V 27 S 2 A 02

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 7

ARTIGO ORIGINAL

Estudo clínico randomizado que compara


a eficácia entre a analgesia infiltrativa
com ropivacaína e o uso endovenoso da
nalbufina para controle da dor pós-operatória
da colecistectomia videolaparoscópica

Randomized clinical trial comparing the efficacy of


infiltrative analgesia with Ropivacaine and the intravenous
use of Nalbuphine for postoperative pain management of
laparoscopic cholecystectomy
Wanderson Penido da Costa1, Thais Morato Menezes2, Gláucio Gregori Nunes Bomfá1, Rodrigo de Lima e Souza3

DOI: 10.5935/2238-3182.20170012

RESUMO
1 Hospital Belo Horizonte; Hospital Evangélico. Introdução: a colecistectomia videolaparoscópica (CVL), apesar de ser técnica mi-
Belo Horizonte, MG – Brasil.
2 Fundação Educacional Lucas Machado (FELUMA); nimamente invasiva e associada a menor trauma cirúrgico, está ligada à dor intra-ab-
Hospital Belo Horizonte. Belo Horizonte, MG – Brasil. dominal e incisional no pós-operatório. Objetivos: comparar a eficácia analgésica da
3 Hospital Madre Teresa; Instituto de Previdência dos
Servidores do Estado de Minas Gerais – IPSEMG. infiltração dos portais cirúrgicos da CVL com a ropivacaína com a eficácia endovenosa
Belo Horizonte, MG – Brasil. (EV) da nalbufina e verificar a influência dessas intervenções sobre o consumo de
analgésicos opioides. Metodologia: estudo prospectivo duplo-cego, randomizado, com
65 pacientes submetidos à CVL, divididos em três grupos: controle (C), infiltração anes-
tésica (I) e nalbufina (N). Foi aplicada a Escala Visual e Analógica da Dor (EVA) logo
após a extubação e com uma e seis horas após a extubação. Resultados: a dor relatada
pelos pacientes do grupo I foi significativamente menor do que a descrita pelos demais
grupos durante toda a avaliação. À extubação houve predomínio de dor leve em todos
os grupos: 100% dos pacientes do grupo I, 66,6% (C) e 72,8% (N). Na avaliação de uma
hora e seis horas houve predomínio de dor leve no grupo I (82,1% – 96,4%) e dor mode-
rada nos grupos C (73,3% – 73,3%) e N (63,6% – 54,5%), respectivamente. Além disso, o
percentual de pacientes do grupo I que solicitou analgesia complementar foi significa-
tivamente menor do que dos demais grupos. Conclusão: constatou-se que a infiltração
anestésica dos portais cirúrgicos da CVL é uma técnica simples, praticamente isenta de
riscos e mais eficaz no controle da dor pós-operatória do que o uso da nalbufina EV,
apresentando significativa redução no consumo de analgésicos opioides.
Palavras-chave: Colecistectomia Laparoscópica; Dor Pós-Operatória; Analgesia; Anes-
tésicos; Analgésicos; Nalbufina.

ABSTRACT

Introduction: Videolaparoscopic cholecystectomy (CVL), despite being a minimally invasive


technique and associated with less surgical trauma, is associated with intra-abdominal and
incisional pain in the postoperative period. Objectives: To compare the analgesic efficacy of
the infiltration of the surgical portals of CVL with Ropivacaine and the intravenous efficacy
(EV) of Nalbuphine and to verify the influence of these interventions on the consumption
of opioid analgesics. Methods: Prospective randomized double-blind study of 65 patients
Instituição: undergoing CVL, divided into three groups: control (C), anesthetic infiltration (I) and Nal-
Hospital Belo Horizonte
Belo Horizonte, MG – Brasil
buphine (N). The Visual and Analog Pain Scale (EVA) was applied shortly after extubation
and at one and six hours after extubation. Results: The pain reported by patients in group I
Autor correspondente:
Wanderson Penido da Cosa
was significantly lower than that reported by the other groups throughout the evaluation. At
E-mail: wandersonpenido@yahoo.com.br extubation there was a predominance of mild pain in all groups: 100% of patients in group

4 Rev Med Minas Gerais 2017; 27 (Supl 2): S4-S10


Estudo clínico randomizado que compara a eficácia entre a analgesia infiltrativa com ropivacaína e o uso endovenoso da ...

