Dissertacao Mestrado Cassia Rodrigues

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Casa de Oswaldo Cruz-FIOCRUZ

Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde

CÁSSIA REGINA DA S. RODRIGUES DE SOUZA

ACONSELHANDO AS MÃES: UMA ANÁLISE DOS MANUAIS DE MEDICINA


DOMÉSTICA ATRAVÉS DA GUIA MÉDICA DAS MÃIS DE FAMÍLIA

Rio de Janeiro
2018
CÁSSIA REGINA DA S. RODRIGUES DE SOUZA

ACONSELHANDO AS MÃES: UMA ANÁLISE DOS MANUAIS DE MEDICINA


DOMÉSTICA ATRAVÉS DA GUIA MÉDICA DAS MÃIS DE FAMÍLIA

Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de Pós-


Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de
Oswaldo Cruz-Fiocruz, como requisito parcial para
obtenção do Grau de Mestre. Área de Concentração:
História das Ciências.

Orientador: Prof. Dra.Kaori Kodama

Rio de Janeiro
2018

II
CÁSSIA REGINA DA S. RODRIGUES DE SOUZA

ACONSELHANDO AS MÃES: UMA ANÁLISE DOS MANUAIS DE MEDICINA


DOMÉSTICA ATRAVÉS DA GUIA MÉDICA DAS MÃIS DE FAMÍLIA

Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de Pós-


Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de
Oswaldo Cruz-Fiocruz, como requisito parcial para
obtenção do Grau de Mestre. Área de Concentração:
História das Ciências.

BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________________________
Profa. Dra. Kaori Kodama (Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde
da Casa de Oswaldo Cruz-Fiocruz) – Orientadora
___________________________________________________________________________
Prof. Dr.Flávio Edler (Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da
Casa de Oswaldo Cruz-Fiocruz)
___________________________________________________________________________
Profa. Dra.Iamara Viana (Departamento de História da Pontifícia Universidade Católica-
PUC/RJ)

Suplentes:
___________________________________________________________________________
Profa. Dra.Rachel Fróes da Fonseca (Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e
da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz-Fiocruz)

___________________________________________________________________________
Profa. Dra. Karoline Carula (Departamento de História da Universidade Federal Fluminense-
UFF)

Rio de Janeiro
2018

III
Ficha Catalográfica
S719a Souza, Cássia Regina de S. Rodrigues de.

Aconselhando as mães: uma análise dos manuais de medicina doméstica


através da Guia Médica das Mãis de Família / Cássia Regina de S. Rodrigues de
Souza. – Rio de Janeiro: s.n., 2018.
112 p.

Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da Saúde) - Fundação


Oswaldo Cruz. Casa de Oswaldo Cruz, 2018.
Bibliografia: 101-112f.

1. Guias de Prática Clínica como Assunto. 2. Serviços de Saúde Materno-


infantil - história. 3. Mortalidade Infantil – história. 4. História do Século XIX. 5.
Brasil.

CDD
610.981

Catalogação na fonte - Marise Terra Lachini – CRB6-351

IV
Soli Deo Gloria

V
AGRADECIMENTOS

Ao chegar na fase final desse trabalho, tenho a difícil tarefa de resumir nesse espaço as
suas etapas e tentar nomear aqueles que passaram por elas e que de maneira alguma, podem
ser esquecidos pois, como já dizia o poeta:“gratidão é a memória do coração”.

Contrario a máxima que diz que “todo historiador é ateu”. Não tenho como chegar ao
término dessa etapa e não reconhecer a presença de um Deus, que creio ser Único, Soberano e
pessoal, que intervêm e Se mistura na história humana e em nossa vida cotidiana. Esse Deus,
através de seu impressionante, infinito e ousado amor, a quem eu posso chamar “Aba, Pai”, tem
me alcançado. É o Deus de toda a sabedoria, aquela que é distinta da inteligência humana. É
ela que nos ajuda a tomar decisões certas e achar caminhos nunca pensados diante das dúvidas.
Para os pesquisadores, ela pode ser aquela “lâmpada” que se acende quando não temos resposta
diante do objeto pesquisado e que nos faz exclamar “como eu não pensei nisso antes!”. À esse
Deus doador de toda sabedoria, que se mistura na minha história, seja a glória eternamente.

A minha pequena, mas presente família:

Meu esposo Dário, meu apoiador e ouvinte. A ele devo quase a co-autoria dessa
pesquisa por suas incontáveis contribuições. Grata por acreditar em mim e sonhar os meus
sonhos. Não desprezemos os pequenos começos! Deus tem lugares ainda mais altos para nós!

A minha mãe, que mesmo sem entender muito o porquê estudo tanto, sempre esteve
presente, descomplicando e facilitando a vida de modo que os compromissos do mestrado
pudessem ser atendidos.O meu amor pela História e a sede pela leitura devo a ela.

A minha prima Bruna, como mestranda, também compartilha das alegrias e dificuldades
da pós-graduação. Obrigada pelo apoio, sugestões, correções no texto e confecção de tabelas.
Para ela digo uma frase que sempre ouvimos: “Vamos com tudo!”.

Ao meu primo Bruno, minha tia Tânia e ao Zeca, agradeço pelo apoio, pelos “vamos lá,
você consegue!”. Grata a Deus por vocês!

Agradeço especialmente a minha orientadora Dra. Kaori Kodama, que desde a pós-
graduação na COC, tem conduzido com primazia essa pesquisa e aprimorado esse tema. Sem
dúvida, sua participação tem feito com que um manual desconhecido, perdido no acervo da

VI
Biblioteca da Universidade de Ohio adquira vida e se torne inspiração para novos estudos.
Muito obrigada pela paciência e por prontamente me atender toda vez que era solicitada.
Profissionalismo e ética são os adjetivos que a definem.

À coordenadora do PPGHCS, Gisele Sanglard pelo incentivo ao dizer a frase que


marcou o início dessa caminhada : “Não deixe de tentar o processo seletivo desse ano”. O meu
muito obrigada!

Aos colegas que tornaram o PPGHCS ainda mais respeitado e um ambiente onde o gosto
pela pesquisa é estimulado. Em especial, a Caroline, Ticiane e a doce Harumi, que com sua
amizade e simpatia conquista todos ao seu redor.

Ao Paulo, Sandro, a Maria Cláudia e a Amanda. Sempre tão solícitos e com um sorriso
no rosto ao nos atender. O profissionalismo de vocês fazem dessa casa um lugar de excelência!

À Fiocruz que através da bolsa de fomento à pesquisa permitiu a condução e a


finalização desse estudo.

À querida Iamara Viana, que o “Google” me apresentou. Companheira de estudos sobre


o até então, não muito conhecido Jean Baptiste Alban Imbert .Sempre tão acessível e disposta
a partilhar seus conhecimentos! Pessoas como ela, fazem da caminhada acadêmica ainda mais
prazerosa.

Ao Ricardo Cabral de Freitas, egresso da COC, mesmo sem conhecê-lo pessoalmente,


disponibilizou materiais importantíssimos para essa pesquisa. Imensamente grata!

Aos membros da banca: mais uma vez, à Dra. IamaraViana, Dr. Flavio Edler,
Dra.Rachel Froes e Dra. Karoline Carula por terem disponibilizado seu tempo e pelas grandes
contribuições que darão para esse estudo.

O meu muito obrigada! Gratidão pela vida de cada um!

VII
RESUMO

Este estudo procura analisar os manuais de medicina doméstica produzidos a partir do final do
século XVIII, tendo como fonte principal a Guia Médica das Mãis de Família publicada em
1843 pelo médico francês Jean Baptiste Alban Imbert. No Brasil do século XIX, esses manuais
representaram uma das únicas formas de acesso da grande maioria da população à medicina
acadêmica. Entre seus objetivos principais estavam: introduzir noções de medicina de forma
compreensível para os leigos e instruir os leitores contra os perigos do charlatanismo. A Guia
Médica é direcionada a instrução das mães e gestantes e contém prescrições a serem
observadas durante a gravidez, puerpério e primeira infância. Inspirada por Rosseau e por
outros importantes autores de compêndios de medicina europeus do século XVIII, a obra se
propõe a orientar as mães de acordo com a ciência higiênica. Este estudo privilegia a busca pela
compreensão do surgimento e usos desses manuais dentro de uma sociedade marcada por uma
medicina ainda em processo de institucionalização que contracenava com sujeitos que
disputavam sua prática e pela escassez de médicos no grande território rural brasileiro do século
XIX. A Guia Médica das Mãis de Família, inserida nesse contexto, representava a preocupação
do dr. Imbert com a mortalidade infantil que assolava a sociedade brasileira nesse período e a
tentativa combater esse mal através do desenvolvimento de uma maternidade segundo os
princípios científicos.

VIII
ABSTRACT

This study aims to analyze the domestic medicine manuals produced from late Nineteenth
century, carrying as main source the Guia Médica das Mãis de Família, published in 1843
through the french doctor Jean Baptiste Alban Imbert. In Brazil on XIX, these manuals
represented one of the access way of the most population to academic medicine. Among their
main objectives are: introducing notion of medicine in a comprehensive form to dummies and
instructing the readers against the dangers of quackery.The Guia Médica is headed to
instruction of mothers and pregnant women and carries prescriptions to be observed during the
pregnancy, puerperium and early childhood. Inspired by Rosseau and by others important
authors of European medicine compendiums from 18th century, the work proposes to guide the
mothers according to hygienic science. This work favors the search for understanding the
emergence and use of these manuals inserted in a society marked by a medicine in process of
institutionalization, that acted with subjects who disputed its practice, and for the shortage of
doctors in the big Brazilian country territory of 19th century. The Guia Médica das Mãis de
Família, inserted in this context, represented the preoccupation of Dr. Imbert as regards the
infant mortality that afflicted the Brazilian society on this period and the attempt of fight this
issue through the development of a maternity according to the scientific principles.

IX
LISTA DE TABELAS

Tabela 1- Teses da Faculdade de Medicina relacionadas as temáticas: gravidez, parto,


aleitamento e cuidados com a primeira infância (1833-
1849)........................................................................................................................................ 60

Tabela 2- Periódicos produzidos a partir da década de 1830.................................................. 78

X
SUMÁRIO

Introdução................................................................................................................................. 1

Capítulo 1- Os manuais de medicina doméstica como literatura do tipo “faça você


mesmo”..................................................................................................................................... 9
1.1-Os manuais de medicina doméstica no contexto do processo de institucionalização da
medicina..................................................................................................................................... 9
1.2- Os manuais como obras auto instrutivas: Aspectos gerais, circulação e práticas de
leitura........................................................................................................................................ 20

Capítulo 2- A Guia Médica das Mãis de Família e o Pensamento Médico sobre a


Maternidade no Século XIX.................................................................................................. 37

2.1- Por dentro da Guia Médica das Mãis de Família: ........................................................... 37


2.2- Imbert e a carreira médica no século XIX......................................................................... 46

2.3- A construção da maternidade higiênica segundo a Guia Medica das Mãis de Família.... 50

Capítulo 3- A Guia Médica das Mãis de Família: Por Caminhos e Trajetórias................. 78

3.1- Entre livros, livreiros e leitores: A trajetória editorial e comercial da Guia Médica........ 78

3.2- Difusão dos manuais de medicina doméstica: A Guia Médica das Mãis de Família, um
caso bem-sucedido?.................................................................................................................. 85

Considerações Finais.............................................................................................................. 95

Referências.............................................................................................................................. 98

XI
INTRODUÇÃO

Desde a graduação em História, os temas voltados para o estudo sobre a presença


feminina no Brazil do século XIX sempre fizeram parte de minhas pesquisas, normalmente
conduzidos por um viés baseado em uma atuação mais dinâmica das mulheres. Contrariando
essa tendência, a opção pela atual temática nasceu do desejo de conhecer um pouco mais sobre
o pensamento médico sobre a mulher enquanto elemento passível da intervenção da classe
médica e de políticas públicas. Seu corpo, sobretudo em face de uma gravidez, tornou-se alvo
dessas intervenções e paciente de uma medicina que se impunha como tutora na direção de seus
comportamentos e ações (RODHEN, 2009). Nesse sentido, essa temática foi sendo
desenvolvida e adquirindo consistência nessa pesquisa.

Esse desenvolvimento ocorreu durante o curso de pós-graduação em Preservação e


Gestão do Patrimônio Cultural das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz
(COC/Fiocruz). Naquele momento, a pesquisa apoiava-se na análise dos discursos higiênicos
direcionados à maternidade presentes nos periódicos “A Mãi de Família” e “A Família”, ambos
jornais destinados ao público feminino, sendo o primeiro, escrito pelo médico Carlos Costa, já
o segundo, escrito por uma mulher, Josefina Álvares de Azevedo e apresentava propostas mais
progressivas, como: a defesa à educação, trabalho e o voto feminino. A temática foi sofrendo
modificações, atualizações e um amadurecimento maior até chegar o atual estágio. Dentre
essas, a mais significativa e que alterou todo o rumo da pesquisa foi a escolha de uma outra
fonte histórica e a opção por sua análise individualizada. Essa descoberta feita por um acaso no
acervo digital da Biblioteca da Universidade de Ohio, me permitiu atentar para a especificidade
de um gênero literário até então praticamente desconhecido por mim: os manuais de medicina
doméstica. A Guia Médica das Mãis de Família (1843) de autoria do médico francês Jean
Baptiste Alban Imbert, também é pouco explorada por nossa historiografia. Dentre as principais
referências à obra, as quais não podemos qualificar como estudos, estão os clássicos: Casa
Grande & Senzala (1933) de Gilberto Freyre e História Geral da Medicina Brasileira (1977)
de Lycurgo Santos Filho. Tal fonte revelou-se um material grandemente profícuo para o estudo
sobre o pensamento médico no tocante à maternidade no século XIX.

A ausência de estudos mais consistentes sobre a obra gerou inúmeras inquietações e


questionamentos que acompanharam sua análise que, por se tratar de um manual, exigia o
conhecimento mais aprofundado desse gênero. Inicialmente, a busca por referências em língua
-1-
portuguesa demonstrou-se frustrante. O reduzido número de títulos que abordam o tema
especificamente ou que apresentam uma análise mais sólida, tornou-se o maior obstáculo, com
ressalvas para os estudos de Maria Renilda Nery Barreto (2005, 2007), sobre os manuais
portugueses de obstetrícia, Antonio Gomes Ferreira (2000, 2003) sobre higiene e controle da
infância e Iamara Viana (2016) que utiliza a obra mais conhecida de J.B.A Imbert, o Manual
do Fazendeiro (1834 e 1839) como objeto de análise. Seu estudo é de grande valor pois,
apresenta dados sobre a vida pessoal do médico antes de sua chegada ao Brasil o que permitiu-
nos reconstruir parte de sua trajetória.

Já em língua inglesa temos sobretudo, os trabalhos relevantes de Roy Porter com ênfase
em Patients and Practitioners: Lay Perceptions of Medicine in Pre-Industrial Society (1986)
e The Popularization of Medicine (1992). Por meio dessas bibliografias demonstrou-se a
necessidade imprescindível de retroceder a análise abarcando também as décadas finais do
século XVIII. Nesse sentido, foi possível perceber que os debates acerca da maternidade como
função primordial da mulher não foi uma invenção de finais dos Dezenove, sendo desenvolvida
ainda no século anterior.

A Guia Médica das Mães de Família ou A Infância Considerada na sua Hygiene, suas
Moléstias e Tratamentos foi publicada pela Typographia Franceza. Seu autor, formado pela
Universidade de Montpellier, foi um dos mais antigos membros da Academia Imperial de
Medicina (AIM). Segundo ele, sua principal missão era de suprir a carência dos manuais de
medicina doméstica no país: “o Brasil reclama os socorros de huma medicina doméstica, sábia
e prudente, na ausência e privação, bem sentidas e reconhecidas, da medicina em diploma, que
até agora tem preferido concentrar-se nas grandes cidades deste vasto Império (...)”1. A obra é
dividida em três partes e oferece orientações sobre a gravidez, parto, cuidados com o recém-
nascido até os primeiros anos da infância, além de tratar das enfermidades mais comuns em
crianças, sempre direcionados pela ciência higiênica. O manual ainda apresenta um formulário
e um adendo sobre a Homeopatia. No Formulário Medical, Imbert, reuniu uma compilação de
receitas de medicações, que, segundo ele, o paciente poderia recorrer sem nenhum embaraço
de acordo com a doença apresentada2. Para tanto, as receitas observavam uma classificação
científica de fácil compreensão e em linguagem vulgar.

