43 Ciclo de Formação Do Professor Rio Grande

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 288

1

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE - FURG


INSTITUTO DE LETRAS E ARTES - ILA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS – HISTÓRIA DA LITERATURA

JULIANA VOTTO CRUZ

DA SALA DE AULA À PRÁTICA DOCENTE: O CICLO DE FORMAÇÃO DO


PROFESSOR E O ENSINO DE LITERATURA NAS ESCOLAS DA REDE
ESTADUAL EM RIO GRANDE, RS

RIO GRANDE
2016
2

JULIANA VOTTO CRUZ

DA SALA DE AULA À PRÁTICA DOCENTE: O CICLO DE FORMAÇÃO DO


PROFESSOR E O ENSINO DE LITERATURA NAS ESCOLAS DA REDE
ESTADUAL EM RIO GRANDE, RS

Tese apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Letras – Doutorado em
História da Literatura da Universidade
Federal do Rio Grande, como requisito
para obtenção do grau de Doutora em
Letras.
Orientador:
Prof. Dr. José Luís Giovanoni Fornos

Rio Grande
2016
3

Insira depois aqui a folha de aprovação (impressa)


4

A verdadeira vida, a vida por fim esclarecida e descoberta,


a única vida, pois, plenamente vivida, é a literatura.
(Proust)
5

Aos educadores do Rio Grande,


“pela coragem da rebeldia e pela valentia de amar”. 1

1
Paulo Freire.
6

Agradecimentos

Aos meus pais, Maria e Flávio, pelo peito aberto, ouvidos carinhosos e amor
incondicional que investem em minha felicidade e de meu irmão. Ao meu irmão
Arthur, pela parceria na vida, nas lutas e nas utopias. Seguiremos lado a lado, até o
fim. Ao Wagner, por todo o apoio durante o processo e pelos debates e comentários
sempre preciosos com que me presenteou ao longo do percurso.
Aos professores e professoras de minha família, pelo exemplo e pela ousadia
de eleger a educação como carreira em tempos de desconfiança e desvalorização.
E a todos os meus familiares pelo incentivo e boas energias que transmitiram
durante o curso.
Ao meu orientador, professor Jose Luís Giovanoni Fornos, pela coragem de
abraçar a causa do ensino de literatura no município, a despeito de todos os
desafios que enfrentamos. Pela generosidade no trato, pelo bom humor (quase)
constante, pelos inúmeros cafés “carioquinha” na Livraria Vanguarda,
acompanhados de conversas leves e sem qualquer traço de autoritarismo. Por ser
um exemplo de intelectual, de educador e de ser humano, que se alegra
genuinamente com as conquistas de seus estudantes, estimulando sua autonomia e
liberdade pelos caminhos da pesquisa.
Ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Rio
Grande (FURG), pelas condições para o desenvolvimento do trabalho. Às agências
de fomento à pesquisa CNPQ/CAPES, pela bolsa de estudos concedida durante os
quatro anos do curso, o que permitiu a redução de minha carga horária no trabalho e
o maior tempo de dedicação a esta investigação.
Aos professores Gabriela Fernanda Cé Luft e Mauro Nicola Póvoas, pelas
ricas contribuições e pela leitura atenta na ocasião do exame de qualificação. À
professora Elisabeth Schmidt, pela gentileza e afeto com que aceitou compor a
banca da defesa final.
7

Aos meus professores, colegas e amigos do Programa de Pós-Graduação em


Letras da FURG, pelos encontros sempre produtivos, pelas descobertas, pela troca,
pelo aprendizado diário e por compartilharem comigo este momento tão significativo.
Aos meus amigos da vida, os de longa data e os que se achegaram mais
recentemente, pelo incentivo, paciência, bons conselhos, risadas e palavras de
carinho e motivação.
Aos educadores e estudantes participantes desta pesquisa, por partilharem
suas experiências, concepções, sonhos, frustrações e sentimentos comigo. Sem
vocês nada teria sido possível. Hoje posso devolver-lhes com satisfação o fruto de
nosso encontro.
E aos meus alunos de ontem, de hoje e de amanhã, que me ensinam todos
os dias o que é ser educadora.
8

RESUMO

O presente estudo investiga os principais agentes envolvidos no processo de


formação de professores e no ensino de literatura do município do Rio Grande, RS.
A pesquisa propõe-se, inicialmente, discutir aspectos teóricos relacionados à
escolarização da literatura, sobretudo no contexto brasileiro, bem como a formação
de leitores e o próprio conceito de leitura. Aborda, ainda, a crise no ensino da
disciplina e aponta possíveis caminhos alternativos, com especial atenção às
contribuições da estética da recepção. Com relação à intervenção realizada, foram
considerados sujeitos/objetos desta pesquisa: alunos e professores dos cursos de
Letras da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e professores em atividade
nas escolas estaduais do município. Como instrumentos de coleta de dados foram
utilizados questionários, em uma fase considerada exploratória, e entrevistas com
educadoras da rede estadual, na segunda fase. Na primeira etapa procurou-se
traçar um perfil médio do professor de literatura na rede básica, bem como analisar o
processo de formação dos acadêmicos de Letras no começo e no final do curso.
Informações obtidas junto a dois professores universitários foram igualmente
relevantes. Na segunda etapa, quatro educadoras da rede estadual foram
selecionadas por zoneamento no município e entrevistadas em uma perspectiva
qualitativa de viés interativo. O objetivo foi analisar as relações existentes entre
hábitos de leitura, formação docente, orientações curriculares, legislação vigente,
formação acadêmica e práticas de ensino e pesquisa de cada grupo em questão,
procurando evidenciar possíveis desequilíbrios e cotejar a proposta metodológica da
universidade com a prática de escolas secundárias. Nesse sentido, pretende-se
também promover e fomentar o diálogo a respeito da lacuna evidenciada entre o
ensino superior, representado pela universidade, e a educação básica no contexto
do município.
Palavras-chave: Ensino de literatura – Formação de leitores – Formação de
professores
9

RÉSUMÉ

Cette étude examine les principaux acteurs impliqués dans le processus de


formation des enseignants et de l'enseignement de la littérature de Rio Grande, RS.
La recherche vise à discuter d'abord les aspects théoriques liés à l'éducation de la
littérature, en particulier dans le contexte brésilien, ainsi que la formation de lecteurs
et le concept de la lecture. Aborde également la crise dans l'enseignement de la
discipline et suggère des voies alternatives possibles, avec une attention particulière
des contributions de l’esthétique de la réception. En ce qui concerne l'intervention
effectuée, on a considéré comme des sujets / objets de cette recherche: les
étudiants et les enseignants des cours de Lettres à l'Université fédérale de Rio
Grande (FURG) et les enseignants qui travaillent dans les écoles publiques
(coordonnées pour l’état du RS) de la ville. Pour réunir des données ont été utilisés
des questionnaires, dans une étape considérée exploratoire, et des entrevues avec
les éducateurs de l'état dans la deuxième phase. La première étape visait à attirer un
profil moyen du professeur de littérature dans le réseau de base, ainsi qu’à analyser
le processus de formation des étudiats de Lettres au début et à la fin du cours. Les
informations obtenues à partir de deux professeurs universitaires étaient également
pertinents. Dans la deuxième étape, quatre professeurs de l'état ont été sélectionnés
pour le zonage municipal et interviewés dans une perspective qualitative dans un
biais interactif. L'objectif était d'analyser les relations entre les habitudes de lecture,
la formation des enseignants, des lignes directrices du curriculum, de la législation, la
formation académique et des pratiques de l'enseignement et de la recherche de
chaque groupe en question, en cherchant des déséquilibres possibles et en
rassemblant la proposition méthodologique de l'université avec la pratique des
écoles secondaires. En ce sens, nous avons l'intention de promouvoir et de favoriser
le dialogue sur l'écart évident entre l'enseignement supérieur, représenté par
l'université et l'éducation de base dans la municipalité.

Mots-clés: Enseignement de la Littérature - La formation des lecteurs - La formation


des enseignants
10

ABSTRACT

The present study investigates the main agents involved in teacher training process
and Literature teaching of the City of Rio Grande, RS. The research aims to initially
discuss the theoretical aspects related to the schooling of literature, especially in the
Brazilian context, among with the formation of readers and the concept of reading.
Addresses also the crisis in the teaching of this subject and suggests possible
alternative paths, with special attention to the contribution of the reception aesthetics.
Regarding the intervention performed, were considered subjects/objects of this
research: students and teachers of languages school at the Federal University of Rio
Grande (FURG) and active teachers in state schools in the municipality. As data
collecting instruments were used questionnaires, in a considered exploratory phase,
and interviews with state educators in the second phase. In the first stage it was
sought to draw an average profile of the literature teacher of the basic education
network and analyze the process of formation of language undergrads at the
beginning and end of the course. Information obtained from two college professors
were also relevant. In the second stage, four state school teachers were selected
through zoning in the municipality and interviewed in a qualitative perspective of
interactive bias. The scope was to analyze the relationship between reading habits,
teacher training, curriculum guidelines, current legislation, academic and teaching
practices and research of each group under analysis, pursuing to highlight possible
imbalances and collate the methodological proposal of the university with the practice
of secondary schools. In this sense, it is intended to promote and increase the
dialogue about the evident gap between higher education, represented by the
university, and basic education in a municipality context.

Keywords: Literature teaching – Readers development - teacher training


11

RELAÇÃO DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ANEB – Avaliação Nacional da Educação Básica

ANRESC – Avaliação Nacional do Rendimento Escolar

BNCC – Base Nacional Curricular Comum

CONAE – Conferência Nacional de Educação

CNE – Conselho Nacional de Educação

CRE – Coordenadoria Regional de Educação

DA – Diretório Acadêmico

DCE – Diretório Central dos Estudantes

ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio

FIES – Fundo de Financiamento Estudantil

FURG – Universidade Federal do Rio Grande

FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação

FLIRG – Festa Literária do Rio Grande

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MEC – Ministério da Educação

OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico

OCNEM – Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio

PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais


12

PCN+ Ensino Médio – Orientações Complementares aos Parâmetros Curriculares


Nacionais para o Ensino Médio

PCNEM – Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio

PISA – Programa Internacional de Avaliação de Estudantes

PNLD – Plano Nacional do Livro Didático

ProUni – Programa Universidade para Todos

SAEB – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica

SiSU – Sistema de Seleção Unificada

TALIS – Pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizagem (Teaching and


Learning International Survey)
UAB – Universidade Aberta do Brasil

UFPEL – Universidade Federal de Pelotas

UNB – Universidade de Brasília

UNE – União Nacional dos Estudantes

UPF – Universidade de Passo Fundo

USP – Universidade de São Paulo


13

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Gráfico 1: Porcentagem de jovens de 15 a 17 anos na escola e porcentagem


de jovens de 15 a 17 anos matriculados no Ensino Médio. 44
Figura 1: Avaliações do SAEB 45
Gráfico 2: Quanto ao gênero 101
Gráfico 3: Idade dos alunos ingressantes nos cursos de Letras em 2013 102
Gráfico 4: Cidade natal dos estudantes 103
Gráfico 5: Região de moradia 103
Gráfico 6: Tipo de escola em que cursaram o Ensino Médio 104
Gráfico 7: Escola onde concluíram o Ensino Médio 105
Gráfico 8: Leitura de ficção durante o ensino médio 106
Gráfico 9: Critério para seleção de obras ficcionais 107
Gráfico 10: Como avaliaram as aulas de literatura no ensino médio 113
Gráfico 11: Como eram suas aulas de literatura no ensino médio? 113
Gráfico 12: Em qual área específica desejam atuar 114
Gráfico 13: O curso de Letras foi sua primeira opção no ENEM? 115
Gráfico 14: Primeira opção no ENEM, exceto Letras: 115
Gráfico 15: Por que escolheu cursar Letras? 116
Gráfico 16: O que é literatura? 117
Gráfico 17: Quanto ao gênero – 2ª etapa 119
Gráfico 18: Quanto à idade – 2ª etapa 120
Gráfico 19: Região de moradia – 2ª etapa 121
Gráfico 20: Quanto à cidade natal – 2ª etapa 122
Gráfico 21: Disponibilidade de tempo para os estudos 123
Gráfico 22: Em qual área específica deseja atuar – 2ª etapa 125
Gráfico 23: conceito de literatura – 2ª etapa 126
14

LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Tipo de escola – ensino médio 104


Quadro 2: Gêneros literários preferidos 108
Quadro 3: Autores citados sem especificar a obra 109
Quadro 4: Obras citadas mais de uma vez 110
Quadro 5: Autores que tiveram mais de uma obra citada 110
Quadro 6: Títulos citados apenas uma vez 111
Quadro 7: Índice de evasão dos cursos de Letras/noturno 118
Quadro 8: Atividades que desempenha além dos estudos 123
Quadro 9: Razões que justificam os índices de evasão 127
Quadro 10: Expectativas com relação ao curso 128
Quadro 11: Alterações com relação aos hábitos de leitura 128
Quadro 12: Aspectos positivos do curso de Letras 129
Quadro 13: Aspectos negativos do curso de Letras 130
Quadro 14: Como avaliam as aulas de literatura na graduação 131
Quadro 15: Leituras sobre ensino de literatura e formação de leitores 132
Quadro 16: Contato com a LDB e com os PCNs 132
Quadro 17: Escolas e professores – 1ª etapa 143
Quadro 18: Bairro de residência dos professores – 1ª etapa 146
Quadro 19: Tempo de serviço dos professores – 1ª etapa 150
Quadro 20: Primeira opção de graduação dos professores – 1ª etapa 151
Quadro 21: Escolha profissional dos professores – 1ª etapa 152
Quadro 22: Conceito de literatura dos professores – 1ª etapa 154
Quadro 23: Livros lidos no último ano pelos professores – 1ª etapa 156
Quadro 24: Disponibilidade de tempo para o planejamento das aulas 160
Quadro 25: Objetivos do ensino de literatura dos professores – 1ª etapa 161
Quadro 26: critérios para elaboração das aulas dos professores – 1ª etapa 162
Quadro 27: Relevância do ensino de literatura dos professores – 1ª etapa 163
Quadro 28: Lacunas identificadas na formação acadêmica dos professores –
1ª etapa 164
Quadro 29: Obstáculos à realização do trabalho dos professores – 1ª etapa 166
Quadro 30: Como avaliam os PCNs – professores 1ª etapa 167
Quadro 31: Projetos e ambições como professores de literatura – 1ª etapa 170
15

SUMÁRIO

Considerações iniciais 17

CAPÍTULO 1 – O ensino de literatura no Brasil: leituras, leitores... 24


1.1 Popularização da leitura e da literatura como disciplina escolar no
Brasil: aspectos históricos 25
1.1.1 A LDB vigente, os PCNs, programas vinculados ao MEC e demais
documentos: o discurso oficial versus práticas docentes 36
1.1.2 O Plano Nacional de Educação e o sistema de avaliação da
Educação Nacional: um breve panorama 43

CAPÍTULO 2 – Literatura, escola e práticas de leitura: diálogos


possíveis 48
2.1 A leitura como ato social 48
2.2 Estética da recepção e teoria do efeito: o leitor em foco 56
2.3 Literatura: “daquelas coisas difíceis de definir, mas fáceis de
reconhecer”... 62
2.4 O ensino de literatura no Brasil e o desafio de formar leitores: para que
ensinar literatura na escola? Que leitores queremos? 71
2.4.1 Livro didático: suporte útil ao aprendizado ou mais um obstáculo ao
contato com o texto literário? 81

CAPÍTULO 3 – A trajetória de formação de professores de literatura em


Rio Grande 86
3.1 Aspectos históricos e sociais do município do Rio Grande 87
3.2 Cursos de Letras no Brasil: um percurso histórico 91
3.3 Caracterização da pesquisa - Metodologia e instrumentos 93
3.3.1 A construção dos questionários 98
3.4 Intervenção com estudantes e professores dos cursos de Letras da
FURG 100
3.4.1 Estudantes de Letras ingressantes em 2013 101
3.4.2 Estudantes de Letras em 2016 118
3.4.3 Professores da graduação em Letras: disciplinas de Introdução aos
Estudos Literários e Teoria da Literatura 133
16

3.5 Quem, afinal, são esses professores? 142


3.5.1 As escolas e os educadores contemplados na primeira fase de
coleta de dados 143
3.5.1.1 Interpretação compreensiva das questões 145
3.6 Entrevistas com as professoras selecionadas na segunda fase de
coleta de dados 174
3.6.1 “Ser professora não é um dom, é um ‘karma’”: entrevista com M. L. 177
3.6.2 A professora que amava os livros: troca de ideias com E. S. 185
3.6.3 “Eu não conseguiria fazer outra coisa que não fosse ensinar”: um
café com R. M. 189
3.6.4 J. C.: a professora que sonha com os palcos 195
3.7 Entrecruzamento dos discursos: considerações a respeito das
entrevistas 201
3.8 A utopia da articulação entre escola e academia: penúltimas palavras 214

Costurando os retalhos ou expandindo o diálogo: considerações finais 219

Referências 228
Apêndices 238
Anexos 278
17

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A motivação para este estudo é fruto de minha prática diária: sou professora
na rede municipal de educação em Rio Grande, RS, e, na condição de docente,
ouço com frequência pelo menos duas das perguntas mais recorrentes entre nossos
estudantes, em qualquer área ou nível do conhecimento: para que temos de estudar
isso? Onde iremos “aplicar” essa grande quantidade de informações que recebemos
na escola?
Dessas dúvidas, para as quais muitas vezes não temos resposta, adveio
outra, bem mais específica e provocadora: em um cenário sociopolítico que valoriza
a formação técnica e profissionalizante2, qual o lugar da literatura? Seria a escola,
por meio de uma disciplina de caráter obrigatório para o ensino médio, a maior
responsável por definir o espaço social ocupado pela leitura do texto literário?
E mais: em um contexto digitalizado, de hipervelocidade da informação,
pautado pela imagem e no qual tudo tem aparência de espetáculo, teriam os livros e
a leitura apelo suficiente junto ao público mais jovem? Ou ainda: como selecionar as
obras, como definir o “cânone escolar”? Seria essa dificuldade de seleção a grande
responsável pelo desinteresse dos estudantes diante da leitura de literatura?
Diversos estudos3 vêm sendo realizados nesse âmbito, sobretudo após a
década de 1980, no que diz respeito à leitura, ao letramento literário e ao caráter
mediador do professor. Não raro, reflexões apocalípticas apontam para o fim do livro
e dos leitores, concluindo que os jovens não leem “Literatura” 4 fora da escola.
Outros, mais atentos, admitem que os adolescentes têm lido (e muito!), embora suas
escolhas, comumente ligadas às leis do mercado e do consumo, nem sempre levem
em consideração as sugestões do professor que, via de regra, sem tempo para
realizar as próprias leituras e desatualizado com relação à metodologia adotada com

2
A referência é feita basicamente ao lugar ocupado pela literatura na organização do currículo
escolar. Embora seja uma disciplina tradicional, a carga horária destinada às aulas de literatura fica
restrita a uma ou duas horas/aula semanais, fato que evidencia um desequilíbrio entre as disciplinas
e denota uma determinada posição política por parte do poder público.
3
São fundamentais nesse caso as contribuições de Marisa Lajolo, Regina Zilberman, Márcia Abreu,
Vera Aguiar, Maria da Glória Bordini, Magda Soares, Lígia Chiappini, Rildo Cosson, William Roberto
Cereja, entre outros.
4
Como referência à literatura canonizada.
18

os estudantes, acaba dependente do livro didático. Quanto a esse aspecto,


concordo com Bartolomeu Campos Queirós, quando diz:

A escola é servil. Ela está a serviço de determinadas causas e


ideologias. A literatura (arte) não é servil. Ela só existe em liberdade,
e seu compromisso é para com a revelação. Para tanto persegue a
beleza. Daí, todas as vezes em que a escola lança mão da literatura,
quer transformá-la em “instrumento pedagógico”, mesmo cortando as
asas do leitor para um voo amplo, desmedido, desfronteirado. A
escola reduz as funções maiores do texto literário e o transforma em
objeto de convergência, sem escrúpulo. (QUEIRÓS, 1997, p. 41)

É, portanto, bastante comum que obras literárias utilizadas na escola e


associadas ao rótulo de “clássicas” – brasileiras ou estrangeiras – geralmente sejam
vistas pelos estudantes como “chatas”, “cansativas”, ou “de linguagem difícil”. Por
outro lado, a quantidade de publicações específicas para o público jovem, plenas de
aventuras e elementos fantásticos, segue em alta nas últimas décadas – corrobora
minha afirmação o sucesso de obras com elementos mitológicos como Harry Potter
e Percy Jackson, sagas vampirescas, biografias de ícones da música pop e os
romances de Nicholas Sparks e John Green5.
Fato é que o mercado editorial cada vez mais encontra nos adolescentes um
público ávido e fiel de consumidores, sempre atentos às continuações dos populares
livros em formato de série, que lembram, com pouco mais de sofisticação, os antigos
folhetins. Multiplicam-se as opções de formato e as facilidades na compra; livrarias e
lojas de departamento ampliam suas estantes e ilhas dedicadas ao público mais
jovem. Amplia-se, com igual rapidez, o preconceito da academia diante do
fenômeno. Para Jaime Ginzburg,

Existe um descompasso entre a pesquisa acadêmica em estudos


literários e a situação do ensino universitário na área de Letras.
Embora os últimos trinta anos tenham sido caracterizados por fortes
discussões em paradigmas e modelos conceituais, os programas
curriculares de Letras têm sido caracterizados de forma
predominantemente conservadora, com poucas exceções. Se, por
um lado, as pesquisas mais corajosas têm procurado rever os
fundamentos do cânone e discutir possibilidades de mudanças de
paradigmas, por outro, as instâncias responsáveis pelo ensino de
pós-graduação e graduação têm tido dificuldades e resistências

5
Narrativas (geralmente) em série, cujas temáticas envolvem grandes sagas, protagonizadas por
seres humanos e mitológicos, ou obras voltadas para o público adolescente, que retratam dilemas
típicos dessa faixa etária.
19

quanto à articulação entre o cotidiano de sala de aula e a coragem


das mudanças. (GINZBURG, 2012, p. 21).

Assim, a opção pela pesquisa circunscrita ao ensino de literatura no ensino


médio decorre do fato de ser essa, muitas vezes, a última etapa de estudo formal a
que os jovens se submetem. É também o período em que provavelmente serão
consolidadas as relações – harmoniosas ou não – com o hábito de leitura e com o
saber literário que carregarão consigo pela vida.
Parece então pertinente perguntar6: quais as convergências e divergências
entre as sugestões propostas pelos professores da rede básica e as obras
procuradas pelos estudantes? Que abismo é esse, do qual poucos se ocupam?
Como equacionar essas questões e mediar o universo de leitura dos alunos, sem
que percam o prazer de ler? Como se explica o descompasso entre os discursos da
academia e dos documentos norteadores – baseados na LDB – e a realidade das
práticas concretas realizadas nas escolas?
Apesar da urgência do tema, com relação ao ensino de literatura e à
formação de educadores dessa disciplina, poucas 7 são as discussões propostas nos
cursos de pós-graduação em estudos literários e insuficientes as pesquisas que
realmente analisem o universo de sujeitos envolvidos. A pesquisa acadêmica
interessada no cotidiano escolar, regionalizada e voltada para a função social da
leitura, ainda padece de certo preconceito, ao qual se referiu Ginzburg (2012).
De tais fatores, aliados a uma alarmante desvalorização8 sociocultural da
carreira docente, resulta que a cada ano há menos jovens dispostos a atuar como
professores, a despeito do programa de incentivo “Seja um professor” 9, lançado pelo
Governo Federal em 2009, que elenca uma série de medidas facilitadoras do acesso

6
Tais questionamentos, bem como tantos outros presentes ao longo do trabalho, não constituem
necessariamente minhas questões de pesquisa (apontadas no decorrer do texto), mas contribuem
para a discussão do tema e exprimem certas dúvidas formuladas a partir do próprio ato da pesquisa.
7
Quando comparadas a pesquisas dedicadas à crítica literária ou à teoria da literatura.
8
Segundo matéria veiculada no portal “Uol Educação”, em 2013, entre os 21 países pesquisados, o
Brasil ocupava a penúltima posição no que tange ao respeito e à valorização dos educadores,
ganhando apenas de Israel. “Em cada país, os pesquisadores analisaram se a profissão é muito
procurada, qual é o status social dos professores e se os entrevistados acreditam que os alunos
respeitam os docentes. Os dados foram reunidos em um índice e, em seguida, classificados”. De
acordo com os dados obtidos, à pergunta “Gostaria que seus filhos fossem professores?”, apenas
20% dos entrevistados brasileiros responderam “sim”. Disponível em: <educação.uol.com.br>. Acesso
em: set. 2014.
9
Disponível em: <sejaumprofessor.mec.gov.br>. Acesso em: set. 2014.
20

a cursos de licenciatura, como o FIES, o PROUNI e a UAB, como formas de


combater a carência de professores para a educação básica.
O descontentamento com a escolha profissional também se converte em
casos de absenteísmo, afastamento por doença, aposentadoria prematura ou
abandono de função. Não é incomum ver educadores determinados a mudar de
área ou que complementam a renda familiar com atividades alternativas. Igualmente
tem aumentado o número de candidatos que, aprovados em concursos para
professor municipal ou estadual, não efetivam a posse do cargo, provavelmente em
função de oportunidades mais rentáveis.
O ensino de literatura, imerso na crise10 do sistema educacional brasileiro,
acaba ainda relegado a uma posição de inferioridade em relação a outras
disciplinas, em geral as de ciências exatas e naturais, consideradas pelo senso
comum como “mais importantes”, isto é, mais úteis para se alcançar uma boa vaga
no mercado de trabalho. Essa lacuna, incentivada pela cultura tecnicista e
mercadológica na qual ainda nos vemos imersos, acaba por produzir dados
preocupantes com relação ao alfabetismo funcional brasileiro:

Os dados do indicador do alfabetismo funcional (INAF) de 2011-


2012, recolhidos entre a população de 15 anos ou mais pela ONG
Ação Educativa, em colaboração com o Instituto Paulo Montenegro,
indicam que 27% dos brasileiros são analfabetos funcionais: leem e
não entendem o que leem, sendo que 47% da população apresenta
um nível de alfabetização apenas básico, só 35% daqueles que
concluíram o ensino médio estão plenamente alfabetizados, e 38%
dos sujeitos com nível superior completo dominam realmente a
leitura e a escrita. (AGUIAR, 2013. p. 158)

Com base nos dados mencionados e tendo em vista a importância do tema,


esta investigação tem como foco o ensino de literatura no município do Rio
Grande/RS, com o principal objetivo de elaborar um perfil médio do educador da
disciplina e dos aspectos que envolvem sua prática docente, acompanhando sua
trajetória de formação desde o ingresso no curso de licenciatura até o cotidiano em

10
Segundo Nicola Abbagnano (2007, p. 259), o termo crise se refere a uma série de transformações
decisivas em qualquer aspecto da vida social. Para o autor, uma época de crise é aquela que se opõe
a um período de organicidade ou estabilidade social. Em função do desequilíbrio, abre-se um abismo
entre o passado e o futuro, e o presente passa a ser identificado como uma fase de desorientação,
desconfiança ou desespero. Para J. Ferrater (2004, p. 615), a crise e as tentativas de solucioná-la
são simultâneas. Ferrater também faz referência às reflexões de Ortega y Gasset, que identifica as
seguintes características em um período de crise: hiperconsciência, aumento de possibilidades,
perplexidade, desarraigamento, desvanecimento de crenças, inadequação entre o vivido e o
desejado, inadequação entre teorias e práticas e proliferação de salvações parciais.
21

sala de aula, incluindo observações acerca dos obstáculos, conquistas e desafios


enfrentados enquanto professores em atividade.
O ambiente das escolas, inclusive o uso das bibliotecas, além da escolha (ou
não) de livro didático e as condições de trabalho foram considerados na pesquisa.
Foram aplicados questionários e realizadas entrevistas com professores de literatura
das escolas estaduais do município, bem como com alunos e professores do
primeiro e último período de cursos de Letras da Universidade Federal do Rio
Grande (FURG), em uma perspectiva de pesquisa qualitativa, de viés interativo, cuja
metodologia permite a utilização de dados quantitativos como complemento.
É preciso esclarecer que, para os propósitos deste estudo, a concepção
adotada considera a literatura enquanto manifestação artística, histórica e
socialmente delimitada, sujeita a ressignificação, segundo valores, culturas e
cenários distintos. Por sua natureza discursiva, é permeada por relações de poder e,
justamente por essa condição, constitui um importante instrumento de libertação e
emancipação individual ou coletiva.
Através de uma análise, que revela não apenas limitações ou equívocos, mas
valoriza práticas bem-sucedidas e busca ampliar horizontes de atuação e apontar
caminhos alternativos diante da crise, espera-se contribuir para o diálogo acerca da
formação de professores de literatura de nosso município. Nesse sentido, serão
abordadas as seguintes temáticas relacionadas ao ensino da disciplina: bases
legais, documentos norteadores e programas do governo, tendências
teóricas/históricas relacionadas à leitura e ao ensino da disciplina, formação de
professores e práticas de ensino.
Para tanto, esta proposta de estudo está dividida em três capítulos, com suas
respectivas subdivisões. O primeiro capítulo trata das bases legais e dos parâmetros
e orientações com relação à área específica de “Linguagens, códigos e suas
tecnologias”, publicados pelo Ministério da Educação, como políticas públicas que
têm como objetivo principal orientar a prática docente no país. Nesse sentido, são
cotejados a Lei de Diretrizes e Bases da Educação vigente (Lei n.º 9.394/96), os
PCN, os PCN+ e as Orientações curriculares para o ensino médio. A ideia é
confrontar o conteúdo veiculado pelo governo federal com as concepções e práticas
de ensino de literatura de professores e alunos entrevistados.
No segundo capítulo, o objetivo é discutir a questão do ensino de literatura no
Brasil, com ênfase na leitura como prática histórica e social, uma vez que intervém
22

em todas as outras áreas do conhecimento e é fundamental para o desenvolvimento


da expressão escrita e oral dos estudantes. Desse modo, a pesquisa segue os
rastros da história da leitura e do ensino de literatura no Brasil, procurando
estabelecer relações com a formação de professores e de leitores.
Como suporte teórico foram utilizadas as contribuições de Terry Eagleton,
Tzvetan Todorov, Antoine Compagnon, Roland Barthes, Pierre Bourdieu e as
considerações de Roger Chartier a respeito dos conceitos de literatura e práticas de
leitura. No que tange à recepção da obra literária, são fundamentais os
apontamentos de Wolfgang Iser, Umberto Eco e Hans Robert Jauss, além de Alberto
Manguel, com relação à história da leitura. Acerca da formação de professores e do
ensino de literatura, são oportunas as reflexões de Regina Zilberman, Marisa Lajolo,
Jaime Ginzburg, Michèle Petit, Lígia Chiappini, Vera Aguiar, Cyana Leahy-Dios,
Vincent Jouve, William Roberto Cereja, Magda Soares, Rildo Cosson, entre tantos
outros autores, mencionados no decorrer do texto.
Naturalmente, certos conceitos e/ou correntes teóricas não serão aqui
abordados na complexidade com que foram concebidos. Nossa proposta maior
jamais foi concentrar a análise em uma ou outra tendência ou movimento artístico.
Ao contrário: se optamos por uma seleção de autores que abordam tal problemática,
é com o intuito de salientar a relevância do tema, não apenas em âmbito local, mas
como fenômeno recorrente em diferentes ambientes culturais (LEAHY-DIOS, 2000).
O terceiro capítulo é dedicado à pesquisa de campo e se subdivide em oito
partes. A primeira parte, intitulada “Aspectos históricos e sociais do município do Rio
Grande”, traça um breve panorama histórico e social do município enquanto cenário
da pesquisa. O propósito é prestar esclarecimentos com relação às peculiaridades
da região, além de iluminar possíveis questionamentos relativos à intervenção, bem
como justificar a escolha do local de estudo. A segunda subdivisão, “Cursos de
Letras no Brasil: um percurso histórico”, refere-se à implantação e consolidação
dessas licenciaturas no país, culminando no contexto da Universidade Federal do
Rio Grande (FURG) e apresentando o perfil do candidato e do aluno egresso,
segundo a instituição. A terceira parte, “Caracterização da pesquisa”, é dedicada a
situar o leitor diante dos caminhos metodológicos adotados. Na mesma seção, “A
construção dos questionários” versa sobre o processo de produção dos
questionários aplicados durante a pesquisa, esclarecendo a opção por cada bloco
de questões e evidenciando as peculiaridades de cada caso.
23

Na quarta subdivisão é proposta uma discussão a respeito da intervenção


realizada no ambiente acadêmico, envolvendo estudantes e professores vinculados
ao Instituto de Letras e Artes (ILA) da Universidade Federal do Rio Grande (FURG),
com o objetivo de investigar o processo de formação do professor de literatura em
dois momentos cruciais: o início e o final do curso de graduação.
A quinta parte, “Quem, afinal, são esses professores?”, apresenta as escolas
e professores contemplados na primeira fase da pesquisa e elabora um perfil básico
dos educadores de literatura no município do Rio Grande, por meio de uma análise
qualitativa/interativa, conforme os apontamentos de Maria Marly de Oliveira (2013).
Por seu turno, na sexta subdivisão, são apresentados os resultados da segunda fase
da investigação, em que quatro educadoras selecionadas por zoneamento foram
entrevistadas, com o objetivo de aprofundar questões suscitadas na etapa anterior.
Na sétima parte é proposto um entrecruzamento desses relatos, buscando
convergências e dissonâncias entre eles. A oitava e última subdivisão trata da
articulação entre a formação docente em nível de graduação e a prática realizada
nas escolas estaduais, considerando pontos de diálogo produtivo e evidenciando
lacunas existentes entre o discurso acadêmico e a realidade da educação em nível
básico.
Assim, a realização de um trabalho dessa natureza, de longo percurso e
impossível (e indesejável) conclusão, é dedicada aos professores e estudantes das
escolas e da universidade no município do Rio Grande. Nosso desejo é de que
esteja acessível aos trabalhadores da educação, sujeitos ou não desta pesquisa, e
que esta leitura lhes seja agradável, elucidativa e instigante, posto que resulta do
material mais fértil: uma grande curiosidade, aliada à consciência de que o
conhecimento, necessariamente, se produz para todos.
24

CAPÍTULO 1. O ENSINO DE LITERATURA NO BRASIL: LEITURAS, LEITORES...

Para ler eu tapava os ouvidos. Os países distantes que encontrava


nessas aventuras jogavam familiarmente entre si como flocos de neve.
E, assim como a distância que, quando está nevando, conduz nossos
pensamentos não para um horizonte mais amplo, mas para o interior de
nós mesmos, Babilônia e Bagdá, San Juan de Acre e Alasca, Tromsö e
o Transvaal se encontravam dentro de mim.
Walter Benjamin – Enfance berlinoise

Pensar o ensino de literatura em um país de grandes dimensões como o


Brasil, seja com relação ao território ou a seus múltiplos ambientes culturais, implica
tomar consciência de que formulações categóricas ou limitadoras não irão vingar. Na
condição de nação periférica e dependente, nas palavras de Marisa Lajolo e Regina
Zilberman (1991), o Brasil de mais de duas décadas depois da publicação de A
literatura rarefeita ainda carece de estudos11 relacionados à formação de leitores e,
mais especificamente, ao ensino de literatura que oferece a seus jovens,
secundaristas ou licenciandos.
O círculo vicioso que permeia essas relações é tão complexo quanto
desafiador: editoras ditando escolhas didáticas, políticas públicas improdutivas,
professores desvalorizados e sem formação teórico-metodológica adequada, apelos
do mundo digital, preços abusivos dos livros, ausência da família na educação, falta
de uma “cultura da leitura” na sociedade de um modo geral, entre tantos outros
aspectos que inibem a formação de leitores de literatura.
Qualquer discussão do tema que desconsidere, portanto, o contexto social e
seus desdobramentos, revelados na práxis cotidiana, acaba por reproduzir o famoso
“mais do mesmo”, repetindo discursos e culminando no pessimismo típico ou na
ilusão pueril de quem ignora a realidade dos sujeitos envolvidos no processo.
Nesse sentido, importa analisar o ensino de literatura como produto e
produtor de seu meio, devidamente condicionado às referências socioculturais sob

11
Com relação aos trabalhos acadêmicos a respeito do ensino de literatura realizados entre 1987 e
2012 e cadastrados no Banco de Teses e Dissertações da CAPES, consultar a tese de doutoramento
Retrato de uma disciplina ameaçada: a literatura nos documentos oficiais e no Exame Nacional do
Ensino Médio (Enem), de Gabriela Fernanda Cé Luft (2014).
25

as quais é praticado. Pensar diacronicamente seus caminhos, além de cotejar


determinados pressupostos teóricos e metodológicos, em diálogo com as políticas
públicas que a ele se relacionam, parece ser um rumo lúcido e quiçá possa
contribuir para discussões posteriores.

1.1 Popularização da leitura e da literatura como disciplina escolar no Brasil:


aspectos históricos

Somos leitores. Em maior ou menor complexidade, desenvolvemos ao longo


da vida a capacidade de decifrar e interpretar mensagens, sejam elas escritas,
imagéticas ou sonoras. Se pensarmos a leitura como ato mais abrangente que a
mera decodificação de símbolos gráficos, perceberemos o quanto sua prática
atravessa nossa construção humana, por tempos e espaços. Alberto Manguel
assinala a importância histórica do surgimento da figura do leitor:

Desde os primeiros vestígios da civilização pré-histórica, a sociedade


humana tinha tentado superar os obstáculos da geografia, o caráter
final da morte, a erosão do esquecimento. Com um único ato – a
incisão de uma figura sobre uma tabuleta de argila – o primeiro
escritor anônimo conseguiu de repente ter sucesso em todas essas
façanhas aparentemente impossíveis. Mas escrever não é o único
invento que nasceu no instante daquela primeira incisão: uma outra
criação aconteceu no mesmo momento. Uma vez que o objetivo do
ato de escrever era que o texto fosse resgatado – isto é – lido, a
incisão criou simultaneamente o leitor, um papel que nasceu antes
mesmo de o primeiro leitor adquirir presença física. O escritor era um
fazedor de mensagens, criador de signos, mas esses signos e
mensagens precisavam de um mago que os decifrasse. (MANGUEL,
1997, p. 207)

Assim como é pertinente historicizar a construção e o desenvolvimento da


figura do leitor através dos tempos, cada pessoa capaz de ler possui uma história
particular de leitura, enquanto conhecimento socialmente transmitido e internalizado.
Através dos processos de alfabetização e de letramento, experienciamos,
individualmente, uma espécie de rito de passagem que nos faz pertencer ao mundo
daqueles que dominam o “código”, o sistema, e, portanto, passam a requerer certo
cuidado, no sentido de que ler é também um exercício de poder.
Do Alonso Quijana, enlouquecido por ler em demasia, às damas que
desvendavam, ainda que na ficção, o que antes era mistério ao folhear as páginas
26

dos folhetins, ler foi, desde a antiguidade12, um hábito considerado perigoso. Assim
diz Regina Zilberman (2008), referindo-se à concepção em vigor no século XVII: “À
leitura intensiva se atribui grave delito: ela transtorna e transforma seu leitor.” (p. 21).
Tanto a Igreja Católica quanto os reformistas e críticos de sua doutrina
advertiam para os danos causados pelo excesso de leitura e alertavam para os
perigos de má interpretação das Sagradas Escrituras. A versão da Bíblia em língua
vernácula, acessível a um público maior, também representava uma ameaça à
educação e doutrinação dos jovens, na medida em que não mais aceitariam
qualquer argumento ou advertência como uma verdade supostamente advinda de
um texto bíblico. Já nas primeiras décadas da modernidade, a Europa presenciou a
expansão da tipografia e do mercado de livros, o que, consequentemente, fez
aumentar o contingente de leitores assíduos. Contudo, ler jamais deixou de
representar uma ameaça à ordem social, e resquícios dessa mentalidade ecoam
ainda em nossos dias.
Se, como em um ritual de iniciação, a capacidade de ler introduz e consolida o
sujeito em determinada comunidade – a dos leitores –, ao mesmo tempo emancipa o
indivíduo de suas predeterminações identitárias coletivas, de suas referências
familiares e culturais, antes principais determinantes de seu modo de pensar, agir e
estar no mundo.
E assim como é impossível conhecer essas histórias pessoais de leitores, é
imensamente árdua a tarefa de construir “a” história da leitura, na medida em que se
compõe das infinitas micro-histórias individuais. A propósito, seria equivocado
pensar que uma história dessa natureza fosse capaz de acompanhar a cronologia
da história política tradicional, por exemplo. Cada época e lugar conferiram valor e
relevância peculiares ao ato de ler, o que não pode ser narrado em uma sequência
temporal linear (MANGUEL, 1997).
Da mesma forma, uma história da leitura não poderia jamais ser submetida à
periodização ordenada de uma história da literatura clássica, já que, entre os
processos de produção, circulação e recepção/crítica de uma determinada obra,
aliados à construção do gosto e aos elementos locais, há mais mistérios e nuances
do que se possa supor. No caso do Brasil do século XIX, apenas para citar um

12
Segundo Zilberman (2008), o posicionamento contrário à leitura já aparece em Fedro, um dos
diálogos de Platão. Para o filósofo, ler textos de outrem resultaria em uma espécie de preguiça
mental, além de disseminar um “saber artificial”, o que impediria a formação de um pensamento
complexo e genuíno do indivíduo.
27

exemplo, há imensa distância entre o que era produzido em âmbito nacional e o que
as pessoas de fato liam13. Assim,

Uma história da leitura salta para frente até nosso tempo – até mim,
até minha experiência como leitor – e depois volta a uma página
antiga em um século estrangeiro e distante. Ela salta capítulos,
folheia, seleciona, relê, recusa-se a seguir uma ordem convencional.
(MANGUEL, 1997, p. 37)

A partir dessas considerações, talvez seja mais apropriado para efeito deste
estudo pensar as relações entre a leitura e a popularização do livro enquanto objeto
de desejo e consumo, para seguir relacionando esses fatores à escolarização do ato
de ler enquanto projeto social burguês. Sem pretensões totalizantes, portanto, é
possível situar na Europa do século XVIII a consolidação do hábito da leitura e do
consumo de livros de modo razoavelmente definitivo.
Nesse período, o continente europeu vivencia, com relativa ênfase, as
decorrências da revolução industrial, não restrita ao âmbito econômico e suas
mudanças tecnológicas irreversíveis, mas com reflexos nos diferentes níveis da vida
social. Na política, consolidam-se os governos democráticos, garantindo maior
participação popular na vida pública. No campo cultural, populariza-se o acesso à
educação nas cidades, fato que promoveu intensas transformações sociais, entre
elas, o acesso à leitura. Regina Zilberman assinala que essa revolução cultural

decorreu, de um lado, da multiplicação dos meios de reprodução


mecânica que difundem os bens culturais, antes privilégio de uma
elite social e intelectual, como mostra Walter Benjamin, e, de
outro, o fato advém da ampliação do sistema escolar que,
começando sua tarefa pela alfabetização, propicia o aumento do
público leitor e fortalece modalidades de expressão que não mais
se transmitem através dos códigos oral e visual, mas por
intermédio da escrita. (ZILBERMAN, 1988, p. 12).

O crescente acesso à educação regular e à leitura tem como resultado


inequívoco a vulgarização dos bens culturais, agora desprovidos da aura que antes
os revestia e lhes restringia o alcance a membros das classes dominantes. Essa
vulgarização, associada à propagação de gráficas e editoras, permite o acesso à
arte a qualquer pessoa que manifeste interesse em consumi-la.

13
“No auge do Romantismo de caráter nacionalista brasileiro, o grande público deleitava-se com
romances estrangeiros” (Márcia Abreu, em palestra proferida ao Programa de Pós-Graduação em
Letras da FURG, em 2012).
28

Se, por um lado, a democratização da leitura difunde o conhecimento e


emancipa o indivíduo, por outro, essa espécie de banalização da cultura, mediante a
facilidade de reprodução e comercialização, faz com que surja um novo conceito de
arte, associado à massificação cultural decorrente de tal fenômeno. Ao mesmo
tempo, ainda de acordo com Zilberman (1988), aproveitando-se do maior número de
alfabetizados, multiplicam-se as obras institucionais, voltadas a um objetivo
pedagógico, religioso e/ou moralizante.
Ao corroborar o ideal iluminista de que o livro tem poder emancipatório, a
burguesia passa a divulgar progressivamente a importância do acesso à leitura
como direito inalienável do indivíduo e que, portanto, deveria ser disponibilizado em
instituições escolares. Igualmente, a indústria cultural nascente passa a preocupar-
se com a circulação permanente e o comércio de obras adaptadas ao gosto popular.
É nessa época que os primeiros best-sellers surgem como fenômeno,
trazendo temas associados à vida urbana e às relações sociais. Um bom exemplo é
Les mystères de Paris, de Eugène Sue, romance em formato de folhetim publicado
entre 1842 e 1843 no Journal des Débats, que trazia uma combinação de elementos
necessários para agradar o grande público.
Um best-seller é, em geral, caracterizado pelos seguintes aspectos: retórica
culta e consagrada, porém de fácil assimilação; personagens arquetípicos; grande
teor de suspense; atualidade informativo-jornalística; “pedagogismo” (intenção de
transmitir uma lição), e veiculação de fascículos do texto em jornais e revistas com
preço relativamente baixo, o que facilitava o acesso ao material (SODRÉ, 1985). Da
metade do século XIX em diante, essas obras conquistaram, sobretudo, o público
leitor feminino, e a contribuição da mulher para a consolidação do gênero torna-se
fundamental.
A participação da escola no processo de popularização da leitura é
igualmente basilar, já que se apresenta como a instituição responsável por
selecionar, através de avaliações, os mais aptos a pertencer ao novo modelo de
sociedade proposto. Ela surge então como uma nova variável de classificação
social, suplantando, por vezes, a do poder aquisitivo.
Nesse contexto, o domínio da leitura converte-se em agente de transformação
social, que encontra na literatura seu maior aliado. Para Zilberman, se o ato de ler
proporciona uma relação privilegiada com a realidade vivida, com a capacidade de
29

superá-la, a literatura contribui imensamente para que se consolide um público leitor


crítico e participativo, já que a obra de ficção

avulta como o modelo por excelência da leitura. Pois, sendo uma


imagem simbólica do mundo que se deseja conhecer, ela nunca se
dá de maneira completa e fechada. Pelo contrário, sua estrutura,
marcada pelos vazios e pelo inacabamento das situações e figuras
propostas, reclama a intervenção de um leitor, o qual preenche estas
lacunas, dando vida ao mundo formulado pelo escritor.
(ZILBERMAN, 1988, p. 19)

Em última análise, embora o hábito de ler literatura já estivesse consolidado


entre os membros das classes dominantes, foi somente com a propagação dos
suportes para textos impressos (jornais, revistas, folhetos) e o acesso à escola
regular que a leitura se tornou de fato parte do cotidiano europeu, o que levaria um
tempo considerável para acontecer em solo brasileiro.
O ensino regular no Brasil tem início oficialmente com a instalação de escolas
confessionais, a partir da proposta de cunho catequético da Companhia de Jesus,
por volta de 1549, que vigorou até 1759, com a sua expulsão pela Reforma
Pombalina14. É, portanto, pelas mãos dos jesuítas que leitura e escrita inserem-se
em nosso contexto como parte de um projeto bastante particular, inspirado no ideal
iluminista, de teor humanista.
Até meados do século XVII, os programas educacionais restringiram-se ao
objetivo de formar religiosos e bacharéis. Quem desejasse seguir outro caminho
provavelmente concluiria seus estudos em Coimbra. Logo, não surpreende o fato de
que apenas uma ínfima parcela da população, com acesso a tal oportunidade,
retornasse ao Brasil para atuar profissionalmente.
Essencialmente, essas escolas possuíam um currículo que incluía noções de
leitura, escrita e matemática básica. Não raro, os religiosos queixavam-se da
escassez de recursos para manter as escolas, além da dificuldade em lidar com a
ignorância da população de um modo geral. Assim, os conteúdos fundamentais

14
O Marquês de Pombal, representante do despotismo esclarecido português, tinha como um de
seus principais objetivos intervencionistas transformar o reino lusitano em uma metrópole capitalista.
Assim, pôs em prática uma série de políticas públicas em Portugal e em suas colônias, conhecida
como a “Reforma Pombalina”. Entre esses atos estavam o fim da escravidão dos índios e a
permissão de uniões matrimoniais entre índios e portugueses. Consequentemente, foi determinada a
expulsão de muitos jesuítas, descontentes com a interferência do governo em questões relacionadas
aos povos indígenas. Com a expulsão dos religiosos, a educação passou a ser controlada
prioritariamente pelo Estado.
30

lecionados no país valorizavam, sobretudo, rudimentos de latim, retórica, oratória e


gramática. O ensino de literatura exaltava os clássicos gregos e latinos, em uma
concepção humanista do mundo, ligada à renascença (MALARD, 1985). O objetivo,
ao fazer ecoar as obras de Homero, Virgílio e Cícero, era formar religiosos capazes
não apenas de catequizar gentios, mas de cantar suas realizações em poemas e
sermões. Esse tipo de ensino, distante e desvinculado da realidade dos estudantes,
permaneceria como prática na educação brasileira ainda por muito tempo.
O Ratio Studiorum, plano de estudos formulado pela Companhia de Jesus,
publicado em 1599, dividia o curso básico em aulas de gramática, de retórica e de
humanidades, a fim de garantir o bom uso da língua, aliado ao conhecimento da
cultura clássica. Como se vê, a escola em terras brasileiras esforçava-se em imitar o
padrão de educação praticado na metrópole, sem espaço para qualquer inovação e
inflexível diante das necessidades locais.
Esse modelo de educação era destinado aos filhos de membros da elite
agrária, o que fazia aumentar a distância entre os letrados e a grande maioria de
analfabetos, cuja “educação” voltava-se unicamente para a realização de serviços
braçais. O domínio da norma culta da língua por poucos funcionava – o que perdura
até os dias atuais – como eficiente instrumento de dominação, responsável pela
manutenção da rigidez e imobilidade social.
Com a Reforma Pombalina e a expulsão dos jesuítas, a educação passa a ser
financiada pelo Estado, que, a partir da transferência da corte portuguesa em 1808
para o Rio de Janeiro, realiza inúmeras modificações no cenário carioca, como a
criação da Imprensa Régia, no mesmo ano, e da Real Biblioteca em 1810.
Uma vez independente de Portugal, a educação brasileira em nível
secundário inclui em seu programa aulas de geometria, francês e técnicas
comerciais. Tal investimento na educação é parte daquele projeto social oriundo dos
ideais burgueses de vertente europeia (ainda que sob um regime monárquico), como
medida que visava desvincular-se do antigo modelo amparado na posse da terra e
na genealogia como única fonte de riqueza e prestígio social. Em A literatura
rarefeita, de 1991, Marisa Lajolo e Regina Zilberman consideram que a burguesia
acaba por coletivizar o processo educativo,
31

ao mostrar que, em princípio, todos estão virtualmente habilitados a


ele. Enquanto a educação aristocrática prioriza o conhecimento do
passado, a burguesia privilegia o atual e coloca em primeiro plano
suas próprias descobertas, a maior parte delas, de natureza
científica. (LAJOLO; ZILBERMAN, 1991, p. 34).

Para as autoras, essa modernização só alcançou nossas terras com o fim da


hegemonia jesuíta. Nesse sentido, o Colégio Pedro II, fundado em 1837, no Rio de
Janeiro, representa um marco importante na ruptura da relação, antes óbvia, entre
ensino e religião. A respeito do conceito de literatura da época, um ano antes
Gonçalves de Magalhães afirmava na revista Niterói ser ela a expressão do espírito
de um povo no que este possui de mais característico (CANDIDO, 2013, p. 295).
Segundo William Roberto Cereja (2009), a concepção teológica de história,
advinda da tradição judaico-cristã, só passa a ser realmente questionada e
modificada no século XIX, durante o Romantismo. A história tende a ser vista como
fruto da ação humana, como resultado da ascensão da burguesia. Assim, cada
sociedade teria sua cultura e história individuais, conceito associado à formação dos
Estados Nacionais.
Em solo brasileiro, o Romantismo associava-se à construção de uma
identidade nacional, que se opusesse (em parte) às referências europeias e
ressaltasse a cultura do país, que nascia com a independência política de 1822.
Importava aqui inaugurar uma historiografia própria. A produção romântica procurou
dar conta de três ambientes culturais brasileiros: a cidade, o campo e a floresta,
representados, respectivamente, nos romances urbano, regional e indigenista. A
poesia e o teatro seguiram a mesma tendência temática da narrativa romanesca.
A cadeira de “literatura nacional” foi inserida na grade curricular do Colégio
Pedro II a partir de 1855, mediante regulamento de autoria do então ministro Couto
Ferraz. O conteúdo mesclava noções de literatura portuguesa e brasileira, com
ênfase nas obras lusitanas. Com a reforma de 187015, a disciplina de retórica e
poética torna-se “história da literatura geral especialmente portuguesa e nacional”.
Na mesma época foi instituído o ensino de literatura estrangeira, baseado no
Resumo de história literária, do cônego Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro.
(OLIVEIRA, 2008).

15
Através do Decreto n. 4.468, de fevereiro de 1870 – Ministro Paulino José Soares de Souza.
32

No entanto, a disciplina só seria incluída nos demais programas escolares


com a reforma educacional (Decreto n.º 981) do então ministro Benjamin Constant
de 1890-92. Basicamente, a reforma de Constant tinha como objetivo desvincular a
educação nacional da tradição humanista, adotando princípios oriundos da doutrina
positivista, em voga na época. Assim, foram inseridas, além da literatura, noções de
ciências naturais e adotado um modelo seriado de ensino, de perfil enciclopédico.
As aulas de literatura, concebida como arte e atrelada ao conceito de “Belas-
Letras”, restringiam-se, tanto no nível básico como no superior, à análise das
características formais dos textos, os quais eram memorizados pelos alunos, além
de eventos biográficos de seus autores, geralmente vistos como “gênios criadores”,
muito distantes da realidade dos estudantes.
A partir da segunda metade do século XIX, a disciplina vinculou-se ao
conceito de nacionalismo, além de garantir a definição de um padrão linguístico/
ortográfico vigente para o território nacional, como tentativa de ruptura com o modelo
europeu e principal instrumento aglutinador da cultura nacional. À produção literária
nacional somaram-se, a partir da década de 1930, os trabalhos de viés sociológico
de Gilberto Freyre (Casa grande e senzala, de 1933), Sérgio Buarque de Hollanda
(Raízes do Brasil, de 1936), Caio Prado Jr. (Formação do Brasil contemporâneo, de
1942), entre outros.
Durante o governo provisório de Getúlio Vargas (1930-1934), foi instituído o
Ministério da Educação e Saúde Pública, que tinha como um de seus propósitos
reformar o sistema de ensino no país, instituindo o Conselho Nacional de Educação
(CNE) e estabelecendo o regime universitário. No período também foi priorizada a
criação de uma biblioteca em cada estabelecimento escolar (OLIVEIRA, 2008, p.
33).
Até meados dos anos 1970 permaneceu o tradicional modelo “vida e obra”,
quando importantes movimentos e reformas educacionais foram implementados. O
estudo de textos literários funcionava apenas como pretexto para objetivos
associados ao “bom uso” da norma culta da língua, preservando valores ligados ao
“bom gosto”. Gradualmente, e sob a influência francesa, os manuais didáticos
brasileiros também passaram a incluir análises e interpretações textuais àquelas
extensas listas de obras e autores.
Durante os anos de ditadura militar, muitas foram as medidas tomadas pelo
governo federal no sentido de inibir a organização docente e estudantil, grande
33

responsável por ameaçar a “ordem social”. As reuniões da UNE (União Nacional dos
Estudantes) tornaram-se ilegais e em seu lugar o governo estimulou a criação dos
DCEs (Diretório Central de Estudantes) e dos DAs (Diretório Acadêmico) de cada
curso superior, com o intuito de impedir organizações em nível nacional.
Dez anos depois da publicação da primeira Lei de Diretrizes e Bases para a
educação nacional (Lei n.º 4024/61), é publicada em 1971 a Lei n.º 5.692, durante o
governo do general Emílio Médici. A lei de 1971 previa as novas bases para a
educação e a regulamentação do ensino de primeiro e segundo graus. Ainda,
ampliava a obrigatoriedade escolar de quatro para oito anos, aglutinando os antigos
primário e ginasial e eliminando o exame admissional para o ginásio. De acordo com
o texto, é possível perceber a clara intenção de associar o segundo grau à
preparação para o trabalho, conforme se vê no artigo 5º, inciso II, alínea b 16:

A iniciação ao trabalho e a habilitação profissional, sem menosprezar


as aptidões do educando, deve levar em conta as necessidades do
mercado de trabalho local ou regional, à vista de levantamentos
periodicamente renovados. (BRASIL, 1971)

Outras medidas adotadas a partir da LDB de 1971 foram a inserção das


disciplinas de Educação Moral e Cívica, Educação Física e Educação Artística como
obrigatórias, além da fusão de História e Geografia em uma única disciplina
(Estudos Sociais) no então primeiro grau. Foram incluídas ainda as disciplinas de
Organização Social e Política do Brasil (OSPB) no segundo grau e Estudos de
Problemas Brasileiros no ensino superior. O plano de carreira para o magistério
também foi alterado, estipulando o valor do salário em níveis, de acordo com a
titulação do profissional. Segundo o professor Jeosafá Gonçalves, comparando o
ensino de literatura previsto nas duas leis,

A Lei nº 4024/61, de feições mais humanísticas, reservava maior


destaque para o ensino de literatura. Seja no curso Científico do
então Segundo Ciclo do Ensino Médio, em cujo currículo constava
inclusive língua e literatura francesas, seja nos cursos Clássico,
voltado especificamente para as humanidades, e Normal, voltado
para a formação de professores do então Primário, não apenas a
carga horária para a leitura de textos literários era maior, como o
próprio perfil do professor voltado para esse nível de ensino previa
um forte componente associado às Letras. (GONÇALVES, 2012, p.
15)

16
Disponível em: <http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/L569271.htm>. Acesso em: nov. 2014.
34

Ao longo da década de 1970 são criados diversos cursos de formação de


professores. As licenciaturas curtas17 são incentivadas em reforma universitária, com
o intuito de acelerar a formação de novos docentes para atender a demanda gerada
pelo aumento das vagas nas escolas em função da ampliação do ensino obrigatório.
Entretanto, no mesmo período, a expressiva intervenção estatal nas
questões escolares, aliada a uma baixa remuneração e a uma desvalorização da
categoria, fizeram crescer o número de professores sobrecarregados em carga
horária ou que passaram a dividir seu tempo entre o ensino público e o privado,
consolidando uma crise sem precedentes no setor.
Com o processo de industrialização/urbanização, somado às reformulações
nos programas escolares, o número de analfabetos brasileiros foi reduzido18 em
aproximadamente 10% e, na década de 1980, seu crescimento constante foi
finalmente revertido. A Lei n.º 5.692 reforçava a importância do ensino público
secundário e de caráter técnico/profissionalizante, visando à formação de mão de
obra competente para atuar nos setores industrial e de serviços. A educação
constituía-se a partir de então em três níveis (1º, 2º e 3º graus), sendo o primeiro
grau19 considerado indispensável à formação do cidadão comum.
A partir de 1971, o ensino de literatura como disciplina obrigatória fica restrito
ao segundo grau20 e aos cursos de graduação em Letras, que, de modo geral,
seguiram cumprindo o modelo cujos conteúdos privilegiavam a cronologia. Outro
fator fundamental para a crise, especificamente no ensino de literatura, é o fato de
as escolas passarem a adaptar (e, de certa forma, engessar) seus programas com
base nas listas de obras exigidas nos exames vestibulares das universidades
federais e privadas, instituídos com o objetivo de regular e restringir o acesso ao
nível superior.
No final dos anos 1970 e durante toda a década de 1980 (em decorrência da
progressiva abertura política), ocorreram importantes avanços nas áreas da

17
Cursos que habilitavam professores para lecionar na Educação Infantil e no Ensino Fundamental,
com duração menor que as chamadas licenciaturas plenas. Foram instituídos a partir da LDB de
1971, com o objetivo de formar professores em curto prazo para atender a crescente demanda
nacional. Contrariando o propósito inicial que previa uma existência limitada e regionalizada, esses
cursos acabaram se proliferando pelo país e só foram definitivamente extintos com a LDB de 1996.
18
De acordo com dados do Mapa do analfabetismo no Brasil, publicado pelo INEP em 2003.
Disponível em <http://www.oei.es/quipu/brasil/estadisticas/analfabetismo2003.pdf>. Acesso em: set.
2014.
19
Atualmente corresponde ao ensino fundamental.
20
Atualmente corresponde ao ensino médio.
35

linguística textual e da análise de discurso, seguidos de debates relacionados à


leitura, sobretudo com a Bienal do Livro e do COLE (Congresso de Leitura),
realizado a partir de 1978, além da criação da ALB (Associação de Leitura do Brasil)
em 1981 e, em âmbito local, as Jornadas Nacionais de Literatura promovidas pela
Universidade de Passo Fundo (UPF), desde 1981.
O período é, portanto, representativo para as discussões a respeito da leitura
e do ensino da literatura no país e, apesar de insuficientes, passam a ser mais
frequentes os estudos acadêmicos dedicados ao tema. É possível perceber nos
documentos oficiais uma mudança de enfoque. Se antes a prática docente era
pautada por uma lista de “conteúdos”, agora as discussões baseiam-se em
“objetivos” a serem alcançados, por meio do desenvolvimento de habilidades e
competências.
O cenário político pós-anos 1970 é marcado pela herança militar, cuja
principal agenda consistia em incluir o Brasil no rol das nações capitalistas, o que
significava investimentos na industrialização do país, especialmente na região
Sudeste. Entre muitos outros fatores, essa política resultou no aumento da classe
operária, em grande parte composta por migrantes do interior que passaram a
integrar a população urbana e frequentar os bancos escolares.
Contudo, esse aumento do contingente de alunos matriculados na escola
regular, aliado à redução do analfabetismo, não corresponde diretamente a uma
ampliação do número de leitores de literatura21. Ao contrário: no Brasil, como na
maioria dos países periféricos do período, a invasão dos meios de comunicação em
massa (sobretudo a popularização da TV) passa a concorrer diretamente com o
hábito de leitura, que seguirá em segundo plano entre as opções de entretenimento.
A abordagem historicista da literatura na escola, consolidada ao longo do
século XX, permanece e sobrevive (a despeito das discussões e debates a respeito
do programa curricular) como a vertente dominante nos dias atuais. Nesse sentido, a
publicação de obras historiográficas de autores como Sílvio Romero, José Veríssimo
ou Ronald de Carvalho foi, durante muito tempo, a bibliografia básica de introdução
aos estudos literários de boa parte dos cursos de graduação em Letras, além de
respaldar a produção de uma quantidade significativa de livros didáticos.

21
Clássica ou canônica.
36

1.1.1 A LDB vigente, os PCNs, programas vinculados ao MEC e demais


documentos: o discurso oficial versus práticas docentes

Em um contexto de transformações sociais, o projeto para uma nova Lei de


Diretrizes e Bases para a Educação Nacional que substituísse as anteriores (Lei n.º
4.024/61 e Lei n.º 5.692/71), consideradas ultrapassadas pela Constituição Federal
de 1988, seguia em discussão no Senado. Era necessário um dispositivo que
contemplasse as preocupações da época: ampliação da participação democrática,
formação para a cidadania e qualificação profissional.
Após uma série de divergências e debates entre duas versões, em pauta
desde 1993, finalmente a proposta do então senador pelo PDT do Rio de Janeiro
Darcy Ribeiro22, considerada mais enxuta e abrangente, recebeu aprovação e a lei
foi publicada em 26 de dezembro de 1996. A divergência mais marcante em relação
às propostas referia-se aos limites de intervenção do Estado na educação. De um
lado, o projeto do deputado Jorge Hage (PSDN/BA), que se preocupava com os
excessivos mecanismos de controle social do sistema de ensino; de outro, o parecer
dos senadores, que previa uma estrutura de poder mais centralizada por parte do
governo.
A LDB (Lei n.º 9.394/96, alterada pela Lei n.º 12.796/13) aprovada era
composta por 92 artigos e contribuiu para uma série de alterações no contexto
educacional brasileiro, se comparada às versões que a antecederam. Entre as mais
relevantes estão: tornar o ensino fundamental gratuito obrigatório, considerar a
educação infantil como a primeira etapa da educação básica, garantir autonomia
pedagógica e administrativa às unidades escolares, aumentar e assegurar a carga
horária anual mínima para 800 horas/aula, exigir formação (progressiva) em nível
superior aos docentes de ensino fundamental e médio, destinar 25% do orçamento
de estados e municípios à educação, além de prever a criação do Plano Nacional de
Educação (PNE)23.

22
Darcy Ribeiro (1922-1997) foi antropólogo, escritor e político brasileiro. Obteve destaque com
trabalhos em defesa da causa indígena e nas áreas da educação, antropologia e sociologia.
23
Vale assinalar que o PNE foi instituído pela primeira vez através da Lei n.º 10.172/2001, para
vigorar de 2001 a 2011. O atual PNE, composto de 20 metas e em vigência de 2014 a 2024, foi
instituído através da Lei n.º 13.065/14.
37

A LDB de 1996 também propôs a reorganização do currículo escolar em duas


partes: uma base nacional comum24 e uma diversificada (segundo especificidades
regionais, culturais e socioeconômicas) e separou novamente as disciplinas de
história e geografia, além de incluir a filosofia e a sociologia como matérias
obrigatórias para o ensino médio. Evidencia um claro interesse em preparar o
educando para o trabalho e a cidadania, ao rejeitar a excessiva fragmentação do
saber e propor um resgate dos valores humanistas.
Em 2013 foi promulgada a Lei n.º 12.796, que altera a anterior (Lei n.º
9394/96), com ênfase nos seguintes aspectos:
 insere a necessidade de observação e valorização da diversidade étnico-
racial;
 garante como dever do Estado a obrigatoriedade da educação básica dos 4
aos 17 anos (da pré-escola ao ensino médio), ampliando o ensino
fundamental para 9 anos;
 insere normas mais detalhadas para a oferta da Educação Infantil;

24
A consulta pública da primeira versão do texto elaborado pelo MEC para a BNCC foi concluída em
15 de março de 2016. O próximo passo é a apresentação da segunda versão, prevista para abril do
mesmo ano. A apresentação da versão final deverá ocorrer em junho de 2016. A primeira versão do
material prevê uma inversão na ordem cronológica tradicional das leituras literárias, ainda em voga
em grande parte das escolas e universidades. Segundo o texto, no primeiro ano do ensino médio o
aluno deve ser estimulado a “Ler produções literárias de autores da Literatura Brasileira
Contemporânea, percebendo a literatura como produção historicamente situada e, ainda assim,
atemporal e universal. Reconhecer, em produções literárias de autores da Literatura Brasileira, o
diálogo com questões contemporâneas (principalmente do jovem), em uma perspectiva de leitura
comparativa entre o local e o global, reconhecendo a literatura como uma forma de conhecimento de
si e do mundo. Interpretar e analisar obras africanas de língua portuguesa, bem como a literatura
indígena, reconhecendo a literatura como lugar de encontro de multiculturalidades. Reconhecer e
analisar os efeitos de sentido de algumas estratégias narrativas – como o foco narrativo, a
composição das personagens, a construção da ação, o tratamento do tempo – de modo a refinar a
leitura de narrativas literárias, considerando recursos linguísticos envolvidos na tessitura do texto
(como o tempo e pessoa do verbo, marcadores de temporalidade, adjetivação etc.). Compreender as
especificidades da linguagem literária em práticas de escrita criativa de gêneros narrativos e poéticos
(como contos, minicontos, crônicas, poemas etc.). Identificar os recursos sonoros e rítmicos (rimas,
aliterações, assonâncias, repetições), bem como elementos gráfico-visuais, reconhecendo os efeitos
de sentido que esses recursos podem envolver em práticas de leitura e oralização do texto poético”.
Já no segundo ano a proposta é “Ler produções literárias de autores da literatura brasileira dos
séculos XX e XIX, em diálogo com obras contemporâneas. Analisar narrativas literárias que envolvam
estratégias como enredo de cunho psicológico, tempo não linear, inovações nas formas de registrar
as falas dos personagens, diferentes vozes do texto, refletindo sobre os efeitos de sentido de tais
escolhas. Interpretar e analisar processos que envolvam a dimensão imagética do texto literário
(comparação, metáfora, metonímia, personificação, antíteses), a partir da leitura de textos em prosa
ou em verso, compreendendo os deslocamentos de sentido como parte fundamental da linguagem
literária”. Já no terceiro ano, as competências e habilidades concentram-se em “Ler produções
literárias de autores da literatura brasileira dos séculos XVIII, XVII e XVI, em diálogo com obras
contemporâneas. Analisar a interação que se estabelece entre a narrativa literária e o seu contexto
de produção (ideologias, vozes sociais, outros textos, tradições, discursos, movimentos culturais,
políticos etc.), considerando também o modo como a obra dialoga com o presente”. Disponível em:
<http://basenacionalcomum.mec.gov.br/#/site/conhecaDisciplina?disciplina=AC_LIN&tipoEnsino=TE_
EM>. Acesso em: 16 mar. 2016.
38

 acrescenta como incluídos na Educação Especial os alunos com transtornos


globais do desenvolvimento, bem como com altas habilidades e superdotação.
Altera a expressão “necessidades especiais” para “pessoas com deficiência”;
 inclui a garantia de oferta do ensino médio àqueles que não concluíram os
estudos na idade própria;
 afiança facilidade de acesso e permanência de alunos de cursos superiores
de licenciatura;
 garante o incentivo à formação de professores e a oferta de formação
continuada aos educadores da rede básica.
Sob esse prisma, se durante a ditadura militar o ensino de literatura não foi
contemplado de forma adequada, atualmente a demanda parece ser a conquista de
relevância nos programas escolares, em um cenário marcado por obstáculos de
diversas naturezas, desde a herança da repressão, até os desafios inerentes à
própria democratização irrestrita ao ensino público em um país de dimensões
continentais como o Brasil.
Em 1997, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, foram
publicados os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para o primeiro e segundo
ciclos do ensino fundamental, com o objetivo de nortear o trabalho dos professores
em todo o território nacional. A proposta dos PCNs se articula com base em quatro
pilares fundamentais, propostos pela UNESCO: aprender a conhecer, aprender a
fazer, aprender a viver com os outros e aprender a ser. Em consonância com o que
prevê a Lei nº 9.394/96, no artigo 9º, inciso IV25, o documento almejava contribuir
para uma reforma curricular e oferecer novas diretrizes à formação escolar brasileira,
substituindo antigos métodos e orientando a prática docente de forma
razoavelmente homogênea.
No ano seguinte foram publicados os PCNs para o terceiro e quarto ciclos do
ensino fundamental e, em 2000, os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino
Médio (PCNEM). Os documentos foram elaborados com base em programas
curriculares de estados e municípios brasileiros, além de experiências consideradas
bem-sucedidas de outros países e análises de currículos escolares realizadas pela
Fundação Carlos Chagas.

25
“Art. 9º – A União incumbir-se-á de: IV – estabelecer, em colaboração com os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino fundamental e o
ensino médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação
básica comum.” (LDB 9394/96).
39

Após ser discutido26 por educadores, técnicos e gestores de escolas e


universidades, que elaboraram parecer, o texto definitivo foi enfim redigido e
distribuído em todo o país. Segundo os PCNs para o terceiro e quarto ciclos do
ensino fundamental, com relação à leitura e ao ensino de literatura:

O terceiro e quarto ciclos têm papel decisivo na formação de leitores,


pois é no interior destes que muitos alunos ou desistem de ler por
não conseguirem responder às demandas de leitura colocadas pela
escola, ou passam a utilizar os procedimentos construídos nos ciclos
anteriores para lidar com os desafios postos pela leitura, com
autonomia cada vez maior. Assumir a tarefa de formar leitores impõe
à escola a responsabilidade de organizar-se em torno de um projeto
educativo comprometido com a intermediação da passagem do leitor
de textos facilitados para o leitor de textos de complexidade real, tal
como circulam socialmente na literatura e nos jornais; do leitor de
adaptações ou de fragmentos para o leitor de textos originais e
integrais. (BRASIL, 2010, p. 70)

A proposta, embora tendo sido bem aceita na ocasião de sua divulgação,


apresentava uma série de lacunas, além de não tratar todas as áreas do
conhecimento com igual atenção. O ensino de literatura, inserido na seção dedicada
aos conhecimentos de língua portuguesa, no âmbito da grande área “Linguagens,
códigos e suas tecnologias”, acabou sendo abordado apenas superficialmente na
primeira versão. Apesar da ênfase na formação de leitores autônomos, o documento
pouco se ocupava em fornecer subsídios metodológicos necessários para que tais
resultados fossem obtidos. Além disso, a literatura não assume um status exclusivo
em relação aos demais componentes da grande área em que aparece inserida.
Conforme os PCNEM (2000), o estudo da língua portuguesa seria
desmembrado entre aspectos gramaticais e estudos literários. Essa posição abalava
de forma contundente a autonomia da literatura, agora subordinada ao estudo da
língua e excluída do quadro de preocupações do ensino médio, de acordo com
Frederico e Osakabe (2004, p. 67). Assim, o documento apresenta uma suposta
“nova concepção” de ensino de língua e literatura, mas não a desenvolve; apenas
avalia e substitui a versão antiga. Para os autores,

É possível dizer que os PCNEM têm, em relação ao ensino da


literatura, uma atitude duplamente problemática: ou ele se mantém
nos padrões tradicionais, ou descaracteriza-se completamente,
perdendo-se no meio de outras práticas pedagógicas. Em nome de

26
Segundo informações obtidas no portal do INEP.
40

quê? Baseado numa idéia dita sócio-interativa da língua e numa


atitude complacente de seu ensino, o modo como está implícito o
lugar da literatura no documento autoriza seu deslocamento a um
plano insignificante nas preocupações pedagógicas do Ensino Médio.
(FREDERICO; OSAKABE, 2004, p. 72)

Como consequência, o conteúdo do documento foi duramente criticado, tanto


nos cursos de licenciatura em Letras quanto nas instituições escolares. Para William
Cereja (2009, p. 114), essa insatisfação foi praticamente unânime, por sua
inconsistência teórica e metodológica. O evidente descaso com a disciplina de
literatura agravou o descontentamento com o texto, gerando uma série de
publicações de pesquisadores e docentes, em âmbito acadêmico e em periódicos de
ampla circulação, com críticas ao material.
As negligências dos PCNEM com relação à disciplina e demais componentes
curriculares motivaram a publicação em 2002 dos PCN+, ou Orientações
Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais, uma espécie de suporte e
complementação ao primeiro. No entanto, a literatura permaneceu tratada no novo
texto como uma das diversas possibilidades textuais a ser explorada, vinculada ao
trabalho com a língua portuguesa.
Ademais, sempre que mencionado, o texto literário é visto, principalmente,
como bem cultural ou auxiliar (texto como pretexto) para se chegar a outro fim que
não a própria leitura de ficção. Para Cereja (2009), tanto os PCNEM quanto os
PCN+ não esclarecem o modo como o professor deve proceder em relação ao
cânone literário, gerando uma série de questionamentos sem solução.
Em 2006 foram publicadas as Orientações Curriculares para o Ensino Médio,
como mais um subsídio para a discussão acerca da prática docente no Brasil. Na
seção reservada à área de “Linguagens, códigos e suas tecnologias”, a literatura
finalmente conquista um espaço apropriado, em que questões específicas a respeito
do trabalho com textos ficcionais podem ser discutidas, inclusive no plano teórico.
Logo no parágrafo de apresentação, o que se vê é uma espécie de mea culpa em
relação aos documentos anteriores:

As orientações que se seguem têm sua justificativa no fato de que os


PCN do ensino médio, ao incorporarem no estudo da linguagem os
conteúdos de Literatura, passaram ao largo dos debates que o
ensino de tal disciplina vem suscitando, além de negar a ela a
autonomia e a especificidade que lhe são devidas. (FREDERICO;
OSAKABE, 2006, p. 49).
41

O novo texto defende a relevância do estudo da literatura na formação dos


jovens brasileiros e justifica sua permanência como disciplina específica no currículo
do ensino médio, não mais como suporte para o ensino de língua portuguesa, mas
em sua complexidade teórico-metodológica e como componente fundamental para o
desenvolvimento da autonomia intelectual do educando.
A leitura como fruição reaparece como um dos objetivos do ensino de
literatura, responsável por proporcionar uma espécie de “(re-)humanização” do
sujeito pós-industrial, na condição de arte. Outro conceito constante no documento é
o de letramento literário, associado à capacidade de não apenas realizar a leitura do
texto, como ato mecânico, mas de apropriar-se de seu conteúdo por meio da
experiência estética.
Conforme o texto, a formação de leitores converte-se na principal finalidade
dos estudos literários na escola, instituição responsável pela democratização do
acesso à cultura literária. O professor perde o caráter centralizador e assume o
papel de mediador entre os alunos e o texto, orientando as escolhas e possibilitando
espaços para que as múltiplas leituras sejam compartilhadas.
O documento ainda contextualiza a educação no Brasil, apontando para o
perfil tecnicista que teria, segundo os autores, acarretado historicamente um declínio
qualitativo responsável pela crise no ensino de literatura, entre outras disciplinas. A
tentativa de adaptar o ensino escolar à nova realidade nacional, tornando-o mais
acessível, a partir da democratização e abertura no período pós-anos 1960, teria
resultado em um modelo de educação raso e pouco desafiador, qualificado pelos
autores do documento como uma “versão perversa do velho preconceito segundo o
qual não se deve deitar pérolas aos porcos, ou seja, as classes subalternas só
merecem um ensino à sua altura” (FREDERICO; OSAKABE, 2006, p. 62).
Os autores enfatizam a necessidade de explorar, em atividades que envolvam
o contato direto com a obra, o potencial, inerente ao texto literário, de provocar no
leitor uma sensação de estranhamento, de incômodo, que o convide a deslocar-se
de sua realidade cotidiana em direção a novas possibilidades de percepção/
recriação/ressignificação da própria existência.
Ao fim e ao cabo, o que o texto sugere é que se proporcione e estimule no
ambiente escolar o contato com diferentes obras, de diferentes gêneros, com
espaços para a leitura enquanto exercício de prazer e em sua complexidade nos
âmbitos histórico e estético. O teor limitador das antigas fichas de leitura ou da
42

opção exclusiva pelo cânone tradicional, oferecido por grande parte dos manuais
didáticos, perde relevância diante da possibilidade de troca de experiências entre os
alunos e com a obra em si.
No entanto, para Neide Luzia de Rezende, as Orientações, apesar de seu
importante caráter revisionista em relação aos PCNEM, não foram recebidas com a
devida atenção por parte das instituições de ensino, permanecendo como mais um
documento não lido pela maioria dos educadores em atividade, principal público-alvo
do texto.