I, 66.6% (C) and 72.8% (N). At the one-hour and six-hour


evaluation, there was a predominance of mild pain in veria ser preventivo e multimodal.4,9-11 Dessa forma, a
group I (82.1% – 96.4%) and moderate pain in groups C terapia analgésica deve se basear no uso de diferen-
(73.3% – 73.3%) and N (63.6% % – 54.5%), respectively. tes analgésicos com mecanismos de ação distintos no
In addition, the percentage of patients in group I who SNC, com o intuito de propiciar sinergismo entre os
requested complementary analgesia was significantly
fármacos. Pode-se optar pelo uso de anti-inflamató-
lower than in the other groups. Conclusion: It was verified
that the anesthetic infiltration of the surgical portals of the rios não esteroidais (AINEs), que diminuem a aferên-
CVL is a simple technique, practically risk-free and more cia sensitiva desde a periferia ao inibir a sensibiliza-
effective in the control of postoperative pain than the use ção periférica do terminal nervoso aferente primário,
of Nalbuphine EV, presenting a significant reduction in the associados aos anestésicos locais, que também o fa-
consumption of analgesics Opioids.
zem pelo bloqueio da transmissão do estímulo noci-
Key words: Cholecystectomy, Laparoscopic; Pain, Postopera- ceptivo nos canais de sódio.9,11-14
tive; Analgesia; Anesthetics; Analgesics; Nalbuphine.
Ainda não há na literatura consenso sobre a analge-
sia pós-operatória mais eficaz. Diversos estudos já ava-
INTRODUÇÃO liaram diferentes tipos de abordagens para a redução
da dor pós-operatória e muitos deles comprovaram a
A colecistectomia por videolaparoscopia (CVL), já eficácia do uso do anestésico local (AL) com tal intui-
há alguns anos, tem despontado no que se refere à es- to, porém, sem clara relação de dose, tipo de AL ou lo-
colha de intervenção cirúrgica para doenças benignas cal de infiltração.6 Com base nisso, a presente pesquisa
da vesícula biliar, por se tratar de técnica minimamen- objetiva analisar a eficácia analgésica pós-operatória
te invasiva e associada a menor trauma cirúrgico.1,2 De da infiltração dos portais cirúrgicos da CVL com o AL
acordo com o DATASUS, até o mês de setembro de ropivacaína, comparando com a eficácia endovenosa
2016 foram realizadas, no Brasil, 53.619 CVLs.3 As van- da nalbufina e a influência dessas intervenções sobre
tagens da técnica laparoscópica sobre a laparotômica o consumo de analgésicos opioides no pós-operatório.
já estão bem fundamentadas: baixo índice de dor pós-
-operatória, menos tempo de internação hospitalar,
menos morbidade, retorno precoce às atividades diá- METODOLOGIA
rias habituais, melhor resultado estético e, consequen-
temente, mais satisfação do paciente.1,4 Foi realizado estudo prospectivo, cego, rando-
Ainda assim, a literatura ressalta a dor intra-abdo- mizado, com todos os pacientes submetidos à CVL
minal e incisional, sobretudo no pós-operatório ime- eletiva pelo serviço de cirurgia geral do Hospital Belo
diato de CVL.2,5 Bisgaard et al.6 reiteram que a dor é a Horizonte (HBH) entre 1° de julho de 2016 e 31 de
queixa mais comum no pós-operatório de CVL e que, outubro do mesmo ano. A randomização proposta
geralmente, a dor é mais intensa nas primeiras horas. foi semanal e todas as CVLs realizadas na mesma se-
O estudo de Lambert et al.7 informa que até 33% dos mana pertenceram ao mesmo grupo. Realizou-se na
pacientes submetidos à CVL apresentam dor persis- primeira semana um sorteio a fim de se definir qual
tente no pós-operatório. a ordem de aplicação da pesquisa, que foi assim
A dor no paciente submetido à CVL pode surgir proposta: primeira semana, grupo I (infiltração dos
no local da incisão propriamente dito (dor incisio- portais cirúrgicos com ropivacaína); segunda sema-
nal), pode ser visceral ou referida no ombro a partir na: grupo C (controle); e terceira semana, grupo N
da região subdiafragmática.1,4,6 O mecanismo da dor (nalbufina EV). A partir do proposto, essa ordem foi
está relacionado à pressão causada pela introdução repetida até o fim do estudo.
de dióxido de carbono na cavidade peritoneal, assim Assim, na semana referente ao grupo I, antes de
como pela manipulação e ressecção em nível visceral ser realizada a sutura das incisões, a equipe cirúrgica
e também pela lesão da parede abdominal acarretada fez a infiltração anestésica dos portais com 10 mL de
pela introdução do instrumental cirúrgico.4,8 Contudo, ropivacaína 0,75%, divididos entre todas as incisões.
estudos demonstram que a maior parte dos pacientes Na semana C foram administrados os analgésicos
que relatam dor a localiza nos portais cirúrgicos.1,4,6,8 convencionais inerentes a todos os procedimentos,
Com base na natureza complexa do mecanismo que no caso do local do estudo é o parecoxibe 40
de dor após cirurgias laparoscópicas, diversos auto- mg (administrado EV, logo após a indução anestés-
res sugerem que o efetivo tratamento dessa dor de- ica, antes da incisão cirúrgica) e dipirona 30-50 mg/