1
IMBERT, Jean Baptiste Alban. A Guia Médica das Mães de Família ou A Infância Considerada na sua Hygiene,
suas Moléstias e Tratamentos. Rio de Janeiro: Typographia Franceza, 1843, p.10;
2
Ibidem, p.300;
-2-
Um dos graves problemas que assolavam a sociedade naquele momento era a
mortalidade infantil que constituía um motivo de apreensão por parte da classe médica. Na obra,
o esculápio apresenta de forma pedagógica as orientações destinadas às mães no cuidado com
os bebês e a infância de um modo geral, numa tentativa de redução dessa mortalidade. Ele
afirma que buscou incluir no manual os preceitos mais simples, mais fáceis e menos arriscados
em sua aplicação que, na verdade, constituíam os preceitos gerais que escritores antes dele
tinham proferido, porém, não redigidos com uma linguagem técnica ou científica mas, voltados
para utilização de leigos, não iniciados na matéria médica3. Isso, de fato, constituía a principal
função dos manuais de medicina doméstica ou popular. Voltados para a difusão da medicina
entre os leigos, eram elaborados de modo a facilitar a leitura através de uma linguagem de fácil
compreensão. Como características gerais apresentavam a descrição das moléstias, bem como
os conselhos e medicamentos que deveriam ser empregados em cada uma delas e sua respectiva
formulação (GUIMARÃES, 2005).
De forma semelhante a outros manuais de medicina doméstica, como Buchan, Tissot e
Cullen, a disposição textual da Guia Médica tem em comum o fato de apresentar temas
divididos pedagogicamente em títulos direcionados a facilitar a interpretação do cidadão
comum na ausência de um de médico (GUIMARÃES, 2005:503; ABREU, 2011:127). Roy
Porter (1992) reitera essa classificação afirmando que essas publicações tinham o objetivo de
transmitir noções de medicina e de higiene à população tendo como base procedimentos simples
com o intuito de tornar mais acessíveis os conhecimentos para a conservação da saúde. A
indicação de uma conduta terapêutica também é bem definida, onde a ideia da higiene como a
mola mestra da saúde ficava clara. O dr. Imbert adverte sobre a importância da observação dos
preceitos higiênicos, como sendo responsáveis pela saúde das cidades e preservação da vida
humana.
Segundo o autor, sua chegada ao Brasil em 1831 tinha como objetivo estudar “a maneira
com que se pratica a Medicina popular no Brasil”4. Nesse momento, o autor se depara com uma
medicina ainda em processo de institucionalização, caracterizado por uma forte
heterogeneidade marcada por conflitos, negociações e convivências onde diversos sujeitos

3
IMBERT. A Guia Médica. op.cit., p.12;
4
IMBERT, Jean Baptiste Alban. Manual do Fazendeiro ou Tratado Doméstico sobre as Enfermidades dos Negros,
2ª ed. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1839, p.XVI; Disponível em:
https://archive.org/stream/DELTA539211FA/BSG_DELTA53921_1FA_0001#page/n0/mode/2up. Iamara Viana
(2016) ressalta que as doenças populares que acometiam os negros constituíam uma das principais motivações do
estudo de Imbert e motivo de sua apreensão devido aos altos índices de mortalidade que atingiam esse grupo.

-3-
contracenavam com o reduzido número de médicos, em sua maioria, portugueses e franceses.
Dentre os indivíduos praticantes da medicina leiga estavam: barbeiros, boticários, cirurgiões
sangradores, herboristas, curandeiros, parteiras, entre outros. Bruno Barreiros (2014) aponta
que até as primeiras décadas do século XIX, a escassez de médicos constituía uma referência
habitual nos relatórios das autoridades portuguesas o que favorecia a permanência de práticas
não sancionadas pelas instituições oficiais. Nessa perspectiva, os manuais de medicina
doméstica também procuravam prestar essa função: enquanto elucidavam as atribuições da
ciência introduzindo noções de medicina de forma compreensível para os leigos, uniam os
leitores contra o charlatanismo (GUIMARÃES, 2016).
A Guia Médica está inserida nesse amplo contexto, onde a “medicina de
diploma”buscava sua afirmação procurando distanciar-se cada vez mais das práticas de
medicina populares, herança de um passado colonial tido como atrasado. Imbert recorre a temas
pertencentes à Higiene, ciência em voga nos países “civilizados”e que também estiveram
presentes em boa parte dos tratados médicos de finais dos XVIII e XIX (FERREIRA, 2000),
tais como: a atenção ao ar, ao clima, os exercícios, a alimentação e todo o regime relativo à
gravidez, ao parto, bem como os cuidados com o bebê no pós-parto. Tais temas também foram
parte constituinte da pauta de uma agenda médica que tinha como preocupação “a profilaxia
das doenças contagiosas, (...) o estudo da atmosfera, das águas, das habitações, dos hospitais,
das prisões, dos portos, da alimentação, das atividades físicas e da higiene pessoal”(BARRETO,
2005:29). Antônio Gomes Ferreira (2003:12) afirma que, embora as obras de puericultura não
apresentassem ideias muito originais, “estes médicos pensavam na racionalidade das práticas
usadas ou recomendadas com base numa modernizante postura crítica e indagadora.” A nova
ciência ditava a redação dessas obras.

Em Imbert, a Higiene se apresenta como ramo da Medicina capaz de contribuir para o


progresso e conservação da raça humana, e pelo consequente aumento populacional. Os
conselhos higiênicos apresentados no manual eram distintos dos cuidados maternais que,
segundo ele, seriam insuficientes para assegurar a saúde das crianças resumindo-se à costumes
passados de mãe para filha5. Para tanto, o médico propunha um “código higiênico” que deveria
ser observado durante a gravidez, puerpério e nos primeiros anos da infância. Seu discurso

5
IMBERT. A Guia Médica das Mães de Família, op.cit., p.16;

-4-
possuía um objetivo bem definido: a construção de uma maternidade orientada pelos princípios
higiênicos, tutelada por uma mãe capaz de responder pela formação física e moral da criança.

O pensamento de Imbert representa as ansiedades de uma época, onde a mortalidade


infantil constituía um dos reflexos da preocupação com o bem-estar das populações, que tomou
forma a partir dos setecentos (PITA, 2006). A fragilidade infantil e a carência de cuidados
adequados foram algumas das hipóteses apresentadas como responsáveis por essa mortalidade,
ligadas diretamente, a uma ausência de um sentimento de maternidade. Esse sentimento, por
sua vez, foi apontado como uma construção relativamente recente da sociedade ocidental,
sendo desenvolvido gradativamente a partir do discurso médico e filosófico do século XVIII
(ÀRIES,1981; BADINTER,1985).
Os médicos acreditavam que o amor da mãe não era suficiente para uma boa formação
dos filhos. Assim, como portadores da verdade científica propunham-se a ensinar os princípios
higiênicos a fim de garantir crianças saudáveis, dirimindo dessa forma, os efeitos da
mortalidade. É nesse contexto que o “código higiênico” do dr.Imbert é apresentado em a Guia
Médica, fornecendo prescrições médicas necessárias para que a mãe, assim guiada pela
Higiene, pudesse garantir uma boa saúde tanto para si, quanto ao novo ser que ela gerava. Em
linhas gerais, o código se referia às regras relativas à gravidez até os primeiros anos da infância
e todas as noções que envolviam a identificação de doenças e seus possíveis tratamentos.
Procurei dividi-lo em três partes ou blocos, a saber6: gravidez, parto e higiene da infância; por
considerar esses tópicos substanciais na construção de uma maternidade tida como ideal de
acordo com o discurso do dr. Imbert e que foi a balizadora de sua obra.

Na construção dessa maternidade ideal ou mais propriamente higiênica, importa analisar


a figura de J.B.A Imbert enquanto médico e também como senhor de escravos. Isso poderá nos
fornecer dados que nos permitam compreender sua obra. O entendimento de quem é o “autor”,
que compreende os modos de existência, o funcionamento de certos discursos e as estratégias
utilizadas por alguns indivíduos dentro de uma determinada configuração social (CHARTIER,
2012) nos auxiliarão na reconstrução de seu discurso. Dessa forma, será possível inferir sobre
determinados posicionamentos assumidos pelo médico mediante alguns temas tratados no
manual. Discutirei nesse caso, a sua postura perante temas conflituosos para a classe médica

6
O código citado perpassa por temas, tais como os que acabamos de mencionar, bem como, por àqueles
relacionados às patologias cutâneas, patologias de cabeça e tronco, patologias do aparelho digestivo, por um
formulário médico com as medicações indicadas para cada enfermidade, e, por fim, por um adendo sobre
homeopatia.
-5-
daquele momento, tais como: a relação com as parteiras, incluídas dentro da classe de agentes
de cura não legitimados pela medicina oficial e as amas de leite, figuras que estiveram por um
longo período inseridas dentro de um contexto onde seus serviços eram requisitados porém,
mais tarde sendo condenados por sua associação à escravidão.

Este estudo privilegia a busca pela compreensão do surgimento e usos dos manuais de
medicina doméstica dentro de uma sociedade marcada por uma medicina ainda em processo de
institucionalização que contracenava com sujeitos que disputavam sua prática e pela escassez
de médicos no grande território rural brasileiro do século XIX. Pelas lentes da Guia Médica das
Mãis de Família, inserida nesse contexto, procurarei investigar as características e funções
propostas pelos manuais pedagógicos de educação das mães que foram definidos sobretudo,
por um discurso contra a mortalidade infantil e a tentativa combater esse mal através do
desenvolvimento de uma maternidade segundo os princípios científicos. Como suporte para
essa análise utilizei importantes obras do século XVIII que circularam no Brasil, dentre elas:
Medicina Doméstica de Willian Buchan (1785), Aviso ao Povo sobre sua Saúde de Samuel
August Tissot (1777) e Tratado da Educação Fysica dos Meninos, para Uso da Nação
Portugueza (1790), além das teses publicadas pela Faculdade de Medicina até a metade do
século XIX, por representarem uma amostra do conhecimento médico produzido nesse período.
Ainda utilizei periódicos publicados a partir da década de 1830 até o final do século XIX, na
tentativa de verificar a circulação das obras do dr. Imbert, sobretudo a Guia Médica, a fim de
perceber sua possível audiência em território nacional.
Este trabalho foi dividido nos três capítulos a seguir:
No primeiro, sob o título “Os manuais de medicina doméstica como literatura do tipo
‘faça você mesmo’”contextualizo a presença dessa literatura no Brasil do século XIX,
apresentando-a como uma das principais formas de difusão do saber médico acadêmico em
regiões rurais onde a presença de um médico era quase inexistente. Foram utilizados pela
medicina oficial na transmissão do único conhecimento médico legitimado, enquanto alertavam
contra os perigos de práticas por ela não sancionadas. Essas práticas realizadas por diversos
indíviduos representavam a feição da medicina produzida em terras brasileiras até cerca de
meados dos Oitocentos, numa completa interseção de saberes com a medicina de herança
lusitana. Já em um segundo momento analiso a especificidade dos manuais pedagógicos,
apresentando seus aspectos principais com destaque para uma preocupação com a “saúde dos
povos” traduzidas em“preocupações didáticas” apresentadas pelos médicos que julgavam ser
necessária à sua intervenção (MARQUES, 2004). Analiso também a circulação dessas
-6-
literaturas dentro de um contexto maior, devido à escassez de registros de sua presença nas
bibliotecas públicas ou particulares e em livrarias. Nessa análise, o exame das práticas de leitura
também torna-se importante para verificar o acesso e a recorrência às literaturas médicas..

No capítulo dois examino mais profundamente o discurso do dr.Imbert que é conduzido


pelo tema da maternidade. Nesse exame, procurei identificar uma das principais propostas da
obra que, por sua vez, foi traduzida na elaboração do “código higiênico”proposto no manual.
Porém, primeiramente, apresento algumas características referentes à Guia Médica, tais como:
formato gráfico, preço, locais de venda, além da descrição dos capítulos e principais temas
abordados. Após, juntamente com o levantamento dos dados referentes a vida pessoal de
Imbert, investigo sua atuação enquanto membro da Academia Imperial de Medicina e no
exercício de sua profissão na tentativa de construção do “autor” que irá nos auxiliar na
compreensão de seu discurso. Ao analisar sua atuação como médico, procuro pensar suas
relações no interior da AIM tendo como elemento condutor as características que identificavam
a competência profissional de um médico no século XIX. Por fim, destaco a proposição de
“código higiênico” citado anteriormente, como sendo o núcleo do pensamento de Imbert em a
Guia Médica. Na construção de uma ideia de maternidade guiada por princípios científicos, a
atuação do médico como senhor de escravos é evidenciada. Suas relações com o sistema
escravista também é discutida nesse capítulo.

Finalmente, no terceiro e último capítulo, tento reconstruir a trajetória editorial e


comercial de a Guia Médica por meio dos jornais publicados a partir da década de 1830 até
final do século XIX.7Sobre a escolha de um jornal como fonte histórica, Capelato e Prado
(1980:19) o justificam não como “mero ‘veículo de informações’, transmissor imparcial e
neutro dos acontecimentos, nível isolado da realidade político-social na qual se insere”.Nesse
sentido, compreende-se a utilização dessa fonte como um material capaz de revelar não somente
os caminhos percorridos pela obra mas, as estratégias utilizadas pelo autor e editores na
transmissão de uma ideia representativa dos interesses de um determinado grupo. Como parte
desses interesses, discuto a intenção dos autores dos compêndios de medicina populares de
destiná-los a um público não iniciado nos assuntos médicos, sob a alcunha de “popular”. Quais
os possíveis significados e a extensão do termo serão analisados nesse tópico, bem como sua
influência na questão da autoridade científica atribuída ao autor. Por último, por meio do

7
A escolha desse recorte temporal considerou a chegada de Imbert ao Brasil (1831), bem como a publicação de
sua primeira obra no país, O Manual do Fazendeiro de 1834.
-7-
levantamento da trajetória da obra, procuro avaliar a audiência da Guia Médica, considerando
o seu empreendimento como promissor na divulgação da ciência no século XIX.

Sendo assim, essa pesquisa pretende ingressar no campo de História da Medicina


contribuindo para o estudo de um material tão representativo que são os compêndios de
medicina doméstica ainda pouco explorados por nossa historiografia. Por meio dessa literatura
é possível perceber a atuação da medicina acadêmica no cenário das práticas de cura. Em se
tratando dos manuais pedagógicos de educação feminina, o estudo sobre a Guia Médica
constitui um fio condutor para a análise da maternidade tida como função principal da mulher
entre os séculos XVIII e XIX. Por meio dela, compreendemos o tratamento dispensado às mães
que poderia variar de acordo com sua cor e classe social. Outra contribuição que poderá advir
dos estudos dos manuais de medicina doméstica é a reflexão sobre popularização da ciência no
século XIX e como esses títulos foram instrumentos de divulgação de uma ciência antes restrita
aos círculos letrados.

-8-
CAPÍTULO 1- Os manuais de medicina doméstica como literatura do tipo “faça você
mesmo”.

1.1-Os manuais de medicina doméstica no contexto do processo de institucionalização da


medicina.

“Os manuais de medicina do Império traduzem uma maneira própria de se compreenderem os médicos,
aspráticas leigas de cura, as autoridades sanitárias e as formas como a sociedade do período lidava com a
doença”

Maria Regina Cotrim Guimarães

O século XIX presenciou a emergência e consolidação de um tipo de literatura que


dentre seus objetivos consistia em formar um indivíduo autônomo, capaz de aprender sozinho,
sem a mediação de um especialista. Com a utilização de uma linguagem fácil e precisa, fornecia
o passo a passo de uma determinada atividade. Alessandra El Far (2004) ressalta a existência
desse tipo de publicação durante boa parte do período imperial, ao fazer menção aos manuais
de civilidade que circulavam na corte de Pedro II, escritos para auxiliar a elite brasileira a se
comportar nos eventos públicos. Esses compêndios, ditavam regras de higiene, o ritmo das
conversações, as boas maneiras na hora das refeições e o vestuário da moda para os exercitados
nas artes da civilidade.