Talvez um dos maiores problemas da leitura literária na escola não


se encontre na resistência dos alunos à leitura, mas na falta de
espaço-tempo na escola para esse conteúdo que insere fruição,
reflexão e elaboração. Essas questões foram trazidas por nós nas
Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, de 2006,
do MEC, texto que permanece curiosamente ignorado em prol dos
antigos PCNEM de 2000, os quais mobilizam justamente a
concepção de ensino de literatura aqui criticada. (REZENDE, 2013,
p. 111)

Assim, em que pese o caráter inovador em relação aos demais documentos,


o acesso às OCNEM não parece ter sido amplamente divulgado pelas instituições
de ensino, talvez, justamente, por não fornecer subsídios suficientes e objetivos à
pratica diária do professor do ensino básico. As “orientações” trazem importantes
reflexões teóricas, avançam na discussão, mas não norteiam ou representam
soluções ou alternativas concretas de ação.
Nesse sentido, entre os documentos mencionados e a prática pedagógica real
existe uma lacuna significativa, responsável por esmaecer até mesmo as propostas
de trabalho mais atraentes. Ocorre que a autonomia da escola, aliada à flexibilização
das possibilidades de organização do currículo e à carência de momentos de
formação continuada com profissionais devidamente capacitados para tal, acaba por
promover uma desorientação generalizada, ao contrário de um direcionamento
apropriado.
De fato, a LDB de 1996 (bem como a Lei nº 12.796/13) e os demais
documentos garantem liberdade ao trabalho do professor, sem, contudo, fornecer-
lhe as ferramentas e os mecanismos para que sejam elaborados projetos que
envolvam a literatura como protagonista. Em um contexto em que “tudo é possível,
inclusive nada”, nas palavras de Jeosafá Gonçalves (2012), as escolas, amparadas
43

por políticas públicas e através de seus projetos pedagógicos, passam a ser as


principais responsáveis pelo processo educativo.
No entanto, esse protagonismo justo e necessário devolvido à escola e aos
docentes nem sempre resulta em um trabalho de qualidade, pois, muitas vezes, a
possibilidade de elaborar o projeto político-pedagógico acaba excessivamente
burocratizada/mecanizada e a participação efetiva dos professores é desestimulada
pela gestão escolar e demais instâncias envolvidas. Para além dos textos coesos e
“harmônicos” dos documentos, muitas vezes irrealizáveis e com reduzidas
oportunidades de intervenção real, a participação concreta dos agentes escolares
deve ser repensada com urgência.

1.1.2 O Plano Nacional de Educação e o sistema de avaliação da Educação


Nacional: um breve panorama

PNE – Plano Nacional de Educação

Como resposta às deliberações da Conferência Nacional de Educação


(CONAE), foi enviado em 2010 para entrar em vigor no ano seguinte o projeto de lei
que cria o Plano Nacional de Educação (PNE). Composto por dez diretrizes e vinte
metas, o plano também prevê estratégias específicas para cada caso, além de
formas de controle e fiscalização de sua concretização pela sociedade.
Um dos objetivos, conforme publicado no portal 27 do MEC, é premiar e
divulgar iniciativas bem-sucedidas em todos os níveis educacionais. Da mesma
forma, algumas estratégias destinam-se especificamente à inclusão de minorias28 ao
sistema regular de ensino. As principais metas a serem alcançadas são a
universalização e ampliação do acesso e o atendimento de qualidade a todos os
níveis da educação, além do incentivo à formação continuada de professores e
demais profissionais envolvidos com o processo educativo.
O projeto garante força de lei aos indicadores obtidos pelo Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Segundo dados oficiais, a média
brasileira atual para os anos iniciais do ensino fundamental é 4,6 e a meta é atingir 6
pontos em uma escala de 10, até 2021. Outra previsão é confrontar os dados do

27
Disponível em: <www.portal.mec.gov.br>. Acesso em: set. 2014.
28
Alunos com deficiência, indígenas, quilombolas, estudantes de zona rural, além de estudantes com
liberdade assistida.
44

IDEB com os do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA). O Brasil


alcançou 395 pontos de média em 2009 e a meta é atingir 473 pontos em 2021. A
elaboração de currículos adequados, a diminuição da defasagem idade-série e a
destinação de 10% do PIB para a educação também estão contempladas no plano.
Após quase quatro anos tramitando no Congresso Nacional, a votação do
novo PNE no plenário da Câmara dos Deputados aconteceu finalmente em junho de
2014. Em decorrência da longa espera, e com o objetivo de monitorar o andamento
do processo e da implementação do plano, foi criado o Observatório do PNE,
plataforma online também responsável por disponibilizar análises a respeito das
ações educacionais já existentes e das que serão implementadas ao longo da
vigência do Plano. Segundo dados do Observatório29, existem atualmente no Brasil
cerca de 1,5 milhão de jovens (em idade e condições adequadas para cursar o
ensino médio) fora da escola.

Gráfico 1: Porcentagem de jovens de 15 a 17 anos na escola e porcentagem de jovens de 15 a 17


anos matriculados no Ensino Médio

Fonte: www.observatoriodopne.org.br

Nesse contexto, a meta de universalizar o acesso à educação até 2016 para


jovens de 15 a 17 anos possivelmente não será atingida. Os programas escolares,
consideravelmente desatualizados e pouco atraentes, além da quantidade excessiva
de disciplinas obrigatórias, seriam os principais fatores responsáveis pela
defasagem de matrículas nessa etapa da educação.
Assim, em novembro de 2013 foi regulamentado o Pacto Nacional pelo
Fortalecimento do Ensino Médio, cujo principal objetivo é confirmar o compromisso
de ampliar com qualidade a formação continuada de professores e demais

29
Disponível em: <www.observatoriodopne.org.br>. Acesso em: set. 2014.
45

profissionais da educação (supervisores, coordenadores pedagógicos, orientadores,


entre outros) atuantes no ensino médio público, nos âmbitos urbano e rural.

SAEB – Sistema de Avaliação da Educação Básica

A função do SAEB é avaliar a educação básica no Brasil, fornecendo dados e


indicadores que permitam mapear e compreender as razões do desempenho
(satisfatório ou não) dos estudantes no país. São três as avaliações em larga escala
que compõem o sistema: ANEB (Avaliação Nacional da Educação Básica),
ANRESC/Prova Brasil (Avaliação Nacional do Rendimento Escolar) e ANA
(Avaliação Nacional da Alfabetização).

Figura 1: Avaliações do SAEB


Fonte: http://portal.inep.gov.br/web/saeb/aneb-e-anresc

A ANEB é realizada bianualmente por amostragem com alunos de escolas


públicas e privadas matriculados, respectivamente, no 5º ano e no 9º ano do ensino
fundamental e no 3º ano do ensino médio e apresenta os resultados da avaliação de
habilidades em língua portuguesa, matemática e ciências (a partir de 2013) em
âmbito nacional, regional e de cada estado da Federação.
A ANRESC/Prova Brasil é aplicada de modo censitário em turmas de 5º e 9º
ano do ensino fundamental de escolas públicas, com o objetivo de avaliar
bianualmente essa etapa da educação no ensino público nas mesmas áreas da
ANEB. Por seu turno, a ANA é uma avaliação anual e censitária, que observa o
desempenho de alunos do 3º ano do ensino fundamental (de escolas públicas) com
o propósito de avaliar os níveis de alfabetização e letramento em Língua Portuguesa
e alfabetização matemática.
46

Os índices30 brasileiros são construídos com base no padrão do PISA


(Programme for International Student Assessment). De acordo com o portal31 do
INEP, o PISA é coordenado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE). Apesar do caráter uniformizador, cada país participante possui
uma coordenação nacional. No Brasil, o responsável pelo PISA é o Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Segundo o texto do
portal, o PISA foi criado com o intuito de

produzir indicadores que contribuam para a discussão da qualidade


da educação nos países participantes, de modo a subsidiar políticas
de melhoria do ensino básico. A avaliação procura verificar até que
ponto as escolas de cada país participante estão preparando seus
jovens para exercer o papel de cidadãos na sociedade
contemporânea.32

A avaliação compara os sistemas de educação dos países participantes, a


partir de métodos e conteúdos uniformes e sem observar critérios regionais. É
importante considerar que o contexto histórico, político, econômico e social dos
países integrantes nem sempre pode ser confrontado, visto que as políticas públicas
e os avanços e/ou retrocessos de cada grupo social não são levados em conta nas
avaliações.
O Brasil, classificado entre as últimas posições, se comparado à realidade de
alguns países europeus ou mesmo dos Estados Unidos, ainda tem um longo
caminho a trilhar. Mas, se analisarmos internamente a realidade da educação
brasileira, verificaremos importantes avanços, sobretudo na última década. Assim,
os índices do PISA são ferramentas relevantes como incentivo ao desenvolvimento,
mas não parece razoável que representem a referência maior a ser atingida, sem
que antes sejam ressalvadas as especificidades regionais e as reais demandas
socioculturais do contexto brasileiro.
Nesse contexto, com relação aos padrões internacionais, ainda nos
encontramos distantes de um quadro razoavelmente favorável para a educação no
Brasil. Entretanto, como já mencionado, é pertinente reforçar que tal sistema

30
Segundo os últimos dados do IDEB, a média da proficiência de Língua Portuguesa dos alunos de
3ª série do ensino médio no Rio Grande do Sul é 272,96 pontos (de 150 a 375 pontos) – nível 6 em
uma escala de 9 níveis.
31
Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/pisa-programa-internacional-de-avaliacao-de-alunos>.
Acesso em: set. 2014.
32
Id., ibid.
47

avaliativo, de caráter reducionista e homogeneizado, não é complexo o suficiente


para que sirva de parâmetro a análises profundas de uma determinada realidade
local. Ademais, utilizar metas estabelecidas por um comitê internacional e
comparações entre países extremamente distintos entre si não parece a forma mais
lúcida de discutir a educação nacional. Em contrapartida, analisar aspectos
regionais, avanços e retrocessos, conquistas e prejuízos em cada região do país,
além de estabelecer metas possíveis e em consonância com a realidade nacional, é
uma alternativa significativamente mais eficaz nesse sentido.
48

CAPÍTULO 2 – LITERATURA, ESCOLA E PRÁTICAS DE LEITURA: DIÁLOGOS


POSSÍVEIS

Ler é fazer-se ler e dar-se a ler. Em outros termos, dar um sentido é


falar sobre o que talvez não se chegue a dizer de outro modo e mais
claramente. Seria permitir uma emergência daquilo que está escondido.
Jean Marie Goulemot

Diferentes concepções envolvem o conceito de leitor, enquanto entidade


histórica e social. O leitor modelo, figura idealizada, cede espaço a sujeitos reais,
plurais e autônomos. O texto, antes hermético e dado a uma única interpretação,
passa a ter seu conteúdo atualizado a cada leitura. Por sua vez, a leitura, outrora
percebida como ato de decodificação, hoje pressupõe a participação ativa de um
leitor, histórica e socialmente situado, e que irá, de acordo com suas referências
culturais, agregar sentido ao texto, preenchendo as lacunas intencionalmente
deixadas pelo autor e posicionando-se diante dele.

2.1 A leitura como ato social

Considerar o papel da leitura como prática social, instrumento de poder na


condição de capital cultural ou, ainda, como interação, requer atenção ao momento
histórico e às múltiplas concepções que o conceito contempla. Seja no sentido da
perda da carga simbólica enquanto arte, a partir da consolidação de uma sociedade
de consumo, ou por sua suposta substituição por outros códigos (cinema, televisão
e, hoje, internet), o ato de ler é alvo de debates em diversas áreas, que se orientam
em direções distintas, desde aqueles que anunciam o fim do livro impresso, até os
que asseguram, com otimismo, o sucesso editorial que certas obras têm alcançado,
sobretudo junto ao público jovem. Para Regina Zilberman,

A leitura nunca foi tão prestigiada como agora, alvo de agressiva


pletora de elogios e manifestações de apreço; ao mesmo tempo, seu
fim parece próximo, fazendo os encômios desaguarem em prematuro
obituário. A visão que a sociedade faz da leitura é, pois, contraditória,
além de multifacetada, já que o mesmo termo encobre significados
diferentes para um professor de nível básico e um crítico literário, um
pai de família e um profissional liberal. (ZILBERMAN, 2001, p. 17)
49

Mas, que é ler, afinal? Decifrar símbolos, em uma sequência lógica? Ou ato
complexo, associado à produção de sentidos e à reflexão diante da sociedade e da
própria existência? Muitos são os conceitos, muitas as possibilidades de pensar a
leitura enquanto ato social, tantas vezes elitizado e de acesso restrito, instrumento
de abusos e coerção, de libertação e autonomia. Marisa Lajolo esclarece:

Ler não é decifrar, como num jogo de adivinhações, o sentido de um


texto. É, a partir de um texto, ser capaz de atribuir significação,
conseguir relacioná-lo a todos os outros textos significativos para
cada um, reconhecer nele o tipo de leitura que seu autor pretendia e,
dono da própria vontade, entregar-se, ou rebelar-se contra ela,
propondo outra não prevista. (LAJOLO, 2005, p. 59)

Em diálogo com Lajolo, Jean Marie Goulemot também defende a ideia de que
o ato de ler é responsável pela produção de sentidos, independentemente da
natureza do texto. A leitura, longe de ficar restrita aos bancos escolares, está
permeada por relações extratextuais, ligadas às situações cotidianas, coletivas ou
individuais. Para Goulemot, ler é

Dar um sentido de conjunto, uma globalização e uma articulação aos


sentidos produzidos pelas sequências. Não é encontrar o sentido
desejado pelo autor, o que implicaria que o prazer do texto se
originasse na coincidência entre o sentido desejado e o sentido
percebido, em um tipo de acordo cultural, como algumas vezes se
pretendeu, em uma ótica na qual o positivismo e o elitismo não
escaparão a ninguém. (GOULEMOT, 1996, p. 108).

Segundo Goulemot (1996), enquanto prática, a leitura determina


comportamentos, ao passo que é determinada pelas circunstâncias históricas e
culturais da obra e do sujeito leitor. Ao ler, acionamos uma espécie de “biblioteca”
pessoal, composta de informações internalizadas através das instituições sociais às
quais nos sujeitamos, desde orientações escolares, leituras anteriores, influência
familiar etc. Além dessas, todo o conjunto iconográfico associado ao consumo e às
leis do mercado influenciam nossas escolhas:

A leitura é jogo de espelhos. Reencontramos ao ler todo o saber


anterior – saber fixado, institucionalizado, saber móvel, vestígios e
migalhas – trabalha o texto oferecido ao deciframento. Não há jamais
compreensão autônoma, sentido constituído, imposto pelo livro em
leitura. A biblioteca cultural serve tanto para escrever quanto para ler
(GOULEMOT, 1996, p. 115).
50

Goulemot reforça a natureza da leitura enquanto rito especular, que um


indivíduo realiza em direção a si mesmo, incluindo a escolha das melhores posições
de leitura, locais preferidos e disponíveis, momentos ideais. Em suma, somos “um
corpo que lê” (GOULEMOT, 1996, p. 109). E esse “corpo leitor” está sujeito às
condições que lhe são oportunizadas em decorrência de sua posição social, das
influências da indústria cultural, da fortuna crítica que as obras recebem ou do
conceito que cada casa editorial carrega. A combinação desses elementos
predispõe uma escuta, direciona o rito da leitura.
A cada leitura feita, uma camada de significação é acrescida ao nosso acervo
pessoal, nosso banco de dados particular e subjetivo. Lemos o que existe em nossa
volta mesmo antes de aprender a decifrar as letras, afirmou Paulo Freire (2011). A
leitura do mundo antecede, portanto, a leitura dos livros:

A leitura da palavra é sempre precedida da leitura do mundo. E


aprender a ler, a escrever, alfabetizar-se é, antes de mais nada,
aprender a ler o mundo, compreender o seu contexto, não numa
manipulação mecânica da palavra mas numa relação dinâmica que
vincula linguagem e realidade. (FREIRE, 2011, p. 8)

Para Freire, essa leitura do mundo, da “palavramundo”, tem início no espaço


da casa, com os membros da família, nos cenários cotidianos. Aprende-se mais e
melhor quando a alfabetização é povoada por palavras de um universo em
particular, um sistema de códigos que já faz parte da vida do indivíduo. Freire
assinala ainda o caráter político inerente ao ato de ler: quando se lê o mundo
criticamente, uma ação contra-hegemônica se torna possível.
No âmbito da historiografia, as contribuições de Robert Darnton e Roger
Chartier são significativas com relação às práticas de leitura na França do Antigo
Regime. Enquanto Darnton concentrou seus esforços em identificar o que liam os
franceses e o que era publicado na época, a Chartier interessava conhecer os
comportamentos e maneiras, além das formas de apropriação e leitura desses
impressos.
Assim, uma história da leitura justifica-se por ser a única maneira de
deslegitimar a ideia tradicional de que os textos têm sentido em si mesmos, como
uma espécie de senha a ser descoberta. Segundo o historiador,
51

Dar à leitura o estatuto de uma prática criadora, inventiva, produtora,


e não anulá-la no texto lido, como se o sentido desejado por seu
autor devesse inscrever-se no espírito de seus leitores, com toda
imediatez e transparência, sem resistência nem desvio de espírito de
seus leitores. Os atos de leitura que dão aos textos significações
plurais e móveis situam-se no encontro de maneiras de ler, coletivas
ou individuais, herdadas ou inovadoras, íntimas ou públicas e de
protocolos de leitura depositados no objeto lido, não somente pelo
autor. (CHARTIER, 1996, p. 78)

Chartier acredita que utilizar informações referentes aos hábitos de leitura


para discutir práticas culturais de determinada sociedade é válido, na medida em
que essas questões permeiam todos os campos do conhecimento e servem como
parâmetro para discutir qualquer outra prática, em qualquer campo do saber. A
leitura, nessa perspectiva, adquire o status de prática, individual ou coletiva, que
confere sentido a um texto por meio dos conhecimentos internalizados através de
relações sociais em circunstâncias específicas.
De sua parte, Pierre Bourdieu concebe a leitura como capital intelectual, bem
cultural entre tantos outros, ainda que conserve determinadas particularidades. Os
bens culturais caracterizam-se por ser consumidos, mas através de uma espécie de
“crença” tácita, por parte das instituições sociais, de que esse consumo é positivo e
deve ser estimulado. Bourdieu sustenta as ideias de Chartier quando sugere que
estudos que focalizem indicadores das diferentes maneiras como os livros são lidos
e as múltiplas leituras que deles são feitas são mais relevantes do que aqueles
voltados apenas para a obra, isolados de uma noção sistêmica. É do sociólogo
francês o conceito de campo.
O campo, para Bourdieu, é um espaço social estruturado (relativamente
estável) no qual dominantes e dominados lutam pela manutenção e pela obtenção
de determinados postos, de acordo com as posições que ocupam em relações
pautadas pelo poder. Em outras palavras, cada campo possui regras específicas de
atuação social, impostas a seus ocupantes. Na sociedade, os campos são
relativamente autônomos, apesar de estabelecerem contato entre si.
Os membros de um mesmo campo compartilham interesses em comum,
embora não disponham igualmente dos mesmos recursos e competências, daí a
disputa por aquilo que Bourdieu chamou de “troféus” entre si. Aqueles que possuem
maior poder intervêm mais diretamente no campo, configurando uma disputa
legítima entre dominadores e dominados. O conceito de campo permite conceber a
52

sociedade enquanto um sistema complexo de relações, orientadas de acordo com


as posições ocupadas por seus membros, o que, de certo modo, pretende sofisticar
a tese marxista de que a infraestrutura necessariamente determinaria a
superestrutura.
Aliado ao conceito de campo está o de habitus. Para Bourdieu, o habitus
corresponde a uma série de predisposições que permitem aos agentes agir no
interior de uma determinada estrutura social (campo), visando manter sua dinâmica
organizacional. O conceito assinala a ação do indivíduo, que, embora internalize as
representações da estrutura social, atua sobre elas. Dito de outro modo:

O conceito de “habitus” recupera a dimensão individual e simbólica


dos fenômenos sociais, a dimensão do agente que interage com a
realidade social, não sendo apenas o resultado de suas
determinações, nem, por outro lado, determinando-a. As nossas
estruturas mentais sofrem condicionamento social. Existe uma
dimensão do social que está inscrita em nós. Compartilhamos, com
os outros agentes, categorias, percepções que orientam nossas
condutas e que as tornam significativas. É o “habitus”, este princípio
gerador de nossas práticas, de nossas ações no mundo, fundamento
da regularidade de nossas condutas. O “habitus” serve de base para
a previsão de nossas condutas porque, de acordo com ele, podemos
agir de determinadas formas em determinadas circunstâncias. Esta
tendência que temos para agir de certa forma não significa, contudo,
que sempre façamos o que se espera ou a mesma coisa. Os agentes
improvisam, elaboram novas estratégias, o que confere às estruturas
simbólicas um papel maior e mais relevante. (ARAÚJO; ALVES;
CRUZ, 2009, p. 38)

Compreender os conceitos de campo e de habitus contribui para uma série de


reflexões envolvendo leitura, literatura e escolarização: como são definidos os
critérios de seleção de obras adotadas pela escola; como são elaboradas as
escolhas pessoais de cada estudante; como se estabelecem relações entre elas e a
prática de leitura; como interagem os diferentes níveis de ensino, etc. Serve, ainda,
para identificar que fatores permitem que determinadas obras permaneçam sendo
comercializadas, ainda que o mercado se encontre dominado por uma ideologia
oposta.
E, nesse sentido, o que singulariza a leitura, diante das demais práticas
culturais como o teatro ou o cinema, é justamente o fato de ser amplamente
escolarizada. Isso significa que o grau de escolaridade condiciona o maior ou menor
53

nível de instrução do indivíduo, em associação direta com suas referências


sociofamiliares (ou seu capital cultural acumulado).
Conforme Lage (2010), Bourdieu concebe o capital cultural como o conjunto
de saberes transmitidos pelos laços familiares e internalizados pelo sujeito (habitus),
que, por sua vez, também influenciariam o rendimento escolar do estudante. Assim,
de acordo com a escolaridade do leitor e com seu capital cultural acumulado, é
possível antever suas prováveis escolhas e maneiras de ler.
Nesse sentido, considerar o poder da escola enquanto uma das principais
instituições responsáveis pelo acesso à leitura é essencial quando se pretende
pensar o ensino de literatura e a formação de leitores. Nesse caso, o papel
desempenhado pelo educador e o lugar que ocupa na hierarquia social são
altamente relevantes. Para Chartier,

Entre as leis sociais que modelam a necessidade ou a capacidade de


leitura, as da escola estão entre as mais importantes, o que coloca o
problema, ao mesmo tempo histórico e contemporâneo, do lugar da
aprendizagem escolar numa aprendizagem da leitura, nos dois
sentidos da palavra, isto é, a aprendizagem da decifração e do saber
ler em seu nível elementar e, de outro lado, esta outra coisa de que
falamos, a capacidade de uma leitura mais hábil que pode se
apropriar de diferentes textos. (CHARTIER, 1999, p. 240)

O sistema escolar, via de regra, classifica aquele aluno que não lê as obras
recomendadas pelo professor como um “não-leitor”, mesmo quando ele consome
diariamente textos classificados como “não-literários”, ligados aos seus interesses
individuais. E, ao considerar suas práticas como “não-leituras”, segundo Chartier
(1999), a escola perde a oportunidade de utilizá-las como suporte ou “porta de
entrada” para que o estudante acesse progressivamente leituras mais densas,
capazes de transformar sua visão de mundo, suas formas de agir e de pensar a
sociedade da qual faz parte.
No prefácio de Leituras no Brasil (1995), Márcia Abreu e Luiz Percival Britto
apresentam três falsas ideias comumente associadas à prática de leitura no país: a
primeira, que restringe o ato de ler à mera decodificação, quando o processo é muito
mais complexo e envolve um repertório prévio, que permite ao leitor interpretar e
ressignificar o que lê. A segunda, que relaciona o ato de ler à leitura do livro como
objeto sacralizado, desconsiderando outros suportes, como o e-book. A terceira, e
talvez a mais difundida, é a de que a população em geral lê pouco.
54

Correntes acadêmicas mais tradicionais, responsáveis pela formação de boa


parte de nossos professores, ainda parecem desconsiderar como válida a leitura de
obras de caráter comercial e/ou popular, sejam elas publicações espíritas, sagas de
heróis e seres mitológicos, cordéis, autoajuda, best-sellers ou romances vendidos
em bancas de jornal. Segundo a antropóloga Michèle Petit, ao recusar as
referências trazidas pelos estudantes, a escola desperdiça uma oportunidade valiosa
de diálogo, que poderia estimular, progressivamente, o contato com obras mais
complexas:

Evidentemente, os adolescentes pedem por determinado best-seller


e gritam contra qualquer texto que se afaste dos caminhos já
trilhados por eles. Mas, ao mesmo tempo, as leituras têm, nessa
fase, mais do que em outras, um caráter ainda mais anárquico, mais
eclético: os adolescentes aproveitam tudo o que cai em suas mãos,
sem pensar em classificações determinadas. E sua atração pela
transgressão, o excesso, a maldade ou a violência pode ser uma
chave de entrada para leituras muito diversificadas, incluindo os
textos clássicos. (PETIT, 2013, p. 49)

Outro aspecto contraproducente vinculado à concepção de leitura, sobretudo


no Brasil, é o fato de o hábito de ler ter sido historicamente associado a um
passatempo reservado às classes dominantes. Quando escolarizada na esfera
pública, a leitura é vista, via de regra, em seu fim prático, associado ao mercado de
trabalho, atendendo aos anseios de uma sociedade de consumo. Ler, no imaginário
popular, assim como aprender uma língua estrangeira – quase sempre, o inglês –,
significa estar mais apto a conseguir um “bom” cargo no futuro.
A opção pelo uso da norma culta como única variante aceita pela escola
como sinônimo de língua “correta” é outro fator associado à rejeição da leitura. Tal
modalidade, ao contrário de configurar um modo padrão de uso do idioma, remete à
cultura de um grupo social exclusivo, dominante e privilegiado. Então, ler torna-se,
muitas vezes, uma forma de exaltar práticas culturais específicas dessa parcela da
população, o que, de modo algum, representa a pluralidade cultural vivenciada pelos
estudantes.
Assim, o projeto burguês (frustrado) de democratizar a leitura no Brasil acaba
servindo aos interesses das classes privilegiadas, uma vez que não atende às
demandas da população a quem é destinado, no caso do ensino público. Não são
raras as escolas municipais e estaduais sem biblioteca de fato acessível – o que
significa contar com profissional bibliotecário e acervo disponível para empréstimo –,
55

ou sem projetos que envolvam o contexto da maioria dos estudantes. São


esclarecedoras, nesse caso, as considerações de Magda Soares, quando afirma:

Não há como discutir os aspectos propriamente pedagógicos ou


metodológicos do ensino da leitura, na escola brasileira, sem, antes,
tentar esclarecer os determinantes sociais de classe do leitor que
atuam sobre as suas condições de produção da leitura e, em
consequência, sobre as nossas condições de ensino da leitura,
ensino que queremos coerente com uma pedagogia de contestação,
de transformação, de libertação. (SOARES, 1995, p. 50).

Já na concepção de Petit (2013), a experiência da leitura independe da classe


social do indivíduo que lê. O que diferencia os leitores entre si são os obstáculos que
cada um enfrenta no que concerne às oportunidades de leitura. Se para alguns “tudo
é dado ao nascer” (PETIT, 2013, p. 24), para muitos outros, a escola é a única forma
de acesso ao universo literário. Para a autora, é fundamental que se repense a
oferta de cultura como uma necessidade básica para a formação humana, em
substituição à ideia de que o estudo das artes seria secundário no programa escolar,
principalmente nos meios populares, em que prevalece a noção de educação aliada
à formação profissional:

O desejo de pensar, a curiosidade, a exigência poética ou a


necessidade de relatos não são privilégio de nenhum grupo social.
Cada um de nós tem direitos culturais: o direito ao saber, mas
também o direito ao imaginário, o direito de se apropriar dos bens
culturais que contribuem, em todas as idades da vida, à construção
ou à descoberta de si mesmo, à abertura para o outro, ao exercício
da fantasia, sem o qual não há pensamento, à elaboração do espírito
crítico. (PETIT, 2013, p. 23)

Da mesma forma, não há como discutir a formação de leitores sem uma


concepção que trate o ato de ler em sua natureza interdisciplinar e intertextual, que
se relaciona a diferentes formas culturais e que dialoga com outras mídias e áreas
do conhecimento. Um conceito de leitura que desconsidere sua relação com
discursos distintos e que mantenha autores e obras em pedestais inatingíveis jamais
dará conta do potencial libertador inerente à literatura.
Assim, um olhar mais atento para a escola é condição essencial para que os
estudantes tornem-se adultos leitores com autonomia para realizar suas escolhas.
Adiar o contato com a ficção para o ensino superior (ou para nunca mais) e focar a
educação básica em rudimentos gramaticais sem sentido fora de si mesmos é limitar
56

a experiência estética do estudante, o que restringe e, por vezes, atrofia a


capacidade intrinsecamente humana de perceber o mundo simbolicamente.
Mas, em uma sociedade que encarrega a instituição escolar de grande parte
das tarefas outrora compartilhadas com a família, incluindo lazer e práticas culturais,
como criar um espaço específico e adequado para o desenvolvimento da
capacidade de ler, enquanto ato complexo e enriquecedor da experiência humana?
De quais ferramentas os professores podem lançar mão, diante da falta de formação
continuada eficaz, para formar leitores competentes? E mais: que literatura lemos
enquanto mediadores? E que literatura queremos que nossos estudantes
consumam? De que subsídios teóricos poderão valer-se educadores e gestores para
que pautem sua prática profissional com foco na formação de leitores autônomos?

2.2. Estética da recepção e teoria do efeito: o leitor em foco

É possível encontrar algumas direções a partir das ideias dos teóricos da


estética da recepção, ou teoria do efeito, que concebem a leitura como prática
dialógica de produção de sentidos e de troca mútua na relação autor- texto-leitor. As
contribuições de autores como Hans Robert Jauss e Wolfgang Iser aos educadores
podem ser muito enriquecedoras, sobretudo na prática diária de formação de
leitores.
Em meados dos anos 1960, duas correntes ideológicas distintas circulavam
pela Alemanha. Na parte ocidental, a crítica imanentista, que considerava relevante
apenas o aspecto textual, formal da obra. Segundo essa vertente, a literatura
deveria bastar-se para a própria análise, isto é, características estritamente textuais
(versos, ritmos, sons, elementos constitutivos da narrativa e do drama) deveriam ser
consideradas em detrimento de aspectos biográficos ou históricos.
Por outro lado, na Alemanha Oriental, prevalecia a corrente marxista 33, de
orientação materialista. A visão marxista da literatura, de viés sociológico, enfatiza o

33
Segundo Luiz Costa Lima (2002), o marxismo fora reduzido a uma espécie de mecanicismo, o que,
na esfera da teoria literária, acarretava pouca ou nenhuma preocupação com a dimensão estética dos
textos, enquanto, no lado ocidental, o estruturalismo francês de base antropológica ganhava espaço,
o que afastava a literatura de sua face social. Por seu turno, o estruturalismo, na medida em que
desvinculava literatura e história, privilegiava a obra em sua dimensão textual. A obra, então,
demonstraria o potencial artístico do autor, mais como portador de um dom que como sujeito
socialmente marcado. Nesse sentido, o texto é analisado em seu potencial poético, nas marcas de
literariedade de sua linguagem, que deveria necessariamente divergir daquela utilizada na
comunicação ordinária.
57

elo entre literatura e sociedade. Ao legitimar como literários somente os textos que
refletissem a respeito dos conflitos sociais e das relações de poder, essa vertente
acabava por vincular a literatura a uma estética ligada ao conceito de classe.
A estética da recepção apresentava-se como uma alternativa a essas duas
correntes e a uma excessiva “intelectualização” dos estudos literários, apenas
focados no eixo obra-autor. Ao deslocar o foco de atenção para a instância do leitor,
como co-produtor de sentidos do texto, os teóricos da recepção propunham uma
análise orientada para o impacto ou efeito causado pelas obras na sociedade. Nas
palavras de Wolfgang Iser, “os anos 60 marcaram o fim de uma hermenêutica
ingênua da análise literária” (ISER, 1996, p. 7).
A aula inaugural de Hans Robert Jauss (1921-1997), em 1967, na
Universidade de Constança, é considerada a primeira das muitas manifestações do
grupo de estudo formado no começo da década, por ele, Iser e outros colegas
professores, em uma perspectiva interdisciplinar. O texto de Jauss alcançou grande
notoriedade, sobretudo a partir de sua publicação comercial em 1970.
Na palestra, intitulada O que é e com que fim se estuda a história da literatura
e publicada em versão ampliada como A história da literatura como provocação à
teoria literária, Jauss critica a forma como a história da literatura vinha sendo
abordada pela teoria literária. Para ele, ao priorizar as obras canônicas e seguir o
padrão descritivo clássico de “vida e obra”, cronologicamente, a história da literatura,
como era ensinada, desconsiderava a historicidade e o teor estético das obras, já
que

A qualidade e a categoria de uma obra literária não resultam nem


das condições históricas ou biográficas de seu nascimento, nem tão-
somente de seu posicionamento no contexto sucessório no
desenvolvimento de um gênero, mas sim dos critérios da recepção,
do efeito produzido pela obra e de sua fama junto à posteridade.
(JAUSS, 1994, p. 8)

Para Jauss, ao considerar a importância do leitor, era imprescindível articular


sua contribuição para a significação do texto à qualidade estética da obra,
desvinculada de seu valor comercial, aspecto bastante referido na época, a partir da
consolidação de uma sociedade movida pelo consumo. Contra essa condição
contemporânea o autor argumenta que, entre uma arte hermética, canalizada
apenas para a reflexão, e outra, somente para o mercado, há muitas questões
58

envolvidas. Ao valorizar o caráter dialógico do texto literário, superior à suposta


imanência da obra, Jauss sugere uma história da literatura orientada a partir da
leitura historicamente contextualizada das obras, como processo sempre renovado,
na medida em que se alteram os horizontes de expectativa de quem lê.
A ideia de um “horizonte de expectativas” é uma das bases da teoria do autor
e corresponde àquilo que é visível e pode ser alterado de acordo com as
concepções do leitor. O leitor reage à obra segundo seu horizonte de expectativas,
resultado de um conjunto de conhecimentos socialmente construídos em sintonia
com as demandas de seu contexto histórico. O potencial artístico estaria, então,
ligado à capacidade de uma obra em atender horizontes de expectativas distintos,
permitindo vários níveis e tipos de leitura, em diferentes épocas. Segundo Jauss,

A relação entre literatura e público não se resolve no fato de cada


obra possuir seu público específico, histórica e sociologicamente
definível; de cada escritor depender do meio, das concepções e da
ideologia de seu público; ou no fato de o sucesso literário pressupor
um livro “que exprima aquilo que o grupo esperava, um livro que
revela ao grupo sua própria imagem”. A sociologia da literatura não
está contemplando seu objeto de forma suficientemente dialética ao
definir com tamanha estreiteza de visão o círculo formado por
escritor, obra e público. Tal definição pode ser invertida: há obras
que, no momento de sua publicação, não podem ser relacionadas a
nenhum público específico, mas rompem tão completamente o
horizonte conhecido de expectativas literárias que seu público
somente começa a formar-se aos poucos. (JAUSS, 1994, p. 32-33)

Enquanto para Jauss interessam as circunstâncias histórico-sociológicas em


que as obras são lidas, para Iser o foco está na instância do leitor, em sua relação
individual com o texto. Uma obra literária tem sua real origem na leitura e na reação
do leitor ao texto, a partir de sua perspectiva singular. O efeito produzido pelo ato da
leitura confere ao texto um significado até então inexistente, indeterminado. Assim, a
função comunicativa é parte da natureza textual.

Na leitura acontece uma elaboração do texto, que se realiza através


de um certo uso das faculdades humanas. Desse modo, não
podemos captar exclusivamente o efeito, nem no texto, nem na
conduta do leitor; o texto é um potencial de efeitos que se atualiza no
processo da leitura. Através dele, acontecem intervenções no
mundo, nas estruturas sociais dominantes e na literatura existente.
Tais intervenções manifestam-se enquanto reorganização daqueles
sistemas de referência, os quais o repertório do texto evoca. (ISER,
1996, p. 15)
59

Para Iser (1996), o efeito estético somente pode ser concebido em sua
relação dialética entre texto e leitor. Em suas palavras, enquanto a teoria do efeito
está ancorada no texto, a estética da recepção ocupa-se dos juízos históricos dos
leitores. Uma obra só tem valor, seja em seu aspecto histórico, social, psicanalítico
ou estético, se for lida, o que torna o leitor o foco central para qualquer análise
literária:

A obra literária se realiza, então, na convergência do texto com o


leitor; a obra tem forçosamente um caráter virtual, pois não pode ser
reduzida, nem à realidade do texto, nem às disposições
caracterizadoras do leitor. Dessa virtualidade da obra resulta sua
dinâmica, que se apresenta como condição dos efeitos provocados
pela obra. (ISER, 1996, p. 50)

Ainda com relação à análise literária, Iser argumenta que as perguntas que
fazemos necessitam ser reformuladas, no sentido de valorizar o texto enquanto “ser
constituído na consciência do leitor” (ISER, 1996, p. 51). Segundo ele, em vez de
perguntar o significado de um poema, drama ou romance, deveríamos nos
questionar a respeito do que sucede ao leitor, quando impulsiona “vida” a tais textos
através da leitura. A leitura, ao contrário de decifrar o sentido oculto no texto, deve
servir para evidenciar o potencial de sentidos contido na obra. A interpretação
tradicional, que pressupõe e direciona a conclusão do leitor, inibe sua experiência
criativa diante do texto.
Iser analisa as várias categorias de leitor apresentadas comumente pela
crítica literária, enfatizando a oposição entre um leitor “do passado” e um tipo,
segundo ele, bastante citado nos dias atuais, que ele chama de “leitor ideal”. O autor
desconsidera essa tipologia, em função de sua inviabilidade concreta. O leitor ideal
teria, necessariamente, que compartilhar com o autor o mesmo código de leitura,
conseguindo extrair do texto todo o seu potencial de sentido.
Como alternativa, Iser propõe a categoria de “leitor implícito”, que não tem
existência real, mas agrega as orientações textuais, como um trajeto de leituras
possíveis a ser percorrido por seus leitores possíveis. O leitor implícito integra a
estrutura textual, como elemento responsável por antever sua recepção pelo leitor
empírico. Entretanto, o autor esclarece: “a concepção do leitor implícito não é
abstração de um leitor real, mas condiciona sim uma tensão que se cumpre no leitor
real quando ele assume o papel” (ISER, 1996, p. 76). A construção de sentido de
60

uma obra se concretiza mediante a capacidade imaginativa do leitor, em sua tarefa


de captar o “não-dado” pelo texto, cuja estrutura estimula esse potencial criativo, que
se traduz como efeito na consciência do leitor, reagindo cognitivamente aos
caminhos sugeridos.
Em Obra aberta, publicado em 1962, Umberto Eco dá início à longa discussão
que propõe a respeito da relação entre um texto e seu destinatário. Mesmo sem se
dedicar com exclusividade ao papel do leitor como construtor de sentidos do texto,
ele aponta para a natureza comunicacional do objeto literário, que é “dependente” do
receptor, mas também portador de uma intencionalidade intrínseca.
Em suas obras posteriores, mediadas pelos pressupostos da semiótica
peirceana, do formalismo russo e da linguística estrutural, Eco adensa sua tese de
que texto e leitor empreendem uma cooperação interativa. Em Lector in fabula, de
1979, ele desenvolve o conceito de “leitor-modelo”, entidade tão textual quanto o
autor, que segue os protocolos de leitura propostos pelo emissor, como “pistas”,
preenchendo os espaços vazios. Isso significa que o texto está à espera de uma
determinada leitura, ou seja, que a estrutura textual oferece indícios para a
recepção:

O texto está, portanto, entretecido de espaços em branco, de


interstícios a encher, e quem o emitiu previa que eles fossem
preenchidos e deixou-os em branco por duas razões. Antes de mais,
porque o texto é um mecanismo preguiçoso (ou econômico), que vive
da mais-valia de sentido que o destinatário lhe introduz. Em segundo
lugar, porque, à medida que passa, a pouco e pouco, da função
didascálica à função estética, um texto pretende deixar ao leitor a
iniciativa interpretativa. Um texto quer que alguém o ajude a
funcionar. (ECO, 1993, p. 55)

E, sendo o texto um mecanismo preguiçoso, é emitido para ser repetidas


vezes atualizado a cada leitura, de acordo com a competência do leitor, que nem
sempre corresponde à do emissor. O que garantiria a cooperação textual entre
ambos, diante da possibilidade de interpretações incoerentes, seria prever um leitor-
modelo, capaz de atender às restrições interpretativas impostas pelo texto (idioma,
linguagem, temática, natureza formal etc.).
Na mesma medida em que as interpretações são infinitas, o papel do discurso
emitido deve ser o de limitá-las, através do mapeamento do leitor-modelo. E, assim
como o autor empírico formula uma hipótese de leitor-modelo, o leitor real também
61

cria o seu “autor”, a partir de estratégias textuais. Estas seriam as duas dimensões
da leitura, identificadas por Michèle Petit (2008): de um lado, o poder atribuído à
palavra escrita e, de outro, a irredutível liberdade do leitor diante desse poder.
Entretanto, segundo Eco, alguns conceitos seus foram reproduzidos sem o
devido cuidado e aquele papel limitado do leitor como construtor de sentidos em um
texto passou a ser visto como irrestrito. Em Interpretação e superinterpretação, ele
desabafa: “A leitura aberta que eu defendia era uma atividade provocada por uma
obra. Tenho a impressão de que, no decorrer das últimas décadas, os direitos dos
intérpretes foram exagerados” (ECO, 1993, p. 27). Nem todas as leituras são,
portanto, legitimadas, já que o texto impõe limites a serem respeitados.
A partir das reflexões aqui realizadas, importa destacar o trabalho de Bordini e
Aguiar (1993) em Literatura: a formação do leitor – alternativas metodológicas, uma
tentativa de orientar os docentes no planejamento de atividades com o texto literário,
em sintonia com os debates a respeito do desinteresse dos alunos pela leitura, cada
vez mais frequentes na época. Na obra, as autoras apontam para o despreparo de
grande parte dos educadores, que, aliado a uma metodologia retrógrada, resulta no
esvaziamento do ensino de literatura.
Amparadas nas ideias de Jauss e Iser, as autoras sugerem a elaboração de
um esquema didático em etapas, desde a determinação do horizonte de
expectativas de cada turma, passando pelo contato com obras que satisfaçam as
necessidades dos alunos e da atividade proposta, além da ruptura com esse mesmo
horizonte, por meio da exposição a textos novos, que abalem as concepções
construídas e desafiem os jovens, o que deverá culminar na criação de novos
horizontes de expectativa e na ampliação dos anteriores.
Nesse sentido, no ensino de literatura, a inserção dos pressupostos oriundos
da estética da recepção no planejamento das aulas, bem como no processo
avaliativo, garante a concepção de um novo paradigma, orientado para a relação
aluno-texto-leitura, além de considerar a possibilidade de inúmeras interpretações,
impressões e reações diante do objeto literário e seu impacto perante a turma.
O papel do aluno enquanto sujeito leitor e construtor de sentidos passa a ser
considerado nas aulas e a fórmula tradicional (ainda muito utilizada) de mera
identificação de uma possível “mensagem” uniforme, supostamente advinda do
texto, pode ser, afinal, abandonada. Essa opção metodológica permite também que
não mais se condene aquele estudante que porventura não tenha atingido a mesma
62

interpretação do professor ou do manual didático e faz com que se multipliquem as


possibilidades de interação entre os colegas, o docente e o texto, convertendo o
momento da aula em um processo de troca, pleno de significação.
Com o tempo, os estudantes se tornam capazes de ler textos com maior
complexidade, além de mais maduros, com o potencial de criticidade aguçado e a
competência suficiente para selecionar sua “biblioteca” pessoal de modo
independente, sem necessidade de orientação por parte do mediador. Em
contrapartida, a ausência dessa perspectiva, aliada a metodologias uniformizantes e
desinteressantes, cujo objetivo é alcançar uma resposta “correta”, representa uma
das principais responsáveis pelo desinteresse do jovem pela leitura no ambiente
escolar, o que o faz buscar obras a partir de outros referenciais, como o mercado, a
tendência ou a moda. O texto literário, concebido e consumido nessa perspectiva,
assemelha-se a qualquer outro bem de consumo, desprovido de seu potencial
artístico.

2.3 Literatura: “daquelas coisas difíceis de definir, mas fáceis de reconhecer”...34

A necessidade humana de conceituar o que nos cerca é, provavelmente, tão


antiga quanto a de classificação. Nasce do desejo de tornar conhecido o incógnito,
de solucionar o mistério e tornar mais leve a existência. No entanto, quando a
matéria é arte, a dificuldade de atribuir um conceito fechado e que dê conta do
universo de expressões e manifestações cresce significativamente.
Vincent Jouve argumenta: “Se não é possível definir a arte, tampouco é
desejável fazê-lo. Seria o mesmo que transformar um conceito aberto em um
conceito fechado, ou seja, arriscar a liberdade criadora”. (JOUVE, 2012, p. 15). O
autor acredita que a única forma pertinente de enfrentar essa questão é partir para
uma abordagem diacrônica do conceito de arte. Sob essa perspectiva, conceitos são
fruto de determinado tempo e espaço, o que permite que cada sociedade atribua
significado a cada coisa como melhor lhe parecer.
Além dos aspectos relacionados ao contexto histórico, os conceitos ainda
submetem-se a determinações de diferentes segmentos sociais, com valores e
crenças próprios e que culminarão em definições diversas a respeito do mesmo

34
Título extraído da obra Filosofia mínima: ler, escrever, ensinar, aprender, de Luís Augusto Fischer
(2012, p. 39).
63

objeto. Assim, o(s) conceito(s) de literatura, cuja natureza mutante é impossível


desconsiderar, sofre(m) influências e releituras frequentes.
Outra importante questão a propósito da arte literária é o fato de que,
enquanto manifestação estética, com frequência depende do tempo para que seja
legitimada por determinada comunidade. Entretanto, para Jouve (2012), o que torna
a literatura singular é o fato de utilizar-se da linguagem, um sistema
autossignificante, como meio. Assim, questões relevantes às artes em geral nem
sempre serão significativas para os estudos literários.
Assim, certos parâmetros são fundamentais para que se pense a obra literária
com base naquilo que lhe é específico. E, uma vez que não constitui objetivo deste
estudo uma retomada profunda da teoria literária, autores de obras introdutórias –
Vincent Jouve, Terry Eagleton, Antoine Compagnon e Roland Barthes – serão ponto
de partida para nossa discussão.
Algumas questões são comuns às inquietações dos autores mencionados: O
que é literatura?; O que torna um texto “literário”?; Como reconhecer um texto
literário e diferenciá-lo de outros tantos, de natureza diversa? Terry Eagleton esboça
um histórico do conceito, partindo da associação da literatura a uma espécie de
escrita imaginativa, sem qualquer compromisso com a realidade concreta,
enfatizando que, conforme a época, a fronteira entre fato e ficção pode ser mais ou
menos nítida.
Outra concepção identificada por Eagleton é aquela que pensa a literatura
como uma forma de escrita que emprega a linguagem de modo peculiar.
Comprovaria essa definição o largo uso de metáforas e demais figuras de
linguagem, além da livre desconformidade entre significante e significado. Essa
acepção foi adotada pelos formalistas russos, defensores da imanência da obra de
arte e da ideia de que o texto literário constituiria um fim em si mesmo e, nessa
condição, não careceria de informações externas a ele para sua fruição ou análise.
O apego à forma, segundo Vincent Jouve (2012), deve-se ao fato de que ela
desempenharia o papel crucial de suscitar o prazer da leitura. Ainda com relação ao
belo, ele observa que qualquer obra definida como literária no presente foi, em
determinada época, considerada esteticamente bem-sucedida, independentemente
dos padrões contemporâneos.
Eagleton adverte, porém, que muitos textos, hoje inegavelmente considerados
literários, não fazem uso da linguagem de forma peculiar, ao mesmo tempo em que
64

assinala a relevância de que se analise o contexto sócio-histórico de produção,


circulação e recepção de uma obra. O autor assegura ainda que literário pode ser
todo texto autorreferencial ou metalinguístico, sem qualquer finalidade prática
aparente.
E, enquanto discurso não pragmático, o texto literário depende da leitura para
se consumar. Assim, em última análise, quem de fato determina se uma obra é ou
não é literatura são os seus leitores, conforme circunstâncias e escolhas
condicionadas por aspectos socioculturais. Não por acaso, textos considerados
essencialmente literários nos dias de hoje – uma tragédia grega, por exemplo –
representavam um conjunto de valores sociais não restritos à natureza estética em
seu contexto de produção; da mesma forma que obras hoje identificadas como
literárias podem deixar de sê-lo a qualquer momento e em qualquer lugar.
Nesse sentido, Antonio Candido concebe o texto ficcional em sua dimensão
sistêmica e mediada por valores históricos e sociais, ora universais, ora
particularizados:

Um sistema de obras ligadas por denominadores comuns, que


permitem reconhecer as notas dominantes duma fase. Esses
denominadores são, além das características internas (língua, temas,
imagens), certos elementos de natureza social e psíquica, embora
literariamente organizados, que se manifestam historicamente e
fazem da literatura aspecto orgânico da civilização. Entre eles se
distinguem: a existência de um conjunto de produtores literários,
mais ou menos conscientes de seu papel; um conjunto de
receptores, formando os diferentes tipos de público, sem os quais a
obra não vive; um mecanismo transmissor (de um modo geral, uma
linguagem traduzida em estilos), que liga uns a outros. O conjunto
dos três elementos dá lugar a um tipo de comunicação inter-humana,
a literatura. (CANDIDO, 2013, p. 25).

Candido propõe um esquema comunicativo complexo, que não mais isola o


autor em sua produção, mas sugere um diálogo entre escritores adeptos da mesma
tendência, sua produção literária e os leitores dessas obras, que passam a ocupar
um lugar de destaque como receptores.
A partir das diferentes concepções até aqui abordadas, depreende-se que
todo tipo de texto poderia ser lido em uma dimensão poética, posto que não haja
realmente aquilo que se possa chamar de “essência do literário”. Daí que cada obra,
mesmo as incontestavelmente clássicas, é “reescrita” a cada nova leitura. Para Vera
Aguiar,
65

Como o horizonte de expectativas se altera, a distância estética


também muda: uma obra que, em determinado momento histórico,
surpreendeu pela novidade, pode tornar-se vulgar para os leitores
posteriores, e as grandes obras são aquelas que, em cada
atualização, provocam o leitor, formulando novas questões.
(AGUIAR, 1996, p. 28.)

Eagleton sintetiza a natureza mutante do conceito, sob o ponto de vista


teórico, em três fases: a primeira, caracterizada por uma preocupação excessiva
com o autor, visto como um gênio criador (Romantismo, século XIX); a segunda
(Nova Crítica), orientada para o texto e sua independência em relação aos demais
elementos do sistema literário, e uma terceira etapa, que volta seus olhos para o
leitor, que passa a ser considerado essencial para a construção de sentidos no texto.
É, entretanto, de Roland Barthes um dos mais referenciados conceitos de
literatura enunciados nos últimos tempos. Em Aula, discurso proferido na ocasião de
seu ingresso como titular da cadeira de Semiologia Literária no Collège de France
em 1977, em relação à complexa conexão entre língua e poder, o autor afirma ser
ela o meio condutor, tanto da opressão quanto da libertação. É através da língua
que discursos tiranos ou libertários se difundem. E é somente pela língua que se
pode suplantar qualquer forma de dominação:

Só resta, por assim dizer, trapacear com a língua, trapacear a língua.


Essa trapaça salutar, essa esquiva, esse logro magnífico que permite
ouvir a língua fora do poder, no esplendor de uma revolução
permanente da linguagem, eu a chamo, quanto a mim: literatura.
(BARTHES, 2013. p. 17)

É interessante esclarecer, de acordo com Leyla Perrone-Moisés em “Lição de


casa”35, que o conceito de literatura em Barthes transcende a ideia de um conjunto
de obras ficcionais, referindo-se mais a um exercício de deslocamento, uma
manobra da linguagem. Os termos literatura, escritura ou texto são usados por
Barthes no sentido de um discurso em que as palavras deixam de ser meros
instrumentos, para assumir o papel de significantes.
Sob esse prisma, se não é possível encontrar um conceito fechado e
definitivo para o que venha a ser uma obra literária, ao menos em termos
sincrônicos, surgem outras questões, não menos relevantes: se literatura existe,

35
Texto que acompanha sua tradução de Aula, pela editora Cultrix.
66

para que serve? Que lugar ocupa no mundo de hoje? Sua escolarização é uma
causa a defender?
Antoine Compagnon (2009), em relação aos estudos literários, sustenta que,
para que sejam sérios e consistentes, devem considerar igualmente essenciais a
história, a teoria e a crítica, sob pena de resultarem em uma análise ingênua e
pouco confiável. Sobre o estudo de literatura nos dias atuais, o autor propõe uma
série de questões auxiliares para a compreensão de outra, mais densa: Há coisas
que somente a literatura, com seus meios específicos, pode oferecer? Isto é, que
valores o texto de ficção seria capaz de transmitir? Que espaço ocupa na esfera
pública? É útil para nossa vida? Deve ser mantida como disciplina escolar?
Ao realizar um diagnóstico do lugar ocupado pela literatura na
contemporaneidade, Compagnon considera que o tempo antes reservado à leitura
literária passou a ser compartilhado com outras mídias, sobretudo devido à
aceleração digital. Ao mesmo tempo, acredita que os livros didáticos “corroem” o
texto literário ao fragmentá-lo, desvalorizando a leitura integral da obra. O autor
assinala ainda que outras formas de representação cultural se consolidaram no
século XX, sendo a televisão (e hoje a internet) a mais significativa.
Se, desde o advento da modernidade, a literatura sofre ameaças e sobrevive
“sob suspeita”, o período foi igualmente responsável por uma imensa fertilidade
criativa e pela consolidação de um público leitor mais exigente, seleto e, por que
não, devoto. A crescente quantidade de novas publicações e reedições convive com
o frequente descaso pela leitura de literatura, em um paradoxo típico de nosso
contexto social.
O autor francês considera que, no lugar da pergunta feita por Eagleton – O
que é literatura? –, conceitual e abstrata, dever-se-ia pensar em outra, de natureza
mais pragmática: Literatura, para quê? Em defesa do ensino de literatura como
forma de acesso a todo o conhecimento acumulado pela humanidade, ele afirma:
“Um ensaio de Montaigne, uma tragédia de Racine, um poema de Baudelaire, o
romance de Proust nos ensinam mais sobre a vida do que longos tratados
científicos.” (COMPAGNON, 2009, p. 26).
Que espécie de poder é esse que emana da obra de ficção? Que faz com que
leiamos, ainda que não seja indispensável ao curso de nossas vidas? Umberto Eco
(2011) aponta a inutilidade do texto literário para a vida prática, quando afirma que
uma obra de ficção é lida por puro deleite, elevação do espírito, com o objetivo de
67

ampliar os próprios conhecimentos ou para passar o tempo, como um hobby, sem o


teor de obrigação ou alguma finalidade concreta cotidiana. No entanto, se a leitura
de literatura não serve ao utilitarismo característico de nossos dias, ela carrega em si
uma infinidade de benefícios frente ao aparente caos contemporâneo.
Como seres humanos, aprendemos através da imitação. Ao ler sobre a
experiência de outrem, posso compreender nuances de minha própria existência, ao
mesmo tempo em que vivencio uma sequência de sentimentos associados ao
prazer, à reflexão ou ao sofrimento. A leitura de ficção permite que se conheçam
intimamente histórias distintas da nossa, sem, contudo, ter a necessidade de
vivenciá-las. Esse poder catártico da leitura também é responsável por promover a
consciência da variedade humana, das inúmeras possibilidades de existência
através da empatia. Para Todorov, em pleno acordo com Compagnon,

A literatura pode muito. Ela pode nos estender a mão quando


estamos profundamente deprimidos, nos tornar ainda mais próximos
dos outros seres humanos que nos cercam, nos fazer compreender
melhor o mundo e nos ajudar a viver. Não que ela seja, antes de
tudo, uma técnica de cuidados para com a alma; porém, revelação
do mundo, ela pode também, em seu percurso, nos transformar a
cada um de nós a partir de dentro. Como a filosofia e as ciências
humanas, a literatura é pensamento e conhecimento do mundo
psíquico e social em que vivemos. A realidade que a literatura aspira
compreender é, simplesmente, a experiência humana. Nesse
sentido, pode-se dizer que Dante ou Cervantes nos ensinam tanto
sobre a condição humana quanto os maiores sociólogos e psicólogos
e que não há incompatibilidade entre o primeiro saber e o segundo.
(TODOROV, 2009, p. 76-77)

Outro poder terapêutico associado à literatura é a capacidade de


emancipação do sujeito, diante dos perigos da alienação e da subordinação social,
através do exercício da liberdade. Quem lê se torna mais livre diante do mundo, já
que a leitura é, necessariamente, um ato individual, durante o qual o leitor é dono
incontestável da própria capacidade de imaginação. Para Michèle Petit, “A leitura é
uma via de acesso a um território íntimo, que ajuda a elaborar ou a manter o
sentimento de individualidade, ao qual se liga a capacidade de resistir às
adversidades”. (PETIT, 2013, p. 67)
A obra de ficção, por sua natureza discursiva, é também responsável por
ultrapassar os limites da língua materna em suas variantes, fazendo emergir novos
padrões de comunicação ou mesmo de percepção da própria linguagem,
68

ressignificada em contextos alternativos ao do leitor. A leitura de literatura oferece


uma via de acesso a mundos e épocas distintos daquilo que chamamos de
“realidade”, o que amplia muito a nossa sensibilidade diante da alteridade.
Enfim, por sua capacidade de intervenção concreta no mundo, o texto literário
consiste na própria tradução do real. Nas palavras de Vera Aguiar (1996), ler ficção
não é senão captar a realidade sedimentada no imaginário, partindo das
determinações da história, individual ou coletiva. Roland Barthes, referindo-se à
relevância da escolarização da literatura, afirma:

Se, por não sei que excesso de socialismo ou de barbárie, todas as


nossas disciplinas devessem ser expulsas do ensino, exceto uma, é
a disciplina literária que devia ser salva, pois todas as ciências estão
presentes no monumento literário. É nesse sentido que se pode dizer
que a literatura, quaisquer que sejam as escolas em nome das quais
ela se declara, é absolutamente realista: ela é a realidade, isto é, o
próprio fulgor do real. (BARTHES, 2013, p. 19.)

Ler provoca, incomoda, desacomoda, revoluciona, antecipa e emancipa. Esse


potencial, responsável pela preservação da capacidade humana de criação e
recriação de universos – discursivos ou não –, conserva-se em nossos dias,
justificando sua permanência, ainda que em um cenário sufocado pelo excesso da
imagem e a hipervelocidade. Entretanto, quando deslocamos o foco de discussão
para o ensino de literatura em suas especificidades, ou, mais precisamente, para a
formação de leitores, que finalidades, intenções e objetivos devem ser perseguidos?
Muitos defenderão a permanência da disciplina em caráter obrigatório como
forma de alimentar o “acervo cultural” dos alunos; outros, para a formação de
leitores adultos autônomos. Há, ainda, os que creem na possibilidade, através da
literatura brasileira, da consolidação de uma cultura razoavelmente homogênea,
como resposta ao esmaecimento das identidades nacionais. Quanto à formação de
leitores a partir do ambiente escolar, Michèle Petit destaca o papel do mediador:

“Construir leitores” é uma expressão curiosa, como se fôssemos


todo-poderosos, como se se tratasse de encontrar uma fórmula de
alquimista para modelar não sei qual criatura ideal. Certamente, esse
sonho de onipotência é o inverso de um sentimento de impotência, e
por trás desse título se ouve também um lamento, uma ladainha: eles
não leem mais, o que fazer para que leiam, nos deem receitas para
que enfim possamos dominar esses leitores potenciais e inatingíveis.
(PETIT, 2013, p. 38)
69

Além da consciência de que não somos seres “onipotentes”, capazes de


despertar o leitor autônomo que há em cada um de nossos estudantes, outro
aspecto importante ao pensarmos a contribuição do mediador para o processo de
escolarização literária são os critérios de seleção das obras a serem consumidas
pelos estudantes, além da problematização acerca do programa escolar: Que
literatura ensinar? Textos canônicos? Literatura estrangeira ou apenas nacional?
Literatura “para adultos” ou infanto-juvenil? Fragmentos ou a obra integral? Gêneros
distintos ou a opção por um único tipo de texto? Nesse sentido, afirma Petit:

Nunca se poderá confeccionar uma lista dos livros mais apropriados


para ajudar crianças e adolescentes a se construírem. Quem poderia
supor que o filósofo Descartes seria a leitura preferida de uma jovem
turca porque ela viu ali uma argumentação bem fundamentada para
recusar um casamento arranjado? Ou que seria a autobiografia de
uma atriz surda o que permitiria a um jovem homossexual assumir
sua própria diferença, ou ainda que os sonetos de Shakespeare
inspirariam um jovem chinês, operário da construção, a escrever
canções? (PETIT, 2013, p. 27)

A antropóloga defende a abertura do corpus a escritores contemporâneos, o


que não significa substituir um texto clássico por uma “literatura barata”, segundo
palavras suas. Essa opção, considerada pela autora como uma tentação, facilitaria o
trabalho do educador, que passaria a fazer suas escolhas considerando apenas os
interesses imediatos dos alunos. Para Petit, a negação dos clássicos significa a
própria negação do direito à literatura, sobretudo para os estudantes oriundos de
classes populares, já que, aos abastados, esse contato se daria naturalmente,
através da família e demais trocas culturais a que teriam acesso.
De sua parte, Jaime Ginzburg (2012) argumenta que não são atributos
intrínsecos à literatura canônica uma suposta natureza universal ou uma capacidade
de representação da “essência humana”, que não passa de uma ilusão. De acordo
com o autor, não existem verdades invariáveis e o valor de uma obra é sempre
historicamente determinado e pautado por relações de poder. Segundo ele, ao
concebermos a literatura clássica como a única guardiã de valores humanos
essenciais, corremos o risco de desvalorizar conflitos históricos e tensões sociais
protagonizadas por diferentes segmentos sociais. Quanto ao critério de valor de uma
obra, Ginzburg é categórico:
70

Para assegurar que apenas poucos eleitos sejam reconhecidos como


capazes de atribuir valor de modo legítimo, e que não reste
alternativa aos leitores leigos a não ser segui-los em obediência, há
várias estratégias conhecidas. Uma delas é comum e constante:
afirmar que o valor de uma obra é inteiramente inerente a ela. Valor
então seria uma substância, não uma atribuição; um dado, a priori,
não uma construção histórica. Bons leitores o reconhecem, leitores
fracos nada veem. Essa perspectiva comum não é apenas arrogante
intelectualmente, ela é francamente autoritária. O valor considerado
inerente à obra consiste em capital intelectual, indicador de
relevância e prestígio de quem o reconhece. (GINZBURG, 2012, p.
43)

Ginzburg adverte para os perigos de priorizarmos os elementos estéticos em


detrimento do contexto histórico-social. De acordo com essa posição, grande
quantidade de obras significativas para a realidade de nossos estudantes
permaneceria desconhecida, como é o caso do cordel e dos registros orais de povos
indígenas e quilombolas, apenas para mencionar alguns exemplos.
Nesse sentido, as diversas concepções possíveis para o que venha a ser o
fenômeno literário são fundamentais para que se compreenda a importância da
permanente reflexão/formação do educador, já que suas opções teóricas orientarão
suas tendências metodológicas. Em suma, para Lígia Chiappini (2006), há pelo
menos cinco formas de conceituar literatura:
1) Como instituição nacional e patrimônio cultural;
2) Como sistema de obras, autores e recepção;
3) Como disciplina escolar que se confunde com periodização;
4) Cada texto consagrado pela crítica, como sinônimo de “literatura”;
5) Qualquer texto em que se perceba uma intenção literária.
Chiappini (2006) observa que a escola geralmente adota em suas práticas os
conceitos 1, 3 ou 4. Essa postura mais tradicional é reproduzida em grande parte
das instituições brasileiras, o que revela lacunas na formação de professores e
gestores, além de limitar o trabalho com o texto literário. Ao desconsiderar a
natureza sistêmica da literatura, é comum que se ignore a importância da recepção
e das condições de circulação das obras em diferentes momentos históricos.
Da mesma forma, ao direcionar os estudos exclusivamente às obras
consagradas pela crítica, perde-se a oportunidade de estimular a leitura de gêneros
variados e o contato com diferentes contextos de produção/circulação/recepção. Na
obra Reinvenção da catedral, em que propõe uma revisão de suas reflexões sobre o
71

ensino de literatura, Chiappini conclui: “Trata-se apenas de entender que há teorias


que enfatizam o texto, outras que enfatizam sua relação com o social, umas que
acentuam a relação da obra com seu processo de produção e com seu autor, outras,
com sua recepção, seus leitores”. (CHIAPPINI, 2005, p. 245)
Para Chiappini, de acordo com a postura teórica adotada pelo professor, sua
prática seguirá caminhos distintos: se focar excessivamente em elementos internos
ao texto, perderá a noção de que toda obra é produto do meio em que foi concebida.
Se, em sentido oposto, focar apenas no leitor, esquecerá a autonomia inerente ao
texto.
No entanto, como enfrentar o progressivo silenciamento da literatura no
sistema escolar, quando, com frequência, apenas uma hora/aula é destinada à
disciplina no ensino médio? Quando os documentos oficiais são controversos e a
formação continuada se mostra insuficiente? Como defender a permanência da
literatura escolarizada, em um contexto em que a formação de perfil tecnicista parece
ressurgir das cinzas e o espaço mínimo destinado às artes e às humanidades
emerge como uma realidade cada vez mais concreta?

2.4 O ensino de literatura e o desafio de formar leitores: Para que ensinar


literatura na escola? Que leitores queremos?

É preciso ensinar literatura? A pergunta pode parecer brutal.


Mesmo assim, merece ser feita. Diante de currículos de ensino
sobrecarregados, é legítimo reservar tempo ao estudo de textos
de natureza incerta e cuja função não está clara?
Vincent Jouve

Compreender as motivações para a crise que o ensino de literatura enfrenta


em nível básico e superior é fundamental para a construção de propostas
metodológicas alternativas capazes de oferecer aos estudantes mais que o contato
distante e superficial com as obras. Entretanto, importa igualmente avaliar em que
medida a literatura como disciplina obrigatória (ainda) é indispensável no contexto
escolar brasileiro.
Com relação ao ensino de literatura, Vincent Jouve (2012) adverte para os
perigos em confundirmos as perguntas: Por que ler literatura? e Por que ensinar
72

literatura?. Segundo o autor francês, ensinar literatura tendo a fruição estética dos
estudantes como única finalidade acarreta um duplo risco: estudar uma obra apenas
“para agradar” ou deixar de estudar outra por julgá-la pouco atraente ao público-
alvo. O prazer advindo do contato com a arte é essencialmente solitário, embora
seus efeitos possam ser compartilhados. Para Michèle Petit, o discurso de incentivo
à leitura, proferido por autoridades como pais ou professores, pode soar aos jovens
como uma tentativa de coerção ou domínio:

“Você deve gostar de ler”, ou, em outras palavras, “deve desejar o


que é obrigatório”. Esses discursos deixam pouco espaço para o
desejo, estão muitas vezes carregados de angústias, e a criança ou
o adolescente o sentem. Há algo na leitura que não é compatível
com a ideia de programação. Ocorreria a alguém promover o amor?
E delegar essa tarefa às empresas, aos Estados? No entanto, isso
acontece. (PETIT, 2013, p. 22)

Conscientes de que ensinar alguém a vivenciar o prazer do texto é tarefa


impraticável, os educadores talvez possam pensar em estratégias e objetivos
distintos para seu trabalho. O professor não é o esteta, muito menos o teórico. Sua
tarefa consiste em questionar-se a respeito de quais elementos considera relevantes
em uma obra para que ela seja inserida em seu programa de ensino. Para Jouve, “o
desafio dos educadores é, portanto, identificar – nos planos cultural, estético e
antropológico – o que é que a obra exprime sobre o humano, assinalando o que era
esperado na época, inédito à época e novo ainda hoje”. (JOUVE, 2012, p. 137).
De sua parte, Petit (2013) argumenta que o papel do mediador de leituras
contemporâneo está associado à condução dos alunos, desde os anos iniciais, a
uma maior familiaridade com o texto literário, enfatizando a importância do relato
para a vida em sociedade. O contato precoce com os livros é condição básica para
que uma criança possa vir a ser um leitor adulto autônomo. Caso contrário, os livros
podem facilmente tornar-se objetos investidos de poder, capazes de provocar temor
naqueles que jamais os manusearam com intimidade. Em sentido oposto ao que
apregoa o senso comum, o espaço da leitura escolar parece ser, para a autora, mais
uma questão de estimular interindividualidades do que uma experiência
propriamente coletiva com o texto.
No entanto, ao ser apropriado pela escola, o contato inaugural com a obra
literária pode perder grande parte de seu poder de atração, responsável pela
singularidade do ato da leitura e por uma tomada de atitude individual diante da arte,
73

necessárias para a emancipação do sujeito leitor em sua vida pós-escolar. A


respeito do processo de escolarização da literatura, Magda Soares esclarece:

Não há como ter escola sem escolarização de conhecimentos,


saberes, artes: o surgimento da escola está indissociavelmente
ligado à construção de saberes escolares, que se corporificam e se
formalizam em currículos, matérias e disciplinas, programas,
metodologias, tudo isso exigido pela invenção, responsável pela
criação da escola, de um espaço de ensino e de um tempo de
aprendizagem. (SOARES, 2006, p. 20)

A literatura enquanto disciplina escolar encontra-se subordinada aos


procedimentos inerentes à institucionalização do saber de um modo geral:
organização de alunos em categorias específicas (séries ou ciclos), sistemas de
avaliação padronizados, calendário específico, organização curricular, ordenação de
tarefas e atividades etc. Mas o fato de obedecer a tais procedimentos não torna,
necessariamente, a escolarização da literatura algo prejudicial à formação de
leitores.
A carga negativa comumente associada ao ensino de literatura está mais
associada à maneira como ele tem sido realizado no ambiente escolar. Nesse
sentido, o que se questiona aqui não é a permanência ou não da literatura na
escola, mas as práticas pedagógicas equivocadas que seguem sendo reproduzidas
em escolas públicas e privadas, ou mesmo em universidades (formadoras de
professores). Como assinala Ivete Walty (2004), não é a escola que mata a
literatura, mas uma carga exagerada de didatismo e de regras que acabam por
esgotar o prazer do texto.
Uma escolarização inadequada (ou até traumatizante) da literatura pode
resultar no oposto a que deveria se propor, impedindo que o hábito de ler
permaneça como parte do cotidiano dos jovens fora do ambiente escolar. A leitura
de textos apresentados em fragmentos, sem a devida contextualização, ou ainda
uma espécie de “pasteurização” do conceito de literatura, conforme advertia
Chiappini (2006), são atitudes que acabam por restringir uma experiência mais
profunda do aluno com as obras.
Nos anos finais do ensino fundamental são frequentes as atividades com
crônicas, comumente extraídas de jornais, sob o pretexto de ser um texto mais fluido
(leia-se enxuto) e agradável, que oportunizaria discussões sobre temas sociais em
74

evidência, que dialogariam com a “realidade” dos alunos. Nesses casos, a literatura
é convertida em mais um entre tantos meios motivadores para discussões sem
qualquer relação com o texto em si. A leitura integral de obras clássicas, que deveria
ser incentivada nesse nível, raramente acontece.
No ensino médio, o jovem deveria ter acesso não somente aos clássicos, mas
a obras que, por uma razão ou outra, situam-se às margens do cânone tradicional
(selecionados pelo mediador e pelo grupo através de critérios oriundos de
discussões em sala de aula). Esse contato ampliaria seu repertório cultural
individual, além de sofisticar sua compreensão e estender seu nível de exigência,
tornando-o, progressivamente, um leitor independente e capaz de escolher as
próprias leituras.
Contudo, a metodologia com ênfase na periodização ainda prevalece em
grande parte dos programas escolares, baseada na premissa de que é necessário –
e função indispensável da escola – preparar seus estudantes para a realização de
vestibulares ou do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM)36, como observa Rildo
Cosson:

O ensino de literatura limita-se à literatura brasileira, ou melhor, à


história da literatura brasileira, usualmente na sua forma mais
indigente, quase como apenas uma cronologia literária, em uma
sucessão dicotômica entre estilos de época, cânone e dados
biográficos dos autores, acompanhada de rasgos teóricos sobre
gêneros, formas fixas e alguma coisa de retórica, em uma
perspectiva para lá de tradicional. Os textos literários, quando
comparecem, são fragmentos e servem prioritariamente para
comprovar as características dos períodos literários antes vistos.
(COSSON, 2006, p. 21)

Outra postura, de viés mais ortodoxo, é aquela que defende a leitura integral
dos clássicos nacionais, orientada cronologicamente pelo programa escolar, e sem
seleção mediada ou discussões a respeito da construção do cânone ou de
influências do mercado editorial, desconsiderando expectativas de boa parte dos
estudantes. Nessa concepção, as avaliações são realizadas por provas e fichas de

36
Ainda que o Enem tenha abandonado as listas de obras, não sendo mais “necessário” que se
tenha de fato lido determinados livros para a realização da prova, as escolas e os cursos
preparatórios para o exame seguem propondo como referência o estudo de clássicos da literatura
nacional, geralmente com base no cânone tradicional. Uma noção geral e sócio-histórica de cada
período literário parece ter ocupado o espaço antes destinado às questões internas às obras. A
respeito desse tema, é relevante consultar a tese Retrato de uma disciplina ameaçada: a literatura
nos documentos oficiais e no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), de Gabriela Luft.
75

leitura, que preveem respostas corretas e incorretas, de acordo com o “gabarito” em


poder do professor. Esse método, apesar do valor agregado pela opção da leitura de
obras na íntegra ao invés de fragmentos, é um dos responsáveis por prejudicar, já
no começo da formação escolar, o prazer da leitura (convertido em dever) e
formando, a cada ano letivo, uma nova geração de potenciais “quase-leitores”.
Nesse sentido, a mesma escola que apresenta a leitura e a literatura aos
pequenos estudantes da Educação Infantil, através das “horas do conto”37 e de
visitas sistemáticas à biblioteca para a troca de livros, pode contribuir, nos anos
finais da educação básica, para que o hábito de ler se converta em um ato
mecânico, enfadonho e submetido a avaliações de simples identificação, pouco
instigantes e nada significativas.
O livro didático, que deveria ser apenas mais uma referência, torna-se, não
raro, o único meio de acesso ao texto literário, ainda que a biblioteca escolar esteja
repleta de exemplares dos mais diversos gêneros à disposição. Não surpreende o
fato de muitos jovens afirmarem ter concluído sua formação básica sem ter lido pelo
menos um livro inteiro!
A sacralização do livro enquanto fetiche, em uma sociedade de influência
colonialista como a brasileira, é muito comum nas instituições escolares. Ivanda
Martins (2009) argumenta que a noção de literatura vigente em grande parte das
escolas brasileiras ainda é aquela que concebe o livro como objeto digno de culto,
de manuseio limitado e distante do universo dos estudantes.
Com frequência, o espaço das bibliotecas é negligenciado, utilizado para
outras atividades escolares38 ou compartilhado com os computadores para aulas de
informática. As obras do acervo escolar nem sempre estão ao alcance dos
estudantes e, muitas vezes, exibem a etiqueta de “consulta local”, o que impede o
acesso a elas fora do ambiente escolar.