Rev Med Minas Gerais 2017; 27 (Supl 2): S4-S10 5


Estudo clínico randomizado que compara a eficácia entre a analgesia infiltrativa com ropivacaína e o uso endovenoso da ...

kg (administrada EV, ao final do procedimento). E na da a EVA, que quantificava a dor do paciente, sendo:
semana N, ao final do procedimento, desfeito o pneu- escore 0 = ausência de dor; 1 a 3 = dor leve; 4 a 6 = dor
moperitônio, foram administrados 10 mg de nalbufi- moderada; e 7 a 10 = dor intensa, grave.
na EV. Todos os outros procedimentos anestésicos fo- No momento da internação cada paciente a ser
ram padronizados entre todos os pacientes: indução submetido à CVL foi abordado por um dos pesqui-
com 150 mcg de fentanil, 40 mg de lidocaína, 2 mg/kg sadores, que explicou o intuito da pesquisa. Quando
de propofol, 150 mcg/kg de cisatracúrio; manutenção estava de acordo com a participação no estudo, o
com remifentanil (0,1-0,3 mcg.kg.min) e concentra- paciente assinava o termo de consentimento livre e
ção alveolar mínima de sevoflurano de 0,8; sintomá- esclarecido (TCLE). O presente estudo foi submeti-
ticos: 10 mg de dexametasona, 40 mg de parecoxibe, do ao CEP do Hospital Belo Horizonte sob o CAAE:
30-50 mg/kg de dipirona, 4 mg de ondasetrona. 57937416.6.0000.5122.
O critério de inclusão do estudo foi todo paciente
a ser submetido à CVL durante o período da pesquisa.
E os critérios de exclusão foram: pacientes classifica- DESCRIÇÃO METODOLÓGICA
dos como ASA III e IV (pela classificação do estado
físico do paciente cirúrgico pela American Society of A análise descritiva foi realizada por frequências
Anesthesiologist), cirurgias realizadas em caráter de absolutas e relativas para as variáveis qualitativas e
urgência ou emergência, cirurgias cujo tempo opera- de média ± desvio-padrão (DP) para as quantitativas.
tório ultrapassasse 150 minutos, pacientes menores de A comparação das medidas de dor por técnica de
18 anos, cirurgias em que houvesse a necessidade de anestesia e por momento da medição foi realizada
conversão para laparotomia, pacientes com relato de via análise de variância e as comparações múltiplas
alergia à ropivacaína e/ou nalbufina ou nos quais hou- via teste de Tukey. A análise foi desenvolvida no sof-
vesse alguma objeção ao uso de alguma das drogas tware gratuito R versão 3.1.3 e foi adotado nível de
padronizadas para indução e manutenção ou alguma significância de 5%.
das drogas sintomáticas e pacientes incapazes de res-
ponder a Escala Visual e Analógica da Dor (EVA).
A fim de se avaliar o real efeito da analgesia propos- RESULTADOS
ta pelo estudo, optou-se por retirar da prescrição padrão
dos pacientes incluídos na pesquisa qualquer analgesia A amostra foi composta inicialmente de 72 pa-
que não fosse a dipirona e o cetoprofeno, AINE padrão cientes, dos quais sete foram excluídos por se encai-
no local do estudo para uso na enfermaria. Caso hou- xarem em algum dos critérios de exclusão citados
vesse a necessidade de se realizar analgesia mais inten- anteriormente, restando, ao final, 65 pacientes, dos
sa, a qual era feita com tramadol, a equipe de pesquisa- quais 44 (67,7%) eram do sexo feminino. A idade mé-
dores era informada e, dessa forma, foi possível avaliar dia foi 40,91 ± 14,02 anos e o tempo cirúrgico médio
os pacientes que necessitaram dessa intervenção. foi 107,34 ± 21,43 minutos. Em relação à técnica de
A avaliação da EVA foi realizada logo após a ex- analgesia utilizada, 15 (23,1%) eram do grupo-contro-
tubação – definido como tempo zero, uma hora após le, 28 (43,1%) receberam infiltração com ropivacaína
a extubação, com o paciente ainda na sala de recu- e 22 (33,8%) nalbufina EV. O escore médio de dor à
peração pós-anestésica (SRPA) e seis horas após a extubação foi 1,57 ± 2,57, na SRPA 3,51 ± 2,85 e na
extubação, com o paciente já no leito da enfermaria. enfermaria 3,51 ± 2,42. No tocante à analgesia com-
Todas as entrevistas foram realizadas por um dos pes- plementar, na SRPA 29 pacientes (44,6%) a solicita-
quisadores que não participaram do procedimento ram e, na enfermaria, 20 pacientes (30,8%).
anestésico-cirúrgico do dado paciente, o que impediu Houve diferença significativa entre os escores
um possível viés de análise. A cada entrevista, o pes- médios de dor à extubação (p-valor <0,001). A dor
quisador explicou novamente, quando necessário, o relatada pelos pacientes que receberam infiltração
intuito do estudo e realizou a coleta de dados: sexo, foi significativamente menor que a relatada pelos
idade, tempo cirúrgico, identificação do paciente (nú- demais pacientes do estudo (Tabela 1 e Figura 1).
mero de prontuário) e se foi realizada administração O mesmo padrão foi observado para a dor avaliada
de algum analgésico naquele período entre as entre- na SRPA (p-valor 0,001) e também na enfermaria (p-
vistas. Além disso, ao final das intervenções, foi aplica- -valor <0,001) (Tabela 1 e Figura 1). Na enfermaria,