Dentre esses, temos os manuais voltados especificamente para a difusão da medicina


entre os leigos, os chamados manuais de medicina doméstica ou popular, que eram elaborados
de modo a facilitar a leitura através de uma linguagem de fácil compreensão. Apresentavam
como características gerais a descrição das moléstias, bem como os conselhos e medicamentos
que deveriam ser empregados em cada uma delas e sua respectiva formulação (GUIMARÃES,
2005).

Guimarães (2016:63) e Schwarcz (1997) assinalam que foi no século XIX que ocorreu
a proliferação desses manuais, principalmente aqueles pautados nas concepções e regras de
higiene, em códigos de elegância e polimento como modelos de uma sociedade civilizada.
Guimarães elenca três princípios de cunho civilizador que podem ser observados nessas
literaturas: elucidar as atribuições da ciência, com informações corretas dentro do contexto do
período; unir os leitores contra o charlatanismo que constituía um dos principais objetivos

-9-
estabelecidos pelos manuais de medicina doméstica e por fim, introduzir noções de medicina
de forma compreensível para os leigos (GUIMARÃES, 2016).

Os manuais de medicina doméstica representavam a difusão do saber médico


acadêmico, antes circunscrito aos centros de algumas províncias, em regiões rurais onde a
presença de um médico era quase inexistente. Sobre essa realidade Jean Baptiste Alban Imbert
declarava em seu Manual do Fazendeiro:

Deste estado de cousas resulta que os proprietários das Fazendas estão


isolados, posto que em meio de escravos indispensáveis ao trabalho de suas
terras. Privados de todo o socorro, ou pelo menos, só podendo mui
dificilmente have-lo, por causa da distancia em que estão as cidades e Villas,
e da falta de comunicações commodas, eles têm de acudir a si mesmo, e lhes
he forçoso exercer a Medicina, não só em benefício seu e de suas famílias
como também não podem dispensar de tratar do negros, muito mais
suscetíveis de contrahir as moléstias, que afligem a espécie humana.8
Penetraram nos ambientes domésticos circulando entre as salas, alcovas, cozinhas e nas
senzalas, onde eram utilizados por fazendeiros no tratamento de escravos doentes. Foram
apropriados e ressignificados por indivíduos leigos que já praticavam artes de cura inspiradas
no saber médico oficial. No tocante a isso, Flávio Edler destaca a função dos manuais no
prefácio de Civilizando as Artes de Curar de Maria Regina C. Guimarães:

os livros de medicina auto instrutivos, satisfaziam, assim, aos interesses dos


donos de escravos, que pretendiam manter a saúde de sua força de trabalho
com o mínimo de despesas, e dos poucos letrados que em variadas
circunstâncias exerciam diversos ofícios de cura voltados para o enorme
contingente de pobres desamparados (GUIMARÃES, 2016:11).
É em meados do século XIX, no ano de 1843 que surge um desses manuais. Voltado
especificamente para os cuidados com as crianças, a Guia Médica das Mãis de Família,
principal objeto desse estudo, foi escrita pelo já citado médico francês Jean Baptiste Alban
Imbert. Como médico e membro da Academia Imperial de Medicina, Imbert se lança na
proposta de escrever para mães uma obra direcionada a sua instrução, contendo prescrições a
serem observadas durante a gravidez, puerpério e primeira infância. Inspirada por Rosseau9 e
por importantes autores de compêndios de medicina europeus do século XVIII, tais como

8
Imbert. O Manual do Fazendeiro. op.cit., p. XIII-XIV;
9
Jean Jacques Rousseau em Emílio, ou da Educação, obra publicada em 1762, considerada um romance
pedagógico serviu de inspiração para o doutor Imbert (Guia Médica das Mãis de Familia, p.46) e para diversos
escritores acadêmicos no que tange ao ensino da educação higiênica, sendo frequentemente mencionado nos
manuais de medicina doméstica e, principalmente em teses da Faculdade de Medicina. O livro aborda de forma
didática diversos temas relacionados à educação que também fizeram parte das discussões da classe médica
contemporânea à Guia Médica.
- 10 -
Willian Buchan e Samuel Auguste Tissot, a Guia Médica se propõe a orientar as futuras mães
no cuidado de sua saúde e de seus filhos de acordo com a ciência higiênica. Este primeiro
capítulo se propõe a investigar o contexto no qual o livro do dr. Imbert e outros compêndios de
medicina doméstica foram inseridos, privilegiando a busca pela compreensão de seu
surgimento e seus usos dentro de uma sociedade marcada por uma medicina ainda em processo
de institucionalização que contracenava com sujeitos que disputavam sua prática e pela escassez
de médicos no grande território rural brasileiro do século XIX.

A Guia Médica foi introduzida nesse complexo cenário que aponta para o heterogêneo
processo de institucionalização da medicina no Brasil, caracterizado por conflitos, negociações
e convivências. No entanto, tal cenário não se estabelece nos Oitocentos, suas raízes remontam
períodos anteriores, caracterizado pela herança lusitana e influenciada profundamente pelas
práticas leigas de cura exercidas em sua maioria por escravos e ex-cativos.

Para delinearmos o perfil da medicina exercida no Brasil nesse período é necessário


inicialmente, também compreendermos melhor quais são essas heranças, investigando o perfil
da medicina que chegou ao Brasil trazida por bagagens portuguesas, suas características e as
práticas de cura que aqui foram apresentadas aos médicos que desembarcavam. Tal análise
torna-se válida na tentativa de traçar um quadro da complexa medicina praticada em nossas
terras em finais do século XVIII e XIX, anterior a organização profissional e regulamentação
do ensino médico no país (BARRETO, 2005:16).10

O quadro dos agentes de cura nas colônias portuguesas não apresentava grandes
diferenciações em relação à metrópole até cerca de finais dos oitocentos. Esse quadro era
composto pelo reduzido número de médicos, em sua maioria, portugueses e franceses, bem
como, por diversos sujeitos tais como: barbeiros, boticários, cirurgiões sangradores, herboristas,
curandeiros, parteiras, entre outros. Bruno Barreiros (2014) aponta que até as primeiras décadas
do século XIX, a escassez de médicos constituía uma referência habitual nos relatórios das
autoridades portuguesas o que favorecia a permanência de práticas não sancionadas pelas
instituições oficiais. A análise da produção do saber médico português no século XVIII também

10
Me apoio na hipótese apresentada por Maria Renilda Nery Barreto de que havia uma intrínseca relação entre
Brasil e Portugal no que tange às doutrinas médicas. Primeiramente, por um motivo óbvio, visto que, entre 1500
e 1822, o Brasil foi território de domínio português, e os médicos e cirurgiões enviados para exercerem o ofício
no país eram representantes de crenças e práticas médicas vigentes em Portugal. E, segundo, a organização das
Escolas Cirúrgicas do Rio de Janeiro e da Bahia, criadas após a chegada da Família Real Portuguesa em 1808,
foram fundadas e administradas por autoridade e legislação portuguesas;

- 11 -
pode nos fornecer importantes elementos que auxiliarão na compreensão do estado da medicina
nos domínios lusos.

O ensino da medicina na Universidade de Coimbra, um dos principais centros de


produção do saber na Europa e origem acadêmica de muitos médicos que desembarcaram no
Brasil, durante um longo período foi fundamentado pela leitura de autores da Antiguidade como
Hipócrates e Galeno, além de seus comentadores árabes na Idade Média, como Avicena, médico
que atuou na Pérsia e foi um dos grandes responsáveis pela convergência das tradições
hipocráticas e galênica com a árabe. Esse ensino foi criticado por diversas vezes por ser
considerado obsoleto em um momento em que diversas regiões da Europa passavam por
transformações advindas do estudo da Anatomia. Os anatomistas foram considerados a
vanguarda do novo “espírito científico” que emergiu na Europa e foi responsável por grandes
avanços na medicina moderna. Jean Luiz Neves Abreu (2011:19,20) advoga a ideia de um certo
atraso na medicina portuguesa em relação a outros centros europeus. Segundo o autor, o ensino
adotado na Universidade de Coimbra e os obstáculos epistemológicos impostos pelas
concepções aristotélicas contribuíram para a permanência de determinadas orientações no
ensino da medicina. Apesar de uma relativa abertura dos jesuítas no restante da Europa que
propunham conciliar as doutrinas aristotélicas com a ciência nos moldes do cartesianismo, o
ensino de Portugal não incorporou tais mudanças. Luis Carlos Villalta (1997), igualmente,
concorda ao afirmar que predominava em Portugal de meados dos XVIII um “uma perspectiva
escolástica, contrária à experimentação e, em grande medida, ao livre pensamento”. Entretanto,
ambos os autores são categóricos em afirmar que apesar da insistência nos ensinos de
Hipócrates e Aristóteles, não houve em Portugal um completo isolamento em relação ao que
ocorria além de suas terras. Os conhecimentos sobre Anatomia circulavam entre os portos
portugueses, franceses, holandeses e italianos. Em 1720 era impressa em Lisboa a obra Cirurgia
Metódica e Química Reformada de Francisco Soares Ribeira traduzida para o português por
Manual Gomes Pereyra. Nela, o médico procurava apresentar “os novos inventos anatômicos”,
como o movimento circular do sangue.

A partir da década de 1770, o ensino em Portugal sofreu significativas transformações


que abarcaram também às populações coloniais. As reformas, inicialmente direcionadas aos
âmbitos administrativos e econômicos, também se estenderam ao universo da ciência. A
faculdade de medicina estava incluída no conjunto de reformulações promovidas pelo então
chefe da Secretaria de Negócios e Guerra, Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marques de
Pombal.
- 12 -
As reformas no ensino português visavam sobretudo, “reforçar o princípio da autoridade
monárquica, reestruturando o aparelho do governo; fazer com que a educação cumprisse seu
papel de ilustrar o reino e auxiliar na secularização do Estado português” (VALE, 2017:1). Em
linhas gerais, as reformas no ensino na Universidade de Coimbra eram pautadas nos princípios
ilustrados, principalmente no pragmatismo e na valorização da ciência com o objetivo de
fornecer cidadãos úteis ao Estado e à administração pública, compondo o aparelho burocrático
do governo português.

O terceiro capítulo dos Estatutos da Universidade era dedicado ao curso de Medicina.


O documento enfatizava a prática da “medicina empírico-racional”. Todo o curso de medicina
sofreu reformulações nas quais aos alunos eram exigidas algumas habilitações, como o
conhecimento do latim, grego e filosofia (MORAES:1940).11A preocupação com a “saúde dos
povos” constituiu um fator que foi reforçado com a promulgação dos Estatutos. Essa
preocupação incluía o desenvolvimento de uma medicina preventiva, porém o maior obstáculo
era a precariedade da assistência médica. Na tentativa de atenuar essa deficiência, o consulado
pombalino intencionava prover as suas colônias com médicos e cirurgiões, formando um corpo
médico totalmente direcionado para atender os domínios ultramarinos. Outro objetivo dessas
reformas era a regulamentação e maior fiscalização das artes de curar, que em Portugal, bem
como em suas colônias, a atuação dos empíricos e dos curandeiros era maciça. Inicialmente, a
realização dessa atividade era feita pela Junta do Promedicato, órgão responsável pela
fiscalização dos ofícios de curar. Em 1808 o órgão foi substituído pela Fisicatura-mor que
possuía o objetivo de operar com maior rigor na inspeção e na repreensão daqueles praticados
sem licença e na clandestinidade (ABREU, 2007).

Na América Portuguesa, eram os físicos que compunham a classe que atuava como
médicos da Coroa, da Câmara e nas principais cidades e vilas, em um número extremamente
reduzido. Flávio Edler aponta que no século XVIII havia apenas três ou quatro físicos
exercendo suas atividades em cidades como Rio de Janeiro, Salvador e Recife. Entre as suas
responsabilidades estavam o exame, diagnóstico e o receituário para os pacientes. Aos
cirurgiões, cabiam os ofícios manuais, como as sangrias, à aplicação de ventosas, a cura de

11
O dr. Francisco de Moraes, conservador da Sala do Brasil da Universidade de Coimbra, organizou a relação
nominal de estudantes brasileiros da Universidade de Coimbra abarcando o período que vai desde a reforma do
Marques de Pombal, em 1772 até o ano de 1872. A partir de 1772, nota-se um acentuado crescimento de matrículas
de estudantes oriundos da América Portuguesa, apresentando um novo aumento nos anos seguintes. A
porcentagem de estudantes correspondeu a um aumento de 15,6% após a reforma no ensino. Cf. (FREITAS, 2017);
- 13 -
feridas e fraturas, sendo-lhes proibida a administração de remédios internos, um privilégio dos
médicos formados em Coimbra (EDLER, 2017).

Segundo Jurandir Freire Costa no clássico Ordem Médica e Norma Familiar(1989) a


condição dos esculápios nos primeiros séculos de colonização se apresentava como:

(...) a baixa cotação social derivava da insuficiência do conhecimento e da


inexpressividade numérica dos profissionais.
Até o final do século XVIII, a racionalidade do saber médico, pouco se
distinguia do conhecimento empírico dos jesuítas, pajés, curandeiros,
entendidos, etc. A prática curativa era essencialmente a mesma: sangria,
purgativos, infusões com plantas e pós, dietas, etc. Pobres no saber, eles
também o eram em número. (...) A formação só podia ser feita na Europa. (...)
A assistência efetiva à população fazia-se através da medicina popular (p.74)
Porém, esse complexo quadro composto pela interseção de saberes e práticas entre os
agentes da arte de curar, não pode levar-nos a um reducionismo desse cenário atribuindo uma.
inexistência de qualquer prática científica que fundamentasse a atuação dos médicos durante o
período colonial e imperial. É o que contesta Flávio Edler ao afirmar que “para a maioria dos
autores, foi somente com a institucionalização da medicina pastoriana, na última década o século XIX,
que alguns ramos da ciências naturais (...) se tornariam objeto de pesquisas sistemáticas”12, no que diz
respeito a medicina, tal interpretação identifica como a única orientação científica legítima aquela
provinda da prática experimental do laboratório baseada na clínica. Para o autor, a rejeição de um
suposto caráter ornamental das instituições médicas faz-se necessário pois, de acordo com ele, há
inúmeras evidências de que os médicos formados pelas faculdades de medicina no país despenderam
esforços na tarefa de inovação científica nos campos do “diagnóstico e da terapêutica, na identificação
os agentes deletérios ambientais que se acreditava estarem implicados na produção das doenças próprias
ao nosso clima, e na adequação das medidas profiláticas propugnadas pela Higiene às condições
nacionais.”13 Dessa forma, a adoção dessa interpretação reducionista das instituições científicas no
Brasil é assegurar que não há ciência. É limitar os esforços dos acadêmicos afirmando que todo o
“trabalho de síntese, o tratamento das informações e o arranjo do conhecimento, não houve no Brasil.”14

Retomando a atuação dos agentes da medicina popular, Maria Regina Cotrim Guimarães
aponta que os papéis sociais desempenhados por esses eram marcados por uma “rede de
relações com significativos graus de heterogeneidade e hierarquização”(2016:23). É importante

12
EDLER, Flavio Coelho. A Medicina no Brasil Imperial: fundamentos da autoridade profissional e da
legitimidade científica. Tomo LX, 2003, p.140;
13
Ibidem, p.141;
14
CAMENIETZKI, Carlos Ziller. Problemas de História da Ciência na Época Colonial: A Casa Grande de
Gilberto Freyre. Revista de História e Estudos Culturais. Jul-set./2007, vol.4, Ano IV, n.3, p.12;
- 14 -
destacar que esse cenário não se limitava aos estereótipos que serão apresentados na tentativa
de esquadrinhamento abaixo:

Primeiramente, destacam-se os médicos licenciados. Esses tinham a sua formação


realizada em Coimbra ou na França. A licença ou carta era concedida pela Junta de Promedicato
ou pela Fisicatura-Mor, após extinção da primeira. Sua concessão era feita após o médico cursar
um período de aprendizado prático junto a um mestre ou em um hospital. Posteriormente, havia
a submissão a um exame, na qual os candidatos deveriam demonstrar a sua capacidade para
exercício da profissão (SANTOS FILHO,1991). Ocupavam quase todos os cargos de físicos da
Coroa, do Senado da Câmara e outros na administração.