37
É importante que a hora do conto seja realizada com frequência e de maneira adequada,
enfatizando o contato com o texto literário desde os primeiros anos da vida escolar, ainda que em
turmas pré-alfabetizadas. Familiarizar os pequenos estudantes com a obra de ficção é função dos
mediadores, já que, desse contato precoce, desenvolve-se uma relação íntima com a narrativa,
estimulando o gosto pela leitura. Para Jucelma Terezinha Neves Schneid, “As histórias formam o
gosto pela leitura. Quando a criança aprende a gostar de ouvir histórias contadas ou lidas, ela adquire
o impulso inicial que mais tarde a atrairá para a leitura. A contação de histórias deve existir para que
as crianças possam ser levadas ao texto original” (SCHNEID, s/d, p. 4). Disponível em:
<http://www.pucrs.br/edipucrs/CILLIJ/praticas/hora_do_conto.pdf>. Acesso em: 10 dez. 2015.
38
Realização de avaliações extemporâneas, espaço para abrigar turmas cujo professor está ausente
ou mesmo para alunos que foram “retirados” da sala de aula por mau comportamento ou demais
razões.
76

Como consequência, o saldo da crise é evidente não apenas nas aulas de


literatura ou língua portuguesa. A prática da leitura promove a compreensão dos
diferentes gêneros textuais, competência básica para qualquer área do
conhecimento. Uma formação deficiente com relação à leitura literária compromete
de modo irreparável o potencial humano de criar e recriar, fabular e traduzir
discursos entre mundos reais ou imaginados.
E é justamente a leitura de ficção aquela que melhor instrumentaliza o
estudante a pensar em sua própria condição enquanto sujeito em desenvolvimento,
capaz de estabelecer relações entre o vivido e o possível. A arte, ao apresentar um
“outro mundo”, expõe o leitor a situações de confronto com o próprio universo.
Ainda, compartilhar os resultados de leituras individuais com o grupo de colegas
proporciona a comunhão de experiências com o texto, através dos momentos de
socialização do que foi lido entre todos, em um espaço de diálogo pautado pela
alteridade.
Diante dessa realidade, cabe perguntar: Queremos formar leitores-
reprodutores, que apenas atendam às expectativas de seus professores? Queremos
leitores previsíveis, passivos? Concentramos nossos esforços unicamente para
preparar nossos alunos para a aprovação no ENEM? Ou, em direção oposta,
buscamos formar produtores de sentidos, sujeitos autônomos e capazes de ativar
suas próprias “bibliotecas pessoais”, subvertendo, por vezes, a proposta
metodológica escolar? E, se respondemos, automaticamente, “não” para as primeiras
perguntas e “sim” para a última, o que tem sido feito para que isso aconteça?
A escola de nível básico, apesar dos avanços e reformulações alcançados
nas últimas décadas, sobretudo no que concerne à formação de professores, carece
ainda de propostas eficazes de estímulo à leitura de ficção entre seus estudantes,
que aproximem o leitor da obra, destituindo-a da aura que a envolve. Para Rildo
Cosson,

Na sala de aula, a literatura precisa de espaço para ser texto, que


deve ser lido em si mesmo, por sua própria constituição. Também
precisa de espaço para ser contexto, ou seja, para que seja lido o
mundo que o texto traz consigo. E precisa de espaço para ser
intertexto, isto é, a leitura feita pelo leitor com base em sua
experiência, estabelecendo ligações com outros textos. (COSSON,
2010, p. 67)
77

Em 1996, Vera Aguiar constatava que a preocupação de grande parte das


instituições escolares não era formativa, mas informativa. Ensinava-se muito sobre a
literatura, mas não eram criadas condições favoráveis para a leitura de obras
literárias em sala de aula. O que se pode observar, a despeito do crescente número
de pesquisas direcionadas para a formação de leitores, é que o contexto de duas
décadas depois pouco foi alterado:

A educação formal tem por objetivo repassar dados sobre a história


dos autores e das obras, cobrar exercícios de análise de textos para
emissão de juízos, buscando fazer de todo leitor um conhecedor de
literatura. O resultado, em nosso contexto, é o fracasso: o aluno não
se torna um especialista nem se converte em leitor. (AGUIAR, 1996.
p. 25)

Ao fim e ao cabo, não é literatura o que tem sido ensinado, mas uma história
tradicional e panorâmica dos períodos literários brasileiros, em ordem cronológica. A
postura resistente de muitos educadores e gestores escolares, independente de
esforços39 do poder público, é outro fator significativo para o fracasso evidente. Nos
últimos anos, grande quantidade de material de suporte à formação docente passou
a ser disponibilizado nas escolas40. Mas a dificuldade de apropriação dessas obras
por parte dos mediadores e a negação em participar de momentos de formação
continuada ainda prevalece em muitos casos.
Em uma espécie de paradoxo, ao mesmo tempo em que a crise no ensino de
literatura é evidente e corroborada em estudos acadêmicos oriundos de diferentes
áreas41, observa-se uma crescente onda de interesse por parte dos jovens em
consumir obras literárias, acompanhada de um incremento no mercado editorial.
Blogs e “coletivos artísticos” multiplicam-se; publicações independentes e eventos 42
ligados à produção literária chegam a cidades pequenas.

39
Com frequência, as publicações alternativas aos documentos oficiais, elaboradas tendo o professor
da rede básica como público-alvo, não apresentam o apelo adequado, seja pela linguagem
excessivamente formal, ou pela ausência de metodologias claras que possam ser aplicadas em
situações concretas em sala de aula.
40
As publicações de Cereja (2009), Maia (2007) e Brasil/SEB (2010), devidamente referenciadas ao
final deste trabalho, são exemplos de obras disponíveis nos acervos escolares e destinadas aos
professores de literatura da rede pública.
41
Educação, estudos literários, linguística, sociologia, entre outras.
42
Em 2015, no município do Rio Grande, ocorreu a primeira edição da FLIRG – Festa Literária do Rio
Grande. O evento foi promovido por meio de parceria entre a Secretaria de Município da Cultura
(SECULT) e o PPG em Letras da FURG. A programação contou com palestras, oficinas, lançamentos
de livros e sessões de autógrafos, além de uma pequena feira do livro. Escritores consagrados pela
crítica, como Luiz Antonio de Assis Brasil e Alcy Cheiuche, realizaram conferências. A festa também
promoveu oficinas e atividades relacionadas a música, cinema e quadrinhos, algumas delas voltadas
78

Diante desse descompasso, o maior desafio da escola contemporânea é


aproximar-se da realidade cultural dos jovens, afiliando-se às manifestações
externas como incentivadora, colaborando assim para a formação de novos leitores.
Mas, afinal, que habilidades devem ser estimuladas para que nossos estudantes se
tornem leitores com autonomia?
Com base nas contribuições da estética da recepção e da sociologia literária
com relação à formação de um leitor produtor de sentidos, Vera Aguiar (1996)
elenca uma série de competências do leitor autônomo:
 Saber procurar as obras adequadas ao seu horizonte de expectativas;
 Conhecer bibliotecas, salas de leitura, livrarias etc.;
 Frequentar exposições, palestras, feiras, lançamentos, entre outros espaços
mediadores de leitura;
 Saber identificar livros e outros materiais com independência;
 Identificar os dados referentes a uma obra (referências bibliográficas);
 Seguir orientações de leituras dadas pelo autor, por meio das
indeterminações localizáveis no texto;
 Reconhecer a estrutura de campo apresentada no texto, de acordo com sua
maturidade;
 Dialogar com outros textos;
 Trocar experiências de leitura com outros leitores;
 Integrar-se a grupos de leitores;
 Saber posicionar-se diante da fortuna crítica de uma obra;
 Desafiar-se na leitura de textos que não correspondam a seu horizonte de
expectativas;
 Ampliar seu horizonte de expectativas;
 Perceber seu crescimento enquanto leitor e ser humano.

No entanto, para que a formação de leitores autônomos seja incentivada


ainda na etapa básica de sua formação, Aguiar (1996) afirma ser necessária a
sinergia entre três componentes: a participação direta do aluno enquanto sujeito-
leitor e produtor de sentidos, o corpus teórico e ficcional selecionado com a
colaboração de todos os envolvidos, e a ação responsável do mediador, elemento
de fundamental importância, já que suas orientações metodológicas norteiam todo o
processo.

ao público infantil. No evento também foi lançado o edital do I Prêmio Apolinário Porto Alegre de
Literatura.
79

A respeito da seleção das obras, sobretudo no ensino médio, é importante


que textos de natureza, época e origem distintas sejam oferecidos e confrontados.
Da mesma forma, as obras escolhidas devem combinar características éticas e
estéticas, sendo capazes de materializar as emoções e vivências humanas, como
postula Annie Rouxel:

A literatura lida em sala de aula convida também a explorar a


experiência humana, a extrair dela proveitos simbólicos que o
professor não consegue avaliar, pois decorrem da esfera íntima.
Enriquecimento do imaginário, enriquecimento da sensibilidade por
meio da experiência fictícia, construção de um pensamento, todos
esses elementos que participam da transformação identitária estão
em ato na leitura (ROUXEL, 2013, p. 24).

Consequentemente, a reflexão acerca dos instrumentos de avaliação – posto


que integra a escolarização da disciplina – é ocupação constante do mediador: como
construir elementos de verificação da aprendizagem em literatura para cada etapa
da vida escolar? É importante que, ao propor um exercício, o professor tenha claro
quais objetivos pretende atingir com cada atividade. Do mesmo modo, a avaliação
de atividades que envolvem os estudos literários não deve confundir-se com a
verificação de aprendizagem em língua portuguesa, como pretexto para avaliar
questões gramaticais.
Uma atualização do texto literário, valorizando releituras e interpretações
diversas43, pode ser produtiva, especialmente no ensino fundamental. Por outro
lado, questões de simples identificação devem ser utilizadas com cautela e
adaptadas à faixa etária44. Combinar questões de baixa, média e alta complexidade
é importante, além de exercícios que proporcionem discussões em grupo e
confronto de opiniões. O professor pode, ainda, estabelecer relações entre temas e
atividades abordados nas aulas de literatura e conteúdos de outras disciplinas,
estimulando a criação de um ambiente interdisciplinar de aprendizagem na escola.
A partir dessas reflexões, cabe ainda ressaltar que não é possível delegar
exclusivamente à escola a tarefa de formar leitores competentes. O papel da família
e dos demais grupos sociais frequentados pelo estudante é significativo para que o
prazer da leitura desenvolva-se desde a infância. Criar condições para a leitura é tão

43
Produção de história em quadrinhos, teatro, adaptação da linguagem em outras variações,
reescrita colaborativa, entre outros.
44
Não faz sentido solicitar a alunos do ensino médio informações que identifiquem autor, editora, ano
de publicação etc. de forma não articulada com objetivos mais complexos.
80

importante quanto oportunizar o acesso às obras. Tempo para ler, segundo Anne-
Marie Chartier (2006), não é igual a tempo para os estudos. É preciso ter liberdade
para ir, voltar, acelerar ou fazer uma pausa.
Assim, o espaço da escola e o pouco tempo destinado ao ensino de literatura
não bastam para que o gosto pela leitura se estabeleça, sendo imprescindível que
se instituam outros ambientes e situações para leituras recreativas. E, sobretudo no
caso de jovens oriundos de meios populares, a criação desses espaços não pode
depender exclusivamente da família (muitas vezes sem os recursos necessários
para tal), mas de ações políticas para que seja viabilizada. Segundo Michèle Petit,

Nos países que se dizem democráticos, cabe àqueles a quem


delegamos o poder permitir a cada um exercer seus direitos culturais.
Entre esses direitos figura certamente o direito à educação e, em
particular, ao aprendizado da língua, que pode constituir uma terrível
barreira social. E também, em um sentido mais amplo, o direito ao
saber e à informação, sob todas as suas formas. Porém, entre esses
direitos existe também o de se descobrir ou se construir a partir de
um espaço próprio, de um espaço íntimo. O direito de dispor de um
tempo para si, um tempo de fantasia, sem a qual não há pensamento
nem criatividade. (PETIT, 2013, p. 114)

De acordo com a autora, existe uma espécie de ambivalência entre o teor


discursivo e as ações dos grupos políticos: ao assumirem o compromisso com a
formação de leitores, assumem também o risco de formar cidadãos independentes,
que não aceitam passivos as decisões do governo. Leitores ainda representam,
nesse sentido, uma ameaça; eles detêm o poder de questionar o status quo. Assim,
para Petit, os governos “poderão tentar, de um modo mais ou menos consciente,
limitar a leitura à sua vertente controlável”. (PETIT, 2013, p. 115).
Evidentemente, não se trata aqui de supor que haja uma oposição direta entre
políticas públicas e formação de leitores. Contudo, refletir a respeito da ineficácia
prática de algumas publicações e/ou programas governamentais junto aos
educadores da rede básica torna-se indispensável, no sentido de problematizar o
lugar ocupado pela educação entre as prioridades de determinados gestores
públicos de diferentes instâncias em nosso contexto social. Repensar a formação de
leitores a partir de um viés político é a única maneira de vislumbrar uma realidade
satisfatória em grande escala.
Sob esse prisma, importa recuperar o componente utópico que une educação
e literatura, ambas conectadas a uma dimensão sociocultural que supera em todos
81

os aspectos a atual estrutura engessada e, muitas vezes, contraproducente das


escolas brasileiras. Talvez tenha chegado o momento de, antes de escolarizar a
literatura, “literaturizar”45 a escola e a educação.

2.4.1 Livro didático: suporte útil ao aprendizado ou mais um obstáculo ao


contato com o texto literário?

Entre os agentes envolvidos no processo de escolarização da literatura,


merece destaque o papel desempenhado pelo livro didático na formação atual dos
estudantes brasileiros. Na maioria das vezes, o manual é o único material utilizado
em sala de aula, seja pelo acesso garantido pelo governo federal, através do PNLD,
seja pela impossibilidade dos educadores de produzir seu próprio material.
Com relação ao livro didático de língua portuguesa e literatura, é necessário
problematizar sua relevância enquanto principal instrumento responsável por
inaugurar o contato formal com os estudos literários e como sustentáculo
privilegiado do conteúdo escolar. Naturalmente, na condição de suporte pedagógico
submetido a avaliações periódicas e regulamentações governamentais, é permeado
por um conjunto de valores, um sistema de ideias, normas, crenças e discursos
condicionadores de visões de mundo.
Até o final da década de 1960, o material didático mais utilizado nas aulas de
língua portuguesa eram as chamadas obras de referência, constituídas por uma
gramática, uma antologia literária e, eventualmente, um dicionário. As mesmas
obras acompanhavam o estudante por vários anos, ao contrário dos livros atuais,
estruturados de acordo com a série escolar e seu respectivo componente curricular.
Osman Lins, em Do ideal e da glória (1977), coletânea de artigos a respeito
de “problemas inculturais” brasileiros, realiza uma crítica contundente aos manuais
de aprendizagem adotados no Brasil de então. Embora possam ser consideradas
antigas, as observações do autor seguem fazendo sentido nos dias de hoje. Para
Lins, o valor estético de certas obras de teor pedagógico era questionável,
obedecendo meramente a escolhas tradicionais, em detrimento de autores menos
conhecidos, que ele chamou de “os recusados”. A opção por obras canônicas seria
mais segura no que se refere à crítica e ao consumo do material: “Poder-se-ia
argumentar que este é um critério cauteloso; e que a seleção de autores já bastante

45
Expressão cunhada por Jorge Larrosa (apud DALVI, 2013, p. 76).
82

estudados e, principalmente, consagrados pela morte, reduz as probabilidades de


equívoco”. (LINS, 1977, p. 17).
Comparando estudos anteriores por ele realizados em livros didáticos em
meados de 1965 e sua releitura de quase uma década depois, o autor observou um
processo crescente de sofisticação com relação à diagramação, apresentação dos
conteúdos e a inclusão de uma introdução “sedutora”, em tom de intimidade,
dedicada aos estudantes, como forma de estabelecer com eles um vínculo que
deveria ser suficiente para manter a coleção entre as obras preferidas e, portanto,
selecionadas.
Essa nova estratégia de mercado, criticada por Lins enquanto maneira de
conquistar o consumidor não pela qualidade da obra, mas pela lisonja e a falsa
aparência de intimidade para com o jovem, consolida o caráter manipulador dos
manuais didáticos, que disputavam entre si a afeição do público leitor:

Há nas mensagens dos autores desses livros aos alunos, um


pormenor que vale a pena mencionar: o aspecto competitivo, de que
a declarada adulação do aluno pelo mestre é uma expressão clara,
reflete-se também nas sugestões de liderança de triunfo, feitas aos
jovens educandos. A aprendizagem, aí, numa direção pragmática e
pouco científica, anticultural, tende a ser apresentada não como um
bem em si, mas como um instrumento de domínio. (LINS, 1977. p.
130)

Outro elemento identificado pelo autor nas obras didáticas da década de 1970
foi o espaço concedido às ilustrações, fotos e reproduções de obras de arte, como
supostos facilitadores da aprendizagem. A razão para a profusão de imagens em
publicações antes unicamente textuais deve-se à necessidade, percebida pelo
mercado editorial da época, de adequar-se à era da imagem: “O aluno, habituado à
TV e às revistas em quadrinhos, resiste à página escrita, tendo dificuldade em captar
mensagens verbais.” (LINS, 1977, p. 134).
A presença de textos literários nos manuais do período é qualificada como
tímida, repetitiva e irresponsável. Através da análise de diversas obras, Lins
observou que determinados autores eram muito recorrentes, enquanto outros eram
brevemente mencionados, ou ocultados, como se jamais houvessem existido, como
o caso de Gregório de Matos e demais poetas “polêmicos”: por outro lado, aqueles
escritores cuja obra contemplasse a crônica jornalística figuravam como os mais
citados, caso de Carlos Drummond de Andrade e Fernando Sabino:
83

Procura-se oferecer ao educando, na medida do possível, o que há


de mais fácil e digestivo em matéria de texto. Isto por um lado. Por
outro, há a falta de cultura, de informação, de conhecimento do que
se fez e se vem fazendo no plano da criação literária. Os alunos,
proclama-se, não leem. Mas os professores leem? (LINS, 1977, p.
148)

Para Lígia Chiappini (1983), o fato de o livro didático trazer respostas “bem
dosadas” seria o grande responsável por extinguir a capacidade criativa do
estudante diante do texto literário. Entretanto, otimista, ela sugere a invenção de um
antimanual ou um plurimanual, sem um saber engessado, estático, mas
caleidoscópico, sempre disposto a questionar em uma página o que foi dito na outra.
A autora admite que mudanças significativas tenham sido realizadas ao longo
dos anos, sobretudo no âmbito da linguística e da linguística aplicada. Todavia,
lamenta que na área da literatura as discussões a respeito de programas e do
ensino da disciplina em geral ainda sejam escassas e isoladas, restritas a análises
acadêmicas, sem a participação dos educadores da rede básica. De sua parte,
William Cereja observa:

Os manuais apresentam, já prontos, vários dos componentes


necessários para o planejamento escolar, seleção de conteúdos,
proposta metodológica, seleção de textos, exercícios sobre os
textos, sugestões e orientações metodológicas e, às vezes, até
formas de avaliação. O professor passa agora a uma posição
secundária no espaço da sala de aula, subordinado ao livro
didático adotado e às opções feitas previamente pelo autor.
(CEREJA, 2009, p. 59)

Assim, embora a variedade de publicações e a qualidade técnica das obras


didáticas tenham aumentado desde a década de 1970, ainda hoje a grande maioria
dos manuais de literatura adotados aparece em volume único, agregado aos
conteúdos de língua portuguesa. E, dada a reduzida carga horária destinada aos
estudos literários nos programas escolares, a quantidade de textos desses livros é,
em linhas gerais, muito pequena.
Outro problema relacionado ao pouco tempo de que dispõe a literatura na
grade curricular é a necessidade de fragmentação de textos em prosa e a
quantidade limitada de poemas, muitas vezes citados sem a devida referência
bibliográfica. Nesse contexto, é, no mínimo, questionável a grande quantidade de
imagens de reproduções de obras de arte que “ilustram” os conteúdos dos livros,
84

sob a justificativa de estabelecer um diálogo entre o período literário em questão e a


escola artística da mesma época.
A despeito da relevância de aproximar linguagens artísticas (o que pode ser
feito através de outras mídias), espera-se que em um livro de literatura predominem
textos literários, o que, surpreendentemente, não acontece. Outro elemento
incorporado aos manuais e que restringe a presença de textos completos nessas
obras é o espaço reservado às questões de exames vestibulares ou ENEM, com o
intuito de revisar os conteúdos e preparar os estudantes para os exames ao final do
ensino médio.
Em termos de conteúdo programático, o que se observa é a predominância
da história (tradicional) da literatura, com ênfase na periodização e estilos de cada
época. Desse modo, os textos selecionados são aqueles que melhor exemplificam
determinada escola e suas características, em detrimento do conjunto da obra ou da
relevância estética de determinado autor, como já havia ressaltado Osman Lins
décadas atrás. O que se pode concluir é que, de modo geral, o conteúdo de
literatura privilegia uma história resumida e mal contada, ainda sem muito espaço
para aqueles recusados de que falava Lins. Para Maria Amélia Dalvi (2013),

A arte, assim, despede-se de sua possibilidade mais instigante – e a


seleção de textos veiculada pelo livro didático não passa de uma
colcha de retalhos, pálida cópia do discurso potente que se
insubordina contra a categorização e o enquadramento. (DALVI,
2013, p. 91)

Um avanço relevante não apenas para a literatura, mas em todas as


disciplinas, é a reciclagem e a avaliação das obras por parte do Ministério da
Educação, o que ao menos evita que se utilizem livros ultrapassados por muito
tempo. Foi lançado em 2004 o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), com o
objetivo de avaliar, selecionar e oferecer às instituições escolares das redes públicas
federal, estadual e municipal coleções de livros didáticos que estivessem em
sintonia com as orientações dos PCNs e demais documentos norteadores.
Após seleção prévia das obras, é publicado o Guia de livros didáticos, com
resenhas de cada coleção, para que sejam selecionadas pelos docentes de cada
instituição escolar, de acordo com seu projeto político-pedagógico e com validade de
três anos. Também são distribuídos, de acordo com a demanda, dicionários e obras
85

didáticas em Braille, para garantir o acesso a alunos da educação especial, de


acordo com o que prevê a LDB. Para Circe Bittencourt, o PNLD

É um ganho. Porém, como só as grandes editoras conseguem dar


conta dos prazos e das demandas estabelecidas pelo PNLD, o
mercado está concentrado nas mãos delas, que são poucas. Muitas
publicações carecem de conteúdos regionais. Outro mal é que
atualmente as publicações estão muito iguais. (BITTENCOURT,
2014, p. 27)

Apesar de identificados os seus aspectos limitadores (desatualização teórico-


metodológica, pouco espaço para o texto literário, leituras estereotipadas das obras
ficcionais, postura que ignora o papel do aluno como receptor ativo do texto, enfoque
historiográfico, entre outros), o manual didático segue como a forma mais
democrática de acesso ao texto literário, posto que é – ou deveria ser – distribuído
em todas as unidades escolares brasileiras. O papel do professor como mediador
desse contato é, portanto, essencial para que o processo educativo não se restrinja ao
uso do livro em sala de aula, mas avance em direção a outros suportes e referências.
Desse modo, o uso do livro didático pode e deve ser considerado, não mais
na qualidade de um semideus que dita – em monólogo – o que deve ser feito em
sala de aula, mas como um coadjuvante do trabalho do mediador de leituras. Dalvi
(2013) sugere que o educador, diante da escolha do livro didático a ser utilizado,
considere os seguintes aspectos:
 O livro representa as concepções teóricas da escola e do professor?
 O material apresentado está acessível ao público-alvo?
 O material privilegia a formação de um leitor ativo e responsável?
 O conteúdo apresentado está de acordo com o previsto para o ciclo e com os
objetivos de ensino e aprendizagem?
 Os textos apresentados estão em formato integral ou fragmentado? Os
fragmentos são coesos e coerentes?
 As propostas de exercícios são diversificadas, contextualizadas,
transdisciplinares e com graus distintos de dificuldade?

Nessa perspectiva, o uso (equivocado ou bem-sucedido) do livro didático na


condição de sistematizador do conhecimento escolar dependerá do professor e de
suas escolhas teórico-metodológicas. O livro didático é apenas um dos recursos
possíveis e não o único. Em suma, nas palavras de Circe Bittencourt (2014), o bom
livro é aquele usado por um bom professor.
86

CAPÍTULO 3 – A TRAJETÓRIA DE FORMAÇÃO DOS PROFESSORES DE


LITERATURA EM RIO GRANDE – RS

A minha alucinação é suportar o dia a dia


e meu delírio é a experiência com coisas reais.
Belchior

Toda pesquisa de intervenção social impõe um tema razoavelmente


circunscrito e um recorte do universo de possibilidades dado pelo objeto escolhido.
Talvez aí resida a grande dificuldade do pesquisador, sobretudo o da área de
ciências humanas: selecionar uma amostra que permita que se obtenham resultados
representativos de uma realidade específica.
No caso dos professores participantes, principal foco deste estudo, todas as
escolas estaduais do município do Rio Grande foram consideradas, tendo sido
contemplado um46 docente de cada instituição, além de dois professores dos cursos
de graduação em Letras da FURG. Entre os catorze professores da rede estadual,
quatro questionários foram selecionados por zoneamento47, para uma análise
aprofundada através de entrevista compreensiva.
No que concerne aos estudantes, diante da impossibilidade de aplicar
questionários a todos os graduandos de primeiro e de último ano dos cursos de
Letras da FURG, a opção foi pelos cursos do período noturno. A escolha pelo turno
da noite deve-se ao fato de agregar estudantes de realidades plurais48, o que, a
nosso ver, enriqueceria os dados obtidos. Antes, porém, da abordagem dos tópicos
referentes à pesquisa de campo, um breve histórico do município do Rio Grande
como local da pesquisa é apresentado a seguir.

46
Com exceção de uma escola, em que dois professores foram entrevistados.
47
Um para cada grande área do município.
48
Além de jovens recentemente egressos do ensino médio, o corpo discente do turno da noite
geralmente é composto por turmas heterogêneas, formadas por trabalhadores, estudantes oriundos
da EJA, entre outros.
87

3.1 Aspectos históricos e sociais do município do Rio Grande

A cidade do Rio Grande, localizada no extremo sul do Brasil, entre a Laguna


dos Patos, o Saco da Mangueira e o Oceano Atlântico, foi fundada por José da Silva
Paes, em 1737, visando consolidar parte do projeto de expansionismo português em
direção à região platina. Inicialmente era uma fortificação militar, acrescida de
pequena população civil. Chamava-se então Jesus, Maria e José49. Mais tarde a
povoação passou à condição de vila, denominada Rio Grande de São Pedro, e
posteriormente cidade. Portanto, o processo histórico de formação do município
remonta ao período colonial brasileiro e apresenta uma série de realizações
pioneiras no estado do Rio Grande do Sul.
A condição de porto marítimo e militar era fortemente relacionada com a
proximidade da Colônia do Sacramento (Uruguai) e fazia do povoado passagem
imprescindível entre o resto do Brasil e a região platina. Durante o reinado de D.
João VI, a importação de produtos ingleses passou a ser estimulada e considerada
um sinal de distinção social, o que colaborou para que, após a dragagem do porto
em 1823, essas mercadorias começassem a ser transportadas do Rio Grande para
o resto do país.
A partir de 1752 começavam a chegar ao município as primeiras famílias de
imigrantes açorianos, que seriam responsáveis pela fundação de várias outras
cidades gaúchas. Estima-se que em Rio Grande os açorianos chegaram a
representar mais de 75% da população da época. Em 1763 a cidade foi invadida
pelos espanhóis e os luso-brasileiros avançaram em direção ao atual município de
São José do Norte, fundando ali um povoado. A retomada do território rio-grandino
pelos portugueses aconteceu apenas em 1776.
Segundo Torres (2008), a exportação de charque fabricado nas propriedades
da região de Pelotas tornava a vila do Rio Grande, através do seu porto, um
importante centro econômico regional. Assim, a comunidade de pescadores
incorporou, aos poucos, o cosmopolitismo típico das cidades portuárias, ainda que
localizada no extremo sul do país e submetida ao projeto político mercantilista
português. Já durante a Revolta dos Farrapos (1835-1845), a despeito das tentativas

49
Primeiro forte militar construído na região, a fim de garantir a presença lusitana no Rio Grande do
Sul. Era localizado próximo à atual Praça Sete de Setembro.
88

e ameaças de invasão da cidade pelas tropas lideradas por Bento Gonçalves, a


cidade manteve-se legalista, servindo aos interesses do Império.
No ano de 1846 foi inaugurada a Biblioteca Rio-Grandense – a mais antiga do
Rio Grande do Sul –, na época, concebida para funcionar como um gabinete de
leitura. O gabinete tornou-se oficialmente biblioteca apenas em 1878. Estima-se que
em 1880 o acervo da instituição somava aproximadamente 16 mil volumes 50
(MARTINS, 2006).
Em censo realizado no ano de 1888 pela intendência municipal, a população
rio-grandina contava 20.227 habitantes, dos quais 14.345 viviam na zona urbana,
correspondendo a uma maioria envolvida no setor de serviços. Desses, 21,7% eram
estrangeiros, em grande parte, portugueses e italianos. Alemães, franceses,
libaneses, poloneses e ingleses, entre outros, representavam um percentual menor
de imigrantes. Ao final do século XIX a população do município era estimada em 30
mil habitantes.
Em 1873 é fundada a Rheingantz, fábrica de tecidos de lã, algodão e tapetes,
de origem alemã. A produção era voltada para o mercado nacional, sendo o estado
do Rio de Janeiro o principal destino. No mesmo período, são fundadas outras
fábricas, das quais se destacam: Fábrica Alliança de Charutos e Cigarros (1876),
Cunha Amaral & Cia. (alimentos – 1876), Leal Santos S. A. (alimentos – 1889) e
Fábrica de Charutos Poock (1891).
A partir da segunda metade do século XIX são inauguradas praças, hospitais,
clubes e teatros. Através das festas, saraus e quermesses, os espaços culturais se
sofisticam aos moldes da Belle Époque. Segundo Ézio Bittencourt,

Se os cafés, bares, confeitarias se constituíam em locais


privilegiados de troca de ideias e atualização de discursos, as
bibliotecas, livrarias, cinemas e (cine-) teatros, por meio de seus
produtos, desempenhavam papel fundamental na constituição da
“cultura pública”, atuando como centros irradiadores de informações
que viabilizavam esse processo. (BITTENCOURT, 2007, p. 121-122)

Nas primeiras décadas do século XX, o isolamento geográfico e a dificuldade


de locomoção para os grandes centros impunha a necessidade de que o próprio
município desenvolvesse seus eventos culturais. A criação dos já mencionados

50
O acervo atual é de mais de 450 mil exemplares, com aproximadamente 2000 obras consideradas
raras. Informação disponível em: <http://www.riogrande.rs.gov.br/pagina/index.php/atrativos-turisticos/
detalhes+1695e,,biblioteca-rio-grandense.html >. Acesso em: fev. 2015.
89

clubes, teatros e sociedades recreativas é um exemplo dessa realidade. De acordo


com Solismar Martins, “a presença de teatros operários demonstrava alguma
flexibilidade no ingresso de camadas sociais menos aquinhoadas aos eventos
realizados na cidade.” (MARTINS, 2006, p. 149).
A época também ficou caracterizada pelas recorrentes greves operárias,
estimuladas pelos ideais anarquistas e socialistas trazidos pelos imigrantes
europeus e difundidos por todo o país. O movimento operário expressivo e
organizado revelava a exploração e a condição de vida precária em que se
encontrava grande parte da população do município. Em 1950, o “Massacre da
Linha do Parque”51 marcaria definitivamente a história de luta dos trabalhadores
fabris.
A partir da década de 1950, uma crise no setor industrial fez aumentar o
índice de desemprego na cidade, o que acabou incentivando a produção no setor
pesqueiro. No mesmo período foi criada a Escola de Engenharia (1953) e em
seguida a Fundação Cidade do Rio Grande, mantenedora da faculdade. Outros seis
cursos superiores foram criados na sequência, o que, aliado à influência de políticos
rio-grandinos junto ao governo militar, contribuiu para a criação da atualmente
chamada Universidade Federal Rio Grande (FURG) em 1969.
Atualmente são 53 os cursos de graduação da FURG, distribuídos em cinco
campi. Em Rio Grande situam-se os campi Carreiros e da Saúde. Os outros campi
são sediados nos municípios de Santo Antônio da Patrulha, São Lourenço do Sul e
Santa Vitória do Palmar. Em nível de pós-graduação, a FURG conta com 24 cursos
de especialização, 28 de mestrado e 12 de doutorado52.
Em 1970 foram concluídas as obras do Superporto do Rio Grande, segunda
fase de ampliação do porto, em direção à desembocadura da Laguna dos Patos com
o Oceano Atlântico, com o objetivo de incrementar a escala e a velocidade dos

51
Em 1° de maio de 1950, após um churrasco em comemoração ao Dia do Trabalhador, os operários
rio-grandinos, liderados por um grupo de militantes do movimento operário rio-grandino, saíram em
passeata reivindicando a reabertura da Sociedade União Operária, que fora fechada por ordem do
Ministro da Justiça. No caminho, um grupo de policiais interceptou a manifestação com o intuito de
impedi-la, gerando confronto, que resultou na morte de quatro operários e um policial. O episódio
ficou conhecido como “Massacre da Linha do Parque”, em referência ao local do ocorrido, assim
chamado porque ali havia uma linha de bondes que terminava no Parque Rio-Grandense, atual
Parque do Trabalhador. O escritor paraense Dalcídio Jurandir publicou o romance Linha do Parque
(1959), em que mescla história e ficção relacionadas ao episódio e ao movimento operário na cidade
do Rio Grande nessa época. A obra foi objeto de um estudo de mestrado vinculado ao PPG de
História da Literatura da FURG, de autoria de Carlos Roberto Cardoso Peres (2006).
52
Dados disponíveis em www.furg.br. Acesso em jul. 2014.
90

fluxos portuários53. A partir dos anos 1990, contudo, ocorreram importantes


alterações na cadeia produtiva do município. Mudanças tão relevantes que, nos
primeiros anos do século XXI, Rio Grande passou a figurar no cenário nacional
como área de estagnação econômica. No mesmo período viu-se o aprofundamento
da crise da produção pesqueira.
Entretanto, a partir de 2006, a implantação de um polo naval no município
pelo governo federal, com o objetivo de reativar a indústria naval brasileira, alterou
significativamente o cenário rio-grandino. A posição geográfica estratégica
determinou que a história da cidade fosse pautada por ciclos exógenos de
desenvolvimento econômico, sendo alvo ocasional de políticas de interesse federal
ou estadual. A descentralização da produção nacional é, segundo Carvalho (2014),
parte do processo, e assim Rio Grande passa a integrar a atividade petrolífera
brasileira, na forma da construção de plataformas para operação em alto-mar. A
expansão da indústria de fertilizantes ocorre no mesmo período, através da
instalação de novas empresas e da ampliação das fábricas já existentes.
Estima-se que os investimentos no polo naval tenham gerado uma oferta
superior a 30.000 empregos diretos e indiretos na ocasião de sua implantação.
Contudo, a qualificação precária da mão de obra local acarretou a migração de
trabalhadores de diversas regiões do país para o município, o que resultou em um
aumento da população flutuante e da demanda por residências na região,
impulsionando a criação de novas áreas residenciais e programas habitacionais,
além do aumento significativo no custo de aluguéis e no valor de venda dos imóveis.
A população atual estimada do município é de aproximadamente 205 mil habitantes
fixos e o PIB anual é de mais de seis bilhões de reais (CARVALHO, 2014).
Com relação à oferta de educação em nível básico, Rio Grande conta
atualmente com 124 estabelecimentos de ensino, sendo um Instituto Federal, 31
escolas estaduais, 66 municipais (entre elas a Escola de Belas Artes Heitor de
Lemos) e 26 da rede privada. Entre as escolas estaduais, são 13 as que oferecem
ensino médio regular, além do NEEJA54 (Núcleo de Educação de Jovens e Adultos).

53
A instalação do “Porto Novo” data de 1909-1915.
54
De acordo com o site <www.educacao.rs.gov.br> (acesso em ago. 2014), o NEEJA não se
caracteriza como uma "escola", mas um espaço educativo no qual exames supletivos são ofertados a
jovens e adultos, a partir de uma análise e avaliação de seus estudos formais e informais realizados
no decorrer de sua vida pessoal, profissional e escolar.
91

3.2 Cursos de Letras no Brasil: um percurso histórico

Foi através do Decreto nº 19.851, de abril de 1931, que se instituiu o regime


universitário brasileiro. Em 1934 foi instituído, por meio do decreto nº 6.283, o curso
de Letras da Universidade de São Paulo (USP), com maioria de especialistas
estrangeiros, imbuídos da tarefa de estabelecer o ensino superior em diferentes
áreas no Brasil.
Até meados da década de 1960, a maioria dos cursos de Letras do país
oferecia basicamente três modalidades de habilitação aos acadêmicos: Línguas
Clássicas, Línguas Neolatinas e Línguas Anglo-Germânicas. Enquanto grande parte
dos cursos de bacharelado tinha duração de três anos, os cursos destinados à
formação de professores contavam com um ano a mais, dedicado aos estudos de
didática. A fundação da Universidade de Brasília (UNB), em 1961, é um marco
representativo do período.
De modo geral, a base curricular desses cursos era unificada, instituindo-se
cinco disciplinas obrigatórias para todo o território nacional: Língua Portuguesa,
Língua Latina, Literatura Brasileira, Literatura Portuguesa e Linguística. Outras três
disciplinas poderiam ser incluídas, na condição de optativas, entre elas: Cultura
Brasileira, Teoria da Literatura, uma Língua Estrangeira Moderna e sua respectiva
literatura, Literatura Latina, Filologia Românica, Língua Grega e Literatura Grega.
A partir de 1965 estabeleceu-se a obrigatoriedade de realização de atividades
de estágio supervisionado como requisito básico para a obtenção do diploma. Esse
estágio deveria ser realizado em escola da comunidade, de modo que o formando
vivenciasse a docência na rede básica. Apenas em 1969 foram incluídas cadeiras
obrigatórias de conteúdo psicopedagógico.
Com a publicação da LDB 9.394/96, contendo artigos exclusivos referentes à
educação superior, o antigo currículo mínimo foi substituído pelas Diretrizes
Curriculares Nacionais para o curso de Letras, elaboradas pelo Ministério da
Educação. No ano de 2001 foram aprovadas novas diretrizes para o curso, que teve
sua estrutura flexibilizada, conferindo maior autonomia às Instituições de Ensino
Superior. Em 2002 a carga horária mínima para a graduação passou a ser de 2800
horas para a modalidade presencial, sendo obrigatórias 400 horas dedicadas
exclusivamente a atividades de estágio supervisionado (entre regência de classe e
observações de atividades), preferencialmente a partir da segunda metade do curso.
92

Cursos de Letras da FURG: o cenário da pesquisa

A atualmente denominada Universidade Federal do Rio Grande (FURG) foi


oficialmente criada como Instituição de Ensino Superior em agosto de 1969.
Entretanto, desde 1953 funcionava no município a Escola de Engenharia. Nos anos
seguintes, em função de demandas da comunidade, vários cursos foram
inaugurados, entre eles a graduação em Letras, com habilitação para Língua Inglesa
e Língua Francesa, em 1964.
Atualmente, a FURG oferece os seguintes cursos de graduação em Letras na
modalidade presencial: Português (noturno), Português-Espanhol (diurno e noturno),
Português-Inglês (diurno) e Português-Francês (noturno). Na modalidade Educação
a Distância, a instituição conta ainda com a licenciatura em Letras-Espanhol. Com
duração de quatro anos, a graduação em Letras habilita o egresso a atuar como
docente e pesquisador nas áreas de língua portuguesa, língua estrangeira (se
houver) e suas respectivas literaturas.
Em diálogo com o que está previsto no texto da LDB nº 9.394/96 e nas
Diretrizes Curriculares para os Cursos de Letras publicadas pelo MEC55, assim é
definido o perfil do candidato, segundo informações coletadas no endereço
eletrônico do Instituto de Letras e Artes da instituição (ILA-FURG)56:

Por ser fundamentalmente um curso de licenciatura, torna-se


indispensável a vocação para o magistério e para uma
consequente prática pedagógica. Serão necessários ainda ao aluno
de Letras: visão prática e teórica de língua e literatura na dinâmica de
sala de aula; aptidão para pesquisa em língua e literatura;
adequação do uso de língua portuguesa às diferentes situações
discursivas; atuação em projetos de pesquisa e extensão, de forma
articulada ao ensino; conhecimento básico da língua estrangeira (no
caso de cursos que envolvam uma língua estrangeira).

O objetivo geral do curso concentra-se em “formar profissionais para a


atuação ética e crítica na sociedade contemporânea, em sua complexidade e
diversidade cultural, dotados de uma visão teórico-prática da língua e da literatura”.
Entre os objetivos específicos, o ILA-FURG considera fundamental desenvolver a
aptidão para pesquisa em língua e literatura e despertar o interesse pela atuação em

55
Disponível em: <www.mec.gov.br>. Acesso em: nov. 2015.
56
Disponível em: <www.letras.furg.br>. Acesso em nov. 2015.
93

pesquisa e extensão, de forma articulada ao ensino. Consequentemente, o perfil do


egresso de Letras é assim elaborado pelo ILA-FURG:

Considera-se fundamental que o egresso tenha, em consonância


com os objetivos do Curso de Letras, a competência e a habilitação
para o exercício do magistério em Língua e em Literatura nos
ensinos fundamental, médio, superior e outros. Deve, ainda, ter
uma postura ética, responsabilidade social e consciência do seu
papel profissional. Além disso, deve compreender e aplicar
diferentes teorias e métodos de ensino que permitam a
transposição didática dos conhecimentos sobre língua e
literatura. Deve desenvolver habilidades de uso de novas
tecnologias e de compreender sua formação profissional como
processo contínuo, autônomo e permanente. Também terá que
refletir, à luz de diferentes teorias, sobre os fatos linguísticos e
literários como modo de ampliar o conhecimento e de conduzir
pesquisas relacionadas ao ensino-aprendizagem de língua e
literatura. Para além das atividades de ensino, o egresso poderá
atuar na prestação de serviços de revisão e consultoria linguística e
textual a editoras e empresas.

Em todos os casos a estrutura curricular divide-se em três áreas em que as


diferentes disciplinas57 se relacionam: língua, literatura e educação. O curso oferece
ainda atividades extracurriculares no Núcleo de Estudos de Língua Inglesa (NELLI),
Núcleo de Estudos Canadenses (NEC), Sala de Documentação Lyuba Duprat,
Núcleo de Estudos de Língua Portuguesa (NELP), Núcleo de Estudos Hispânicos
(NEHISP), Núcleo de Pesquisas Literárias (NPL) e no Laboratório de Informática.

3.3 Caracterização da pesquisa – metodologia e instrumentos

Uma das maiores dificuldades encontradas pelo pesquisador cujo objeto de


estudo não pertence ao domínio das chamadas ciências naturais e, tampouco, a
uma área específica das ciências sociais, é a tentativa (quase sempre frustrada) de
caracterizar sua análise a partir de metodologias que, embora aparentemente
independentes do modelo tradicional de método científico, raras vezes dão conta da
abrangência de seu estudo.
Mesmo com os avanços visíveis quanto às estratégias na grande área da
pesquisa social, ainda parece que o máximo que conseguimos é uma adaptação,
uma espécie de eco daqueles estudos mais pragmáticos, com cada elemento bem

57
O quadro de sequência lógica de cada um dos cursos encontra-se nos anexos.
94

delimitado e sabendo exatamente onde se pretende chegar. Mas: e quando se


trabalha com um objeto tão denso quanto fluido, como definir uma linha de
chegada? Com muito esforço conhecemos o ponto de partida, tamanha a
complexidade das circunstâncias que envolvem as esferas da arte e da educação,
ou, mais especificamente, da literatura e seus processos de ensino e aprendizagem.
Sob esse prisma, o presente trabalho insere-se no âmbito da pesquisa
qualitativa e vislumbra a construção de pontes de diálogo, mais que “respostas” ou a
produção de dados estatísticos. De acordo com Maria Marly de Oliveira (2013), a
opção pela abordagem qualitativa não invalida a utilização de elementos
quantitativos, considerando a importância de uma análise comparativa de dados
como metodologia complementar. Assim, em etapas isoladas, recorremos a dados
quantitativos, ainda que os resultados tenham sido analisados de forma global,
qualitativamente.
A respeito da abordagem qualitativa, Antônio Chizzotti (2006) esclarece
possíveis inseguranças quanto ao seu campo de atuação e método investigativo.
Para o autor, esse tipo de estudo

Recobre, hoje, um campo transdisciplinar, envolvendo as ciências


humanas e sociais e adotando multimétodos de investigação para o
estudo de um fenômeno situado no local em que ocorre, e, enfim,
procurando tanto encontrar o sentido desse fenômeno quanto
interpretar os significados que as pessoas dão a ele. (CHIZZOTTI,
2006, p. 28)

Além disso, o autor salienta que esse tipo de pesquisa requer uma relação de
partilha com pessoas, ambientes e fatos que constituem o objeto de estudo, para
que, desse convívio, se possam construir não só os significados visíveis, mas
também aqueles que habitam a esfera do não-dito e que somente se tornam
perceptíveis através de uma observação cautelosa. Em diálogo com Chizzotti (2006)
e, no que concerne ao estudo de práticas de leitura, formação de hábitos e/ou gosto,
entre outros fatores, importa observar o que diz Roger Chartier:

As experiências individuais são sempre inscritas no interior de


modelos e normas compartilhadas. Cada leitor, para cada uma de
suas leituras, em cada circunstância, é singular. Mas esta
singularidade é ela própria atravessada por aquilo que faz com que
este leitor seja semelhante a todos aqueles que pertencem à mesma
comunidade. (CHARTIER, 1999, p. 91)
95

Nesse sentido, este estudo procura seguir os rastros do método interativo de


pesquisa qualitativa, não em sentido estrito, mas como referência teórico-
metodológica a ser perseguida, ainda que parcialmente, e consciente de suas
especificidades. Segundo Maria Marly Oliveira,

A metodologia interativa é um processo hermenêutico-dialético que


facilita entender e interpretar a fala e depoimentos dos atores sociais
em seu contexto e analisar conceitos em textos, livros e documentos,
em direção a uma visão sistêmica da temática de estudo.
(OLIVEIRA, 2013, p. 124)

A abordagem interativa pode ser trabalhada em dois planos: como pesquisa


em campo e/ou com análise de conceitos, de natureza bibliográfica. Também
permite uma primeira fase exploratória58, por meio de instrumentos mais dinâmicos,
como os questionários. Para operacionalizar o método, duas etapas são essenciais:
o nível das determinações fundamentais (contexto histórico-social e marco teórico) e
o nível de encontro com os fatos empíricos (confronto dos dados obtidos na
intervenção e análise das representações dos atores sociais). Por sua natureza
dialógica, a pesquisa interativa admite ainda, em caso de necessidade, o retorno ao
campo para maior aprofundamento dos dados coletados durante todo o processo.
A intenção desta pesquisa foi, desde o princípio, mapear os aspectos
relacionados à formação do professor de literatura em Rio Grande, na tentativa de
elaborar um perfil médio desse educador, conhecendo suas motivações, seus
hábitos de leitura, seus principais objetivos com o trabalho que desempenha, entre
outros elementos. Para tanto, acreditamos que a seleção dos sujeitos
necessariamente deveria percorrer esses caminhos, passando pelo ingresso dos
estudantes no curso de Letras e pelos professores da graduação, para então chegar
aos educadores em atividade na rede básica.
Apesar da relevância e urgência do tema, não foram encontrados registros de
pesquisas dessa natureza no município. Da mesma forma, no Programa de Pós-
Graduação em Letras ao qual este estudo encontra-se vinculado, em termos
metodológicos, a prática de pesquisa em campo é ainda uma exceção, enquanto a
revisão bibliográfica constitui a regra. Assim, as incertezas permearam todo o trajeto

58
A pesquisa exploratória tem como objetivo dar uma explicação geral sobre determinado fenômeno,
geralmente constituindo uma primeira etapa de uma investigação mais ampla e aprofundada.
(OLIVEIRA, 2013, p.65)
96

de construção do processo de análise, o que resultou em determinadas alterações


durante o percurso.
Diante do universo de sujeitos contemplados pela pesquisa, a opção inicial foi
utilizar o questionário como único instrumento em todas as etapas e com todos os
indivíduos. Entretanto, ao recolher os questionários aplicados aos professores de
literatura em atividade na rede estadual, era notável a insuficiência de material para
uma análise qualitativa consistente dos dados. Respostas monossilábicas (“sim”,
“não”), breves (“não sei”, “nunca li”) ou evasivas (“livros de poesia e romances”, em
vez de mencionar o nome das obras, conforme solicitado), em alguns casos, não
permitiram uma leitura atenta da realidade, fato que impôs a necessidade de uma
adaptação.
Outro fator determinante para a alteração do instrumento de coleta de dados
foi a impossibilidade de aplicar o questionário pessoalmente a cada professor, em
decorrência de incompatibilidade de horários59. Mais da metade dos questionários
foram enviados por correio eletrônico, o que resultou em um contato distante e
impessoal entre pesquisadora e sujeitos da pesquisa.
Assim60, optamos por considerar os questionários desse grupo específico
como uma etapa exploratória de uma investigação mais complexa, realizada por
meio de entrevistas gravadas com um número menor de educadores, selecionados
entre os treze que haviam respondido o questionário. O critério escolhido para a
seleção dos professores para essa etapa foi o zoneamento. Um educador para cada
grande área do município foi escolhido. A primeira área selecionada foi o centro da
cidade, seguida do Parque Marinha, do Balneário Cassino e da Vila da Quinta.
Com as devidas alterações, o foco principal passou a ser a análise dos dados
coletados a partir das entrevistas com as quatro educadoras selecionadas na
segunda etapa. Os questionários respondidos pelos catorze professores, incluindo
as quatro, passam agora a configurar um panorama geral, que fornece uma visão
ampliada da realidade da pesquisa, na medida em que contemplam um educador de
cada instituição de ensino da rede estadual que oferece ensino médio em Rio
Grande.

59
Grande parte dos educadores contemplados alegou não dispor de tempo livre para conceder
entrevista fora dos seus horários de aula, em sua maioria por atuar em outras instituições de ensino
nos turnos inversos. O mesmo problema é evidenciado em diversos trabalhos acadêmicos que
envolvem educadores como sujeitos de pesquisa.
60
Os educadores de nível médio eram justamente o foco central desta investigação. A adaptação foi,
portanto, uma condição essencial para o prosseguimento da pesquisa.
97

Assim, durante a primeira fase de coleta de dados61, foram aplicados


questionários aos alunos matriculados no primeiro ano dos cursos de Letras
Português, Letras Português-Francês e Letras Português-Espanhol (todos do
período noturno) da FURG. As mesmas turmas foram procuradas no último ano do
curso – em 2016 – e responderam a um segundo grupo de questões, com o objetivo
de avaliar suas percepções do curso no começo e na fase de conclusão.
Foram aplicados ainda questionários aos professores de Introdução aos
Estudos Literários e Teoria da Literatura dos cursos contemplados, totalizando 76
alunos de primeiro ano, 39 alunos de quarto ano, dois professores dos cursos de
graduação e 1462 professores de ensino médio.
A opção pela pesquisa com escolas e professores da rede estadual justifica-
se por ser essa a principal instância responsável pela educação em nível médio.
Ademais, interessam aqui as políticas governamentais relacionadas ao ensino de
literatura público e gratuito, com acesso garantido a todos. A restrição ao nível
médio deve-se ao fato de ser a única etapa da educação básica em que a literatura
é uma disciplina curricular obrigatória. Segundo William Roberto Cereja,

A inclusão desse conteúdo no ensino médio tem-se justificado


historicamente pela necessidade de alcançar alguns objetivos, tais
como continuidade do processo de aquisição de habilidades de
leitura de textos, além das razões ideológicas de fundo nacionalista-
patriótico subjacentes à maior parte das leis de ensino e dos
programas escolares, do século XIX ao XXI. (CEREJA, 2009, p.10)

Tendo em conta a quantidade de questões e a hibridez de sua natureza


(questões de múltipla escolha e questões dissertativas), o questionário mostrou-se o
modelo mais dinâmico e mais adaptado à rotina dos professores e estudantes do
período noturno, em sua maioria, trabalhadores. A escolha também se justifica por
ser o instrumento que permite maior liberdade ao sujeito, para que responda sem a
influência, muitas vezes intimidadora, do entrevistador.
No caso dos estudantes de Letras, o questionário possibilitou o contato com
um número significativo de pessoas em um mesmo período e local, em tempo
relativamente curto. A opção pelo formato misto também permitiu maior

61
No período de maio de 2013 a dezembro de 2013.
62
Um professor de cada escola da Rede Estadual de ensino médio do município, totalizando 13
escolas. Em uma das escolas foram entrevistados dois professores.
98

sistematização dos resultados fornecidos e fluidez de análise, nos termos estritos


desta pesquisa.
Para a segunda fase de coleta de dados, diante da situação imposta pela
escassez do material obtido na pesquisa com os questionários, a alternativa
encontrada foi selecionar quatro educadores e realizar uma entrevista gravada em
local e horário agendados com antecedência. O objetivo foi aprofundar as
informações obtidas com o questionário e formular novas questões, suscitadas pelos
resultados da primeira etapa.
Dessa forma, como resultados obtidos na primeira etapa, procuramos esboçar
um perfil médio do professor de literatura da rede estadual em Rio Grande,
considerando aspectos de sua formação, tempo disponível para o planejamento das
aulas, conceito de literatura, hábitos de leitura de ficção, obras lidas no último ano,
práticas de ensino, projetos em que estão envolvidos, possíveis obstáculos
enfrentados, entre outros aspectos relacionados à prática docente.
Por seu turno, optamos por considerar sujeitos desta pesquisa alunos de
primeiro e último ano de cursos de licenciatura em Letras da FURG, por ser a única
instituição pública no município a ofertar essa opção de graduação. Os temas
abordados nas questões dialogam com os utilizados com os docentes, em uma
perspectiva adaptada às suas expectativas quanto ao futuro profissional e
motivações que os conduziram ao curso, além de percepções acerca da formação
recebida, avaliações das aulas de literatura, entre outros temas. Além dos alunos,
dois professores da graduação responderam a questionários adequados à realidade
do ensino superior, a fim de contribuir para as discussões propostas.

3.3.1 A construção dos questionários: metodologias em perspectiva

Foram elaborados quatro modelos de questionários, destinados,


respectivamente, aos professores da rede estadual do município do Rio Grande, aos
estudantes de primeiro e último ano de cursos de Letras e aos docentes das
disciplinas de Introdução aos Estudos Literários I e Teoria da Literatura, comuns a
todos os cursos de Letras da FURG. A coleta dos dados foi realizada entre maio de
2013 e março de 2016.
99

No caso dos estudantes de Letras, o contato 63 aconteceu no próprio espaço


da sala de aula, em visitas da pesquisadora (previamente agendadas com os
professores titulares). Para a coleta de dados com os professores, foram realizadas
visitas às escolas, além de situações em que a comunicação se deu através de
correio eletrônico64.
Nos quatro questionários, o primeiro bloco de perguntas é dedicado aos
dados pessoais, cujas questões em comum têm como objetivo mapear os grupos,
no que se refere a informações como gênero 65, idade, endereço e cidade natal. Da
mesma forma, foram elaboradas questões abertas específicas para cada grupo,
referentes a hábitos de leitura, conceituação de literatura, informações relativas à
escolha profissional, avaliação a respeito da formação obtida, projetos para os
próximos anos etc.
Cabe recordar que, na condição de bens culturais, tanto o ensino quanto a
literatura estão permeados por relações de poder (BOURDIEU, 1999). Assim, é
natural que, diante da presença da entrevistadora ou mesmo da relação de
perguntas, enquanto instrumento legitimado pela academia, o indivíduo contemplado
pela pesquisa sinta-se orientado a responder com base em critérios nem sempre
fiéis a sua opinião genuína, construída com base em concepções particulares de
gosto e de acordo com o seu nível de instrução. É previsível, portanto, que ele
abdique de alguma convicção pessoal, em função de sua legitimidade (ou não) na
hierarquia interna ao campo. Em outras palavras, é possível que o entrevistado
oculte determinadas informações e evidencie outras, apoiado em critérios de valor
culturalmente difundidos66. De acordo com Bourdieu (1996), em relação à pesquisa
envolvendo hábitos de leitura,

O que ele responde não é o que lê verdadeiramente, mas o que lhe


parece legítimo naquilo que lhe aconteceu ter lido ou ouvido. As
declarações são extremamente suspeitas e penso que os
historiadores estariam de acordo em dizer que os testemunhos

63
Os questionários na íntegra encontram-se nos apêndices A, B, C e D.
64
Basicamente em razão de incompatibilidade de horários ou a pedido do docente entrevistado.
65
Identificado pelo nome fornecido livremente pelo estudante, podendo corresponder ou não ao que
consta em seu registro civil. O item “nome” foi solicitado com o objetivo de cotejar os dados de 2013
com os de 2016, permitindo que se observassem (apenas para controle interno) quais alunos haviam
participado das duas etapas.
66
No caso do campo literário, por exemplo, é legítimo declarar-se leitor de Machado de Assis ou
Guimarães Rosa. Ao mesmo tempo, assumir-se leitor assíduo de best-sellers, livros espíritas ou de
autoajuda confere um valor diverso na categoria de leitor literário, de acordo com a posição ocupada
por ele no campo.
100

biográficos ou outros nos quais as pessoas declaram suas leituras,


isto é, seu itinerário espiritual, devem ser tratados com suspeição.
(BOURDIEU, 1996, p. 236)

Sempre que possível, essas circunstâncias foram consideradas em nossa


leitura do material. Ressaltamos que todos os sujeitos da pesquisa responderam
espontaneamente aos questionários e concederam entrevistas mediante garantia de
que sua identidade seria preservada, bem como a confidencialidade de suas
respostas, passando a ser identificados por um respectivo número, no caso dos 13
professores estaduais e dos estudantes, e pelas iniciais de seus nomes no caso dos
docentes de graduação e das quatro educadoras entrevistadas na segunda fase da
pesquisa. Da mesma forma, nossas visitas às escolas e ao ILA-FURG foram
devidamente autorizadas pelos respectivos responsáveis.

3.4 Intervenção com estudantes e professores dos cursos de Letras 2013/2016

No tocante aos estudantes de Letras, foram utilizados questionários dirigidos


a 76 alunos no ano de 201367 e a 39 alunos em 201668. Considerando que o foco
deste trabalho é propor uma discussão acerca do perfil do professor de literatura em
atividade em Rio Grande, essa etapa da pesquisa atua como uma espécie de
“retrato” de um momento específico da trajetória dos licenciandos ingressantes em
2013 e concluintes em 2016, bem como de seus educadores. Portanto, não constitui
nosso objetivo investigar a formação acadêmica dos futuros educadores em sua
complexidade, mas, através de um recorte, estabelecer relações dialógicas entre a
realidade dos estudantes em formação e o contexto dos educadores em atividade na
educação básica.

67
Alunos matriculados no primeiro ano dos cursos de Letras Português, Letras Português-Espanhol e
Letras Português-Francês (todos do turno da noite). Os dados foram coletados em duas aulas de
Introdução aos Estudos Literários, em maio de 2013. Em decorrência de uma greve, o ano letivo de
2013 teve início em 13 de maio.
68
Alunos matriculados no último ano do curso de Letras Português, Letras Português-Espanhol e
Português-Francês (todos do turno da noite). Os dados foram coletados em duas aulas de Teoria da
Literatura, em março de 2016.
101

3.4.1 Estudantes de Letras ingressantes em 2013

Ao aplicar o questionário aos alunos do primeiro semestre, foi possível


conhecer suas motivações e expectativas ao ingressar no curso, seus objetivos
como futuros professores, seus hábitos de leitura, o conceito de literatura que
formulavam à época e como avaliavam sua formação no ensino médio com relação
às aulas de literatura das quais participaram antes do ingresso no ensino superior.
As informações foram sintetizadas e agrupadas em tabelas e gráficos, com o intuito
de dinamizar a exposição dos resultados.

Dados pessoais:

a) Quanto ao gênero:

Com relação à identidade de gênero, as turmas participantes da primeira


etapa da pesquisa (referente ao primeiro ano do curso) eram compostas de 55,2%
de mulheres e 44,7% de homens. Apesar da maioria feminina, era expressivo o
percentual de homens matriculados no curso de licenciatura em Letras.

Gráfico 2: Quanto ao gênero

Fonte: Elaborado pela autora

b) Quanto à idade:

Com relação à faixa etária dos estudantes do primeiro semestre de Letras, as


idades variaram entre 17 e 58 anos, configurando um grupo heterogêneo nesse
aspecto. É importante observar, com relação ao intervalo de idade entre os
estudantes, o fato de que pessoas em diferentes momentos da vida manifestaram
102

interesse por cursos de Letras, ainda que nem todas sinalizassem como prioridade
atuar na carreira docente, conforme informações coletadas entre os participantes.
Dos 76 participantes, 43% tinham entre 17 e 23 anos. O segundo grupo etário
tinha entre 24 e 30 anos (25%), seguido, sucessivamente, dos demais grupos de
menor à maior idade, conforme o gráfico abaixo. Apenas 2,6% dos alunos tinham
entre 52 e 58 anos de idade. Eram, portanto, estudantes jovens, em sua maioria,
cursando a primeira graduação. Apenas um estudante não revelou a idade.

Gráfico 3: Idade dos alunos ingressantes nos cursos de Letras em 2013

Fonte: Elaborado pela autora

c) Cidade natal:

Rio Grande é a cidade natal de 64,5% dos acadêmicos ingressantes em


2013, seguida de Porto Alegre e Rio de Janeiro69, com 5,3% cada uma. As cidades
vizinhas de Pelotas, com 3,9%, e São José do Norte, com 2,6%, encontravam-se na
sequência. Demais localidades, com uma ocorrência cada70, correspondiam à
cidade natal de 18,4% dos alunos.

69
Uma das possíveis justificativas para a incidência expressiva de estudantes oriundos do Rio de
Janeiro (capital e interior) é o fato de o município do Rio Grande sediar o 5.º Distrito Naval, desde
1985. Segundo informações coletadas no sítio eletrônico da Marinha do Brasil, desde 1942 o território
nacional foi dividido em cinco grandes regiões, ou distritos. O Rio de Janeiro é sede do 1º Distrito
Naval Brasileiro e envia, com frequência, integrantes da Marinha do Brasil para Rio Grande, em
regime de trabalho temporário ou permanente. Disponível em: <https://www1.mar.mil.br/com1dn/
comando/historico>. Acesso em: dez. 2015.
70
Belém do Pará (PA), Fortaleza (CE), Jaboatão dos Guararapes (PE), Jardim Paulista (SP), São
Paulo (SP), Curitiba (PR), São Gonçalo (RJ), Nova Iguaçu (RJ), Itaboraí (RJ), Pedro Osório (RS),
Tavares (RS), Encruzilhada do Sul (RS).
103

Gráfico 4: Cidade natal dos estudantes

Fonte: Elaborado pela autora

d) Endereço segundo o zoneamento do município do Rio Grande:

Quanto à distribuição dos estudantes com relação ao local de moradia por


regiões71 do município, observamos que a maioria se concentrava entre a região
central (região 18), os bairros de periferia imediatos ao centro (regiões 3 e 12), o
entorno da Universidade (região 17) e o balneário Cassino (região 6). Por seu turno,
11,8% dos estudantes optaram por não informar seu endereço.

Gráfico 5: Região de moradia

Fonte: Elaborado pela autora

71
Utilizamos como referência a divisão realizada pela Prefeitura Municipal do Rio Grande, em razão
do Orçamento Participativo. Outras opções de zoneamento encontradas eram controversas e não se
encontra disponível uma divisão oficial do município em regiões, conforme informações colhidas junto
à Secretaria Municipal de Coordenação e Planejamento (SMCP). O quadro completo das regiões do
município encontra-se nos anexos. Disponível em: <http://www.riogrande.rs.gov.br/pagina/index.php/
participativo+1b3#.VmXUPtKrTMw>. Acesso em: 15 nov. 2015.
104

Com relação ao ensino médio:

e) Quanto ao tipo de escola em que cursaram o ensino médio:

Entre os 76 estudantes de Letras que responderam ao questionário em 2013,


80,3% cursaram o ensino médio em uma escola pública, enquanto 19,7% realizaram
seus estudos em escolas da rede privada, incluindo instituições particulares que
oferecem cursos voltados para a Educação de Jovens e Adultos (EJA), com carga
horária reduzida.

Gráfico 6: Tipo de escola em que cursaram o Ensino Médio

Fonte: Elaborado pela autora.

Segundo dados fornecidos pelo Instituto de Letras e Artes (ILA) quanto ao tipo
de escola frequentada durante o ensino médio pelos estudantes que ingressaram
em 2013 – declarado na ocasião de sua inscrição para o ENEM –, observamos que
as informações confirmam as respostas obtidas com os questionários aplicados:

Quadro 1: Tipo de escola – ensino médio

Curso Tipo de escola

Letras-Português 72% escola pública

Letras Português-Espanhol (noturno) 72% escola pública

Letras Português-Francês 75% escola pública


Fonte: Elaborado pela autora – dados fornecidos pelo ILA-FURG.
105

f) Escola onde cursaram o ensino médio:

Perguntamos aos estudantes em qual escola haviam concluído o ensino


médio. Para efeito deste trabalho, foram consideradas, entre as escolas informadas
pelos alunos, apenas as instituições com sede em Rio Grande. Segundo os dados
obtidos, a maior parte dos estudantes residentes no município na ocasião de seu
ensino médio concluiu seus estudos nas seguintes escolas:
 Colégio Estadual Lemos Jr.: localizada no centro do município, com 10,5%
das respostas;
 Escola Estadual de Ensino Médio Bibiano de Almeida: localizada no
centro do município, com 7,8% das respostas;
 Escola Técnica Estadual Getúlio Vargas: localizada no bairro Cohab II, na
periferia da cidade, também correspondendo a 7,8% das respostas;
O Instituto de Educação Juvenal Miller, escola estadual localizada no
centro da cidade, e instituições apenas nomeadas como “Educação de Jovens e
Adultos – EJA” (sem especificar o município) e conclusão do ensino médio através
do ENEM (sem especificar o município) obtiveram 5,2% das respostas cada uma.
Por sua vez, o Instituto Federal (IFRS) foi a instituição de conclusão do
ensino médio de 3,9% dos alunos de Letras, bem como a Escola Estadual Silva
Gama, do balneário Cassino, com mesmo percentual. Demais escolas com sede no
município obtiveram menos de 3% de respostas. Foram citadas apenas três escolas
privadas72 do Rio Grande, com 1,3% (ou uma ocorrência) cada.

Gráfico 7: Escola onde concluíram o Ensino Médio

Fonte: Elaborado pela autora

72
Colégio Albert Einstein, Colégio Alternativo e Bom Jesus/Joana D’Arc (do grupo Bom Jesus). A
primeira escola oferece apenas a modalidade EJA; a segunda oferece ensino regular e EJA; a
terceira oferece apenas a modalidade regular.
106

g) Hábitos de leitura durante o ensino médio:

Com relação à leitura de ficção durante o ensino médio, 55,2% dos


estudantes afirmaram ter lido pelo menos uma obra, enquanto 44,7% não leram
nenhuma obra literária na etapa anterior à graduação. Chama a atenção o fato de
que, em um grupo de estudantes que optaram por uma licenciatura em Letras, o
percentual de “não-leitores” de literatura tenha sido tão expressivo.
Ademais, em que pese a importância do hábito de leitura de ficção para o
rendimento do acadêmico durante toda a graduação, entre os pré-requisitos para o
candidato dispostos em perfil73 elaborado pelo ILA-FURG, não há qualquer registro
específico referente à prática de leitura.

Gráfico 8: Leitura de ficção durante o ensino médio

Fonte: Elaborado pela autora

h) Critérios para a seleção de obras de ficção:

Quando questionados a respeito dos critérios 74 de escolha de suas obras


ficcionais, os estudantes de Letras responderam o seguinte:

73
“Perfil do candidato: por ser fundamentalmente um curso de licenciatura, torna-se indispensável a
vocação para o magistério e para uma consequente prática pedagógica. Serão necessários ainda ao
aluno de Letras: visão prática e teórica de língua e literatura na dinâmica de sala de aula; aptidão
para pesquisa em língua e literatura; adequação do uso de língua portuguesa às diferentes situações
discursivas; atuação em projetos de pesquisa e extensão, de forma articulada ao ensino;
conhecimento básico da língua estrangeira (no caso de cursos que envolvam uma língua
estrangeira)”. Disponível em: <www.letras.furg.br>. Acesso em: jan. 2016.
74
Foi permitido que o mesmo estudante assinalasse mais de um critério, embora nenhum estudante
tenha marcado mais de uma opção.
107

Gráfico 9: Critério para seleção de obras ficcionais

Fonte: Elaborado pela autora

Mais de 70% dos alunos afirmaram ter selecionado suas leituras em função
da temática ou do enredo das obras. Por sua vez, 48,6% dos estudantes escolheram
obras literárias sob influência de um momento específico de sua vida. Apenas 7,1%
dos alunos escolheram obras ficcionais atraídos pela técnica de construção e/ou a
forma ou estilo, ou seja, elementos relacionados exclusivamente ao texto literário. O
dado indica que, provavelmente, os aspectos formais das obras foram matéria pouco
explorada durante o ensino básico, bem como a teoria da literatura, desatrelada da
periodização.

i) Gêneros, autores e obras preferidos:

Pedimos que fossem elencadas as principais obras lidas durante a formação


escolar anterior dos acadêmicos. Entre aqueles que afirmaram ter lido obras de
ficção no período solicitado, os gêneros75 literários preferidos eram os seguintes:

75
Identificados a partir dos títulos fornecidos no questionário.
108

Quadro 2: Gêneros literários preferidos


Gênero Ocorrências (entre autores e obras)76
Literatura nacional – romance 21
Literatura nacional – conto 4
Literatura nacional – crônica 3
Autoajuda 1
Best-seller estrangeiro contemporâneo – romance 16
Ficção científica 1
Literatura estrangeira clássica – romance 2
Literatura policial 2
Poesia – língua estrangeira 2
Literatura estrangeira – clássicos 15
Literatura espírita 3
Teatro clássico 1
Literatura infanto-juvenil 4
Fonte: Elaborado pela autora

Os três gêneros mais consumidos durante o ensino médio pelos estudantes


de Letras ingressantes em 2013 foram, respectivamente: romances da literatura
nacional (em sua maioria canônicos), romances best-sellers da literatura estrangeira
contemporânea e clássicos da literatura estrangeira. É interessante observar que a
quantidade de títulos mencionados entre clássicos da literatura ocidental e best-
sellers estrangeiros é praticamente a mesma.
Assim, é possível afirmar que a seleção de obras realizada pelos estudantes
de Letras sofre influência da educação formal, dada sua predileção por obras
clássicas nacionais e estrangeiras, cuja leitura é estimulada em ambiente escolar.
Da mesma forma, é evidente o forte apelo comercial sobre as escolhas dos
estudantes, já que muitos livros mencionados eram campeões de vendas na ocasião
da coleta dos dados.
Um dado preocupante é a ausência de obras de poesia brasileira entre os
títulos citados pelos alunos. Por sua vez, apenas um estudante mencionou a leitura
de teatro clássico (sem especificar a obra). A preferência pela narrativa é quase
absoluta, o que permite que se questione: a leitura de outros gêneros foi oferecida e
estimulada durante sua formação anterior? Existem volumes de outros gêneros

76
No caso de Machado de Assis, por se tratar de um autor reconhecido por romances e contos, seu
nome foi registrado em ambos os gêneros.
109

disponíveis em quantidade suficiente nas bibliotecas escolares? De acordo com o


professor Carlos Augusto Nazareth77, há, entre as escolhas dos leitores brasileiros,

Um pequeno espaço para o texto lírico e uma total escassez de


atividades e metodologias em torno do texto dramático. O texto
teatral não faz parte do universo do leitor brasileiro. Verificamos esta
realidade muito mais acentuada quando o foco é o âmbito escolar.
Embora previstos nos programas, é sabido que as escolas, nos
diversos níveis de ensino, não promovem o contato previsto entre
aluno e texto teatral. (NAZARETH, [201-?])

Em alguns casos, os estudantes optaram por fornecer apenas o nome do


autor, embora a questão solicitasse os títulos das obras:

Quadro 3: Autores citados sem especificar a obra


Autores citados sem que o estudante
especificasse a obra
Agatha Christie (literatura policial)
Arthur Rimbaud (poesia)
Charles Baudelaire (poesia)
David Coimbra (crônica jornalística)
Edgar Allan Poe (conto/clássico estrangeiro)
Erico Verissimo (romance nacional)
Franz Kafka (clássico estrangeiro)
Herman Hesse (clássico estrangeiro)
Jorge Amado (romance nacional)
Machado de Assis (romance nacional/conto)
Milan Kundera (clássico estrangeiro)
Oscar Wilde (clássico estrangeiro)
Paulo Coelho (autoajuda)
Sófocles (teatro clássico)
Fonte: Elaborado pela autora

Entre os nomes relacionados, observamos a preferência por escritores


consagrados brasileiros, tradicionalmente conhecidos em função de sua prosa
romanesca, ou por clássicos da literatura estrangeira. Entretanto, ao citarem apenas
autores, ao invés dos títulos, conforme pedia a questão, existe a possibilidade de
que tenham apenas mencionado autores dos quais lembravam como

77
NAZARETH, Carlos Augusto. A importância da leitura do texto teatral na formação do leitor.
Disponível em: <http://www.cepetin.com.br/artigos/o-texto-teatral-carlos-augusto-nazareth/>. Acesso
em: jan. 2016.
110

representativos do campo literário, ou cujas obras gostariam de ter lido. Quanto aos
romances mencionados mais de uma vez como leituras realizadas, temos:

Quadro 4: Obras citadas mais de uma vez

Obras citadas mais de uma vez


Obra Autor Ocorrências
O cortiço Aluísio de Azevedo 4
O caçador de pipas Khaled Hosseini 2
Cem anos de solidão Gabriel García Márquez 2
Dom Casmurro Machado de Assis 6
O código Da Vinci Dan Brown 4
Os sertões Euclides da Cunha 2
O pequeno príncipe Antoine de Saint-Éxupery 2
Senhora José de Alencar 2
Lucíola José de Alencar 2
A Moreninha Joaquim Manuel de Macedo 2
Anjos e demônios Dan Brown 2
Fonte: Elaborado pela autora

A obra mais citada é Dom Casmurro, com seis ocorrências. O romance de


Machado de Assis, cujo conjunto da obra Alfredo Bosi (1994, p.174) qualifica como
“o ponto mais alto e mais equilibrado da prosa realista brasileira”, é frequentemente
requisitado como leitura obrigatória durante o ensino médio ou é objeto de análises
em cursos preparatórios para o ENEM. Em seguida aparecem o clássico nacional O
cortiço, de Aluísio de Azevedo, e o best-seller O código Da Vinci, de Dan Brown, com
quatro ocorrências cada um. As demais obras, todos romances clássicos nacionais
ou estrangeiros ou best-sellers estrangeiros, foram mencionadas duas vezes pelos
estudantes. Os autores que tiveram mais de uma obra citada foram os seguintes:

Quadro 5: Autores que tiveram mais de uma obra citada

Autor Obras
Machado de Assis Dom Casmurro, A cartomante e Helena (3 obras)
José de Alencar Senhora, Iracema e Lucíola (3 obras)
Anjos e demônios, O código Da Vinci, Fortaleza digital e O símbolo
Dan Brown perdido (4 obras)
Erico Verissimo Incidente em Antares e O tempo e o vento (2 obras)
Luis Fernando O opositor, Comédias da vida privada e As mentiras que os homens
Verissimo contam (3 obras)
Victor Hugo Os miseráveis e Os trabalhadores do mar (2 obras)
Fonte: Elaborado pela autora
111

Autores brasileiros, com exceção do estadunidense Dan Brown e do francês


Victor Hugo, tiveram mais de uma obra mencionada pelos estudantes de Letras. É
provável que boa parte dessas obras, clássicos da literatura brasileira ou coletâneas
de crônicas, tenham sido lidas (em fragmentos ou integralmente) por recomendação
da escola. Assinalamos também o fato de estarem dois autores gaúchos, Erico
Verissimo e seu filho Luis Fernando Verissimo, entre os relacionados, o que leva a
crer que sejam lidos com frequência, sobretudo em escolas do Rio Grande do Sul.
No caso de Dan Brown, autor que teve o maior número de livros citados, as
motivações parecem ser distintas, orientadas por questões ligadas à circulação,
publicidade e oferta dos volumes em um determinado intervalo de tempo78. No
entanto, a maior parte dos títulos foi mencionada apenas uma vez:

Quadro 6: Títulos citados apenas uma vez


Título Autor
O estrangeiro Albert Camus
Assassin’s creed Anton Gill
Morangos mofados Caio Fernando Abreu
Mulheres Charles Bukowski
Água viva Clarice Lispector
As crônicas de Nárnia Clive Staples Lewis
Fortaleza digital Dan Brown
O símbolo perdido Dan Brown
O segredo do bosque velho Dino Buzzati
The walking dead Diversos
A cidade e as serras Eça de Queirós
O corvo Edgar Allan Poe
Pollyana Eleanor H. Porter
O tempo e o vento Erico Verissimo
Olga Fernando Morais
Game of thrones George R. R. Martin
Vidas secas Graciliano Ramos
O menino de asas Homero Homem
O senhor dos anéis J. R. R. Tolkien
O xangô de Baker Street Jô Soares
Casos do Romualdo João Simões Lopes Neto
Mar morto Jorge Amado
Iracema José de Alencar
Meu pé de laranja lima José Mauro de Vasconcelos
O mundo de Sofia Jostein Gaarder
Crianças da noite Juliano Sasseron

78
Em 2013, ano da coleta de dados dessa fase da pesquisa, as obras de Dan Brown gozavam de
grande receptividade junto ao público brasileiro, estando entre as mais lidas da época. De acordo
com reportagem veiculada no portal da revista Veja em 24 de maio de 2013, foram vendidos 150
milhões de exemplares dos livros de Brown no mundo inteiro, 4,7 milhões desses no Brasil.
Disponível em: <http://veja.abril.com.br/blog/meus-livros/livros-da-semana/lancado-ha-4-dias-novo-
dan-brown-e-o-mais-vendido-do-pais/>. Acesso em: 31 jan. 2016.
112

Triste fim de Policarpo Lima Barreto


Quaresma
O despertar Lisa Jane Smith
Comédias da vida privada Luis Fernando Verissimo
O opositor Luís Fernando Verissimo
As mentiras que os homens Luis Fernando Verissimo
contam
As horas nuas Lygia Fagundes Telles
Helena Machado de Assis
Macunaíma Mário de Andrade
A menina que roubava livros Markus Zusak
Eu sou a lenda Richard Matheson
Tambores de Angola Robson Pinheiro
Água para elefantes Sara Gruen
A herdeira Sidney Sheldon
Sherlock Holmes Sir Arthur Conan Doyle
O iluminado Stephen King
Judas, o obscuro Thomas Hardy
O nome da rosa Umberto Eco
Os miseráveis Victor Hugo
Os trabalhadores do Mar Victor Hugo
Lolita Vladimir Nabokov
A cabana William P. Young
Fonte: Elaborado pela autora

Entre obras e autores, predomina a autoria masculina, tendo sido


mencionadas seis escritoras entre os 57 autores, sendo somente duas brasileiras
(Clarice Lispector e Lygia Fagundes Telles). Essa informação é relevante quando
analisamos a formação do cânone nacional, em que os homens ainda são maioria
absoluta entre os autores adotados pelas instituições escolares e livros didáticos.

j) Como avaliam as aulas de literatura durante o ensino médio:

Em uma questão de múltipla escolha, os estudantes deveriam assinalar a


opção mais próxima de sua avaliação geral das aulas de literatura das quais
participaram durante o ensino médio. Menos de 8% dos alunos avaliaram seu curso
de literatura no ensino médio como muito interessante. Em contrapartida, mais de
13% consideraram “nada interessantes” as suas aulas de literatura, o que
representa um dado preocupante. A maior parte dos alunos (38,1%) acredita que
suas aulas de literatura no ensino secundário foram “interessantes”, percentual
semelhante ao dos 35,5% que as avaliaram como “pouco interessantes”.
Entretanto, se somarmos o percentual de estudantes que avaliaram as aulas
de literatura das quais participaram como “pouco interessantes” ao índice de alunos
que as avaliaram como “nada interessantes”, obteremos 48,5% de avaliações
113

negativas a respeito da experiência com a disciplina durante os três anos de ensino


médio.
Gráfico 10: Como avaliaram as aulas de literatura no ensino médio

Fonte: Elaborado pela autora

Mais especificamente, foi solicitado aos estudantes que discorressem em uma


questão aberta, a respeito das aulas de literatura que frequentaram durante o ensino
médio. As respostas foram agrupadas em função da semelhança entre si:

Gráfico 11: Como eram suas aulas de literatura no ensino médio?

