas de necessidade de saúde de uma população, gerando algumas situações
que são objetos de estudo:
A clínica tradicional
• Descontinuidade do cuidado
A descontinuidade do cuidado é reflexo da fragmentação do processo de trabalho.
Cada acesso do usuário aos profissionais da rede é isolado, não havendo continui-
dade entre as ações de cada profissional. Exemplo: no tratamento de um usuário
com diabetes, não há um cuidado pactuado dos papéis da Equipe de Saúde da
Família com o endocrinologista da média complexidade ou com o nutricionista
ou o educador físico do NASF.
Todos temos algo que orienta nossa forma de agir, que é construído na relação entre nossa
personalidade e a cultura na qual estamos inseridos. Se pensarmos em culturas diferentes,
será que a concepção sobre ter saúde é a mesma para um árabe, um norte-americano, um
coreano, um alemão e um cubano?
E se olharmos para um mesmo país, o Brasil, por exemplo: será a concepção de saúde para
um amazonense a mesma de um paulistano, de um baiano, de um goiano ou de um gaúcho?
Ou de um índio de uma tribo do Xingu, ou um agricultor de assentamento sem-terra, um mora-
dor de comunidade ribeirinha, ou quilombola? Para homens, mulheres, crianças ou idosos?
Todos temos um conjunto de valores que orientam nossa conduta na vida, seja o que acredita-
mos ser saúde, seja a forma de nos relacionar com o mundo. Estar sensível às particularidades
nos deixa mais próximos de entender o outro e auxilia no momento de pactuar um tratamento.
No caso da nossa situação problema, fica claro que existem outros fatores que desenca-
deiam a utilização de benzodiazepínicos e anti-inflamatórios, principalmente a situação social
da família. Para o enfrentamento do problema, foi preciso mobilizar um conjunto de ações
enquanto ofertas para atingir as causas do adoecimento e não apenas os seus sintomas.
Os serviços de saúde também são organizados por níveis hierárquicos. Quanto maior o nível
hierárquico, maior o suporte de tecnologias duras (eletrocardiograma, ventilação mecânica
etc.), maior a especialização do serviço (centro de referência em cardiologia, em oncolo-
gia, uma maternidade etc.), e menor a autonomia do usuário sobre o “projeto terapêutico”
proposto para reestabelecer sua saúde (geralmente organizado por protocolos clínicos e
rotinas dos serviços). Esse é o caso de um hospital, por exemplo. Nesse tipo de ambiente, é
forte e necessária a preocupação com a velocidade no diagnóstico e na conduta, e menor a
consideração sobre as relações sociais dos indivíduos e a influência destas no processo de
adoecimento e reestabelecimento da saúde.
Quando olhamos para a atenção primária, temos menor aporte de tecnologias duras, com
o predomínio das tecnologias leves (vínculo, escuta qualificada, negociação de projetos) e
leve-duras (conhecimentos de Clínica, Antropologia, Geografia, História, etc.), devido a uma
grande complexidade de fatores que interferem na vida das pessoas e no processo de saú-
de-doença (moradia, renda, condições sanitárias, lazer, educação etc.). Nos espaços em que
ocorre a atenção primária, os usuários possuem mais autonomia para aderir ou não às pro-
postas terapêuticas das equipes, conforme façam sentido ou não em suas vidas.
SERVIÇOS DE SAÚDE EM
MENOR NÍVEL HIERÁRQUICO
Figura 1 - Características dos serviços de saúde de acordo com seus níveis hierárquicos
Veja que:
Tecnologia leve-dura: refere-se aos saberes bem estruturados que operam no pro-
cesso de trabalho em saúde, como a clínica médica, a epidemiologia, o taylorismo.
Observou as diferenças hierárquicas dos serviços de saúde? Elas são importantes para com-
preendermos a clínica ampliada, que é o conteúdo de nossa próxima aula. Até lá!
Clínica ampliada e apoio matricial
Clínica ampliada 7
Aula 3: O que é clínica ampliada?