Já entre os chamados terapeutas populares, categoria pouco precisa, destacam-se as


parteiras, cirurgiões, barbeiros, os sangradores, boticários, curandeiros e curadores, feiticeiros,
entre outros. Sob essa categoria, diversos indivíduos eram incluídos: os que baseavam o seu
tratamento em crenças religiosas ou em conhecimentos acadêmicos adquiridos por meios de
divulgação de folhetos, livros e periódicos, ou na experiência com ervas medicinais. Os dois
primeiros possuíam o direito de legalizar suas atividades, para tanto, um pedido deveria ser
feito, juntamente com a apresentação de um atestado do mestre com quem foi realizado as aulas
práticas. Esse atestado poderia ser substituído pelo testemunho de terceiros. Um auto do exame
feito pela Fisicatura-Mor também era requerido e por fim, a ordem para a emissão da carta ou
da licença. Essa carta apresentava os limites de atuação de cada classe, além dos instrumentos
que cada uma podia utilizar (PIMENTA, 2004). Dentre essas categorias que exigiam licença,
os cirurgiões cumpriram o papel destinado aos médicos nos tempos coloniais. Com o intuito de
fornecer um conhecimento formal a esses profissionais, foram criadas em 1808, escolas na
Bahia e na Corte que ministravam aulas de medicina, anatomia e fisiologia. Mais tarde, a
inauguração das escolas médico-cirúrgicas formaria os cirurgiões após um período de cinco a
sete anos. Em 1848, um decreto garantiria aos cirurgiões formados, o direito de exercer a
medicina.

As parteiras constituíam um dos grupos que mais disputaram o exercício da medicina


com a comunidade médica, isso deveu-se sobretudo, à sua clientela, já que os médicos tinham
pouco acesso ao tratamento das doenças femininas e aos partos propriamente ditos. Esses, eram
normalmente chamados somente quando o parto sofria complicações (GUIMARÃES, 2016).

- 15 -
A vida profissional de uma parteira muitas vezes iniciava-se muito cedo, entre os
familiares e a vizinhança. Seus conhecimentos abrangiam às questões referentes à gravidez, ao
parto, às ervas abortivas e orientação às mães nos cuidados com as crianças15.

Os barbeiros, além de cortar cabelos e barbas, também sangravam e faziam pequenas


cirurgias, como extração de dentes, de tumores, aplicação de ventosas e por vezes, se
aventuravam como médicos na ausência desses. Sem instrução e pertencentes as camadas
baixas da população, entre eles, contavam-se os negros escravos e mulatos libertos.

Outra categoria bem presente no universo da cura eram os boticários ou farmacêuticos.


Inicialmente, esses termos eram utilizados para fazer referência a todos aqueles profissionais
que manipulavam fórmulas médicas e vendiam-nas nas boticas. Porém, como indica Guimarães
(2016:27), farmacêuticos passaram a ser aqueles que haviam cursado a faculdade, entretanto,
as licenças continuaram a ser expedidas aos práticos, desde que esses comprovassem o exercício
da profissão há mais de seis anos. Os boticários gozaram de prestígio durante um longo período,
em alguns casos, chegavam a atuar como médicos, amparados por formulários ou manuais,
como os de Chernoviz, Buchan, entre outros.

Por fim, encontramos os curandeiros, os feiticeiros, as benzedeiras e, dentre esses,


podiam-se identificar diversos atores praticantes das crenças africanas e até mesmo curiosos
que mesclavam essas crenças com o conhecimento proveniente da medicina oficial. Rosilene
Farias (2012) afirma que, especialmente em tempos de epidemia, a incapacidade dos médicos
de conter a doença estimulava à procura por outras terapias, nesse caso, a busca pelo
curandeirismo. Essas terapias, praticadas em sua maioria por cativos ou ex-cativos, constituíam
práticas fortemente arraigadas na população e entre a sua clientela era comum a procura por
mais de uma terapia. Um exemplo de sua popularidade é a frequência de anúncios de
curandeiros oferecendo seus serviços nos jornais da Corte, demonstrando a permanência da
receptividade dessas práticas no seio da sociedade dos oitocentos (WITTER, 2006:21;
FARIAS, 2012:224).

Diante da grande composição do quadro dos agentes de cura populares e da pequena


presença de médicos com formação acadêmica, as fronteiras entre a medicina culta e a medicina

15
Trataremos mais adiante, no capítulo dois deste trabalho, um pouco mais sobre a classe das parteiras, classe essa
que recebeu atenção especial do dr.Imbert em suas obras sobretudo no que diz respeito as relações com o sistema
escravista.
- 16 -
popular eram frequentemente transpostas constituindo um obstáculo ao estabelecimento da
autoridade da médica.

Uma das estratégias da medicina oficial para estabelecer sua autoridade foi a tentativa
de demarcação das inúmeras terapias, reunindo sob uma única categoria, os diversos sujeitos
que as praticavam. O “charlatão”, foi a denominação atribuída à uma categoria abrangente que
englobava curandeiros, homeopatas, boticários, parteiras, médicos não habilitados pelas escolas
de medicina, práticos leigos fabricantes de remédios, entre outros. O termo denominava uma
“figura hostil em oposição à identidade do médico, portador dos saberes da ciência e único
profissional confiável para questões de saúde”(SAMPAIO, 2001:30 apud FARIAS, 2012:24).
Dessa forma, os médicos podiam cobrar das autoridades providências contra todos aqueles que
se encontravam inseridos nessa categoria. No entanto, a historiografia atesta sobre a frouxidão
das leis, que sem o respaldo social, acabavam por permitir o livre exercício das artes de curar,
indicando a continuidade desse ofício mesmo em meio às proibições.

O dr. Jean Baptiste Alban Imbert, personagem dessa pesquisa, também demonstrou sua
apreensão e de seus pares com o mal que representava o charlatanismo. Formado em
Montpellier, o médico informa que chegou ao Brasil com o objetivo de estudar “a maneira com
que se pratica a Medicina popular no Brasil”16. Em 1835 teve seu diploma reconhecido e foi
admitido como membro da Academia de Medicina do Rio de Janeiro em virtude da Lei de 03
de outubro de 1832 que “dava nova organização às atuais Academias Medico-cirúrgicas das
cidades do Rio de Janeiro, e Bahia”17. Em um discurso proferido na sede da Academia Imperial
de Medicina em 1837, intitulado Uma Palavra sobre o Charlatanismo e os Charlatães, o doutor
manifestava sua preocupação com os charlatães que se infiltravam na medicina oficial. O
médico francês aponta inicialmente como terreno fértil para atuação dos charlatães, a
capacidade humana de aceitar sem reflexão tudo que tem a aparência de ser fácil ou prazeroso.
Segundo ele, o charlatanismo se apresenta “ora enfeitando-se com o barrete da sciência, ora
cobrindo-se com a máscara da religião, da virtude, da sabedoria, do gênio ou da magia” 18.
Especialmente em tempos de enfermidade, o espírito humano tende a crer em tudo o que lhe é
apresentado como solução para as suas mazelas. O autor ressalta que a credulidade é um defeito

16
IMBERT. O Manual do Fazendeiro. op.cit., p.XVI;
17
Uma breve biografia de J.B.A. Imbert está disponível em: http://www.anm.org.br. Apresentarei um pouco mais
sobre o dr. Imbert no capítulo dois, onde será exposto suas obras e seu pensamento de forma mais pormenorizada.
18
IMBERT, Jean Baptiste Alban. Uma Palavra sobre o Charlatanismo e os Charlatões. Rio de Janeiro: Typografia
de J.S.Sain -Amant e L.A Burgain, 1837, p.2. Disponivel em: https://www.nlm.nih.gov/;

- 17 -
presente principalmente nos “espíritos simples, isto é, nas pessoas que vivem na ignorância
absoluta dos manejos que a sciencia dos charlatães inventou (...)”.

A credulidade é defeito que igualmente se encontra assaz comumente nas


pessoas de bem, pois a fé, que dificilmente suspeita ardis, costuma obrar como
pensa, acolhe como sente, e raras vezes se arma de prevenção para duvidar
antes de admitir”.19
É neste ambiente que as propostas dos charlatães encontram acolhida e popularidade.
Por receio da morte muitos se entregam aos sedutores apelos dessa classe, assegura o doutor.
Sua preocupação volta-se também para a terra que o acolheu, ao afirmar que o Rio de Janeiro
não está livre dessa “indústria bastarda” e que esta cidade “paga igualmente seu tributo á
credulidade.”20. Infelizmente, o médico só faz alertar para o perigo resultante do envolvimento
com o charlatanismo. No final desse documento de meados dos oitocentos, Imbert demonstra
toda a sua indignação de não ver cumprida a lei do código brasileiro que regula o exercício da
medicina: “Oh! Justiça dos homens, quantos sois injusta!”. Para ele, essa lei é “puramente
nominal”.21

A tentativa de redefinição das práticas de cura por meio da comunidade médica, da qual
o doutor Imbert fazia parte, juntamente a alguns marcos, tais como: a criação da Faculdade de
Medicina, da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro (SMRJ) em 1829, mais tarde
transformada em Academia Imperial de Medicina (AIM) e publicação de periódicos médicos
constituíram fatores motivadores do processo de institucionalização do saber médico. Tais
referências funcionaram como indicadores de um novo período constituído pela legitimação da
prática médica, estabelecendo uma gradativa mudança na relação entre governo, médicos
acadêmicos e terapeutas populares. A partir desse momento, verifica-se o avanço da prática
médica em direção a uma contínua especialização, onde o saber médico é cada vez mais
identificado com um saber erudito e sistematizado, ocorrendo assim um distanciamento
paulatino do conhecimento popular.

No entanto, esse processo foi lento e conflituoso, marcado pela convivência das terapias
populares e da medicina acadêmica. A lei de 183222é apontada como uma das principais
responsáveis no estabelecimento do monopólio legal das artes de curar por parte dos médicos.

19
Ibidem, p.4;
20
Ibidem, p.24;
21
Ibidem;
22
Lei de 03/10/1832 foi responsável pela transformação das academias médico-cirúrgicas em faculdades e
concederia os títulos de doutor em medicina, farmacêutico e parteira, sem os quais ninguém poderia exercer a
profissão, excetuando os ofícios legalmente autorizados em virtude da lei anterior. Cf. PIMENTA, 2004:72;

- 18 -
Algumas categorias passaram a ser deslegitimadas, enquanto outras tiveram seu exercício
atrelados à Faculdade de Medicina. Essa tentativa de regulamentação já vinha ocorrendo desde
1828 quando as câmaras municipais passaram a ser responsáveis pelas funções relativas à
inspeção de saúde pública. Porém, devido à ausência de uma nítida demarcação com relação ao
exercício das atividades terapêuticas populares, essas poderiam ser tratadas de diferentes
maneiras pelas autoridades. Nem todo aparato burocrático era suficiente para reprimir as
atividades consideradas ilegais. Para Tânia Pimenta (2004:70) havia uma correspondência entre
os tratamentos oferecidos pelos terapeutas populares e as necessidades de quem recorria a eles,
isso punha obstáculos a qualquer tentativa de repressão. Esses terapeutas constituíam a maioria
e seus serviços continuavam a ser requisitados pela população. Em suma, a medicina acadêmica
representava apenas mais uma das possiblidades de terapia, não sendo também a mais popular.

Sobre esse confronto entre as diversas terapias, Sidney Chaulhoub (1996) afirma que “
a medicina oficial era uma arena de conflitos, fragmentada pelas disputas entre os diferentes
sistemas médicos, dividida quanto às terapêuticas mais eficazes para várias doenças”. A elite
médica, em um esforço pela legitimação de sua atuação, pressionava as autoridades através de
mandados legislativos, das associações, das faculdades e também por meio dos periódicos
especializados.

A literatura médica, representada por esses periódicos e pelos manuais de medicina


doméstica também constituíram um meio de legitimação do saber médico oficial junto à
sociedade. Ferreira (1999) afirma que os periódicos exerceram uma função social ao ser
intermediários entre a comunidade científica e a sociedade. Essa mediação podia ser constatada
através das matérias publicadas, bem como, por sua relação com os valores vigentes na
sociedade.

Os periódicos no Brasil seguiram o modelo dos europeus, difundindo o conhecimento


médico através da publicação de textos médicos, correspondências entre médicos, artigos e
notícias de jornais estrangeiros, além da divulgação dos trabalhos da Academia Imperial de
Medicina. Um meio de diálogo com sociedade foi a publicação de matérias que versavam de
interesse do público formado por leigos letrados. A Higiene demonstrou como determinadas
doenças se tornaram assuntos de relevância social e a forma como foram tratadas pelo saber
oficial. Ferreira destaca ainda que esse diálogo com a sociedade constitui uma forma de
legitimação social, pois a ciência como qualquer outra atividade social precisa conquistar uma
audiência ampla não restrita ao público especializado.

- 19 -
Os manuais de medicina tornaram-se um dos meios de inserção do conhecimento
legitimado pelas instituições médicas na sociedade. Esses tratados serviram de guia de medicina
no cotidiano da população, sendo utilizados por diversos indivíduos como cirurgiões, parteiras,
boticários, senhores de escravos, mães, entre outros. Tais publicações possuíam contornos
pedagógicos que revelavam a preocupação da medicina oficial em intervir nesse cotidiano,
muitas vezes, distantes da presença dos esculápios (ABREU, 2007:766; WITTER, 2006:18).

Uma das características mais recorrentes nos manuais era a ênfase no caráter prático e
utilitário desse tipo de literatura. Neles, buscava-se adaptar o conhecimento científico e erudito
da medicina para uma linguagem leiga. O dr. Imbert reforça esse princípio em o Manual do
Fazendeiro: “(...) para alcançar o fim a que nos propomos, era preciso clareza nos princípios,
simplicidade nos meios e pormo-nos ao alcance das pessoas, para quem mais particularmente
escrevemos”23. Assim, a medicina acadêmica adaptada para a utilização de uma população leiga
abria um caminho para disseminação do conhecimento médico oficial em lugares onde a
presença dos médicos era praticamente inexistente. Inseridos no bojo das discussões sobre o
processo de institucionalização da medicina, os manuais de medicina doméstica fizeram parte
da afirmação da classe médica como produtores do único conhecimento médico sobre
terapêuticas e a saúde que deveria ser legitimado.

23
IMBERT. Manual do Fazendeiro. op.cit.;
- 20 -
1.2- Os Manuais como obras auto instrutivas: Aspectos Gerais, Circulação e Práticas de
Leitura.

“Povo informado, esclarecido poderia usufruir os resultados do progresso atingido


pela arte dos doutores, além de melhorar suas condições de existência e, de inhapa,
condenar charlatães. Ademais, contabilizava-se a possibilidade de enquadrar
curandeiros, barbeiros, parteiras e outros curadores, paulatinamente aos ditames da
ciência médica ao instruí-los a curar através das cartilhas.”
Vera Regina Beltrão Marques

Aspectos Gerais

Os manuais de medicina doméstica, como uma literatura auto-instrutiva, representaram


no Império umas das principais formas de contato da imensa maioria da população do Brasil
com medicina produzida nas academias. Não apenas no que diz respeito as obras de cunho
médico, mas, essas literaturas permitiram o acesso da população aos mais variados assuntos,
às ciências em geral, bem como às leis, à engenharia, etc. Alessandra El Far aponta que esses
manuais de utilidade prática24ensinavam o leitor a executar todo o tipo de atividade: redação de
cartas formais ou informais, receitas culinárias, feitiços de amor, oratórias, ofícios burocráticos,
cultivo de plantas, correspondência comercial, dicas de bom comportamento, e “regras sociais
fundamentais para se construir o que os autores de tais obras idealizavam como ‘civilização’”,
fenômeno observado principalmente a partir da segunda metade dos XIX (GUIMARÃES,
2004). A ampliação do mercado livreiro impulsionada pela criação da Impressa Régia em 1808
possibilitou uma maior circulação desse tipo de impresso. Lucia Bastos Pereira das Neves
(2014) ressalta que a transmissão de valores e de normas tornou-se relevante num momento de
constituição de uma sociedade letrada onde buscava-se a difusão das “luzes” entre o povo.
Carlota Boto esclarece que essa tendência começa a ser observada a partir do século XVIII onde
há o surgimento de uma preocupação com maneiras de se educar, fruto de ideais iluministas.