6 Rev Med Minas Gerais 2017; 27 (Supl 2): S4-S10


Estudo clínico randomizado que compara a eficácia entre a analgesia infiltrativa com ropivacaína e o uso endovenoso da ...

observou-se, ainda, que a dor relatada pelo pacientes beram a infiltração com a ropivacaína, houve mais
do grupo-controle foi significativamente maior que a frequência de relato de dor leve (82,1%) (Tabela 3).
relatada por aqueles que receberam a nalbufina. Padrão semelhante foi observado na enfermaria.
À extubação, a dor relatada pelos pacientes dos Entre os pacientes que receberam infiltração, 96,4%
grupos C e I foi significativamente menor que a rela- relataram apenas dor leve, e para os grupos controle
tada na SRPA e na enfermaria (p-valores <0,001 para e nalbufina, 73,3% e 54,5%, respectivamente, declara-
ambos). Não houve diferença significativa na queixa ram dor moderada (Tabela 4).
álgica na SRPA e na enfermaria para esses dois gru- O percentual de pacientes que receberam infiltra-
pos de pacientes. Não houve diferença significativa ção e necessitaram de analgesia na SRPA foi significa-
na dor relatada pelos pacientes que receberam nal- tivamente menor quando comparado ao percentual
bufina em nenhum dos três momentos (p-valor 0,141 de pacientes do grupo C (p < 0,001) e do grupo N (p
– Tabela 1 e Figura 1). < 0,001) (Figura 2).
Em relação à intensidade da dor à extubação, Na enfermaria, observou-se padrão semelhante,
houve predominância de dor leve em todos os gru- uma vez que o percentual de pacientes que recebeu
pos, sendo 66,6% entre os paciente do grupo-contro- infiltração e necessitou de analgesia foi significativa-
le, 100% para os pacientes que receberam infiltração mente menor quando comparado ao percentual de
e 72,8% entre os pacientes que receberam nalbufina pacientes do grupo C (p < 0,001) e do grupo N (p =
(Tabela 2). 0,005). Outro dado encontrado foi que os pacientes
Na SRPA, a intensidade da dor foi predominante- que receberam nalbufina necessitaram de menos
mente moderada nos grupos controle (73,3%) e nal- analgesia na enfermaria que aqueles do grupo-con-
bufina (63,6%), porém, entre os pacientes que rece- trole (p < 0,001) (Figura 3).