Vamos, agora, refletir o que afinal é clínica ampliada, começando pelo conceito definido na
Política Nacional de Humanização – PNH.
Clínica ampliada: um compromisso radical com o sujeito doente, visto de modo singular. É
assumir a RESPONSABILIDADE sobre os usuários dos serviços de saúde, buscar ajuda em
outros setores, ao que se dá o nome de INTERSETORIALIDADE. É ainda RECONHECER OS
LIMITES DOS CONHECIMENTOS dos profissionais de saúde e das TECNOLOGIAS por eles
empregadas, buscar outros conhecimentos em diferentes setores e assumir um compro-
misso ÉTICO profundo.
Eixo Orientação
Algumas sugestões encontradas na PNH podem auxiliar você e sua equipe no processo de
ampliação do olhar:
• Exercitar a escuta qualificada dos usuários, acolhendo todo relato ou queixa, mesmo que aparen-
temente não contribua em um primeiro momento para o diagnóstico ou terapêutica – essa atitude
pode ajudar a reconstruir e a respeitar os motivos que ocasionaram o seu adoecimento. Isso tam-
bém o auxiliará a compreender a relação da doença com sua vida e a corresponsabilizá-lo. Mesmo
não podendo ampliar a escuta de forma detalhada em todos os casos, é preciso priorizar os que
precisam mais, mas os outros encontros clínicos podem ser menos duros se norteados com alguns
elementos da vida.
• Essa atitude também colabora com o fortalecimento de vínculo e afetos, o que aumenta as pos-
sibilidades e chances de ajudar a pessoa doente a ganhar mais autonomia e lidar com a doença.
Veremos na Unidade 3 que o vínculo é uma importante diretriz para o trabalho das equipes de
referência, tanto com as famílias quanto para melhorar a relação entre os profissionais da equipe.
• Culpa e medo não são bons aliados. Eles geram resistência e humilhação. Não precisamos de culpa-
dos, e sim de corresponsáveis, pois um plano pactuado entre equipe e usuários gera cumplicidade;
se der certo, foram os dois; e se não estiver dando, a responsabilidade deve ser compartilhada tam-
bém, pois isso diminui as resistências e os abandonos aos tratamentos. Mudar hábitos de vida nem
sempre é fácil: em vez de prescrever mudanças, você pode ofertar experiências novas, novas sensa-
ções prazerosas, por meio de uma atividade física e mudanças alimentares. Não existe só um jeito
saudável de viver a vida. Diálogo e informação são boas ferramentas e lembre-se:
A doença não pode ser a única preocupação da vida de uma pessoa. [...]
Até lá!
UNIDADE
Apoio matricial
3
Agora que vocês já conhecem conceitos importantes sobre clínica ampliada, família e as ferra-
mentas de abordagem familiar, vamos imergir nos pressupostos do apoio matricial para uma
adequada gestão do cuidado em saúde.
Um dos grandes desafios para se realizar a gestão do cuidado em saúde sempre foi a supe-
ração dos modelos hierárquicos piramidais e a extrema especialização, com fragmentação
do trabalho.
• Atenções Terciárias
e Quaternárias
• Maior densidade de
tecnologias duras
• Atenção Primária
• Menor densidade
de tecnologias duras
Além desse arranjo vertical de relação, há uma profunda fragmentação das unidades produti-
vas de saúde, com uma crescente especialização. Em um ambulatório hospitalar, por exemplo,
encontraremos o coordenador médico, o de enfermagem, o da nutrição, o administrador que
cuidará da equipe de limpeza e insumos, o chefe da segurança etc. Geralmente a relação entre
os membros está balizada por instrumentos burocráticos, como protocolos, mapas, fichas
de encaminhamento, referência e contrarreferência, com transferência de responsabilidade
sobre o paciente, como em uma linha de produção.