Ocorrerá, a partir de meados do século XVIII, uma intensificação do


pensamento pedagógico e da preocupação com a atitude educativa. Para
alguns filósofos e pensadores do movimento francês, o homem seria
integralmente tributário do processo educativo a que se submetera. A
educação adquire, sob tal enfoque, perspectiva totalizadora e profética, na
medida em que através ‘dela, poderiam ocorrer às necessárias reformas sociais
perante o signo do homem pedagogicamente reformado. (...) Das relações
mestre e discípulo às determinações políticas do ato pedagógico, tudo isso
seria considerado decorrente de um fator preliminar, concernente à
identificação dos mecanismos propulsores do aprendizado humano (BOTO,
1996:21).

24
A autora (FAR, 2004) aponta que o termo “manuais de utilidade prática” foi extraído do “Extrato do Catálogo
da Livraria de H. Garnier”. Cf. (AZEVEDO, 1903);
- 21 -
Boa parte das literaturas desse período assume um caráter estritamente pedagógico e
preventivo, como apontado acima. Esse aspecto ficou evidenciado, sobretudo nas obras
médicas, onde a chamada “saúde dos povos” constituía um tema recorrente. Esses tratados
serviam de guia médico no cotidiano das mais diversas classes e revelavam as “preocupações
didáticas” apresentadas pelos médicos que julgavam ser necessária à sua intervenção
(MARQUES,2004). Porém, veremos que tais preocupações não eram evidenciadas apenas nos
manuais de medicina doméstica. Com a vinda da Corte Portuguesa para o Brasil em 1808, a
vida social da Colônia também sofreu inúmeras mudanças, tanto no tocante ao mundo político
quanto à vida cotidiana da sociedade. A criação da Imprensa Régia em 1808 exerceu um
importante papel na educação e na cultura escrita de um modo geral, sendo incumbida de
difundir as luzes ao povo.

A europeização dos costumes e as transformações nas formas de comportamento da


sociedade passam a ser distintivos dessa sociedade letrada. Maria do Carmo Rainho (1995) em
um estudo sobre os manuais de civilidade que tiveram ampla circulação no Brasil do século
XIX, aponta que foi no contexto do processo de civilização dos modos, dos cuidados com a
higiene e em uma distinção na forma de se portar e vestir é que as literaturas de civilidade
surgiram. Segundo ela, esse corpus é constituído pelos livros voltados para o ensino dos
comportamentos tipos como corretos. Essas obras que surgiram na Europa a partir do século
XVI instruíam os leitores com relação as maneiras de comer, hábitos à mesa, higiene corporal
(banhos, modos de assoar o nariz, cuspir, etc), os comportamentos em casa, na igreja, na rua,
entre outros. Os comportamentos civilizados ou corretos visam “transformar em esquemas
incorporados, reguladores, automáticos e não ditos de condutas, as disciplinas e censuras que
ela enumera e unifica numa mesma categoria”(RAINHO, 1995:141). De acordo com a autora,
essa literatura não deve ser vista como espelho dos modos da “boa sociedade”, mas como um
tipo de documentação que reflete a representação de um modelo de comportamento esperado.
Nobert Elias (1990) mostra que esses manuais foram fundamentais na Europa ao longo de
quatro séculos durante a transformação dos costumes tidos como bárbaros pelas elites
principalmente na corte de Luís XIV, onde a civilidade servia como distinção entre as classes
e tinha como objetivo disciplinar o indivíduo em suas posturas e gestos. É nesse contexto que
surge o conceito de “civilizado” que passa a ser amplamente divulgado a partir do século XVI
na França. Segundo Elias esse conceito consiste em:

Como membros da corte gostavam de designar, em sentido amplo ou restrito,


a qualidade específica de seu próprio comportamento, e com os quais

- 22 -
comparavam o refinamento de suas maneiras sociais, seu ‘padrão’, com as
maneiras de indivíduos mais simples e socialmente inferiores (p.54).
De acordo com o autor, a civilidade ou a moralidade não é um traço natural do homem,
nem um legado da graça de Deus, ela se dá por meio de um processo de adestramento ou
condicionamento, tornando esse homem um ser previsível (p.10). Esse é o teor dos manuais de
utilidade prática, ou mais propriamente dos manuais de civilidade que chegaram ao Brasil no
século XIX, onde o processo civilizador já estava consolidado na Europa. Esses manuais
podiam ser divididos em duas categorias: os pedagógicos e os cortesãos. Ambos possuíam
caráter pedagógico, porém os primeiros consistiam em obras que eram dedicadas especialmente
à educação de jovens e os cortesãos eram voltados para o estabelecimento de etiquetas que
deveriam ser utilizadas na corte ou nos salões. No âmbito desta pesquisa, interessa-nos aqui os
manuais de cunho pedagógico, especialmente aqueles destinados à instrução das mães no que
diz respeito à educação de crianças. Essas obras, costumeiramente apresentam poucas
diferenciações. Consistiam em conselhos relacionados ao cuidado com os bebês e/ou em
normas ou regras de como as crianças deveriam ser portar em determinadas situações ou locais,
como por exemplo, como se vestir, hora de dormir, comportamentos à mesa, na escola, na
igreja, na companhia dos mais velhos, entre outros. Aqui, apresentaremos dois manuais
pedagógicos que servirão de introdução para o estudo dos manuais de medicina doméstica,
objeto dessa pesquisa. Por meio desses exemplos, é possível perceber alguns dos aspectos
presentes nesse tipo de literatura que tinha entre seus principais atributos a instrução realizada
passo a passo.

O primeiro refere-se a um manual de civilidade propriamente dito, a obra


Entretenimentos sobre os Deveres de Civilidade Colecionados para Uso da Puericia Brazileira
de Ambos os Sexos (1875) de D. Guilhermina de Azambuja Neves, professora publica da
Freguesia da Candelária. A obra, escrita por essa professora primária e diretora do externato
Azambuja Neves, obteve tão grande acolhida na Corte que em curto espaço de tempo foi
aprovada pelos conselhos de diretores de instrução primária e secundária e adotada pelo
Governo Imperial nas escolas públicas. Por sua grande aceitação, a obra era vendida nas
principais livrarias da época, além da Rua do Hospício n.100. Em seu prefácio, a autora, já
adiantava o conteúdo do manual: “A polidez das maneiras e indício certo de boa educação”.
Segundo ela, havia nas escolas a lacuna de um “livrinho escripto em linguagem simples e
acomodada à intelligencia das creanças, pelo qual se lhes possa ensinar praticamente os deveres

- 23 -
de civilidade ou de polidez” 25. É composta de duas partes, com dezesseis capítulos cada uma.
A primeira parte aborda conselhos relacionados aos deveres para com Deus, com a família e a
sociedade. Já a segunda, diz respeito aos deveres pessoais.

O livro é direcionado à instrução das crianças e destinado a ser lido por elas. Por esse
motivo, a autora afirma que ele foi escrito com objetivo de ensinar à puerícia numa “linguagem
persuasiva e fácil os deveres da civilidade”, característica frequentemente observada em
manuais pedagógicos produzidos a partir do século XVIII. D. Guilhermina apresenta, em forma
de diálogo, vários preceitos morais e de conduta à uma criança, a quem ela chama de filho, 26 o
introduzindo em vários cenários e lembranças que servem de exemplos para os conselhos que
ela deseja dar-lhe. Na igreja, os conselhos acentuam o respeito e reverência e de modo a não
perturbar o silêncio do local. Aos sacerdotes, quando as crianças os encontrarem, devem lhes
cumprimentar com todo o respeito, cedendo-lhes o lugar na calçada, honrando-lhes como
ministros da Igreja (p. 9-16; 34-36).

Com relação aos pais, a orientação dada é para que eles sejam obedecidos com prazer
e amabilidade. O dever das crianças é simplesmente obedecer-lhes (p.17-32). Já aos mestres,
as recomendações não se restringem aos aspectos morais, mas, também abrangem às regras de
etiqueta. Ao entrar, deve o aluno tomar o seu chapéu, guarda-chuva ou bengala e convidá-lo a
sentar. Deve ter sempre os materiais à mesa e suas respostas devem ser sempre “sim, senhor”
ou “não, senhor”. No colégio, o estudante receberá o seu professor levantando e inclinando-se
para frente como sinal de respeito ( p.37-45). D. Guilhermina ainda trata na segunda parte do
livro dos deveres pessoais, estes consistem em conselhos para a hora de acordar que deve ser
ao nascer do sol e a hora de recolher-se que deve ser ao pôr do sol, como se vestir, tendo asseio
e simplicidade na vestimenta (p.74-80). À mesa, as crianças nunca devem ser apressadas a
tomar o assento, aceitar o lugar que lhes for oferecido; ao receber o alimento, fazer uma curta
oração em agradecimento a Deus (p.80-83). Diante das visitas, devem se portar com educação
e obediência, não falando muito, nem pouco (p.95-103). Os conselhos ainda incluem
orientações quanto ao comportamento na rua, as visitas aos pobres, as esmolas, entre outras.
Sempre permeando os diálogos, a autora introduz exemplos vividos ou não, que
possuem como modelos crianças que são tomadas como “maus exemplos” de conduta, pois não

25
NEVES, Guilhermina de Azambuja. Entretenimentos sobre os Deveres de Civilidade Colecionados para Uso
da Puericia Brazileira de Ambos os Sexos, 1875;

26
Desconhece-se a identidade desta criança. A obra não deixa claro se, de fato, trata-se do filho de Guilhermina
de Azambuja ou se é uma personagem.
- 24 -
condiziam com os valores em voga naquele momento. O objetivo era deixar esclarecido a
distinção entre os modelos de comportamentos tipos como civilizados e os que deveriam ser
abandonados, por não condizerem com os ideais das luzes, rompendo assim com um passado
colonial de atraso.

Os manuais de civilidade apresentavam poucas variações semânticas no que diz respeito


aos preceitos morais e as regras de etiqueta, assim como os locais que deveriam ser respeitados
e que exigiam a prática da civilidade. Dispunham-se a formar o homme civilisé, nas palavras
de Mirabeau citado por Elias, o tipo humano que representava o verdadeiro ideal de uma
sociedade de corte. O cumprimento dessas normas visava a conservação do lugar ocupado pela
“boa sociedade”, bem como, a evidência das distinções entre as classes (ELIAS, 1990:54). No
caso do Brasil, com a instalação da Corte buscava-se o desenvolvimento dessa “sociedade de
corte, cujos hábitos e exigências tendiam a difundir-se pela população [...] despertando a antiga
colônia para um processo de modernização”(NEVES, 2014:165).

Um outro exemplo de manual de caráter pedagógico ainda mais pertinente para essa
pesquisa pois, reúne características que o podem incluir no hall dos manuais de medicina
doméstica é Cartas sobre a Educação de Cora Seguidas de um Cathecismo Moral, Político, e
Religioso, considerado o primeiro livro publicado no Brasil sobre a educação feminina. A obra,
de autoria do médico baiano Dr. José Lino Coutinho foi publicada em 1849 por João Gualberto
de Passos, reúne as instruções voltadas para a saúde de sua filha Cora desde sua infância, além
das orientações que visavam sua formação moral. Coutinho foi lente da Patologia Externa da
Escola de Medicina da Bahia e reuniu importantes cargos políticos em seu currículo: foi eleito
deputado na Assembléia Geral Legislativa em 1826 e deputado das Cortes de Portugal sendo
nomeado ainda com a importante função de conselheiro e médico honorário de D.Pedro I.

A obra é composta de 41 cartas que tinham como fins a educação física e moral da
jovem, preparando-a tanto para a vida privada quanto pública que naquele momento de esboço
de uma sociedade burguesa em ascensão, tinha na mulher a principal responsável pelo sucesso
da família e na maternidade, uma redenção.

Da esposa do rico comerciante ou do profissional liberal, do grande


proprietário investidor ou do alto funcionário do governo, das mulheres passa
a depender também o sucesso da família, quer em manter seu elevado nível e
prestígio social já existente, quer em empurrar o status do grupo familiar mais
e mais para cima (D’INCAO, 2006:229).

- 25 -
As primeiras cartas foram endereçadas à sua preceptora, uma amiga do Dr. José Lino,
cuja identidade é desconhecida e, versavam sobre a educação durante a primeira infância da
criança27, desde seus primeiros passos até sua alfabetização. O ensino nesse momento,
restringe-se aos aspectos relativos à saúde, como uma alimentação adequada baseada em
legumes, o uso cuidadoso de carnes, licores fermentados e do café, que segundo o médico era
um “ofensor” dos nervos, crença comum naquele período.28

O médico aconselhava a prática de exercícios que deveriam ser por meio de esportes e
brincadeiras acostumando os músculos aos movimentos. Ele ressalta a importância do repouso,
afirmando que a vida de um infante se resume em três importantes ações: comer, brincar e
dormir. O sono não deveria ser interrompido por barulhos repentinos, o que poderia originar
doenças nervosas, sugerindo novamente a crença na sensibilidade feminina. O médico observa
que nessa fase a educação deve ser totalmente física sem ensinamentos morais, pois, a criança
não teria maturidade o suficiente para apreender tais lições.

A segunda fase na vida de Cora é chegada29, onde de acordo com o dr. José Lino, ela se
tornará mais quieta, seus desejos mudarão porque o seu físico sofrerá modificações com nova
idade. Para essa nova fase, o médico desaconselha os castigos físicos diante da desobediência
que deverão ser trocados pela prática constante de atos opostos às suas propensões.

Os conselhos ainda englobam temas referentes ao ensino pedagógico da menina, a


instrução na língua portuguesa e mais tarde da francesa, incluindo a leitura de clássicos, como
os do Fr. Bartholomeu dos Martyres, Lusíadas de Camões, entre outros, além do aprendizado
da música. Dessa forma, Cora terá “riqueza de expressões, puridade de língua, sublimidade de
estylo, e abundancia de idéas”(COUTINHO, 1849:54-55). Já a carta número XIX trata do
ensino religioso que a partir daquele momento já podia ser inserido na educação de Cora, pois
a jovem já apresentaria habilidades para receber ideias mais “sublimes e positivas”.

A partir da carta XXII, o dr. José Lino oferece orientações pertinentes a fase mais
delicada da vida de Cora. A adolescência, que consiste na fase preparatória para o momento
mais importante na vida de uma mulher e que constituía a sua missão principal: a de ser mãe.
A menstruação, fenômeno que despertou a atenção da classe médica no século XIX, iria

27
Cartas I à XII;
28
Acreditava-se que algumas bebidas poderiam excitar os nervos, principalmente do sexo feminino, pois, de
acordo com a medicina do século XIX, as mulheres eram naturalmente dominadas por um temperamento nervoso.
29
Cartas XIII à XXVIII;
- 26 -
prepará-la para essa missão. Entretanto, o médico reconhece que esse fenômeno fisiológico era
considerado por ele e por seus pares uma doença, mas, que agora admitem ser necessária para
o progresso da vida humana. O médico apresenta ideias inovadoras a respeito desse assunto,
aconselhando que as jovens durante esse período mantenham suas atividades normais, não
restringindo seus hábitos, já que não se tratava de uma enfermidade. Seu conselho é que
mantenham o exercício e o passeio o que auxiliaria no controle do nervosismo e de suas
variantes, tal como a histeria que, poderia ser um desdobramento desse período.30O controle
das paixões típicas da juventude através da recusa de leituras ou músicas que provoquem
excitação também fazem parte das diretrizes dadas pelo médico.

A segunda parte da obra31se inicia trazendo consigo o núcleo do discurso do dr. José
Lino, ou seja, os conselhos que irão preparar Cora para ser uma boa esposa e mãe de família,
seu destino segundo a natureza. Nesse momento, o médico direciona sua fala para a própria
filha, lembrando-a dos princípios básicos de um casamento, desde a escolha do cônjuge, os
deveres de uma esposa aos perigos do divórcio.

A gravidez, classificada pelo médico como uma enfermidade, requer toda a atenção de
uma futura mãe, bem como da classe médica. O dr. Jose Lino aconselha as mulheres a não
deixarem de procurar os cuidados médicos nesse período32pois, o útero “irritado” com a
presença do feto poderia expulsá-lo com facilidade, porém, alerta com relação ao emprego das
parteiras, algo recorrente nos compêndios de medicina doméstica desse período que, conforme
o discurso dos autores dessas obras, seriam em grande parte responsáveis pela mortalidade de
muitas mães de família33.