Fonte: Elaborado pela autora

Em uma situação de maior liberdade, a maioria dos alunos (30,2%)


considerou ruins, fracas, pobres ou regulares as suas aulas de literatura durante o
114

ensino médio. Por sua vez, 21% dos estudantes acreditavam que participaram de
aulas tradicionais, com excessiva ênfase no conteúdo ou baseadas simplesmente na
periodização literária, enquanto o mesmo percentual avaliou suas aulas como muito
boas ou boas. Entre aqueles que avaliaram as aulas como péssimas ou muito ruins
estão 14,4% dos estudantes. Convém destacar que 9,2% dos licenciandos
afirmaram jamais ter frequentado uma aula de literatura durante todo o ensino
médio, enquanto 2,6% dos alunos alegaram não ter recordações de aulas da
disciplina.

Quanto ao curso de Letras:

k) Área específica em que desejam atuar:

No tocante ao campo de atuação profissional na grande área de Letras, os


estudantes deveriam optar no questionário pela(s) área(s) em que preferencialmente
desejariam trabalhar quando graduados. Foi permitido que mais de uma área fosse
escolhida pelo mesmo aluno. Assim, dos 76 estudantes, foram obtidas 83 respostas,
conforme o gráfico:

Gráfico 12: Em qual área específica desejam atuar

Fonte: Elaborado pela autora

A maior parte dos estudantes (34,9%) demonstrou interesse em atuar como


professor de língua portuguesa. Em segundo lugar estavam o ensino e a tradução
de língua estrangeira (30,1%), configurando um grupo que, em sua maioria,
115

desejava atuar na área da educação. O ensino de literatura, aliado à pesquisa em


linguística da língua portuguesa, apareceu na sequência como área de atuação
pretendida na opinião dos alunos de Letras, correspondendo a 13,3% das intenções
dos estudantes em cada uma das opções. Somente 8,4% 79 dos estudantes
pretendia atuar como pesquisador na área da literatura.

l) Primeira opção de graduação:

Com relação à escolha do curso de graduação, o curso de Letras foi a


primeira opção de 57,9% dos estudantes.

Gráfico 13: O curso de Letras foi sua primeira opção no ENEM?

Fonte: Elaborado pela autora

Quanto às escolhas de 42,1% restantes, que optaram por outros cursos antes
de decidir cursar Letras, as respostas foram as seguintes:

Gráfico 14: Primeira opção no ENEM, exceto Letras:

Fonte: Elaborado pela autora

79
Esse dado é relevante para discussão, se considerarmos que a FURG oferece formação de pós-
graduação na área da pesquisa em estudos literários, através dos cursos de Mestrado e Doutorado
em História da Literatura.
116

Os cursos de Direito e Psicologia foram a primeira opção de seis estudantes


(18,8%) cada um, entre os 32 alunos que não escolheram Letras inicialmente como
curso de graduação. Com 6,3% cada, apareceram os cursos de Administração,
Economia, Engenharia, Jornalismo, Medicina e Pedagogia. Outros cursos80 foram
mencionados apenas uma vez e correspondiam à primeira opção de 18 estudantes,
ou 25% do total.

m) Por que escolheu cursar Letras?


Perguntamos aos calouros quais motivações os haviam levado a optar pelo
curso de Letras. Dada a semelhança entre as respostas, foi possível agrupá-las da
seguinte maneira:

Gráfico 15: Por que escolheu cursar Letras?

Fonte: Elaborada pela autora

Entre as razões mais frequentes para o ingresso na graduação em Letras


estavam: o interesse em ampliar conhecimentos, a afinidade com a língua
portuguesa e a aprovação no curso como segunda opção no SiSU (13,1% cada). Na
sequência aparecia o desejo de ser professor e a possibilidade de aprender uma
língua estrangeira, seguidos do gosto pela leitura e a escrita (11,8% cada). O gosto
pela literatura foi mencionado por apenas 6,5% do total de alunos como principal
motivação para o ingresso no curso de Letras.

80
Arquitetura, Arquivologia, Artes Visuais, Comunicação Social, Geografia, Publicidade e Veterinária.
117

n) Conceito de literatura:

Quando foi solicitado que conceituassem “literatura”, as respostas, agrupadas


por semelhança, foram as seguintes:

Gráfico 16: O que é literatura?

Fonte: Elaborada pela autora

A resposta com maior número de ocorrências (19,7%) foi aquela que definia
literatura como “arte”, “arte da palavra” ou “expressão artística”. O segundo conceito
mais frequente entre os estudantes associava a literatura ao “patrimônio cultural”
(14,4%), isto é, como parte do legado de determinada sociedade. Com igual
quantidade de registros (11,8%) estavam os conceitos de literatura enquanto “escrita
criativa” ou “escrita ficcional” e como o “estudo de autores e suas obras”.
O conceito de literatura como “forma de expressão humana” apareceu na
sequência, com 9,2% das respostas. Por seu turno, 10,5% dos alunos admitiram não
ter um conceito formado sobre literatura e apenas um optou por não responder.
Outras respostas81 dos estudantes (21%), em função de suas particularidades, não
puderam ser inseridas em nenhum dos grupos.

81
1) “Aquilo que deve ser lido, vivido, visto e contado”. 2) “Algo maçante e cansativo”. 3) “A literatura
é hoje bem mais acessível e menos elitizada”. 4) “É uma paixão, assim como cada livro lido”. 5) “É
algo que me leva até vários lugares sem sair de meus pensamentos”. 6) “São poucos os autores que
elaboram conteúdos de qualidade”. 7) “O ato de ler”. 8) “Uma forma dinâmica de reter
conhecimentos”. 9) “A literatura é bem diversificada, muito rica, apesar de diferentes gêneros”. 10)
“Gosto bastante de literatura, acho fundamental”. 11) “Matéria que precisa de dedicação 110%”. 12)
“A literatura está esquecida, não há incentivo à leitura”. 13) “É muito importante a leitura nos dias de
hoje”. 13) “Um mistério a ser desvendado”. 14) “Nuances da vida acessíveis a quem se deixa tocar
pela leitura”.
118

3.4.2 Retorno ao campo: intervenção com os estudantes de Letras – II etapa

Foi realizado um retorno à Universidade em março de 2016, com o intuito de


reencontrar os estudantes das turmas de 2013 aos quais havia sido aplicado o
questionário quando cursavam o primeiro semestre da graduação em Letras. O
objetivo foi comparar determinados dados de 2013 com os do final do curso, em
2016, observando possíveis alterações na concepção dos estudantes com relação à
própria formação acadêmica. Na ocasião, 39 estudantes responderam à nova
seleção de perguntas, enquanto 76 haviam participado da primeira fase, o que
sugere uma significativa evasão82 ou desestruturação83 das turmas participantes da
pesquisa.
Segundo dados fornecidos pelo Instituto de Letras e Artes (ILA) da FURG, em
2013 ingressaram84 através do ENEM 50 alunos no curso de Letras-Português, 25
alunos no curso de Letras Português-Espanhol noturno e 25 alunos no curso de
Letras Português-Francês, totalizando 100 matrículas.
O índice de evasão dessas turmas, verificado em dezembro de 2015, era o
seguinte:

Quadro 7: Índice de evasão dos cursos de Letras/noturno

Curso Índice de evasão

Letras-Português 21,9%

Letras Português-Espanhol 31%

Letras Português-Francês 27,1%


Fonte: Elaborado pela autora

De acordo com as informações, constata-se que cerca de 70% dos alunos


regularmente matriculados em março de 2013 permaneciam com sua matrícula ativa
no final de 2015, independente do semestre. Não foi possível acessar a situação
individual dos 76 estudantes com relação às disciplinas concluídas e aquelas ainda

82
Tendo em vista que a situação de coleta de dados foi semelhante nos dois casos: visita a uma aula
normal, de disciplina obrigatória, na primeira semana de aula do semestre letivo.
83
O termo “desestruturação” refere-se ao caso dos alunos que seguem matriculados regularmente no
curso, mas já não acompanham todas as disciplinas em sua turma original, em função de
reprovações, incompatibilidade de horários, trancamentos ou desistências.
84
Para efeito deste estudo, foram relacionados apenas os estudantes que ingressaram nas turmas
contempladas por esta pesquisa. A FURG também conta com cursos de Letras Português-Inglês e
Letras Português-Espanhol no período da manhã.
119

pendentes. Assim, apesar de a evasão absoluta ser considerada razoável, é


possível que as turmas em situação padrão tenham sofrido uma redução ainda
maior, dada a possibilidade de um estudante cursar disciplinas nos cursos de Letras,
independente da turma de ingresso original.
Para que respondessem ao segundo questionário, as visitas foram
agendadas com o professor85 titular da disciplina de Teoria da Literatura, oferecida
para as mesmas turmas contempladas na primeira fase de coleta de dados e que,
no momento, encontram-se no último ano da graduação. Em função dos prazos
inerentes à conclusão desta pesquisa, as respostas obtidas nas questões
dissertativas foram sintetizadas e agrupadas por semelhança entre si, sem prejuízo
dos resultados.

Dados pessoais:

a) Quanto ao gênero:

Do total de alunos que responderam ao questionário, cursando o último ano


da graduação, 74,3% identificam-se com o gênero feminino e 25,7% com o masculino.
Em 2013, os homens representavam aproximadamente 45% dos matriculados. O
dado de 2016 confirma a hipótese de que a maioria dos concluintes de cursos de
formação de professores é composta por mulheres. O maior índice de evasão se
deu, portanto, entre os homens.

Gráfico 17: Quanto ao gênero – 2ª etapa

Fonte: Elaborado pela autora

85
O referido professor é também sujeito da pesquisa, tendo respondido a um questionário
relacionado a sua atividade profissional.
120

b) Quanto à idade:

Com relação à faixa etária dos prováveis formandos, 30,7% têm entre 24 e 30
anos de idade, seguidos de 28,2% com até 23 anos. Os acadêmicos de 31 a 37
anos de idade correspondem a 23% do total. Assim, a maioria dos estudantes é
composta por jovens e “adultos-jovens”, conforme apresentavam-se em 2013.
Entretanto, o percentual de alunos mais maduros, com idade a partir de 38 anos,
representa uma parcela significativa das turmas, somando quase 18% do total.

Gráfico 18: Quanto à idade – 2ª etapa

Fonte: Elaborado pela autora

c) Endereço segundo zoneamento do município do Rio Grande – 2016:

Com relação à distribuição dos estudantes por regiões do município em 2016,


a maior parte (15,3%) concentra-se na região 1286, que agrega os bairros Buchholz,
Hidráulica, Cohab I, Cohab II e Parque. Na sequência e com igual percentual de
acadêmicos (12,8% cada uma) estão as regiões 3 87 – Cidade Nova e arredores –;
688 – Cassino –; 17 – entorno da FURG –, e 18 – região central. Da mesma forma,
7,6% dos alunos residem nos municípios89 vizinhos de Pelotas e São José do Norte.
As demais regiões da cidade correspondem ao local de moradia de uma pequena
parte de alunos cada uma, conforme o gráfico:

86
Bairros localizados na periferia do município.
87
Região localizada próximo ao centro da cidade.
88
Bairro-balneário.
89
São José do Norte: 5,1% dos estudantes. Pelotas: 2,5% dos estudantes.
121

Gráfico 19: Região de moradia – 2ª etapa

Fonte: Elaborado pela autora

Comparando os dados de 2016 com os de 2013, verificamos que a


distribuição dos acadêmicos segundo as regiões do município não sofreu alterações
significativas, tendo permanecido as mesmas regiões de maior e menor
concentração, com ênfase na região central e bairros periféricos imediatos ao centro
ou próximos à Universidade.

d) Quanto à cidade natal:

Rio Grande é a cidade natal de 64,1% dos alunos que responderam ao


questionário em 2016. As cidades vizinhas de São José do Norte e Pelotas
correspondem ao local de nascimento de 5,1% dos graduandos, cada uma. Outras
localidades90, com uma ocorrência cada, correspondem à cidade de origem de
20,5% dos participantes.
Cruzando os dados de 2016 com os de 2013, é possível observar que o
percentual de rio-grandinos matriculados não sofreu alterações, mantendo-se
estável. Com relação aos acadêmicos de outras localidades, o maior índice de

90
Santana do Livramento (RS), Canguçu (RS), Jaguarão (RS), Pedro Osório (RS), Ijuí (RS), Caxias
do Sul (RS), Imbituba (SC), Rio de Janeiro (RJ), e Jaguaquara (BA).
122

evasão se deu entre os oriundos dos estados mais afastados do Rio Grande do Sul
(Pará, Ceará, Pernambuco, São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná). A maior parte dos
alunos de outras localidades que permaneceram matriculados é proveniente de
municípios gaúchos, sobretudo os mais próximos de Rio Grande.

Gráfico 20: Quanto à cidade natal – 2ª etapa

Fonte: Elaborado pela autora

Com relação ao curso de Letras:

e) Tempo disponível para dedicação aos estudos:

Quase 90% dos alunos afirmaram não ter condições de dedicar-se


integralmente aos estudos, em função de atividades que desempenham nos turnos
inversos ao das aulas, conforme o quadro abaixo. Essa situação contribui para que
os casos de evasão e abandono de disciplinas sigam aumentando, principalmente
nos cursos de período noturno, além de interferir diretamente no rendimento
acadêmico, já que falta tempo para que sejam reforçados os conteúdos das aulas ou
realizadas na íntegra as leituras solicitadas pelos professores. Como consequência,
o processo de formação sofre grande prejuízo em caráter cumulativo, visto que a
complexidade aumenta progressivamente, mas o tempo disponível para os estudos
permanece parcial.
123

Gráfico 21: Disponibilidade de tempo para os estudos

Fonte: Elaborada pela autora

Entre aqueles que não possuem disponibilidade total para dedicarem-se aos
estudos, as atividades que desempenham além da graduação são as seguintes:

Quadro 8: Atividades que desempenha além dos estudos

Atividades que desempenha além dos estudos

Trabalho 51,4%

Trabalho e cuidado com a casa e a família 25,7%

Bolsas e estágios 11,4%

Outros projetos 5,7%

Não respondeu 5,7%


Fonte: Elaborado pela autora

Mais da metade dos estudantes divide o seu tempo entre o trabalho e a


graduação. Outros 25,7% ainda conciliam estudo, trabalho e cuidados domésticos 91.
Assim, somados os que trabalham com aqueles que trabalham e cuidam da casa e
família, temos 77,1% de graduandos que desempenham atividade profissional além
dos estudos. Apenas 11,4% dos alunos estão vinculados a algum programa de bolsa
ou estágio, relacionado ou não à área de Letras, no próprio espaço da Universidade.

f) Em qual área específica deseja atuar

Em 2013, na ocasião de seu ingresso no curso, a maioria dos estudantes


respondeu que desejava atuar como professor de língua portuguesa (34,9%). Na
sequência estavam os que pretendiam trabalhar com tradução e ensino de língua

91
É interessante ressaltar o fato de que apenas um estudante identificado com o gênero masculino
apontou essa opção no questionário. Essa informação nos permite inferir que, apesar dos avanços
quanto à igualdade de gêneros, as mulheres ainda são as principais responsáveis pelos cuidados
dedicados ao lar e à criação dos filhos, o que limita sua dedicação à própria formação profissional.
124

estrangeira (30,1%), pesquisa na área de linguística e o ensino de literatura (13,3%


cada) e, em último lugar entre as opções dos estudantes, a pesquisa na área de
literatura (8,4%).
Em 2016, foi feita a mesma pergunta aos estudantes, com o objetivo de
observar possíveis mudanças em seus projetos futuros, influenciadas pelas
experiências vivenciadas no decorrer do curso. Em termos percentuais, as opções
de atuar como professor de língua portuguesa ou em atividades ligadas ao ensino e
tradução de língua estrangeira não sofreram alterações significativas, mantendo os
índices estáveis. Entretanto, com relação à literatura, 13,3% dos alunos pretendiam
atuar como professores da disciplina em 2013; em 2016 esse índice passou para
19,1%. Da mesma forma, se em 2013 apenas 8,4% ambicionavam seguir seus
estudos na área da pesquisa acadêmica em literatura, no final do curso esse número
aumentou para 17%. Já os estudantes que almejam trabalhar na área dos estudos
linguísticos, que representavam 13,3% do total em 2013, caíram para 8,5% em
2016.
Uma possível justificativa para a mudança de perspectiva dos estudantes com
relação aos estudos literários como projeção para o futuro profissional – na carreira
docente ou como pesquisador – é o contato com disciplinas específicas durante o
curso de Letras.
A partir de 2013 foi implantado um novo quadro de sequência lógica (QSL),
que incluiu, entre outras alterações, a disciplina de Prática de Ensino de Literatura,
oferecida para o 5º semestre, em caráter obrigatório. A existência do Programa de
Pós-Graduação em História da Literatura (mestrado e doutorado) na Universidade
também contribui significativamente para que os acadêmicos 92 vislumbrem a
possibilidade de seguir os estudos na área, sem a necessidade de deslocar-se para
outra cidade.

92
Considerando o percentual expressivo de alunos que conciliam os estudos com trabalho e
cuidados domésticos, o que poderia representar um obstáculo, caso fosse necessário estudar em
outro município.
125

Gráfico 22: Em qual área específica deseja atuar – 2ª etapa

Fonte: Elaborada pela autora

g) Conceito de literatura:

Novamente, perguntamos aos acadêmicos de Letras de que maneira


conceituariam literatura. Em 2013, o conceito relativo ao maior percentual de
respostas foi o que associava literatura a “arte”, “arte da palavra” ou “expressão
artística”. A literatura como “patrimônio cultural” aparecia na sequência, seguida de
definições como “escrita criativa”, “estudo de obras e autores” e “expressão
humana”.
Em 2016, em que pesem algumas semelhanças, são perceptíveis importantes
alterações na maneira como os formandos construíram seus conceitos. Como
formandos, a maioria dos estudantes associou literatura como um conjunto de
disciplinas do curso de Letras, com respostas como: “é uma matéria importante para
o curso”, ou “matéria para abrir os conhecimentos dos alunos para com o mundo dos
escritores e historiadores e suas composições”.
Na sequência, 17,9% dos alunos afirmaram não ser possível formular um
conceito fechado para o que venha a ser literatura. Essa concepção, provavelmente
formulada a partir de leituras teóricas e discussões realizadas durante o curso e que
dá conta da complexidade do conceito nas dimensões sincrônica e diacrônica, não
apareceu entre as respostas de 2013, o que provavelmente evidencia uma evolução
reflexiva em relação ao início do curso.
Com o mesmo percentual encontra-se a concepção de literatura como “arte
da palavra” ou “manifestação artística”. Na fase anterior, tal conceito correspondia a
126

19,7% das respostas. Por sua vez, 15,4% dos acadêmicos considera literatura como
uma forma de representação da realidade vivida, através de respostas como “é a
produção, reprodução do pensamento, de experiências e vivências humanas”, ou “é
uma representação da vida, que nos proporciona olhar para nós em relação ao
mundo, nos entendermos no contexto do mundo através da ficção e da poesia”.
Outras respostas93, com apenas uma ocorrência, correspondem a 12,8% do
total.

Gráfico 23: Conceito de literatura – 2ª etapa:

Fonte: Elaborado pela autora

h) Considerações a respeito da evasão:

Perguntamos aos estudantes se, a partir de observações pessoais,


consideravam que sua turma tivera alguma redução ou acréscimo no número de
alunos desde o primeiro ano do curso. Dos 39 participantes, apenas um avalia que
sua turma tenha aumentado de tamanho. Os outros 38 acreditam que suas turmas
foram reduzidas, o que pode ser comprovado com os dados fornecidos pelo ILA e
pelos resultados desta pesquisa. Quando questionados a respeito das prováveis
justificativas para a evasão nos cursos de Letras, as respostas foram as seguintes:

93
1) “É tudo que nos faça pensar, interpretar e conseguir analisar o que está implícito em uma
leitura”; 2) “É um instrumento de reflexão social, que, gradativamente, condiciona ao indivíduo o
desenvolvimento da capacidade de leitura e reflexão”; 3) “É um universo amplo que contribui para
apreensão do conhecimento em escala universal”; 4) “É o conjunto de textos verbais e não-verbais
que são produzidos com funções emotivas, como o humor, a tristeza, a alegria... Se difere, assim, de
textos técnicos e didáticos, cujas funções não são baseadas nas impressões do leitor, mas no próprio
conteúdo deles”; 5) “Tudo o que acrescenta na vida do leitor pode ser considerado literatura”.
127

Quadro 9: Razões que justificam os índices de evasão

Razões que justificam os índices de evasão

Escolha equivocada do curso 36,8%


Mudança de curso 10,5%

Dificuldades para conciliar estudos e trabalho 10,5%

Dificuldades inerentes ao curso 10,5%

Obstáculos de natureza diversa combinados 7,8%

Por ter desistido de seguir a carreira docente 7,8%

Em função de mudanças no QSL 5,2%

Afastamento da vida acadêmica 2,6%

Barreiras impostas por docentes 2,6%

Não opinou 5,2%


Fonte: Elaborado pela autora

A maioria dos formandos acredita que a principal motivação para os altos


índices de evasão dos cursos de Letras da FURG está relacionada a uma escolha
equivocada, através do SiSU. Não raro, muitos candidatos matriculam-se no curso
de Letras como segunda opção selecionada, porém, ao ingressarem na graduação,
suas expectativas não são satisfeitas e acabam abandonando os estudos ou
migrando para outros cursos. A dificuldade em conciliar trabalho e vida acadêmica,
bem como peculiaridades inerentes ao próprio curso de Letras, também são
obstáculos mencionados pelos alunos. Outras razões para a evasão correspondem
a um percentual menor de respostas, conforme o quadro acima.

i) Expectativas com relação ao curso:

No tocante às expectativas que nutriam com relação ao curso na ocasião de


seu ingresso, perguntamos aos prováveis formandos de 2016 se sua perspectiva
havia sofrido alguma alteração ou se acreditavam estar satisfeitos com a licenciatura
em Letras. De acordo com as respostas, agrupadas em função de suas semelhanças,
51,2% dos acadêmicos afirmam estar totalmente satisfeitos com o curso, enquanto
apenas 7,6% acreditam que a graduação não atende, sob nenhum aspecto, às suas
expectativas. Por seu turno, 25,6% dos estudantes consideram o curso satisfatório,
embora assinalem determinadas restrições pontuais, que não prejudicam sua
avaliação geral, que é positiva. Os 15,3% restantes avaliam que a graduação em
128

Letras contempla em parte suas expectativas iniciais, mas decepciona-os em igual


proporção, em função de seus aspectos negativos.

Quadro 10: Expectativas com relação ao curso

Suas expectativas com relação ao curso têm sido contempladas?


Sim 51,3%
Não 7,6%
Sim, com algumas ressalvas. 25,6%
Por um lado sim. Por outro, não. 15,3%
Fonte: Elaborado pela autora

j) Alterações com relação aos hábitos de leitura:

A maior parte (84,6%) dos graduandos alega que seus hábitos de leitura
foram alterados no decorrer do curso, enquanto 15,3% acreditam que não houve
mudanças significativas em seu comportamento como leitores. Entre os que
mudaram sua forma de ler, 33,3% afirmam ter sofisticado seu gosto literário, por
meio do contato com diferentes gêneros. Da mesma forma, 30,3% dos estudantes
disseram que suas leituras, antes selecionadas em função de suas preferências
pessoais, hoje se restringem às exigências do curso, principalmente por falta de
tempo. O percentual expressivo de 15,1% dos estudantes admite que adquiriu o
hábito de leitura somente após o ingresso na graduação, tendo sido “não-leitores”
durante toda a vida pregressa. Por sua vez, 12,1% desenvolveram a capacidade de
ler criticamente obras literárias, enquanto outros 9% incluíram obras teóricas entre
suas leituras, antes circunscritas à ficção.

Quadro 11: Alterações com relação aos hábitos de leitura


Durante sua formação atual, sua relação com o hábito de ler sofreu alguma
alteração desde seu ingresso no curso de Letras?
Sim 84,6%
Não 15,3%
O que mudou em sua experiência como leitor? (entre os 84,6% que
afirmaram ter mudado os hábitos de leitura)
Expandi meu gosto literário: hoje leio obras de gêneros variados 33,3%
Minhas leituras restringiram-se às obras exigidas pelas disciplinas da graduação 30,3%
Desenvolvi o hábito de ler 15,1%
Adquiri a capacidade de ler criticamente uma obra literária 12,1%
Passei a ler também obras teóricas 9%
Fonte: Elaborado pela autora
129

k) Aspectos positivos do curso de Letras da FURG na área de literatura:

Perguntamos aos acadêmicos quais aspectos destacavam como bem-


sucedidos ou positivos durante o curso de Letras, apenas com relação às aulas de
estudos literários das quais haviam participado até o momento. Entre as respostas,
sintetizadas conforme semelhanças entre si, o aspecto mais valorizado pelos
acadêmicos (30,7%) foi a oportunidade de estabelecer contato com uma pluralidade
de autores e obras, antes desconhecidos ou considerados uma barreira a
ultrapassar.
Suas seleções anteriores restringiam-se a opções oferecidas pela escola ou
apresentadas pelos meios de comunicação de massa, especialmente a televisão e a
internet. Com o decurso das disciplinas e com a complexificação de discussões na
área de estudos literários, tornou-se possível vivenciar o prazer da leitura e da
análise de obras de gêneros distintos.
A boa qualificação dos professores foi considerada o principal aspecto
positivo dos cursos de Letras da FURG com relação aos estudos literários, de
acordo com 25,6% dos estudantes. Na sequência aparecem o aprofundamento dos
conhecimentos na área de literatura (15,3%), a possibilidade de relacionar os
estudos literários a outras áreas do conhecimento (12,8%) e a oportunidade de atuar
em atividades de estágio e projetos na área, vinculados à instituição (7,6%). Outra
resposta, com apenas uma ocorrência, encontra-se no quadro abaixo.

Quadro 12: Aspectos positivos do curso de Letras


Aspectos positivos do curso de Letras da FURG na área de
literatura:
O contato com novos autores e obras 30,7%

A boa qualificação dos professores 25,6%

O aprofundamento dos conhecimentos literários 15,3%

A possibilidade de relacionar literatura e outras áreas do conhecimento 12,8%

Bolsas e projetos de pesquisas na área 7,6%


Não responderam 5,1%

“Tudo é maravilhoso” 2,5%


Fonte: Elaborado pela autora
130

l) Aspectos negativos do curso de Letras da FURG na área de literatura:

Quanto aos aspectos identificados como negativos pelos estudantes, apenas


no que tange à área de literatura, cabe destacar a grande quantidade de respostas
deixadas em branco, correspondente a 20,5% do total. Tal opção pode indicar, entre
outros fatores, insegurança quanto à divulgação dos resultados da pesquisa, ou,
ainda, certo receio de tecer críticas ao curso em etapa anterior e próxima à conclusão.
Entre os alunos que responderam à pergunta, 28,2% acreditam que um dos
principais pontos negativos da graduação refere-se à conduta pouco acessível de
parte do corpo docente, bem como a metodologias inadequadas na condução das
aulas. Outros 23% consideram excessivo o volume de leituras requisitadas, com
relação ao tempo disponibilizado pelos professores. Uma vez que nosso recorte
restringe a análise aos cursos de período noturno, é provável que essa concepção
dos estudantes tenha relação com o tempo limitado de que dispõem para os
estudos, compartilhado com atividades em turnos inversos. Nesse sentido, seria
interessante cotejar esse posicionamento com a realidade de acadêmicos dos
cursos de período diurno. Por sua vez, 7,6% dos estudantes acreditam que a leitura
obrigatória de textos complexos e de difícil compreensão, e o foco excessivo no
trabalho com obras consagradas pela crítica (outros 7,6%) são aspectos prejudiciais
à qualidade dos estudos literários nos cursos de Letras. Apenas 5,1% avaliam a
escassez de disciplinas dedicadas à formação de professores de literatura como o
principal aspecto negativo do curso com relação à área. Por conseguinte, respostas
com apenas uma ocorrência encontram-se no quadro abaixo.

Quadro 13: Aspectos negativos do curso de Letras

Aspectos negativos do curso de Letras da FURG na área de literatura:


Professores pouco acessíveis/com metodologia inadequada 28,2%
Grande quantidade de leituras em pouco tempo 23%
Obras complexas, de difícil compreensão 7,6%
Foco excessivo no cânone 7,6%
Pouco tempo dedicado ao ensino de literatura 5,1%
Poucas aulas 2,5%
Desinteresse dos alunos 2,5%
“Passamos a ler analisando as obras, o que acaba nos afastando do
2,5%
prazer da leitura, já que ficamos muito ligados ao ‘olhar crítico’”
Não responderam 20,5%
Fonte: Elaborado pela autora
131

m) Como avaliam as aulas de literatura no curso de Letras:

Com relação às aulas de disciplinas específicas da área de estudos literários


durante a graduação, foi solicitado que realizassem uma avaliação geral da área.
Entre os participantes, 41% consideram que suas aulas são boas ou muito boas,
sem apontar nenhuma restrição ou crítica. Outros 30,7% afirmam que parte dos
professores apresenta problemas no que se refere à abordagem dos temas e à
metodologia de suas aulas, o que dificultaria o rendimento dos estudantes em suas
disciplinas. A pequena carga horária destinada às disciplinas de literatura é
mencionada por 15,3% dos estudantes, enquanto 5,1% afirmam que a qualidade
das aulas depende da conduta de cada professor, não sendo possível avaliar a área
como um todo. Da mesma forma 5,1% optaram por não realizar uma avaliação da
área. Outra resposta, com apenas uma ocorrência, encontra-se no quadro abaixo.

Quadro 14: Como avaliam as aulas de literatura na graduação

Como avaliam as aulas de literatura no curso de Letras:


Muito boas ou boas 41%
Alguns professores têm problemas com relação à metodologia 30,7%
Pouca carga horária para literatura 15,3%
Depende do professor 5,1%
Não responderam 5,1%
“Tenho muita dificuldade, mas não desisto”. 2,5%
Fonte: Elaborado pela autora

n) Contato com leituras sobre ensino de literatura e a formação de leitores:

A respeito do contato com leituras relacionadas ao ensino de literatura e à


formação de leitores proporcionada pelo curso, as respostas apresentaram
divergências significativas entre si: enquanto 48,7% dos alunos avaliaram
positivamente a experiência, 23% relataram jamais ter lido qualquer texto
relacionado ao assunto até aquele momento. Para 17,9% dos participantes, o
contato com textos que abordam o tema foi oferecido em apenas uma disciplina
durante todo o curso, enquanto 7,6% não responderam à questão. Outra resposta,
com apenas uma ocorrência, encontra-se no quadro abaixo.
132

Quadro 15: Leituras sobre ensino de literatura e formação de leitores


Teve acesso a leituras e discussões a respeito de metodologia do
ensino de literatura? E sobre formação de leitores?
Sim, foi uma experiência muito boa / muito produtiva / enriquecedora 48,7%
Não tive acesso a essas leituras 23%
Sim, em apenas uma disciplina 17,9%
Não respondeu 7,6%
“Sim. Acho que precisa haver mudanças na metodologia” 2,5%
Fonte: Elaborado pela autora

o) Contato com a LDB vigente e os PCNs de “Linguagens, códigos e suas


tecnologias”:

Finalmente, foi solicitado aos estudantes que discorressem a respeito de


oportunidades de leitura, análise e discussão da LDB vigente e dos PCNs da área
de “Linguagens, códigos e suas tecnologias” durante a graduação. Do total, 30,7%
afirmaram que a leitura de ambos os textos foi oportunizada pelos professores e
avaliaram o seu conteúdo como “excelente” ou “muito bom”, sem, contudo, realizar
qualquer comentário ou ressalva com relação à área da literatura.
Enquanto 23% dos estudantes relataram não ter lido o material em nenhum
momento do curso, 17,9% avaliaram as discussões propostas por seus professores
como insuficientes ou superficiais. De sua parte, 15,3% dos participantes acreditam
que seja impossível pôr em prática as orientações dos documentos, em função de
sua incompatibilidade com a realidade das escolas brasileiras. Somente 5,1% dos
alunos avaliaram a LDB e os PCNs, com relação à abordagem que propõem a
respeito da disciplina de literatura, como precários ou inadequados. Respostas com
uma ocorrência encontram-se no quadro abaixo.

Quadro 16: Contato com a LDB e com os PCNs


Teve contato com a LDB, os PCNs e demais documentos norteadores na
área de “Linguagens, códigos e suas tecnologias”?
Sim, considero o texto dos documentos excelente/muito bom. 30,7%
Não tive acesso a nenhum dos documentos. 23%
Tive acesso aos documentos de forma superficial/insuficiente. 17,9%
Sim, considero o texto dos documentos incompatível com a realidade de sala
15,3%
de aula/impossível de ser aplicado.
Sim, considero o texto precário com relação à abordagem da literatura. 5,1%
“Sim. Algumas escolas têm dificuldade na elaboração dos PCNs; quando se
2,5%
tem acesso, é possível perceber que alguns aspectos estão ultrapassados”.
“Sim, tive acesso. Acredito que com a evolução da mídia é necessário um
2,5%
olhar mais aprofundado sobre as tecnologias de informação no ensino.”
Não respondeu 2,5%
Fonte: Elaborado pela autora
133

3.4.3 Professores da graduação em Letras: disciplinas de Introdução aos


Estudos Literários e Teoria da Literatura

A fim de contribuir com a discussão, também foram aplicados questionários 94


a dois docentes dos cursos de Letras da FURG, que lecionam, respectivamente, as
disciplinas de Introdução aos Estudos Literários (oferecida no primeiro ano do curso)
e Teoria da Literatura (oferecida no último ano do curso). As mesmas questões
foram direcionadas aos dois professores e, além de dados pessoais, referem-se a
uma avaliação por parte dos educadores com relação aos cursos de Letras da
instituição e, em especial, às disciplinas que ministram.

Introdução aos Estudos Literários: o primeiro contato com a literatura no


curso de Letras

M. P. é professor efetivo das disciplinas de Introdução aos Estudos Literários I


e II, Literatura do Rio Grande do Sul I e II e Teoria do Drama, nos cursos de
graduação em Letras da FURG. Também ministra as disciplinas de Teoria da
Literatura e Teoria da História da Literatura, no Programa de Pós-Graduação em
História da Literatura – mestrado e doutorado – na mesma instituição, no qual ainda
exerce a função de coordenador.
O docente de 44 anos é natural do Rio Grande e reside atualmente na cidade
vizinha de Pelotas. M. P., que é doutor em Teoria da Literatura pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), é professor há dez anos no
ensino superior e não possui experiência profissional anterior na educação básica.
Sua opção pelo curso de Letras se deu em função do interesse que nutria
pela literatura e pela possibilidade de aprofundar seus estudos na área. Tornar-se
professor foi uma consequência lógica, por se tratar de uma licenciatura.
Atualmente, o professor acredita que seus principais objetivos enquanto docente de
um curso de Introdução aos Estudos Literários estão associados à formação de
leitores, através do contato com obras consagradas, cuja leitura contribui, segundo
ele, para a formação humana em seu sentido amplo e para uma relação mais
complexa com o mundo.

94
Os questionários na íntegra encontram-se nos apêndices deste trabalho.
134

O curso de Introdução aos Estudos Literários tem como principal proposta


apresentar um panorama geral de autores e textos – teóricos e ficcionais –
clássicos, que incrementem o repertório dos estudantes, auxiliando-os a estabelecer
uma visão geral dos estudos literários, e permitindo-lhes seguir com uma base sólida
a partir dali. Segundo o professor,

Tento levar para a aula textos clássicos, que eu sei que os alunos,
em sua maioria, não leram ainda, e talvez não leriam nunca, caso eu
não tivesse trazido para a classe. Assim, pensando especificamente
na literatura, são lidos Vinicius de Morais, Antero de Quental, Edgar
Allan Poe, Tchekov, Sófocles, Shakespeare, Kafka, Machado de
Assis, entre outros. O critério de escolha seria, então, clássicos
incontestáveis da nossa língua e também das literaturas
estrangeiras.

Com essa metodologia, pretende contribuir para a formação dos licenciandos,


considerando que, em um curto período de tempo, serão também docentes e que a
percepção estética será fundamental para o desenvolvimento de um trabalho de
qualidade com seus alunos secundaristas. Segundo M. P., um curso que ofereça um
painel geral dos estudos literários, ainda que arraigado à tradição, se faz necessário,
na medida em que ele identifica lacunas graves na formação anterior dos estudantes
de Letras, sobretudo os que ingressam no primeiro semestre.
O professor considera que, de um modo geral, as leituras anteriores
realizadas por seus alunos são insuficientes e se concentram em best-sellers ou
literatura espírita. Essa influência no gosto ligada ao mercado e à circulação também
é revelada com relação às outras artes. A professora Lígia Chiappini relata uma
realidade semelhante entre os acadêmicos recém-chegados aos bancos
universitários com os quais trabalhou:

Trabalhando com teoria da literatura na Universidade de São Paulo


por muitos anos, tanto na graduação como nos cursos de pós-
graduação, da mesma forma que outros colegas, a tarefa mais difícil
parecia-me ser a do ensino no curso de introdução aos estudos
literários, destinado aos calouros, por causa da generalidade do
assunto e pelo parco repertório de leitura desses alunos. Esse
problema apontava, então, e parece apontar ainda hoje, para a triste
situação de nossas escolas, nas quais se esperava que os alunos
obtivessem maior informação básica e desenvolvessem certas
capacidades para entrar na universidade. Ao contrário de nossas
expectativas, a maior parte dos estudantes que chegavam a nossas
aulas não estava pronta para começar os estudos acadêmicos.
(CHIAPPINI, 2005, p. 17)
135

O quadro de déficit cultural descrito pelo professor, aliado ao baixo teor de


criticidade por parte do alunado e à carga horária recentemente reduzida da
disciplina, são fatores que acarretam certo desânimo por sua parte com relação ao
próprio trabalho. A excessiva burocratização da Universidade, que dificultaria a
formação continuada do corpo docente, é outro obstáculo identificado por M. P.
Quanto a possíveis alterações no perfil do corpo discente desde a
implementação do SiSU como única via de acesso aos cursos da FURG em 2011,
M. P. prefere não se posicionar sobre o rendimento dos alunos, por não dispor de
dados confiáveis até o momento. Entretanto, ele observa que atualmente existem
estudantes do curso oriundos de várias partes do país, o que considera um fator
positivo, por contribuir para a diversidade de pensamento da turma.
Com relação aos índices de evasão, ele acredita que aumentaram, embora
também não seja capaz de comprovar tal afirmação. O provável aumento nos casos
de abandono dos cursos se deve, segundo o professor, à possibilidade oferecida
pelo SiSU de ingresso em um curso que não tenha sido a primeira opção do
estudante. Para M. P.,

Os alunos escolhem Letras como a terceira ou a quarta opção,


depois de verem que os cursos desejados, pela média alcançada,
não poderão ser escolhidos. Ao começar o ano e notar que o curso
de Letras não atende às suas expectativas, esse aluno desiste ao
longo do primeiro ano.

No que concerne especificamente à formação de professores oferecida pelos


cursos de Letras da FURG, M. P. considera que, de um modo geral, não contempla
adequadamente as etapas de formação de um professor de literatura para a rede
básica. Segundo ele, ainda faltam profissionais dedicados exclusivamente ao
trabalho com o eixo temático “Literatura e educação”. Entretanto, a modificação no
quadro de sequência lógica (QSL) dos cursos de Letras a partir de 2013 foi
responsável pela criação da disciplina de “Prática de Ensino de Literatura”, o que ele
considera um avanço nesse sentido, ao dedicar-se unicamente à formação de
professores para atuar na rede básica.
Da mesma forma, o professor acredita que a FURG, através do Instituto de
Letras e Artes (ILA), realiza diversas atividades de extensão que, com frequência,
136

contam com pouca ou nenhuma adesão dos professores da rede básica, o que ele
atribui a um possível “desinteresse” por parte desses educadores.
M. P. reconhece a importância do PIBID para o estreitamento do vínculo entre
escola e universidade, já que favorece o contato dos graduandos com o ambiente
escolar desde os primeiros semestres do curso. Através do programa os professores
da rede básica também têm a possibilidade de coordenar essas atividades e
desenvolver um trabalho de pesquisa junto à universidade, com base no trabalho
com os licenciandos. Contudo, no caso específico da FURG, o PIBID de literatura
ainda não foi implementado:

Na área de Literatura, optamos por não entrar no PIBID, pois temos,


além da graduação, que atender um Programa de Pós-Graduação
em Letras (Mestrado e Doutorado), o que inviabiliza uma atuação
mais efetiva no PIBID.

Como estratégias para aproximar a formação/produção acadêmica e a prática


docente na rede básica, o professor M. P. sugere que seja enfim criado o PIBID para
a área de literatura, além de outras disciplinas voltadas para o trabalho específico
com metodologias para o ensino da disciplina. Ele ainda considera importante um
acompanhamento mais eficaz por parte de docentes devidamente capacitados com
relação às atividades dos universitários em ambiente escolar nas situações de
estágio e observação de aulas.
M. P. reconhece que, de um modo geral, não costuma levar em consideração
o fato de atuar em um curso de licenciatura no momento em que elabora suas aulas.
Segundo ele, concerne à disciplina de Introdução aos Estudos Literários
instrumentalizar o aluno através do trabalho com conceitos relacionados à teoria
literária. Quanto às metodologias de ensino e reflexões voltadas para a prática
docente, ele acredita que devem ser tratadas em disciplinas específicas para essa
finalidade e ministradas por professores envolvidos em pesquisas na área.

A disciplina de Teoria da Literatura: reflexões para o último ano do curso

A. M. tem 53 anos, é natural de Santo Ângelo – RS e reside no Balneário


Cassino, em Rio Grande. Ele é Doutor em Teoria da Literatura pela PUCRS e cursou
Letras no Centro Universitário Franciscano (UNIFRA, Santa Maria – RS), atuando há
137

21 anos no ensino superior e sem experiência como docente na rede básica.


Atualmente ministra as disciplinas de Teoria da Literatura e Poesia Brasileira
Contemporânea na graduação e Tópicos Avançados de Literatura Brasileira no PPG
em História da Literatura.
Assim como M. P., A. M. optou pelo curso de Letras em função do gosto que
nutria pela leitura e pela escrita, além da possibilidade de aprofundar seus
conhecimentos na área. Hoje, como professor de Teoria da Literatura, seu objetivo
principal é mediar a compreensão do fenômeno literário por parte de seus alunos,
fornecendo subsídios teóricos e históricos que facilitem o processo. Quanto aos
critérios que utiliza para preparar suas aulas, A. M. afirma:

A organização da disciplina visa colocar os alunos em contato com o


texto poético ou ficcional e daí sensibilizá-los, mas busca,
principalmente, trazer para o centro da discussão o que há de mais
relevante e primordial para o entendimento do fenômeno literário.
Nesse sentido, cabe assinalar que é essa aptidão que distingue o
profissional das Letras do leitor comum. Assinalo, porém, que em
decorrência do tempo e do recorte necessário, a disciplina acaba
adquirindo um viés muito mais panorâmico.

O professor também considera insuficiente a carga horária destinada às


disciplinas voltadas para a literatura nos cursos de Letras da FURG, o que restringe
as possibilidades de aprofundar os estudos literários e resulta em uma formação de
caráter introdutório e superficial. Os estudantes que desejem seguir na área podem
optar pelo Mestrado em História da Literatura oferecido pela mesma instituição.
A relevância do trabalho com o ensino de literatura, de acordo com o
professor, reside no fato de propiciar o contato com um objeto de estudo que
favorece o desenvolvimento do senso crítico, bem como o despertar da sensibilidade
estética, que, como consequência, gera um estado de observação atenta de si
mesmo, da alteridade e do mundo. Como obstáculos a essa prática, A. M. ressalta a
falta do hábito de leitura e a precariedade dos conhecimentos históricos na formação
anterior do alunado. Outro elemento identificado por ele como uma limitação à
qualidade de seu trabalho é a configuração do quadro de sequência lógica (QSL) do
curso, que dificultaria a dedicação dos estudantes, por ser “numeroso em termos de
disciplinas e variado em termos de conteúdo”, segundo sua avaliação.
A. M. observa que desde o advento do SiSU como único acesso às vagas no
ensino superior da FURG, o perfil de seus alunos sofreu alterações. Ele observa
138

que, atualmente, um maior contingente de estudantes oriundos de setores que


qualifica como “mais empobrecidos” tem frequentado a Universidade, o que ele
analisa como um fator positivo.
Quanto à formação de professores de literatura oferecida pelos cursos de
Letras da FURG, A. M. crê que ainda são poucas as disciplinas voltadas
especificamente para a formação de professores para a educação básica. Ele
também considera que a colaboração do PIBID nesse processo é de fundamental
importância, já que os alunos participantes mantêm contato com a escola desde o
começo do curso, o que lhes permite conhecer o ambiente e o funcionamento
dessas instituições, e não acontecia antes da criação do programa, de acordo com o
professor.
Assim como o professor M. P., A. M. atribui aos compromissos assumidos
junto ao PPG em História da Literatura na FURG a falta de um trabalho mais
consistente da área com relação à formação de professores para a rede básica.
Segundo ele, os estudos literários na instituição acabam sendo orientados para a
formação acadêmica posterior à graduação. Como sugestão para minimizar o
abismo entre formação de professores e academia, A. M. acredita que a criação do
PIBID de literatura seria uma ação eficaz, embora enfatize a falta de tempo dos
docentes da FURG para dedicarem-se ao programa em função do envolvimento
com o PPG:

No caso específico do ensino de literatura, não há envolvimento dos


professores de literatura com a escola de formação básica. Tal fato
se deve ao envolvimento dos mesmos na Pós-Graduação e com as
atividades daí decorrentes, como orientações e produção de artigos
científicos. Acredito que isso seria sanado com a participação dos
professores de literatura da Universidade em programas como o
PIBID, mas, como já referido, a existência da pós-graduação dificulta
esse contato.

Algumas considerações a respeito do perfil dos acadêmicos e docentes de


Letras 2013/2016:

Em linhas gerais, a partir da pesquisa realizada junto aos acadêmicos e os


docentes das turmas de 2013 a 2016, o que se percebe é que a escolarização da
literatura realizada durante os anos de educação básica não conseguiu atingir
plenamente seus objetivos, o que resulta em uma maioria de estudantes de Letras
139

sem a instrumentalização necessária para o aprofundamento dos estudos em nível


superior.
Para que o perfil do egresso da FURG fosse algo de fato tangível, seria
necessário que o perfil do candidato, elaborado pela Universidade, fosse,
igualmente, uma realidade no contexto social dos calouros que ingressam no curso.
Contudo, o que se observa é que, tanto um quanto o outro, muitas vezes, não
ultrapassa o plano do discurso. Como consequência lógica, o curso de graduação,
que deveria cumprir um papel formativo, acaba desempenhando (no prazo restrito
de quatro anos) também uma função “informativa”, diante da precária formação
anterior de seus alunos. A formação universitária, então, acaba ficando muito aquém
do esperado. Diante desse contexto, no mínimo, inquietante, a qual etapa de ensino
responsabilizar? Seria a escola e sua estrutura engessada e tradicional a única
“culpada” pela crise no ensino de literatura?
É possível perceber, por meio das respostas dos professores universitários, o
reconhecimento da deficiência na formação que a instituição oferece aos futuros
professores de literatura para a rede básica do município. Apesar de considerarem a
importância de atividades de extensão ligadas ao ensino da disciplina promovidas
pelo ILA, ambos justificam a ineficácia do diálogo entre academia e escola com o
argumento de que os professores do instituto estão sobrecarregados com os demais
compromissos assumidos.
Em ambos os casos subjaz a intenção, provavelmente adquirida com os anos
de experiência docente, de suprir as carências de seus alunos, deixadas pelas aulas
de literatura do ensino médio, que eles avaliam como insuficientes ou de baixa
qualidade. Assim, salientam a relevância do contato com obras canônicas
essenciais, como estratégia para que seus alunos adquiram conhecimentos que os
preparem para trabalhar na área a partir da formação superior, já vislumbrando
cursos de pós-graduação como complementação dos estudos.
Outro aspecto interessante no relato dos professores é o desconhecimento,
por parte de ambos, de dados concretos a respeito do perfil do alunado, o que
poderia facilitar a elaboração de estratégias no sentido de reduzir os índices de
evasão observados empiricamente pelos docentes. Tais dados, embora sejam
disponibilizados pelo ILA quando solicitados, não são, aparentemente, alvo de
discussão do corpo docente em geral, na medida em que tanto M. P. quanto A. M.
afirmam desconhecer estatísticas que embasem suas percepções.
140

A criação de um PIBID para a área da literatura é apontada como uma


alternativa viável para o fomento da comunicação entre escolas da rede básica e
universidade. Os dois professores reconhecem avanços importantes nesse sentido,
observados por eles nas áreas em que o programa já é uma realidade.
Alterações no quadro de sequência lógica (QSL) dos cursos de Letras foram
realizadas em 2013, resultando na reconfiguração de algumas disciplinas e na
criação de outras95 e tendo como um dos objetivos potencializar a relação dos
universitários com os estudos literários e a área da educação. Todavia, em que
pesem os esforços observados, o abismo entre as escolas da rede básica e a
academia ainda é uma realidade a ser enfrentada. Nesse sentido, vale destacar a
reflexão de Roberto Acízelo de Souza:

A formação universitária em Letras sempre esteve fundamentalmente


voltada para a capacitação de professores. No entanto, as disciplinas
que constituem seu currículo, absorvidas por seus conteúdos
conceituais específicos, via de regra, pouco se interessam por
questões ligadas ao ensino. O resultado disso é que as reflexões
teóricas sobre a docência, bem como a própria preparação para a
sua prática, acabam transferidas para a alçada de uma formação
pedagógica geral. (SOUZA, 2008, p. 5)

A estruturação curricular dos cursos de graduação em Letras em disciplinas


isoladas (apesar dos pré-requisitos e da sequência lógica do curso) muitas vezes
resulta em um modelo de educação pautado na transmissão de conhecimentos, em
que o estudante recebe as informações teóricas e comprova o seu aprendizado por
meio de avaliações tradicionais, sem relacionar teoria e prática. Por conseguinte,
apesar de a universidade concentrar seus esforços em oferecer uma formação
teórica sólida e diversificada, não raro o estudante-formando apresenta uma
proposta tradicional de estágio com relação às estratégias metodológicas,
provavelmente inspirado no modelo de aulas das quais fez parte durante a
graduação: aulas conteudistas, frequentemente pautadas na periodização literária,
atividades de verificação que solicitam apenas a identificação das respostas nos
textos-base e aulas exclusivamente expositivas, com pouco espaço para o
protagonismo dos alunos.

95
Entre elas, “Prática de ensino de literatura”, oferecida como disciplina obrigatória a partir do 5º
semestre do curso. Segundo a ementa, a disciplina tem o objetivo de contribuir para a integração do
referencial teórico, crítico e histórico dos estudos literários com a prática pedagógica em Literatura
nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio.
141

Tal proposta, caso seja acolhida pelo professor supervisor, não será de fato
coerente com a formação global96 que o estudante recebeu ao longo do curso,
durante o qual lhe foram apresentadas diferentes possibilidades de abordagem,
incluindo a metodologia de projetos e o uso de tecnologias digitais, devidamente
adaptadas às etapas de desenvolvimento de cada faixa etária e às necessidades
particulares de cada turma.
Via de regra, cada docente supervisor envolve-se com a avaliação de um
contingente muito grande de alunos, o que inviabiliza o acompanhamento ideal da
prática individual de seus supervisionados. O fato de muitos supervisores de estágio
jamais terem sido professores na rede básica é outro elemento prejudicial para o
processo de avaliação dos estagiários.
O fato de Letras ser um curso de preparação para o exercício da docência
(conforme salientam as diretrizes curriculares) é, com frequência, desconsiderado no
contexto de muitas disciplinas, em função, entre outros fatores, da insuficiente
integração entre os docentes das diversas áreas, tendo em vista que muitos nem
sequer estão lotados na mesma unidade acadêmica. Essa fragmentação produz
efeitos prejudiciais à formação dos futuros educadores da educação básica, que, por
sua vez, não serão capazes de preparar futuros calouros condizentes com o perfil do
curso.
Se os professores da graduação denunciam a formação deficitária de seus
alunos, egressos do ensino médio e educados por professores oriundos da mesma
universidade responsável por sua formação profissional, onde reside a raiz do
problema? Ainda, se a formação básica carece de recursos mínimos e o ensino
superior não é capaz de preencher as lacunas deixadas por anos de ensino
medíocre, como resolver essas questões? É possível que, em contato com os
educadores em atividade na rede básica, que agregam a condição de ex-alunos e
de professores, encontremos parte das respostas que buscamos.

96
Tendo em vista os três eixos teóricos que balizam a graduação em Letras: estudos da língua,
estudos literários e formação pedagógica. O que ocorre é que nem sempre existe consenso entre os
docentes a respeito das habilidades necessárias para o aluno formando, apesar de o perfil para o
egresso exigido pela instituição estar disponível a todos na página do instituto.
142

3.5 Quem, afinal, são esses professores? Um diálogo com a educação em


nível básico

Qualquer recorte proposto para esta etapa da pesquisa resultaria insuficiente,


dada a relevância do estudo em todas as instituições de ensino que oferecem o
ensino médio em Rio Grande, entre elas, as redes privada e federal. No entanto, os
prazos inerentes a um trabalho desta natureza delimitaram nosso direcionamento às
escolas da rede pública estadual e a um97 educador de cada instituição. Tais
circunstâncias reforçam a importância do amparo teórico, no sentido de balizar
nossas considerações, conferindo-lhes legitimidade.
Nessa perspectiva, as categorias de análise empregadas evitam qualquer tipo
de homogeneização, diante da realidade plural e heterogênea que se apresenta. Ao
lançarmos mão de termos como “os professores”, “os estudantes”, “as escolas”,
assinalamos a necessidade de sua relativização e apontamos para a importância de
que, a partir das discussões aqui propostas, novos estudos sejam estimulados.
Partindo da premissa de que um professor de literatura deveria ser também
um leitor assíduo de obras ficcionais, o questionário utilizado inclui questões
orientadas no sentido de investigar seus hábitos de leitura e quais obstáculos ele
enfrenta, relacionados à manutenção desse hábito em consonância com sua prática
docente.
Cumpre esclarecer que, para dar início à coleta dos dados, foi realizada visita
à 18ª CRE, que forneceu a relação das escolas que oferecem o ensino médio no
município e autorizou a intervenção envolvendo servidores e estabelecimentos de
ensino. Da mesma forma, foi assegurado aos professores e às escolas o anonimato
na ocasião da divulgação dos dados da pesquisa em textos e eventos de caráter
científico.

97
Com exceção da escola 1, em que dois educadores responderam ao questionário.
143

3.5.1 As escolas e os educadores contemplados na primeira etapa

Quadro 17: Escolas e professores – 1ª etapa

ESCOLA DESCRIÇÃO

Escola situada no centro da cidade. Dois educadores foram entrevistados.


O contato com os educadores foi realizado por e-mail, nos dias 01/06/2013 e
08/07/2013, respectivamente. Os professores enviaram o questionário respondido por
e-mail.

01 Professor 1 – Tem 48 anos e nasceu em Rio Grande. Atua como professor há 20


anos. Possui graduação em Letras pela FURG e especialização em Leitura e
Produção de Texto pela UFPel (Universidade Federal de Pelotas).

Professor 2 – Tem 31 anos e nasceu em Rio Grande. Atua como professor há oito
meses. Possui graduação em Letras pela FURG e atualmente cursa o mestrado em
História da Literatura na mesma instituição.
Escola situada no Balneário Cassino. Única escola que oferece ensino médio no bairro
e arredores.
O contato com o educador foi realizado por e-mail, no dia 25/06/2013.
02
Professor 3 - Tem 42 anos e nasceu em Curitiba. Atua como professor há 15 anos.
Possui graduação em Letras pela FURG e especialização em Literatura
Contemporânea pela UFPel (Universidade Federal de Pelotas).
Escola situada no centro do município.
A visita foi realizada na tarde do dia 26/06/2013. O professor da disciplina respondeu
ao questionário em horário destinado ao cumprimento da hora-atividade98 na sala dos
03 professores. A biblioteca encontrava-se fechada ao público na ocasião da visita.

Professor 4 - Tem 50 anos e nasceu em Rio Grande. Atua como professor há 12


anos. Possui graduação em Letras pela FURG.
Escola situada em bairro da periferia do município.
O contato com o professor foi estabelecido por e-mail, no dia 04/07/2013.
04
Professor 5 - Tem 35 anos e nasceu em Rio Grande. Atua como professor há 17
anos. Possui graduação em Letras pela FURG e especialização em Tecnologias da
Informação e Comunicação na Educação pela mesma instituição.
Escola situada em bairro próximo ao centro da cidade.
A visita foi realizada na tarde do dia 08/07/2013. O professor respondeu ao
questionário durante sua hora-atividade, no espaço da biblioteca (em reforma e
05 fechada ao público).

Professor 6 - Tem 40 anos e nasceu em Canoas - RS. Atua como professor há nove
meses. Possui graduação em Letras pela FURG e pós-graduação em Orientação
Educacional pela UniCESUMAR.
Escola localizada no centro do município.
O contato com o professor foi estabelecido por e-mail, no dia 08/07/2013.
06
Professor 7 - Tem 53 anos e nasceu em Rio Grande. Atua como professor há 26
anos. Possui graduação em Letras pela FURG.

98
Conforme a legislação, o professor tem o direito de cumprir 20% de sua carga horária no ambiente
escolar como “hora-atividade”, isto é, planejando aulas, corrigindo avaliações e em reuniões
pedagógicas.
144

ESCOLA DESCRIÇÃO

Escola situada no Parque Marinha, maior bairro do município, afastado do centro da


cidade.
A visita foi realizada no dia 06/11/13, na secretaria da escola, durante um evento da
escola. A biblioteca encontrava-se fechada ao público na ocasião.
07
Professor 8 - Tem 53 anos e nasceu em Rio Grande. Atua como professor há 20
anos. Possui graduação em Letras pela FURG e especialização em Gestão
Educacional pela UNIVEST e em Tecnologias da Informação e Comunicação na
Educação pela FURG (em andamento).
Escola localizada na periferia do município.
O contato com o professor foi estabelecido por e-mail, no dia 12/11/2013.
08
Professor 9 - Tem 44 anos e nasceu em Rio Grande. Atua como professor há 19
anos. Possui graduação em Letras pela FURG.

Escola situada na Vila da Quinta, bairro distante do centro da cidade.


A visita foi realizada na tarde do dia 12/11/2013, durante intervalo do professor. O
questionário foi respondido na biblioteca, que também funciona como laboratório de
informática. Na ocasião, o espaço encontrava-se ocupado por cerca de quinze alunos,
09
que realizavam atividade de língua portuguesa no turno inverso ao das aulas.

Professor 10 - Tem 46 anos e nasceu em Rio Grande. Atua como professor há 22


anos. Possui graduação em Letras pela FURG.

Escola localizada na periferia do município.


A visita foi realizada na tarde do dia 03/12/2013, durante expediente do professor, que
respondeu às questões enquanto os estudantes realizavam atividades de fixação do
10 conteúdo.

Professor 11 - Tem 25 anos e nasceu em Rio Grande. Atua como professor há um


ano. Possui graduação em Letras pela FURG e especialização em Linguística e Ensino
da Língua Portuguesa pela FURG (em andamento).

Escola localizada em bairro próximo ao centro da cidade.


O contato com foi estabelecido por e-mail, no dia 09/12/2013.
11 Professor 12 - Tem 42 anos e nasceu em Rio Grande. Atua como professor há 17
anos. Possui graduação em Letras pela FURG, mestrado em Educação Brasileira pela
UFPel e doutorado em Educação pela UFPel (em andamento).

Escola da zona rural, cuja localização é a mais distante do centro, mais próxima ao
município de Pelotas, RS.
O contato foi feito em 27/12/2013, por e-mail.
12
Professor 13 - Tem 32 anos e nasceu em Rio Grande. Atua como professor há sete
anos. Possui graduação em Letras pela FURG, mestrado em História da Literatura e
doutorado em História da Literatura (em andamento). Na ocasião, encontrava-se na
França, onde realizava parte de sua pesquisa de tese em regime de bolsa-sanduíche.

Situada em bairro da periferia do município. O contato se deu através de correio


eletrônico em 10/05/2016.

13 Professor 14 - Tem 33 anos e nasceu em Rio Grande. Possui 6 anos de experiência


profissional no magistério estadual e, além da graduação em Letras, possui título de
especialização em Psicopedagogia pela UniCESUMAR. Atualmente está matriculada
no curso de especialização em Linguística e ensino de língua portuguesa, pela FURG.

Fonte: Elaborado pela autora


145

3.5.1.1 Interpretação compreensiva das questões

No questionário aplicado aos 14 educadores da rede estadual, o primeiro


bloco de questões refere-se aos dados pessoais e profissionais dos entrevistados.
Em um segundo momento, as questões abertas dizem respeito às motivações para
a escolha profissional, conceito de literatura, obras de ficção lidas no último ano,
incluindo os critérios para a escolha dessas obras.
No terceiro bloco, as questões são relativas à atividade profissional, incluindo
perguntas fechadas e abertas a respeito do tempo disponível para o planejamento
das aulas, objetivos do trabalho como professor de literatura, critérios para a
elaboração das aulas, relevância social de seu trabalho, lacunas identificadas
durante a formação, obstáculos ao desempenho das atividades, participação em
projetos e avaliação dos momentos de formação continuada oferecidos pelo
governo.
O último bloco é dedicado ao suporte didático/pedagógico e aos projetos para
o futuro profissional. As questões versam sobre a leitura dos PCNs e outros
documentos norteadores, a escolha e utilização (ou não) do livro didático, além dos
projetos e ambições dos contemplados na condição de docentes. Com relação à
relevância de pesquisas que se ocupem do perfil do professor de literatura, Cyana
Leahy-Dios afirma:

Importante é saber quem é a professora de literatura: uma escritora,


uma acadêmica, uma crítica literária, uma educadora revolucionária,
renovadora ou reacionária? Como foi formada para o exercício de
sua função? Qual é a situação da sala de aula de literatura em
relação à escola e ao currículo escolar? Como ela interage interna e
externamente em relação às políticas educacionais e à sociedade em
geral? Quais são seus objetivos em relação ao alunado? (LEAHY-
DIOS, 2000, p. 23)

Nesse sentido, através da construção e análise do perfil de educadores em


atividade no município, pretendemos localizar possíveis lacunas com relação à sua
formação acadêmica e às condições de trabalho que enfrentam diariamente, bem
como observar estratégias teórico-metodológicas bem-sucedidas em sua prática
docente. Nosso objetivo maior, ao pesquisar o ensino de literatura no contexto rio-
grandino, é apontar caminhos e estimular o desenvolvimento de novas propostas de
investigação na área.
146

a) Quanto ao bairro de residência:

Quadro 18: Bairro de residência dos professores – 1ª etapa

Bairro Ocorrências
Centro 2
Cidade Nova (próximo ao centro) 3
Cassino (balneário) 2
Vila da Quinta (muito distante do centro) 2
Junção (afastado do centro) 1
Vila Maria (próximo à FURG) 1
Parque (próximo ao centro) 1
Nossa Senhora dos Navegantes (próximo ao centro) 1
Não informou o endereço 1
Fonte: Elaborado pela autora

Não há uma região específica do município que concentre os locais de


moradia dos professores de literatura contemplados pela pesquisa. Entretanto,
observamos que a maioria vive no perímetro urbano: apenas dois professores são
residentes no Balneário Cassino e outros dois na Vila da Quinta, distrito afastado do
centro da cidade.

b) A sala de aula como espaço feminino:

Dos 14 professores que responderam ao questionário, 11 identificam-se com


o gênero99 feminino. Esse dado permite supor que, atualmente, a maior parte dos
professores de literatura do município do Rio Grande é formada por mulheres. O alto
índice de mulheres atuando na área de literatura corrobora, ainda, a concepção da
carreira docente como uma atividade típica do universo feminino, independente da
área do conhecimento.
De acordo com os indicadores da TALIS (Pesquisa Internacional sobre o
Ensino e Aprendizagem), divulgados em 2014 pelo portal do INEP100, as mulheres

99
Optamos por não incluir a opção “gênero” no questionário, tendo sido utilizado como referência o
nome fornecido livremente pelo educador ou estudante, independente do que consta em sua
documentação civil.
100
Segundo informações do portal do INEP, “A Pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizagem
(Teaching and Learning International Survey – TALIS) coleta dados comparáveis internacionalmente
sobre o ambiente de aprendizagem e as condições de trabalho dos professores nas escolas de
diversos países do mundo, com o objetivo de fornecer informações comparáveis, confiáveis e
atualizadas do ponto de vista dos profissionais nas escolas para ajudar os países a revisar e definir
políticas para o desenvolvimento de uma profissão docente de alta qualidade”. Disponível em:
<http://download.inep.gov.br/acoes_internacionais/pesquisa_talis/2013/talis2013_relatorio_brasil.pdf>.
147

correspondem a 71% do total de educadores brasileiros. O percentual é semelhante


ao da média dos 34 países pesquisados, de 68%. Devido à importância das
questões de gênero para a discussão de temas ligados à educação no Brasil,
acreditamos ser relevante uma pequena digressão histórica.
Durante todo o século XX o magistério assumiu gradativamente um caráter
feminino, sobretudo na educação básica brasileira. Sob tutela do Estado, a docência
exercida por mulheres teve início no século XIX, ligada à ampliação do ensino
primário. Assim, na década de 1930 as mulheres já eram maioria absoluta entre os
educadores no país. Segundo Cláudia Pereira Vianna (2001), o censo de 1920
indicava que as mulheres representavam 72,5% do professorado do ensino primário
e 65% no total de todos os níveis.
Evidentemente, a tomada de decisão sobre o futuro profissional abrange um
conjunto de fatores que ultrapassam a livre vontade do indivíduo. E, no caso da
docência, tal escolha envolve diferentes motivações, de natureza histórica e social.
Nesse sentido, Lourenço Filho afiança:

O que há, em relação à escolha da profissão é o resultado da


formação social. Ideias, hábitos mentais longamente firmados desde
a infância; tradições da família; influência direta dos nossos primeiros
mestres que tomamos como modelo; modificações de melhoria
econômica da profissão – tudo isso pode agir isoladamente ou em
conjunto, num determinado momento. (LOURENÇO FILHO, 2001, p.
17).

A atividade, que no país havia sido inaugurada pelos padres jesuítas e


contava em seus primórdios com quantidade expressiva de professores homens,
com o passar dos anos se consolidaria como tarefa feminina. Essa alteração de
gênero está relacionada ao processo de urbanização e industrialização do Brasil,
que amealhou o contingente masculino de operários para novas oportunidades,
quase sempre mais rentáveis.
Não obstante, a feminização do magistério – ainda hoje – sofre as
consequências de uma cultura que associa o fazer profissional da professora a uma
espécie de “dom” ou “missão” a ser cumprida por sujeitos especialmente nascidos
para tal. Sob esse prisma, remuneração e reconhecimento social restam em
segundo plano, diante da força do suposto conceito de vocação. A docência
enquanto “chamado” assemelha-se, assim, à maternidade, função primeira
associada à condição feminina.
148

Obviamente, representações sociais ligadas ao masculino e ao feminino são


construções históricas, segundo padrões simbólicos de cada ambiente cultural, e
submetidas às crenças, normas, instituições, relações de poder e subjetividades de
cada sociedade humana. No contexto cultural brasileiro, a associação da docência
ao universo feminino também resultou em uma concepção das trabalhadoras em
educação como pessoas dóceis, conciliadoras, dedicadas e pouco adeptas às
reivindicações, em alusão ao papel da mãe (LOURO, 1997, p. 450). Essa
combinação de fatores justificou a progressiva saída dos homens do ensino primário,
restringindo sua atuação aos níveis secundário e superior. De acordo com Vianna:

O processo de feminização do magistério associa-se às péssimas


condições de trabalho, ao rebaixamento salarial e à estratificação
sexual da carreira docente, assim como à reprodução de
estereótipos por parte da escola. Soma-se a elas a estratificação
sexual, geradora de guetos sexuais na carreira. A educação infantil
arregimenta mais de 90% de educadoras, enquanto no ensino
superior as mulheres ainda são minoria. (VIANNA, 2001, p.12)

Até boa parte do século XIX, o lugar social da mulher estava circunscrito ao
espaço privado101 da casa (ou social, no caso da igreja), enquanto aos maridos
cabia atuar na esfera pública. A partir de 1827, através do decreto imperial de 15 de
outubro, que previa a criação de escolas e a regulamentação do ensino básico por
parte do governo, as mulheres adquiriram o direito de assistir e ministrar aulas. No
entanto, elas só eram admitidas como funcionárias em escolas primárias e não era
permitido que lecionassem geometria, disciplina reservada aos senhores, e que
correspondia a um dos critérios para estipular o salário dos educadores no país. E
não foi sem resistência que as professoras ocuparam os espaços antes dominados
pelos homens. Muitos afirmavam ser perigoso entregar a educação de crianças e
jovens “às mulheres, usualmente despreparadas, portadoras de cérebros pouco
desenvolvidos pelo seu desuso” (LOURO, 1997, p. 450).
Outro fator relevante para que o magistério fosse progressivamente associado
ao universo feminino era a possibilidade de ser um emprego de “meio turno”, o que
garantiria que as esposas e mães continuassem sua jornada de trabalho em casa,
preservando os cuidados dispensados ao marido e filhos. Em contrapartida, para
muitas delas a carreira docente significava escapar, ainda que não plenamente, de

101
No caso específico das famílias abastadas ou de classe média. Nas famílias mais pobres as
mulheres ajudavam os maridos nas atividades fora de casa. (LOURO, 1997, p. 444)
149

trabalhos mais árduos, como os das parteiras ou lavadeiras, no caso das moças de
origem humilde.
Segundo Guacira Louro, “a professora terá de ser produzida, então, em meio a
aparentes paradoxos, já que ela deve ser, ao mesmo tempo, dirigida e dirigente,
profissional competente e mãe espiritual, disciplinada e disciplinadora” (LOURO, 1997,
p. 454). No Brasil de então, a educadora ideal deveria portar-se com boa conduta e,
nesse sentido, os aspectos morais contavam mais que a sua capacitação profissional.
Com o passar do tempo, e à medida em que o cientificismo adquiria mais
adeptos, uma nova representação da professora passou a vigorar. O título de
normalista foi substituído pelo de “educadora”, ou “profissional do ensino”. Ao final
da década de 1960 tornava-se ainda mais significativo o processo de
profissionalização do magistério, através de legislação ampla e minuciosa (LDBs de
1961 e de 1971). Igualmente, consolidava-se a proletarização da carreira docente,
marcada pela queda de salários e a associação da professora com o trabalhador
fabril, unidos pela distância que ocupavam dos detentores dos meios de produção.
Essa associação também deu origem a uma categoria de professores militantes e
sindicalizados, protagonizando lutas por melhores rendimentos e condições
adequadas de trabalho.
A desvalorização social da carreira docente, resultante, entre outros fatores,
da ampliação do ensino público em meados dos anos 1970, fez com que cada vez
menos homens demonstrassem interesse em seguir a profissão. Além disso, os
baixos salários tornaram-se insuficientes para garantir o sustento de suas famílias.
Esses professores passaram, então, a migrar para o ensino superior ou para outras
atividades, abandonando gradativamente os cursos de licenciatura.
Assim, apesar de, atualmente, muitos homens optarem por cursos de
formação de professores, e de as relações de gênero sofrerem um constante
processo de desconstrução e reconfiguração, as mulheres ainda são a maioria dos
profissionais na educação básica brasileira, conforme apontam pesquisas recentes.
Se hoje não basta apenas “ter jeito com crianças” ou assumir a atividade como
“missão”, a profissionalização da carreira docente ainda é permeada por questões
históricas e culturais que a identificam como prioritariamente feminina.
150

c) Maioria de rio-grandinos

Quanto ao local de nascimento, 11 professores são rio-grandinos, dois são


oriundos de Canoas – RS e um de Curitiba – PR. Assim, o grupo é formado por uma
maioria de educadores locais, conhecedores da realidade do município e ligados à
região. Todos os professores são oriundos da região Sul do país e, portanto,
partilham determinadas influências culturais entre si.

d) Faixa etária e tempo de atuação profissional

Com relação à faixa etária dos professores, cinco têm entre 25 e 35 anos,
seis têm entre 40 e 48 anos e três têm de 50 a 53 anos. São, portanto, educadores
maduros em sua maioria, informação que, agregada ao tempo de atuação
profissional, poderá auxiliar na tessitura de seu perfil médio. Quanto ao tempo de
serviço, temos:

Quadro 19: Tempo de serviço dos professores – 1ª etapa


De 8 meses a 1 ano 3 professores
De 6 a 12 anos 3 professores

De 15 a 20 anos 6 professores

De 22 a 26 anos 2 professores

Fonte: Elaborado pela autora

A maior parte dos educadores encontra-se na segunda metade da carreira,


considerando as condições especiais de aposentadoria para docentes da educação
básica. Em geral, a idade corresponde ao tempo de serviço, o que permite inferir
que começaram a trabalhar ainda jovens e permaneceram atuando na área de sua
formação acadêmica original.

e) Quanto à opção pelo curso de Letras:

Quando questionados a respeito de sua primeira opção no vestibular/ENEM,


as respostas foram as seguintes:
151

Quadro 20: Primeira opção de graduação dos professores – 1ª etapa


Primeira opção de graduação no vestibular ou ENEM Educadores

Letras 10

Medicina 1

Direito 1

Psicologia 1

Engenharia de Computação 1

Fonte: Elaborado pela autora

Dos 14 educadores, 10 afirmaram ter escolhido o curso de Letras como


primeira opção de graduação, o que demonstra que somente em poucos casos
houve uma espécie de adaptação “forçada” à carreira. A grande maioria garante ter
cursado Letras por escolha profissional e não como uma alternativa secundária, pelo
menos na ocasião do exame vestibular/ENEM, desconsiderando aspirações
anteriores ou posteriores.

f) Formação acadêmica e motivação para a escolha profissional

A respeito da formação acadêmica, 13 educadores concluíram a graduação


em Letras na FURG e um na UFPel102. O curso de licenciatura de praticamente
todos os professores contemplados foi realizado na mesma instituição, o que
permite supor que determinadas situações acadêmicas vivenciadas por eles possam
apresentar semelhanças, que irão culminar em metodologias de ensino e opções
teóricas igualmente similares.
Com relação à pós-graduação, 10 professores cursaram ou estão
matriculados em cursos de especialização, mestrado ou doutorado. Essa procura
por cursos de pós-graduação vem crescendo103 significativamente entre os docentes

102
Universidade Federal de Pelotas, município vizinho do Rio Grande, localizado a 54km de distância.
103
De acordo com matéria publicada no jornal Folha de São Paulo, tomando como referência dados
fornecidos pelo MEC, “Do total de 2,1 milhões de professores em sala de aula nas escolas do país,
682,3 mil retomaram os estudos após concluir a graduação. Hoje, três de cada dez docentes das
redes pública e privada fizeram especialização, mestrado ou doutorado. Até 2024, a meta é chegar a
50%, como prevê o PNE (Plano Nacional de Educação)”. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/
educacao/2015/05/1627427-mec-quer-acelerar-expansao-de-pos-entre-docentes-da-educacao-
basica.shtml>. Acesso em: out. 2015.
152

da rede básica nas últimas décadas. Apesar da ínfima gratificação oferecida pelo
governo do estado104, os educadores seguem em busca de aperfeiçoamento e
formação complementar. Dos 10 professores com título de pós-graduação, quatro
concluíram cursos pertencentes à área da literatura ou leitura, ao passo que outros
cinco optaram por cursos vinculados à educação ou linguística do português. Dois
dos contemplados pela pesquisa são estudantes de curso de especialização na área
de Linguística da Língua Portuguesa.
Assim, dos 14 professores, apenas quatro possuem titulação em nível de pós-
graduação relacionada aos estudos literários, o que pode indicar que essa não tenha
sido a primeira opção de atuação profissional da maioria na grande área de Letras.
É provável que alguns tenham sido “levados” a lecionar literatura, como no caso da
professora 1 que, segundo relato105, começou a trabalhar com a disciplina, mesmo
tendo sido aprovada em concurso para a área de língua portuguesa, em função de
demandas da escola.
No que tange às razões que motivaram a escolha pelo curso de Letras e,
consequentemente, a carreira profissional, temos:

Quadro 21: Escolha profissional dos professores – 1ª etapa

Professor Razões que o(a) levaram a cursar Letras

1 Gosto pela leitura/vocação para o magistério


2 Gosto pela leitura/conhecer melhor a estrutura do idioma
3 Para escrever corretamente, conhecer o significado das palavras
4 Gosto pela leitura/produção textual
5 Por gostar da área de linguagens
6 Procurava uma graduação em língua estrangeira
7 Embora tenha sido a segunda opção, começou a se identificar durante o curso.
8 Gosto pela leitura e a escrita
9 Por ser a licenciatura mais adequada a seu perfil
10 Por ser um curso noturno e por problemas particulares
11 Embora tenha sido a segunda opção, começou a se identificar durante o curso.
12 Gosto pela leitura.
13 Gosto pela leitura.
14 Não foi uma escolha avaliada para o futuro. Desde muito nova tinha um sonho,
o de ser graduada, de um dia ser diferente da maioria dos meus colegas que se
perdiam para a marginalidade e/ou para a vida adulta precoce, assim, a escolha
do curso teve esse propósito.
Fonte: Elaborado pela autora

104
Dez por cento de acréscimo sobre o vencimento básico.
105
Em conversa inicial durante a visita da pesquisadora, devidamente registrada, momentos antes de
começar a responder ao questionário.
153

Seis educadores atribuem ao gosto pela leitura a principal motivação de sua


escolha. Dois afirmaram ter cursado Letras para aprofundar seus conhecimentos do
idioma materno e outros dois para incrementar sua produção textual. Por seu turno,
um educador se considera “vocacionado” para a carreira, enquanto outro afirma ter
cursado Letras apenas por ser a única maneira de graduar-se em uma língua
estrangeira106. Outro professor respondeu que sua escolha está relacionada ao
gosto pela área de linguagens de modo geral, enquanto o último afirma que a
graduação significou principalmente a oportunidade de mudança de vida.
Em contrapartida, três educadores admitem ter cursado Letras sem ter sido
essa a sua escolha inicial. No caso do primeiro, foi aprovado em Letras como
segunda opção no antigo vestibular107; o segundo, por entender ser uma licenciatura
o tipo de curso que melhor se adaptava a seu perfil pessoal; o terceiro, por ser um
curso noturno, além de alegar “problemas particulares” que o teriam conduzido à área.
A justificativa para a escolha do curso que contempla a metade dos
entrevistados está ligada ao gosto pela leitura, seguido do anseio de estudar língua
portuguesa e melhorar a capacidade de produção textual. Nesse sentido, cabe
ressaltar que, embora seja condição fundamental para um mediador competente, o
gosto pessoal pela leitura de ficção não produz, necessariamente, educadores com
motivação para formar alunos leitores.

g) Quanto ao conceito de literatura

Quando questionados a respeito do conceito de literatura, as respostas


obtidas foram as seguintes:

106
Na FURG os cursos de Letras na modalidade presencial incluem, obrigatoriamente, a formação
em língua portuguesa e literatura brasileira. Não há cursos exclusivos de língua estrangeira na
instituição.
107
Assim como no Enem, no vestibular da FURG era permitido escolher uma segunda opção de
curso. Conforme o número de vagas restantes, o candidato poderia não ser aprovado na primeira
opção e sim na segunda.
154

Quadro 22: Conceito de literatura dos professores – 1ª etapa

Professor Conceito de literatura

1 Forma de expressão através da palavra.


2 Forma de expressar o mundo, ideias e sentimentos.
3 Produção artística
4 Produção artística através da palavra que desperta a imaginação, a fantasia e
extravasa sentimentos.
5 Forma de expressão através da palavra e que representa o pensamento humano de
forma criativa.
6 “Um modo de enxergar o mundo de outro modo”.
7 É a transfiguração do real, a realidade recriada pelo artista e retransmitida através da
língua.
8 Forma de expressão artística através da palavra.
9 Leitura, observação, crítica, análise pessoal, descoberta de novos mundos.
10 Recriação da realidade através da palavra em seu sentido poético.
11 Processo de intercomunicação, oportunidade de vivenciar de forma ficcional
momentos de verossimilhança.
12 Forma de expressão artística.
13 Forma de expressão artística através da palavra.
14 Literatura não é uma fuga da realidade, como muitos teimam em falar, mas uma outra
forma de proximidade com a realidade, realidade aquela que, muitas vezes, só
encontra a literatura como válvula de escape.
Fonte: Elaborado pela autora

Novamente trata-se de uma questão aberta, cujas respostas abrangem uma


série de conceitos combinados entre si. A ideia de cada educador está expressa no
quadro acima e, de modo a dinamizar a compreensão, as recorrências foram as
seguintes:
 Literatura como forma de expressão: seis ocorrências;
 Literatura como forma de expressão/produção artística: cinco ocorrências;
 Literatura como forma de expressão/produção através da palavra: seis
ocorrências;
 Literatura como recriação da realidade: três ocorrências;

Conceitos que aparecem uma única vez:

 Literatura como “modo de enxergar o mundo de outro modo”.