Tabela 1 - Avaliação da dor à extubação, na SRPA e na enfermaria, por grupo


Extubação Sala de recuperação Enfermaria
Técnica de anestesia P-valor
Média ± DP Média ± DP Média ± DP
Controle 2,93 ± 2,37€,¢ 6,73 ± 1,62€ 6,73 ± 1,39¢ <0,001
Infiltração 0,21 ± 0,57€,¢ 1,54 ± 1,69€ 1,64 ± 1,06¢ <0,001
Nalbufina 2,36 ± 3,39 3,82 ± 2,56 3,68± 1,76 0,141
O p-valor refere-se à análise de variância.
Os símbolos *, €, e ¢ indicam pares de grupos com diferenças significativas entre si.

Controle
Nalbufina Tabela 3 - Distribuição dos pacientes quanto à in-
10
9 Infiltração tensidade da dor na SRPA por grupo de técnica anal-
8 gésica
7
Média de Dor

6 Leve Moderada Intensa


5
4 Grupos (0 a 3) (4 a 7) (8 a 10)
3
2 n (%) n (%) n (%)
1
0 Controle – 11 (73,3) 4 (26,7)
Extubação SRPA Enfermaria
Infiltração 23 (82,1) 5 (17,9) –
Momentos
Nalbufina 8 (36,4) 14 (63,6) –
Figura 1 - Valores médios da dor medida à extubação, na
SRPA e na enfermaria por técnica analgésica aplicada.

Tabela 2 - Distribuição dos pacientes quanto à in- Tabela 4 - Distribuição dos pacientes quanto à inten-
tensidade da dor à extubação por grupo de técnica sidade da dor na enfermaria por grupo de técnica
anestésica analgésica
Leve Moderada Intensa Leve Moderada Intensa
Grupos (0 a 3) (4 a 7) (8 a 10) Grupos (0 a 3) (4 a 7) (8 a 10)
I n (%) n (%) n (%) n (%) n (%)
Controle 10 (66,6) 4 (26,7) 1 (6,7) Controle – 11 (73,3) 4 (26,7)
Infiltração 28 (100) – – Infiltração 27 (96,4) 1 (3,6) –
Nalbufina 16 (72,8) 3 (13,6) 3 (13,6) Nalbufina 10 (45,5) 12 (54,5) –

Rev Med Minas Gerais 2017; 27 (Supl 2): S4-S10 7


Estudo clínico randomizado que compara a eficácia entre a analgesia infiltrativa com ropivacaína e o uso endovenoso da ...