O doutor ainda reproduz o discurso da comunidade médica daquele período ressaltando


a importância da amamentação materna contrariando a prática vigente da recorrência às amas

30
A histeria e a clorose eram consideradas desordens dos órgãos reprodutores e poderiam gerar perturbações em
toda a constituição feminina, inclusive problemas mentais. Fatores psicológicos, tais como, os temperamentos
também poderiam se manifestar em maior grau durante o período menstrual e a gravidez. De um modo geral, o
discurso médico desse período propagava a ideia de que o cérebro feminino seria totalmente influenciado pelo
útero;
31
Carta XXVIII;
32
Duas importantes obras relacionadas aos cuidados com a infância são mencionadas no livro pelo editor: os
escritos dos médicos Francisco de Mello Franco e Francisco José de Almeida. O Tratado da Educação Fysica
dos Meninos, para Uso da Nação Portugueza, obras homônimas publicadas no século XVIII, com destaque para
a do dr. Mello Franco, representaram importantes referências para o estudo da maternidade e foram citadas em
alguns tratados de medicina doméstica;
33
O discurso médico do século XIX recorria frequentemente a condenação ao emprego de parteiras que faziam
parte das classes deslegitimadas pela medicina oficial. Na Guia Médica o dr. Imbert fez duras críticas a essa
classe, veremos no capítulo dois as razões para esse posicionamento ;
- 27 -
de leite. 34Essa prática, em sua maioria, condenada pelos médicos, via na figura da escravo um
risco de contaminação pela transmissão de algumas doenças e características morais tidas como
abomináveis. Esses discursos variavam entre a condenação e o controle rígido na escolha das
amas (MARTINS, 2016).

Cartas sobre a Educação de Cora ainda apresenta um “cathecismo moral, político, e


religioso”, oferecendo conselhos concernentes a vida em sociedade, direitos e deveres de um
cidadão, bem como, os aspectos principais da religião cristã, no caso, a Católica Apostólica
Romana a ser seguida por Cora.

A obra, ainda pouco conhecida, tem sido referenciada consoante ao estudo sobre os
direitos das mulheres. Elisabeth Rago aponta que alguns autores enxergam um feminismo
bastante avançado nas ideias de José Lino Coutinho, por apresentar conceitos ousados em
relação à educação das mulheres da elite, sendo que tais ideias “denotam as contradições de um
período de redefinição cultural, econômica, social e política em que qualquer tentativa de
mudança se defrontava com todo o peso do tradicionalismo cristão”(RAGO, 2007:116). De
fato, seu contexto situado no período de consolidação do Segundo Reinado retrata um cenário,
onde propostas de modernização de sociedade com vistas à sua modernização influenciaram a
educação feminina, que tinha na higienização dos comportamentos o meio para alcançar tal
estágio. A educação feminina tradicional, baseada nos dogmas religiosos, deveria ser
substituída por novas noções de higiene corporal, uma educação ilustrada e exercícios físicos,
características cada vez mais presentes nas literaturas de cunho pedagógico.

Cartas sobre a Educação de Cora apresenta particularidades que nos permitem refletir
sobre os manuais de medicina doméstica. Embora não apresente instruções específicas sobre
determinados temas como ocorre nesses manuais, como por exemplo, a descrição de doenças e
as fórmulas utilizadas em seu tratamento, o livro exibe conselhos para cada fase na vida da
jovem Cora, preparando-a para a missão de ser mãe. Ana Paula Vosne Martins classifica Cora
como a primeira mulher higiênica do Brasil que através da educação orientada por seu pai, o
dr. José Lino, seria concretizado o plano pedagógico que visava transformá-la em uma “boa
mãe, saudável, instruída nos mistérios da natureza e nos conhecimentos que ilustravam o
espírito, moldada no seu caráter pelas orientações morais que, no conjunto, a habilitariam para
formar seus filhos da mesma forma que seu pai fizera com ela.”(MARTINS, 2004:229).

34
Essa temática também será retomada no capítulo em questão;
- 28 -
Através de uma linguagem didática, distintivos dessas literaturas, esses manuais leigos
de pedagogia feminina também classificados como manuais de medicina doméstica, se
propunham a redefinir o papel da mulher, pois de acordo com a medicina oitocentista, o quadro
familiar brasileiro não era adequado aos princípios higiênicos: “ as casas insalubres, os hábitos
alimentares e de asseio corporal deploráveis, a educação física e intelectual abandonada
(...)”(MARTINS, 2004:226), portanto, se dispunham a formar um determinado modelo de mãe,
orientada e domesticada pela ciência, abençoada pela religião e idealizada pela Estado.
Veremos mais adiante, através da Guia Médica das Mãis de Família como esses manuais foram
utilizados nesse projeto de reeducação feminina e familiar.

Circulação e Práticas de Leitura

A circulação de livros que compõe a coletânea de obras do tipo “faça você mesmo” que
compreende os manuais de civilidade, os almanaques, os avisos, e em especial, os manuais de
medicina doméstica, foi impulsionada pela fundação da Imprensa Régia em 1808 que provocou
o surgimento, ainda que tímido, de um certo número de gráficas e livrarias. O entendimento do
processo de produção dos livros e das práticas de leitura no Brasil poderá contribuir para uma
melhor compreensão sobre o espaço que essas bibliografias ocuparam nos séculos XVIII e XIX,
e sobretudo, tentar construir o cenário por onde a Guia Médica das Mãis de Família circulou,
torna-se oportuno.

O Brasil esteve durante séculos distante das inovações trazidas pela tecnologia
desenvolvida por Gutemberg no século XV que com a invenção de tipos móveis de prensas
mecânicas substituiu a utilização de matrizes únicas feitas de madeira ou metal promovendo
uma redução de custos e tempo na fabricação de livros. Embora alguns autores apontem que a
China já era beneficiada com textos impressos com esse tipo de método, foi sem dúvida na
Europa que a cultura escrita assumiu uma dimensão gigantesca que se estendeu para todo o
mundo.

O lento desenvolvimento nas artes gráficas no Brasil é frequentemente atribuído às


proibições de Portugal por não ser administrativamente necessária, economicamente possível
ou por representar algum tipo de ameaça. A ordem real de 6 de julho de 1747 preconizava para
fins de censura toda a produção de livros e qualquer tipo de impresso no Brasil, ficando essa
restrita à Portugal. Um alvará de 20 de março de 1720 ratificava a proibição às “letras

- 29 -
impressas” e que seus donos fossem notificados para que não imprimissem “livros, obras ou
papéis alguns avulsos”. Laurence Hallewell (2015) em um clássico estudo sobre a história do
livro no Brasil, aponta que a obsessão dos portugueses pelo isolamento da colônia perpassa sem
dúvida pelo receio de não permitir as influências estrangeiras, isso significava não apenas o
banimento de visitantes de outras nações, mas, também a restrição ao acesso de navios de outras
bandeiras por questões de segurança marítima. O autor ainda acrescenta que um regime que
não se preocupava em satisfazer as necessidades da vida quotidiana dos colonos, certamente
não iria atentar-se para indigências literárias de além-mar. As restrições tinham o objetivo de
evitar uma possível propagação de ideias políticas progressistas e revolucionárias. Segundo
Carvalho, Portugal receava a difusão das ideias iluministas e como medida preventiva às ideias
liberais proibiu a entrada de livros e o estabelecimento da imprensa. O objetivo era isolar a
Colônia de toda influência estrangeira (CARVALHO,1999:83)

As obras sobre a colônia, a começar pela carta de Pero Vaz de Caminha, só foram
impressas anos depois. Dessa forma, o acesso aos livros em tempos coloniais só era possível de
forma legal por meio da importação de Portugal que tinha como obstáculos, além de todos os
trâmites burocráticos, os custos de transportes e a censura lusitana que inicialmente era
realizada por meio da Inquisição e mais tarde pela Real Mesa Censória (FAR, 2006). Essas
restrições tornavam o contrabando uma forma recorrente para entrada de livros no país
canalizando assim, a fiscalização junto aos livreiros. Tais restrições explicariam dentre outros
fatores, a existência de apenas duas livrarias durante todo o período colonial. A primeira,
pertencente a Paul Martin, natural de Tours, considerado o primeiro livreiro carioca e a segunda,
provavelmente de propriedade de “Brito”, nome que aparece no Almanaque da Cidade do Rio
de Janeiro de 1799, mencionado por Hallewell (2015:26). Nelas eram vendidas obras
importantes de Portugal como o Almocreve das Petas, O Livro de Carlos Magno, folhinhas e
almanaques e nenhum título considerado subversivo.

Luiz Carlos Villalta (1997) destaca que os primeiros livros que chegaram em terras
brasileiras provavelmente vieram com os jesuítas juntamente com Tomé de Souza 35. As obras
mais procuradas eram os manuais de confissão, os catecismos, uma suma da doutrina cristã, o
Flos sanctorum, obra sobre a vida dos santos, e outros de cunho religioso, como as obras de
doutrina. Entretanto, os títulos que tratavam de devoção mística e ascética também tinham

35
O autor faz menção às primeiras remessas de livros que chegaram ao Brasil, provavelmente referindo-se aos
meios legais, pois, outros autores atestam a circulação de obras na Colônia que versavam sobre mais variados
assuntos, em sua maioria, consideradas de caráter subversivo;
- 30 -
acolhida no meio da população. No meio rural circulavam livros de sorte. No Nordeste, a obra
Diana, de Jorge Montemor, obra proibida, teve grande recepção. Em Ilhéus, o italiano Rafael
Olivi, por volta de 1574, “o mais afortunado indivíduo em termos de livros de então”, como
afirma Villalta, possuía uma livraria com 27 volumes, muito atualizada e que fugia dos padrões
da época, não se restringindo às obras devocionais. Nota-se também a presença de livros de
medicina na Colônia, esses aparecem no testamento do cirurgião do exército Antônio José
Vieira de Carvalho, falecido em 1818. Carvalho deixou 69 livros, sendo 28 relacionados à sua
profissão, o The English Hippocrates de Thomas Sydenham (1624-1689), texto de medicina
básica. Com relação à cirurgia havia a Memória da Academia Real de Cirurgia, os trabalhos
do português Feliciano de Almeida, cirurgião Real Câmara (falecido em 1726), dos franceses
George de La Faye (1699-1781) e Antoine Petit de Maurienne (1722-1794). Sobre anatomia, a
dos dinamarquês Jacob Benignus Winslow (1699-1790) e a dos franceses César Verdier (1685-
1759) e Raphael Bienvenue Sabatier(1732-1811). Sobre farmacopéia ele possuía a de Londres
e Edimburgo. Sobre obstetrícia, os livros de André Leuret, parteiro da mãe de Luís XVI e
inventor do fóceps curvo (1703-1780) e ainda Observaçoens sobre Partos, de autor anônimo,
entre outras obras mais especializadas.

Villalta faz uma importante observação a respeito de inventários e autos da devassa da


Inconfidência das cidades de Diamantina, Mariana, Vila Rica e São João de Rei. Segundo ele,
a posse dos livros diferenciava-se de acordo com a categoria profissional e a posição dos
inventariados e inconfidentes, concentrando-se entre os proprietários, funcionários públicos e
letrados. O tamanho das bibliotecas não era determinado pelas riquezas, mas sim, pelo nível
intelectual e escolaridade de seus proprietários, sendo os padres, advogados e cirurgiões os
maiores possuidores de livros. Em suma, havia uma relação entre a composição das livrarias e
a condição social e ofícios de seus proprietários.

Os proprietários de terras, em sua maioria, possuíam em sua biblioteca, obras religiosas,


como devocionais e liturgias. Em algumas delas, verificava-se a presença de manuais didáticos,
obras de literatura, história e medicina (VILLALTA, 1997:362,365). Mais pertinente para nosso
estudo, acrescenta-se o uso que alguns fazendeiros faziam dos manuais de fazendeiros, embora,
a presença desse tipo de literatura seja mais notada no século XIX. Esses compêndios serviam
de guias para “os novos fazendeiros que andam a esmo sem conhecer (...) a maneira de bem
dirigir o seu trabalho”(WERNECK:1985 apud RODRIGUES:2010:1). Exprimem a
preocupação com a manutenção da ordem escravista e tentavam dar conta “das diversas esferas

- 31 -
do gerenciamento das unidades rurais escravistas brasileiras” 36.Dentre eles, destacam-se O
Manual do Agricultor Brasileiro (1839), de Carlos AugustoTaunay e Memória sobre a
Fundação de uma Fazenda na Província do Rio de Janeiro (1847), do Barão de Pati de Alferes,
Francisco Peixoto de Lacerda Werneck, o Manual do Agricultor dos Generos Alimenticios, de
autoria do Padre Antonio Caetano da Fonseca (1863) e a obra de Jean Baptiste Alban Imbert,
O Manual do Fazendeiro (1834 e 1839), que tratarei melhor no capítulo dois dessa pesquisa.

O início das atividades da imprensa no país foi impulsionado pela chegada da Família
Real Portuguesa em 1808 marcando um novo cenário onde o campo literário propriamente dito,
enriqueceu-se muito com a transferência da Real Biblioteca Pública da Corte e bibliotecas de
nobres portugueses, com coleções de mineralogia e botânica (MOLINA, 2105:78).

Em 13 de maio de 1808 foi criada por decreto real a Imprensa Régia com o objetivo de
imprimir toda a legislação e papéis diplomáticos provenientes das repartições reais. Pouco
tempo depois, devido à ausência de outras tipografias no país e pela grande demanda, o governo
português permitiu o uso da Imprensa Régia para outros fins além de documentos reais, assim,
foram impressos em seus prelos textos literários e de conhecimentos gerais. A decisão n.17, de
24 de junho, determinava entre outras coisas, o estabelecimento da Junta de Direção. Tal junta
possuía diversas atribuições, como fazer o inventário dos objetos pertencentes ao órgão, nomear
os oficiais necessários e ocupar-se de publicações “úteis” para o povo, além do exame de papéis
e livros que eram destinados à impressão, proibindo os escritos contra a religião, o governo e
os bons costumes. Dentre as publicações “úteis”, John Luccock, comerciante e viajante inglês
que chegou no Brasil em 1808, inclui todas os materiais de interesse do governo como:
economia política, geografia, agrimensura, medicina, saúde pública, além de desenho e
astronomia, pois eram disciplinas do currículo da Academia Militar.

Entre os anos de 1808 a 1821 foram impressos cerca de mil títulos, excetuando os atos
governamentais. Além da documentação oficial, entre as obras impressas incluíam-se títulos de
jurisprudência, história, belas-letras (os elogios aos soberanos e os romances), teologia,
ciências, artes e periódicos. Foram também impressos livros destinados aos cursos de medicina
e aos da Academia Real Militar. No fim desse período, órgão passou a ser chamar Tipografia
Nacional atuando como auxiliadora no estabelecimento do ensino superior, exercendo
conjuntamente um importante papel na difusão da ciência (MORAES:1993). Lúcia Maria

36
MARQUESE, Rafael de Bivar. A Administração do trabalho Escravo nos Manuais de Fazendeiros do Brasil
Império, 1830-1847. Revista de História, FFLCH-USP, 137 (1997), p.96;

- 32 -
Pereira das Neves (2014) atesta a relevância desse órgão na legitimação do campo médico e de
sua prática, possibilitando a formação de elites profissionais, que através do conhecimento
adquirido, contribuíram para melhoramentos na saúde pública, confirmando a afirmativa de
Maria Beatriz Nizza da Silva (1978:126) de que naquele contexto, a Medicina seria a mais
“social” de todas as ciências , pois, é aquela que mais imbrica na vida cotidiana da sociedade .

Em 1821, o fim do monopólio da impressão realizada pela Coroa e a regulamentação da


imprensa proporcionou a instalação de tipografias particulares no Brasil tornando o livro um
objeto mais presente no cotidiano da população do país. 37

A relação da população do Brasil com a leitura durante o período colonial e parte do


Império baseava-se sobretudo, na oralidade e por uma indistinção entre público e privado. De
acordo com El Far (2006:27), a palavra falada era dominante e fazia parte das festas,
diplomacia, das leis, das pregações religiosas, “reafirmando constantemente os laços sociais,
impondo autoridade política dos governantes, nutrindo o imaginário coletivo e trazendo a
memória mitos e histórias de domínio público”.