 Literatura como “leitura, observação, crítica, análise pessoal, descoberta de
novos mundos”.
 Literatura como “processo de intercomunicação, oportunidade de vivenciar de
forma ficcional, momentos de verossimilhança”.
As respostas mais frequentes conceituam literatura como “forma de
expressão” ou “produção artística” que se utiliza da palavra como procedimento para
155

sua realização. Temos aqui, portanto, a ênfase na ideia de literatura como arte e
expressão humana através da linguagem verbal. Chama a atenção nas respostas
dos educadores a consciência do componente artístico da literatura, em detrimento
de conceitos que associem o texto literário meramente ao patrimônio histórico e
cultural brasileiro.
Entretanto, nenhum professor optou por relativizar o conceito, considerando
aspectos sincrônicos e diacrônicos que o envolvem. Quanto a isso, os próprios
PCNEM advertem: “Se os conceitos são dotados de historicidade e fazem parte de
uma história concreta, uma visão estática dos mesmos tende a ignorar aspectos por
vezes fundamentais de seu desenvolvimento e de sua aplicabilidade atual”.
(BRASIL, 2000, p. 31)

h) Livros lidos no último ano:

No tocante às obras de ficção lidas pelos professores no ano anterior à


pesquisa, as respostas obtidas foram as seguintes:

Quadro 23: Livros lidos no último ano pelos professores – 1ª etapa


Professor Livros lidos no ano anterior à pesquisa108

1 Dom Casmurro, O cortiço

2 Dom Casmurro, Memórias póstumas de Brás Cubas, O grande mentecapto

3 Doidas e santas, A falecida

4 Nicolas Sparks, Zíbia Gasparetto e Moacyr Scliar (sem citar as obras)

5 O colecionador de lágrimas, Fortaleza digital, A garota da capa vermelha e

108
Obras mencionadas com autor: Dom Casmurro (Machado de Assis), O cortiço (Aluísio de
Azevedo), Memórias póstumas de Brás Cubas (Machado de Assis), O grande mentecapto (Fernando
Sabino), Doidas e santas (Martha Medeiros), A falecida (Nelson Rodrigues), O colecionador de
lágrimas (Augusto Cury), Fortaleza digital (Dan Brown), A garota da capa vermelha (Sarah Blakey),
Amanhecer (Stephenie Meyer), O símbolo perdido (Dan Brown), Cidade do sol (Khaled Hosseini), O
caçador de pipas (Khaled Hosseini), Honoráveis bandidos (Palmério Dória), O mundo pós-aniversário
(Lionel Shiriver), O Terceiro Reich (Roberto Bolaño), A elegância do ouriço (Muriel Barbery), Trem
noturno para Lisboa (Pascal Mercier), A confissão da leoa (Mia Couto), A ausência que seremos
(Héctor Habad), O amor, as mulheres e a vida (Mário Benedetti), Os dias lindos (Carlos Drummond
de Andrade), Amor (Isabel Allende), A travessia (William Young), Memória de minhas putas tristes
(Gabriel García Márquez), Ensaio sobre a lucidez (José Saramago), João Cândido, o almirante negro
(Alcy Cheuiche), Macunaíma (Mário de Andrade), Ana Terra (Erico Verissimo), Água viva (Clarice
Lispector), Duas iguais (Cíntia Moscovitch), A noite das mulheres cantoras (Lídia Jorge), Cães da
província (Luiz Antonio de Assis Brasil), A insustentável leveza do ser (Milan Kundera), Amerika
(Franz Kafka), Figura na sombra (Luiz Antonio de Assis Brasil), O diário de Anne Frank (Otto Frank e
Mirjam Pressler, org.), Ninguém transa às terças-feiras (Tracy Bloom) e Charlie Brown e seus amigos
(Charles M. Shulz).
156

Amanhecer

6 O símbolo perdido, Cidade do sol, O caçador de pipas e Honoráveis bandidos

7 O mundo pós-aniversário, O Terceiro Reich, A elegância do ouriço, Trem


noturno para Lisboa, A confissão da leoa, A ausência que seremos, O amor,
as mulheres e a vida, Os dias lindos e Amor
8 A travessia, Memória de minhas putas tristes e Ensaio sobre a lucidez

10

11 Clássicos da literatura e livro de poesia (sem citar as obras)

12 João Cândido, o almirante negro, Macunaíma, Ana Terra, Água viva, Duas
iguais, A noite das mulheres cantoras e Cães da província
13 A insustentável leveza do ser, Amerika e Figura na sombra

14 O diário de Anne Frank, Ninguém transa às terças-feiras e Charlie Brown e


seus amigos
Fonte: Elaborado pela autora

Com relação às obras nomeadas pelos educadores:

 10 títulos são romances da literatura nacional e outros 11 são romances


clássicos estrangeiros;
 Por sua vez, 10 best-sellers (apenas um brasileiro) foram citados pelos
professores, enquanto gêneros como poesia, romance biográfico, crônicas,
literatura espírita e teatro não foram mencionados mais que duas vezes;
 Apenas um livro de histórias em quadrinhos foi mencionado;
 Quanto aos autores, Machado de Assis, Luiz Antonio de Assis Brasil, Dan
Brown e Khaled Hosseini (os dois últimos, autores de best-sellers) tiveram
duas obras lidas cada um;
 Dom Casmurro foi o único livro mencionado mais de uma vez como leitura
realizada;
 Dois professores de literatura afirmaram não ter lido nenhuma obra de ficção
no ano anterior à pesquisa;
 Outros dois educadores não nomearam as obras lidas: o primeiro optou por
mencionar três nomes de autores e outro se limitou a identificar os gêneros
“clássico da literatura” e “livro de poesia”, sem especificar o número de obras
lidas ou seus autores.

Cabe destacar a quantidade expressiva de romances best-sellers


estrangeiros entre as leituras realizadas pelos professores de literatura, ao passo
que a lírica foi mencionada apenas duas vezes e o teatro somente uma vez. A
respeito da relação entre o trabalho com a poesia em sala de aula e a formação dos
professores, é interessante o que afirma Christina Carvalho:
157

O consenso geral sabe que trabalhar com o poema em sala de aula,


como texto a ser lido, debatido, analisado, vivido, implica um
professor, por sua condição de mediador da leitura, constantemente
atualizado em relação à produção lírica – o que envolve contato
direto com novas publicações e novos autores, além de uma
bagagem sólida em relação à poesia universal –, e com boa e
diversificada fundamentação teórica, que lhe permita elaborar
metodologias de trabalho com o texto lírico que respeitem sua
natureza em lugar de forçá-lo a preencher formatos teóricos. Por
outro lado, é importante que o professor tenha constante disposição
para, neste mundo globalizado e informatizado, estabelecer diálogos
entre o poema e outras linguagens. Nesse sentido, dadas as
precariedades no âmbito das práticas de leitura observadas em
nosso país, o poema perde seu potencial como texto sedutor, que
deslumbra, comove e faz pensar, para se tornar quase um entrave
na rotina escolar e mesmo na universitária. (CARVALHO, 2014, p.
335-336)

Nesse contexto, como esperar que os educadores proponham atividades de


qualidade envolvendo poesia, se a maior parte de suas leituras concentra-se na
narrativa? Conforme Carvalho (2014), há uma relação direta entre os conhecimentos
e preferências dos mediadores e sua atuação profissional. Fato é que a literatura
comercial concorre pari passu com os clássicos nacionais e estrangeiros entre as
escolhas dos professores, na ocasião em que responderam ao questionário. Esse
dado reitera a necessidade de reflexão sobre o recorte canônico que a escola reproduz.
O cânone109 escolar, geralmente composto por obras modelares da literatura
nacional, promove, ainda que indiretamente, a exclusão da produção literária de
diversos setores sociais: mulheres, negros, LGBTT, entre outros grupos. Além disso,
desconsidera as leituras realizadas por alunos e professores que, porventura, não
atendam às categorizações preestabelecidas. Entretanto, o cânone (assim como o
conteúdo programático) não é algo dado, mas uma construção histórica e social, que
pode e deve ser reeditada, questionada e repensada a qualquer momento e de
acordo com cada situação. Para Jaime Ginzburg,

Entre as exclusões convencionalmente operadas, o cânone brasileiro


é marcado pela ausência, por exemplo, do cordel, da tradição oral,
dos registros indígenas. Pesquisadores ligados ao feminismo, às
etnias e a grupos sociais marginalizados têm procurado indicar
lacunas e reverter critérios de valor consolidados. (GINZBURG,
2012, p. 22)

109
Entendemos como “cânone” o conjunto de obras e autores considerados indispensáveis para que
se conheça a história literária de um determinado tempo e espaço. Essa relação de obras é,
necessariamente, legitimada pela crítica literária e difundida pela academia.
158

No entanto, não se trata de defender a negação do trabalho com obras


clássicas. Ao contrário: as obras consideradas canônicas compartilham entre si um
conjunto de elementos que, em função de seu potencial estético, ou por sua
relevância histórica e cultural, justificam sua leitura por professores – especialmente
os de literatura – e estudantes.
Para Rildo Cosson, apesar dos preconceitos a que é submetido e de suas
contradições internas, o trabalho com o cânone é necessário, já que abriga “parte da
nossa cultura e não há maneira de se atingir a maturidade de leitor sem dialogar com essa
herança, seja para recusá-la, seja para ampliá-la” (COSSON, 2006, p. 34). Em linhas gerais,
é necessário relativizar a resistência ao cânone, mas é igualmente imprescindível considerar
que sejam feitos novos recortes, para que a relação de obras atenda às demandas da
realidade sociocultural de mediadores e estudantes.
Nesse sentido, Luciano Amaral Oliveira (2014) argumenta que seguir o
programa de conteúdos apenas com base em aspectos históricos pode forçar os
estudantes a lerem obras que exigem certo grau de maturidade que eles, muitas
vezes, não possuem. Dessa forma, obras consagradas e inegavelmente
representativas da literatura nacional, como Dom Casmurro ou Memórias póstumas
de Brás Cubas, podem ser lidas nos primeiros anos do ensino médio, sob o risco de
que os estudantes não sejam capazes de perceber recursos sofisticados como a fina
ironia machadiana ou a crítica aos costumes sociais de seu tempo. Oliveira reforça,
ainda, a importância da mediação do professor, evitando que os alunos acabem
desmotivados diante da complexidade inerente a determinados títulos.
Sob esse prisma, Cosson (2006) identifica pelo menos três formas de seleção
de obras para a leitura na escola: 1) a que simplesmente segue o cânone, sem
questioná-lo; 2) a que defende a contemporaneidade como critério, e 3) a que
defende a pluralidade e a diversidade de autores, obras e gêneros. Ele acredita que,
no caso específico do ensino de literatura na escola, uma combinação equilibrada
das três formas é o ideal. Mas, para que possam avaliar e eleger uma metodologia
de trabalho com seus estudantes, os educadores devem, necessariamente, ser
leitores.

i) Quanto ao critério para a escolha das obras de ficção:


159

Para escolher suas leituras os professores habitualmente consideram os


seguintes critérios (foi permitido a cada professor eleger mais de um critério):

 Enredo/temática: 5 ocorrências;
 Técnica de construção textual/forma: 9 ocorrências;
 Momento da vida em que leu: 2 ocorrências.
No caso específico dos professores envolvidos na pesquisa, a maioria afirmou
selecionar suas leituras particulares com base nos aspectos intrínsecos ao texto,
envolvendo elementos estéticos, técnicas de construção narrativa ou estilo. Por sua
vez, o enredo ou a temática influenciam as escolhas de 5 entre os 13 educadores. O
item “momento da vida em que leu” teria influenciado a escolha de apenas duas
pessoas. Esse dado, se confrontado com os títulos elencados como leituras
realizadas, torna-se questionável: se, entre as obras lidas, encontra-se uma
quantidade expressiva de best-sellers e romances de construção tradicional, seria
de fato a natureza formal dos textos o principal critério para a escolha de leituras de
ficção entre os educadores?
A ênfase dada pelos professores à forma como principal critério para a
escolha de suas leituras particulares – em claro descompasso com os títulos citados
por eles como lidos – evidencia a necessidade de reprodução de um discurso
academicamente legitimado, associado à noção de valor que determinadas obras
assumem com relação a outras. Ao manifestar interesse especial pelos aspectos
formais, os educadores aproximam sua fala àquela dos “críticos literários”, ou dos
“habilitados” a reconhecer o valor de uma obra. Para Jaime Ginzburg, uma das
estratégias utilizadas nesse caso é

Afirmar que o valor de uma obra é inteiramente inerente a ela. Valor


então seria uma substância, não uma atribuição; um dado a priori,
não uma construção histórica. Bons leitores o reconhecem, leitores
fracos nada veem. Essa perspectiva comum não é apenas arrogante
intelectualmente, ela é francamente autoritária. O valor considerado
inerente à obra consiste em capital intelectual, indicador de
relevância e prestígio de quem o reconhece. (GINZBURG, 2012, p.
43)

Em diálogo com Ginzburg, é razoável afirmar que o posicionamento teórico de


determinados intelectuais e representantes da academia, enquanto instituição
formadora, é capaz de influenciar substancialmente a maneira como irão conduzir
160

seus cursos de literatura na universidade. Como consequência, educadores


formados sob as mesmas bases, ainda que não reproduzam em seu cotidiano as
premissas internalizadas em sua formação, tendem a formular seu discurso sobre a
literatura mimetizando a opinião que acreditam ser hegemônica.

j) Disponibilidade de tempo para o planejamento das aulas:

Todos os professores responderam que sua disponibilidade de tempo para


planejar aulas e tarefas é parcial. As outras atividades exercidas são as seguintes:

Quadro 24: Disponibilidade de tempo para o planejamento das aulas


Atividade Quantidade de professores que exercem
Aulas de língua portuguesa 9
Aulas de língua estrangeira 2
Outros projetos 2
Aulas de literatura em outra escola 1
Fonte: Elaborado pela autora

A maior parte dos professores contemplados também leciona língua


portuguesa em escolas de nível básico. É relativamente comum que um único
professor ministre aulas de literatura e língua portuguesa às mesmas turmas,
utilizando, com frequência, o mesmo livro didático para as duas disciplinas, em
formato integrado. O fato de muitos professores de literatura atuarem em outras
disciplinas acaba por restringir o tempo de contato com material específico da área,
o que dificulta o aprimoramento e a reciclagem com relação à teoria literária e
abordagens alternativas da história tradicional da literatura.
Outro problema comum nesses casos é a dificuldade do professor em
distinguir com clareza os objetivos do trabalho com a literatura e com a língua
portuguesa. Não raro, professores que lecionam as duas disciplinas utilizam
fragmentos de obras de ficção como pretexto para abordar questões gramaticais,
conforme alertava Lajolo (2003). A carga horária de língua portuguesa (4-5
horas/aula semanais) é significativamente maior que a de literatura (1 hora/aula
semanal), o que faz com que muitos profissionais priorizem o trabalho com aspectos
estruturais da língua – mesmo nas aulas de literatura – em detrimento de elementos
estéticos.
161

k) Principais objetivos do trabalho como professor de literatura:

Conhecer as intenções dos educadores envolvidos auxilia na compreensão


de suas opções teórico-metodológicas. Os objetivos orientam a escolha dos critérios
para o planejamento das aulas, item a ser discutido na sequência. A partir das
respostas levantadas, vemos que são raros os casos em que o professor elenca
apenas um propósito para o seu trabalho; na maioria das vezes, dois ou mais
objetivos são combinados pelo mesmo educador. Dada a semelhança entre as
respostas, os objetivos foram agrupados da seguinte maneira:

Quadro 25: Objetivos do ensino de literatura dos professores – 1ª etapa


Objetivos do ensino de literatura Ocorrências das respostas

Despertar o gosto pela leitura 8 respostas


Compreender a literatura como parte da história brasileira/ 3 respostas
relacionar períodos literários à história nacional
Despertar a consciência da importância da leitura 1 resposta
Incentivar a leitura e o senso crítico a respeito da obra e dos 2 respostas
temas apresentados
Fonte: elaborado pela autora

Para a grande maioria dos professores entrevistados, o ensino de literatura


associa-se ao objetivo de incentivar o gosto pela leitura, o prazer do contato com o
texto literário. Essa posição revela educadores preocupados com a formação de
leitores, bem como com o despertar para uma sensibilidade artística e estética. A
postura dos educadores permite supor que privilegiam em suas aulas (ou o fariam,
se as condições assim permitissem) o tempo para a leitura de ficção, em detrimento
de exposições a respeito de períodos literários.
Em segundo lugar, temos o ensino de literatura em sua condição de
patrimônio, associado à herança cultural brasileira, e como meio para que se tenha
acesso à história nacional, através da relação entre as obras de diferentes períodos
literários e seus respectivos contextos de produção. Outras respostas apontam para
a necessidade de apurar o senso crítico do alunado com relação às leituras
realizadas. Assim, dos 14 professores contemplados, apenas três relataram
162

objetivos que não se relacionam diretamente com a importância de incentivar o


hábito e a reflexão acerca da leitura como finalidade para o seu trabalho.
l) Critérios para a elaboração das aulas:

Entre os principais critérios adotados para o planejamento de suas aulas, os


educadores elencaram:

Quadro 26: Critérios para elaboração das aulas dos professores – 1ª etapa
Critérios para elaboração das aulas Respostas

Interesse/realidade dos alunos 6 respostas


Aulas que cumpram o conteúdo programático da disciplina 4 respostas
Aulas que cumpram o conteúdo de modo adaptado 2 respostas
Preparação para o ENEM 1 resposta
Trabalho com blogs, recitais, teatro e outras linguagens 1 resposta
Aulas que estimulem a criatividade dos alunos 1 resposta
Aulas que despertem o senso crítico dos estudantes 1 resposta
Aulas em que o professor sugere leituras, fornece orientações sobre as obras e 1 resposta
promove interação dos alunos com relação às suas leituras
Fonte: elaborado pela autora

A maioria afirma elaborar suas aulas com base nos interesses de seus
estudantes, a partir de momentos de diálogo em que são feitas sugestões de temas
e obras. O conteúdo programático é o segundo fator elencado como critério para o
planejamento das aulas, ainda que adaptado em alguns casos. A preparação para o
ENEM é mencionada em somente uma resposta dos professores pesquisados, o
que indica que a extinção das listas de leituras obrigatórias para os vestibulares
desvinculou o trabalho do professor de ensino médio da finalidade única de
preparação para o exame de admissão para cursos superiores. De acordo com as
respostas obtidas, a utilização de recursos como a produção coletiva de blogs,
recitais, material audiovisual, teatro e outras ferramentas alternativas de
aprendizagem como critério para elaboração das aulas, embora mencionada, ainda
é restrita.
163

m) Relevância do trabalho com o ensino de literatura:

A respeito da relevância social do trabalho voltado para o ensino de literatura,


os educadores responderam110:

Quadro 27: Relevância do ensino de literatura dos professores – 1ª etapa

Relevância do ensino de literatura Respostas


Para formar cidadãos leitores e bons profissionais 4 respostas
Por incentivar a busca por ideais/ampliar o horizonte cultural/crescimento pessoal 4 respostas
Por ensinar fatos e acontecimentos da história humana, bem como ideias e 1 resposta
pensamentos
Porque a leitura é a base de qualquer aprendizado 1 resposta
É relevante como qualquer outra área do conhecimento 1 resposta
Para preencher lacunas culturais 1 resposta
Por apresentar aos alunos as diferentes formas de escrita/leitura e quão política e 1 resposta
social a literatura é.
Fonte: elaborado pela autora

Segundo os sujeitos desta fase da pesquisa, a formação de cidadãos leitores


e de bons profissionais, além da ampliação de conhecimentos e dos horizontes
culturais dos estudantes, são os principais aspectos que tornam socialmente
relevante o trabalho do professor de literatura. Novamente, formar leitores críticos
aparece como um dos principais objetivos, o que sublinha a importância de que
sejam oportunizadas situações de contato direto e em condições adequadas com o
texto literário em ambiente escolar.

n) Lacunas identificadas na formação acadêmica:

As lacunas deixadas pela formação acadêmica, segundo os educadores,


indicam falhas no aspecto didático-metodológico, evidenciando uma considerável
distância entre a formação universitária que receberam (com ênfase em aspectos
teóricos) e a realidade das escolas e das salas de aula em que atuam
profissionalmente. Apenas um entrevistado relatou ter havido pouco contato com o

110
As respostas foram agrupadas devido à semelhança que conservam entre si.
164

gênero lírico, o que dificultaria seu trabalho com poesia atualmente. Esse dado,
ainda que não represente a opinião da maioria, corrobora a hipótese de que o
trabalho com a poesia é pouco explorado em grande parte das escolas.
Os demais educadores apontaram para a insuficiência de suporte à formação
de professores e para a consciência de que a participação do acadêmico é
fundamental para a qualidade do ensino que recebe, sendo importante que
complemente seus estudos após a conclusão do curso. Dois professores afirmaram
não identificar lacunas em sua formação profissional, enquanto outros dois não
responderam à pergunta. Seguem as respostas na íntegra:

Quadro 28: Lacunas identificadas na formação acadêmica dos professores – 1ª etapa


Professor Lacunas identificadas na formação acadêmica
1 Sim, falta de empenho por parte de alguns professores.
2 Sim, senti falta de trabalhar mais com o gênero lírico.
3 Acho difícil responder, pois já faz muitos anos que me formei.
4 Não respondeu
5 Não identifico lacunas. Sou de um tempo em que os professores, mesmo sem
nenhuma especialização, eram mestres.
6 Sim, a universidade brasileira, em especial a licenciatura, não acompanha o
desenvolvimento tecnológico e as transformações sociais.
7 Acho que sempre haverá lacunas a preencher. Quando finalizamos a graduação,
temos a ilusão de que aprendemos muito na universidade, mas logo que
começamos a trabalhar nos damos conta de que a formação permanente se faz
necessária. Às vezes, é difícil conciliar a vida profissional, principalmente quando se
trabalha em escolas públicas, com formação continuada e cursos de pós-
graduação. Quando isso não é possível, é preciso estudar sozinho.
8 Muitas: excesso de academicismo, postura rígida em conteúdos que já haviam sido
dados no segundo grau, sem novidades que me acrescessem. Quando cheguei à
universidade achei que a literatura seria algo realmente relevante e cheio de
novidades; vi todos os livros que já tinha lido, com mínimas novidades, apenas
aprofundadas em monografias sem graça. Acabou que a necessidade de novos
conhecimentos foi suprida na área de língua portuguesa, principalmente pela
linguística e os estudos semânticos. Na parte literária andei à margem da
universidade buscando conhecimentos da literatura universal, tais como a grega e a
latina, entre outras não vistas no curso.
9 Não diria lacunas, mas a formação contempla a prática. Hoje percebo que minha
experiência tem sido fundamental para o sucesso de minhas aulas e que muito errei
nos primeiros anos de docência.
10 Acho que existem lacunas, sim. As lacunas estão desde o estágio, em que, no meu
caso, não fiz em literatura, só em língua portuguesa, como na grande distância que
existe entre a universidade e a realidade da sala de aula. O aprofundamento teórico
que é dado na graduação não nos dá o direcionamento/suporte para os conteúdos
que deveriam/devem ser trabalhados em sala de aula. Com a prática é que
acabamos selecionando o que achamos ser relevante trabalhar.
11 Tive a oportunidade de ter excelentes professores na minha formação em literatura,
o que me fez ter um gosto apurado nessa área.
165

12 Senti falta de disciplinas que ensinassem de forma direta questões pedagógicas que
envolvessem o ensino da literatura, o que foi amenizado por ter participado de um
projeto de incentivo à literatura durante o estágio.
13 Não creio que um curso de graduação seja um universo em que o acadêmico
receba todos os ingredientes para tornar-se um “pleno profissional”. Creio que isso é
algo inviável. Acredito que a formação de um estudante, apesar de ocorrer na
coletividade, é um processo extremamente pessoal e, sobretudo, de busca. As
aulas, as disciplinas, os professores apresentam possibilidades, caminhos, não um
todo: o conhecimento é fragmentário e não há como não ser. Cada um completa o
que recebe com o que possui e o que encontra através da busca pelo que lhe atraiu.
Com relação ao atual curso de Letras da FURG, percebi que acrescentaram a
disciplina de Filosofia (ainda está presente?), o que é interessante, pois abre mais
caminhos para o graduando percorrer.
14 Muito já questionei a mim a aos outros sobre por que a faculdade ser tão teórica e
pouco teórico/prática. Lembro de, no ensino fundamental, ter aulas de literatura
mecânicas e “pouco sentimental”, eu pensava isso, já que também se tratava de
livros e romances. E a faculdade não me direcionou a dar uma aula mais “viva, real,
social”, entende? Essa para mim é a maior lacuna, da faculdade pensar o aluno a
partir de um ou dois teóricos, mas não agregar esses teóricos a vida social e cultural
do aluno que poderá vir.
Fonte: Elaborado pela autora

o) Obstáculos ao seu desempenho profissional:

No que concerne aos obstáculos à realização de um trabalho de qualidade


identificados pelos educadores em sua prática diária, temos:

Quadro 29: Obstáculos à realização do trabalho dos professores – 1ª etapa


Obstáculos à realização do trabalho Respostas
111
Infraestrutura precária 9 respostas

Desinteresse dos alunos 3 respostas

Falta de tempo 3 respostas


Falta de integração entre os professores 1 resposta

Carga horária insuficiente 1 resposta

Modelo de educação baseado em índices de aprovação e não em uma 1 resposta


aprendizagem de qualidade
Fonte: Elaborado pela autora

A ausência de um espaço adequado, de material suficiente e de recursos


tecnológicos parece ser a principal dificuldade encontrada pelos educadores
contemplados para a realização de um trabalho de qualidade com a literatura. A falta

111
Foram citados: ausência de biblioteca com espaço e acervo adequados; sala de vídeo/multimídia
com estrutura insuficiente; equipamentos sem manutenção regular.
166

de tempo para o planejamento das aulas e o desinteresse dos estudantes diante das
propostas dos professores também são empecilhos elencados.
É curioso que apenas um professor tenha identificado a carga horária baixa
da disciplina como um fator preocupante e que interfere diretamente na condução
das aulas. Atualmente, a maioria dos estabelecimentos de ensino dispõe de 1
hora/aula para a literatura, ao passo que 4-5 horas/aula são destinadas para língua
portuguesa.

p) Formação continuada – cursos e projetos

Dos 14 professores, apenas dois não participavam de nenhum projeto ou


curso de formação continuada quando responderam ao questionário. Entre os
demais, os projetos e/ou cursos citados foram: projeto Cirandar 112 (3 professores),
projeto “A cor da cultura”113, curso “O cinema e as tecnologias da
informação114”,”Jornadas sobre o ensino politécnico” oferecidas nas escolas,
Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID115), Mestrado e
Doutorado em Educação (UFPel), Mestrado e Doutorado em História da Literatura
(ILA-FURG), Especialização em Linguística e Ensino de Língua Portuguesa, além de
atividades de formação de natureza diversa proporcionadas pelas escolas.
Sobre a formação continuada oferecida pelo governo e escolas, somente três
professores avaliam como válida ou de boa qualidade. Os demais a consideram
escassa e insuficiente (4 respostas), inadequada ou que deixa a desejar (2

112
Projeto em parceria do MEC, UNESCO, Rede Globo, Prefeitura de Porto Alegre e Instituto C&A,
na área de inclusão e cultura, que “se propõe a apoiar, incentivar e criar redes de ações comunitárias
e práticas sustentáveis, fomentando alianças de fortalecimento da cidadania.” Disponível em:
<cirandar.org.br>. Acesso em: 10 abr. 2015.
113
“A Cor da Cultura é um projeto educativo de valorização da cultura afro-brasileira, fruto de uma
parceria entre o Canal Futura, a Petrobras, o Cidan – Centro de Informação e Documentação do
Artista Negro, a TV Globo e a Seppir – Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade
Racial.” Disponível em: <www.acordacultura.org.br/oprojeto>. Acesso em: 10 abr. 2015.
114
Esse curso de aperfeiçoamento foi criado por docentes e discentes de pós-graduação da FURG,
com o objetivo atualizar e complementar a formação continuada de professores do Ensino Médio, no
âmbito da utilização de tecnologias da informação e comunicação (TIC) como ferramentas de ensino.
Para isso serão utilizadas mídias cinemáticas como forma de despertar interesse dos estudantes
pelas diferentes áreas do conhecimento.
115
Segundo o portal do MEC, “O programa oferece bolsas de iniciação à docência aos alunos de
cursos presenciais que se dediquem ao estágio nas escolas públicas e que, quando graduados, se
comprometam com o exercício do magistério na rede pública. O objetivo é antecipar o vínculo entre
os futuros mestres e as salas de aula da rede pública. Com essa iniciativa, o Pibid faz uma
articulação entre a educação superior (por meio das licenciaturas), a escola e os sistemas estaduais
e municipais”. Disponível em <www.portal.mec.gov.br/pibid>. Acesso em: 01 out. 2014.
167

respostas), ou que “trata os professores como rasos e tolos” (relato do professor 8).
O professor 7 também assinala que “os momentos de formação oferecidos pelo
Governo do Estado ficam muito aquém ao que se propõem. Os oferecidos pela
Universidade geralmente são muito significativos para a nossa formação”.

q) Contato com os PCNs da área de “Linguagens, códigos e suas tecnologias”:

Quando questionados a respeito da leitura dos PCNs para a área de


“Linguagens, códigos e suas tecnologias”, três professores admitiram não ter lido o
documento em nenhum momento de sua vida acadêmica ou profissional. Entre os
restantes, as respostas foram as seguintes:

Quadro 30: Como avaliam os PCNs – professores 1ª etapa


Professor Como avalia os PCNs
1 Não li.
2 Sim, utilizo somente para a elaboração do cronograma deste componente.
3 Não li.
4 Já li. São bons, mas acho que deveriam ser atualizados.
5 Não li! Não senti interesse em ler os de língua portuguesa. Nem sabia que não tinha
de literatura.
6 Já li. Podem ser utilizados, mas são incompletos na questão regional.
7 Sim, já os li e acho muito válidas as orientações propostas. Eu, pessoalmente,
procuro diversificar as metodologias e abordagens de textos, muito embora não seja
nada fácil, quando se tem apenas um período de 50 minutos por semana.
8 Sim, há muito tempo. Em algum momento existe este diálogo, mas não é proposital,
já trabalhava parecido antes de lê-los.
9 Já li, mas não utilizo como referência. A teoria é linda, mas a prática é outra.
10 Não li. Só li os de língua portuguesa. A proposta do texto é boa, utiliza teóricos atuais
para a concepção de língua, mas na prática é diferente. Não uso como referência.
11 Acho muito importantes, já que os mesmos encontram-se relacionados à avaliação do
ENEM, e este, infelizmente, é o maior interesse dos alunos.
12 Sim, já li. Acho muito boas as “Orientações Curriculares para o ensino médio”. O
embasamento é feito pelo “Letramento Literário” e vai ‘de encontro’ com o teórico que
concordo muito com suas ideias, o Rildo Cosson.
13 Li há algum tempo. Lembro que as críticas pelos equívocos absurdos com relação à
literatura foram muitas à época. Lembro, ainda, que o próprio MEC reconheceu em
artigo os equívocos. Mas, de certa forma, tais absurdos refletem visões sobre a
literatura que “passeiam” pelos ouvidos de quem com ela trabalha... reduzida por
alguns a mero documento histórico ou de registro linguístico.
14 Já os li. Acho que toda a leitura que gera mais conhecimento em relação à prática é
de muita valia; lamento, porém, não ser uma leitura de todos. Os PCNs, assim como
outras leituras pedagógicas, devem ser feitas a fim de o professor absorver o que é
importante para ele e descartar o que não é, digo assim dessa forma porque vejo
168

muitos colegas falando mal dos PCNs, mas não entendem que são aspectos
negativos, e não um todo ruim.
Fonte: Elaborado pela autora
Em modo geral, é visível o distanciamento que a maioria apresenta diante do
conteúdo do texto, evidenciado por trechos como: “Nem sabia que não tinha de
literatura”, “Só li os de língua portuguesa”, ou “os mesmos encontram-se
relacionados à avaliação do ENEM”. Apenas os professores 12 e 13 apresentaram
uma análise que dialoga com avaliações realizadas por educadores e intelectuais à
época da publicação do documento. O professor 12 ainda fez referência às OCNEM,
como texto alternativo e de maior aproximação com os reais objetivos do trabalho
com a literatura. Entretanto, a maior parte dos educadores contemplados afirmou
não pautar sua prática profissional pelas orientações dos parâmetros.

r) Utilização de livro didático:

Quanto à utilização e seleção do livro didático, 5 professores afirmaram que


não o utilizam. Entre aqueles que utilizam o suporte, 6 não tiveram oportunidade de
escolha na escola, ao passo que somente 3 utilizam o mesmo livro que escolheram
através das opções do PNLD.
O fato de 9 professores utilizarem o manual regularmente em suas aulas
atesta o argumento de que o livro didático é o principal material adotado para a
seleção e trabalho com textos literários na rede básica. Seja por imposição da
escola, por dificuldades de acesso a outras fontes ou por iniciativa própria do
professor, o fato é que grande parte dos educadores não produz material próprio
que sistematize o conteúdo para uso diário em suas aulas, o que torna o texto
pedagógico o grande responsável pela formação e manutenção do cânone escolar.
Segundo Alice Vieira (1989), apesar de ser um material incompleto, limitado e
bloqueador de atitudes criativas e de uma postura crítica, a adoção do livro didático
é a principal escolha entre os educadores brasileiros, o que cria uma relação de
dependência que se intensifica na atualidade. O vínculo entre o educador e o
manual é resultado de diversos fatores, entre eles a falta de tempo, a formação
precária, o receio de romper com as normas tradicionais de ensino ou a carência de
momentos de reciclagem. Em longo prazo essa postura resulta em aulas pouco
dinâmicas, sem o contato com o texto na íntegra e com escolhas, com frequência,
distantes dos objetivos do professor. O papel de protagonismo que deveria ser
169

exercido pelo educador fica prejudicado diante das orientações categóricas do


manual, que poderiam (em tese) ser aplicadas por qualquer pessoa. Como afirmou
Osman Lins,

Pode ser, não discuto, que esses livros ensinem português com
eficiência. Mas os que neles estudam, fatalmente, a não ser por um
milagre, passarão a considerar a literatura, esse importante produto
do espírito humano, como algo desprezível e secundário. (LINS,
1977, p.143)

O uso indiscriminado do livro didático contribui para aniquilar o prazer da


leitura, que muitos estudantes adquiriram nos anos iniciais da vida escolar, quando
ainda costumavam levar os livros de histórias para casa ou ler em sala de aula. Por
sua vez, os momentos dedicados à leitura como fruição no espaço da sala de aula
ficam severamente prejudicados quando o professor se torna vítima das orientações
sequenciais do manual que, via de regra, destina poucas atividades que exijam um
contato direto e mais complexo com o texto de ficção em sua versão integral. Jorge
Larrosa adverte para a deficiência do conteúdo do manual com relação às obras
originais, enquanto também assinala o componente ideológico dessas publicações,
muitas vezes ignorado pelo professor:

O texto pedagógico configura-se mediante a apropriação de outros


textos, que foram selecionados, descontextualizados, transformados
e recontextualizados: a literatura escolar não é a Literatura, do
mesmo modo que a física escolar não é a Física e a história escolar
não é a História. Quando um texto passa a fazer parte do discurso
pedagógico, esse texto fica como que submetido a outras regras,
como que incorporado a outra gramática. E essa gramática é,
naturalmente, uma gramática didática, dado que todo texto
escolariza-se do ponto de vista da transmissão-aquisição; mas é
também uma gramática ideológica. (LARROSA, 2015, p.117)

s) Projetos e ambições para o futuro como professor de literatura:

Quando questionados a respeito de seus projetos ou ambições como


professores de literatura, as respostas foram as seguintes:
170

Quadro 31: Projetos e ambições como professores de literatura – 1ª etapa


Projetos e ambições como professores de literatura

Prof. 1: Aprender mais para aperfeiçoar o trabalho.

Prof. 2: Trabalhar a diversidade cultural na escola.

Prof. 3: Já não tenho muitas, pois estou me aposentando. Desejo continuar meu trabalho, sempre
que possível, variando as técnicas de ensinar e usando a criatividade.

Prof. 4: Aprimorar o blog literário criado e incentivar os estudantes a criarem os seus.

Prof. 5: Trabalhar de forma interdisciplinar com projetos de ensino e de aprendizagem.

Prof. 6: Ver mais jovens com paixão pela literatura. Organizar grupos de leitura.

Prof. 7: Fico muito feliz quando meus alunos, no final do ano, dizem que, a partir das minhas
aulas, passaram a ver sentido nessa disciplina. Acho que se eu estiver contribuindo para formar
um cidadão crítico e sensível às questões humanas e a literatura permear seu crescimento, OK,
meu dever estará cumprido.

Prof. 8: Hoje me preocupo em levantar questionamentos e trazê-los a buscar seus próprios


conhecimentos. Gosto de lançar a fagulha e ver quem vai correr atrás.

Prof. 9: Meu sonho é encontrar uma direção que aceite fazer uma sala única para as aulas de
literatura, com biblioteca própria, com recursos de multimídia à disposição.

Prof. 10: Trabalhar com a leitura e conhecimento das obras literárias para que os alunos possam
reconhecê-las como literatura. Trabalhar a literatura como deleite e possibilitar aos alunos
apreciá-la de variadas formas.

Prof. 11: Continuar trabalhando para alcançar um número maior de pessoas apaixonadas pela
literatura.

Prof. 12: Encontrar soluções para os problemas enfrentados em relação ao ensino, à libertação
de vícios de aprendizagem que o aluno vem carregando de outros anos e a criação de um
material próprio. Despertar o interesse pela leitura e pela criação literária. Espero que, ao longo
dos anos, eu consiga aliar o ensino da literatura com o incentivo à leitura de forma mais eficaz;
para isso, tenho a ambição de mudar a sistemática do ensino da literatura nos três anos do ensino
médio. Para isso, teria de pedir para acompanhar turmas dos três anos do ensino médio, mas as
minhas ideias ainda são segredo.

Prof. 13: Não tenho grandes projetos. Estou cursando doutorado em Letras e, depois de concluí-
lo, farei novos planos. Por enquanto, sigo na batalha cotidiana em busca de novos leitores – uma
aula de cada vez.

Prof. 14: Tenho uma ambição utópica: que todos os meus alunos sejam leitores críticos.

Fonte: elaborado pela autora

Em que pesem os inúmeros obstáculos relatados, que impedem ou dificultam


significativamente o desempenho ideal de suas atividades diárias com o literário, os
educadores alimentam projetos concretizáveis e otimistas com relação ao trabalho
171

que desenvolvem. Mesmo imersos em um contexto de crise, ambicionam aprimorar


seus conhecimentos e diversificar as metodologias utilizadas.

Considerações parciais:

A partir dos dados obtidos com a análise dos questionários aplicados aos 14
educadores contemplados na fase inicial da pesquisa, foi possível elencar algumas
características gerais, que nos permitiram esboçar um perfil médio, embora não
conclusivo, do professor de literatura em Rio Grande:
1) Maioria de mulheres;
2) Maioria de rio-grandinos;
3) O tempo de experiência docente está relacionado à idade média dos
educadores;
4) Cursaram Letras por escolha própria e como primeira opção;
5) São egressos da FURG;
6) A metade considera que o gosto pela leitura influenciou sua escolha
profissional;
7) Não utilizam os PCNs e outros documentos como norteadores de sua
prática docente;
8) Consideram literatura como uma forma de expressão artística através da
palavra;
9) Os livros de ficção lidos por eles no último ano são, em sua maioria,
romances nacionais e best-sellers estrangeiros;
10) Escolhem suas leituras pessoais com base na forma ou técnica de
produção textual, deixando o enredo ou temática em segundo plano;
11) Dispõem de tempo parcial para elaboração de suas aulas, já que
lecionam literatura ou outra disciplina em turno oposto;
12) Consideram que “despertar o gosto pela leitura” em seus alunos é seu
principal objetivo profissional;
13) Elaboram suas aulas priorizando o interesse e a realidade dos alunos,
além de observar o cumprimento do conteúdo programático da disciplina;
14) Identificam a infraestrutura precária do ambiente escolar como um
obstáculo ao desenvolvimento do seu trabalho;
15) Fazem uso frequente do livro didático, independente de tê-lo escolhido ou
não.

Não se trata aqui de desprezar respostas que destoem do “modelo” acima


proposto, muito menos de restringir a discussão a respeito do grupo a um
172

estereótipo. As características gerais identificadas na etapa exploratória apenas


retratam o perfil da maior parte dos professores contemplados na primeira fase da
pesquisa e apontam caminhos ou pistas para que se possa avançar rumo à fase
posterior.
A etapa seguinte consiste em uma entrevista compreensiva, método
elaborado por Jean-Claude Kaufmann, com base em escolas teóricas vizinhas,
como a Grounded Theory116 e outros métodos qualitativos de análise de dados.
Segundo Kaufman (2013), durante o século XX substituiu-se progressivamente a
entrevista feita através de questionários fechados por uma escuta atenta da pessoa
que fala, valorizando o sujeito entrevistado como o centro do processo. O
questionário pode passar a integrar, como é o caso do presente trabalho, uma etapa
exploratória/introdutória da pesquisa, na condição de instrumento complementar. De
acordo com o autor,

O processo compreensivo apoia-se na convicção de que os homens


não são simples agentes portadores de estruturas, mas produtores
ativos do social, portanto depositários de um saber importante que
deve ser assumido do interior, através do sistema de valores dos
indivíduos. (KAUFMAN, 2013, p. 47)

Kaufman defende uma entrevista baseada no princípio da empatia entre


entrevistador e entrevistado, em tom de diálogo informal, de modo a “quebrar o gelo”
e garantir maior liberdade ao informante. Ainda que pareça carente de metodologia,
ele orienta que se elabore um roteiro de perguntas diretas e que se procure segui-lo,
ainda que sejam permitidas improvisações no decorrer da gravação. A qualidade
das questões elaboradas e do tempo disponibilizado para a entrevista também é
preferível a uma grande quantidade de material que seja pobre em conteúdo para
análise. O roteiro de entrevista a seguir foi elaborado com base nas respostas
obtidas na etapa exploratória com o questionário, enfatizando-se os aspectos
considerados mais relevantes.

116
Método elaborado por Barney Glaser e Anselmo Strauss no final da década de 1960 e que se
baseia na análise sistemática dos dados coletados, em detrimento dos antigos métodos hipotético-
dedutivos. Fundamenta-se no desejo do pesquisador em entender determinada situação, mais do que
em testar uma teoria. Após a coleta do material é realizada a análise e construção teórica com base
nas regularidades observadas. Disponível em: <http://www.levacov.eng.br/marilia/grounded_theory.
html>. Acesso em: mai. 2015.
173

Roteiro para entrevista compreensiva 117:

1) O que você pensa quando ouve falar que ser professor é uma vocação,
ligada a uma espécie de “missão”?
2) A que você atribui o fato de cada vez menos jovens optarem pelos cursos
de licenciatura no Brasil?
3) Como se deu a sua escolha profissional?
4) Atualmente, como você conceituaria literatura?
5) Você costuma ler obras não relacionadas ao seu trabalho? Como você tem
escolhido suas leituras pessoais ultimamente?
6) Quais são as suas maiores dificuldades cotidianas no trabalho com a
literatura?
7) Você pensa que é necessário que se ensine literatura na escola? Por quê?
8) Como você vê os PCNs e demais documentos norteadores da área de
“Linguagens, códigos e suas tecnologias”?
9) Descreva um dia de trabalho seu.
10) Com base em que critérios você elabora suas aulas?
11) Quais são as lacunas deixadas pela sua formação acadêmica que hoje
constituem um obstáculo ao seu trabalho?
12) Como você vê o uso do livro didático nas aulas de literatura? Você utiliza
esse tipo de material?
13) Você frequenta a biblioteca de sua escola? Como?
14) O que você reivindicaria como prioridade para que seu trabalho obtivesse
mais êxito?
15) Você tem apoio de seus gestores no desenvolvimento de suas
atividades?
16) Qual é a escolaridade máxima de seu pai e sua mãe?
17) Com relação a sua formação como leitora, alguém influenciou suas
escolhas ou estimulou a leitura durante sua infância e adolescência? Como
se deu essa influência?

117
As questões 16 e 17 foram enviadas por e-mail a cada uma das professoras, em momento
posterior à gravação das entrevistas.
174

3.6 Entrevistas com as professoras selecionadas na segunda fase de coleta de


dados

Após a proposição de um perfil médio dos educadores de literatura em Rio


Grande, partimos para a segunda fase da pesquisa: entrevistar quatro professores e
coletar dados essencialmente qualitativos. As quatro professoras, cuja seleção foi
realizada pelo zoneamento de suas escolas, haviam respondido aos questionários
na primeira fase, o que proporcionou que os dados fossem cruzados entre si. As
respostas obtidas na entrevista oral apresentam determinadas peculiaridades e
mesmo divergências em alguns casos, com relação àquelas do questionário escrito.
Isso se deve ao fato, mencionado anteriormente, de que o ruído oriundo da relação
entre pesquisadora e pesquisados poderia interferir em suas respostas, por se tratar
de uma situação “artificial”, extraordinária. O esforço em corresponder às
expectativas da entrevistadora poderia resultar em respostas “mascaradas”. Daí a
importância de poder contar com diferentes fontes e versões distintas de respostas
dos mesmos sujeitos.
É fundamental considerar, no caso de um trabalho com dados oriundos de
entrevistas, o que postula o sociólogo francês Bernard Lahire: “Nunca devemos
esquecer que estamos diante de seres sociais concretos que entram em relações de
interdependência específicas e não ‘variáveis’ ou ‘fatores’ que agem na realidade
social”, (LAHIRE, 1997, p. 18).
A cautela com o trato de dados advindos de entrevistas é condição inerente à
pesquisa, já que, de acordo com Lahire (1997), corremos o risco de propor uma
representação fictícia de seres sociais concretos. Somos direcionados a procurar
exemplos caricaturais, ideais, com o intuito de ilustrar nosso modelo teórico, mas
que se revelam insatisfatórios para compreender a realidade social como ela de fato
é. Dessa forma, além de ter em mente que estamos diante de pessoas e não de
meros “dados”, é preciso compreender que apenas acessamos o seu discurso,
jamais a sua prática.
Assim, o máximo que se pode obter a partir de uma entrevista são efeitos de
legitimidade. O que optamos por qualificar como o “perfil” no contexto de um grupo é
o conjunto de informações que compõem o extrato de uma realidade, na mesma
medida em que carregam elementos específicos de cada indivíduo entrevistado.
175

Para Lahire (1997), cada traço de caráter atribuído a um sujeito não é unicamente
seu, mas o resultado de sua interação com algo ou alguém.
Outro fator de fundamental importância, ligado às peculiaridades de um
trabalho de pesquisa que envolve a área da educação e seus sujeitos, é a noção da
responsabilidade social de um retorno às escolas após a conclusão do trabalho.
Como professores, grupo em que estou incluída, são inúmeras as vezes em que
nossas escolas são visitadas por pesquisadores da universidade, com questionários
ou gravadores, ávidos por coletar dados para seus trabalhos.
Esse movimento de troca, de potencial saudável e enriquecedor,
frequentemente acaba subaproveitado, em função das ausências posteriores ao
campo. O pesquisador “invade” o espaço da escola e realiza a coleta de dados, mas
raramente retorna com os resultados. Nesse sentido, são relevantes as reflexões de
Regina Leite Garcia, que assinala a importância de refletir a respeito da dupla
condição de professora-pesquisadora:

Jamais recebemos uma visita para nos dar conta do que havia sido
“descoberto” e o que fora feito com o que havia sido colhido na
pesquisa em nossa escola. A pesquisadora que chegava à nossa
escola era, para nós, uma estranha, que ia chegando, entrando e
ocupando espaços para os quais não havia sido convidada. Hoje
posso saber, pois vivo a situação de ser eu a estranha. (GARCIA,
2011, p. 21)

Assim, considerando que todo trabalho está impregnado da identidade de seu


autor, é imprescindível afirmar que a minha condição de professora-pesquisadora,
atuando na rede básica concomitantemente à realização da pesquisa, influenciou na
condução das entrevistas em diferentes níveis, desde a construção do roteiro até os
caminhos de interpretação.
As entrevistas aconteceram entre maio e julho de 2015, em diferentes
situações e contextos, de acordo com as opções oferecidas pelas educadoras 118. A
primeira entrevista, com a professora M. L., ocorreu em uma escola da rede
municipal, onde trabalha no turno inverso ao da escola estadual. No caso de E. S., o
cenário foi a escola estadual onde leciona, em um período vago entre suas aulas,
mesmo caso da professora J. C. Com R. M., o combinado foi um café em um

118
Apesar de as entrevistadas não manifestarem objeção ao uso de seus nomes, optou-se por
designá-las através de suas iniciais, com o intuito de proteger suas identidades.
176

estabelecimento no centro da cidade, porque encontrava-se afastada por uma


licença-prêmio.
O tempo destinado às entrevistas não foi igual nos quatro casos 119, o que
certamente interferiu na elaboração de suas respostas e em sua disponibilidade para
o momento. Os diferentes locais designados para a “conversa” também produziram
efeitos singulares. Outro fator relevante diz respeito à relação prévia (existente ou
não) entre a pesquisadora e as pesquisadas, o que pautou o tom do diálogo –
originando um clima mais ou menos formal, dependendo da situação.
O fato de ser também uma colega120 da rede básica provavelmente dissolveu,
ainda que de forma parcial, a relação de poder implícita entre “representantes da
universidade” (instituição de ensino superior, federal, que goza de status social
privilegiado, se comparada às outras instâncias) e professores de ensino
fundamental e médio. Essa espécie de violência simbólica poderia resultar em
tentativas de autocensura, autopromoção e outras alterações nos relatos, conforme
mencionado anteriormente. Por outro lado, a mesma condição dificultou, por vezes,
o distanciamento indispensável com relação às entrevistadas. A necessidade de
gravar a conversa também gerou, em alguns casos, certa insegurança ou
intranquilidade, dissipada com o transcorrer do processo.
A entrevista compreensiva não segue uma forma rígida. Ao contrário, permite
que as questões sejam modificadas durante o curso do encontro. No entanto,
procuramos seguir, na medida do possível, um roteiro com objetivos definidos,
comum às quatro entrevistadas. Após a coleta de dados teve início o processo de
transcrição121 das entrevistas e a seleção dos excertos mais significativos em cada
caso. A leitura crítica dos relatos é apresentada em primeira pessoa e obedece à
sequência em que as entrevistas aconteceram.

119
Em função dos compromissos de cada pesquisada. A entrevista teve de ser realizada de acordo
com o tempo oferecido em cada caso.
120
Professora de história da rede municipal em Rio Grande.
121
A transcrição total das entrevistas encontra-se nos anexos. Procuramos respeitar a pontuação,
conforme nossa percepção. No entanto, o fato de transcrever um discurso oral acaba por produzir
outro texto, permeado pelo olhar de quem transcreve. Os recortes selecionados para efeito de análise
resultam em certa perda de sentido, embora a seleção de excertos seja imprescindível. Na medida do
possível, não foram alterados o estilo e o vocabulário das entrevistadas.
177

3.6.1 Ser professora não é um dom, é um “karma”: entrevista com M. L.

M. L. tem 53 anos de idade, é natural do Rio Grande e reside no Balneário


Cassino, bairro afastado das duas escolas onde leciona atualmente. Filha de pai e
mãe analfabetos, ela cursou Letras Português-Inglês na FURG, tendo concluído a
graduação em 1994. A professora, com cursos de especialização lato sensu em
Gestão Educacional e em Tecnologias da Informação, atua há vinte anos no
magistério público. Ela possui disponibilidade parcial para dedicar-se ao seu trabalho
com a literatura, já que exerce atividades também na rede municipal em turnos
inversos (40 horas/aula na rede municipal e 20 horas/aula na rede estadual).
Na condição de leitora de ficção, afirma ter lido quatro obras no ano anterior à
realização da entrevista. Com relação às suas influências, M. L. afirma que
desenvolveu o fascínio pela narrativa através da figura do tio, marinheiro de carreira,
que, quando retornava de seus longos períodos em alto mar, narrava suas
aventuras às crianças com detalhes e entusiasmo.
A entrevista com M. L. aconteceu em encontro previamente agendado, na
escola da rede municipal em que trabalha no contraturno de suas atividades como
professora de literatura na rede estadual. Cheguei à escola por volta de 9h da
manhã, conforme orientação da professora. M. L. é articuladora em um projeto
relacionado às tecnologias de informação e comunicação (TICs), no laboratório de
informática da escola. Diante da proximidade do intervalo, durante o qual os alunos
podem utilizar o espaço e os computadores, decidimos aguardar.
No retorno do recreio dos alunos, um fato inesperado: uma professora havia
se ausentado, e sua turma foi encaminhada ao laboratório durante um período. Mais
espera. Quando os alunos se retiraram, cerca de 50 minutos depois, optamos por
utilizar uma sala vazia, em outro pavilhão da escola. Sentamos frente a frente e
começamos a conversar de forma muito natural. M. L. mostrou-se muito gentil,
disponível e amigável, assim como na fase anterior da pesquisa, quando respondeu
ao questionário. Com frequência ela dizia, como que para amparar-se ou diminuir a
distância entre nós: “tu sabes como são as coisas, és professora também”.
Ao anunciar a gravação, pude perceber certa inquietação, que logo cessou ao
dar início à primeira pergunta. Nossa conversa durou exatos 43 minutos e foi a
entrevista de maior duração entre as quatro. O tom de seu discurso é leve, bem-
humorado e pautado pelo alto teor de criticidade e reflexão.
178

M. L. demonstra ser uma professora de perfil clássico: possui uma sólida


consciência de classe, sempre em busca de argumentos que consolidem sua
posição como profissional da rede básica. Logo na primeira pergunta foi possível
antever que seu discurso seria marcado pela informalidade e até por certo
empirismo ou intuição. Segundo ela, ser educador “não é uma profissão que
qualquer pessoa possa exercer”, isto é, seria necessária uma inclinação, certa
predisposição, que ela localiza em suas crenças religiosas, como um “karma” 122.
Para M. L., ao decidir ser professora, ela estaria resgatando a si mesma, passando
por uma experiência necessária ao seu desenvolvimento e evolução espiritual.
Ela acredita que com o passar dos anos tornou-se mais difícil lidar com os
estudantes, que chegam cada vez mais indisciplinados ao ambiente escolar. A
escola tem assumido para si responsabilidades que seriam do núcleo familiar, e
sofre cobranças por parte da sociedade. Segundo ela, esse é um dos fatores que
afastam os jovens que concluem o ensino médio de cursos de licenciatura: “Nós
viramos a palmatória do mundo. Aí eu te pergunto: qual é o jovem que hoje vai
querer entrar em uma sala de aula com 30, 40 alunos, onde esses alunos poderão
usar todo tipo de vocabulário?”.
A professora, além de ressaltar a inadequação do comportamento dos alunos,
que chegariam aos bancos escolares sem um código de conduta definido pela
família, também denuncia a superlotação das turmas nas escolas estaduais. Ela
aponta que a maioria dos jovens que cursa licenciatura atualmente decide dar
continuidade aos estudos em nível de pós-graduação, com o objetivo de atuar no
ensino superior:

Ele já vai com aquela ideia: “eu vou continuar estudando, eu vou
adiante, porque eu vou trabalhar com formação de professores”.
Daqui a pouco nós vamos estar cheios de formadores de
professores. Mas esse formador de professores não sabe o que é a
realidade de uma sala de aula.

122
Segundo a tradição oriental, a palavra karma designa “ação” no idioma sânscrito. No sentido
simbólico, a lei do karma é aquela que relaciona uma ação a uma reação, ou seja, cada atitude
tomada implica uma consequência a ser cumprida na existência posterior. Embora não seja
equivalente ao conceito de culpa, a ideia do karma atua como reguladora das ações humanas e foi
adotada por diferentes segmentos religiosos, como o hinduísmo, o budismo e, posteriormente, o
espiritismo de vertente kardecista. Disponível em: <http://www.brahmakumaris.org/what-we-do-
pt/courses-pt/fcirym-pt/topics.htm-pt/karma.htm-pt?set_language=pt>. Acesso em: 27 set. 2015.
179

M. L. já estava casada e havia abandonado seus estudos em tempo regular


quando decidiu cursar Letras. Sonhava em ser médica, mas por circunstâncias da
vida – que ela não explicita – julgou ser impossível que se tornasse realidade na
ocasião em que prestou o exame vestibular na Universidade Federal do Rio Grande
(FURG). Por gostar de língua portuguesa, fez a opção pelo curso de Letras.
Ela afirma que sua escolha profissional “não tem nada a ver com aptidão. Eu
simplesmente gostava de português”. É interessante a afirmação que faz na
sequência, que, inclusive, é recorrente nos relatos das quatro entrevistadas: “Eu fiz
Português e Inglês na época e me apaixonei pela ideia de ensinar”. A noção de
arrebatamento pela carreira docente é comum às quatro professoras.
Com relação ao conceito de literatura, quando respondeu ao questionário, a
resposta de M. L. foi: “forma de expressão através da palavra e que representa o
pensamento humano de forma criativa”. Já na entrevista oral, ela limitou-se a dizer
que “literatura é a arte da escrita”. No lugar de um conceito elaborado, a professora
discorreu a respeito do poder da literatura como elemento transformador na vida dos
estudantes, capaz de ampliar seus horizontes culturais. Ela acredita na natureza
interdisciplinar da literatura, considerando impossível trabalhar com a obra de ficção
sem articulação com outras áreas, como a história, a educação artística ou mesmo a
matemática.
Sobre seus hábitos de leitura não relacionados ao trabalho, a professora
aparentou certo desconforto ao afirmar que “lê coisas bem jovens”. A hesitação e a
insegurança ante o horizonte de expectativas de M. L. com relação à minha
condição de pesquisadora podem ser confirmadas no seguinte trecho: “Se eu te
disser que li toda a obra do Dan Brown tu vais dizer assim: meu Deus! Mas não tem
nada a ver com o que eu imaginava que ela leria!”.
Segundo ela, além de atender ao seu gosto pessoal, esse tipo de leitura a
aproxima de seu “público leitor”, no caso, os alunos. Outro gênero mencionado é a
narrativa de inclinação espírita, especialmente os best-sellers de Zíbia
Gasparetto123. A justificativa de M. L. ao selecionar tais obras é que elas
contribuiriam para o seu desenvolvimento espiritual.

123
Escritora brasileira, nascida em 1926, em Campinas (SP). Zíbia é autora de romances
espiritualistas, tendo publicado aproximadamente 50 obras desde 1958. Seu último romance, Ela
confiou na vida, é de novembro de 2015.
180

Na ocasião em que respondeu ao questionário, as obras enumeradas por ela


como lidas no ano anterior foram as seguintes: O colecionador de lágrimas, de
Augusto Cury; Fortaleza digital, de Dan Brown; A garota da capa vermelha, de Sarah
Brakley, e Amanhecer, volume da série “Crepúsculo”, de Stephenie Meyer. Tais
obras têm em comum o fato de terem sido sucessos de vendas, além da grande
publicidade de que puderam gozar na época de seu lançamento. Essas informações
permitem supor que M. L., embora atue como professora de literatura, não faz suas
escolhas baseada apenas em sua experiência e formação profissional, mas procura
acompanhar o circuito comercial, ou sugestões “de vitrine”.
A escola de M. L. foi selecionada por estar situada no maior bairro do
município do Rio Grande, o Parque Marinha. O núcleo habitacional foi fundado em
1984, a partir da entrega de um conjunto de casas a três mil famílias de
trabalhadores, em sua maioria, da rede portuária. O projeto do conjunto residencial
visava atender às necessidades dos operários do porto, mas acabou abrigando em
poucos anos famílias de diferentes camadas populares, atuantes em diferentes
setores econômicos. Atualmente, a região possui aproximadamente 25 mil
habitantes.
A escola está localizada na região central do Parque Marinha. Segundo dados
do censo escolar de 2014 fornecidos pelo portal do INEP 124, a instituição possui 104
funcionários e conta 850 alunos matriculados. Com relação à infraestrutura, tópico
bastante mencionado por M. L., o local possui laboratório de ciências e de
informática, salas especializadas destinadas a gestores e professores e biblioteca.
Está conectada à internet por banda larga e disponibiliza aparelhos de DVD, 20
computadores, impressoras, projetores multimídia, copiadoras e televisores.
Segundo os dados, não existe sala de leitura além do espaço da biblioteca ou local
adequado para atendimento especializado para estudantes com deficiência.
Quando questionada sobre as dificuldades que enfrenta com o trabalho como
professora de literatura, M. L. não hesita: seu maior obstáculo é conquistar os alunos
do turno da noite, que, segundo ela, “ou não querem estudar, ou então é aquele
povo que trabalha”. Embora reconheça que “com os mais velhos é mais fácil”, a
professora se vê diante de uma situação complexa: alunos que trabalham e não
dispõem do tempo necessário para os estudos, ou, ainda, jovens que optaram pelo

124
Disponível em <http://portal.inep.gov.br/basica-censo>. Acesso em: 28 set. 2015.
181

turno da noite por crer que ali a cobrança seria menor, o que, na maioria dos casos,
se confirma. Como uma espécie de atenuante, M. L. afirma que trabalhar com os
alunos mais velhos é “mais fácil”, embora apresentem certa dificuldade cognitiva,
fruto, entre outros fatores, do tempo em que estiveram afastados dos bancos
escolares. Com esse público, “o retorno é imediato. Qualquer texto que tu leves, eles
se encantam. Tu levas um vídeo e eles se encantam...”. Em suma, do ponto de vista
intelectual, o desafio é mínimo.
A respeito do ensino noturno, Célia Pezzolo de Carvalho (1984) diz que a
modalidade acaba por acolher grande parte de jovens que só estudam por poder
combinar suas aulas com o trabalho. Dessa forma, estudar no período da noite pode
representar uma espécie de prolongamento da jornada de trabalho, cansativa e,
amiúde, “sem sentido”. Essa condição é comumente partilhada pelo próprio
professor, que já vem de outros turnos de aulas durante o dia. Segundo a autora,

Enquanto a condição de trabalhador-estudante não for questionada


pela escola, a situação não terá possibilidade de ser transformada,
se bem que não basta que só a escola realize esse questionamento.
É o próprio conceito de trabalho que precisa ser reformulado.
(CARVALHO, 1984, p. 10)

O turno da noite como obstáculo (em função do desinteresse dos alunos) foi
citado por mais de uma professora entrevistada, o que aponta uma desconformidade
entre o funcionamento da escola e o ensino noturno. São realizados ajustes, como
redução na média de aprovação, na carga horária ou na exigência. O fato é que
lecionar no chamado “terceiro turno” parece acarretar maior índice de insatisfação,
seja por causa das adaptações mencionadas, ou pela possível sobrecarga de
trabalho, no caso daquelas que cumprem 60 horas semanais.
Essa “adaptação” do professor ao turno da noite é facilmente observada no
seguinte trecho da fala de M. L.:

Todo semestre eu recebo estagiárias, né. Eu tenho que dizer pra


elas: gurias, o tempo deles é diferente. Não adianta trazer textos
grandes, vamos devagar. A coisa é bem devagar. E o que eu quero
que eles aprendam com vocês é o mínimo da parte teórica e mais
sobre a vida. Trabalhar textos que eles possam sempre relacionar
com o dia a dia deles.

De acordo com a professora, o ensino “significativo” é aquele que prescinde


da teorização, que ela considera excessiva ou inadequada para os alunos do turno
182

da noite. Existe uma nítida intenção de adequar o programa curricular aos alunos-
trabalhadores, que já chegam fatigados ao ambiente escolar e necessitam de um
ambiente acolhedor e atraente, como forma de evitar a evasão, mais frequente
nessas condições.
No que concerne ao ensino institucionalizado da literatura, M. L. acredita que
se faz necessário, tendo em vista que, segundo ela, “muitas vezes o aluno que
chega pra nós é um aluno que só vê novela”. A literatura na escola seria útil para
ampliar o acervo cultural do indivíduo, oferecendo novas possibilidades de leitura, ou
mesmo de visões de mundo, como ela mesma afirma. Sua percepção dialoga com o
que postula Maria da Glória Bordini: “Ler é conhecer o outro, mas também é
conhecer-se; é integrar e integrar-se em novos universos de sentido; é abrir e
ampliar perspectivas pessoais; é conscientizar-se de um papel individual e coletivo
na sociedade” (BORDINI, 2015, p. 16)
Quando perguntei à professora M. L. sobre sua posição a respeito dos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e outros documentos norteadores
fornecidos pelo Governo Federal, pude perceber certo tom de protesto e rejeição em
seu discurso. Segundo ela, os professores não “param pra ler” essas coisas. Em
seguida, esclareceu que as razões para essa resistência estariam ligadas ao fato de
o governo não consultar a base para a elaboração das propostas, que seriam
construídas “de cima para baixo”.
Para a professora, as propostas governamentais para a educação estariam
mais ligadas à orientação política do partido vigente no poder do que às reais
necessidades dos educadores, o que faz com que a cada alternância de partido,
“venha uma nova cartilha”. Em função das razões elencadas, é provável que a
professora jamais tenha realizado uma leitura minuciosa dos documentos oficiais, o
que a impede de realizar uma análise mais complexa de seu conteúdo,
especialmente com relação à disciplina de literatura.
A despeito da criticidade constante em seu discurso, M. L. define a si mesma
como uma pessoa entusiasmada com o trabalho que desempenha. Ela assume o
arquétipo clássico da “tia”, ainda que lecione literatura para o ensino médio: “Eu
costumo dizer que os meus alunos, principalmente quando se tornam ex-alunos, se
tornam meus sobrinhos. Eu tenho perto de 2000 amigos no Face125. Quase todos

125
Rede social Facebook.
183

são alunos e ex-alunos”. A professora, que considera a si mesma como uma


exceção126, garante que jamais enfrentou qualquer tipo de problema com os alunos
ou seus responsáveis e que, apesar de chegar muito tarde em casa, está “sempre
com a sensação do dever cumprido”.
Esse mesmo teor idílico emerge quando lhe é solicitado que avalie seu curso
de graduação em Letras, que define como “maravilhoso”. Se hoje M. L. enxerga a si
mesma como uma profissional bem-sucedida, ela faz questão de salientar o papel
transformador da licenciatura em sua trajetória de vida: “Eu só tenho a agradecer.
Eu era pobre, bem pobre! Tinha bastante dificuldade e não tenho nada a reclamar
do tempo de faculdade”.
No que tange aos critérios para a elaboração de suas aulas de literatura, a
professora afirma que o mais importante é a interação entre ela e os alunos. Para
isso, mesmo reconhecendo estar atrelada ao conteúdo, ela aposta em escolhas
oriundas do universo de seus estudantes, como best-sellers e autores sugeridos
pela turma. Quanto ao “conteudismo”, ela assegura que não é uma prática apenas
da rede básica, mas que é incentivado desde o estágio supervisionado, quando o
licenciando é orientado pela universidade:

O estagiário que vai pra minha sala de aula, ele dá uma aula bem
conteudista. Eu disse assim: “o que tu vais dar na próxima aula?”. E
ela (a estagiária): “a carta de Gândavo”. E eu: “Quê? Tu és louca?” E
ela disse: “O professor disse que eu tenho que dar. Por quê? Tu não
‘dá’?”. E eu (disse): “Eu não! No máximo um fragmentozinho da carta
de Pero Vaz de Caminha, pra conversar e fazer uma relação com os
textos, com Carlos Drummond de Andrade, já mais do nosso tempo,
e pra gente ter uma noção de como se escrevia na época e que
visão o português tinha da nossa terra.

M. L. completa assumindo que ela mesma não leu mais que alguns
fragmentos da referida carta e que a escola teria a função de selecionar os
conteúdos e textos que considera mais significativos para a vida dos alunos e
“tranquilamente esquecer” outros, conforme suas palavras. Ela, porém, não
esclarece quais critérios deveriam ser utilizados na construção desse “cânone
escolar”, considerando que o mesmo texto pode ser significativo para um sujeito

126
Quando solicitei à professora que descrevesse um dia ordinário de trabalho, sua resposta começa
da seguinte maneira: “Ah, eu sou a pior pessoa pra tu entrevistar, porque eu gosto muito de trabalhar,
eu me dedico muito.” Assim, ela deixa transparecer suas impressões com relação ao meu trabalho de
pesquisa: de acordo com M. L., estou à procura de um padrão específico de professor... aquele que
se sente esmagado pela rotina diária em sala de aula. E ela sente a necessidade de apresentar-se
como alguém incomum, que destoa do modelo construído em seu imaginário.
184

leitor e não para outros, sucessivamente.


Com relação ao livro didático, a professora afirma não o utilizar, embora
reconheça o valor do material. Ela diz que nem todos os alunos receberam livros
didáticos e isso dificulta o trabalho sistemático com o manual. Segundo ela, “Nem
tudo é ruim nos livros didáticos. O professor é que vai ter que se adequar a tudo que
chega às mãos dele e transformar isso em benefício do aluno. Acho que já passou
da hora de a gente ficar revoltado com tudo que vem lá de cima”. No trecho citado é
possível perceber uma contradição em relação à sua fala anterior, quando se referia
aos PCNs e criticava a verticalização do processo de produção do material, em que
os professores da base não teriam sido consultados.
M. L. não frequenta a biblioteca de sua escola, que, segundo sua análise,
encontra-se abarrotada de livros, sem espaço para os estudantes. Ela relata que a
profissional responsável pelo local é uma professora em desvio de função, que não
consegue organizar o espaço adequadamente, bem como catalogar o acervo e
tornar o ambiente convidativo para os alunos.
Apesar de considerar expressivo o apoio que recebe da equipe gestora da
escola onde leciona, M. L. elenca uma série de reivindicações para que seu trabalho
obtivesse maior êxito: ter uma sala específica e equipada para as aulas de
linguagens e suas tecnologias, dispor de infraestrutura adequada para o trabalho
com mídias diversas e maior frequência de reuniões pedagógicas para planejamento
e aperfeiçoamento entre seus pares.
M. L. se queixa da falta de autonomia ao lidar com as ferramentas de
aprendizagem, que ficam sob a tutela do diretor da escola e de seus imediatos.
Segundo ela, o ideal seria

Tu não perderes 15, 20 minutos procurando alguém pra ver a chave


da sala, pra pegar o data show, pra tu levares pra sala de aula e
ligar, pra tu chegares lá e: cadê o cabo? Não sei cadê o cabo!...
porque o diretor tem que abrir. Aquilo está fechado a chave. Falta de
autonomia, falta de respeito pela atividade do professor e
desestimulante.