Se pensarmos em uma secretaria de saúde, não será muito diferente. As diretorias e depar-
tamentos obedecem à mesma lógica piramidal, com relações verticais e baixa ou inexistente
Clínica ampliada e apoio matricial
Apoio matricial 3
comunicação horizontal. Assim, temos a diretoria de vigilância, diretoria de Atenção Básica, dire-
toria de atenção hospitalar, o gabinete do secretário, o conselho municipal ou estadual de saúde.
A estratégia das equipes de referência e Apoio Matricial tem por objetivo original superar
essa fragmentação na perspectiva da construção de RAS, cuidadoras e corresponsáveis e
cogestoras do cuidado realizado à população.
Segundo esses autores, a equipe de referência seria uma equipe multiprofissional respon-
sável pela condução de problemas de saúde dentro de certo campo de conhecimento e que
busca atingir objetivos comuns, sendo responsável pela realização de um conjunto de tarefas,
ainda que operando com diversos modos de intervenção. Poderia ser a equipe responsável
pela enfermaria de oncologia de um hospital ou a Equipe de Saúde da Família responsável
pela população de um território adscrito. Independentemente de qual seja, ela estará mais
próxima dos problemas de saúde, da população acompanhada e do desenrolar dos projetos
de intervenção, ou terapêuticos, em desenvolvimento.
Para tanto, deverá trabalhar com instrumentos operacionais que auxiliem na definição da res-
ponsabilidade sanitária que ela possua e ampliem a construção de vínculo como, por exem-
plo, a adscrição de clientela à equipe de referência, por meio de registro e um cadastro de
casos sob sua responsabilidade, para avaliar risco, vulnerabilidade e identificação de casos
que mereceriam a elaboração de um Projeto Terapêutico Singular, ou mesmo alteração da
avaliação diagnóstica ou dos procedimentos de cuidado (CAMPOS; DOMITTI, 2007).
Veja que nessa proposta não existe mais espaço para pensamentos
do tipo “o usuário não é mais ‘meu’, ele é agora do CAPS”. O usuário
é acompanhado pela RAS, e a Estratégia de Saúde da Família é a sua
equipe de referência. Assim, deverá acompanhá-lo durante todo
itinerário terapêutico.
É importante ressaltar que ele não elimina a hierarquia nem responsabilidades, mas propõe
novas formas de interação entre os membros de uma Equipe de Saúde, de uma rede de
atenção ou da própria gestão. O termo foi retirado da proposta do apoiador institucional do
Apoio Paideia, em que este sujeito atua tanto na gestão do trabalho em equipe quanto na
clínica, na saúde pública ou nos processos pedagógicos. Dessa forma, a relação entre sujei-
tos com saberes, valores e papéis distintos pode ocorrer de maneira dialógica.
Agora que você compreende a noção macro de Apoio Matricial, vamos estudar um pouco o
Núcleo de Apoio à Saúde da Família – NASF, enquanto Apoio Matricial.
O que é o NASF?
O Núcleo de Apoio à Saúde da Família – NASF foi criado em 2008 pela Portaria nº 154, de 24
de janeiro, e atualmente é regulado pelas Portarias nº 2.488, de 2012, da Política Nacional de
Atenção Básica – PNAB, segundo a qual:
Inicialmente foram criadas duas modalidades de NASF (tipo I e tipo II), que foram redefini-
das pela Portaria nº 3.124, de dezembro de 2012, a qual também criou a modalidade tipo III.
O quadro a seguir apresenta esses três tipos:
A proposta do NASF aponta o conceito de Apoio Matricial como orientador de sua prática.
O NASF apresenta, enquanto objetivo,
Por fazer parte da Atenção Básica, o NASF é orientado pelos mesmos princípios, contudo, ele
não é um serviço com um espaço físico independente. Seu local de atuação é nas unidades
de saúde da família e em seus territórios, tendo como público-alvo as equipes de referência
apoiadas (ESF, EAB para populações específicas – consultórios na Rua, equipes ribeirinhas e
fluviais) e diretamente os usuários do Sistema Único de Saúde. Para tanto, é importante criar
mecanismos de identificação e escuta das demandas das equipes e para diálogo sobre suas
práticas e sobre o cuidado realizado diretamente aos usuários (BRASIL, 2014).