Até 1759 a Companhia de Jesus foi o principal meio de promoção da educação formal,
possuindo vários colégios voltados para a formação de clérigos e leigos. Além das escolas
jesuíticas também havia outras instituições religiosas de ensino, tais como, as escolas
beneditinas, franciscanas e carmelitas. No entanto, a Coroa ainda reforçava dependência da
Metrópole, promovendo os vínculos com a Universidade de Coimbra, embora nos colégios já
existissem cursos superiores, o governo incentivava a ida de brasileiros para a universidade.

Em linhas gerais, a educação no Brasil resumia-se em: ensinar aos homens ler, escrever
e contar. Inicialmente, somente os homens das classes mais abastadas possuíam esse privilégio.
Às mulheres ensinavam-se as atividades pertinentes ao meio doméstico, como cozinhar, lavar,
costurar, etc. Até 1883 os pais não eram obrigados a dar instrução às meninas e nem o Estado
a prover cadeiras, por esse motivo, elas não constavam da lista de crianças “aptas” a frequentar
escolas. Porém, a educação das meninas foi incentivada pelo Estado e muitas vezes requerida,
por meio de abaixo-assinados e criação de cadeiras públicas destinadas ao sexo feminino. Dessa
forma, de acordo com a Lei 2.892 de 19 de junho de 188338ficava estabelecido a obrigatoriedade
do ensino para os meninos de 7 a 12 anos e meninas de 6 a 11 anos (VEIGA, 2007:49).

37
Para mais informações sobre a Imprensa Régia, conferir o verbete “Impressão Régia” no site do Arquivo
Nacional, disponível em: http://linux.an.gov.br/mapa/?p=2733;
38
Regulamento n.100, 19/06/1883, Lei 2.892, cap.3, seção 2ª, art.63;
- 33 -
Entre as classes mais altas, não havia uma distribuição regular da instrução. Os
comerciantes europeus que aqui chegaram e se estabeleceram mal sabiam ler e escrever. Em
Minas Gerais, nas comarcas de Sabará, Vila Rica e Serro Frio, em período de maior riqueza, os
proprietários faziam esforços para proporcionar a educação de seus filhos. Já na comarca de
Rio das Mortes, os jovens eram enviados à Universidade de Coimbra, a fim de receber uma
melhor instrução. Os pais menos abastados enviavam seus filhos para o Seminário de Mariana,
atesta Villalta (1997:354-355). Em Casa Grande e Senzala, Gilberto Freire declara que até
meados do século XIX, os filhos dos senhores de engenho do Nordeste costumavam a ter suas
aulas na própria casa-grande, ministradas muitas vezes por capelães ou mestres particulares. A
esses jovens, juntavam-se os escravos e agregados, na tarefa de aprender a ler, escrever, contar
e rezar (FREYRE, 1981). No entanto, verifica-se a prevalência do analfabetismo, sendo a
grande parcela da população que ainda não tinha acesso à instrução até pelo menos metade do
século XIX. É o que podemos verificar na apresentação da obra Machado de Assis Cronista,
publicada originalmente em 15 de agosto de 1876: “Publicou-se há dias o recenseamento do
Império, do qual colige que 70% da nossa população não sabem ler”; “Há só 30% dos
indivíduos residentes neste país que podem ler; desses 9% não leem letra de mão”. Nesse
sentido, o escritor tinha em mente, a triste realidade de que a leitura de sua obra e de outros
livros era um privilégio de poucos (FERREIRA, 2007:192).

Dentre os títulos presentes nas bibliotecas das casas de leitores brasileiros encontravam-
se os manuais de medicina doméstica ou auto instrutivos, destacados nesse trabalho. Esses
manuais satisfaziam em certa medida a necessidade de médicos onde sua presença era
praticamente inexistente. A essas obras recorriam donos de escravos, senhoras, parteiras,
curandeiros e curiosos. Dentre os manuais que tiveram maior circulação no Brasil destacam-se:

Erário Mineral (1735) de Luís Gomes Ferreira, editado pela primeira vez em Lisboa foi
um dos primeiros tratados de medicina brasileira escrito em língua portuguesa. A obra reúne as
experiências do cirurgião-barbeiro na capitania de Minas Gerais, a descrição das doenças,
tratamentos e o inventário dos medicamentos mais utilizados na época e suas respectivas
funções. Outra parte importante do livro é a composta de informações detalhadas obre a vida
dos escravos: características, alimentação, hábitos, doenças, trabalho e moradia, dentre outros
aspectos. Escrito dentro de um ramo considerado mais prático da medicina portuguesa
desempenhando por cirurgiões, parteiras, barbeiros, o autor ressaltou a experiência como a base
tanto para a medicina quanto para a cirurgia.

- 34 -
O Aviso ao Povo sobre sua Saúde foi publicado originalmente em francês no ano de
1773 por Samuel Auguste André David Tissot, médico protestante de origem suíça, que
pretendia que o conhecimento médico erudito chegasse a todos as classes. Para tanto, escreveu
às parteiras, sangradores e cirurgiões na tentativa de promover a mediação entre a saberes
medicinais e a medicina prática (ABREU, 2007:766). No prefácio da edição portuguesa,
Manoel Joaquim Henrique de Paiva declara como principal objetivo de Tissot “tratar no seu
Aviso ao Povo acerca da Saúde, das principaes e mais frequentes enfermidades agudas, que
grassão nas aldêas e lugares onde faltão médicos”(TISSOT, 1786:XXVIII). No Tomo II, edição
portuguesa de 1777, o dr. Tissot reserva alguns capítulos para os cuidados com a gestante e os
infantes, discorrendo sobre temas caros àquele momento e que versavam também em outros
importantes manuais de saúde individual, tais como: gravidez ( alimentação, vestimenta, etc);
cuidados relativos ao parto (a presença de uma parteira, o uso de bebidas quentes para a
parturiente) e por fim como tratar das principais doenças infantis, entre outros. Sua obra teve
grande acolhida e muitas tiragens foram feitas durante todo o século XVIII, porém, como afirma
Marques, não foram as pessoas do povo seus maiores leitores. Por isso, o médico esperava que
seus conselhos pudessem ser transmitidos, através de todos aqueles que tivessem acesso à sua
obra, entre eles, os padres, os proprietários de terra, mestre-escolas, cirurgiões, etc., isto é, ele
desejava que seus discursos fossem propagados, mesmo que por vias auditivas (MARQUES,
2004:1).

Outra obra de grande alcance que segue o modelo auto instrutivo é Domestic Medicine
de Willian Buchan traduzido para o português em 1788 em 4 volumes como Medicina
Doméstica, ou Tratado de Prevenir, e Curar as Enfermidades com Regimento, e Medicamentos
Simplices. Foi considerado o primeiro manual de medicina popular a se espalhar pelo Brasil
ainda no século XVIII. Segundo Charles Rosenberg, nenhum livro de saúde individual
desfrutou de tamanha popularidade antes do século XIX quanto Medicina Doméstica,
alcançando entre a sua primeira e a última versão inglesa não menos que cento e quarenta e
duas edições (1983:22). Na obra, Buchan tinha como um dos seus principais objetivos,
assegurar que as pessoas instruídas tivessem o conhecimento dos “princípios gerais da
medicina, para que pudessem aproveitar aquelas vantagens com que está adornada, e guardar-
se ao mesmo tempo das destruidoras influências da ignorância, da superstição e charlatanaria
(BUCHAN,1801:XXI). O livro poderia ser encontrado nas livrarias de segunda mão, em

- 35 -
edições gastas, páginas soltas com rabiscos de assinatura e receitas escritas a mão, indicando
seu intenso, costumeiro e cuidadoso uso.39

Entretanto, dentre aqueles manuais de grande tiragem e circulação no Brasil, estão os


escritos pelo médico polonês Pedro Luiz Napoleão Chernoviz, formado em Montpellier, na
França em 1837. Logo após sua chegada ao Brasil em 1840 se associou à Academia Imperial
de Medicina, o que lhe trouxe logo êxito social e profissional. Lançou o Formulário ou Guia
Médico (1841) e o Dicionário de Medicina Popular (1842), o primeiro dirigia-se aos iniciados
na medicina e o último, aos leigos, ambos, no entanto, ficaram conhecidos como “o Chernoviz”.
O Formulário apresentava uma descrição completa dos medicamentos ali registrados, suas
propriedades, doses e patologias na qual eles deveriam ser aplicados, plantas e águas do Brasil,
como formular as medicações, além de receitas úteis na economia doméstica (GUIMARÃES,
2004:5). Já com relação ao dicionário, a autora destaca a sua inegável serventia doméstica pela
utilidade dos assuntos escolhidos que foram apresentados de forma simples e acessível ao
público geral. Ao lado de cada doença, órgão ou medicamento apresentado, a obra trazia uma
descrição detalhada. Ambas as obras alcançaram grande repercussão, produzindo diversas
edições ao longo do século XIX e no ano de 1904 o Dicionário de Medicina Popular já se
encontrava em sua 14ª edição, utilizada amplamente pela comunidade médica, por fazendeiros,
boticários, práticos de saúde, entre outros.

A fabricação de livros de saúde foi uma arte antiga, que, segundo Rosenberg, o tratado
de Buchan, pode ter dado o ponto de partida. Consonte esse autor, a audiência bem-sucedida
do livro, bem como de Aviso ao Povo sobre sua Saúde tenha se dado porque Buchan e Tissot
ofereceram seu guia para uma elite rural que ministraria o conhecimento adquirido através da
obra, aos seus vizinhos, familiares e dependentes impossibilitados de empregar um médico
(ROSEMBERG, 1983:23). Essas obras constituíram a prova da vitalidade e da demanda por
um tipo de medicina que superou a aprovação da academia enquanto obtinha o status de livro
de uso popular (PORTER, 1991:2). Dessa forma, é possível averiguar que os manuais de
educação infantil, tal como a Guia Médica das Mãis de Família, estava inserido num contexto
de progressiva intervenção do discurso médico sobre os hábitos privados das populações, onde
a medicina se volta para a intervenção direta sobre os hábitos individuais (FREITAS, 2017:76)

39
Talvez o autor estivesse se referindo aos chamados “sebos”, tal como conhecemos no Brasil. Cf.
(ROSENBERG, 1983:23);
- 36 -
sobretudo das mães, constituídas como agentes compulsoriamente responsáveis pela
transmissão dos ensinamentos que tinha na Higiene o seu principal braço.

- 37 -
CAPÍTULO II- A Guia Médica das Mãis de Família e o Pensamento Médico sobre a
Maternidade no Século XIX.

2.1- Por dentro da Guia Médica das Mãis de Família

Estrutura Textual
A Guia Médica das Mães de Família ou A Infância Considerada na sua Hygiene, suas
Moléstias e Tratamentos foi publicada em 1843 pela Typographia Franceza,40de autoria do
médico francês formado pela Universidade de Montpellier, Jean Baptiste Alban Imbert. Imbert
foi um dos mais antigos membros da Academia Imperial de Medicina (AIM) e também autor
da obra o Manual do Fazendeiro ou Tratado Doméstico sobre as Enfermidades dos Negros
lançada inicialmente em 1834, tendo a sua segunda edição em 1839. A Guia Médica em
formato in-oitavo41poderia ser vendida ao preço máximo de 5$000rs em um volume brochado
e 6$000rs o volume encadernado.42Na Corte Imperial, além de sua residência, as obras também
eram encontradas em casa de E. e H.Laemmert, na loja de livros de Agostinho de Freitas
Guimarães e Comp., na Typografia Franceza e na casa de Gueffier & Comp.43

Segundo o autor, sua missão principal era de suprir a carência dos manuais de medicina
doméstica no país: “o Brasil reclama os socorros de huma medicina doméstica, sábia e prudente,
na ausência e privação, bem sentidas e reconhecidas, da medicina em diploma, que até agora
tem preferido concentrar-se nas grandes cidades deste vasto Império (...)”44. O autor divide o
livro em três partes: Na primeira, ele emite conselhos relativos aos cuidados com a gravidez;
na segunda, os conselhos são direcionados aos cuidados com o recém-nascido até os primeiros
anos da infância, privilegiando a higiene e, por fim, a terceira parte trata das enfermidades mais
comuns em crianças, sem contudo, como dito pelo autor, ser exaustivo nessa descrição.

40
A Typographia Franceza foi fundada em 1837 por Jean Soleil Saint-Amand. Adqurida posteriormente pelo suíço
George Leusinger, foi sob essa direção que esse estabelecimento se tornou uma das tipografias mais bem equipadas
do país assumindo um importante papel no progresso da impressão no Brasil. Por volta do final do século XIX,
continuava sendo a preferida do governo em detrimento da própria Tipographia Nacional. Cf. (HALLEWELL,
2005:230);
41
Formado a partir de três dobras de uma mesma folha, formando uma espécie de caderno com 16 páginas;
42
Cf. Folhinha de Utilidade Pública, 1849;
43
Cf. Diário do Rio de Janeiro, Coluna “Obras Publicadas”, 25/08/1842, n.184; Diário de Pernambuco, Coluna
“Avisos Diversos”, 10/03/1843; Jornal do Commercio, 31/07/1842; Diário do Rio de Janeiro, 13/01/1832;
44
IMBERT. Guia Médica das Mãis de Família. op.cit., p.10;
- 38 -
O manual ainda apresenta um formulário e um adendo sobre a Homeopatia. No
Formulário Medical, Imbert, reuniu uma compilação de receitas de medicações, que, segundo
ele, o paciente poderia recorrer sem nenhum embaraço para o caso que se apresentar (p.300).
Para tanto, as receitas observavam uma classificação científica de fácil compreensão e em
linguagem vulgar.

Nesse adendo sobre a Homeopatia, saber em fase de afirmação no meio médico naquele
momento, Imbert expõe seu extenso parecer sobre aquela que se apresenta como “a expressão
do único methodo curativo racional, e como a última palavra que possa ser dita sobre a arte de
curar”(p.379). Ao permitir transparecer sua opinião através das expressões irônicas que
registrava, o autor deixava claro o seu posicionamento no tocante ao novo saber que
despontava: “(...) a presença de promessas magníficas que a homeopathia proclama por toda a
parte ao som de trombeta”, “(..) não sendo ilusórias essas maravilhas curativas (...)”(p.380). Tal
saber, de acordo com ele, não poderia comparar-se com o Hipocratismo que tinha ao seu favor,
vinte e dois séculos de existência e de glória.

As três partes que compõem a Guia Médica se subdividem em oito capítulos compondo
423 páginas expostas em: Capítulo 1- “Conselhos sobre os cuidados e precauções que reclama
o estado de prenhez”; Capítulo 2- “Da hygiene da infância”; Capítulo 3- “Moléstias cutâneas”;
Capítulo 4- “Das Moléstias que tem sua séde, ou origem na cabeça, e nos órgãos dos sentidos”;
Capítulo 5- “Das Enfermidades que tem sua sede nos órgãos da respiração”; Capítulo 6-
“Moléstias do aparelho digestivo, do fígado, etc”; Capítulo 7- “Signaes da prenhez”; Capítulo
8- “Formulário medical” e Anexo “A Homeopathia”.