Como uma espécie de mensagem final, ela conclui que os pilares do trabalho
de um educador devem ser a afetividade e a busca constante de conhecimento, seja
acadêmico ou “de vida”. Também considera importante estar atualizado para que
possa aproximar-se do aluno e dialogar com sua realidade. Para finalizar a
entrevista, M. L. ainda afirma que “o carinho está acima de tudo”.
185

3.6.2 A professora que amava os livros: troca de ideias com E. S.

E. S. me recebeu na escola estadual onde leciona, no intervalo entre uma


aula e outra. Somos velhas conhecidas, ainda que nossa relação seja restrita ao
ambiente profissional. Fui estagiária na escola estadual onde ela leciona e, anos
depois, fomos colegas de trabalho durante certo período, na mesma instituição. A
escola fica localizada nas imediações da avenida principal do Balneário Cassino,
situado a 18 quilômetros do centro do município. É a maior escola do bairro-
balneário, com 1206 alunos e 107 funcionários, entre eles, 85 professores. O local
possui laboratório de informática (que estava desativado na ocasião da entrevista) e
sala multimídia.
Sua escola foi escolhida por estar situada em um bairro de praia, de perfil
turístico e com características próprias. Atualmente, a população estimada do local é
de mais de 20 mil habitantes, além da população flutuante durante o verão. Segundo
dados da Prefeitura Municipal do Rio Grande127, o Balneário Cassino surgiu no final
do século XIX, período em que ainda não havia o costume de frequentar ambientes
exclusivos para banhos e passeios na costa oceânica do país. Com o tempo a
região se desenvolveu e hoje é uma das praias de referência no litoral sul gaúcho,
atraindo também turistas dos países platinos, em função da proximidade.
Dirigimo-nos para uma saleta, próxima à sala dos professores. Ali, apesar do
pouco tempo disponibilizado, o clima foi de informalidade. Temos liberdade para
conversar, o que fez com que a entrevista transcorresse naturalmente. E. S. tem 42
anos, é natural de Curitiba – PR e reside atualmente no Cassino. Ela concluiu o
curso de Letras-Português na FURG em 1997, possui curso de especialização lato
sensu em Literatura Contemporânea pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel)
e atua como professora há 15 anos nas redes estadual e municipal. Atualmente
ocupa também um cargo na equipe gestora de sua escola municipal.
O pai de E. S. concluiu o equivalente ao ensino médio e sua mãe possui o
equivalente ao ensino fundamental completo. Sua história como leitora teve início
sob a influência paterna e de uma tia graduada em Letras, que, segundo ela, atuava
como uma espécie de “guru”, orientando suas escolhas literárias.

127
Disponível em: <http://www.riogrande.rs.gov.br/pagina/index.php/atrativos-turisticos/detalhes+403
b,,praia-do-cassino.html>. Acesso em: 17 dez. 2015.
186

Começo perguntando sua opinião a respeito da associação frequente, por


parte do imaginário coletivo, entre magistério e “sacerdócio”, ou “dom”. E. S. afirma
que essa relação entre docência e trabalho voluntário não é senão uma fonte de
frustração para o educador, já que a formação em licenciatura é tão árdua e penosa
quanto a de qualquer outro profissional e, apesar de a escolha ser baseada nas
aptidões do indivíduo, isso não significa que ele renuncie a uma remuneração
adequada.
Por outro lado, ela qualifica certas atitudes de “vitimização” por parte de
alguns colegas como posturas inaceitáveis e prejudiciais à categoria. E. S. acredita
que esses fatores, associados à desvalorização da imagem do professor na
sociedade, fazem com que cada vez menos jovens optem por cursos de licenciatura
e escolham carreiras que lhes garantam bons rendimentos.
A professora define a si mesma como leitora compulsiva desde a infância, o
que a levou a cursar Letras, na esperança de ter contato com autores de circuito
alternativo, para além dos clássicos, que ela já conhecia. Seu desejo inicial de
trabalhar com crítica literária acabou abrindo caminhos para que o magistério se
apresentasse como uma possibilidade.
Quantos às obras que hoje seleciona para a própria fruição, a professora diz
que tem optado por leituras direcionadas a temas de seu interesse pessoal, como a
permacultura128 e a área espiritual, embora lamente não ter tempo para ler ficção, ou
“coisas que divirtam”, segundo suas palavras. Na primeira etapa da pesquisa com os
13 educadores, E. S. respondeu que, no último ano, havia lido romances de José
Saramago (Ensaio sobre a lucidez), Gabriel García Márquez (Memória de minhas
putas tristes) e do autor de best-sellers William Young (A travessia).
Quando respondeu ao questionário, a professora definiu literatura como “uma
forma de expressão artística através da palavra”. Na ocasião da entrevista gravada,
limitou-se a dizer que, em sua prática diária, a literatura cumpre a função de
incentivar o senso crítico no aluno, além de “levar conhecimento” e proporcionar
múltiplas experiências. Entretanto, para isso é necessário, segundo ela, convencer
diariamente o aluno de que literatura “é uma coisa boa”. Seus alunos são, em geral,

128
Segundo Petrônio Medeiros (2008), permacultura “é uma reunião dos conhecimentos de
sociedades tradicionais com técnicas inovadoras, com o objetivo de criar uma ‘cultura permanente’,
sustentável, baseada na cooperação entre os homens e a natureza”. Disponível em:
<http://www.ufpa.br/permacultura/oque.htm>. Acesso em: 09 nov. 2015.
187

resistentes à disciplina ou mesmo à própria prática da leitura, o que a faz procurar


obras e autores próximos ao seu universo cultural:

Fui buscar... como é que é? O John Green129. Fui buscar outros


autores, coisas que eles estavam lendo, para poder, a partir dali,
conseguir fazer com que tivessem mais leitura. E eu descobri que
eles leem! Eu é que tenho que chegar até lá, pra depois fazer a
caminhada inversa.

A postura flexível de E. S. se revela em outras posições da educadora, por


exemplo, quando afirma que a literatura não teria necessidade de ser uma disciplina
“guardada para o ensino médio”, mas algo trabalhado desde a pré-escola com a
prática consciente da leitura e com o acompanhamento dos professores ao longo de
toda a vida escolar do estudante. Para contornar a resistência de seus alunos ela
procura temas que povoem seu imaginário ou que, segundo ela, “tenham a cara da
turma”.
Assim como M. L., a professora E. S. trabalha no turno da noite, o que faz
com que ela sinta os impactos da adaptação da escola ao ensino noturno. Para ela,

Com os mais velhos é muito bom, porque qualquer poesia que eu


recite na sala de aula já dá um ‘up’. Os mais novos não. Dependendo
da turma, vira gozação. Tu tens que saber mais ou menos medir
como chegar na identidade da turma, pra não virar a palhaça da sala.

Com relação aos documentos oficiais, entre eles os PCNs da área de


“Linguagens, códigos e suas tecnologias”, E. S. afirma tê-los lido e julgado
interessantes, “um material legal” que, com o tempo de sala de aula, ela abandonou
em função das demandas cotidianas. Segundo a educadora, o texto fornecido pelo
MEC seria mais relevante para os professores no começo da carreira. Assim como
no caso de M. L., não é realizada pela professora uma análise com relação ao
conteúdo dos documentos, o que revela um possível distanciamento de E. S. com
relação ao material.
Quando perguntei sobre as lacunas deixadas pela graduação, E. S. foi
categórica: “Faltou literatura contemporânea”. Ela decidiu cursar Letras justamente
por sua paixão pela literatura. Esperava que no curso superior lhe fossem

129
John Green é estadunidense, autor de obras muito populares entre os jovens, como A culpa é das
estrelas, Quem é você, Alasca?, Cidades de papel e O teorema Katherine. Muitos de seus livros têm
ganhado adaptações para o cinema, especialmente nos últimos anos. Green publica desde 2004.
188

apresentados novos autores e que fosse proporcionado o contato com obras


alternativas ao circuito tradicional. Entretanto, as obras trabalhadas nas disciplinas
de literatura eram, de acordo com seu relato, as mesmas que ela já havia lido na
juventude, o que a teria feito perder o interesse pela área e voltar sua atenção às
disciplinas de estudos linguísticos.
A literatura voltou a fazer parte de suas ocupações bem mais tarde, quando,
já na condição de professora de língua portuguesa, ela se deparou com uma vaga
para lecionar a disciplina na escola da rede estadual onde já trabalhava:

Quando o Lorea130 lançou o ensino médio, aí eu vi aquela palavrinha


ali, “literatura”, separada, engavetada em disciplina. Eu olhei pras
gurias e disse: pô, tá aí um desafio! Eu queria ser professora de
literatura pelo menos uma vez na vida, pra ver como é que é (...) e aí
eu tive que me reestruturar, reestudar, ver como é que se dava aula
de literatura.

E. S. decidiu trabalhar com adaptações de romances para o cinema, diante da


precariedade do acervo da biblioteca escolar na época. Segundo Josafá Fernandez
Gonçalves131,
A literatura brasileira fornece ao nosso cinema um farto material
desde que as primeiras câmeras chegaram aos portos do Rio de
Janeiro no início do século XIX. Tal é a profusão de adaptações
cinematográficas de nossa literatura que se tornou comum no ensino
médio a recomendação para que os estudantes assistam ao filme
dele adaptado. Com isso, há ao menos três ganhos significativos: um
para a literatura, outro para o cinema, outro para o estudante.
(GONÇALVES, 2012, p. 212)

A respeito do uso do livro didático em suas aulas, E. S. qualifica o material


como “acessório”, ou uma “carta na manga” em caso de necessidade ou de um
imprevisto. Sempre que pode, ela procura não utilizar o livro e busca outras fontes
de suporte pedagógico. Contudo, a falta de uma conexão estável de internet e a
ausência de um laboratório de informática que funcione bem em sua escola fazem
com que ela se veja obrigada a recorrer ocasionalmente ao manual.
Com relação à biblioteca escolar, E. S. admite que atualmente não tem
frequentado o local, em função de uma série de fatores, entre eles, o acervo

130
Escola Estadual de Ensino Médio Professor Carlos Lorea Pinto.
131
No livro Ensino é crítica: a literatura no ensino médio, Josafá Fernandez Gonçalves apresenta uma
ampla lista de obras literárias adaptadas para o cinema.
189

reduzido, a desorganização do material e a instabilidade de horários de


funcionamento. Segundo ela,

A última vez que quis fazer um trabalho de pesquisa, cheguei lá, os


livros que tinha (era porque) alguém que tinha feito Letras doou.
Eram antiguíssimos, uma prateleira lá embaixo, assim... Não tem pra
todos, então não tem como... Fica muito complicada a questão da
biblioteca. O acervo também é muito pequeno.

A professora aproveita o argumento para denunciar a infraestrutura precária


da escola estadual onde trabalha. Apesar de considerar o educador como o principal
“recurso” para a aprendizagem, ela lamenta as condições insatisfatórias da
biblioteca e da sala de informática, que restringem as suas opções metodológicas.
Quanto aos alunos, ela gostaria que fossem mais curiosos e críticos, com maior
disposição para aprender. Nesse sentido, E. S. diz contar com o apoio dos gestores
escolares, embora admita que isso não garante a qualidade de seu trabalho, que
esbarra na carência de recursos. Para ela, “todo o mundo faz do limão uma
limonada”.

3.6.3 “Eu não conseguiria fazer outra coisa que não fosse ensinar” – um café
com R. M.

R. M. tem 53 anos, é natural do Rio Grande e professora há 26 anos. Em


situação semelhante à de E. S., o pai de R. M. concluiu o curso clássico, uma antiga
modalidade do atual ensino médio, e sua mãe possui formação no antigo curso
primário, uma das etapas do atual ensino fundamental. Sua história como leitora
está diretamente ligada à figura paterna:

Quem me iniciou no mundo das letras foi meu pai. Ele era um
daqueles leitores que sempre têm à mesa de cabeceira mais de um
livro. Ele sempre leu os clássicos da literatura e orientava minhas
leituras nesse sentido. Inclusive, muitos dos clássicos que eu tenho
em casa foi parte da sua biblioteca. Essa é uma das memórias mais
queridas que eu tenho de meu pai: o gosto que tinha pela leitura,
pela boa música, pela arte e pela beleza. Ah... E era um homem
muito bonito!

R. M. concluiu a graduação pela FURG em Letras Português-Francês em


1983. Conhecemo-nos na primeira fase da pesquisa, quando entrei em contato para
190

que respondesse ao questionário. Ela leciona em uma escola tradicional, com mais
de um século em atividade, localizada no centro da cidade. O prédio antigo e
imponente remete aos tempos áureos da instituição, quando gozava de grande
prestígio social em um passado não muito distante. A escola tem aproximadamente
dois mil alunos, 108 professores e 15 funcionários, sendo, provavelmente, o maior
estabelecimento de ensino da rede básica no município.
À época da entrevista, meados de junho de 2015, ela se encontrava afastada
por uma licença-prêmio. Por essa razão, marcamos nosso encontro em um café no
centro da cidade. O fato de ser um local público acarretou pequenos problemas no
áudio da gravação, contaminado por falas sobrepostas. O barulho das outras mesas
interferiu em nossa conversa, a ponto de mudarmos para um espaço mais
reservado, a fim de conquistar certa privacidade e silêncio.
Quando finalmente conseguimos dar início à gravação, perguntei à professora
como ela reagia à ideia socialmente legitimada de que ser educador é uma profissão
para poucos, algo como uma vocação, uma missão a ser cumprida. Segundo ela,
quando fez a opção pelo curso de Letras, jamais poderia imaginar que, ao final de
sua carreira, a remuneração de um professor estaria tão defasada. Em sua época de
estudante, R. M. via seus professores de escola pública sendo reconhecidos
socialmente e com salários condizentes com seu trabalho e formação. Foi uma
surpresa desagradável deparar-se com uma realidade tão diferente daquela na
condição de educadora. De fato, como confirma Cyana Leahy-Dios,

Em um passado não muito remoto, o profissional do magistério era


um dos pilares da sociedade brasileira, juntamente com o médico, o
padre e o juiz. Essa imagem desapareceu junto com o
empobrecimento da profissão docente, o que nos reposicionou junto
aos menos privilegiados, com um valor social baixo, aliado a uma
autoestima ainda mais baixa. (LEAHY-DIOS, 2000, p. 199)

Apesar de atribuir aos baixos salários o fato de cada vez menos jovens
decidirem por cursar licenciatura, e de defender a luta por melhores condições de
trabalho e reconhecimento, ela acredita ter sido vocacionada para o magistério. Com
um tom nostálgico de quem está prestes a enfrentar a aposentadoria, R.M. assegura
que não conseguiria fazer outra coisa que não fosse lecionar e cogita a ideia de
seguir ensinando.
191

A escolha profissional de R. M. é fruto de um processo dinâmico, resultado de


tentativas frustradas com outras opções de graduação e, finalmente, o encontro com
o curso de Letras. Inicialmente, segundo ela, desejava ser jornalista, mas seu pai
não permitiu que estudasse no município vizinho de Pelotas, que oferecia o curso.
Na sequência, decidiu prestar vestibular para Medicina, mas não foi aprovada por
poucos pontos. Ingressou no curso de Letras, pelo qual “se apaixonou
completamente”, conforme seu relato. O fato de R. M. possuir sólida formação
anterior em língua francesa também contribuiu para que o curso lhe “abrisse um
leque de possibilidades”.
Esse leque aberto permitiu que R. M., apesar de professora de literatura e
língua portuguesa, participasse como supervisora em sua escola do PIBID 132 de
língua francesa, disciplina inexistente hoje nos currículos da rede pública, mas que
integra o programa. Grande admiradora da iniciativa, a professora afirma que,
quando estava em contato com os acadêmicos de Letras no ambiente da escola,
ouvia constantemente suas queixas a respeito da infraestrutura precária da
instituição.
Na condição de professora supervisora do programa no “Subprojeto Francês”,
ela foi ganhadora de uma bolsa de estudos de um mês na cidade de Nantes, na
França, oferecida pela CAPES através de edital em âmbito nacional. O prêmio, que
ela dividiu com apenas outra professora em todo o país, fez com que passasse a ser
reconhecida entre seus pares e gestores. Segundo ela,

Esse projeto, o PIBID, foi bastante positivo pra mim. E o fato de a


gente ter ganhado aquela bolsa (naquele ano em que fomos duas
professoras do Brasil de escola fundamental), eu acho que isso fez
com que os gestores na minha escola passassem a olhar de maneira
diferente. Acho que isso fez com que eles enxergassem assim: “ah...
né... nossa professora ganhou!”. Tirando a docência, (foi a) melhor
experiência de formação da minha vida.

Pergunto a R. M. como ela conceituaria literatura. Na primeira fase da


pesquisa, quando respondeu ao questionário, a professora afirmava que literatura
era “a transfiguração do real, a realidade recriada pelo artista e retransmitida através
da língua”. Meses mais tarde, sua resposta parece guiada por outros princípios:
“literatura para mim hoje, em licença-prêmio, é lazer, evasão. Eu leio diariamente,

132
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID).
192

mas não leio hoje com aquele olhar voltado para o ensino de literatura”. Livre do
dever profissional, a literatura atinge outras dimensões, cumprindo um papel
diferente na vida de R. M., que afirma ler atualmente apenas como fruição.
Quando respondeu ao questionário, R. M. afirmava ter lido nove livros de
ficção no ano anterior, o que a destacou entre o grupo de professores participantes
da pesquisa. Em seu “cânone particular” estavam obras de Mia Couto, Mario
Benedetti, Isabel Allende, Carlos Drummond de Andrade, Héctor Habad, Pascal
Mercier, entre outros. Segundo ela, suas escolhas são feitas sem um critério
definido: podem ser indicações de amigos ou mesmo a força do nome de um autor,
que a faz adquirir a obra sem necessitar de referências prévias sobre o título.
Ao discorrer a respeito das dificuldades encontradas durante sua vida
profissional com relação ao trabalho com a literatura, R. M. assegura que despertar
o gosto pela leitura em seus estudantes sempre foi um desafio constante, sobretudo
no primeiro ano do ensino médio, em que muitas vezes é necessário inclusive
ensinar-lhes a distinguir um texto literário dos demais. A resistência por parte dos
alunos à leitura de obras de maior volume era outro obstáculo ao desenvolvimento
de um trabalho mais consistente com as obras. R. M. acredita que a carga horária
destinada às aulas de literatura é um dos fatores mais preocupantes:

Uma aula de literatura? É humanamente impossível fazer um


trabalho decente! Eu acho que arte se ensina, porque a gente
precisa de alguém que tenha um pouquinho mais de conhecimento
(porque também não é tanto assim), que tenha um pouquinho mais
de conhecimento que a gente e diga: “olha, isso aqui é legal que tu
leias, tu vais gostar, porque vai te falar sobre isso, isso e isso... e
aquilo”. Um orientador das tuas leituras. Eu tive em casa, porque
meu pai lia muito.

No mesmo excerto é possível perceber que papel R. M. atribui ao educador: o


de orientador de leituras, de mediador entre a obra e o sujeito leitor. Para a
professora, que conviveu com um pai leitor e incentivador de suas descobertas
como leitora, a escola é a responsável por preencher as lacunas deixadas por
relações familiares e sociais em que esse estímulo não existe. Parafraseando Paulo
Freire, R. M. afirma que a escola deve ser a porta de entrada para uma leitura do
mundo: “Por que a escola tem de lidar só com as durezas da vida e não ensinar as
bonitezas da vida?”.
193

E, nessa rotina de desafios, ela relata não haver espaço para a frustração.
Suas aulas sempre foram preparadas com antecedência, buscando estar em
sintonia com os acontecimentos narrados nos noticiários e mídias sociais. Assim
como a professora M. L., ela afirma não ter problemas de disciplina com seus
alunos. E a respeito do cansaço ou demais decorrências do excesso de horas/aula
ministradas, ela garante que se tratava de um cansaço físico, jamais causa de
arrependimento.
R. M. também se diz leitora dos documentos oficiais norteadores, oferecidos
pelo MEC. Segundo ela, a escola proporcionou a leitura coletiva em algumas
reuniões pedagógicas. A professora também afirma ter lido recentemente o
conteúdo do PNE, no intuito de avaliar se sua prática estava de acordo com as
orientações do texto. Embora a escola tenha realizado reuniões para apresentar os
documentos, R. M. observa a insuficiência desses momentos, enquanto faz uma
espécie de análise retrospectiva da própria conduta profissional:

Eu acho que trabalhei conforme eu tinha que trabalhar, de acordo


com as orientações. A minha escola não tem a rotina de fazer
reunião pedagógica. Então a gente faz uma reunião por ano, o que
eu acho um absurdo. Era pra ter uma por semana, no mínimo. A
maneira como eu me construí como profissional foi mais ou menos
um trabalho solitário, porque não tinha parceria na escola, a não ser
com um ou outro colega. Dentro da escola não há um lugar pra
discussão.

Quanto à seleção de conteúdos e à metodologia adotada, R. M. reconhece


que segue parcialmente o programa determinado para as aulas de literatura. Ela tem
consciência de que os tópicos induzem que se ensine “história da literatura”, com
ênfase para a periodização. Para o trabalho com o texto literário, costuma solicitar a
leitura completa da obra, ainda que provoque certa resistência por parte dos alunos.
Pergunto à professora se a graduação em Letras havia deixado lacunas,
perceptíveis em sua prática docente. Para R. M., o curso correspondeu às
expectativas. Ela ainda ressalta que, se fosse possível, viveria novamente a
experiência de ser acadêmica do curso de Letras, que teve disciplinas acrescidas
recentemente em seu quadro de sequência lógica (as quais gostaria de cursar). Em
linhas gerais, ela avalia sua formação acadêmica como excelente e muito sólida,
complementada no hábito regular de ler e estudar em casa.
194

Quanto ao livro didático, R. M. afirma utilizá-lo “às vezes”, em função da


insuficiência de cotas para o uso da máquina copiadora da escola e da escassez de
livros no acervo da biblioteca. Segundo a professora, ela se vê obrigada a utilizar o
manual. Ela observa que, entre seus colegas, muitos usam somente o livro didático,
o que limita muito o contato com vertentes plurais de pensamento teórico, já que a
única perspectiva adotada será a do autor do livro. Outro fator negativo observado
por R. M. é a dependência do professor diante do livro didático, o que faz com que o
aluno passe a questionar inclusive a necessidade de aulas presenciais.
A biblioteca de sua escola, segundo R. M., é um espaço amplo e mal
organizado. Possui um bom acervo de livros e periódicos, mas não conta com uma
bibliotecária; é uma professora em desvio de função que atua no setor. O fato de
não ter um profissional amplamente capacitado acarreta problemas na catalogação
e organização dos volumes, bem como a carência de projetos que movimentem o
ambiente. Ela reconhece, com pesar, que os estudantes gostam de frequentar a
biblioteca, mas “ficam lendo revistas, lendo Caras, lendo Veja”.
Quando pergunto o que R. M. desejaria para que seu trabalho atingisse um
maior rendimento, ela corrobora as reivindicações de suas colegas entrevistadas:
quer uma sala multimídia funcionando adequadamente, com material que contemple
a realidade da escola em que trabalha. Ela também acredita que a cota para as
fotocópias não é suficiente, o que interfere diretamente no acesso a materiais
alternativos ao livro didático. Como última observação, a professora lembra que
investir na biblioteca é fundamental.
Para finalizar, peço que ela discorra sobre sua relação particular com os
gestores da escola. R. M. acredita ter conquistado o respeito da equipe diretiva com
o tempo, já que no começo de sua carreira era identificada como “aquela que tá
inventando moda”, ou ainda, “aquela que causa problemas”, em função de seus
métodos pouco ortodoxos. Ela atribui a mudança de tratamento, que observa ter
acontecido por parte de seus supervisores, ao reconhecimento dos alunos e por
parte da Universidade, desde a consolidação da parceria firmada pelo PIBID.
Segundo a professora, hoje ela é vista de outra forma, embora seu trabalho tenha
sido alvo de críticas no passado.
195

3.6.4 J. C.: a professora que sonha com os palcos

A escola de J. C. é a mais afastada do meu trajeto usual. Foi necessário


agendar com antecedência a visita, para ter certeza de que encontraria a professora
com tempo suficiente para uma conversa sem pressa. A Vila da Quinta, distante
aproximadamente 20 quilômetros do centro, é um distrito do município do Rio
Grande, com aproximadamente oito mil habitantes. A escola de J. C. está localizada
próximo à rodovia Rio Grande-Pelotas (BR-392), o que atrai muitos educadores do
município vizinho concursados em Rio Grande. O local, que conta com mais ou
menos 700 alunos e 70 professores, atende às etapas de ensino fundamental,
ensino médio e educação de jovens e adultos (EJA).
J. C. é natural do Rio Grande, reside em um bairro próximo ao centro da
cidade, tem 46 anos e atua como professora há 22 anos. Ela concluiu o curso de
Letras-Português na FURG em 1991 e não possui título de pós-graduação. Conheci-
a na primeira fase da pesquisa, quando ela me recebeu rapidamente na escola,
apressada para concluir o expediente de trabalho. Suas respostas ao questionário
foram breves, deixando transparecer certo desconforto com a situação.
No retorno à escola para a realização da entrevista gravada, J. C. me recebeu
novamente no espaço da biblioteca, alegando pouco tempo, já que teria deixado sua
turma copiando “a parte teórica” do conteúdo enquanto me atenderia. A situação
causou-me constrangimento, tanto por interromper sua aula quanto por saber que
teria menos tempo que o esperado para a entrevista.
J. C. iniciou seu relato afirmando que acredita na vocação como garantia de
manutenção do professor em sala de aula: “Se tu não tens vocação, muitas pessoas
desistem”. Para ela, ser professor é uma tarefa árdua, que exige equilíbrio entre a
necessidade de remuneração adequada e o amor pela profissão. Ela atribui ao baixo
salário do professor e à desvalorização social dos docentes da rede básica o fato de
poucos jovens optarem por seguir a carreira. A professora ainda faz uma ressalva,
afirmando que no caso dos professores federais a situação é diferente, já que
gozariam de maior status na sociedade e maior remuneração.
J. C. declarou que jamais imaginara que seria professora. Inicialmente,
pensava em cursar Educação Física ou Artes Visuais, mas acabou desistindo e
prestou vestibular para Letras, pela afinidade que tinha com a língua portuguesa. Ela
196

admite que não planejava exercer a profissão e que seu principal objetivo com o
curso era estudar para aumentar seus conhecimentos:

Claro que quando me formei, tive que assumir essa função. E aí eu


passei a gostar, porque antes eu não me via como professora. Só me
vi como professora quando comecei a trabalhar. E comecei a gostar,
então, resolvi seguir, porque já tinha no fundo uma vocação e não
sabia.

Em sua rotina como professora de literatura, J. C. observa que os estudantes


não costumam ver a disciplina com bons olhos, o que ela atribui ao fato de não
gostarem de ler. Segundo ela, os alunos que gostam de estudar literatura na escola
são justamente aqueles que já cultivam o hábito da leitura em ambiente doméstico.
A professora, que se sente presa ao cronograma de atividades exigido pelo
programa de conteúdos, admite que, em função disso, muitas vezes não consegue
oferecer opções mais atraentes aos seus alunos.
Com relação às suas leituras pessoais, desvinculadas de seu trabalho, J. C.
queixa-se da vida corrida que leva e que muitas vezes a impede de ler tanto quanto
gostaria. Seus pais concluíram o equivalente ao ensino fundamental e, apesar do
pouco tempo de estudo, ela relata que sua mãe costumava ler muitas histórias
infantis, o que fez com que ela desenvolvesse o gosto pela ficção desde muito
jovem. A professora afirma que, quando pode, escolhe suas leituras pelo enredo ou
pela temática: “Se não é um tema que eu gosto eu não consigo ir até o fim”. Na
primeira fase da pesquisa, ela havia lido duas obras de ficção no ano anterior:
Doidas e santas, da cronista gaúcha Martha Medeiros, e A falecida, de Nelson
Rodrigues.
O vínculo com o gênero dramático é notável no discurso e na prática docente
de J. C. Assim que ela aprendeu a ler, desenvolveu o hábito de encenar com suas
primas os clássicos da literatura infantil. Afirma que, sempre que pode, também
associa o ensino de literatura com outras artes, como a pintura e as artes plásticas.
É possível perceber, em seu relato, a falta de contato com correntes teóricas da
educação, ou mesmo com termos já usuais no cotidiano de sala de aula, como a
interdisciplinaridade, que ela sugere, sem, no entanto, mencionar:

Geralmente eu gosto de trabalhar a literatura voltada para as artes.


Também gostaria de ter feito educação artística e não fiz. Então, eu
já fazia trabalho literário com os alunos voltado para as artes.
197

Geralmente, quando eu trabalho poesia, eu trabalho com “desenhos”


relacionados. Às vezes eu trabalhava a própria prosa: “pega uma
cena e faz um desenho”. Agora tá muito “em moda”, quando faz
aquele trabalho de recuperação... aí vem o professor de português e
faz as questões “em cima”, vem o de educação artística e faz as
questões “em cima”...

J. C. coordena um projeto com um grupo de teatro na comunidade escolar.


Essa parece ser a atividade mais prazerosa e satisfatória para a professora, que
realiza atividades regulares envolvendo artes cênicas há muitos anos na mesma
escola. Ela afirma gostar muito de propor tarefas que envolvam o aspecto lúdico e
acredita ter vocação para ser uma “arte-educadora”. A relação entre o teatro e as
aulas de literatura se dá por meio da adaptação de obras literárias para encenação.
J. C. costuma escolher com seus alunos um determinado texto e distribuir os papéis
das personagens entre o grupo:

Quando eu vejo que tá se formando, que o texto literário “saiu do


papel” e tá ganhando vida e o aluno não vai esquecer daquilo...!
Porque pra ele é muito importante, ele gravou aquelas falas, ele já
sabe quem é o autor, como é o personagem, como é que ele sente,
como é que ele pode agir, como é que ele pode fazer diferente...
Então, é muito gratificante!

Segundo J. C., a participação ou não no grupo de teatro fica a critério do


aluno. Para tanto, os ensaios são realizados no turno inverso ao das aulas, como
atividade extracurricular. Além dos encontros, os integrantes registram suas
impressões sobre as atividades em um portfólio, que ela guarda com muito apreço. J.
C. diz que, nos dias de ensaio, volta para casa feliz e realizada com o seu trabalho.
Entretanto, quando questionei quais eram suas maiores dificuldades no
trabalho com a disciplina de literatura, ela foi categórica: “a questão da leitura”.
Segundo a professora, seus alunos estão acostumados a lidar com questões
“teóricas”, que envolvam copiar textos e resolver exercícios. Mas quando é sugerida
a leitura de alguma obra na íntegra, forma-se uma barreira muito grande. Os alunos
passam a procurar resumos na internet e apresentam “tudo pronto”. Como forma de
contornar essa situação, J. C. solicita uma apresentação oral do trabalho de análise,
para que possa realizar a verificação da aprendizagem da forma mais eficaz.
Para J. C., o ensino institucionalizado de literatura no ensino médio atua como
uma espécie de complementação aos conhecimentos gerais de seus estudantes. Se
198

não fosse a disciplina na escola, o aluno “nunca saberia o que é literatura, ele vai
ficar sempre naquela aula de português”. Ela defende o incentivo à leitura na sala de
aula como forma de oportunizar o contato do jovem com a ficção e com o
componente lúdico das obras.
Perguntei à professora J. C. se ela havia lido os PCNs e/ou demais
documentos oficiais norteadores do trabalho docente fornecidos pelo MEC. Ela
hesita. Fala sobre o teatro que faz com os alunos... fala sobre a relação entre a
literatura e outras artes. Insisto e pergunto se esses temas são abordados nos
PCNs; ela diz que sim e segue discorrendo sobre o teatro, queixando-se do
engessamento do conteúdo, dizendo que é solicitada a seguir o programa. Pergunto
se os professores de sua escola tiveram oportunidade de ler os documentos. Ela
responde, rapidamente, que alguns leram durante reuniões escolares, mas não
parece confortável com a pergunta e percebo que pretende mudar de assunto.
Finalmente, pergunto se foi nos PCNs que ela encontrou uma possibilidade de aliar
literatura e outras artes. E então, J. C. admite: “Na verdade eu encontrei o ‘gancho’
porque eu gosto. Não segui as orientações dos PCNs. Tem alguma coisa na minha
vocação, de trabalhar essa parte, como se diz... arte-educadora, né? Gosto muito”.
Quanto aos critérios utilizados na preparação de suas aulas, J. C. afirma que,
após 23 anos de exercício da função, já teria internalizado determinados
procedimentos e que automaticamente “imagina” como trabalhar cada conteúdo. Ela
costuma utilizar filmes baseados em romances da literatura brasileira, assim como E.
S. Outra estratégia é realizar seminários em grupos com os alunos; cada grupo fica
responsável pela leitura e apresentação de uma obra para a turma. A professora
seleciona determinados romances, apresenta rapidamente episódios do enredo e os
grupos elegem a obra que preferem estudar.
Com relação às lacunas identificadas por J. C. em sua formação acadêmica,
ela acredita que o curso de Letras não prepara efetivamente o estudante para ser
professor. Ela afirma que aprendeu ou “concretizou o aprendizado”, conforme suas
palavras, com o cotidiano de sala de aula. Para a professora, “Ficou muito teórico,
muito distante. Eu acredito que aprendi muito trabalhando, dando aula”. Sobre o uso
do livro didático, J. C. diz o seguinte:

Eu faço assim: a escola recebe os livros e eu dou uma olhada (para


ver) se me agrada. A gente escolhe, mas nem sempre vem o
escolhido. Quando chega o livro, a gente vê se é aquele solicitado ou
199

não... e aí algumas coisas eu uso bastante, principalmente os


textos... então ali já estão o conteúdo e os textos. Eu aproveito muito,
só que se eu vejo que está faltando alguma coisa, aí eu trago essa
parte que está faltando ou faço a sugestão em forma de trabalho.
Depende da experiência que o professor tem. Certos conteúdos
servem para fazer um trabalho e certos conteúdos é melhor fazer
uma prova. E aí a gente vai jogando.

Pergunto se, então, ela utiliza o livro como uma espécie de apoio e ela
responde que sim. J. C. demonstra ser em parte o que se costuma classificar como
professor “conteudista”. Ela reforça essa característica em vários momentos da
entrevista, quando assinala a importância de “vencer” o conteúdo proposto para as
aulas de literatura em cada etapa do ensino médio. Com relação ao uso do livro
didático, ela não tece qualquer crítica ao material, preferindo salientar a praticidade
de ter textos e atividades disponíveis para o uso em sala de aula. Quando afirma
realizar adaptações ou complementação, também não deixa claros os critérios ou
metodologia utilizados para tal. Entretanto, o fato de J. C. trabalhar com filmes,
teatro e com o que ela qualifica como “componente lúdico” das obras, faz de suas
aulas um espaço agradável de troca e de possibilidades de criação, além de
proporcionar o contato com diferentes suportes e linguagens.
A respeito das visitas à biblioteca escolar, a professora relata que, em função
do tamanho pequeno da sala, seria inviável levar uma turma inteira para trabalhar no
local. Ela prefere escolher algumas obras e levar o material para a sala de aula,
onde os alunos podem selecionar suas leituras, de acordo com a proposta
pedagógica estipulada:

Eu vou lá, explico a parte teórica e seleciono alguns contos, crônicas,


fábulas. Os romances eu já deixo pra trabalhar no segundo ano,
porque eles (os alunos de primeiro ano) são novatos, estão recém
aprendendo o que é literatura. Então eu procuro entrar com um texto
curto. Levo para a aula e eles começam a manusear os livros dessa
maneira. Eles ficam manuseando, leem um pouco, se não gostam da
história, trocam. Já quando chegam no segundo ano, que daí ainda
estamos presos ao conteúdo, eu pego os romances, conto um pouco
das histórias, para que eles se sintam interessados em saber. Conto
uma parte do enredo. Mais ou menos assim, dessa forma.

Nos encaminhamentos finais da entrevista, pergunto à professora J. C. quais


seriam as suas principais reivindicações para que sua prática docente obtivesse
resultados mais satisfatórios. Inicialmente, ela assinalou a falta de reconhecimento
200

por parte do poder público, justificando a luta histórica do magistério por melhores
salários e condições de trabalho adequadas. Em seguida, disse que gostaria que
seus alunos demonstrassem a compreensão de que a liberdade do professor é
limitada pelas imposições do programa de conteúdos e de que nem sempre ela pode
trabalhar conforme sua vontade.
J. C. ainda salientou o desejo de contar com uma sala específica para as
aulas de literatura, equipada com uma pequena biblioteca e computadores. Esse
último “pedido” ela qualifica como um sonho de difícil realização, pelo fato de estar
em uma escola pública. Segundo ela, um “sonho mais possível” seria ter em todas
as salas de aula um projetor multimídia ou uma TV. Assim como as demais
professoras entrevistadas, J. C. se queixa da infraestrutura precária da escola e das
dificuldades com o manuseio de equipamentos de áudio e vídeo, fato que interfere
no andamento das poucas horas/aula de que dispõe:

Ontem mesmo eu ia terminar de assistir esse filme, que te falei. E aí


nós levamos quase duas horas “montando” o multimídia. E aí
desestimula! Quando faltavam cinco minutos para terminar a aula,
conseguimos. Então, por mais boa-vontade que tu tenhas,
desmotiva...

Para finalizar, pergunto se a professora tem apoio da equipe gestora de sua


escola para a realização de seu trabalho. Ela considera que sim, que sempre que
propõe um trabalho diferenciado relacionado às artes, os gestores apoiam e
costumam demonstrar contentamento. J. C. se despede de nosso breve encontro
afirmando: “O aluno precisa vivenciar. Se eu chego e dou o conteúdo e não peço
nada em troca, ele esquece. Agora, se ele vivenciou o conteúdo, ele não esquece”.
É provável que o que ela define como “vivência do conteúdo” sejam as propostas
relatadas por ela de trabalhos diretamente com as obras, além das aulas de teatro.
Apesar de não conceber maneiras de renunciar ao conteúdo programático, o
discurso de J. C. é marcado pela responsabilidade de verificação/avaliação através
de uma experiência concreta com o texto literário.
201

3.7 Entrecruzamentos dos discursos: considerações a respeito das entrevistas

À medida que realizava a leitura atenta de cada uma das entrevistas, foi
possível estabelecer determinados pontos de diálogo ou dissonâncias entre os
discursos. Em diversos momentos e independentemente do perfil de cada
profissional, as opiniões pareciam orquestradas, como se eu estivesse diante de
uma única professora de literatura. Em outros, porém, pude presenciar quatro
posturas completamente únicas, marcadas por camadas de história e vivências
intransferíveis.
Assim, traçar uma espécie de “perfil” do professor de literatura em Rio Grande
certamente ultrapassa a mera justaposição de representações. É, antes, uma
tentativa de estabelecer relações entre o fazer profissional desses sujeitos,
socialmente inseridos em um ambiente hostil e em um contexto de crise, mas
individualizados e movidos por suas trajetórias pessoais.
Em linhas gerais, as quatro entrevistadas, com idade entre 42 e 53 anos,
possuem tempo considerável de experiência docente 133, tendo consolidado
conceitos razoavelmente claros a respeito do exercício da função. Com relação à
titulação acadêmica, duas possuem cursos de especialização lato sensu e duas
apenas concluíram a graduação em Letras. Apesar do aumento significativo de
professores da rede básica com título de mestrado e doutorado, nenhuma das
entrevistadas declarou abertamente ter interesse em seguir com os estudos 134. Duas
delas, provavelmente pela aproximação da aposentadoria, revelam um discurso
nostálgico e marcado pela ideia de conclusão de uma etapa importante da vida.
Com relação à escolha profissional, alguns pontos em comum nos discursos
são interessantes para a discussão: todas relataram uma experiência de
“arrebatamento” após o ingresso na graduação. Nenhuma das entrevistadas tinha a
pretensão inicial de cursar Letras, tendo abdicado de seus projetos iniciais de atuar
em outras áreas. Em contato com as disciplinas, porém, as quatro revelaram ter
surgido um sentimento de aproximação e identificação com o curso, fato que acabou
133
Entre 15 e 26 anos de atuação no magistério.
134
Atualmente, de acordo com o plano de carreira do magistério público estadual, a gratificação
concedida pela conclusão de um curso de especialização, mestrado ou doutorado corresponde a
10% de acréscimo sobre o salário básico do professor, independente da titulação obtida, sendo
permitida apenas uma progressão. Apesar do pequeno incentivo à formação continuada, no ano de
2006, dos 74.869 professores estaduais ativos no Rio Grande do Sul, 29.470 possuíam curso de pós-
graduação. Dados disponíveis em: <cpers15nucleo.com.br/textos/plano_carreira_edicao_para_a_
sineta.doc>. Acesso em: 26 jan. 2016.
202

por conduzi-las à conclusão da licenciatura e seguir a carreira docente. Trechos


como “passei a gostar”, “entrei no curso de Letras e me apaixonei completamente”,
“no meio do caminho comecei a trabalhar a questão da educação” e “fiz Letras
Português-Inglês e me apaixonei pela ideia de ensinar” legitimam tal afirmação.
Via de regra, as paixões são consideradas historicamente como guias do
movimento humano, o que internamente conduz a tomar determinada atitude diante
da realidade vivida. Assim, a paixão conduz a uma combinação de sentimentos
associados à dor e/ou ao prazer. Em síntese, ser “apaixonada pelo magistério” não
implica necessariamente uma visão sublime relativa ao próprio trabalho, mas admitir
ser movida por um impulso, em certa medida, incontrolável.
Da mesma forma, nenhuma das professoras aceita a ideia de que o
magistério esteja mais associado a uma vocação, missão ou sacerdócio do que a
uma carreira profissional, que inclua valorização por parte dos agentes públicos e da
sociedade em geral. Em diferentes níveis, as quatro entrevistadas assinalaram que a
luta por condições dignas de trabalho é essencial para o desenvolvimento de um
trabalho de qualidade. Entretanto, todas acreditam que ser professora é tarefa do
afeto, que ultrapassa a formação técnica e está ligada a uma espécie de inclinação
pessoal que se revelou com o passar do tempo.
Com relação à ideia de sacerdócio ou vocação associada ao magistério, tal
conexão está diretamente relacionada ao processo de feminização da profissão
docente, que, progressivamente, passou a conceber a imagem da professora como
uma extensão da mãe, como uma espécie de “cuidadora” do alunado, que
desempenha suas atividades por inclinação de alma, por possuir um dom especial
para isso (LOURO, 1997, p. 78). Segundo Bruschini e Amado,

Com tão poucas vantagens, em suma, como se explica que o


magistério ainda seja visto como sacerdócio ou vocação?
Provavelmente porque a ideologia da vocação, do amor e da
dedicação tem justamente por função encobrir as condições
concretas em que se dão as relações de trabalho. Esvaziando a
carreira de seu conteúdo profissional leva à quase inexistência de
reivindicações de melhores salários e mais poder por parte da
categoria. (BRUSCHINI; AMADO, 1988, p. 7).

A ideia de vocação, ainda que rejeitada a priori pelas professoras


entrevistadas, parece embutida na escolha profissional através do conceito de
203

“arrebatamento”, como se fosse impossível escapar às leis do destino. Quanto às


ilusões da escolha profissional, novamente são relevantes as observações de
Bruschini e Amado:

Historicamente, o conceito de vocação foi aceito e expresso pelos


próprios educadores e educadoras, que argumentavam que, como
a escolha da carreira devia ser adequada à natureza feminina,
atividades requerendo sentimento, dedicação, minúcia e paciência
deveriam ser preferidas. Ligado à ideia de que as pessoas têm
aptidões e tendências inatas para certas ocupações, o conceito de
vocação foi um dos mecanismos mais eficientes para induzir as
mulheres a escolher as profissões menos valorizadas
socialmente. Influenciadas por essa ideologia, as mulheres
desejam e escolhem essas ocupações, acreditando que o fazem
por vocação; não é uma escolha em que se avaliam as
possibilidades concretas de sucesso pessoal e profissional na
carreira (BRUSCHINI; AMADO, 1988, p. 7).

Entretanto, a permanência histórica das mulheres como maioria na carreira


docente não significou necessariamente a manutenção do perfil dessas educadoras.
As professoras normalistas, restritas ao contexto do ensino primário de outrora,
passaram a ocupar as universidades em busca de cursos de pós-graduação, em um
processo de profissionalização progressiva da carreira docente. Prova disso são os
índices de ingresso e conclusão de cursos superiores, divulgados em 2015 pelo
portal do MEC135: “O percentual médio de ingresso de alunas até 2013 foi de 55% do
total em cursos de graduação presenciais. Se o recorte for feito por concluintes, o
índice sobe para 60%”.
As professoras entrevistadas atribuem à desvalorização da carreira e às
dificuldades que envolvem a profissão os altos índices de rejeição aos cursos de
licenciatura por parte dos jovens que realizam inscrição no SISU. Por seu turno, M.
L. acredita que o estudante desses cursos atualmente almeja seguir a carreira
acadêmica e vislumbra uma vaga como professor universitário, relegando a
educação básica a uma última opção. As demais entrevistadas afirmam que os
baixos salários e a falta de estímulo são os principais motivos do esvaziamento dos
cursos de formação de professores no país.

135
Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/educacao/2015/03/mulheres-sao-maioria-no-ingresso-e-
na-conclusao-de-cursos-superiores>. Acesso: dez. 2005.
204

Para compreender tal crise, constatada nos cursos de licenciatura, talvez seja
interessante conceber os cursos de formação de professores como parte de um
projeto político (e histórico) de educação para o país. O que está em crise é,
portanto, o próprio sistema educacional que temos mantido e que não mais se
sustenta. Assim, se é consenso que a escola já não corresponde às expectativas
sociais enquanto instituição responsável pela formação intelectual dos jovens, então
qual a razão para que alguém desejar seguir a carreira docente? Ao mesmo tempo,
onde localizar a gênese da crise? De acordo com Antônia Aranha e João Valdir de
Souza (2013), essa seria uma tarefa hercúlea, já que ela se desenvolveu em
paralelo à própria constituição dos sistemas de ensino no país. Segundo os autores,
com relação à crise nos cursos de licenciatura,

Ela combina ingredientes de natureza muito diversa, mas o


elemento-chave da sua explicação é o baixo valor do diploma de
professor, sobretudo na educação básica, tanto no mercado de
bens econômicos (salário) quanto no mercado de bens simbólicos
(prestígio). Esse baixo valor do diploma expressa uma terrível
contradição: quanto mais expandimos a oferta do ensino escolar,
maior se revela nossa dificuldade de formar professores para
atendê-la. Quanto mais escolarizada se torna nossa sociedade,
maior é a sensação de que a escola não corresponde ao que
esperamos dela no nosso tempo. (ARANHA; SOUZA, 2013, p.
10)

Quanto à forma como a literatura é concebida pelas quatro professoras, as


respostas apresentaram divergências significativas, o que certamente influencia no
planejamento e execução de seu trabalho em sala de aula. No caso de M. L., a
literatura é vista como “a arte da escrita”. Já para R. M., que se encontrava afastada
por uma licença, naquele momento a literatura relacionava-se à evasão, à fruição e
ao deleite pessoal, dissociada do fazer profissional. No caso de E. S. e J. C.,
contudo, o caminho escolhido foi o de problematizar o trabalho com a disciplina, no
lugar da construção de um conceito objetivo. Em todos os casos, em que pese a
complexidade do tema, é notável certa displicência em elaborar a resposta, já que
nenhuma das quatro relativizou o conceito ou mencionou a pluralidade de acepções
que envolve o termo.
Quanto ao uso do livro didático, duas professoras afirmaram não o utilizar,
enquanto as outras o fazem com restrições. Nenhuma delas parece confirmar a
hipótese inicial de que o professor de literatura utiliza o manual como única fonte de
205

conteúdo para suas aulas. Mesmo as professoras que fazem uso regular do livro
didático relatam buscar outros materiais e recursos, como filmes e o trabalho com
teatro. Entretanto, a ausência de momentos de reflexão sobre a própria prática leva
muitas vezes à aceitação do conteúdo programático escolar e das atividades
propostas pelo material, o que afasta possibilidades de contato com obras e autores
do circuito alternativo.
A falta de tempo e o desgaste oriundo da atividade docente também
interferem diretamente na disponibilidade do professor da rede básica para realizar
leituras não relacionadas ao seu trabalho. As professoras entrevistadas não são
diferentes; quando questionadas a respeito de seus hábitos de leitura, queixaram-se
da rotina intensa e cansativa, que lhes toma praticamente todo o tempo e faz com
que escolham ler justamente obras que possam ser aproveitadas no trabalho em
sala de aula ou que lhes garantam momentos de prazer e relaxamento.
M. L. e E. S. têm predileção por obras de teor religioso ou espiritualista. As
duas também afirmam realizar a leitura de romances direcionados ao público jovem
como estratégia para conquistar seus alunos, oferecendo a possibilidade de
trabalhar com obras que fazem parte de sua realidade fora do ambiente escolar.
Segundo E. S., ao optar pelo trabalho com best-sellers, sobretudo aqueles que são
voltados para o público adolescente, foi possível descobrir que muitos de seus
alunos já consumiam esse tipo de obra. A professora encontrou um caminho para
introduzir o hábito da leitura em sala de aula: “O que agrada a eles, eles leem. Eu é
que tenho que chegar até lá e fazer a caminhada inversa”. Segundo Felipe Pena,

Há uma lacuna nos estudos literários sobre best-sellers. Poucos são


os acadêmicos interessados no gênero, que sofre com juízos de
valor pré-concebidos e uma desvalorização estética disseminada
pela mídia. Por essa premissa, o que é fácil de ler não tem valor
literário, e quem discorda dela é tachado de superficial. Ao contrário
do que apregoam certos apocalípticos, a popularização da tecnologia
valorizou a escrita e, portanto, aumentou o interesse pelo texto, pela
palavra. Escrevemos para sermos lidos, o que deveria ser óbvio, mas
parece um pecado mortal no sacro universo de nossa literatura.
(PENA, 2010, p.11)

No caso de R. M., afastada por uma licença, o momento era de libertação.


Sem o compromisso com o planejamento de aulas diárias, a professora, que se
declara leitora assídua de ficção, relatou estar vivendo uma fase de puro deleite:
“Literatura pra mim, hoje, em licença-prêmio, é lazer, é evasão. Eu leio diariamente,
206

mas não leio hoje com aquele olhar voltado pro ensino de literatura. Eu leio só pro
meu desfrute, pro meu prazer, entendeu?”.
Por seu turno, J. C. afirma que, dependendo do tempo disponível, lê obras
que escolhe pela temática ou pelo enredo. Ela também diz que nem sempre conclui
as leituras que inicia: “Eu começo a ler e, se já não é um tema que eu gosto, eu não
consigo ir até o fim”. É interessante observar que a mesma professora que assume
ter lido apenas duas obras de ficção no último ano queixa-se da falta do hábito de
leitura entre seus alunos. Quando conversamos sobre as dificuldades encontradas
por ela no trabalho com a literatura, J. C. foi categórica: seu maior problema é lidar
com alunos que não gostam de ler. Quanto a essa questão, Marisa Lajolo aponta
para a necessidade de uma reflexão permanente acerca dos hábitos de leitura dos
educadores, já que

A discussão sobre leitura, principalmente sobre a leitura numa


sociedade que pretende democratizar-se, começa dizendo que os
profissionais mais diretamente responsáveis pela iniciação na leitura
devem ser bons leitores. Um professor precisa gostar de ler, precisa
ler muito, precisa envolver-se com o que lê. (LAJOLO, 2005, p. 108)

Embora nem todas as professoras mantenham hábitos regulares de leitura, as


quatro ressaltam que uma das maiores dificuldades encontradas em seu trabalho
diário com a disciplina é a relutância dos alunos em ler as obras selecionadas para
atividades em sala de aula. É conveniente observar que, segundo dados da
pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”136 publicada em 2012 e realizada pelo
Instituto Pró-Livro em parceria com o Ibope Inteligência, o principal influenciador de
leitura de crianças e jovens é o professor, com 45% das respostas, superando
inclusive o papel da mãe (ou outra figura familiar feminina), que corresponde a 43%
do total das respostas obtidas.
Na mesma pesquisa, quando analisado o comportamento leitor dos
professores brasileiros, dos 145 docentes entrevistados, 13 afirmaram não gostar de
ler, seguidos de 38 que gostam pouco e de 94 que afirmaram gostar muito. O
gênero preferido entre as leituras dos educadores é a autoajuda. Quando foi

136
Em 2011, na terceira edição da pesquisa, o IBOPE Inteligência entrevistou mais de cinco mil
pessoas em 315 municípios brasileiros. Para definir a amostra estudada, considerou-se a distribuição
da população de mais de cinco anos pelas regiões brasileiras, conforme os dados da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD de 2009: Norte (8%), Centro-Oeste (7%), Nordeste
(28%), Sudeste (42%) e Sul (15%).
207

solicitado que elencassem as últimas leituras realizadas, 73 não foram capazes de


citar nenhum autor lido nos três meses anteriores à pesquisa. Da mesma forma,
apenas três educadores relatam que, quando dispõem de tempo livre, preferem a
leitura a outras atividades de lazer.
Com frequência, professores não-leitores apresentam dificuldades em
confrontar as imposições dos conteúdos programáticos dos livros didáticos, bem
como as concepções teórico-ideológicas subjacentes aos manuais. Como
consequência, acabam selecionando para o trabalho com seus alunos justamente
aquelas obras elencadas pelo suporte pedagógico.
Na sequência dos tópicos abordados nas entrevistas, perguntei às
professoras o que pensavam a respeito da escolarização da literatura e sobre a
relevância de esta seguir como uma disciplina obrigatória para o ensino médio,
considerando o contexto atual. Embora as respostas apresentem variações, todas
as educadoras salientam a importância da disciplina de literatura como forma de
suprir a carência familiar no que tange ao contato com obras de ficção e ao incentivo
ao hábito regular da leitura.
M. L. e J. C. apontam para a necessidade de oportunizar o contato dos alunos
com as obras literárias. Segundo M. L., “muitas vezes o aluno que chega pra nós só
vê novela”. Para a professora, a disciplina de literatura garante a possibilidade de
ampliar perspectivas diante da realidade vivida. Já para E. S., a literatura não
precisaria ser uma disciplina, desde que houvesse, de maneira interdisciplinar, uma
mediação constante das leituras dos estudantes, desde os primeiros anos escolares.
Tiane Reusch de Quadros corrobora esse pensamento, quando, ao dialogar com
reflexões de Chiappini (2005), afirma:

De acordo com Chiappini (2005, p.141), se pensarmos a literatura


não apenas como um sistema de obras que a tradição consagrou e
que os manuais arrolam cronologicamente, notaremos que ela vive
no dia a dia da escola de ensino fundamental desde, pelo menos, a
alfabetização, no caso da literatura escrita; antes disso, no caso da
literatura oral. De alguma forma, há muito tempo a literatura faz parte
da vida dos estudantes de ensino médio. (QUADROS, 2015, p. 69).

Por sua vez, J. C. pensa que a obrigatoriedade da literatura é importante por


ser a única oportunidade de incentivar o hábito da leitura de ficção no ambiente
escolar. De sua parte, R. M. acredita que, apesar da carga horária insuficiente, a
208

disciplina é necessária, já que é responsável por orientar as leituras dos jovens, que
nem sempre dispõem de acompanhamento no ambiente doméstico.
Quanto ao descaso por parte do poder público com relação à área, importa
ressaltar o posicionamento de Cyana Leahy-Dios: “Como disciplina, a literatura é
parte de uma agenda educacional determinada por compromissos ideológicos,
papéis e expectativas político-culturais” (LEAHY-DIOS, 2000, p. 21). Em outras
palavras: a escassez de políticas públicas específicas para o ensino de literatura
evidenciada nos documentos oficiais é, em si mesma, uma manifestação política.
Com relação às publicações oficiais, para efeito da entrevista, optamos por
abordar o contato das educadoras com o conteúdo dos PCNs da área de
“Linguagens, códigos e suas tecnologias” como referência. Perguntei às professoras
se haviam realizado a leitura em algum momento de sua trajetória acadêmica ou
profissional, desde a sua publicação em 1997.
M. L. atribui ao pouco tempo de tempo e a uma dose de resistência com
relação “ao que vem do governo” a falta de contato dos professores com os
documentos oficiais. Segundo ela, que se inclui entre os que não leram os PCNs, o
governo não consulta os educadores para a construção dos princípios norteadores
da prática docente, mas envia a “receita pronta”, de forma verticalizada, para que
seja cumprida. Ela também denuncia a relação direta entre mudanças de paradigma
ou de projetos para a educação com a troca de governo: “Cada vez que muda o
governo vem uma nova cartilha”, afirma.
Por sua vez, E. S. admite que há muito tempo não tem contato com o texto,
que considera mais importante para os professores que se encontram no começo da
carreira e necessitam de maiores orientações. R. M., que concorda quanto à
relevância da leitura dos PCNs, diz que sua escola oportunizou a leitura, embora o
tempo dedicado a isso tenha sido insuficiente em sua opinião. J. C. foi a única a fugir
do assunto, desviando seu discurso do foco da pergunta e discutindo outras
questões, conforme a descrição de sua entrevista. Nenhuma das quatro professoras
aprofundou a discussão sobre o conteúdo do texto, o que permite confirmar a
hipótese de que as condições oferecidas pela escola para a leitura desse tipo de
publicação provavelmente tenham sido insuficientes ou inadequadas 137.

137
Vale ressaltar que a leitura dos PCNs tem sido requisitada como obrigatória para os concursos de
professores, o que provavelmente faça com que os educadores que ingressaram mais recentemente
209

Com relação ao nível de satisfação com a rotina de trabalho, as quatro


professoras descrevem momentos de bem-estar, desde a chegada ao ambiente
escolar até o retorno ao lar. Suas queixas estão relacionadas ao cansaço físico e
mental associado ao excesso de carga horária. Apesar das dificuldades e desafios
diários, nenhuma das entrevistadas relatou sentir-se frustrada ou decepcionada com
a escolha profissional.
O próximo tópico tratava dos critérios utilizados na elaboração das aulas. É
unânime entre as professoras a ideia de que estão orientadas a cumprir o programa
de conteúdos estabelecido para a disciplina de literatura em cada série do ensino
médio. Em diferentes níveis, elas expõem a necessidade de cumprir uma sequência
de temas ligados aos períodos literários, sem, contudo, especificar quem ou qual
instituição seria responsável por exigir tamanha rigidez ou fiscalizar seu trabalho: o
Ministério da Educação? A Secretaria de Educação? O livro didático? O setor de
supervisão da escola?
O engessamento da autonomia do professor parece uma imposição
inquestionável, embora elas revelem estratégias de subversão. Segundo M. L., a
postura servil diante do programa é estimulada desde o curso de graduação: ao
receber estagiários para atuar em sua sala de aula, ela afirma observar o mesmo
padrão de comportamento entre eles.
Enquanto J. C. demonstra uma inclinação prioritariamente conteudista, as
demais professoras afirmam que consideram o interesse de seus alunos como parte
fundamental do planejamento de suas aulas. R. M. menciona um momento de
saborosa desobediência:

No ano passado eu saí fora [do programa] completamente. Ano


passado eu quis trabalhar o Rubem Alves. O Rubem Alves nem faz
parte do nosso programa, mas ele escreveu tanta coisa linda, né?
Então eu pensei: a gente vai trabalhar!

No entanto, no decorrer da entrevista, J. C. assume uma postura de maior


liberdade e flexibilidade, ao discorrer sobre seu trabalho com o teatro, no qual as
obras literárias são encenadas, considerando determinadas escolhas dos
estudantes. Ela também permite que os alunos selecionem, entre um número

na carreira tenham realizado uma leitura mais atenta do texto, o que não é o caso das entrevistadas
neste trabalho.
210

estipulado de romances, aquele sobre o qual realizarão um trabalho em formato de


seminário.
É possível observar, a despeito das divergências entre as escolhas
metodológicas das entrevistadas, uma relativa obediência ao programa de
conteúdos preestabelecido pela escola. Da mesma forma, vemos que a ausência de
um conhecimento constantemente atualizado das teorias subjacentes ao ensino de
literatura interfere diretamente na elaboração e condução das aulas e no
planejamento de atividades, limitando seu potencial criativo.
Não se trata de rotular suas práticas como tradicionais; ao mesmo tempo em
que seguem o programa, estão conscientes de sua falibilidade. Todas apresentam
estratégias alternativas ao mero uso do livro didático. Igualmente, todas
desenvolveram maneiras de aproximar seu discurso da realidade cotidiana de seus
estudantes, de modo a tornar a aprendizagem mais prazerosa e significativa.
Entretanto, o vínculo entre teoria e prática, princípio fundamental para o ensino,
ainda carece de investimento por parte dos agentes envolvidos.
Quanto às lacunas deixadas pelos cursos de licenciatura, duas professoras
não apontaram nenhuma deficiência em sua formação: para M. L. e R. M., o curso
de Letras correspondeu satisfatoriamente às suas expectativas. No caso de E. S.,
ela reclama do contato insuficiente com obras alternativas, fora do circuito
tradicional. Já segundo J. C., a graduação deveria ter focado mais no aspecto
prático do trabalho em sala de aula; ela acredita que o curso priorizou elementos
excessivamente teóricos. Nesse caso, deve ser considerado o longo tempo
transcorrido desde a formação das professoras entrevistadas, o que poderia
dificultar a elaboração de um posicionamento crítico com relação à época da
graduação, já distante de sua realidade cotidiana.
Sobre suas visitas ao espaço da biblioteca escolar, as posições das quatro
educadoras divergem entre si. Se para R. M. o problema é a desorganização do
local e a ausência de projetos que agreguem os alunos, para J. C. a maior
dificuldade está no tamanho do espaço, que ela considera pequeno para abrigar
uma turma inteira. M. L. também observa a falta de organização e de projetos na
biblioteca de sua escola, mas enfatiza o excesso de obras ocupando a sala, o que
deixaria o local sem espaço para mesas onde os alunos possam acomodar-se para
os estudos. No caso de E. S., a biblioteca nem sequer fica aberta no turno de suas
211

aulas, além da falta de livros, que ela avalia como um fator desestimulante para o
trabalho no local.
Se, por um lado, é consenso entre as professoras que as bibliotecas
encontram-se subaproveitadas no espaço escolar, com materiais sucateados e
desorganizadas, por outro, destaca-se a contradição entre os discursos de M. L. e E.
S.: para a primeira, há um excesso de obras na biblioteca; para a segunda, faltam
volumes. Ora, se suas escolas são estaduais e recebem, em tese, a mesma
quantidade de livros (proporcional ao número de alunos), como explicar tal
fenômeno?
O fato é que a situação das quatro educadoras com relação ao uso do espaço
da biblioteca é preocupante: nenhuma delas utiliza o local com regularidade. No
caso de uma disciplina como a literatura essa constatação agrava-se ainda mais: se
os estudantes, em sua maioria, não consomem livros com frequência, como suprir
essa carência? Se os volumes da biblioteca não são utilizados, como equacionar o
problema da dificuldade de acesso às obras literárias? Bernadete Campello afirma:

A verdade é que, para funcionar como um espaço que ofereça


oportunidades de aprendizagem inovadora, a biblioteca precisa ser
construída por aqueles que querem utilizá-la. É preciso haver
investimentos por parte da direção da escola, não apenas na
coleção, mas, sobretudo, na equipe responsável, que deve ser
preparada para trabalhar junto com o corpo docente, apoiando o
professor e orientando os estudantes. Por parte dos professores,
deve haver esforço para abrir mão de estratégias didáticas
ultrapassadas; só assim eles poderão começar a eliminar a
percepção de “pertencimento precário” que têm da biblioteca e
poderão incorporá-la, de fato, em suas práticas didáticas, mediando
as atividades que ali se desenvolvem, assimilando o bibliotecário ao
processo e explorando, ao lado dos estudantes, os recursos que a
biblioteca oferece. (CAMPELLO, 2010, p.129)

Na sequência, perguntei às professoras o que elas reivindicariam para que


seu trabalho obtivesse maior êxito. Nesse tópico as quatro respostas foram muito
semelhantes: todas denunciaram a estrutura precária de suas escolas, enfatizando,
ora a falta de recursos, desde o material básico para o cotidiano (fotocópias, livros
didáticos), ora a dificuldade de acesso a ferramentas como projetores multimídia e
aparelhos eletrônicos que muitas vezes estão sucateados ou dependem de
autorização e agendamento para o uso. De acordo com Luciano Oliveira,
212

Se pensarmos nas escolas públicas, não há como não considerar


a estrutura um fator determinante no desempenho dos estudantes.
Afinal, como um professor pode ajudar seus alunos no seu
processo de aprendizagem se não tem acesso a recursos como
fotocópias, papel, projetor, computador e, principalmente, livros?
Situações desse tipo dificultam o trabalho do professor e o
aprendizado dos estudantes. (OLIVEIRA, 2014, p. 13)

M. L. e J. C. também acreditam que a organização do espaço escolar em


ambientes de aprendizagem por área seria uma boa alternativa. Ambas gostariam
de contar com uma sala exclusiva para as aulas de literatura e língua portuguesa,
equipada com os recursos específicos, como livros da área, filmes, além de uma TV
e um projetor multimídia disponíveis, sem que precisem agendar ou perder parte de
suas aulas com a organização do espaço.
O último tópico referia-se ao suporte dos gestores com relação ao trabalho
das professoras. As quatro entrevistadas afirmam receber apoio da equipe gestora
das escolas onde atuam. Contudo, R. M. faz uma ressalva: ela acredita que
demorou para que seus supervisores reconhecessem o valor de seu trabalho, que
ela considera pouco ortodoxo e atribui a essa característica a resistência da equipe
diretiva de sua escola.
Ao analisar os depoimentos das quatro entrevistadas, sublinhando momentos
de diálogo e de dissonâncias entre eles, percebemos que as educadoras são
produtoras e produto do espaço em que atuam, de modo que não é possível
dissociar com nitidez o seu protagonismo enquanto indivíduos, constituídos de
subjetividades, das condições de trabalho a que estão submetidas enquanto
membros de uma determinada categoria profissional.
São professoras com carreiras consolidadas pela combinação entre escolhas
pessoais e fatores externos. Como, então, categorizar suas práticas individuais?
Como definir objetivamente suas tendências teóricas, enaltecer ou condenar suas
ações pedagógicas à luz de referenciais unicamente acadêmicos? Se, com
frequência, não lhes são oferecidos espaços de reflexão séria e embasada a
respeito do próprio fazer profissional? Se se encontram imersas em um contexto de
crise do próprio paradigma do valor social da educação básica?
O fato é que a sociedade (leia-se o senso comum) deposita na escola suas
mais profundas expectativas de transformação da realidade. Localiza na educação de
meninos e meninas a solução para os mais diversos problemas crônicos vivenciados
213

coletivamente. Porém, esse discurso que confere à escola grande responsabilidade


enquanto (trans)formadora, é incompatível com as reais condições da instituição de
uma intervenção social efetiva. Dito de outra forma, existe uma escola idealizada e
existe a escola real, onde as coisas acontecem. E é essa escola que está em crise.
De sua parte, os professores da escola real precisam lidar diariamente com
obstáculos de toda a sorte, igualmente reais: indisciplina e desinteresse de seus
alunos, falta de suporte e apoio por parte das famílias e da gestão escolar,
infraestrutura precária, formação continuada ineficaz, vencimentos defasados e
planos de carreira obsoletos. E a união desses fatores intervém diretamente em sua
práxis, comprometendo o desenvolvimento de um trabalho de qualidade, que seja de
fato capaz de atender às demandas que se apresentam.
Essa conjuntura contribui para que o perfil do professor sofra alterações com
o passar do tempo, modificando também a forma como são vistos por seus alunos e
pela comunidade em geral. Como em um paradoxo, o senso comum credita à escola
o encargo de formar cidadãos equilibrados e conscientes. Entretanto, a sociedade,
investida de uma espécie de herança cultural coletiva, reconhece a precariedade
institucional dessa mesma escola e reage desvalorizando o magistério como escolha
profissional e, consequentemente, a figura do educador de nível básico.
Nesse sentido, problematizar o ensino de literatura na escola em discussões
acadêmicas constitui fundamental importância, de modo a minimizar aquilo que
Cyana Leahy-Dios (2000) qualificou como uma separação hierárquica, marcada pelo
teor político e ideológico, que divide os docentes de níveis distintos entre “fazedores”
e “pensadores”, ou “trabalhadores” e “teóricos”. Segundo a autora, tal divisão é
meramente ilusória, embora seja responsável por sérios danos à educação
enquanto processo.
A respeito da hierarquização do saber docente, Regina Leite Garcia (2011),
assinala a importância de que a universidade reflita sobre o real lugar dos estudos
teóricos, vislumbrando um projeto emancipatório de educação, através do qual se
firme um compromisso de mudança social entre a academia e a escola. Segundo a
autora, inspirada em princípios freireanos, os pesquisadores em educação devem
comprometer-se com o que ela chama de uma “escrita orgânica”, ou um discurso em
que não haja separação entre o vivido e o narrado.
Para tanto, é primordial que se tenha claro que projeto de sociedade é
vislumbrado em nossas pesquisas, bem como o que e quem nossas falas pretendem
214

alcançar. Garcia também denuncia a resistência acadêmica diante de estudos que


abordem questões didáticas ou voltadas para educadores de nível básico:

É tão forte a pressão contra certos materiais pedagógicos que, a


cada vez que Magda Soares138 faz um livro para professoras, com
sugestões, explicações, exercícios, ilustrações, etc., me diz
temerosa: lá vem fogo dos puristas. Mas uma coisa é evidente – as
professoras adoram. Sentem-se ajudadas, que é o que interessa.
(GARCIA, 2011, p. 18)

Talvez o ponto de partida esteja justamente na compreensão da crise como


uma realidade historicamente imposta para a educação nacional, independente da
instância em questão. E desse contexto emerge a necessidade de movimentos
mútuos, orientados para a elaboração de soluções. Movimentos por parte da
universidade, valorizando as práticas escolares e suas pequenas revoluções diárias,
participando mais ativamente de sua organização e oferecendo oportunidades de
interação respeitosa entre seus membros em situações de pesquisa; e movimentos
das escolas, no sentido de conceber definitivamente seus educadores como
pesquisadores, investindo cada vez mais em cursos de formação continuada que
enfatizem a importância do contato com a teoria para o trabalho diário em sala de
aula.

3.8 A utopia da articulação entre escola e academia: penúltimas palavras

O maior perigo na academia está na arrogância dos que sabem, na


soberba dos proprietários de certezas, na boa consciência dos
moralistas de toda espécie, na tranquilidade dos que já sabem o que
dizer ou o que se deve fazer e na segurança dos especialistas em
respostas e soluções. Penso, também, que agora o urgente é recolocar
as perguntas, reencontrar as dúvidas e mobilizar as inquietudes.
(Jorge Larrosa)

Lígia Chiappini (2005) afirma que, a despeito de todos os trabalhos dedicados


ao ensino de literatura publicados nas últimas décadas, ainda hoje permanece em
nosso contexto um profundo abismo entre a produção acadêmica e o cotidiano
escolar. Para a autora, não é suficiente que a universidade dê conta de análises

138
Magda Becker Soares é professora titular da Faculdade de Educação da UFMG. É também
pesquisadora do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (CEALE) na mesma instituição. Magda é,
ainda, autora de diversas obras relacionadas ao ensino de literatura e à formação de leitores, além de
livros didáticos.
215

minuciosas a respeito da situação das escolas através de seus diagnósticos


“precisos” e suas pesquisas de campo. Da mesma forma, é fundamental que a
escola reveja sua posição de mera receptora/reprodutora, para assumir a postura de
principal agente transformador do processo educativo de que é, afinal, protagonista.
É incontestável a relação assimétrica entre as representações sociais do
professor universitário e do professor da rede básica. Enquanto o primeiro é
concebido como pesquisador, mais bem remunerado, incentivado a especializar-se
e a coordenar e participar de projetos, o segundo observa, inerte, sua boa-vontade
ser tragada pela ausência de condições mínimas para a realização de um trabalho
de qualidade.
No que diz respeito especificamente à área de Letras, Chiappini chama a
atenção para os malefícios do declínio da imagem social do professor, entre eles, o
círculo vicioso que envolve o ensino de literatura na escola e que atinge, por
consequência, o nível superior: segundo a autora, é cada vez mais comum que
professores universitários desqualificados preparem graduandos desqualificados
para atuar como educadores no ensino secundário e, por conseguinte, formar os
futuros acadêmicos de graduação. (CHIAPPINI, 2005, p.18)
Por seu turno, os cursos de licenciatura, de modo geral, apresentam um
amplo quadro de sequência lógica (QSL), com o objetivo de capacitar o estudante
para atuar em diferentes contextos dentro da grande área de Letras. No caso
específico dos cursos que envolvem uma língua estrangeira, o licenciando é ainda
habilitado a lecionar nas áreas de línguas portuguesa e estrangeiras e de suas
respectivas literaturas, o que implica assimilar conteúdos de áreas distintas e de alta
complexidade no tempo exíguo de um curso de graduação.
Em que pesem os resultados do PIBID e de outros projetos quanto à inserção
dos universitários no ambiente escolar, desde os primeiros semestres da graduação,
nossos cursos de formação de professores ainda carecem de uma organização
integrada: predominam os modelos em que disciplinas teóricas e práticas são
separadas. Via de regra, disciplinas teóricas precedem as práticas, concentradas
nos últimos semestres. Jaime Ginzburg endossa tais reflexões:

Para a formação básica do investigador de literatura hoje, no ensino


de graduação, um componente básico, sobre o qual temos
necessidade de refletir, é a bibliografia apresentada como
fundamental em Teoria da Literatura. É comum nos cursos de
216

graduação em Letras encontrar disciplinas de introdução aos estudos


literários nos períodos iniciais da formação. Frequentemente
concebidas com títulos como “estudos literários” ou “teoria da
literatura”, essas disciplinas são justificadas pela preparação para os
conhecimentos literários que um estudante deve desenvolver ao
longo de seu curso. (GINZBURG, 2012, p. 24)

Para Ginzburg (2012, p. 33), ao examinarmos uma obra literária em busca de


verdades eternas ou valores universais, desconsideramos diferenças, repressões e
conflitos de perspectivas presentes em qualquer contexto social. E isso é
comumente reproduzido pelos acadêmicos, muitas vezes imaturos demais para as
reflexões complexas que devem alcançar. Desse modo, o autor acredita que, em
cursos introdutórios de estudos literários, importa que sejam considerados os
seguintes aspectos:
1) O papel da literatura para a constituição de valores humanistas e para o
fomento dos direitos humanos;
2) A função do profissional de Letras nas mudanças sociais;
3) As relações entre o signo linguístico, as ideologias e os conflitos sociais;
4) As implicações das diferentes condições de recepção para a compreensão
de valores estéticos;
5) A impossibilidade de sustentar unicamente a defesa de valores estéticos
imanentes na sociedade capitalista de mercado em que estamos inseridos;
6) A afinidade entre problemas estéticos e problemas de formação social no
Brasil.
Ainda de acordo com Ginzburg, os programas de licenciatura em Letras
devem considerar o fato de que a conduta dos professores da educação básica
(responsáveis pela formação de seus futuros acadêmicos) começa a ser formada
ainda no primeiro semestre da graduação, em função de seus primeiros contatos
com a investigação literária. Assim, assumir uma ou outra perspectiva teórica
resulta, consequentemente, em escolhas metodológicas distintas, tanto no ambiente
acadêmico, quanto no escolar. Ocorre que, com frequência, os cursos de Letras
concentram-se mais em formar críticos literários do que professores de literatura
para atuar no ensino secundário.
Apesar da abrangência dos programas quanto às habilitações que oferecem,
os cursos de graduação e pós-graduação padecem, ainda, de uma espécie de
superespecialização, que resulta em investigações voltadas para temas circunscritos
aos interesses de seus pesquisadores, negligenciando questões mais amplas a
respeito do sistema literário. Para Gabriela Luft,
217

O círculo gera, pois, jovens professores carentes de uma formação


mais generalista e cumulativa, menos capazes de uma visada ampla
da tradição literária, sem solidez no campo das ciências sociais
(história, filosofia, sociologia, psicanálise, etc.), presas que foram de
modas intelectuais. Mostram-se, assim, inábeis para conduzir, em
sala de aula, o trabalho com os principais clássicos de nossa
literatura, haja vista que suas formações intramuros não incidiram
sobre o ensino escolar, menos ainda problematizaram a formação de
leitores. (LUFT, 2014, p. 258)

No entanto, o conhecimento docente, enquanto conjunto de saberes


acumulados ao longo da formação de um educador, constitui-se de diversas fontes,
é heterogêneo e transmitido pelas diferentes instituições, desde a etapa da
educação básica até a conclusão do curso superior. Afinal, ninguém nasce professor.
E o processo de formação de professores tem na escolha consciente do curso de
graduação o primeiro momento decisivo de seu futuro profissional. António Nóvoa
afirma: “É preciso criar as condições para que os melhores alunos do ensino
secundário escolham a profissão docente. Ser professor não pode ser uma segunda
escolha” (NÓVOA, 2009).
Igualmente, a escola que recebe os educadores recém-formados pela
universidade deve compreender a importância dos primeiros anos de prática para a
consolidação de sua conduta profissional, que os acompanhará durante muito
tempo. Para Nóvoa (2009), situações favoráveis de acolhimento, acompanhamento
e supervisão atenciosa para esses professores é condição básica para que
construam uma relação sólida e positiva com a própria carreira.
O saber docente é, portanto, um aprendizado contínuo e acumulativo, que se
dá em múltiplos contextos, nos quais a influência do curso superior assume tanta
importância quanto os demais aspectos relacionados ao cotidiano escolar: o
acompanhamento de colegas mais experientes, os recursos disponíveis, a qualidade
dos cursos de formação continuada oferecidos, o suporte da equipe gestora da
escola diante dos desafios diários, a participação da comunidade e a valorização
social de seu trabalho. E, considerando o dinamismo inerente ao cotidiano da
escola, é provável que um professor jamais se perceba “formado”, mas em
permanente processo de construção.
Nóvoa defende uma interação dialógica entre a pesquisa acadêmica e as
práticas escolares, bem como entre educadores experientes e educadores em fase
218

de formação, como estratégias para a construção de um novo modelo de formação


desses profissionais. Ainda que identifique falhas quanto à metodologia de cursos de
licenciatura, o autor recorre à universidade como principal instância capaz de
assegurar as mudanças necessárias no contexto social:

A Universidade deve ser capaz de falar para fora. O que tem de


melhor para oferecer à sociedade é o “poder das ideias”, esperando
assim influenciar as “ideias do poder”. Falar para fora quer dizer agir,
intervir na realidade social, participar nas políticas públicas. Quando
tantas instituições falharam é preciso que não falhe a Universidade.
(NÓVOA, 2009)

Nesse sentido, pensar a articulação entre os cursos de formação de


professores e o ensino escolar é condição básica para a sistematização de redes
frutíferas de diálogo entre as instituições, bem como para a erradicação progressiva
da distância entre a imagem social do educador escolar e do professor de nível
superior. Uma agenda de valorização cultural da carreira do professor de nível
básico deve ser assumida definitivamente pelos cursos de licenciatura, através de
pesquisas que envolvam o ambiente escolar de forma sistêmica, de modo a
considerar o saber empírico e a experiência cotidiana, desconstruindo os
preconceitos oriundos do desconhecimento mútuo entre as instâncias.
219

Costurando os retalhos ou expandindo o diálogo: considerações finais

Enquanto redijo estas considerações finais, nove das treze escolas da rede estadual
do município do Rio Grande contempladas pela pesquisa encontram-se ocupadas
por seus estudantes, em solidariedade à greve dos professores e denunciando as
péssimas condições estruturais das instituições, bem como a política de
parcelamento de salários e a desvalorização do quadro docente. Tal situação, de
grande carga simbólica, alerta para a urgência de trabalhos que se ocupem do
contexto escolar rio-grandino.