• discussões de casos;
• educação permanente;
• intervenções no território e outros espaços da comunidade para além das unidades de saúde;
• visitas domiciliares;
• ações intersetoriais;
Estas atividades comporão a agenda da equipe NASF e podem ser organizadas em:
• reunião de matriciamento;
Mais do que ações diferentes, são posturas diferentes de relação entre os trabalhadores da
saúde. No quadro a seguir, exemplifica-se a diferença entre o modelo tradicional de encami-
nhamento e a proposta do Apoio Matricial.
É interessante entender que as coisas não mudam do dia para a noite, então realizar
um conjunto de reuniões entre equipes de referência e Apoio Matricial é fundamental.
Um importante espaço na construção da relação entre equipes de referência e Apoio
Matricial são as reuniões matriciais. Estas são configuradas por:
Reunião
com as ESF
Vencida essa etapa, é fundamental a pactuação das ações a serem desenvolvidas, associadas
às metas de qualidade da atenção e produção de indicadores que mensurem a efetividade
das ações. Avaliar não é uma atividade fácil, e monitorar é um dos principais desafios para as
políticas de saúde, contudo, por meio do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da
Atenção Básica – PMAQ, todos os profissionais, inclusive o NASF, possuem instrumentos pró-
prios e compartilhados para avaliarem e proporem ações que visam a qualidade da atenção.
Para tanto, são necessárias algumas medidas que garantam a efetividade da ação de avalia-
ção e monitoramento:
• Meios de divulgação e apresentação periódicos das informações registradas pelas equipes, tais
como: relatórios, boletins, informativos, reuniões comunitárias, conselho de saúde, entre outros.
Agora que já sabemos o papel do NASF no Apoio Matricial, vamos refletir sobre o Centro de
Atenção Psicossocial – CAPS.
Nessa abordagem, o território de origem das pessoas, não só o geográfico mas também
o afetivo, tem grande importância. A saúde mental, com o Decreto nº 7.508/11, passou a
ser uma das RAS prioritárias para o SUS, o que provoca a discussão em como a rede pode
trabalhar essa temática. Não é incomum encontrar profissionais de atenção primária que
possuem resistência, receio, insegurança ou outros adjetivos frequentemente utilizados,
quando se deparam com casos de saúde mental.
A realidade das equipes de Atenção Básica demonstra que, cotidianamente, elas se deparam
com problemas de saúde mental. Por sua proximidade com famílias e comunidades, as
equipes da Atenção Básica são um recurso estratégico para o enfrentamento de agravos
vinculados ao uso abusivo de álcool, drogas e diversas formas de sofrimento psíquico.
Existe um componente de sofrimento subjetivo associado a toda e qualquer doença,
Clínica ampliada e apoio matricial
Apoio matricial 13
às vezes atuando como entrave à adesão a práticas preventivas ou de vida mais saudáveis.
Poderíamos dizer que todo problema de saúde é também – e sempre – mental, e que toda
saúde mental é também – e sempre – produção de saúde (BRASIL, 2003).
As ações de saúde mental na Atenção Básica devem obedecer ao modelo de redes de cuida-
do, de base territorial e atuação transversal com outras políticas específicas e que busquem
o estabelecimento de vínculos e acolhimento. Essas ações devem estar fundamentadas nos
princípios do SUS e nos princípios da Reforma Psiquiátrica. Podemos sintetizar como princí-
pios fundamentais dessa articulação entre saúde mental e Atenção Básica:
• noção de território;
• intersetorialidade;
• reabilitação psicossocial;
• multiprofissionalidade/interdisciplinaridade;
• desinstitucionalização;
As ações de saúde mental na Atenção Básica devem obedecer ao modelo de redes de cuida-
do, de base territorial e atuação transversal com outras políticas específicas e que busquem
o estabelecimento de vínculos e acolhimento.