afirmam que não houve diferença estatisticamente


significativa quando se compara a analgesia gerada
pela instilação intraperitoneal ou infiltração anestési-
ca dos portais cirúrgicos, ao passo que Ortiz e Rajago-
palan15 admitem que a instilação intraperitoneal de
anestésico local para o alívio da dor é controversa.10,15
Por muitos anos, a lidocaína e a bupivacaína foram
utilizadas no manejo da dor pós-operatória.4 Contudo,
atualmente existem no mercado opções mais seguras
e eficazes no tratamento da dor pós-operatória, redu-
zindo o consumo de opioides, como a ropivacaína,
que apresenta menos interação com as fibras motoras
e menos cardiotoxicidade, quando comparada à bu-
pivacaína. Assim, neste estudo, optou-se pela ropiva-
caína como AL, por sua segurança, reduzida toxicida-
Figura 2 - Distribuição dos percentuais de solicitação de
de, baixo índice de efeitos colaterais e pelo seu maior
anestesia na sala de recuperação por grupo de técnica
analgésica. tempo de ação, que varia entre oito e 10 horas.4,5,9,11,12
A ocasião eleita para a infiltração anestésica dos
portais cirúrgicos foi ao final do procedimento, mo-
mentos antes da sutura dos mesmos. Isso porque al-
guns autores defendem que o anestésico local tem
tempo de ação limitado e, dessa forma, quanto mais
tardia for a sua administração, maior será sua dura-
ção no pós-operatório.4,8 No estudo de Inan, Sen e De-
ner, citado por Garcia et al.2, ficou claro que houve
mais consumo de analgésicos opioides entre os pa-
cientes que receberam a infiltração anestésica antes
da inserção dos trocateres. Essa não é uma conduta
homogênea entre os autores e não existe recomen-
dação final acerca do melhor momento para que a
infiltração seja realizada.1,4,10,14
A avaliação da EVA foi realizada três momentos dis-
tintos: tempo (T) 0 (zero), logo após a extubação; T1,
Figura 3 - Distribuição dos percentuais de solicitação uma hora após a extubação, estando o paciente ainda
de analgesia complementar na enfermaria por grupo de na SRPA; e, por fim, T6, seis horas após a extubação,
técnica analgésica.
com o paciente já no leito da enfermaria, metodologia
semelhante à usada por Pavlidis et al.4 e Grünberg et
DISCUSSÃO al.8 em seus estudos.4,8 Convencionou-se a avaliação da
EVA com no máximo seis horas após a cirurgia, com
Na presente casuística, assim como na literatura, base em alguns estudos que demonstram que a efi-
a maior parte dos pacientes submetidos à CVL era cácia analgésica do AL se limita a esse tempo.16 Além
do sexo feminino (67,7%) e a média de idade foi de disso, nas pesquisas de Lepner et al.17 e Albuquerque
40,91 anos.1,8,10,11 et al.5, os resultados das análises da EVA com 12 horas
Bisgaard et al. concluíram em seu estudo que a não demonstraram diferenças significativamente esta-
dor incisional foi dominante durante a primeira se- tísticas entre os grupos controle e infiltração.5,10,17,18
mana pós-operatória, motivo que respalda, junto com Avaliação geral dos dados do presente trabalho
dados de outros estudos, a opção pela infiltração referentes à dor demonstra que a média de dor à ex-
anestésica dos portais cirúrgicos como medida tera- tubação (1,57 ± 2,57) foi significativamente menor
pêutica para o tratamento da dor pós-operatória da (p-valor <0,001), quando comparada à média de dor
CVL.4,6 Além disso, Lee et al., citados por Bisgaard10, relatada na SRPA (3,51 ± 2,85) e na enfermaria (3,51

8 Rev Med Minas Gerais 2017; 27 (Supl 2): S4-S10


Estudo clínico randomizado que compara a eficácia entre a analgesia infiltrativa com ropivacaína e o uso endovenoso da ...