************************************

Tomo emprestada de Manoel de Barros a imagem que melhor traduz a ideia


central de minhas últimas considerações: dizia o poeta que a maior riqueza do
homem reside justamente em sua incompletude, na aparente desimportância
pragmática de suas ações cotidianas. Rubem Alves pensava de forma semelhante:
elogiava as coisas aparentemente “inúteis”, como poemas, óperas e brinquedos, em
contraposição a martelos, calculadoras ou vassouras. Em sentido oposto ao que é
considerado útil, estão as coisas feitas para o prazer. A literatura, concebida nessa
perspectiva, pertence ao domínio das coisas desimportantes, inúteis aos olhos de
quem só pensa em ferramentas, cada vez mais esvaziadas de humanidade.
Assim, uma pesquisa que se ocupe da arte e da educação como temas
centrais, impregnada do sentido histórico de seu tempo, impõe, inegavelmente, uma
posição política por parte do pesquisador. Política, porque vivemos em um contexto
de desvalorização da carreira docente e do silenciamento das instituições
responsáveis pelo fomento à cultura. Política, porque versa sobre a formação de
leitores autônomos, capazes de questionar o status quo. Política, porque concebe a
educação como sinônimo de emancipação humana, que desloca o homem-objeto
para a condição de homem-sujeito.
E, se falava em incompletude, é por ter consciência da impossibilidade de
encerrar um trabalho dessa natureza de maneira categórica, com resultados
precisos e duradouros. As reflexões aqui propostas são, antes, representações de
um tempo e de um espaço circunscritos, que, amparadas em referencial teórico
220

interdisciplinar, produzem uma narrativa razoavelmente coesa, que pretende muito


mais indicar pistas e suscitar novas questões de pesquisa do que oferecer
respostas.
Trata-se de uma investigação de professora para professores. Nasceu de
inquietações de sala de aula, de demandas diárias, da necessidade de estudar o
contexto ao qual pertenço. Ciente das restrições com relação às linhas de pesquisa
do PPG ao qual este estudo está vinculado, apresentei a proposta ao professor
orientador. Daí em diante, ingressamos rumo ao desconhecido; por se tratar da
primeira pesquisa de campo sobre o ensino de literatura no curso, enfrentamos uma
série de desafios: Que metodologia utilizar? Qual o referencial teórico mais
adequado? Como delimitar o universo de sujeitos participantes? Como elaborar os
questionários e o roteiro para as entrevistas? Que dados considerar relevantes?
Como trabalhar com as particularidades do objeto escolhido?
Em uma sequência de tentativas, em que falhas e acertos alternavam-se
constantemente, seguimos adiante, abrindo janelas e delineando, durante o
caminho, os rumos da investigação. Na condição de professora municipal, atuei
como sujeito e objeto de estudo; durante a maior parte do percurso, transitava entre
os diferentes locais de enunciação: ora como pesquisadora vinculada à
universidade, ora como educadora da rede básica, envolvida diretamente com o
cotidiano da escola pública.
Inicialmente, foi elaborado um panorama histórico a respeito da popularização
da leitura e do ensino de literatura como prática social, com ênfase na realidade
brasileira e assinalando permanências e rupturas importantes. Propusemos uma
discussão sobre as bases legais para o ensino da disciplina no Brasil: LDBs, PCNs e
demais documentos norteadores, programas governamentais, sistema de avaliação
da educação, entre outros aspectos. O segundo capítulo é dedicado às reflexões
sobre práticas de leitura, contribuições da estética da recepção como corrente
teórica a ser considerada pelos educadores, problematização do conceito de
literatura, relevância da escolarização literária e suporte didático. A intervenção
realizada com estudantes e educadores do município é apresentada no terceiro e
último capítulo.
De fato, vivenciamos uma inquietante crise na educação, agravada por
múltiplos fatores, desde heranças de projetos políticos passados, até questões
próprias de nosso contexto, pautado pelo discurso da inclusão digital, mas ainda
221

engessado em estruturas obsoletas. Diante disso, a tarefa do professor é cada vez


mais árdua: formação deficiente, desvalorização, infraestrutura precária nas escolas,
estudantes desmotivados, vencimentos defasados (e parcelados!), gestão
despreparada.
De sua parte, os cursos de licenciatura, que deveriam preparar os
graduandos para atuar na escola real, muitas vezes deixam a desejar, concentrando
seus esforços na formação teórica, sem qualquer relação direta com a prática
docente nos primeiros períodos do curso. Com frequência, estabelecem com as
escolas secundárias uma relação verticalizada, em que utilizam esse espaço para
complementar a formação de seus estudantes e pesquisadores, mas jamais
retornam com os resultados ou propostas de parcerias capazes de contribuir para a
erradicação das mazelas que identificam e denunciam em suas investigações.
Quanto a isso, recorro a Paulo Freire, que sabiamente definiu o modelo de educação
que temos, independente do nível de ensino:

Quase sempre, ao criticar esse gosto da palavra oca, da verbosidade


em nossa educação, se diz dela que seu pecado é ser “teórica”.
Identifica-se, assim, absurdamente, teoria com verbalismo. De teoria,
na verdade, precisamos nós. De teoria que implica necessariamente
uma inserção na realidade, num contato analítico com o existente,
para comprová-lo, para vivê-lo e vivê-lo plenamente, praticamente.
Nossa educação não é teórica porque lhe falta esse gosto da
comprovação, da invenção, da pesquisa. Ela é verbosa. Palavresca.
É sonora. É assistencializadora. Não comunica. Faz comunicados.
Coisas diferentes. (FREIRE, 2013, p. 123)

Quanto à disciplina de literatura, observamos um progressivo apagamento,


tanto com relação à carga horária – reduzida ao extremo –, quanto ao teor dos
documentos oficiais, voltados prioritariamente para o ensino da língua materna, em
que o texto literário é frequentemente tratado como mais um gênero entre os
demais, muitas vezes despido de sua dimensão artística e utilizado como pretexto
para exercícios gramaticais.
Na intervenção realizada com educadores e estudantes rio-grandinos, foi
possível identificar determinadas recorrências, tanto com relação à formação de
professores, quanto a respeito da prática docente no espaço da escola secundária e
do comportamento leitor dos sujeitos envolvidos. Tal amostra, apesar de não
representar a realidade global do município, permite que espaços de discussão e
222

comunicação efetiva entre escola e universidade sejam criados, de modo a


aproximar os contextos e fomentar novas investigações acadêmicas na área.
Com relação aos hábitos de leitura, tanto estudantes de Letras quanto
educadores em atividade na rede básica revelaram selecionar suas obras sem muita
interferência do cânone. Através dos títulos mencionados, verificamos um forte apelo
comercial, a partir da presença expressiva de best-sellers elencados como leituras
realizadas. Esse dado, considerando estarmos diante de um grupo de profissionais e
acadêmicos envolvidos espontaneamente com a literatura, é preocupante. Inquieta
não apenas pela pequena quantidade de obras representativas da literatura nacional
e estrangeira, mas pela carência de obras contemporâneas que não estejam
necessariamente alinhadas aos ditames do mercado.
Quanto à formação acadêmica, temos uma maioria de estudantes oriundos de
municípios próximos a Rio Grande (ou nascidos na própria cidade), que escolheram
o curso de Letras como primeira opção no ENEM, com o principal objetivo de
lecionar língua portuguesa. Esses estudantes, no ano de conclusão do curso,
apresentaram pontos de vista distintos daqueles de quando cursavam o primeiro
ano, sobretudo no que se refere à literatura.
Em suma, observamos que, após o contato com diferentes disciplinas de
estudos literários, tanto o seu conceito de literatura quanto suas intenções de
trabalhar com a disciplina após a conclusão do curso foram alterados
significativamente. Se em 2013 apenas 13% pretendiam ser professores de
literatura, em 2016 esse índice aumentou para 19%. Quanto ao ensino médio, suas
avaliações com relação à área da literatura apontaram para uma experiência
negativa na avaliação da maioria, o que indica que a graduação foi essencial para
alterar essa concepção.
Em que pese mais da metade dos estudantes considerar que o curso satisfaz
totalmente suas expectativas e de 84% admitirem que mudaram os hábitos de leitura
a partir do ingresso na graduação, os aspectos considerados negativos na
licenciatura em Letras da FURG apontam para dificuldades com relação à
metodologia e abordagem de determinados docentes e quantidade excessiva de
leituras exigidas, já que 90% dos matriculados afirmam não ter disponibilidade total
para os estudos.
Quanto aos docentes da graduação, os dois educadores participantes da
pesquisa salientaram a importância da criação do PIBID para a área de literatura,
223

como estratégia para minimizar a distância evidenciada entre os estudos


universitários e as escolas secundárias. Da mesma forma, ambos avaliam como
precária a formação anterior da maioria de seus estudantes na área de literatura, o
que faz com que seja necessário que compensem essa carência apresentando-lhes
obras clássicas, que deveriam, preferencialmente, ter lido durante o ensino médio.
Finalmente, foram contemplados os professores de literatura em atividade nas
escolas estaduais do município. Em um primeiro momento, um educador de cada
escola respondeu a um questionário, com perguntas abertas e fechadas a respeito
de sua formação, hábitos de leitura, atividade profissional e projetos para o futuro,
além de uma análise geral de suas condições de trabalho. Na segunda etapa, quatro
educadoras foram selecionadas para uma entrevista, de modo a aprofundar a
discussão a respeito da prática docente no ensino médio e traçar um perfil do
professor de literatura do município.
Em linhas gerais, temos uma maioria de educadoras nascidas em Rio Grande
e egressas da FURG, corroborando pesquisas anteriores que identificam o
magistério como uma atividade que passou por um processo de feminização.
Quanto ao tempo de atuação profissional, a maior parte encontra-se na segunda
metade da carreira, considerando as condições para aposentadoria especial. Com
relação à escolha profissional, a metade optou pelo curso de Letras em função do
gosto pela leitura. Nesse sentido, acreditam que seu maior objetivo como
educadores é despertar em seus estudantes o mesmo prazer com o texto que
experimentam em suas leituras pessoais, que alegam selecionar considerando os
aspectos formais como principal critério.
No que concerne ao conceito de literatura, a concepção da maior parte dos
professores salientou a natureza artística da obra literária. Para a elaboração de
suas aulas, avaliam o interesse de seus alunos e o conteúdo programático da
disciplina. Como suporte pedagógico, a maioria utiliza regularmente o livro didático.
Com relação ao conteúdo dos PCNs, aqueles que leram o documento afirmam não
considerar seu conteúdo relevante para o planejamento de suas aulas.
Quando passamos às entrevistas gravadas com as quatro educadoras, foi
possível adensar nossa discussão, bem como retomar e cruzar alguns dados da
etapa anterior, da qual também foram participantes. Constatamos que nossa
tentativa inicial de traçar um perfil homogêneo e representativo dos professores de
literatura em Rio Grande seria uma tarefa impossível, além de indesejável.
224

Impossível, porque compreendemos que, ao aprofundarmos o contato com sujeitos


reais em sua complexidade, afloraram relatos igualmente complexos, que resistem
ao enquadramento em categorias fechadas. Indesejável, porque diante da riqueza
das experiências partilhadas, cada educadora passou a constituir um universo
particular, em que história e memória se entrelaçaram na tessitura de suas
narrativas.
No entanto, determinadas informações nos permitiram verificar recorrências
com relação ao seu comportamento e às suas reações diante do tempo e do espaço
que, afinal, compartilham. Assim, as quatro educadoras afirmaram não ter cursado
Letras como primeira opção, mas revelaram uma espécie de arrebatamento pela
profissão assim que começaram a trabalhar com educação. Apesar disso, todas
criticam a noção do magistério meramente associado ao dom ou à vocação. Elas
acreditam no potencial da mobilização organizada da categoria por melhores
condições e maior valorização de seu trabalho.
Embora apresentem diferenças significativas quanto aos próprios hábitos de
leitura e seleção de obras para a própria fruição, todas identificam a falta de contato
com a leitura literária de seus estudantes como um dos maiores obstáculos ao
desenvolvimento de seu trabalho. Igualmente, acreditam que a escolarização da
literatura se faz necessária, por ser, muitas vezes, a única oportunidade de contato
mediado entre as obras de ficção e os alunos.
As quatro professoras denunciaram a infraestrutura de suas escolas, que
consideram precária e sem as condições necessárias para que seu trabalho obtenha
maior êxito. Nenhuma delas frequenta o espaço da biblioteca de maneira adequada,
o que chama a atenção, especialmente por se tratar de uma disciplina que deveria
envolver o contato assíduo com o acervo escolar. Apesar das dificuldades
cotidianas, as educadoras afirmam sentir orgulho e satisfação com seu ofício, bem
como relatam ter apoio por parte da equipe gestora de suas escolas.
Em linhas gerais, ao acompanhar o processo de formação de professores de
literatura, desde o primeiro ano de sua formação acadêmica, passando pela etapa
de conclusão do curso e alcançando educadores egressos da universidade em
atividade na escola secundária, deparamo-nos com uma conjuntura inquietante.
Primeiramente, porque verificamos uma profunda lacuna entre as instâncias, o que
reduz significativamente as possibilidades de uma formação integrada e permanente
do educador, tanto na etapa universitária, quanto em seu cotidiano escolar.
225

Em um segundo momento, porque observamos que a rotina extenuante da


maioria dos educadores da rede básica interfere diretamente na manutenção de
seus hábitos de leitura, de modo que alguns afirmaram não ter conseguido ler
nenhuma obra de ficção no ano anterior à pesquisa. Da mesma forma, foi possível
perceber que a formação continuada oferecida unicamente pelas escolas tem se
mostrado insuficiente e/ou inadequada no sentido de orientar seus profissionais para
que busquem novos suportes pedagógicos, metodologias alternativas e a
consolidação de uma concepção teórica, seja por meio de atividades dedicadas ao
estudo e discussão de material apropriado, ou de palestras, seminários e rodas de
discussão.
Finalmente, acreditamos que em um contexto de crise política e institucional,
a relação entre pesquisa acadêmica em educação e práticas escolares se apresenta
como uma das principais forças capazes de superar tais indicadores. No caso da
escola secundária, é urgente que se avalie a possibilidade de uma reforma
curricular, em que a literatura, um “bem incompressível”139, se aproprie novamente
do espaço necessário para o desenvolvimento de um trabalho de qualidade
desejável. Como respaldo, o conteúdo da LDB vigente e dos documentos
norteadores confere ampla autonomia 140 às instituições de ensino para que
elaborem seus projetos pedagógicos, com a participação do corpo docente.
Afinal, se a legislação autoriza e incentiva o protagonismo dos agentes
envolvidos no contexto educacional, o que contribui para que os resultados
permaneçam insatisfatórios? A excessiva burocratização na elaboração dos projetos
político-pedagógicos das escolas, aliada a poucos momentos dedicados ao estudo
dos documentos oficiais (que, por sua vez, não oferecem orientações concretas no
caso da literatura) e a gestões, muitas vezes, antidemocráticas, são possíveis
justificativas para a imobilidade dos currículos escolares e o anacronismo insistente
de determinadas práticas.
Sob esse prisma, é imprescindível que se concretize uma agenda de
revalorização das artes, entre elas a literária, como bens essenciais à formação
humana, não mais na condição de acessórios, subvalorizadas, mas como disciplinas

139
Segundo Antonio Candido, a literatura faz parte do conjunto dos bens incompressíveis, que, por
garantirem não apenas a integridade física, mas também a integridade espiritual do ser humano, não
podem ser negados a ninguém. (CANDIDO, 1995, p. 241).
140
Ainda que esteja prevista uma Base Nacional Curricular Comum (BNCC), que deve abranger parte
do programa de conteúdos e procedimentos de cada área do conhecimento.
226

fundamentais do currículo escolar. Nesse sentido, endosso o que afirma Michèle


Petit:

A literatura, a arte e a cultura não são um suplemento para a alma,


uma futilidade ou um monumento pomposo, mas algo de que nos
apropriamos, que furtamos e que deveria estar à disposição de todos
desde a mais jovem idade e ao longo de todo o caminho, para que
possam servir-se dela quando quiserem, a fim de discernir o que não
viam antes, dar sentido a suas vidas, simbolizar as suas
experiências. Tomar o seu lugar no devir compartilhado e entrar em
relação com os outros de modo menos violento, menos
desencontrado, pacífico. (PETIT, 2010, p. 289)

Para tanto, a formação de professores em nível superior deve, além de


investir na dimensão teórica, ser capaz de preparar profissionais para atender às
demandas escolares, aptos a atuar no ambiente (precário e desafiador) das escolas
reais, oferecendo mais disciplinas voltadas para o ensino de literatura em seus
programas de licenciatura. A criação do PIBID da área nas universidades é relevante
nesse sentido.
Ainda por parte da universidade, é de suma importância que esteja aberta à
comunidade, que aposte na comunicação com a comunidade escolar, promovendo
atividades de visitação aos campi, em que os estudantes concluintes do ensino
médio possam efetivamente conhecer o cotidiano dos cursos de graduação, de
modo a evitar escolhas equivocadas (identificadas em nossa intervenção com os
licenciandos), em sua maior parte em decorrência do total desconhecimento do
programa de disciplinas e pré-requisitos desses cursos.
Da mesma forma, o ambiente acadêmico deve estar aberto e disponível aos
educadores da rede básica, valorizando sua experiência, o saber docente e suas
práticas bem-sucedidas, os projetos de intervenção social promovidos nas
comunidades. Essa troca pode ser oportunizada por meio de oficinas oferecidas às
turmas de graduação, seminários, colóquios ou fóruns de discussão.
Quanto à escolarização da literatura no nível secundário, não é possível que
siga sendo concebida como uma “viagem histórica” por períodos literários,
cronologicamente previsível, monótona, homogênea e distante da vida dos
estudantes. Tampouco pode ter como único objetivo preparar os alunos para o
ENEM. No que concerne ao cânone, o conjunto de obras consagradas da literatura
227

não deve assumir o status de monumento inalcançável, mas tornar-se acessível, ser
apropriado pelos estudantes através da mediação do professor.
Igualmente, diante da insignificante carga horária destinada à disciplina, boa
parte das leituras poderá ser realizada em ambiente doméstico ou na biblioteca
escolar no contraturno, ficando o momento da aula reservado à partilha de
impressões, debates, interpretação e leitura de excertos. Cada momento precisa
estar carregado de significado. Da mesma forma, a interdisciplinaridade é um
caminho interessante, visto que atividades que envolvam obras literárias poderão
ser realizadas em mais de uma disciplina, dinamizando o processo e superando,
ainda que parcialmente, o engessamento da grade de horários.
Para além das soluções imediatas e infalíveis, compreendemos que uma
transformação efetiva no ensino de literatura somente será possível de forma
progressiva e por meio da união de esforços entre todos os agentes envolvidos. Não
há uma sequência mágica de procedimentos que garanta a formação de leitores
independentes e que se aplique a qualquer contexto. Ao contrário: cada educador,
em cada unidade escolar, deverá, com os recursos de sua formação, identificar as
estratégias metodológicas adequadas para que o contato dos estudantes com a
literatura seja uma experiência enriquecedora, capaz de incentivar a autonomia e o
vínculo com a arte literária, que levarão pela vida.
Cremos no potencial incontestável da escola enquanto instituição social.
Potencial para fazer nascer e consolidar o gosto pela leitura de literatura. E potencial
para aniquilar esse mesmo gosto, se priorizar práticas anacrônicas e vazias de
sentido. A mesma escola é capaz de gerar e destruir o prazer do texto. Talvez
justamente por isso, por sua força invencível, esteja imersa em uma crise sem
precedentes. Afinal, recuperar o valor simbólico do ensino das artes, apesar de
ameaçador para os que temem o poder de um povo educado, é o único caminho
viável de emancipação humana. Ou, como diria Manoel de Barros, “Não aguento ser
apenas um sujeito que abre portas, que puxa válvulas, que olha o relógio, que
compra pão às seis horas da tarde, que vai lá fora, que aponta lápis, que vê a uva,
etc. etc. Perdoai. Mas eu preciso ser outros. Eu penso renovar o homem usando
borboletas”.
228

REFERÊNCIAS

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

ABREU, Márcia. Cultura letrada: literatura e leitura. São Paulo: UNESP, 2004.

_____. (Org.). Leituras no Brasil. Campinas: Mercado de Letras, 1995.

_____. (Org.). Leitura, história e história da leitura. Campinas: Mercado de letras,


2007.

AGUIAR, Vera Teixeira de. Leitura literária e escola. In: EVANGELISTA, Aracy Alves
Martins. (Org.). Escolarização da leitura literária: o jogo do livro infantil e juvenil. Belo
Horizonte: Autêntica, 2006.

_____. O saldo da leitura. In: DALVI, Maria Amélia (Org.). Leitura de literatura na
escola. São Paulo: Parábola, 2013.

_____. O leitor competente à luz da teoria da literatura. Tempo Brasileiro. Rio de


Janeiro, n. 124, p. 23-34, jan.- mar. 1996.

ALVES, Francisco das Neves (Org.). Por uma história interdisciplinar do Rio Grande.
Rio Grande: FURG, 1999.

ANDRADE, Claudete Amália Segalin de. Dez livros e uma vaga: a leitura de
literatura no vestibular. Florianópolis: UFSC, 2003.

ANTUNES, Celso. A avaliação da aprendizagem escolar. Petrópolis: Vozes, 2013.

ARANHA, A. V. S.; SOUZA, J. V. A. de. As licenciaturas na atualidade: nova crise?


Educar em Revista, Curitiba, n. 50, p. 69-86, out.-dez. 2013. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/er/n50/n50a06.pdf>. Acesso em: dez. 2015.

ARAÚJO, F. M. B.; ALVES, E. M.; CRUZ, M. P. Algumas reflexões em torno dos


conceitos de campo e de habitus na obra de Pierre Bourdieu. Revista Perspectivas
da Ciência e Tecnologia, v. 1, n. 1, jan.-jun. 2009. Disponível em:
<http://revistascientificas.ifrj.edu.br:8080/revista/index.php/revistapct/article/viewFile/
14/14>. Acesso em: mar. 2013.

ATAÍDE, Vicente. O ensino de literatura. Curitiba: HD Livros, 2002.

BARTHES, Roland. Aula. Tradução de Leyla Perrone-Moisés. 16. ed. São Paulo:
Cultrix, 2013.

BATISTA, Antônio Augusto Gomes. Um objeto variável e instável: textos, impressos


e livros didáticos. In: ABREU, Márcia (Org.). Leitura, história e história da leitura.
Campinas: Mercado de Letras, 2007.
229

BERNARDO, Gustavo. Conversas com um professor de literatura. Rio de Janeiro:


Rocco, 2013.

BITTENCOURT, Circe. O bom livro didático é aquele usado por um bom professor.
Nova Escola, n. 269, fev. 2014.

BITTENCOURT, Ézio. Da rua ao teatro: os prazeres de uma cidade. Sociabilidades


& cultura no Brasil Meridional. 2. ed. Rio Grande: Ed. da FURG, 2007.

BORDINI, Maria da Glória; AGUIAR, Vera Teixeira de. Literatura: a formação do


leitor – alternativas metodológicas. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1993.

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 2006.

BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva,


1999.
_____. A leitura: uma prática cultural (debate entre Pierre Bordieu e Roger Chartier).
In: CHARTIER, R. Práticas da leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 1996.

_____. As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário. São Paulo:


Companhia das Letras, 1996.

_____. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 2004.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: Lei nº 5.692, de 11 de


agosto de 1971. Fixa diretrizes e bases para o ensino de 1º e 2º graus, e dá outras
providências. Disponível em: <http://www.educacao.salvador.ba.gov.br/site/
documentos/espaco-virtual/espacolegislacao/EDUCACIONAL/NACIONAL/
ldb%20n%C2%BA%205692-1971.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2013.

_____. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: Lei nº 9.394, de 20 de


dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. 5. ed.
Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação Edições Câmara, 2010. Disponível
em: <http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/2762/ldb_5ed.pdf>.
Acesso em: 04 ago. 2013.

_____. Parâmetros Curriculares Nacionais (Ensino Médio): parte I – Bases legais.


2000a. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/blegais.pdf>.
Acesso em: 20 jun. 2013.

_____. Parâmetros Curriculares Nacionais (Ensino Médio): parte II – Linguagens,


códigos e suas tecnologias. 2000b. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/
arquivos/pdf/14_24.pdf>. Acesso em: 03 set. 2013.

_____. PCN+ Ensino Médio: orientações educacionais complementares aos


Parâmetros Curriculares Nacionais. Vol. Linguagens, códigos e suas tecnologias.
2002. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/linguagens02.pdf>.
Acesso em: 03 set. 2013.
230

_____. Orientações curriculares para o Ensino Médio. Volume 1: Linguagens,


códigos e suas tecnologias. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de
Educação Básica, 2006. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/
book_volume_01_internet.pdf>. Acesso em: 20 set. 2013.

_____. MEC. Literatura: Ensino Fundamental. Brasília: MEC/Secretaria de Educação


Básica, 2010. Col. Explorando o Ensino, v. 20.

BRASIL. MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do Ensino


Fundamental. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/portugues/
pdf>. Acesso em: jan. 2014.

BRUSCHINI, C.; AMADO, T. Estudos sobre mulher e educação. Cadernos de


Pesquisa, n. 64, p. 4-13, fev. 1988. Disponível em: <http://www.fcc.org.br/pesquisa/
publicacoes/cp/arquivos/712.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2015.

BUNZEN, Clecio; MENDONÇA, Márcia (Orgs). Português no ensino médio e


formação do professor. São Paulo: Parábola, 2009.

CAMARGO, Flávio Pereira (Org). Olhares críticos sobre literatura e ensino. São
Paulo: Fonte Editorial, 2014.

CAMPELLO, Bernadete. A biblioteca escolar como espaço de aprendizagem. In:


BRASIL. MEC. Literatura: Ensino Fundamental. Brasília: MEC/Secretaria de
Educação Básica, 2010. p.127-141. Col. Explorando o Ensino, v. 20.

CALVINO, Ítalo. Por que ler os clássicos. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: _____. Vários escritos. São Paulo:
Duas Cidades, 1995.

_____. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. 14. ed. Rio de


Janeiro: Ouro sobre Azul, 2013.

CARVALHO, Célia Pezzolo de. Ensino noturno: realidade e ilusão. São Paulo:
Cortez, 1984.

CARVALHO, Diogo Sá et al. Polo naval e desenvolvimento regional na Metade Sul


do Rio Grande do Sul. Disponível em: <http://cdn.fee.tche.br/eeg/6/mesa7/
Polo_Naval_e_Desenvlvimento_Regional_da_Metade_Sul_do_RS.pdf>. Acesso em:
10 jul. 2014.

CEREJA, William Roberto. Ensino de literatura: uma proposta dialógica para o


trabalho com literatura. São Paulo: Saraiva, 2009.

CERTEAU, Michel de. Ler: uma operação de caça. In: _____. A invenção do
cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1998.

CHARTIER, Anne-Marie. Leitura e saber ou a literatura juvenil entre ciência e ficção.


In: EVANGELISTA, Aracy Alves Martins; BRANDÃO, Heliana Maria Brina;
231

MACHADO, Maria Zélia Versiani. (Org.). Escolarização da leitura literária: o jogo do


livro infantil e juvenil. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.

CHARTIER, Roger (Org.). Práticas de leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 1996.

____. A aventura do livro: do leitor ao navegador. Tradução de Reginaldo de


Moraes. São Paulo: Unesp, 1999.

CHIAPPINI, Lígia. Reinvenção da catedral. São Paulo: Cortez, 2005.

_____. Invasão da catedral: literatura e ensino em debate. Porto Alegre: Mercado


Aberto, 1983.

_____. Gramática e literatura: desencontros e esperanças. In: GERALDI, Wanderley


(Org.). O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 2006. p. 17-25.

CHIZZOTTI, Antônio. Pesquisa qualitativa em ciências humanas e sociais.


Petrópolis: Vozes, 2006.

COENGA, Rosemar. Leitura e letramento literário: diálogos. Cuiabá: Carlini &


Caniato, 2010.

COLOMER, Teresa. Andar entre livros: a leitura literária na escola. Tradução de


Laura Sandroni. São Paulo: Global, 2007.

COMPAGNON, Antoine. Literatura, para quê? Belo Horizonte: UFMG, 2009.

_____. O demônio da teoria. 2. ed. Belo Horizonte: UFMG, 2012.

CORRÊA, Hércules Toledo. Adolescentes leitores: eles ainda existem. In: PAIVA,
Aparecida et al. (Org.). Literatura e letramento: espaços, suportes e interfaces – o
jogo do livro. Belo Horizonte, 2005. p. 21-34

COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2006.

_____. O espaço da literatura na sala de aula. In: BRASIL. MEC. Literatura: Ensino
Fundamental. Brasília: MEC/Secretaria de Educação Básica, 2010. Col. Explorando
o Ensino, v. 20.

COZBY, Paul C. Métodos de pesquisa em ciências do comportamento. São Paulo:


Atlas, 2009.

DALVI, Maria Amélia (Org.). Leitura de literatura na escola. São Paulo: Parábola,
2013.

EAGLETON, Terry. Teoria da literatura: uma introdução. São Paulo: Martins Fontes,
2001.

ECO, Umberto. Sobre a literatura. Rio de Janeiro: Best-Bolso, 2011.


232

_____. Leitura do texto literário: lector in fabula. Lisboa: Presença, 1979.

_____. Interpretação e superinterpretação. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

_____. Obra aberta. 8. ed. São Paulo: Perspectiva, 2001.

FAILLA, Zoara (Org.). Retratos da leitura no Brasil 3. São Paulo: Imprensa Oficial;
Instituto Pró-Livro, 2012.

FERRATER MORA, José. Dicionário de filosofia. São Paulo: Loyola, 2004.

FIDELIS, Ana Cláudia e Silva. Cânone literário e livro didático: mediações [2005].
Campinas: Unicamp, 2005. Disponível em: <http://www.alb.com.br/anais15/Sem12/
anafidelis.htm>. Acesso em: out. 2015.

FONSECA, Claudia. Quando cada caso NÃO é um caso: pesquisa etnográfica e


educação. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 10, abr. 1999.
Disponível em: <http://educa.fcc.org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
24781999111100005&Ing=pt&nrm=iso>. Acesso em: mar. 2014.

FREDERICO, E; OSAKABE, H. Literatura. In: BRASIL. MEC. Orientações


curriculares do Ensino Médio. Brasília, MEC. 2006. p. 60-82.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. São Paulo: Cortez, 2011.

_____. Pedagogia dos sonhos possíveis. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 2014.

_____. Pedagogia da tolerância. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 2014.

_____. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 2013,

FREITAS, Maria Teresa A.; COSTA, Sérgio Roberto (Org). Leitura e escrita na
formação de professores. Juiz de Fora: UFJF, 2002.

GARCIA, Regina Leite (org.). Para quem pesquisamos, para quem escrevemos: o
impasse dos intelectuais. São Paulo: Cortez, 2011.

GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 2008.

GINZBURG, Jaime. Crítica em tempos de violência. São Paulo: EDUSP, 2012.

GONÇALVES, Jeosafá. Ensino é crítica: a literatura no ensino médio. São Paulo:


Nova Alexandria, 2012.

GOULEMOT, Jean-Marie. Da leitura como produção de sentidos. In: CHARTIER,


Roger (Org.). Práticas de leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 1996.

HENRIQUE, Halime Musser Prado. Best-seller: a história de um gênero. Rio de


Janeiro: Vermelho Marinho, 2010.
233

ISER, Wolfgang. O ato da leitura: uma teoria do efeito estético. São Paulo: Ed. 34,
1996. v. 1.

_____. A interação do texto com o leitor. In: LIMA, Luis Costa (Org.). A literatura e o
leitor. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

JAUSS, Hans Robert. A Estética da Recepção: colocações gerais. In: LIMA, Luis
Costa (Org.). A literatura e o leitor. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

_____. A história da literatura como provocação à teoria literária. São Paulo: Ática,
1994.

JOUVE, Vincent. Por que estudar literatura? São Paulo: Parábola, 2012.

KAUFMAN, Jean-Claude. A entrevista compreensiva: um guia para a pesquisa de


campo. Petrópolis: Vozes, 2013.

KEFALÁS, Eliana. Corpo a corpo com o texto na formação do leitor literário.


Campinas: Autores Associados, 2012.

LAGE, Micheline Madureira. Ensino, literatura e formação de professores na


educação superior: retratos e retalhos da realidade mineira. Belo Horizonte, 2010.
213f. Tese [Doutorado em Educação] – Universidade Federal de Minas Gerais.

LAHIRE, Bernard. Sucesso escolar nos meios populares: as razões do improvável.


São Paulo: Ática, 1997.

LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo: Ática,
2005.

_____. Literatura: leitores e leitura. São Paulo: Moderna, 2001.

_____. O texto não é pretexto. In: _____. Leitura e crise na escola: as alternativas do
professor. Porto Alegre: Mercado Aberto, 2003.

LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Regina. A literatura rarefeita: livro e literatura no


Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1991.

_____. A formação da leitura no Brasil. São Paulo: Ática, 1996.

LARROSA, Jorge. Pedagogia profana: danças, piruetas e mascaradas. São Paulo:


Autêntica, 2015.

LDB COMENTADA. Disponível em: <www.ebah.com.br/content/ABAAAuhEAE/ldb-


comentada>. Acesso em: 24 jul. 2013.

LEAHY-DIOS, Cyana. Educação literária como metáfora social: desvios e rumos.


Niterói: EdUFF, 2000.
234

LEAL, Leiva de Figueiredo Viana. Leitura e formação de professores. In:


EVANGELISTA, Aracy Alves Martins; BRANDÃO, Heliana Maria Brina; MACHADO,
Maria Zélia Versiani. (Org.). Escolarização da leitura literária: o jogo do livro infantil e
juvenil. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.

LEITE, Lígia Chiappini de Moraes. A invasão da catedral: literatura e ensino em


debate. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1983.

LIMA, Luiz Costa (Org). A literatura e o leitor: textos de estética da recepção. São
Paulo: Paz e Terra, 2002.

LINS, Osman. Do ideal e da glória: problemas inculturais brasileiros. São Paulo:


Summus, 1977.

LOURENÇO FILHO, Manoel Bergström. A formação de professores: da escola


normal à escola de educação. Org. Ruy Lourenço Filho. Brasília: Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais, 2001.

LOURO, Guacira. Mulheres na sala de aula. In: PRIORE, Mary Del. História das
mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 1997.

LOYOLA, Maria Andréa. Pierre Bourdieu. Rio de Janeiro: UERJ, 2002. Pensamento
Contemporâneo, v. 1.

LUFT, Gabriela Cé. Retrato de uma disciplina ameaçada: a literatura nos


documentos oficiais e no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Porto Alegre,
2014. Tese [Doutorado em Literatura Brasileira] – Universidade Federal do Rio
Grande do Sul.

MAGNANI, Maria do Rosário Mortatti. Leitura, literatura e escola: sobre a formação


do gosto. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

MAIA, Joseane. Literatura na formação de leitores e professores. São Paulo:


Paulinas, 2007.

MALARD, Letícia. Ensino de literatura no 2º grau: problemas & perspectivas. Porto


Alegre: Mercado Aberto, 1985.

MANGUEL, Alberto. A biblioteca à noite. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

_____. Uma história da leitura. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

MARTINS, Ivanda. A literatura no ensino médio: quais os desafios ao professor? In:


BUNZEN, Clecio; MENDONÇA, Márcia (Orgs). Português no ensino médio e
formação do professor. São Paulo: Parábola, 2009.

MARTINS, Solismar Fraga. Cidade do Rio Grande: industrialização e urbanidade


(1873–1990). Rio Grande: Ed. da FURG, 2006.
235

MUNAKATA, Kazumi. Livro didático: produção e leituras. In: ABREU, Márcia (Org.).
Leitura, história e história da leitura. Campinas: Mercado de letras, 2007.

NÓBREGA, Felipe. Ao sul do sul o mar também é pampa: sensibilidades de verão


na Villa Sequeira, Rio Grande/RS (1884-1892). Porto Alegre, 2012. Dissertação
[Mestrado em História] – Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

NÓVOA, António. Professores: a história é o que somos mais o que podemos fazer.
Lisboa, 2009. Entrevista à revista A Página. Disponível em: <http://www.apagina.pt/
?aba=7&cat=532&doc=13697&mid=2>. Acesso em: 10 abr. 2016.

OLIVEIRA, Gabriela Rodella de. O professor de português e a literatura: relações


entre formação, hábitos de leitura e prática de ensino. São Paulo, 2008. Dissertação
[Mestrado em Educação] – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo.

OLIVEIRA, Luciano Amaral. Coisas que todo professor de português precisa saber:
a teoria na prática. São Paulo: Parábola, 2014.

OLIVEIRA, Maria Marly de. Como fazer pesquisa qualitativa. Petrópolis: Vozes,
2013.

OSAKABE, H.; FREDERICO, E. Y. Literatura: orientações curriculares do ensino


médio. Brasília: MEC/SEB/DPPEM, 2004. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/
seb/arquivos/pdf/03Literatura.pdf>. Acesso em: dez. 2013.

OURIQUE, João Luis Pereira (Org.). Escola e sociedade, ensino e educação. Ijuí:
Ed. Unijuí, 2015.

PAIVA, A.; MACIEL, F. COSSON, R. (Orgs.). Literatura: Ensino Fundamental.


Brasília: MEC; SEB, 2010. Col. Explorando o Ensino, v. 20.

PENA, Felipe. Prefácio. In: HENRIQUE, Halime Musser Prado. Best-seller: a história
de um gênero. Rio de Janeiro: Vermelho Marinho, 2010.

PETIT, Michèle. Os jovens e a leitura. São Paulo: Ed. 34, 2008.

_____. A arte de ler. São Paulo: Ed. 34, 2010.

_____. Leituras: do espaço íntimo ao espaço público. São Paulo: Ed. 34, 2013.

PINHEIRO, Helder. Reflexões sobre o livro didático de literatura. In: BUNZEN,


Clecio; MENDONÇA, Márcia (Orgs.). Português no ensino médio e formação do
professor. São Paulo: Parábola, 2009.

PINHEIRO, Marta Passos. Reflexões sobre práticas de letramento literário de


jovens: o que é permitido ao jovem ler? In: PAIVA, Aparecida (Org.).
Democratizando a leitura: pesquisas e práticas. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

QUADROS, Tiane Reusch de. A poesia no ensino médio: contrastes e semelhanças


entre duas redes de ensino e a importância de uma abordagem hermenêutica em
236

sala de aula. In: OURIQUE, João Luis Pereira (Org.). Escola e sociedade, ensino e
educação. Ijuí: Editora Unijuí, 2015. p. 63-87.

QUEIRÓS, Bartolomeu Campos. O jogo do livro infantil. Belo Horizonte: Dimensão,


1997.

RAMALHO, Christina Bielinski. A poesia é o mundo sendo: o poema na sala de aula.


Revista da Anpoll, Florianópolis, n. 36, p. 330-370, jan.-jun. 2014.

RANGEL, Jurema Nogueira Mendes. Leitura na escola: espaço para gostar de ler.
Porto Alegre: Mediação, 2012.

ROCHA, José Carlos (Org.). Políticas editoriais e hábitos de leitura. São Paulo:
Com-Arte, 1987.

ROSENFELD, Anatol. A personagem de ficção. São Paulo: Perspectiva, 2009.

SANTOS, Josalba Fabiana dos; OLIVEIRA, Luiz Eduardo (orgs.). Literatura &
Ensino. Maceió: EdUFAL, 2008.

SCHNEID, Jucelma Teresinha Neves. Hora do conto: uma experiência maravilhosa.


Disponível em: <http://www.pucrs.br/edipucrs/CILLIJ/praticas/hora_do_conto.pdf>.
Acesso em: 10 dez. 2015.

SILVA, Ivanda Maria Martins. Literatura em sala de aula: da teoria literária à prática
escolar. Disponível em: <http://www.pgletras.com.br/Anais-30-Anos/Docs/Artigos/
5.%20Melhores%20teses%20e%20disserta%C3%A7%C3%B5es/5.2_Ivanda.pdf>.
Acesso em: out. 2015.

SILVA, Rogério Piva da et al. O impacto do Polo Naval no setor imobiliário da cidade
do Rio Grande – RS. Disponível em: <http://cdn.fee.tche.br/eeg/6/mesa3/
O_Impacto_do_Polo_Naval_no_Setor_Imobiliario_da_cidade_de_RioGrande_RS.pd
f>. Acesso em: 10 jul. 2014.

SOARES, Magda. A escolarização da literatura infantil e juvenil. In: EVANGELISTA,


Aracy Alves Martins et al. (Org.). Escolarização da leitura literária: o jogo do livro
infantil e juvenil. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.

SODRÉ Muniz. Best-seller: a literatura de mercado. São Paulo: Ática, 1985.

SOUZA, Ana Lúcia Silva et al. Letramentos no ensino médio. São Paulo: Parábola,
2002.

TODOROV, Tzvetan. A literatura em perigo. Tradução de Caio Meira. Rio de


Janeiro: Difel, 2009.

TORRES, Luiz Henrique. Cronologia básica da história da cidade do Rio Grande


(1737 1947). Biblos, n. 22, p. 9-18, 2008.
237

VIEIRA, Alice. O prazer do texto: perspectivas para o ensino de literatura. São


Paulo: EPU, 1989.

VERSANINI, Zélia. Escolhas literárias e julgamento de valor por leitores jovens. In:
PAIVA, Aparecida et al. (Org.). Literatura e letramento: espaços, suportes e
interfaces – o jogo do livro. Belo Horizonte, 2005. p. 21-34.

WALTY, Ivete Lara Camargos. Leitura literária em tempos de crise. In: PAIVA,
Aparecida (Org.). Democratizando a leitura: pesquisas e práticas. Belo Horizonte:
Autêntica, 2004.

_____. Literatura e escola: anti-lições. In: EVANGELISTA, Aracy Alves Martins et al.
(Org.). Escolarização da leitura literária: o jogo do livro infantil e juvenil. Belo
Horizonte: Autêntica, 2006.

ZILBERMAN, Regina (Org). Leitura em crise na escola: as alternativas do professor.


Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988.

_____. A leitura e o ensino de literatura. São Paulo: Contexto, 1991.


_____. Fim do livro, fim dos leitores? São Paulo: Senac, 2001.

ZILBERMAN, Regina; SILVA, Ezequiel Theodoro da. Literatura e pedagogia: ponto e


contraponto. São Paulo: Global, 2008.
238

APÊNDICES
239

APÊNDICE A – Questionário aplicado aos 13 professores da rede estadual

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE

DOUTORADO EM HISTÓRIA DA LITERATURA

Prezado(a) professor(a), este questionário é parte fundamental para a pesquisa que


embasa minha tese de doutorado, vinculada ao PPG em Letras da FURG. Peço que
responda com sinceridade e atenção. Agradeço sua participação! Doutoranda:
Juliana Votto Cruz

Questionário – professores de literatura – Data: / / .


Nome:
Idade:
Cidade natal:
Endereço atual:
Tempo de profissão:
Escola em que atua:
Instituição onde cursou Letras:
Possui curso de pós-graduação? ( ) sim ( ) não
Se sim, qual? ______________________ Nível: ______________ Instituição:
____________________________________
O curso de Letras foi sua primeira opção acadêmica? ( ) sim ( ) não.
Se não, qual foi a primeira opção? ____________________
Por que escolheu cursar Letras?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

Hoje, como você conceituaria “literatura”?


240

___________________________________________________________________
_________________________________________________________________

No último ano, você leu alguma obra de ficção? ( ) sim ( ) não


Se sim, poderia nomeá-las?
___________________________
___________________________

Qual o seu principal critério para a escolha anterior?


( ) enredo/temática ( ) técnica de construção textual/forma ( ) momento da vida
em que leu

Qual é sua disponibilidade de tempo para dedicar-se ao planejamento de suas


aulas?
( ) total ( ) parcial
Se parcial, quais são suas outras atividades? ______________________________

Além de professor de literatura, você também é professor de outra disciplina?


( ) sim ( ) não
Se sim, marque a alternativa correspondente: ( ) língua portuguesa ( ) língua
estrangeira

Quais são os principais objetivos do seu trabalho como professor de literatura?


___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

Com base em quais critérios você elabora suas aulas?


___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

Você considera seu trabalho socialmente relevante? Por quê?


___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
241

Você identifica possíveis lacunas durante sua formação acadêmica que o(a) tenham
levado a ter de complementar essa formação por conta própria? Se sim, que lacunas
são essas?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

Que obstáculos você identifica em relação ao seu desempenho profissional?


___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

Você participou ou está participando de algum processo de formação continuada?


Se sim, que tipo de formação?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

Como você avalia os momentos de formação continuada/hora atividade oferecidos


pelo governo?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

Você já leu os PCNs previstos pelo MEC para a área de “Linguagens, códigos e
suas tecnologias”? Se sim, qual sua opinião sobre eles? Você os utiliza como
referência para seu trabalho?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

Você escolheu o livro didático de literatura que utiliza? Se sim, como foi o processo
de escolha? Quais os critérios utilizados para a escolha em ordem de relevância?
Qual o livro utilizado?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

Quais são seus projetos/ambições como professor(a) de literatura?


___________________________________________________________________
__________________________________________________________________
242

APÊNDICE B – Questionário aplicado aos estudantes de Letras/2013

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE


DOUTORADO EM HISTÓRIA DA LITERATURA

Prezado (a) estudante, este questionário é parte fundamental para a pesquisa que
embasa minha tese de doutorado, vinculada ao PPG em Letras da FURG. Peço que
responda com sinceridade e atenção. Agradeço sua participação! Doutoranda:
Juliana Votto Cruz

Nome:
Idade:
Cidade natal:
Endereço atual:
Escola onde concluiu o Ensino Médio:
Essa escola é pública ou privada? ______________________
No âmbito das Letras, em qual área específica deseja atuar profissionalmente?
( ) linguística do português ( ) língua estrangeira/ensino ou tradução ( ) ensino de
língua portuguesa ( ) literatura ( ) ensino de literatura
O curso de Letras foi sua primeira opção acadêmica? ( ) sim ( ) não
Se não, qual foi a primeira opção? ____________________
Por que escolheu cursar Letras?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

Hoje, como você conceituaria “literatura”?


243

___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

Durante o ensino médio você leu alguma obra de ficção? ( ) sim ( ) não
Se sim, poderia nomear os seus preferidos?
___________________________
___________________________

Qual o seu critério para a escolha anterior?


( ) enredo/temática ( ) técnica de construção textual/forma ( ) momento da vida
em que leu

Como você caracterizaria o ensino de literatura durante o ensino médio (em relação
à metodologia e aos conteúdos)?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

Como você avaliaria suas aulas de literatura no ensino médio?


( ) nada interessantes
( ) pouco interessantes
( ) interessantes
( ) muito interessantes

Qual é sua disponibilidade de tempo para dedicar-se aos estudos?


( ) total ( ) parcial
Se parcial, quais são suas outras atividades? ______________________________
244

APÊNDICE C – Questionário aplicado aos estudantes de Letras/2016:

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE


DOUTORADO EM HISTÓRIA DA LITERATURA

Questionário – estudantes de Letras 2ª etapa Data: / /


Prezado(a) estudante, este questionário é parte fundamental para a pesquisa que
embasa minha tese de doutorado, vinculada ao PPG em Letras da FURG. Peço que
responda com sinceridade e atenção. Sua identidade será preservada. Agradeço
sua participação! Doutoranda: Juliana Votto Cruz

Nome:
Idade:
Cidade natal:
Endereço atual:
Sua turma permanece com o mesmo número de alunos desde o primeiro semestre?
Sim ( ) Não ( )
Se não, esse número aumentou ou diminuiu? Aumentou ( ) Diminuiu ( )
Se diminuiu, a que fator você atribui a evasão no curso?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

Qual é sua disponibilidade de tempo para dedicar-se aos estudos?


( ) total ( ) parcial

Se parcial, quais são suas outras atividades?


___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
245

No âmbito das Letras, em qual área específica deseja atuar profissionalmente?


( ) linguística do português ( ) língua estrangeira/ensino ou tradução ( ) ensino de
língua portuguesa ( ) literatura ( ) ensino de literatura
Você escolheu cursar Letras por determinadas motivações. Suas expectativas têm
sido contempladas na graduação? De que forma?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

Hoje, como você conceituaria “literatura”?


___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

Durante sua formação atual, sua relação com o hábito de ler sofreu alguma
alteração desde seu ingresso no curso de Letras? ( ) sim ( ) não
Se sim, poderia relatar sua experiência como leitor durante o curso?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

Sobre o curso de Letras até o momento (apenas com relação às aulas de literatura):
Que aspectos considera positivos?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
Que aspectos considera negativos?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

Como você avalia o ensino de literatura durante o curso (em relação à metodologia e
aos conteúdos)?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

Você teve acesso a leituras e discussões a respeito da metodologia do ensino de


literatura? E sobre formação de leitores? Se sim, como avalia essa experiência?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
246

Você teve acesso à leitura da LDB, dos PCNs e demais documentos oficiais,
relativos ao ensino de literatura? Como avalia esses documentos?
___________________________________________________________________

APÊNDICE D – Questionário aplicado aos professores dos cursos de


graduação em Letras:

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE


DOUTORADO EM HISTÓRIA DA LITERATURA

Questionário – professor de Introdução aos Estudos Literários e de Teoria da


Literatura
Data: / /

Prezado professor, este questionário é parte fundamental para a pesquisa


que embasa minha tese de doutorado, vinculada ao Programa de Pós-Graduação
em História da Literatura da FURG. Peço que responda com sinceridade e atenção.
Agradeço sua participação e asseguro sigilo com relação aos seus dados pessoais.
Doutoranda: Juliana Votto Cruz

Nome:
Idade:
Cidade natal:
Endereço atual (apenas cidade e bairro):
Tempo de atuação no Ensino Superior:
Tempo de atuação na Rede Básica (se houver):
Instituição onde cursou Letras:
Qual a área de seu curso de doutorado? ___________________________________
Instituição:________________________

Quais disciplinas você ministra na FURG?


___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
247

Por que você escolheu cursar Letras?


___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

Hoje, como você conceituaria “literatura”?


___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

Quais são os principais objetivos do seu trabalho como professor de Introdução aos
Estudos Literários/Teoria da literatura em um curso de licenciatura?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

Com base em quais critérios você elabora suas aulas de Introdução aos Estudos
Literários/Teoria da literatura?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

Você considera seu trabalho socialmente relevante? Em que sentido?


___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

Você identifica possíveis lacunas durante a formação anterior de seus alunos (e que
interferem diretamente em seu trabalho)? Se sim, que lacunas são essas?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

Que obstáculos você identifica em relação ao seu desempenho profissional?


___________________________________________________________________
__________________________________________________________________
248

Você observa mudanças no perfil médio dos acadêmicos de Letras desde a


implementação do SISU/ENEM como única forma de ingresso nos cursos da FURG
em 2011? Se sim, que mudanças você tem observado?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

Você acredita que os cursos de licenciatura em Letras da FURG contemplam


adequadamente as etapas de formação de um professor de literatura para a rede
básica?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

Você acredita que a FURG realiza atividades de extensão suficientes relacionadas à


educação básica? De que forma o PIBID pode contribuir nesse sentido?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

Você leva em consideração o fato de atuar em um curso de formação de


professores quando elabora suas aulas de Introdução aos Estudos Literários/Teoria
da Literatura?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

Você acredita ser importante minimizar a distância existente entre o nível básico de
educação e o ensino superior? Como aproximar a formação/produção acadêmica e
a prática docente na rede básica?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
249

APÊNDICE E – Transcrição das entrevistas com as quatro professoras


selecionadas para a segunda etapa de coleta de dados:

Transcrição da entrevista com a professora M. L.

Duração: 43min24s
Juliana – Então vamos começar... O que tu pensas quando ouves falar que ser
professor é mais uma vocação do que uma profissão, do que uma carreira
profissional?
M. L. – Eu vou falar com toda a sinceridade... mas é uma brincadeira que eu faço
atualmente. Antigamente eu achava bonito: “Ser professora é dom, né...”. Hoje eu
brinco, eu digo que ser professora não é dom. Ser professora é karma. Aí as
pessoas se assustam com isso, mas eu acho assim, ó... eu sou religiosa, sou
espírita kardecista, e eu faço isso de brincadeira, justamente com relação a essa
religiosidade que eu tenho. Porque eu acho que não é uma profissão que qualquer
pessoa possa exercer, como eu acho que ser médico não é pra qualquer um
também, como ser mecânico também não. Eu jamais seria um mecânico, né! Então
as pessoas, não é que elas sejam escolhidas por um plano maior. Pelo contrário, eu
acho que a gente escolhe isso. A gente escolhe essa profissão porque a gente, de
repente, precisa... é pra gente isso. Eu não tô resgatando ninguém, eu estou me
resgatando com o ato de ser professora.
Juliana – A que tu atribuis o fato de cada vez menos jovens desejarem ser
professores, procurarem cursos de licenciatura?
M. L. – Porque os nossos jovens e as nossas crianças estão cada vez... nós
estamos com cada vez mais dificuldade de lidar com eles. Eles cada vez mais vêm
pra escola sem nenhum tipo de disciplina. Existe uma cobrança muito grande em
cima da escola, a escola não é mais aquela que vai educar dentro das disciplinas.
250

Hoje a escola é quem vai fazer tudo por aquela criança. Se a criança não vem à
escola nós somos responsáveis, somos nós que temos que ir na casa do aluno ver o
que está acontecendo, se o aluno está doente, ele pode exigir até que nós vamos
até a casa dele. Jamais isso aconteceria em outros tempos! E hoje o pai nos cobra
de tudo, então nós viramos a palmatória do mundo. Aí eu te pergunto: qual é o
jovem que hoje vai querer entrar em uma sala de aula com 30, 40 alunos, onde
esses alunos poderão te mandar a lugares muito feios? Poderão usar todo tipo de
vocabulário... eu tenho um segundo ano de noite, que um dia desses eu disse a eles
que infelizmente eu era obrigada a dizer, mas que meu ouvido não era penico!
Jamais eu pensei que um dia eu diria isso pra um aluno, e eu disse, né... porque eu
fiquei impressionada com o monte de coisa que ele disse na minha aula! Eles não
falam isso pra mim, eles falam isso naturalmente, esses meninos não conseguem te
dizer uma frase sem ter quatro palavrões no meio! E eu comentei isso em casa com
o meu marido, que o meu marido é meio autodidata, né... ele até fazia História... e
ele me disse: “M., te acostuma!”. Mas como? Eu não vou nunca me acostumar com
isso... e ele disse assim: “Na universidade palavrão é a coisa mais comum que tem.
O aluno da universidade diz palavrão o tempo todo, como se fosse a coisa mais
natural do mundo.” E eu fiquei, assim, pasma e disse: “Mas, capaz?! Eu tô muito fora
da realidade, realmente, porque no meu tempo ninguém dizia palavrão. É comum
numa roda de amigos, eu até digo alguma coisa...mas não assim”. Então, eu fiquei
muito preocupada com isso. Então por que o aluno não quer? O aluno terminou o
ensino médio, ele vai fazer uma seleção, ele até vai fazer uma licenciatura, mas ele
não quer a sala de aula no ensino básico. Ele já vai com aquela ideia: “Eu vou
continuar estudando, eu vou adiante, porque eu vou trabalhar com formação de
professores.” Pô, daqui a pouco nós vamos estar cheios de formadores de
professores! Mas esse formador de professores não sabe o que é a realidade de
uma sala de aula. É muito fácil querer formar um professor se nunca esteve numa
sala de aula... eu até tinha planos de ser uma professora universitária, mas eu tirei
fora da minha cabeça isso aí. Eu quero estar é deste lado de cá. Mas olha, o que a
gente ouve as pessoas dizerem! Todo o mundo quer nos formar, as pessoas
precisam rever isso aí. Precisam vir pro lado de cá... pra ver realmente como é difícil.
E o jovem quer comodismo, ele quer ganhar bem e ele não quer se incomodar. E se
ele vier pra educação básica ele vai se incomodar com o aluno, com o pai, com a
comunidade da volta, vai se incomodar muito!
251

Juliana – Como se deu a tua escolha profissional?


M. L. – Fácil, muito fácil. Não tem nada a ver com aptidão. Eu simplesmente gostava
de português. Aí eu fiz Língua Portuguesa. Eu fiz Letras, né, por fazer... não sei o
que eu quero. “O que eu quero eu não vou poder fazer, eu vou ter que trabalhar e
estudar”. Eu já estava casada, na época eu abandonei os estudos e não teria como
fazer Medicina, que era o sonho da minha vida. Gosto de medicina, gosto de tudo
ligado a hospitais, isso aí era realmente uma coisa que eu faria com prazer. Aí eu fiz
Língua Portuguesa, fiz Português-Inglês na época e aí eu me apaixonei pela ideia de
ensinar, de ajudar outras pessoas a gostarem da mesma disciplina que eu gostava.
Eu acho que o magistério me conquistou. Eu tive ótimos professores e isso foi muito
bom pra mim.

Juliana – Hoje, como tu conceituarias Literatura?


M. L. – Literatura pra mim é tudo de bom. É a arte da escrita. Através da literatura o
mundo se abre pro aluno e se abre pra mim. Culturalmente, eu evoluí muito através
da literatura, porque é impossível tu trabalhares literatura sem trabalhar os contextos
históricos. Então, obviamente tu estás trabalhando as linguagens, a história, a
geografia, daqui a pouco tu te colocas na matemática também... eu não consigo
trabalhar de forma desvinculada, né... da escultura, da pintura. Eu amo a pintura,
então daqui a pouco tu pega um Leonardo Da Vinci, que foi bárbaro, mas ele não foi
apenas um pintor, ele foi muito mais que isso, ele trabalhava com a matemática o
tempo todo, com a linguagem o tempo todo, ele escrevia. E tu consegues ligar tudo
isso aí, tu não ficas vinculada à disciplina em si. O mundo se abre com a literatura,
então eu acho que literatura é uma das artes mais completas que tem. Se
trabalhada como arte, realmente.

Juliana – Tu costumas ler obras não relacionadas ao teu trabalho? Como fazes
essas escolhas?
M. L. – Que difícil te responder isso! Se eu te disser que eu li toda a obra do Dan
Brown, tu vais dizer assim: “Meu Deus, mas não tem a ver com o que eu imaginava
que ela leria!” Eu leio coisas que são bem jovens, uma que eu gosto. Não vou dizer
que eu não goste. Mas porque eu alcanço mais o meu público leitor, porque eu
tenho mais o que discutir. Eu gosto de obras das quais se originaram filmes também.
252

E eu leio muitas obras que não tem nada a ver com literatura ou com o meu
trabalho, como autores ligados às novas tecnologias da educação e comunicação. E
literatura espírita, com certeza! Eu gosto de romance, então a Zíbia Gasparetto tá
sempre presente nas minhas leituras, porque é uma forma de aprendizado pessoal.

Juliana – quais são as maiores dificuldades cotidianas de trabalhar com a literatura?


M. L. – A maior dificuldade que eu tenho é que eu trabalho a literatura no turno da
noite, e aí eu pego turmas do ensino médio, mas é aquela garotada que, ou não
quer estudar mesmo e vai pra noite porque acha que é mais fácil, ou então é aquele
povo que trabalha. Na literatura eu tenho as turmas de EJA, que são pessoas que já
saíram da sala de aula há muitos anos. Então, a maior dificuldade que eu tenho é
justamente a dificuldade que eles têm, muitas vezes, de ler e de interpretar. Com os
mais velhos é mais fácil. Só que aí, os mais velhos têm a dificuldade de escrita. Mas
isso aí pra mim não é uma dificuldade, é prazeroso. Porque o retorno com os mais
velhos é imediato. Tu vais pra sala de aula e qualquer “poeminha” que tu leves
(poeminha!, tem poemas fantásticos), qualquer texto que tu leves, eles conseguem
trazer aquilo pro dia a dia deles, eles se encantam. Tu levas um vídeo e eles se
encantam. Semestre passado a gente fez uma sala de linguagens, nós ficamos dez
dias com a sala montada. E era bem numa época de provas. Eles iam pras provas e
daí eles tinham um tempo e iam pra sala, que ficou sendo a sala de reuniões da
gente... tinha todos os trabalhos deles expostos, eles não têm vergonha de expor os
trabalhos. Trabalhar com EJA é muito bom, o retorno é imediato. Mas todo semestre
eu recebo estagiárias, né. Eu tenho que dizer pra elas: “Gurias, o tempo deles é
diferente. Não adianta trazer textos grandes, vamos devagar. A coisa é bem
devagar. E o que eu quero que eles aprendam com vocês é o mínimo da parte
teórica e mais sobre vida. Trabalhar textos que eles possam sempre relacionar com
o dia a dia deles”.

Juliana – Tu pensas ser necessário que se ensine literatura na escola? Por quê?
M. L. – Não deveria ser, mas já que muitas vezes o aluno que chega pra nós é um
aluno que só vê novela, faz-se necessário por causa disso. Pra que eles tenham a
oportunidade de vivenciar outras leituras. A gente vai trabalhar com textos, e dessa
forma eles vão tendo uma outra visão. E aí eles também nos completam com aquilo
que eles trazem do dia a dia deles. Um exemplo: trabalhando modernismo... década
253

de 1930, um deles “Ah, minha mãe viveu nessa época”, tenho uma aluna que se
formou no ensino médio com 70 anos! Tu imagina! Literatura pra ela era tudo de
bom, porque a gente tinha muita coisa pra conversar. Então essa possibilidade de
conversa, de poder abrir os horizontes deles é espetacular. E os mais jovens dizem:
“Pra que estudar literatura?”. Eu digo: porque literatura é cultura. A gente sempre
tem que estar aprendendo e através da literatura tu vais ter “n” possibilidades de
mudar a tua visão de mundo. Tu nunca sais igual depois de uma boa leitura, de um
bom filme, de um bom seriado. Tu sempre vais estar diferente depois.

Juliana – Como tu vês os PCNs e outros documentos norteadores da área de


linguagens e suas tecnologias?
M. L. - Assim, ó... o professor que está em sala de aula não para pra ler. Tudo que
vem do governo gera uma certa resistência entre os professores e eu não sou
diferente. Cada uma das vezes em que eles lançam coisas, tem material
aproveitável, por exemplo, teve uma época que eram as "Lições do Rio Grande". Era
um material riquíssimo, maravilhoso. Mas houve toda uma resistência. Agora, por
exemplo, o Politécnico... uma resistência enorme. Por quê? Porque a gente nunca é
consultada. Por que não consultam a base, primeiro? A base somos nós! Nós
estamos na sala de aula! Aí os educadores "lá de cima" já trazem a receita pronta
pra ti. O professor não quer receita pronta... hoje quando a gente vai pra um curso
de formação, agora tô fazendo o Cirandar, elas dizem: "Nós não estamos aqui pra
formar ninguém, nós queremos ver o que vocês estão fazendo." Quer dizer, nós é
que vamos dizer como a coisa acontece na sala de aula e o que pode ser feito e
melhorado. E eles vão trabalhar em cima do nosso trabalho... eu acho que dessa
forma seria mais fácil. Mas assim, ó... o problema da educação é que ela está
sempre muito ligada com a política. E não deveria. Eu digo pro pessoal: "eu sou
classista". Eu sou professora. Eu não sou política. Claro, todos nós fazemos política,
mas não venham com política partidária! Cada vez que muda o governo vem uma
nova cartilha. O professor não quer isso pra ele, eu não quero isso pra mim.

Juliana - Descreve um dia de trabalho teu.


M. L. – Ah, eu sou a pior pessoa pra tu entrevistar, porque eu gosto muito de
trabalhar, eu me dedico bastante. Então, assim: quando eu trabalho com literatura
eu já saio de casa de manhã e venho pra esta escola onde eu estou agora, onde eu
254

sou articuladora na sala de informática, eu trabalho com as tecnologias. Então eu


trabalho com projeto o tempo todo, então a minha manhã é movimentada, mas a
minha tarde é que é movimentada realmente. Então quando eu saio, eu não saio de
casa, eu saio daqui da escola para o Tellechea. Sempre chego antes do horário, dou
uma olhadinha nas turmas que eu tenho, organizo ali o material, sempre assim,
porque às vezes eu tenho que subir aula. No Estado é meio conflituoso, muito
professor falta, existe um desestímulo muito grande entre os professores do Estado,
tudo em função da não-valorização. Aí eu chego, já tenho que passar pela falta de
professores, já tenho que subir aula, aí já tenho que estar pegando material pros
alunos ficarem sozinhos. É uma escola em que as classes estão sempre muito sujas
e o aluno é o reflexo da sua escola. Se o Estado está sucateado, o aluno parece
sucateado também. Existe, parece que uma falta de interesse em melhorar nossas
escolas estaduais e isso reflete no nosso trabalho. Eu entro entusiasmada, mas
aquilo ali "me poda" e eu digo isso pros alunos. Eu digo: "quando eu faço greve, eu
não faço pelo salário. Se fosse pelo salário eu já teria abandonado o Estado há
muito tempo. Eu faço greve em função de ter uma escola melhor pra vocês e pra
mim, porque eu não gosto de trabalhar no meio da sujeira". Então, eu tenho um
relacionamento muito bom com os alunos. Neste ano em que nós estamos agora tá
um pouquinho diferente, porque eu peguei turmas em que não costumava trabalhar.
Peguei um segundo ano, do povo que veio do dia, que é uma turma bem mais difícil
de trabalhar, e um primeiro ano também. Mas assim, ó... no primeiro trimestre é mais
complicado de trabalhar. A partir do segundo trimestre é mais fácil, porque eles já
conhecem a minha cara braba e já conhecem a minha cara de apaixonada por eles.
Quando eu chego os meus alunos me acolhem com beijo e abraço, porque eu sou
assim e eu passo isso pra eles. Eu costumo dizer que os meus alunos,
principalmente quando se tornam ex-alunos, se tornam meus sobrinhos. Eu tenho
perto de 2000 amigos no Face. Quase todos são alunos e ex-alunos. E eu nunca
tive nenhum problema. Chego em casa 23:10, mais ou menos, sempre com a
sensação do dever cumprido. Dificilmente eu tenho algum problema. Eu nunca tive
problema com nenhum pai, porque eu sempre recebo muito bem os meus pais.

Juliana – Com base em quais critérios tu elaboras as tuas aulas?


M. L. – Eu acho que o básico é a interação. Às vezes eu fico meio impossibilitada...
não adianta o professor falar que não, por mais que ele queira fazer diferente, ele
255

termina ficando atrelado ao conteúdo. Então eu procuro jogar com isso. O professor
que é um professor mesmo, ele é consciente do dever dele e o conteúdo é algo bem
enraizado nas nossas origens, né... e não venham me dizer que o professor que tá
na sala de aula tá agindo dessa forma... não! Isso não vem da gente, não! Agora,
por exemplo, eu tô com um estagiário, posso te mostrar se tu quiser, as mensagens
dele: "Preciso saber que conteúdo vou trabalhar." O estagiário que vai pra minha
sala de aula, ele dá uma aula bem conteudista. Tem uma professora, não vou citar
nomes, uma moça que eu já conhecia. Eu disse assim: "O que tu vais dar na
próxima aula?" E ela: "A carta do Gândavo". E eu: "Quê? Tu é louca?". E ela pegou
e disse assim: "O professor disse que eu tenho que dar. Por quê? Tu não dá?" E eu:
"Eu não! No máximo um fragmentozinho da carta do Pero Vaz de Caminha, pra
conversar e fazer uma relação com outros textos, com Carlos Drummond de
Andrade, já mais do nosso tempo e pra gente ter uma noção de como se escrevia na
época e que visão o português tinha da nossa terra." Aí ela pegou e disse: "Ah, mas
ele disse que eu tenho que dar." Eu disse: "Então, dá. Depois tu me conta". "Por
quê?", "Porque eles vão dormir...", "Ah, M...". Aí terminou a aula, né, eu fui alcançar
ela: "E aí?". "Ai, M., eles dormiram..." "Eu te falei que iam dormir... ora!” Pelo amor
de Deus, se perguntar pra mim se eu li a carta... eu não li nunca! Eu li fragmentos.
Tem coisas que a escola tem que, tranquilamente, esquecer.

Juliana – Que lacunas a tua graduação deixou e que hoje são um obstáculo pro teu
trabalho?
M. L. – Ah, eu não sei, foi tão maravilhosa a minha licenciatura! Só vou te dizer
nomes. Eu fui aluna da Cristina, da Rosa Albernaz, fui monitora da Rosa e a primeira
monitora do meu curso, porque eu gostava de análise sintática e análise sintática
pra mim até hoje é tudo de bom. Tive o Carlos Baumgarten, maravilhoso, tive o
Chico, o melhor tradicional! Tive o tio Attila, que eu amei e amo até hoje. Eu só
tenho a agradecer. Eu era pobre, bem pobre, tinha bastante dificuldade e eu não
tenho nada a reclamar do tempo de universidade.

Juliana – Como tu vês o uso do livro didático de literatura? Tu usas livro didático?
M. L. – Eu penso assim, ó... é um material bom, tem muito subsídio pro professor ali
dentro. O professor é que tem que saber dosar isso e não se deixar atrelar pelo livro.
Atualmente eu não uso. Acabei de pegar 20 volumes que agora vieram para o
256

ensino médio (EJA). Acabei de pegar 20 volumes pra trabalhar com os alunos e nós
já estamos em maio e eu ainda não usei nada, mas tudo bem. Mas eu vou usar,
porque eu acho assim... eu sou também uma contribuinte, eu pago o Imposto de
Renda! E eu penso assim: poxa, vida! O material está lá, jogado na biblioteca,
ninguém usa. É dinheiro público! Existem professores que se dedicaram a fazer
aquele livro... nem tudo é ruim! Assim como nem tudo é ruim na escola pública, nem
tudo é ruim na universidade, nem tudo é ruim nos livros didáticos. Nós temos é que
saber dosar. Um dia desses, eu tava trabalhando com a professora de matemática
na sala de informática e ela usou o livro didático ao mesmo tempo em que usava a
tela interativa! O professor é que vai ter que se adequar a tudo que chega às mãos
dele e transformar isso em benefício pro aluno. É só isso que eu acho. Acho que já
passou a hora de a gente ficar revoltado com tudo que vem lá de cima. Tem coisas
boas que a gente vai dosando.

Juliana – Tu frequentas a biblioteca escolar com os alunos? De que modo?


M. L. – Não, não frequento. Porque ela não tem lugar pros alunos entrarem. Ela tá
atulhada de livros há anos. Ela é aberta, mas não tem onde sentar... agora esses
dias eu pedi, ela disse: “M.L., não sei o que eu faço, o governo manda, manda,
manda livro e não tem pessoal suficiente pra trabalhar”. Elas não conseguem se
organizar. Nós estamos tendo problema seriíssimo de falta de pessoal nas escolas.
E aí o que acontece? A biblioteca fica lotada de livros. Isso na escola estadual, né. E
a biblioteca é enorme. Tá tudo atulhado de livros.

Juliana – A pessoa que trabalha é bibliotecária?


M. L. – Não, ela é desviada de função. Eu já fui desviada de função. Quando eu
entrei pro Estado eu fui bibliotecária e foi um período muito bom na minha vida, mas
eu vivia “subida” arrumando estante! A biblioteca vivia lotada de alunos! Bah!

Juliana – O que tu reivindicarias para que o teu trabalho obtivesse mais êxito?
M. L. – O que eu amaria ter, o que eu gostaria muito de ter, inclusive eu vivo
pedindo isso, já pedi várias vezes pro meu diretor e vontade não faltou nele, só que
é algo que não depende só dele, depende de uma equipe... é ter um ambiente de
aprendizagem. Eu gostaria de ter uma sala. Agora eu vou fazer, parece que tem
uma sala sobrando lá e eles vão me deixar usar lá por um tempo, assim que nem eu
257

usei aqueles dez dias. Ter uma sala para as linguagens. Até eles iam fazer agora,
começaram a organizar. E eu disse: “Para aí um pouquinho! Matemática com língua
portuguesa? Não dá! Eu tenho que dividir a sala com professores das linguagens!”
“Ah, mas é assim que vai ter que ficar”; eu digo: “Não, assim não dá! Assim não
funciona...”. Eu gostaria de ter uma sala onde eu tivesse material, onde eu pudesse
expor os trabalhos dos alunos, onde eu tivesse a certeza de que nada seria
estragado, porque tentaram fazer isso na sala de artes e teve um aluno que destruiu
um monte de material da professora! Isso não tá certo, né! Eu gostaria de ter um
espaço pra eu trabalhar com os professores das linguagens, pra que a gente
pudesse trabalhar de forma interdisciplinar. Aí vão dizer assim: “O trabalho
interdisciplinar não necessita que os professores estejam juntos!”. Até sei que a
interdisciplinaridade é um processo que tem que acontecer no professor e no aluno,
mas eu acho que se tu trabalhares num ambiente onde tu tens o teu material e o
material do professor da tua mesma área, tu vais trabalhar com muito mais
tranquilidade. O que seria o sonho? Tu entrar na sala, o teu material estar ali, o
trabalho dos alunos estar ali, eles trabalharem em grupo, as classes sempre
arrumadas em grupo, eles não trabalharem sozinhos, e já ter no mínimo uma
televisão que tu possas adaptar o computador. Chegar e já ter aquilo ali. Tu não
perderes 15, 20 minutos procurando alguém pra ver a chave da sala, pra pegar o
data show, pra tu levares pra sala de aula e ligar, pra tu chegar lá e “Cadê o cabo?
Não sei cadê o cabo!”, porque o diretor é que tem que abrir, aquilo está fechado a
chave!

Juliana – O que tu achas disso?


M. L. – Passado! Falta de autonomia, falta de respeito pela atividade do professor e
desestimulante.

Juliana – Tu tens apoio da tua gestão no desempenho das tuas atividades?


M. L. – Depende. Eu tenho um apoio bem expressivo da minha vice-diretora, da
supervisora da EJA. Infelizmente eu trabalhei três anos com o seminário integrado e
a parte de supervisão e coordenação do seminário integrado foi zero. Há falta de
reuniões pedagógicas, falta de reuniões por área, pra se fazer um trabalho em
conjunto, interdisciplinar, pra motivar os meus colegas, pra me motivar a fazer um
trabalho diferenciado. Isso aí é totalmente falho. O problema mais sério da nossa
258

escola hoje é justamente o pedagógico, porque falta pessoal, porque falta vontade
política pra que as coisas realmente aconteçam.

Transcrição da entrevista gravada com a professora E. S.