Afinal, você sabe o que é CAPS? Existe algum de referência para a sua equipe?
Objetivos Responsabilidades
Muitos profissionais não têm conhecimento sobre o papel de um CAPS na atenção primária, de
que forma ele pode atuar em uma perspectiva de Apoio Matricial. Como vimos anteriormente,
na dimensão clínico-assistencial ou técnico-pedagógica, ele visa fornecer-lhes: orientação
e supervisão; atendimento conjunto em situações mais complexas; realização de visitas
domiciliares acompanhadas das equipes da Atenção Básica; atendimento a casos complexos
por solicitação da Atenção Básica; participação da construção e acompanhamento de PTS.
De acordo com a política de saúde mental, os itens descritos são considerados dispositivos
estratégicos para a organização da rede de atenção em saúde mental. Para tanto, devem
estar territorializados de forma estratégica, circunscritos no espaço de convívio social (famí-
lia, escola, trabalho, igreja etc.) daqueles usuários que os frequentam. Se olharmos pelo
prisma da clínica ampliada, veremos que a proposta é olhar para além da doença, na vida,
resgatar as potencialidades dos recursos comunitários, pois estes fazem parte dos cuidados
em saúde mental.
b. Discutir casos identificados pelas equipes da Atenção Básica que necessitem de uma
ampliação da clínica em relação às questões subjetivas.
e. Fomentar ações que visem à difusão de uma cultura de assistência não manicomial, dimi-
nuindo o preconceito e a segregação com a loucura.
g. Priorizar abordagens coletivas e de grupos como estratégias para atenção em saúde men-
tal, que podem ser desenvolvidas nas Unidades de Saúde, bem como na comunidade.
E como e quando realizar essas atividades? Lembremos que estamos diante de uma pro-
posta de Apoio Matricial e não de encaminhamento tradicional. Você já pensou em reuniões
matriciais envolvendo os atores do território (ESF, NASF, CAPS)?
UNIDADE 4
Projeto Terapêutico
Singular
Nesta última unidade, iremos apresentar algumas reflexões sobre o Projeto Terapêutico
Singular – PTS. Contudo, gostaríamos que você entendesse que não existe receita para essa
construção. Partindo do conceito de singular, próprio, único, cada projeto deve ser pensado
para a realidade que irá intervir.
Nesse sentido, os conceitos de clínica ampliada e Projeto Terapêutico Singular são um con-
vite ao enfrentamento de situações vivenciadas pelas equipes e encaradas como de difícil
resolução, pois esbarram nos limites da clínica tradicional. A superação desse desafio é uma
provocação ao modelo de atenção e à gestão dos serviços de saúde a se reinventarem com
instrumentos novos que auxiliem a superação dos limites impostos pela clínica tradicional
(BRASIL, 2009).
Vimos em nossa situação problema que a Equipe de Saúde da Família e o NASF se reuni-
ram para discutir a situação complexa de uma família frente ao adoecimento e submetida
a uma realidade de exploração. Naquele momento, a equipe chegou à conclusão de que as
terapêuticas não fariam mais resultados e o quanto isso era frustrante. Pensou-se então na
elaboração de uma proposta mais ampla de intervenção, envolvendo família, universidade,
Equipe de Saúde e associação de moradores. Começava a construção de um Projeto Tera-
pêutico Singular.
O PTS pode ser definido como uma estratégia de cuidado que articula um conjunto de ações
resultantes da discussão e da construção coletiva de uma equipe multidisciplinar e leva em
conta as necessidades, as expectativas, as crenças e o contexto social da pessoa ou do cole-
tivo para o qual está dirigido (BRASIL, 2007). É o resultado da discussão de uma equipe
interdisciplinar, equipe de referência de forma interna ou com a equipe de Apoio Matricial.