± 2,42). Isso pode relacionar-se ao fato de que no mo- solicitaram a analgesia complementar, apenas um
mento da extubação (T0) o paciente ainda poderia deles, apesar de relatar dor, não solicitou analgesia.
estar sob a influência analgésica dos anestésicos uti- No trabalho de Pavlidis et al.4, a taxa de pacientes que
lizados ao longo do tempo cirúrgico, o que pode ter recebeu a infiltração de ropivacaína e não solicitou
contribuído para que a percepção de dor ao desper- analgesia complementar chegou a 41%. Já entre os
tar tenha sido menos intensa. pacientes do grupo N, 63,6% dos mesmos solicitaram
Ao se comparar as médias de EVA nos três grupos, analgesia na SRPA e 27,3% na enfermaria. Dos pa-
observa-se que a dor relatada pelos pacientes que re- cientes do grupo I, apenas dois pacientes (7,1%) so-
ceberam infiltração anestésica foi significativamente licitaram uma dose de tramadol na SRPA e nenhum
menor que a declarada pelos pacientes dos demais deles se queixou de dor na enfermaria. Nos estudos
grupos em todos os três momentos de avaliação da de Garcia et al.2 e de Evaristo-Méndez et al.14, não hou-
EVA (p-valor <0,001).1,8 Além disso, na enfermaria, ve redução do consumo de opioides nas primeiras 24
detectou-se, ainda, que a dor descrita pelo pacientes horas de pós-operatório. Já a publicação de Bisgaard,
do grupo-controle foi significativamente maior que a com 64 revisões randomizadas acerca de analgesia
daqueles que receberam nalbufina (p-valor <0,001). pós-operatória de videolaparoscopias, concluiu que
Em relação à intensidade da dor à extubação, sete dos oito estudos sobre infiltração anestésica de-
houve predominância de relato de dor leve em todos monstraram redução estatisticamente significativa do
os pacientes do estudo, com destaque para os pa- consumo de opioides.10,15
cientes do grupo I, em que todos manifestaram ape- Durante o período de avaliação do atual estudo,
nas dor leve. Esse mesmo relato de dor leve também cada paciente solicitou apenas uma dose de analgési-
ocorreu entre 72,8% dos pacientes que receberam co opioide, seja na SRPA ou na enfermaria. Estabele-
nalbufina e 66,6% dos pacientes do grupo-controle. O cendo um paralelo com o estudo de Candemil et al.1,
predomínio de dor leve em todos os grupos pode ser cuja aplicação da EVA foi realizada com 12 horas de
reflexo do momento da análise, uma vez que, à extu- pós-operatório, ao todo 50% dos pacientes do estu-
bação, ainda há resquícios dos anestésicos utilizados do solicitaram analgesia, ao passo que no estudo de
ao longo do procedimento cirúrgico. Grünberg et al.8 esse número foi maior, 60%.
Na SRPA, o padrão de percepção de dor muda, A presente pesquisa constatou como limitações o
nos grupos C e N, tornando-se mais frequente o relato fato de não ter estendido a avaliação dos pacientes
de dor moderada, 73,3 e 63,6%, respectivamente. En- nas primeiras 24 horas de pós-operatório, uma vez
tre os pacientes do grupo I, permanece o predomínio que alguns trabalhos apresentam benefício da infil-
do relato de dor leve, 82,1%, ratificando os estudos tração anestésica até esse momento.10,15-18 Outro fator
de Bisgaard6 e Gruünberg et al.8, que demonstraram limitador foi o número heterogêneo de pacientes em
benefício na redução da dor geral pós-operatória e cada grupo, resultado da técnica de randomização
principalmente dor incisional nas duas primeiras ho- proposta. Outrossim, pode-se citar como limitação a
ras.4,6,8,9,12 Além disso, todos os pacientes que relataram não mensuração da concentração plasmática de ro-
dor intensa (26,7%) pertenciam ao grupo-controle. O pivacaína, embora não tenham sido relatados efeitos
mesmo padrão repetiu-se na enfermaria, onde houve adversos. Além disso, o tamanho da amostra também
preponderância de queixa de dor leve entre os pacien- pode ser um fator limitador dos resultados, o que
tes do grupo I (96,4%), ao passo que entre os pacientes sugere que novos trabalhos sejam realizados com o
do grupo N e grupo C prevaleceu o relato de dor mo- intuito de reiterar os resultados aqui obtidos com gru-
derada – 73,3 e 54,5%, respectivamente. Assim como pos maiores de pacientes.
ocorreu na SRPA, todos os pacientes que informaram
dor intensa pertenciam ao grupo-controle, 26,7%.
No que se refere à solicitação complementar de CONCLUSÕES
analgesia tanto na SRPA quanto na enfermaria, o atu-
al estudo verificou significativa redução do número Este estudo concluiu que a infiltração dos portais
de doses administradas no grupo I, quando compara- cirúrgicos da colecisctectomia videolaparoscópica
do com os demais grupos.1,2,6,8,10 Na SRPA, 86,66% dos com ropivacaína é mais eficaz no controle da dor pós-
pacientes do grupo-controle solicitaram uma dose de operatória do que a nalbufina EV. Além disso, a infil-
tramadol, enquanto que na enfermaria 93,3% deles tração com ropivacaína é uma técnica simples de ser

Rev Med Minas Gerais 2017; 27 (Supl 2): S4-S10 9


Estudo clínico randomizado que compara a eficácia entre a analgesia infiltrativa com ropivacaína e o uso endovenoso da ...

8. Grünberg G, Noya B, Heuguerot F, Amestoy V, Basignani N,


realizada, acessível, praticamente isenta de riscos e Baptista W, Perine C, Rodríguez G, López E, Barrios T. Analge-
demonstrou, neste estudo, reduzir, significativamente, sia infiltrativa en colecistecyomía laparoscópica. Anest Analg
o consumo de analgésicos opioides até seis horas de Reanim. 2004 ago; 19(1):13-20.
pós-operatório. 9. López-Maya L, Lina-Manjarrez F, Díaz-Peralta A, Lina-López LM.
Disminución del dolor postoperatorio en colecistectomía lapa-
roscópica. Rev Mex Anestesiol. 2011 out./dec; 34(4):251-9.