Duração: 17min5s

Juliana – Então tá, podemos começar. A primeira coisa que eu quero te perguntar é
a seguinte: o que tu pensas, quando ouves dizer que ser professor é uma missão, é
um sacerdócio, é mais do que uma conotação profissional, mesmo, que outras
carreiras têm?
E. S. – Não, isso é uma coisa que me dá um pouco de frustração. Porque na
verdade assim, ó, nenhuma profissão é um sacerdócio: tu estudou, tu foste atrás, tu
correste, né, passaste duras penas pra te formar, pra... então, realmente, eu não
gosto da ideia do sacerdócio. Acredito, assim, que como toda profissão, tu vais atrás
do que tu tens realmente um dom, uma capacidade, o teu direcionamento, até pra
ser feliz, né, pra fazer alguma coisa que goste, mas eu fazer o que gosto é diferente
de dizer que eu to me doando, que eu posso não receber bem por causa disso, não,
eu acho que, eu sempre digo assim, que eu não acho que seja assim: “Ah, tá
recebendo mal, pobre professora”, eu não gosto dessa definição, né, se eu quisesse
eu tinha ido estudar outra coisa, tinha ido procurar outra profissão, né, se eu ainda tô
dentro da profissão de professora, é porque eu gosto e eu quero e porque ainda
acho que tenha competência pra fazer a coisa. Salário eu sempre digo que eu
poderia receber um pouco mais, eu mereço. Mas, ao mesmo tempo, não me
vitimizo, não gosto dessa coisa de dizer “ai, pobre de mim que tô recebendo pouco,
vou lá...”, não, isso aí eu não aceito!

Juliana – A que tu atribuis o fato de cada vez menos jovens prestarem ENEM pra
uma licenciatura, menos gente querendo ser professor?
259

E. S. – Aí é a desvalorização, né. Desvalorização do professor ou, normalmente, os


alunos querem uma profissão que dê muito dinheiro e o professor já tem aquela
fama de que não vai ter dinheiro. Isso também pra mim tem a ver com a forma com
que “vendem” a educação. A educação, na verdade, ela é a base, mas ela não é
vista na sociedade como base. Tem a desvalorização social do professor, hoje eu
enxergo isso.

Juliana – Como se deu a tua escolha profissional?


E. S. – Eu não escolhi ser professora, eu escolhi que eu tinha que fazer Letras e
tinha que estudar literatura. Eu queria ser crítica literária. Mas aí no meio do caminho
eu comecei a trabalhar a questão da educação.

Juliana – Hoje, como conceituarias literatura?


E. S. – O que é literatura? Puxa vida! Há quanto tempo eu não penso nisso!
Literatura é um processo pra gente trazer pro aluno a criticidade, trazer
conhecimento, múltiplas experiências e também um exercício de convencimento,
porque na verdade eu tenho que convencer o meu aluno que literatura é uma coisa
boa, que tem coisas pra trazer melhores que tudo isso que os cerca e hoje eles têm,
que é a televisão, todas as mídias, internet.

Juliana – Tu costumas ler obras não relacionadas ao teu trabalho? Como tu


escolhes essas obras?
E. S. – Pra mim? Não pra sala de aula? Hoje em dia não tenho tido tempo, porque
eu sou leitora compulsiva desde pequena, então eu leio muito, só que hoje em dia
as minhas leituras, elas estão mais direcionadas a outras áreas... a área espiritual,
né, que eu tenho buscado muito, então acabo tendo que ler muito a respeito, tem a
área da permacultura, porque agora to fazendo muitos cursos voltados pra isso,
então já não tá dando mais tempo de ler coisas que me divirtam, tudo que eu
gostaria.

Juliana – Quais são as tuas maiores dificuldades cotidianas no teu trabalho com a
literatura?
E. S. – Com a literatura hoje é o aluno já ter resistência com o nome da disciplina.
Falou que é professora de literatura ele já fica “ai, tem que ler”. Então, essa visão de
260

que “tem que ler”, é complicado, é conquistar o aluno, cativar, fazer com que a
literatura seja uma ferramenta que eles gostem. É bem complicado, eu já mudei
várias vezes de ferramentas, agora mesmo que eu tava trabalhando com os
adolescentes do dia, este ano eu não tô, eu fui buscar outros... fui buscar, como é
que é?... o John Green, fui buscar outros autores, coisas que eles estavam lendo,
pra poder a partir dali, conseguir fazer com que tivesse mais leitura. E eu descobri
que eles leem! O que agrada a eles, eles leem. Eu é que tenho que chegar até lá,
pra depois fazer a caminhada inversa.

Juliana – Tu achas necessário que se ensine literatura na escola como uma


disciplina obrigatória?
E. S. – Eu acho que não precisava ser uma disciplina. Ela não precisava ser uma
disciplina que tá guardada lá pro ensino médio. Quando tu chega no primeiro ano do
médio, os alunos olham: “Que que é a literatura?”, e aí tu tens que trazer todo um
traço de arte, de cultura, pra conseguir ensinar o que é literatura, que é uma coisa
que convivem já, desde pequenos, só não sabem o nome. Porque aí tu falas e o
aluno “Ah, eu acho que já ouvi falar”. Então não tinha necessidade de ser uma
disciplina isolada lá no ensino médio. Ela poderia ser todo um acompanhamento de
leitura desde os primeiros anos e o aluno vir só acrescentando novos autores, em
todas as áreas. Quando ele chegasse no ensino médio, ela já teria lido Mário
Quintana, ele já leu Drummond, ele já ouviu falar do Vinícius de Moraes, então, não
precisaria.

Juliana – Tu já leste os PCNs e outros documentos? O que pensas a respeito


deles?
E. S. – Olha, faz tempo que eu nem olho mais pra eles! Teve uma época que eu
tentava, que eu olhava, que eu achava interessante, que eu achava um material
legal. Mas depois tu vai acabando... tu vai abandonando isso em função do dia a dia
da sala de aula. Sinceramente não... acho que quando tu tá no início, se tu não tem
um norte, te dá... né, te traz algumas coisas pra tu colocar dentro da tua bagagem,
mas hoje em dia eu já não, não acredito mais muito neles.

Juliana – Descreve um dia de trabalho teu.


261

E. S. – Vamos ver, no noturno... no noturno tu normalmente chegas... depende, se tu


pegar a EJA, é fantástico, porque se tu for trabalhar, às vezes tu traz pro aluno mais
velho coisas, e eles têm mais pra te dar, né, tu falas sobre um autor e eles lembram
alguma coisa e aí vão trazendo e a aula se desenvolve de uma forma muito
prazerosa. Já no regular é diferente. No regular tu tens uma outra vivência. Cada
vez que eu chego no regular, normalmente os alunos dizem “Lá vem ela, o que que
a gente vai ler hoje? Quantas páginas tem o texto?”

Juliana – “Quanto vale?”


E. S. – “Quanto vale?”, “Poxa, quatro folhas hoje!”... Então, é diferente, tu vais ter
que buscar outros assuntos, outros textos, pra fazer um outro convencimento com
eles. O aluno mais velho, ele acaba te trazendo... da vivência dele... ele tira a
literatura. E o aluno mais novo não tem a vivência pra tirar, né, então é diferente.

Juliana – Quais critérios tu utilizas pra elaborar tuas aulas?


E. S. – Depende. Eu tenho, claro, que seguir um pouco do que a escola estipulou, o
que é do primeiro ano, o que é do segundo e o que é do terceiro. Mas eu gosto
muito de separar coisas que sejam do dia a dia, meio que “a cara da turma”, pra
poder trazer junto. De forma que acabe chamando a atenção. Os mais velhos é
muito bom, porque qualquer poesia que eu recite na sala de aula já dá um up. Os
mais novos não. Dependendo da turma, vira gozação. Então aí eu tenho que
trabalhar de outra forma. Então, tu tens que saber mais ou menos medir o que,
como chegar na identidade de cada turma, pra não virar a palhaça da sala.

Juliana – Quais as lacunas deixadas pela tua formação em Letras?


E. S. – Eu acho que faltou literatura contemporânea. Muito, muito, muito... o que
tava sendo lido “agora”, pra mim, inclusive, quando eu entrei em Letras, a minha
paixão era literatura e eu fui adorar foi linguística, porque a linguística é que virou a
novidade. Porque eu era já leitora compulsiva, então todos os clássicos eu já tinha
lido. Então quando eu cheguei em Letras, eu achava que eu ia ler o mundo. E não
era, eu ia ter que ler Machado de Assis, José de Alencar, tudo de novo! Pra muitos
era novidade, pra mim já eram leituras que eu tinha feito na adolescência. E aí eu
gostei de linguística, eu fiquei apaixonada por linguística... aí eu achei: “Ah, vou virar
A professora de português”, não quis mais muito papo com a literatura porque pra
262

mim ficou muito igual. Aí o que que aconteceu: virei realmente professora, passei
pra professora de português, só que tu tá trabalhando o tempo todo literatura,
porque tu tá trazendo texto, tu tá fazendo interpretação, tu tá buscando pro aluno
todo esse norte. Quando, eu nunca me esqueço, quando o Lorea teve ensino médio,
porque lá só tinha fundamental e eu trabalhava português. Quando o Lorea lançou o
ensino médio, aí eu vi aquela palavrinha ali, “literatura”, separada, engavetada em
disciplina, eu olhei pras gurias e disse; “Pô, tá aí um desafio! Eu queria ser
professora de literatura, pelo menos uma vez na vida, pra ver como é que é”. Eu
queria ver como é que era. E as gurias: “Então tá, agora tá abrindo o ensino médio,
literatura é tua”. E aí eu tive que me reestruturar, reestudar, ver como é que se dava
aula de literatura. Então isso foi legal, eu comecei trabalhando com filme, porque
não tinha muitos livros na biblioteca, eu pegava filmes. Então eu trabalhava as
características deles na escola e buscava filmes e fazia os alunos procurarem nos
filmes as características e isso funcionava legal, né, com alunos do noturno já.
Então, tem coisas que tu vai brincando, assim, e descobrindo. Aí traz o texto, mas já
trabalhou um filme, já trabalhou as características em cima do filme, aí traz o texto.

Juliana – Como tu enxergas o uso do livro didático nas aulas de literatura? Tu usas
algum livro?
E. S. – Ele é acessório, eu não uso. Porque no noturno agora é que tá aparecendo
livro, pro aluno do noturno. Normalmente ajuda se tu precisas de material pra sala
de aula e tu não tens como tirar uma cópia da tua aula, né, agora mesmo, aqui que a
gente tá sem internet, quer dizer, não tem uma sala de informática pra levar o aluno,
aí auxilia, é uma “carta na manga”. Mas eu nem sei como é que os outros
professores usam. Não é o meu costume, eu pego material, eu to sempre trocando.

Juliana – Tu frequentas a biblioteca escolar? Como?


E. S. – Não, teve uma época em que eu tentava usar a biblioteca, agora já nem
tento mais, eu até digo pra eles que existe uma biblioteca, se eles tiverem coragem,
eles vão até a biblioteca, porque não tem material. Eu lembro que a última vez que
eu quis fazer um trabalho de pesquisa, cheguei lá, os livros que tinha, alguém tinha
feito Letras e doou, eram antiguíssimos, uma prateleira lá embaixo, assim. Não tem
pra todos, então não tem como, fica muito complicada a questão da biblioteca. Ela
263

não tá aberta sempre, então tu não tem como dizer “Ah, passa lá na biblioteca...”, o
acervo também é muito pequeno.

Juliana – O que tu reivindicarias como prioridade para que o teu trabalho obtivesse
mais êxito?
E. S. – Eu acho que falta trabalhar pra curiosidade do aluno, o senso crítico, talvez
falte o desejo do aluno, como despertar esse desejo no aluno. Porque quando ele
chega no ensino médio, ele poderia chegar mais curioso. E isso aí a gente desperta
lá no início também, né. Mais difícil um pouco, não vou te dizer que seja impossível.
Eles contam historinha, eles curtem, aí, daqui a pouco vê sumindo... vão se
perdendo essas vontades. Eu reivindicaria um aluno mais curioso, mais crítico, com
mais vontade mesmo de aprender. Na estrutura da escola... hoje sem biblioteca,
sem sala de informática, tudo vai ficando mais difícil, né. Sempre digo que o principal
recurso, tudo bem que tem que ser o humano, mas é sempre o professor a
ferramenta, porque não... e... claro, hoje que eles têm [internet] até no celular, tu tá
falando e um aluno mais curioso, ele já tá olhando no celular o que tem e o que não
tem ali e às vezes tu tá concorrendo com o aluno dizendo “mas, professora...”.
Então, é complicado não ter os acessórios.

Juliana – Tu tens apoio dos teus gestores no desenvolvimento do teu trabalho?


E. S. – Tenho. Na verdade a escola é muito carente. Eu acho que todo o mundo faz
do limão uma limonada. Se tu vais pedir, tu tens que saber que tem coisas que vão
além, que a escola não vai ter. O recurso mesmo da questão da nossa sala de
informática não estar montada, que nossa biblioteca virou um arquivo morto, na
verdade é uma questão estrutural geral. Na sala de informática não existe um
monitor que faça toda a manutenção dos computadores, que a gente sabe que seria
necessário. A biblioteca hoje, com a questão justamente, talvez da informática, foi
sendo deixada de lado. Tem livro? Tem. Do Vinícius tem um livro, um livro do fulano,
do beltrano, então tu nunca vais conseguir...
264

Transcrição da entrevista com a professora R. M.

Duração: 32min45s

Juliana – O que tu pensas quando ouves dizer que o magistério é uma missão, uma
espécie de vocação, mais que uma profissão ou carreira?
R. M – Eu, particularmente, quando comecei, há muitos anos, eu não imaginava que
o meu salário hoje estivesse tão, tão, tão, tão infinitamente defasado com relação à
época em que eu comecei. Então, eu não tinha essa ideia. Na verdade, como eu
estudei a vida inteira em escola pública, meus professores tinham um padrão de
vida muito bom e um reconhecimento indiscutível. Então, mas.... de certa forma eu
tenho que concordar, sabe... porque eu acho assim que, claro, a gente tem que
seguir lutando por melhores condições de trabalho, por reconhecimento do nosso
trabalho, mas eu acho... muitas vezes eu me sinto assim meio que vocacionada,
sabe, porque me parece agora... principalmente agora que eu tô saindo, com uma
situação assim de conflito comigo mesma, parece que eu não conseguiria fazer
outra coisa. E tenho me queixado para algumas pessoas com as quais eu tenho
conversado, de que eu gostaria de seguir ensinando (a palavra que eu uso é essa:
ensinando), daí as pessoas me diziam: “então por que tu não aprendes outra coisa
pra poder ensinar?” ...até é algo que eu posso refletir. Eu me inclino a achar, não sei
se é comigo, né, Ju... às vezes me parece que a gente nasceu pra isso, eu sei que
não é... mas intimamente, assim, eu mesma... parece que eu não conseguiria fazer
outra coisa que não fosse ensinar.
265

Juliana – A que tu atribuis o fato de cada vez menos jovens fazerem o ENEM pra
licenciatura, menos gente querer ser professor?
R. M. – O baixo salário é um fator determinante pra isso. Porque várias vezes os
meus alunos, questionando quanto que eu ganhava, quando eu digo o que eu ganho
pra eles, eles dizem: “Ah, professora, estás de brincadeira! Não é possível que tu
ganhes isso!”, ou: “Professora, eu na oficina do meu pai ganho muito mais do que
tu”. Acho que isso é um fator, assim, que é determinante. Eu participei do PIBID e a
queixa dos bolsistas que me acompanhavam, sem entrar nas questões salariais, era
com relação à infraestrutura da escola pública de uma forma geral. A gente muitas
vezes teve que pagar xerox, levar giz de casa, esse tipo de coisa.

Juliana – Como se deu a tua escolha profissional? Como tu escolheste ser


professora?
R. M. – Vamos dizer assim... eu queria fazer, eu quis muitas coisas antes de entrar
na faculdade. Eu queria fazer jornalismo, mas meu pai não me deixou estudar em
Pelotas. Daí depois eu quis fazer medicina, daí eu fiquei em primeiro lugar depois do
último colocado, aí não entrei, mas eu acho que não teria ficado em medicina. Daí,
entrei no curso de Letras e me apaixonei completamente. E como eu tinha uma
formação bem sólida em francês, porque eu tinha estudado durante todo o ensino
fundamental e o ensino médio, quando eu entrei pra fazer francês, aquilo abriu um
leque de possibilidades. Daí, já no segundo ano eu fiz um estágio de três meses no
CTI141 e me apaixonei.

Juliana – Atualmente, como tu conceituarias literatura?


R. M. – Como eu conceituaria? Literatura pra mim hoje, em licença-prêmio, é lazer, é
evasão, eu leio diariamente, mas não leio hoje com aquele olhar voltado pro ensino
da literatura. Parece que quando a gente vai ensinar literatura, tu tens uma série de
questões do texto que tens que trabalhar, pra mostrar pros teus alunos. E agora eu
não sei se essas questões que eu tinha que ensinar estão tão introjetadas em mim,
que eu leio só pro meu desfrute, pro meu prazer, entendeu?

141
Colégio Técnico Industrial, atual Instituto Federal do Rio Grande do Sul – IFRS – Campus Rio
Grande.
266

Juliana – A próxima pergunta que eu ia te fazer já está parcialmente respondida... tu


costumas ler obras não relacionadas ao teu trabalho? Como tu escolhes essas obras?
R. M. – Por exemplo, agora eu tô lendo o Stoner, do John Williams, que é um
escritor americano que eu nunca tinha lido. Eu acho que foi um programa na TV
Cultura ou em um desses programas de literatura que alguém mencionou o livro,
dizendo que o livro era muito bom e eu: “Vou lá ler.” Mas normalmente eu tenho
livros, assim, que eu procuro na livraria. Saiu o último livro da Nélida Piñon, por
exemplo, daí eu vou lá e busco... pelo autor, tenho muitas indicações da Raquel
Souza, né... a Raquel lê e diz: “Ah, esse livro é muito legal”. Vou lá e leio...
Juliana – Quais são as tuas maiores dificuldades no trabalho com a literatura?
R. M. – Fazer os alunos lerem, fazer os alunos... despertar o gosto pela literatura.
Quando eu trabalhava com o primeiro ano era muito, muito difícil trabalhar a
literatura com eles, porque eles não entendiam que a literatura era uma coisa
diferente daquilo que eles liam normalmente. Então era bastante difícil mostrar a
literariedade dentro de um texto, o que faz aquele texto ser literário, o que o difere
de um não-literário, isso era muito complicado com os alunos do primeiro ano. Aí
depois eu trabalhei muitos anos com o segundo ano, que eu adorava, porque via o
romantismo, o realismo, que eu gostava de trabalhar... e agora nos últimos dez anos
eu tava trabalhando com alunos de terceiro ano, que já têm uma bagagem... não é
muito, assim... mas eles já têm um pouquinho de leitura do segundo ano, então já
fica mais fácil. Mas, de qualquer forma, eles têm muita resistência ao número de
páginas, tamanho do livro... “professora, quantas páginas tem o livro?”, eu dizia:
“tem 200”. “Ah, não!, vais querer que eu leia um livro de 200 páginas?” Mas se tem
que trabalhar romance a gente vai trabalhar romance. A gente trabalhava os contos
do Machado, até porque eles adoravam, né... mas no terceiro ano a gente
trabalhava basicamente com romances.

Juliana – Tu achas necessário que se ensine literatura na escola? Por quê?


R. M. – Acho. Eu acho até que... por favor! Uma aula de literatura?! É humanamente
impossível fazer um trabalho decente! Eu acho que arte se ensina, acho que se
ensina, porque a gente precisa de alguém que tenha um pouquinho mais de
conhecimento, porque também não é tanto assim, mas que tenha um pouquinho
mais de conhecimento que a gente, e que te diga: “Olha, isso aqui é legal que tu
leias, tu vais gostar, porque vai te falar sobre isso, isso e isso... e aquilo”. Um
267

orientador das tuas leituras. Eu tive um em casa, porque o meu pai lia muito, então,
ele era uma pessoa que tinha dois, três livros na cabeceira da cama. E me dizia
assim: “olha, isto aqui tu tens que ler, isto aqui é legal tu leres”. Ler, sei lá,
Shakespeare, literatura inglesa, que não é a minha praia, mas ele me dizia: “É bom
tu leres, é bom que tu conheças”. “Ah, por que tu não lês Os Lusíadas?” Depois eu
fui ler na faculdade. Mas então, eu tinha uma orientação de leitura em casa. E os
nossos alunos não têm, eles não têm o mínimo... eu acho, assim, que até mesmo
em outros contextos é uma função da escola ensinar a gente a ler, fazer essa leitura
de mundo. É uma função da escola... por que não? Por que a escola tem que lidar
só com as durezas da vida e não ensinar as bonitezas da vida?

Juliana – Como tu vês os PCNs e demais documentos norteadores?


R. M. – A escola proporcionou a leitura, a gente fez uns encontros, alguns anos
atrás, com leituras dos PCNs. Eu acho que a gente precisa, assim... sabe, de um
norte, que alguém oriente o nosso trabalho. Não necessariamente a gente vai ficar
atrelado, mas eu acho bastante importante. Eu tava lendo agora, semana passada,
o PNE e as 20 metas, pra ver se nestes últimos anos eu tava muito distante daquilo
ali, ou se aquilo ali fazia parte da minha prática. E aí eu disse: “Não, mas vem cá...
não tem muita novidade pra mim, sabe? Não tô tão...”. Eu acho que eu trabalhei
conforme eu tinha que trabalhar, de acordo com as orientações. A minha escola não
tem a rotina de fazer reunião pedagógica, então a gente faz uma reunião
pedagógica por ano, que eu acho assim que é um absurdo, era pra ter uma por
semana, no mínimo. Então, tudo que eu vim fazendo agora nos últimos anos, a
maneira como eu me constituí como profissional, foi mais ou menos um trabalho
solitário, de buscar por mim mesma, porque não tinha parceria na escola, a não ser
com um ou outro colega, mas quando a gente se encontrava e discutia... mas dentro
do espaço da escola não há um lugar pra discussão, não.

Juliana – Descreve um dia de trabalho teu.


R. M. – Ah, eu saio de casa sempre muito contente, muito feliz, porque eu preparo
as minhas aulas, né. Não sou uma pessoa que vai trabalhar assim, sem pensar na
sua aula. Então eu vou muito bem preparada. E eu adoro a minha profissão, eu
adoro, adoro. A não ser num dia assim, em que acordei com enxaqueca, que é outra
coisa que me acompanha a vida inteira, mas ordinariamente eu sempre vou muito
268

entusiasmada. Daí eu chego na escola, vou um pouquinho na sala dos professores


com as minhas colegas, converso um pouco. Eu não tenho problema de disciplina.
Agora nos últimos anos, em que eu tava trabalhando durante uma manhã e duas
tardes com as turmas de francês, eu não chegava em casa muito cansada, não.
Houve épocas em que eu chegava morta, porque eu dava cinco aulas de manhã e
cinco aulas de tarde, daí eu chegava sem voz, porque a gente fala muito. Então,
tinha dias, assim, que eu chegava em casa e não queria falar com ninguém, porque
eu tava cansada de ouvir a minha própria voz. Mas era um cansaço, assim, físico.
Juliana – Quais os critérios que tu utilizas na elaboração das tuas aulas?
R. M. – Bom, a gente tem o programa, que eu sigo mais ou menos. O de português,
desde que eu peguei as turmas de segundo e terceiro ano, eu até sigo aquele
ordenamento, porque a gente trabalha com análise sintática interna e externa, que
são dois conteúdos que eu gosto bastante e exigem uma sequência. Mas daí a
gente tem a parte do trabalho com o texto, e aí, aquilo que aconteceu ontem, por
exemplo. Ontem estavam votando a diminuição da maioridade penal. Certamente é
o tema que eu vou levar amanhã. Eu sempre preparo as minhas aulas muito em
cima da hora, porque eu gosto de trabalhar com aquilo que tá pulsando no
momento. Então isso é uma coisa que me motivava, assim. Eu tava sempre muito
atenta às noticias, o que tava acontecendo pra levar no dia seguinte pra eles. Com
relação à literatura, como a gente trabalha com história da literatura, exige uma certa
periodização, existe aquela sequência ali. Mas no ano passado, eu saí fora
completamente. Ano passado eu quis trabalhar o Rubem Alves. O Rubem Alves
nem faz parte do nosso programa, mas ele escreveu tanta coisa linda, né... então eu
pensei: a gente vai trabalhar... aí peguei o último trimestre e nós trabalhamos. Eu
esqueci do resto da literatura brasileira. E a gente fez esse trabalho com o Rubem
Alves e eles amaram! Eles fizeram trabalhos lindíssimos, e aí diziam: “Professora,
por que tu não nos apresentaste esse homem antes?”, “Professora, que coisa mais
linda!”, “Professora, tu mudaste a minha vida”. Então é isso aí que a gente quer, né,
é isso que a gente tem que fazer.

Juliana – Que lacunas a tua formação acadêmica deixou e que hoje são um
obstáculo ao teu trabalho?
R.M. – Puxa, Ju, como eu vou te dizer... como eu me formei há muito tempo, em
1983, naquela época eu não senti, né... eu acho que tive uma formação excelente.
269

Claro, hoje existem disciplinas novas, que o pessoal tá fazendo agora, coisas que a
gente não fez, sei lá... psicolinguística, neurolingúistica, semiótica... isso eu gostaria
de fazer. Se eu pudesse eu faria o curso de Letras novamente. Acho que eu tive
uma formação bem sólida, assim... e eu era muito estudiosa, estudava muito. Eu
gostava de estudar, então eu acho que eu tive uma formação bem boa.
Juliana – Como tu vês o uso de livro didático nas aulas de literatura? Tu usas o
livro?
R. M. – Às vezes eu uso. Vou te dizer que eu não participei da escolha, porque eu
não estava nesse dia, mas normalmente a gente faz uma reunião pra isso. E às
vezes eu uso porque... primeiro porque a gente não tem dinheiro pra xerox, e não
tem na biblioteca os livros, eles reclamam muito quando eles têm que comprar. O
ano passado, como nós fizemos esse trabalho com o Rubem Alves, eu fiz vários
xerox pros alunos, porque eles não tinham como pagar um livro de 30 reais. Então
eu pedi pra diretora e a gente acabou fazendo uma série de xerox. Então, às vezes,
a gente se vê obrigada, se não tem... vai fazer o quê? Na verdade, na nossa escola,
tu sabes qual é a nossa cota pra xerox? Nós temos uma cota de três cópias por
trimestre pra cada turma. Mas eu, claro... professora de português é impossível,
como é que tu vais trabalhar com três cópias? Tem muita gente que usa só o livro, o
pessoal das exatas usa praticamente só o livro... e o aluno pode se perguntar: pra
que eu preciso do professor, e por que trabalhar só com aquele autor? O professor
tá ali pra estabelecer relações entre aquilo ali e o resto.

Juliana – Tu frequentas a biblioteca da tua escola? Como?


R. M. – Olha, a gente usa muito pouco a biblioteca, porque a nossa biblioteca é
muito mal organizada, ela tem um acervo bom de livros, a gente recebe livros todos
os anos, mas nós não temos uma bibliotecária. É uma professora desviada de sua
função que trabalha na biblioteca há muitos anos. Ela tem muita boa-vontade, mas
ela não conhece catalogação, como organizar a biblioteca. Então é difícil, a gente às
vezes procura um livro, sabe que o livro tá lá, mas não se acha o livro. Então é
bastante complicado. Ela tá sempre aberta, é uma sala bem grande que é uma
antiga sala de aula, enorme, cheia de mesas. Os alunos gostam de frequentar a
biblioteca, porque essa pessoa é muito agradável, e ali eles ficam lendo revistas,
lendo Caras, lendo Veja (risos), mas é... pra gente usar o acervo já é mais
complicado.
270

Juliana – O que tu reivindicarias como prioridade para que o teu trabalho obtivesse
mais êxito?
R. M. – Eu acho assim, que a gente tinha que ter uma sala de multimídia, uma boa
sala de multimídia disponível... quer dizer, uma, não; mais de uma. Nós temos uma
que não tá.... nós recebemos uma lousa há uns dois, três anos, que tá fechada na
caixa. Então eu acho que esse espaço nós precisaríamos. A gente tem uma sala de
vídeo que é disputadíssima quase a tapa, porque é uma sala pra 80 professores, é
um datashow pra 80 professores. Tem que agendar com muita, muita antecedência.
E tem outra coisa, como é uma sala só, muita gente mexe, às vezes tu te programas
pra ir e aí o equipamento tá com problema, ou o som não tá funcionando, ou é o
cabo. Então, eu acho, nós precisaríamos ter um bom espaço, várias salas de
multimídia, nós teríamos que ter uma verba pra xerox muito mais generosa, teríamos
que investir muito na nossa biblioteca. Isso dentro da minha escola, né...

Juliana – Tu tens apoio da tua gestão no desenvolvimento das tuas atividades?


R. M. – Vamos dizer assim, hoje, depois de muitos anos no magistério, e
trabalhando nesta escola, eu já conquistei, vamos dizer assim, o respeito dos
gestores. Mas eu sempre fui “a que causava problemas”, “a que tá inventando
moda”, “a que quer fazer uma coisa diferente”, “a que não quer trabalhar”, porque...
o ciclo de cinema, por exemplo, que era fora do horário... “a que só passa filme”.
Então, eu já fui estigmatizada de várias formas. Mas hoje, às vezes eu acho que, sei
lá... tantos anos, as pessoas reconhecem. E os alunos reconhecendo o trabalho, eu
acho que hoje eles já me veem de uma forma... hoje eu acho que tenho apoio, mas
eu já fui muito pressionada, meu trabalho já foi bastante questionado. Já aconteceu
de me podarem: “Ah, quem sabe tu diminuis esse teu ciclo?” Eram três, quatro dias
que eu fazia o ciclo de cinema romântico, ciclo de cinema realista, fiz durante vários
anos. Depois fiz o café poético durante vários anos. “Ah, quem sabe tu diminuis, tu
não usas toda a manhã? Quem sabe tu fazes menos um dia?”. Mas nunca no
sentido de me dar uma sugestão. Agora, sabe que esse projeto, o PIBID, né... ele foi
bastante importante pra eu me... como a gente tá sempre sendo avaliada pelos
bolsistas, pra levantar minha autoestima, pra ver que talvez eu nunca tenha me dado
o valor que realmente eu tinha na sala de aula. Então eu acho que foi bastante
positivo pra mim. E o fato de a gente ter ganho aquela bolsa, naquele ano em que
271

fomos [à França] duas professoras do Brasil de escola fundamental. Eu acho que


isso fez com que os gestores na minha escola passassem a olhar meio que de
maneira diferente, o que não é... é apenas uma bolsa de estudos que caiu pra mim.
Mas eu acho que isso fez com que eles enxergassem assim: “Ah, né, nossa
professora ganhou...”. Não sei...

Transcrição da entrevista com a professora J. C.

Duração: 20min35s

Juliana – Bom, J. C., a primeira coisa que vou te perguntar é o que tu pensas
quando tu escutas as pessoas falarem que ser professor é mais uma vocação do
que uma profissão?
J. C. – Ah, eu acho muito interessante, porque se tu não tens vocação, muitas
pessoas desistem, né. Porque é uma profissão muito árdua, precisa ter muita
paciência, tem que ter muita boa-vontade, então eu acho que se tu não tens um
pouco de vocação fica complicado. Não acredito que a gente não esteja na profissão
por dinheiro, porque todos precisamos trabalhar, né... eu acho que é um equilíbrio
entre as duas coisas, o trabalho aliar à necessidade, mas precisa ter vontade de
fazer, gostar de fazer, porque senão se torna uma coisa muito fria, né, tu entra na
sala de aula, tu dá tua aula, tu sai, não há um envolvimento com os alunos, então eu
acredito que seja um equilíbrio entre as duas coisas.

Juliana – A que tu atribuis o fato de cada vez menos jovens optarem por um curso
de licenciatura, e ter o desejo de ser professor?
J. C. – Eu acho que é o desincentivo, porque geralmente o salário do professor não
é um bom salário, principalmente pro professor público, tem sempre essa questão,
né, tanto municipal, estadual, tirando fora os federais, hã... há esse problema, o
professor se sente desmotivado financeiramente e aí não dá aquela questão do
status, o aluno quer ter o status, então ele menospreza a função do professor
272

justamente porque não tem esse pagamento que deveria ser à altura do ensino
profissional.

Juliana – Como se deu a tua escolha profissional?


J. C. – Pois é, eu na realidade queria ser... sempre escolhi cursos de licenciatura.
Mas não me via na posição de professora, né... eu primeiro queria fazer educação
física, depois não fiz. Aí, fiquei em dúvida sobre o que fazer. Depois pensei: “Ah, vou
fazer Letras”, porque eu gostava muito de português, mas fiz não pensando em
exercer, mas pelo conhecimento, não me coloquei na posição de professora, claro
que quando me formei, tive que assumir, né, essa função, e aí eu passei a gostar,
porque antes eu não me via como professora. Só me vi como professora quando eu
comecei a trabalhar e comecei a gostar, então resolvi seguir, porque já tinha no
fundo uma vocação e não sabia.

Juliana – Hoje, como tu conceituarias literatura?


J. C. – A literatura nunca é bem vista pelos alunos, geralmente os alunos não
gostam de ler, então o professor sempre tem aquela coisa de fazê-los ler, e não é
uma disciplina que... uma coisa bem curiosa, assim...os alunos que leem, então às
vezes tu chegas na aula e o aluno tá lendo, aí mostra: “Professora, tô lendo”, aí...
esses gostam [de literatura]. Mas aquele que tem aquela relutância em ler
geralmente não gosta da disciplina. Então cabe a nós professores trabalhar em sala
de aula com algumas opções, mas às vezes não é possível porque tem todo aquele
cronograma pra gente seguir... então eu tento intercalar, conforme há possibilidade.

Juliana – Tu costumas ler obras não relacionadas ao teu trabalho? Como fazes
essa escolha?
J. C. – Olha, dependendo do meu tempo, que é uma vida corrida, dependendo do
meu tempo eu leio. Eu escolho pelo gostar, eu começo a ler e “Ah, esse tema não é
um tema que eu gosto”, então se já não é um tema que eu gosto eu não consigo ir
até o fim.

Juliana – Então é pelo enredo?


J. C. – Pelo enredo ou a temática.
273

Juliana – Quais as maiores dificuldades cotidianas no trabalho com a literatura?


J. C. – A questão da leitura. Porque a gente chega em aula e tem que passar uma
parte teórica pros alunos, até então eles tão acostumados a ler, agora quando tu
começa a exigir ou a sugerir algum trabalho com leitura, há uma barreira muito
grande, né, uma recusa muito grande dos alunos, eles não querem ler. Geralmente
vão pra internet, pegam o resumo, então, como eu digo pra eles, antigamente te
mandavam ler a obra e fazer a análise, hoje nem se perde esse tempo, porque vai
na internet e volta com tudo pronto. Então eu solicito a leitura da obra pra eles me
contarem. Claro que, na medida em que eles estão fazendo a apresentação oral, eu
já vi se ele leu ou não, que é o que me interessa.

Juliana – Tu pensas que é necessário que a literatura seja ensinada na escola


como disciplina obrigatória? Por quê?
J. C. – Olha, como que eu posso dizer, eu acho que é uma complementação,
principalmente no ensino médio, senão o aluno nunca vai saber o que é literatura,
ele vai ficar sempre naquela aula de português, nunca vai saber o que é a literatura
em si. Eu acho que essa questão de incentivar a leitura é importante... em outras
disciplinas talvez não tivesse essa oportunidade de trabalhar com o fictício, o lúdico,
então acredito que sim, é importante.

Juliana – Como é que tu vês os PCNs e outros documentos norteadores da área de


linguagens, códigos e suas tecnologias?
J. C. – Olha, eu gostei bastante, porque geralmente eu gosto de trabalhar a literatura
voltada para as artes, também gostaria de ter feito educação artística e não fiz,
então eu sempre, eu já fazia trabalho literário com os alunos voltado pras artes,
então geralmente quando eu trabalho poesia eu trabalho com desenhos
relacionados. Às vezes eu trabalhava o próprio... a própria prosa, né, “Pega uma
cena e faz um desenho”, e agora tá muito em moda, quando faz aquele trabalho de
recuperação, então parte de um texto literário, aí vem o professor de português e faz
as questões em cima, vem o de educação artística e faz um desenho em cima...

Juliana – Isso consta nos PCNs?


J. C. – Sim, sim... e eu também trabalho com teatro há muitos anos aqui na escola.
Então é uma maneira de trabalhar com a parte cênica, a parte artística, a parte
274

lúdica, eu sempre... quando posso eu faço. Às vezes a gente fica engessada no


conteúdo, porque nos é cobrado, mas se eu pudesse trabalhar com a parte lúdica...

Juliana – Vocês chegaram a ler aqui na escola os PCNs?


J. C. – Alguns, porque quando se faz as reuniões, aí são lidos nas reuniões.

Juliana – Aí tu encontraste esse gancho pra trabalhar com as artes?


J. C. – Na verdade eu encontrei o gancho porque eu gosto... não segui as
orientações dos PCNs... tem alguma coisa com a minha vocação de trabalhar essa
parte, como se diz, “arte-educadora”, né, gosto muito.

Juliana – Me descreve um dia de trabalho teu.


J. C. – Uma quinta-feira, tá? Uma quinta-feira... que é o dia em que eu trabalho com
teatro com os alunos. Então eu já acordo feliz, porque eu gosto muito de trabalhar
com teatro. Eu venho, chego ali na SIRQ, e a gente faz esse trabalho ali na
associação e fico feliz quando vêm todos, às vezes eles faltam e atrapalha o
andamento do trabalho, mas quando eles vêm todos eu fico feliz porque é cada um
no seu papel, não preciso pedir pra substituir o fulano que não veio... à medida que
eles vão desenvolvendo o trabalho e conseguem se soltar do papel e falar as falas e
começam a colocar toda a parte cênica em cima, a emoção, a ação, é o que me
deixa muito feliz.

Juliana – Eles encenam um texto literário?


J. C. – Um texto literário.

Juliana – E essas peças são apresentadas à comunidade?


J. C. – Sim, pra comunidade aqui da Quinta e de outros locais, a gente gosta muito
de apresentar no Teatro Municipal, mas infelizmente, tá interditado. Então quando
eu vejo que tá se formando, que o texto literário saiu do papel e tá ganhando vida, e
o aluno não vai esquecer aquilo... porque pra ele é muito importante, ele gravou
aquelas falas, ele já sabe quem é o autor, como é o personagem, como é que ele
sente, como é que ele pode agir, como é que ele pode fazer diferente... então é
muito gratificante.
275

Juliana – E como tu escolhes essas obras?


J. C. – A gente vai alternando, eu dou opções. Tem pessoas que gostam que o
aluno crie a peça de teatro, mas eu prefiro trabalhar com o texto literário. Eu faço
assim: “Olha, nós temos essa, essa e essa opção. O que vocês acham?”. Às vezes
eu faço adaptações... eu pego um texto narrativo e adapto, pego uma crônica e
adapto, um conto e adapto. Já fiz um trabalho com Mário Quintana que eu li os
poemas dele e adaptei. Aí eu fiz a parte contando a história da vida dele intercalada
com os poemas. E a gente intercala também músicas. Como nem todos os alunos
gostam de trabalhar com teatro – uns porque são tímidos e não querem perder a
timidez, outros porque dizem “Ah, professora, não tenho vocação” – então eu acho
que tem que respeitar. Então eles vêm no turno inverso, eles vêm pela manhã e eu
faço esse trabalho com os que gostam. E aí é interessante, porque alguns gostam e
se encontram e não esquecem jamais, então a gente tem um portfólio e ali eles vão
colocando as declarações deles... o que eles sentem, o que o teatro fez de
importante na vida deles... então eu tenho guardado aquele caderninho que tem
todos os relatos.

Juliana – Então esse é um dia em que tu voltas feliz pra casa?


J. C. – Então eu volto feliz pra casa. Nesse dia eu almoço aqui na Quinta e de tarde
ainda dou duas aulas, que eu saí dali agora pra vir aqui conversar contigo.

Juliana – Com base em quais critérios tu elaboras as tuas aulas?


J. C. – É, eu vejo primeiro qual é o conteúdo, né. Aí, eu já tenho 23 anos de
magistério, então a gente já tá acostumada com o que vai fazer... aí, dependendo do
conteúdo eu já lembro: “Ah, eu posso fazer desta maneira”, procuro tal recurso, às
vezes gosto de trabalhar também com os filmes, porque... os clássicos mesmo...
quase todos os clássicos da literatura brasileira ou a grande maioria tem filme. Então
eu peço pra eles a leitura, agora mesmo com o segundo ano a gente tá vendo os
romances românticos. Então eu dividi eles em grupos, sorteei, porque eles
queriam... “Ah, professora, vai dar briga”. Então eu contei um pouquinho de cada
história e deixei eles interessados, não contei o fim, contei até a metade pra mostrar
o interesse. Aí, tinha um romance que tinha filme. Eu trouxe o filme e aí dei um
tempo pra eles irem fazendo a leitura em casa, passei o filme... aí aquele grupo
achou... “Ah, professora, nós já vimos o filme, já tá lido”. E eu: “Não, não tá lido,
276

porque o filme é sempre diferente do romance, tem algo que é diferente do romance.
Agora vocês já viram o filme, vocês vão ler e vão me contar onde está a diferença”.
Quer dizer que eles acharam que ia ser muito fácil, mas tinham um questionamento
a mais do que os outros que iam só ler.

Juliana – Que lacunas a tua graduação deixou e que hoje te atrapalham


profissionalmente?
J. C. – Olha, eu sinto que na graduação a gente não tinha experiência suficiente.
Tudo que tu aprendeste lá, tu vais concretizar e tu vais aprender na íntegra é dentro
da sala de aula. Parece, assim, que ficou muito teórico e ficou muito distante, até pra
mim mesma te responder isso depois de 23 anos... eu acredito que eu aprendi muito
trabalhando, dando aula.

Juliana – Como tu vês o uso do livro didático? Tu usas o livro?


J. C. – Eu faço assim: a escola recebe os livros e eu dou uma olhada se me agrada.
A gente escolhe, mas nem sempre vem o escolhido. Quando chega o livro a gente
vê se é aquele solicitado ou não e aí algumas coisas eu uso bastante,
principalmente os textos, porque tu trazer todos os dias os textos... então ali já estão
o conteúdo e os textos. Eu aproveito muito. Só que se eu vejo que tá faltando
alguma coisa, aí eu trago essa parte que tá faltando ou faço a sugestão em forma de
trabalho, depende. Depende da experiência que o professor tem. Certos conteúdos
servem pra fazer um trabalho, certos conteúdos é melhor fazer uma prova. E aí a
gente vai jogando.

Juliana – Tu usas então como um apoio?


J. C. – Como um apoio.

Juliana – Tu costumas frequentar o espaço da biblioteca com os alunos? De que


forma?
J. C. – É, o espaço aqui é meio pequeno, como tu viste, né, pra trazer uma sala
inteira, fica meio complicado, mas aí eu faço assim, eu venho aqui e escolho. Agora
mesmo eu tô trabalhando o gênero narrativo com eles. Quando eles terminarem de
copiar eu vou lá, explico a parte teórica e levo... seleciono alguns, contos, crônicas,
fábulas. Os romances eu já deixo pra trabalhar no segundo ano, porque eles são
277

novatos, tão recém aprendendo que é literatura. Então eu procuro entrar com texto
curto. Levo pra aula e eles começam a manusear os livros dessa maneira. Eu levo
uma quantidade que eu acho razoável e deixo eles escolherem, eles ficam
manuseando, leem um pouco, se não gostam da história, trocam. Já quando
chegam no segundo ano, que daí, ainda estamos presos ao conteúdo, então eu
pego os romances, eu conto um pouco das histórias pra que eles se sintam
interessados em saber... conto uma parte do enredo. Mais ou menos dessa forma.

Juliana – O que tu reivindicarias como prioridade para que o teu trabalho obtivesse
mais êxito?
J. C. – Do governo eu gostaria de ser reconhecida, nós, profissionais ser melhor
reconhecidos, porque isso é uma luta histórica, de salário, isso nos entristece
bastante. Dos alunos, gostaria da compreensão, que nem sempre a gente pode
trabalhar da forma que a gente gostaria, tem que exigir certos conteúdos que
também não são... o que eles gostam. Que mais eu poderia te dizer... gostaria de ter
uma sala literária, uma sala que fosse só pra literatura, que aí a gente entraria com
os alunos e aí teria uma biblioteca, ou os computadores a nosso dispor... poderia
decorar essa sala com todos os personagens, com os autores. Seria um sonho que
fica... infelizmente na escola pública é muito difícil, tá sempre faltando sala, então
seria um sonho assim mais, meio distante, mas um sonho mais próximo seria em
todas as salas ter, que nem é na FURG, o multimídia em todas as salas ou uma TV
que a gente pudesse usar como recurso. Ontem mesmo eu ia terminar de assistir
esse filme que te falei e aí nós levamos quase duas horas montando o multimídia, e
aí desestimula... quando faltava cinco minutos pra terminar a aula se conseguiu.
Então, por mais boa-vontade que tu tenhas, desmotiva.

Juliana – Tu tens apoio dos teus gestores pra desenvolver o teu trabalho?
J. C. – Sim, sempre que eu faço um trabalho diferenciado, com as artes, com teatro,
com cinema, eles gostam. Inclusive os alunos, depois que fazem o ENEM: “Bah,
professora, aquela questão do filme caiu no ENEM.” Mas se eu não tivesse passado
o filme, eles não lembravam. Se eles não tivessem lido o livro, não lembravam, se
eles não tivessem feito uma peça de teatro, não lembravam. Então eu acredito que o
aluno precisa vivenciar. Se eu chego e dou o conteúdo e não peço nada em troca,
ele esquece. Agora, se ele vivenciou o conteúdo, ele não esquece. Então a gente
278

sempre faz a proposta, agora mesmo eu quero levar eles em Pelotas pra conhecer o
museu do Simões Lopes Neto, e a direção sempre apoia.

ANEXOS
279

Anexo A: Regiões142 do município do Rio Grande e Abrangência:

R-01

Vila Militar, Getúlio Vargas, Santa Tereza e Mangueira;

R-02

Barra (Barra Nova e Barra Velha);

R-03

Cidade Nova, Miguel de Castro Moreira, Lagoa, Vila São Paulo e Vila Dias;

R-04

Dom Bosquinho, Navegantes, Lar Gaúcho, Vila dos Estivadores, Salgado Filho e
Vila Santinha;

R-05

Atlântico Sul, Querência e Parque Guanabara;

R-06

Cassino (ABC IX – ABC X), Bolaxa e Senandes;

R-07

Profilurb I e II, Nossa Senhora de Fátima;

142
Disponível em: <http://www.riogrande.rs.gov.br/pagina/index.php/participativo+1b3#.VmXUPtKrTMw>.
Acesso em: set. 2015.
280

R-08

São João, São Miguel, Bosque e Recreio;

R-09

Vila Braz, Vila Eulina, Jockey Club, Santana e América;

R-10

Parque Coelho, Vila Rural, Junção e Bernadeth;

R-11

Parque São Pedro, Parque Marinha, Boa Vista I e II, Jardim do Sol e Vieira;

R-12

Frederico Ernesto Buchholz, Hidráulica, Parque, Cohab II e Cohab I;

R-13

Barra Falsa, Capão Seco, Pesqueiro, Povo Novo, Barro Vermelho, Banhado
Silveira e Domingos Petroline, Ilha da Torotama;

R-14

Sítio Santa Cruz, Quinta, Vila Nova da Quinta, Quintinha, Quitéria, Ilha dos
Marinheiros, Ilha do Leonídio, Palma.

R-15

Taim;

R-16

Santa Rosa, COHAB IV, Arnaldo dos Santos Quessada, Castelo Branco I e II e
Cidade de Águeda;

R-17

Trevo, Maria José, Humaitá I e II, Cibrazém, Parque Universitário, Vila Leônidas;

R-18

Centro – da Major Carlos Pinto até Barroso;

R-19
281

Moradores de Rua - Largo Dr. Pio.

Anexo B: Quadro de Sequência Lógica (QSL) do curso de Letras Português – FURG

Período 1 Período 2 Período 3 Período 4 Período 5 Período 6 Período 7 Período 8


CHT=396 a CHT=324 a CHT=360 a CHT=396 a CHT=432 a CHT=396 a CHT=522 a CHT=198 a

06506
06519 06526 06532
06496 Estudo do Texto 06511 06540
Fonologia Port. II Morfossintaxe III Morfossintaxe IV
Produção II Filologia Românica Es. Cu. Su. III Lí.
Semestral Semestral Semestral
Textual Semestral I Anual
2 / 36 a = 30 h = 2 4 / 72 a = 60 h = 4 4 / 72 a = 60 h = 4
Semestral 3 / 54 a = 45 h = Semestral 4 / 144 a = 120 h = 8 CR.
CR. CR. CR.
4 / 72 a = 60 h = 3 CR. 2 / 36 a = 30 h = 2
4 CR. CR.

06507 06512 06520 06527 06533


06501 06543
Língua Latina II Linguística III Morfossintaxe II Pr. En. Lí. Po. I Psicolinguística
Estudo do Texto Es. Cu. Su. IV Lí.
Semestral Semestral Semestral Semestral Semestral
I Anual
2 / 36 a = 30 h = 2 / 36 a = 30 h = 2 4 / 72 a = 60 h = 4 3 / 54 a = 45 h = 3 3 / 54 a = 45 h = 3
Semestral 4 / 144 a = 120 h = 8 CR.
2 CR. CR. CR. CR. CR.
3 / 54 a = 45 h =
3 CR.

06508 06513 06521 06528 06534 06498


06502 Linguística II Fonologia Port. I Li. Ap. En. Lí. Ma. Prát. Ens. Liter. Lit. Portuguesa IV 06497 LIBRAS II
Língua Latina I Semestral Semestral Semestral Semestral Semestral LIBRAS I Semestral
Semestral 2 / 36 a = 30 h = 2 / 36 a = 30 h = 2 2 / 36 a = 30 h = 2 2 / 36 a = 30 h = 2 2 / 36 a = 30 h = 2 Semestral 4 / 72 a = 60 h =
2 / 36 a = 30 h = 2 CR. CR. CR. CR. CR. 4 / 72 a = 60 h = 4 CR.
2 CR. 4 CR.

06522 06537 06541


06509 06514 06535
Filologia Român. Est. Significação Est. Significação
06503 Intr. Est. Lit. II Morfossintaxe I 06529 Lit. Brasileira IV
II I II
Linguística I Semestral Semestral Lit. Inf. Juv. I Semestral
Semestral Semestral Semestral
Semestral 2 / 36 a = 30 h = 4 / 72 a = 60 h = 4 Semestral 3 / 54 a = 45 h = 3
2 / 36 a = 30 h = 2 4 / 72 a = 60 h = 4 / 72 a = 60 h =
2 / 36 a = 30 h = 2 CR. CR. 3 / 54 a = 45 h = 3 CR.
CR. 4 CR. 4 CR.
2 CR. CR.

06510 06538
06515 06523 06536 06542
Sem. Cult. Bras. Teoria da
06504 Sociolinguística Lit. Portuguesa II 06530 Lit. Inf. Juv. II Lit. R. G. S. II
II Literatura
Intr. Est. Lit. I Semestral Semestral Lit. Portuguesa III Semestral Semestral
Semestral Semestral
Semestral 2 / 36 a = 30 h = 2 2 / 36 a = 30 h = 2 Semestral 3 / 54 a = 45 h = 3 3 / 54 a = 45 h =
3 / 54 a = 45 h = 2 / 36 a = 30 h =
2 / 36 a = 30 h = CR. CR. 2 / 36 a = 30 h = 2 CR. 3 CR.
3 CR. 2 CR.
2 CR. CR.

06547
06531
06505 Aquisição de
09782 06516 06524 Lit. Brasileira III 09808 06539
Sem. Cult. Bras. Ling.
Elem. Fil. Educ. Lit. Ocidental I Lit. Brasileira II Semestral Es. Cu. Su. II E. M. Lit. R. G. S. I
I Semestral
Semestral Semestral Semestral 3 / 54 a = 45 h = 3 Semestral Semestral
Semestral 3 / 54 a = 45 h =
2 / 36 a = 30 h = 3 / 54 a = 45 h = 3 3 / 54 a = 45 h = 3 CR. 7 / 126 a = 105 h = 3 / 54 a = 45 h =
3 / 54 a = 45 h = 3 CR.
2 CR. CR. CR. 7 CR. 3 CR.
3 CR.

09437 10518 06517 06525 09807 06499 06550 06548


Elem. Soc. da Psic. Educação Lit. Portuguesa I Lit. Ocidental II Es. Cu. Su. I En. Pr. En. Lí. Po. II Tó. Li. Lí. Po. I Gram. Sistêmico-
282

Educ. Semestral Semestral Semestral Fu Semestral Semestral fun.


Semestral 4 / 72 a = 60 h = 2 / 36 a = 30 h = 2 3 / 54 a = 45 h = 3 Semestral 2 / 36 a = 30 h = 2 3 / 54 a = 45 h = Semestral
2 / 36 a = 30 h = 4 CR. CR. CR. 7 / 126 a = 105 h = CR. 3 CR. 3 / 54 a = 45 h =
2 CR. 7 CR. 3 CR.

06518 06544 06551


06251
09783 Lit. Brasileira I 09781 Tóp. Avan. Fonol. 06552 Tó. Li. Lí. Po. II
Gram. Port.
Pol. Púb. Educ. Semestral Didática Semestral Tóp. Aná. Disc. Semestral
Cont.(S)
Semestral 3 / 54 a = 45 h = 3 Semestral 3 / 54 a = 45 h = 3 Semestral 3 / 54 a = 45 h =
Semestral
4 / 72 a = 60 h = CR. 4 / 72 a = 60 h = 4 CR. 3 / 54 a = 45 h = 3 CR.
3 / 54 a = 45 h =
4 CR. CR. 3 CR.
3 CR.

06546
06449 06555
Let. Dig. For. Prof. 06554
Ling. da Discurso e Gên.
Semestral Int. Est. Crí. Dis.
Enunciação Soc.
2 / 36 a = 30 h = 2 Semestral
Semestral Semestral
CR. 3 / 54 a = 45 h =
2 / 36 a = 30 h = 2 3 / 54 a = 45 h =
3 CR.
CR. 3 CR.

06545
06553 06562
Gên. Tex. e Ensino 06561
Identidade Li. Lí. Po. Go.
Semestral Lit. Afr. Lín. Por.
Docente Ma.
3 / 54 a = 45 h = 3 Semestral
Semestral Semestral
CR. 3 / 54 a = 45 h =
2 / 36 a = 30 h = 2 3 / 54 a = 45 h =
3 CR.
CR. 3 CR.

06549 06563
06560
Redação Fic. Bras.
Sem. Est. Autor
Acadêmica Contemp.
Semestral
Semestral Semestral
2 / 36 a = 30 h = 2
3 / 54 a = 45 h = 3 3 / 54 a = 45 h =
CR.
CR. 3 CR.

06564
06556
Fic. Port.
Dramaturgia Bras.
Contemp.
Semestral
Semestral
3 / 54 a = 45 h = 3
3 / 54 a = 45 h =
CR.
3 CR.

06557 06565
Dramaturgia Poe. Bras.
Portug. Contemp.
Semestral Semestral
3 / 54 a = 45 h = 3 3 / 54 a = 45 h =
CR. 3 CR.

06566
06558
Lír. Port.
Teoria do Drama
Contemp.
Semestral
Semestral
3 / 54 a = 45 h = 3
3 / 54 a = 45 h =
CR.
3 CR.

06559 06567
Pan. Con. Bras. Int. Hist . Lit.
Semestral Semestral
3 / 54 a = 45 h = 3 3 / 54 a = 45 h =
CR. 3 CR.
283

Anexo C: Quadro de Sequência Lógica (QSL) do curso de Letras Português-Espanhol


– FURG

Período 1 Período 2 Período 3 Período 4 Período 5 Período 6 Período 7 Período 8


CHT=450 a CHT=450 a CHT=378 a CHT=414 a CHT=540 a CHT=540 a CHT=684 a CHT=306 a

06512 06519 06526 06532


06501 06496 06540
Linguística III Fonologia Port. II Morfossintaxe III Morfossintaxe IV
Estudo do Texto Produção Es. Cu. Su. III Lí.
Semestral Semestral Semestral Semestral
I Textual Anual
2 / 36 a = 30 h = 2 2 / 36 a = 30 h = 2 4 / 72 a = 60 h = 4 4 / 72 a = 60 h = 4
Semestral Semestral 4 / 144 a = 120 h = 8 CR.
CR. CR. CR. CR.
3 / 54 a = 45 h = 4 / 72 a = 60 h =
3 CR. 4 CR.

06506
06513 06520 06527 06534
Estudo do Texto
06502 Fonologia Port. I Morfossintaxe II Pr. En. Lí. Po. I Lit. Portuguesa IV
II 06584
Língua Latina I Semestral Semestral Semestral Semestral
Semestral E. C. S. IV L. E.
Semestral 2 / 36 a = 30 h = 2 4 / 72 a = 60 h = 4 3 / 54 a = 45 h = 3 2 / 36 a = 30 h = 2
3 / 54 a = 45 h = Anual
2 / 36 a = 30 h = CR. CR. CR. CR.
3 CR. 4 / 144 a = 120 h = 8 CR.
2 CR.

06507 06514 06528 06535 06498


06503 Língua Latina II Morfossintaxe I 06521 Prát. Ens. Liter. Lit. Brasileira IV 06497 LIBRAS II
Linguística I Semestral Semestral Li. Ap. En. Lí. Ma. Semestral Semestral LIBRAS I Semestral
Semestral 2 / 36 a = 30 h = 4 / 72 a = 60 h = 4 Semestral 2 / 36 a = 30 h = 2 3 / 54 a = 45 h = 3 Semestral 4 / 72 a = 60 h =
2 / 36 a = 30 h = 2 CR. CR. 2 / 36 a = 30 h = 2 CR. CR. 4 / 72 a = 60 h = 4 CR.
2 CR. CR. 4 CR.

06576 06537 06541


06508 06515 06523 06530
Língua Espanhola Est. Significação Est. Significação
06504 Linguística II Sociolinguística Lit. Portuguesa II Lit. Portuguesa III
VI I II
Intr. Est. Lit. I Semestral Semestral Semestral Semestral
Semestral Semestral Semestral
Semestral 2 / 36 a = 30 h = 2 / 36 a = 30 h = 2 2 / 36 a = 30 h = 2 2 / 36 a = 30 h = 2
6 / 108 a = 90 h = 6 4 / 72 a = 60 h = 4 / 72 a = 60 h =
2 / 36 a = 30 h = 2 CR. CR. CR. CR.
CR. 4 CR. 4 CR.
2 CR.

06538
06509 06517 06524 06531
06568 Teoria da
Intr. Est. Lit. II Lit. Portuguesa I Lit. Brasileira II Lit. Brasileira III 06577 06583
Língua Literatura
Semestral Semestral Semestral Semestral Literatura Espan. II Lit. Hisp.-amer. II
Espanhola I Semestral
2 / 36 a = 30 h = 2 / 36 a = 30 h = 2 3 / 54 a = 45 h = 3 3 / 54 a = 45 h = 3 Semestral Semestral
Semestral 2 / 36 a = 30 h =
2 CR. CR. CR. CR. 3 / 54 a = 45 h = 3 3 / 54 a = 45 h =
6 / 108 a = 90 h 2 CR.
CR. 3 CR.
= 6 CR.

06570 06573 06574 06580 06585


06518
06569 Língua Língua Espanhola Língua Espanhola Língua Língua Espanh.
Lit. Brasileira I 06578
Co. T. O. E. L. E. Espanhola II IV V Espanhola VII VIII
Semestral Li. Ap. En. Lí. E. I
I Semestral Semestral Semestral Semestral Semestral
3 / 54 a = 45 h = 3 Semestral
Semestral 6 / 108 a = 90 h 6 / 108 a = 90 h = 6 / 108 a = 90 h = 6 / 108 a = 90 h 6 / 108 a = 90 h =
CR. 2 / 36 a = 30 h = 2
2 / 36 a = 30 h = = 6 CR. 6 CR. 6 CR. = 6 CR. 6 CR.
CR.
2 CR.

09437 06571 06572 09781 06575 06579 06581 06542


Elem. Soc. da C. T. O. E. L. E. Língua Espanhola Didática Literatura Espan. I Me. En. Es. Lí. E. I Lit. Hisp.-amer. I Lit. R. G. S. II
Educ. II III Semestral Semestral Semestral Semestral Semestral
Semestral Semestral Semestral 4 / 72 a = 60 h = 4 3 / 54 a = 45 h = 3 3 / 54 a = 45 h = 3 3 / 54 a = 45 h = 3 / 54 a = 45 h =
2 / 36 a = 30 h = 2 / 36 a = 30 h = 6 / 108 a = 90 h = 6 CR. CR. CR. 3 CR. 3 CR.
284

2 CR. 2 CR. CR.

06582
06525
06449 09807 Li. Ap. En. L. E. 06547
09782 10518 Lit. Ocidental II 09808
Ling. da Es. Cu. Su. I En. II Aquisição de
Elem. Fil. Educ. Psic. Educação Semestral Es. Cu. Su. II E. M.
Enunciação Fu Semestral Ling.
Semestral Semestral 3 / 54 a = 45 h = 3 Semestral
Semestral Semestral 3 / 54 a = 45 h = Semestral
2 / 36 a = 30 h = 4 / 72 a = 60 h = CR. 7 / 126 a = 105 h =
2 / 36 a = 30 h = 2 7 / 126 a = 105 h = 3 CR. 3 / 54 a = 45 h =
2 CR. 4 CR. 7 CR.
CR. 7 CR. 3 CR.

06548
06546 06499
06251 Gram. Sistêmico-
09783 06516 Let. Dig. For. Prof. 06529 Pr. En. Lí. Po. II 06539
Gram. Port. fun.
Pol. Púb. Educ. Lit. Ocidental I Semestral Lit. Inf. Juv. I Semestral Lit. R. G. S. I
Cont.(S) Semestral
Semestral Semestral 2 / 36 a = 30 h = 2 Semestral 2 / 36 a = 30 h = 2 Semestral
Semestral 3 / 54 a = 45 h =
4 / 72 a = 60 h = 3 / 54 a = 45 h = 3 CR. 3 / 54 a = 45 h = 3 CR. 3 / 54 a = 45 h =
3 / 54 a = 45 h = 3 CR.
4 CR. CR. CR. 3 CR.
3 CR.

06545 06533 06551


06505 06510 06553
Gên. Tex. e Ensino 06544 Psicolinguística 06550 Tó. Li. Lí. Po. II
Sem. Cult. Bras. Sem. Cult. Bras. Identidade
Semestral Tóp. Avan. Fonol. Semestral Tó. Li. Lí. Po. I Semestral
I II Docente
3 / 54 a = 45 h = 3 Semestral 3 / 54 a = 45 h = 3 Semestral 3 / 54 a = 45 h =
Semestral Semestral Semestral
CR. 3 / 54 a = 45 h = 3 CR. 3 / 54 a = 45 h = 3 CR.
3 / 54 a = 45 h = 3 / 54 a = 45 h = 2 / 36 a = 30 h = 2
CR. 3 CR.
3 CR. 3 CR. CR.

06536
06511 06522 06549
06560 06588 Lit. Inf. Juv. II 06552 06554
Filologia Filologia Român. Redação
Sem. Est. Autor Con. Lín. Esp. I Semestral Tóp. Aná. Disc. Int. Est. Crí. Dis.
Românica I II Acadêmica
Semestral Semestral 3 / 54 a = 45 h = 3 Semestral Semestral
Semestral Semestral Semestral
2 / 36 a = 30 h = 2 2 / 36 a = 30 h = 2 CR. 3 / 54 a = 45 h = 3 / 54 a = 45 h =
2 / 36 a = 30 h = 2 / 36 a = 30 h = 3 / 54 a = 45 h = 3
CR. CR. 3 CR. 3 CR.
2 CR. 2 CR. CR.

06587 06590 06589


06555 06562
06556 Fo. Fo. Lí. Es. II Tr. Te. Lí. Es. I Con. Lín. Esp. II
Discurso e Gên. Li. Lí. Po. Go.
Dramaturgia Bras. Semestral Semestral Semestral
Soc. Ma.
Semestral 2 / 36 a = 30 h = 2 2 / 36 a = 30 h = 2 2 / 36 a = 30 h = 2
Semestral Semestral
3 / 54 a = 45 h = 3 CR. CR. CR.
3 / 54 a = 45 h = 3 / 54 a = 45 h =
CR.
3 CR. 3 CR.

06593 06591
06557
Pr. Te. Lí. Es. II 06596 Tr. Te. Lí. Es. II 06561
Dramaturgia
Semestral Es. Li. Te. Li. Es. Semestral Lit. Afr. Lín. Por.
Portug.
2 / 36 a = 30 h = 2 Semestral 2 / 36 a = 30 h = 2 Semestral
Semestral
CR. 2 / 36 a = 30 h = 2 CR. 3 / 54 a = 45 h =
3 / 54 a = 45 h = 3
CR. 3 CR.
CR.

06563
06558 06595
Fic. Bras.
Teoria do Drama Le. Te. Lí. Es. II
Contemp.
Semestral Semestral
Semestral
3 / 54 a = 45 h = 3 2 / 36 a = 30 h = 2
3 / 54 a = 45 h =
CR. CR.
3 CR.

06564
06559 06600
Fic. Port.
Pan. Con. Bras. Sem Cul. Hisp. II
Contemp.
Semestral Semestral
Semestral
3 / 54 a = 45 h = 3 2 / 36 a = 30 h = 2
3 / 54 a = 45 h =
CR. CR.
3 CR.

06565
06586
Poe. Bras.
Fo. Fo. Lí. Es. I
Contemp.
Semestral
Semestral
2 / 36 a = 30 h = 2
3 / 54 a = 45 h =
CR.
3 CR.

06592
06566
Pr. Te. Lí. Es. I
Lír. Port.
Semestral
Contemp.
2 / 36 a = 30 h = 2
Semestral
CR.
3 / 54 a = 45 h =
3 CR.
285

06594
Le. Te. Lí. Es. I 06567
Semestral Int. Hist . Lit.
2 / 36 a = 30 h = 2 Semestral
CR. 3 / 54 a = 45 h =
3 CR.

06597
06599
Me. En. Es. L. E.
Sem Cul. Hisp. I
II
Semestral
Semestral
2 / 36 a = 30 h = 2
3 / 54 a = 45 h =
CR.
3 CR.

06598
O Mo. Li. Lí. Es.
Semestral
3 / 54 a = 45 h =
3 CR.

06601
Tr. Te. Li. Lí. Es.
Semestral
2 / 36 a = 30 h =
2 CR.
286

Anexo D: Quadro de Sequência Lógica (QSL) do curso de Letras Portiguês-Francês –


FURG

Período 1 Período 2 Período 3 Período 4 Período 5 Período 6 Período 7 Período 8


CHT=450 a CHT=450 a CHT=378 a CHT=414 a CHT=540 a CHT=522 a CHT=684 a CHT=306 a

06512 06519 06526 06532


06501 06496 06540
Linguística III Fonologia Port. II Morfossintaxe III Morfossintaxe IV
Estudo do Texto Produção Es. Cu. Su. III Lí.
Semestral Semestral Semestral Semestral
I Textual Anual
2 / 36 a = 30 h = 2 2 / 36 a = 30 h = 2 4 / 72 a = 60 h = 4 4 / 72 a = 60 h = 4
Semestral Semestral 4 / 144 a = 120 h = 8 CR.
CR. CR. CR. CR.
3 / 54 a = 45 h = 4 / 72 a = 60 h =
3 CR. 4 CR.

06506
06513 06520 06527 06534
Estudo do Texto 06619
06502 Fonologia Port. I Morfossintaxe II Pr. En. Lí. Po. I Lit. Portuguesa IV
II Es. Cu. Su. IV L. F.
Língua Latina I Semestral Semestral Semestral Semestral
Semestral Anual
Semestral 2 / 36 a = 30 h = 2 4 / 72 a = 60 h = 4 3 / 54 a = 45 h = 3 2 / 36 a = 30 h = 2
3 / 54 a = 45 h = 4 / 144 a = 120 h = 8 CR.
2 / 36 a = 30 h = CR. CR. CR. CR.
3 CR.
2 CR.

06507 06514 06521 06528 06535 06498


06503 Língua Latina II Morfossintaxe I Li. Ap. En. Lí. Ma. Prát. Ens. Liter. Lit. Brasileira IV 06497 LIBRAS II
Linguística I Semestral Semestral Semestral Semestral Semestral LIBRAS I Semestral
Semestral 2 / 36 a = 30 h = 4 / 72 a = 60 h = 4 2 / 36 a = 30 h = 2 2 / 36 a = 30 h = 2 3 / 54 a = 45 h = 3 Semestral 4 / 72 a = 60 h =
2 / 36 a = 30 h = 2 CR. CR. CR. CR. CR. 4 / 72 a = 60 h = 4 CR.
2 CR. 4 CR.

06537 06541
06508 06515 06523 06610
Est. Significação Est. Significação
06504 Linguística II Sociolinguística Lit. Portuguesa II 06530 Língua Francesa VI
I II
Intr. Est. Lit. I Semestral Semestral Semestral Lit. Portuguesa III Semestral
Semestral Semestral
Semestral 2 / 36 a = 30 h = 2 / 36 a = 30 h = 2 2 / 36 a = 30 h = 2 Semestral 6 / 108 a = 90 h = 6
4 / 72 a = 60 h = 4 / 72 a = 60 h =
2 / 36 a = 30 h = 2 CR. CR. CR. 2 / 36 a = 30 h = 2 CR.
4 CR. 4 CR.
2 CR. CR.

06617
06517 06524 06531 06611
06602 06538 Língua Francesa
06509 Lit. Portuguesa I Lit. Brasileira II Lit. Brasileira III Me. En. Fr. Lí. E. I
Língua Francesa Teoria da VIII
Intr. Est. Lit. II Semestral Semestral Semestral Semestral
I Literatura Semestral
Semestral 2 / 36 a = 30 h = 2 3 / 54 a = 45 h = 3 3 / 54 a = 45 h = 3 2 / 36 a = 30 h = 2
Semestral Semestral 6 / 108 a = 90 h =
2 / 36 a = 30 h = CR. CR. CR. CR.
6 / 108 a = 90 h 2 / 36 a = 30 h = 6 CR.
2 CR.
= 6 CR. 2 CR.

06604 06607 06608 06612 06614


06518 06618
06603 Língua Francesa Língua Francesa Língua Francesa L. A. E. F. L. E. I Língua Francesa
Lit. Brasileira I Lit. Lín. Fra. IV
Co. Ex. Or. Lí. II IV V Semestral VII
Semestral Semestral
Fr. Semestral Semestral Semestral 2 / 36 a = 30 h = 2 Semestral
3 / 54 a = 45 h = 3 3 / 54 a = 45 h =
Semestral 6 / 108 a = 90 h 6 / 108 a = 90 h = 6 / 108 a = 90 h = CR. 6 / 108 a = 90 h
CR. 3 CR.
2 / 36 a = 30 h = = 6 CR. 6 CR. 6 CR. = 6 CR.
2 CR.

06605 06615
06606 06609 06613 06542
09437 Co. Ex. Es. Lí. L. A. E. F. L. E.
Língua Francesa III 09781 Lit. Lín. Fra. I Lit. Lín. Fra. II Lit. R. G. S. II
Elem. Soc. da Fr. II
Semestral Didática Semestral Semestral Semestral
Educ. Semestral Semestral
6 / 108 a = 90 h = 6 Semestral 3 / 54 a = 45 h = 3 3 / 54 a = 45 h = 3 3 / 54 a = 45 h =
Semestral 2 / 36 a = 30 h = 3 / 54 a = 45 h =
CR. 4 / 72 a = 60 h = 4 CR. CR. 3 CR.
2 / 36 a = 30 h = 2 CR. 3 CR.
CR.
2 CR.
287

06547
06449 06522 09807 Aquisição de
09782 10518 09808 06616
Ling. da Filologia Român. Es. Cu. Su. I En. Ling.
Elem. Fil. Educ. Psic. Educação Es. Cu. Su. II E. M. Lit. Lín. Fra. III
Enunciação II Fu Semestral
Semestral Semestral Semestral Semestral
Semestral Semestral Semestral 3 / 54 a = 45 h =
2 / 36 a = 30 h = 4 / 72 a = 60 h = 7 / 126 a = 105 h = 3 / 54 a = 45 h =
2 / 36 a = 30 h = 2 2 / 36 a = 30 h = 2 7 / 126 a = 105 h = 3 CR.
2 CR. 4 CR. 7 CR. 3 CR.
CR. CR. 7 CR.

06548
06525 06499
06251 06511 Gram. Sistêmico-
09783 Lit. Ocidental II 06529 Pr. En. Lí. Po. II 06539
Gram. Port. Filologia Românica fun.
Pol. Púb. Educ. Semestral Lit. Inf. Juv. I Semestral Lit. R. G. S. I
Cont.(S) I Semestral
Semestral 3 / 54 a = 45 h = 3 Semestral 2 / 36 a = 30 h = 2 Semestral
Semestral Semestral 3 / 54 a = 45 h =
4 / 72 a = 60 h = CR. 3 / 54 a = 45 h = 3 CR. 3 / 54 a = 45 h =
3 / 54 a = 45 h = 2 / 36 a = 30 h = 2 3 CR.
4 CR. CR. 3 CR.
3 CR. CR.

06510
06546 06544 06533 06550 06551
06505 Sem. Cult. Bras.
06516 Let. Dig. For. Prof. Tóp. Avan. Fonol. Psicolinguística Tó. Li. Lí. Po. I Tó. Li. Lí. Po. II
Sem. Cult. Bras. II
Lit. Ocidental I Semestral Semestral Semestral Semestral Semestral
I Semestral
Semestral 2 / 36 a = 30 h = 2 3 / 54 a = 45 h = 3 3 / 54 a = 45 h = 3 3 / 54 a = 45 h = 3 / 54 a = 45 h =
Semestral 3 / 54 a = 45 h =
3 / 54 a = 45 h = 3 CR. CR. CR. 3 CR. 3 CR.
3 / 54 a = 45 h = 3 CR.
CR.
3 CR.

06545 06627 06536


06553
Gên. Tex. e Ensino Le. Pr. Te. Lí. F. I Lit. Inf. Juv. II 06552 06554
Identidade
Semestral Semestral Semestral Tóp. Aná. Disc. Int. Est. Crí. Dis.
Docente
3 / 54 a = 45 h = 3 2 / 36 a = 30 h = 2 3 / 54 a = 45 h = 3 Semestral Semestral
Semestral
CR. CR. CR. 3 / 54 a = 45 h = 3 / 54 a = 45 h =
2 / 36 a = 30 h = 2
3 CR. 3 CR.
CR.

06631 06628
06549 06555 06562
06560 Co. Le. Li. Lí. Fr. Le. Pr. Te. L. F. II
Redação Discurso e Gên. Li. Lí. Po. Go.
Sem. Est. Autor Semestral Semestral
Acadêmica Soc. Ma.
Semestral 2 / 36 a = 30 h = 2 2 / 36 a = 30 h = 2
Semestral Semestral Semestral
2 / 36 a = 30 h = 2 CR. CR.
3 / 54 a = 45 h = 3 3 / 54 a = 45 h = 3 / 54 a = 45 h =
CR.
CR. 3 CR. 3 CR.

06632 06623
06621 06633
Teatro de Líng. Trad. Com. Fran.
06556 Fo. Fo. Lí. Fr. II Sem. Lit. Lín. Fra. 06561
Fra. II
Dramaturgia Bras. Semestral Semestral Lit. Afr. Lín. Por.
Semestral Semestral
Semestral 2 / 36 a = 30 h = 2 3 / 54 a = 45 h = 3 Semestral
2 / 36 a = 30 h = 2 3 / 54 a = 45 h =
3 / 54 a = 45 h = 3 CR. CR. 3 / 54 a = 45 h =
CR. 3 CR.
CR. 3 CR.

06626 06635
06557 06563
Con. Lín. Fra. II Rom. Lín. Fra.
Dramaturgia Fic. Bras.
Semestral Semestral
Portug. Contemp.
2 / 36 a = 30 h = 2 2 / 36 a = 30 h =
Semestral Semestral
CR. 2 CR.
3 / 54 a = 45 h = 3 3 / 54 a = 45 h =
CR. 3 CR.

06630
06564
06558 Sem. Cul. Fran.
Fic. Port.
Teoria do Drama Semestral
Contemp.
Semestral 2 / 36 a = 30 h = 2
Semestral
3 / 54 a = 45 h = 3 CR.
3 / 54 a = 45 h =
CR.
3 CR.

06565
06559
Poe. Bras.
Pan. Con. Bras.
Contemp.
Semestral
Semestral
3 / 54 a = 45 h = 3
3 / 54 a = 45 h =
CR.
3 CR.

06620
06566
Fo. Fo. Lí. Fr. I
Lír. Port.
Semestral
Contemp.
3 / 54 a = 45 h = 3
Semestral
CR.
3 / 54 a = 45 h =
3 CR.
288

06625
Con. Lín. Fra. I 06567
Semestral Int. Hist . Lit.
2 / 36 a = 30 h = 2 Semestral
CR. 3 / 54 a = 45 h =
3 CR.

06622
Trad. Com. Fran.
I
Semestral
3 / 54 a = 45 h =
3 CR.

06624
Me. En. Fr. L. E.
II
Semestral
2 / 36 a = 30 h =
2 CR.

06629
Es. Li. Te. Li. Fr.
Semestral
2 / 36 a = 30 h =
2 CR.

06634
Poe. Lín. Fran.
Semestral
2 / 36 a = 30 h =
2 CR.

Você também pode gostar