O PTS foi bastante utilizado pela saúde mental para buscar outras alternativas ao trata-
mento psiquiátrico, fechado no diagnóstico e na medicalização, para uma perspectiva de
atuação integrada de equipe valorizando as opiniões de todos os profissionais e usuários na
busca de propostas de ações (BRASIL, 2009).
Para alguns é uma modificação de uma discussão de caso clínico, com uma forma própria
de discutir e sistematizar as intervenções, os responsáveis para possíveis reavaliações.
Contudo, não é aconselhável, e na maioria das vezes, nem viável ou necessário construí-lo
para todos os casos acompanhados por uma Equipe de Saúde (BRASIL, 2013).
Geralmente, os casos tidos como mais complexos e/ou graves devem ser priorizados obser-
vando algumas dicas:
• Qual a extensão e/ou intensidade dos problemas apresentados?
• Quais dimensões estão sendo afetadas? Biológica, psicológica ou social?
• O caso exige uma articulação da equipe?
• Será preciso envolver outras instâncias como os recursos comunitários, outros serviços de saúde
e/ou instituições intersetoriais?
Para se elaborar um PTS, é necessário seguir algumas etapas. A depender do autor, o projeto pode
ser dividido em três ou quatro momentos. Neste módulo, optamos por utilizar quatro momentos:
DEFINIÇÃO DE HIPÓTESES,
DIAGNÓSTICO, CONDICIONANTES E ENVOLVIDOS
Definição e
pactuação da
situação de um
sujeito,família
ou comunidade
AVALIAÇÃO / DEFINIÇÃO DE
REAVALIAÇÃO DA SITUAÇÃO OBJETIVOS E METAS
DIVISÃO DE TAREFAS
E REFERÊNCIAS
Diagnóstico situacional
Essa etapa também é conhecida como definição de hipóteses e diagnósticos. O fundamental
dela é o processo de aproximação da equipe da situação vivenciada por um sujeito, família ou
comunidade, de forma mais extensiva possível. Em se tratando de uma situação nova para
a equipe, se orienta o cuidado com o acolhimento empático e a escuta cuidadosa e sensível
para favorecer o vínculo, possibilitando disponibilidade de receber e ofertar, em qualquer
momento ao longo do processo de cuidado, uma escuta cuidadosa e sensível; ofertar a voz
à pessoa, à família, ao grupo ou ao coletivo para que falem sobre seus problemas, suas
expectativas, suas explicações e suas tentativas de intervenção (BRASIL, 2013).
• cartografar o contexto social e histórico em que se inserem a pessoa, a família, o grupo ou o coleti-
vo ao qual está dirigido;
Caso haja necessidade de coleta de mais informações, é possível utilizar-se alguns dispositi-
vos para ampliar o conhecimento sobre a situação do usuário, da família ou da comunidade:
• discussão com aparelhos sociais e serviços envolvidos nos casos (igreja, trabalho, CRAS);
• exposição de cada membro da equipe que teve contato com a situação (agente comunitário, médi-
co, enfermeiro, nutricionista etc.).
• Como gostaríamos que determinada pessoa a ser cuidada estivesse daqui a algum tempo?
A pactuação do que é possível fazer deve incluir todos os envolvidos – equipe e pessoa, famí-
lia, grupo ou coletivo para o qual está dirigido o PTS, pois isso estimula o compartilhamento
e a cogestão do processo de cuidado.
A reavaliação do PTS
A condução da reavaliação é de responsabilidade do técnico responsável. Ele pode realizá-la
em diversos momentos, tais como:
• reuniões ampliadas com outros serviços (CAPS, ambulatórios, CRAS etc.) e instituições implicadas
(escola, associação de moradores, ONGs).
Essas práticas têm sido grandes aliadas em ofertas das equipes para
as comunidades nas pactuações de projetos terapêuticos e na cons-
trução da clínica ampliada. O conhecimento técnico das profissões é
fundamental para o cuidado, só que há a necessidade de ampliá-lo e
passar a encará-lo como mais uma oferta de um cardápio que pode
ser pactuado com os usuários.