REFERÊNCIAS 10. Bisgaard T. Analgesic Treatment after laparoscopic cholecys-


tectomy. A critical assessment of the evidence. Anesthesiology.
2006 Apr; 104:835-46.
1. Candemil RC, Sakae TM, Kestering DM, Nascimento RR, Zeil-
mann E, Souza JCG. Analgesia infiltrativa na videocolecistecto- 11. Moreira L, Truppel YM, Kozovits FGP, Santos VA, Atet V. Anal-
mia: Ensaio clínico randomizado. ABCD Arq Bras Cir Dig; 2011 gesia no pós-cirúrgico: panorama do controle da dor. Rev Dor.
Out/Dez; 24(4):262-6. 2013 abr./jun;14(2):106-10.

2. Garcia JBS, Alencar AM Jr, Santos CEC. Administração intra- 12. Canchola-Escalante M, González-Cordero G, Palacios-Ríos D,
peritoneal da mistura com excesso enantiomérico de 50% de Cárdenas-Estrada E, López-Cabrera NG, Muñoz-Maldonado G.
bupivacaína (S75-R25) para analgesia pós-operatória em co- Analgesia multimodal con ropivacaína al 0.2% para infiltra-
lecistectomias videolaparoscópicas. Rev Bras Anestesiol. 2007 ción local en colecistectomía abierta. Med Univer. 2012 mar;
jul/ago;57(4):344-55. 14(55):65-71.

3. Datasus – Portal da saúde. Informações de Saúde (TABNET). 13. Labrada A, Jiménez-García Y. Analgesia multimodal preventiva:
Notas técnicas. [citado em 2016 nov. 15]. Disponível em: http:// estudio comparativo. Rev Soc Esp Dolor. 2004 Abr; 11(3):122-8.
tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sih/cnv/qiuf.def 14. Evaristo-Méndez G, Alba-García JEG, Sahagún-Flores JE, Ven-
4. Pavlidis TE, Atmatzidis KS, Papaziogas BT, Makris JG, Lazari- tura-Sauceda FA, Méndez-Ibarra JU, Sepúlveda-Castro RR. Efi-
dis CN, Papaziogas TB. The Effect of Preincisional Periportal cacia analgésica de la infiltración incisional de ropivacaína vs
Infiltration With Ropivacaine in Pain Relief After Laparoscopic ropivacaína con dexametasona en la colecistectomía laparos-
Procedures: A Prospective, Randomized Controlled Trial. JSLS. cópica electiva. Cir cir. 2013 Sep/Oct; 81(5):383-93.
2003 Oct/Dec; 7(4):305-10. 15. Ortiz J, Rajagopalan S. A Review of Local Anesthetic Techni-
5. Albuquerque TLC, Bezerra MF, Schots CCPZ, Von Sohsten AKA, ques for Analgesia After Laparoscopic Surgery. J Minim Invasive
Amorim JA, Damázio Filho O. Avaliação da analgesia pós-opera- Surg Sci. 2014 May; 3(2):e11310.
tória com instilação de ropivacaína intraperitoneal em colecis- 16. Gupta A. Local anaesthesia for pain relief after laparoscopic
tectomia videolaparoscópica. Rev Dor. 2016 abr./jun;17(2)117-20. cholecystectomy: a systematic review. Best Pract Res Clin Ana-
6. Bisgaard T, Klarskov B, Kristiansen VB, Callesen T, Schulze S, est. 2005 Jun; 19(2):275-92.
Kehlet H, Rosenberg J. Multi-regional local anesthetic infiltration 17. Lepner U, Goroshina J, Samarütel J. Postoperative pain relief
during laparoscopic cholecystectomy in patients receiving pro- after laparoscopic cholecystectomy: a randomized prospective
phylactic multi-modal analgesia: a randomized, double-blinded, doubleblind clinical trial. Scan J Surg. 2003 Apr; 92:121–4.
placebo-controlled study. Anesth Analg. 1999 Oct; 89(4):1017-24. 18. Hasaniya NW, Zayed FF, Faiz H, Severino R. Preinsertion local
7. Lamberts MP, Den Oudsten BL, Gerritsen JJGM, Roukema JA, anesthesia at the trocar site improves perioperative pain and
Westert GP, Drenth JPH, van Laarhoven CJHM. Prospective decreases costs of laparoscopic cholecystectomy. Surg Endosc.
multicentre cohort study of patient-reported outcomes after 2001 Sep; 15(9):962-4.
cholecystectomy for uncomplicated symptomatic cholecysto-
lithiasis. Br J Surg. 2015 Oct; 102(11):1402-9.

10 Rev Med Minas Gerais 2017; 27 (Supl 2): S4-S10

Você também pode gostar