A Guia Médica das Mãis de Família constitui o segundo manual escrito por Imbert.
Nele, a atenção é dirigida para as mães e gestantes.45 Um dos graves problemas que assolavam
a sociedade naquele momento era a mortalidade infantil que constituía um motivo de apreensão
por parte da classe médica. No manual, o esculápio apresenta de forma pedagógica as
orientações destinadas às mães no cuidado com os bebês e a infância de um modo geral, numa
tentativa de redução dessa mortalidade. Ele afirma que buscou incluir no manual os preceitos
mais simples, mais fáceis e menos arriscados em sua aplicação que, na verdade, constituíam os
preceitos gerais que escritores antes dele tinham proferido, porém, com uma sensível diferença
que não era um discurso guiado por vistas científicas. Afirma ainda, que só lançou mão da

45
Uma análise mais detalhada sobre o objetivo proposto pelo autor na obra e os principais temas abordados será
feita no tópico 2.3: “A Construção da Maternidade Higiênica Segundo a Guia Medica das Mãis de Família”;

- 39 -
ciência para facilitar a inteligência da narração, em uma linguagem de fácil entendimento das
mães (p.11,12).46Na verdade, essa postura foi assumida pelo autor já em o Manual do
Fazendeiro, onde ele afirmava que para alcançar os objetivos a que se propôs era preciso:
“clareza nos princípios, simplicidade nos meios (...). A nossa linguagem será por tanto, o mais
que nos fôr possível, clara e precisa(...)”47
A disposição textual da Guia Médica segue o modelo de outros manuais, tais como,
Buchan, Tissot e Cullen que têm em comum o fato de apresentarem temas divididos
pedagogicamente em títulos direcionados a facilitar a interpretação do cidadão comum na
ausência de um de médico (GUIMARÃES, 2005:503; ABREU, 2011:127).
Muito mais do que informar acerca dos cuidados com a saúde, tais manuais, afirma Vera
Marques possuíam a finalidade de “regrar procedimentos, formas de tratar os doentes e suas
doenças, em um esforço normatizador que colocava o médico mesmo nos lugares nos quais ele
não era encontrado”(2004:39). Roy Porter (1992) salienta que tais publicações tinham o
objetivo de transmitir noções de medicina e de higiene à população tendo como base
procedimentos simples, com o intuito de tornar mais acessíveis os conhecimentos para a
conservação da saúde. Já Guimarães (2016) ressalta que é nos prefácios dessas obras que o
aspecto pedagógico ficava mais claro: enfatizava-se a importância de que o leitor criasse novos
hábitos, aprovados pelas regras higiênicas do período. A indicação de uma conduta terapêutica
também é bem definida, onde a ideia da higiene como a mola mestra da saúde ficava clara. Isso
é evidenciando tanto por Imbert quanto nas obras de Chernoviz. O dr. Imbert reitera a
importância da observação dos preceitos higiênicos, como sendo responsáveis pela saúde das
cidades, e, caso isso não fosse observado, o caminho estaria aberto para o assalto das epidemias.

Outro importante fator que insere a Guia Médica nas discussões mais recentes daquele
período é o que diz respeito às amas de leite. Para o doutor, seria raro existir uma mulher sequer
no país que apresentasse as condições físicas capazes de prover uma nutrição eficaz, dado as
condições climáticas locais, com seu calor excessivo que afetava grandemente o sistema
nervoso, unidas às gravidezes em tenra idade que tornavam a sua saúde muito frágil. Dessa
forma, para Imbert, tais mulheres não apresentariam condições de suportar uma amamentação
prolongada sem grave detrimento da saúde. Nesse caso, apesar de não ser a sua preferência, o
médico aconselhava recorrer às amas-de-leite, pois, segundo ele, é o que representava menos

46
O autor ainda se autodenomina de “historiador popular”;
47
Imbert. O Manual do Fazendeiro. op.cit., p. XVIII;

- 40 -
riscos para a mulher. O dr. Imbert deixa claro que essa era a sua opinião atual e que não
representava a totalidade da classe médica não o permitindo desconsiderar o parecer de seus
pares48. Ele dá preferência pelas amas brancas, se elas apresentassem boas condições de saúde
a despeito do clima, o que, segundo ele, não ocorria na maioria das vezes. Nesse caso,
aconselha-se a utilização das africanas que já estavam acostumadas com o clima quente
(p.51).49

Nas questões relativas ao parto, o autor não faz muitas recomendações, somente as
relativas à higiene, a fim de que esse momento seja mais confortável para a mulher,
diferentemente do Manual do Fazendeiro, em que Imbert demonstra de forma inquietante a
preocupação com as parteiras. Nesse manual, ao tratar do parto das escravas, o doutor reprova
veementemente a participação de parteiras, que não sejam parteiras experimentas 50pois, as
mesmas utilizariam práticas supersticiosas, unidas de movimentos e esforços que segundo ele,
só trariam prejuízos à parturiente51. No entanto, tais justificativas possuem raízes muito mais
profundas que fazem parte do debate envolvendo a afirmação da classe médica e condenação
dos charlatães no cenário das práticas de cura, nas quais as parteiras estavam
inseridas.52Verifica-se a presença desse princípio em muitos manuais: enquanto educavam-se
os doentes, melhorando suas condições de existência, enquadravam-se “os curandeiros,
barbeiros, parteiras e outros curadores aos ditames da ciência ao instruí-los a curar através das
cartilhas”(MARQUES, 2003:3). O objetivo desses autores era cuidar para que ninguém fosse
furtado do conhecimento, especialmente àqueles indivíduos sujeitos aos aproveitadores, ao
passo que reafirmavam a autoridade do saber médico-acadêmico.

48
IMBERT, A Guia Médica das Mãis de Família. op.cit., p:37,48-50;
49
Retornarei a essa discussão ainda nesse capítulo no tópico “A Construção da Maternidade Higiênica segundo a
Guia Médica das Mãis de Família”, onde pretendo analisar alguns temas caros ao doutor Imbert que o ajudou a
compor a imagem de uma maternidade ideal;
50
Possivelmente J.B.A. Imbert ao mencionar “parteiras experimentadas” referia-se à parteiras licenciadas. Maria
Lúcia Barros Mott aponta a existência de dois grupos de parteiras: as práticas e as licenciadas, examinadas e as
diplomadas em curso de partos. Entre as práticas situam-se aquelas que exerciam a profissão sem a autorização
legal, constituindo um grupo mais numeroso. Atendiam às pessoas da família ou da vizinhança e nem sempre a
assistência ao parto era a sua principal atividade. Já o segundo grupo, em número bem menor, era composto por
aquelas parteiras que possuíam uma licença especial para o exercício da profissão. Tal licença era concedida pela
Fisicatura Mor, órgão burocrático-administrativo responsável pelas questões referentes à higiene pública e
exercício da medicina. Entre as exigências para a concessão da licença estavam a comprovação da experiência e o
exame realizado por cirurgiões e/ou uma parteira aprovada. A partir de 1832, as mulheres que desejassem exercer
a profissão deveriam ingressar no Curso de Partos oferecido pelas Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e da
Bahia. Cf. (MOTT, 1999);
51
Imbert. O Manual do Fazendeiro.op.cit, p.249;
52
Essa discussão também será retomada ainda nesse capítulo ao tratar da maternidade proposta Imbert;
- 41 -
O Autor

Jean Baptiste Alban Imbert ainda é pouco conhecido por nossa historiografia. As
poucas referências ao autor e à coletânea de suas obras são feitas geralmente com relação às
doenças, compra e venda de escravos, nascimentos e batismos e para explicar as altas taxas de
mortalidade infantil. Entre suas publicações, além da Guia Médica e do já citado Manual do
Fazendeiro ou Tratado Doméstico sobre as Enfermidades dos Negros, estão o Ensaio
Higiênico sobre o clima no Rio de Janeiro (1837) e Charlatanismo: Uma Palavra Sobre o
Charlatanismo e os Charlatães (1837)53. Como já mencionado, Imbert alega ter chegado ao
Brasil em 1831 tendo como objetivo estudar “a maneira com que se pratica a Medicina popular
no Brasil54. Teve seu diploma reconhecido pela Academia de Medicina do Rio de Janeiro em
virtude da lei de 03 de outubro de 183255 que dava nova organização às atuais Academias de
Médico-cirúrgicas das cidades do Rio de Janeiro e Bahia. Se tornou o primeiro médico
estrangeiro a revalidar seu diploma na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro no ano de
1834. Foi também membro efetivo das Sociedades Auxiliadoras da Indústria Nacional (SAIN)
e literatura do Rio de Janeiro. Imbert permaneceu no país até 1843 quando decidiu retornar à
França a fim de tratar de uma enfermidade (Jornal do Commércio, 1843) 56.

Sobre a trajetória de Imbert antes de sua chegada ao Brasil, as poucas referências nos
são fornecidas por meio do trabalho pioneiro de Iamara Viana, Corpos Escravizados e Saber
Médico: Proposições de Jean-Baptiste Alban Imbert (1830-1850). Em sua tese, a autora,
apresenta valiosos achados sobre a vida particular de Jean Baptiste Alban Imbert antes de seu
desembarque no Brasil. Tais dados foram coletados em Montpellier e Draguignon, na França.
Em Montpellier, segundo ela, foram encontradas informações sobre a tese, diploma e exames
finais do médico. Porém, foi em Draguignon onde a maior parte dos dados foram encontrados.
Lá estavam todos os documentos relativos ao período em que Imbert foi prefeito. A pesquisa
de Iamara Viana abriu um caminho que até o momento permanecia obscuro. Por meio de sua

53
Além dessas publicações, o Diário do Rio de Janeiro (13/01/1832) menciona uma obra intitulada Conselhos ás
Mães de Família, escrita em português e francês. Já a Revista Médica Fluminense (out./1835, n.7) faz referência
ao Tratado da Velhice, ou Arte de Prolongar a Vida e Conselhos às Mães Brasileiras sobre o Aleitamento. As
respectivas obras não foram localizadas durante a realização desta pesquisa;
54
IMBERT. O Manual do Fazendeiro. op.cit., p.XVI;

Membro Titular: Eleito: 15/10/1835 - Posse: 15/10/1835 – Sob a presidência de Joaquim Cândido Soares de
55

Meirelles. Disponível em http://www.anm.org.br/conteudo;

56
Jornal do Commércio, 20/07/1843, Ano XVIII, n°190;

- 42 -
tese, podemos conhecer um pouco mais do autor investigado nesse trabalho. A observação de
sua biografia poderá fornecer possibilidades para a compreensão de seu discurso.
Imbert nasceu em 23 de junho de 1787, filho natural e legítimo de Balthasard Henri
Pierre Imbert e Anne Rose Amic. Seu pai foi notório real e pertencia a uma das famílias mais
abastadas de Le Beausset, pequena vila distante do centro político, econômico e cultural do
país, Paris. Na sua formação consta Bachelier ès-lettres, equivalente ao ensino médio e officier
de santé, uma espécie de agente de saúde e ainda ex-chirurgien de 2ª classe de la Marine que
correspondia a um cirurgião de segunda classe de carreira militar. Os cirurgiões de segunda
classe poderiam ascender a doutor durante o período que serviam a marinha francesa em suas
colônias. Imbert concluiu o curso de medicina em Montpellier em 1815 com a tese Ensaio sobre
a Apoplexia. Viana informa que após a conclusão do curso de medicina o recém doutor entrou
para o cenário político da pequena vila de Le Beausset provavelmente apresentado por seu sogro
que também era médico (VIANA, 2016:35-36).

Nos arquivos franceses, a autora também encontrou o provável motivo da fuga de Imbert
para o Brasil: ameaças de morte recebidas por ele devido ao descontentamento por parte da
população diante de um caso de favorecimento à Condessa de Seran (VIANA, 2016:38). Em
documento assinado em 17 de maio de 1824 em Toulon, J.B.A. Imbert, informa sua saída do
cargo a fim de ocupar outro, porém não informado.

A vida do doutor Imbert se inicia publicamente no Brasil em 15 de outubro de 1835,


quando, de acordo com a documentação da Academia Imperial de Medicina foi aceito como
membro titular (Revista Médica Fluminense, 1835)57porém, não foi possível verificar com
precisão sua movimentação antes de chegar o país em 1831 devido à ausência dos passaportes
equivalentes aos anos de 1820 a 1830, segundo informado por Viana. A partir de então, a
documentação mais profícua a respeito do médico é encontrada nos jornais. Neles, é possível
perceber, dentre outros fatores, um pouco da receptividade de suas obras atestada por seus
clientes e/ou leitores dos periódicos, além de alguns aspectos de sua vida pessoal. Sabe-se que
o doutor residia na Corte, na Rua da Quitanda n.61 em casa alugada por Joaquim de Brito e
Oliveira (Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1844)58, onde eram

57
Publicada pela Revista Médica Fluminense, n.7 de outubro de 1835;
58
Mesmo após partida de Imbert para a França, o Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro
continuava a informar a presença do médico na cidade, constando como endereço a Rua da Quitanda n.39 (1844,
N.3, p.47) em vez de n.61, como informado pelo Jornal do Commercio;
- 43 -
vendidas as suas obras, e em Paris na Lafayette n.73. Dúvidas pairam sobre o local de sua
propriedade citada em o Manual do Fazendeiro, pois Imbert apenas menciona que sua fazenda
estava estabelecida no “centro de huma das mais ricas e ferteis Provincias do Imperio Brasil” 59,
possuindo, segundo ele, cerca de duzentos a trezentos escravos.

Dentre os poucos dados pessoais que são fornecidos pelos jornais é sabido que o médico
pôs os seus bens a leilão, sendo esses referentes à Corte, incluindo toda a sua escravaria, por
ocasião de seu retorno à França. Alguns jornais da Corte daquele período nos atestam isso:

J.J Dodsworth fará leilão na rua da Alfandega n.28, no dia de sexta-feira, 21


do corrente mês, às 3 horas, (...) uma grande porção de livros de medicina e
literatura antiga e moderna, algumas com gravuras coloridas e todos em bom
estado, pertencentes a biblioteca do Ilm°. Sr. Doutor Imbert que se retira
temporariamente d’esta corte para tratar de sua saúde (...) (Diário do Rio de
Janeiro,1843) 60

Leilão de riquíssimos móveis pertencentes ao Ilm.°Sr. Dr. Imbert, que se retira


temporariamente de sua saúde, de toda a sua soberba mobília de mogno e
jacarandá, soberbos espelhos, gravuras, louça, crystaes, (sic), carro de quatro
rodas, (...) nova com seus arreios, parelhas de bestas, etc. (Jornal do
Commercio, 1843) 61

Leilão extraordinário de escravos, casa da Rua da Quitanda n.112, sobrado


por conta do Sr. Dr. Imbert, que se retirou para a França (...). O Sr. Dr. Imbert
tinha reservado estes escravos na esperança de voltar ao Brasil, porém
achando-se impedido pelo mao estado de sua saúde, resolveu-se dar ordem
para que sejão arrematados impreterivelmente.(Jornal do Commercio,1845 )62
De acordo com o Jornal do Commercio (21/08/1843),63 a partida de Imbert para a França
se deu no dia 19 de agosto de 1843 na Barca Franceza Amélie. Seus planos de retorno ao Brasil
não foram concetizados e o médico faleceu na França aos sessenta e três anos em 17 de junho
de 1850 às nove horas da noite de causa não informada.64

Durante sua estadia no Brasil, Imbert revelou-se uma figura controversa, dado a não
poucas situações polêmicas que envolveram o seu nome. Já no seu ingresso na Academia
Imperial de Medicina, na ocasião da defesa de sua tese As Hemorrhoidas, o doutor foi criticado
pelos presentes por não ater-se à explanação de seu trabalho, lendo um discurso que, segundo

59
IMBERT. O Manual do Fazendeiro, op.cit., p.356;
60
Diário do Rio de Janeiro, n.159, 20/07/1843;
61
Jornal do Commercio, 04/08/1843, Ano XVIII, n.204;
62
Jornal do Commercio, 17/01/1845, Anno XX, n.16;
63
Jornal do Commercio, 21/08/1843, Ano XVIII, n.220;
64
Archives Départementales du Var. Draguignan, França. Vide VIANA. Corpos Escravizados e Saber Médico.
op.cit., p.45;
- 44 -
o autor da matéria, não vinha ao caso, gerando um desconforto na plateia: “(...) por não ser bem
entendido pelos spectadores, que não percebem todo o Francez corretamente expressado, foi
mal interpretado e tomado em má parte (...)”(Revista Médica Fluminense, 1835).65Outra polêmica
ocorrida na Academia, dessa vez em maiores proporções, envolveu o então autor de Uma
Palavra Sobre o Charlatanismo e os Charlatães. Apenas dois anos após seu ingresso na
Academia Imperial de Medicina, ele solicita seu desligamento devido à desentendimentos com
seus colegas. O fato ocorrido é registrado no prefácio da obra, datada de julho de 1837. Nela,
Imbert inicia relatando que aceitou o convite para filiar-se à entidade sem que houvesse por ele
um pedido ou solicitação. Passa a descrever então que, no dia destinado a leitura de uma
memória de sua autoria na sessão geral de 27 de julho do mesmo ano, seus companheiros,
membros da Academia, em uma discussão acalorada afirmaram que o seu trabalho não era
apropriado para uma sessão pública, antes mesmo de tê-lo lido. Imbert descreve sua indignação
ressaltando que se absteve da leitura do texto, retirando-se do local. Ele afirma que a decisão
que ele passa a tomar, não é fruto de um capricho, mas um ato de dignidade 66.

A trajetória do esculápio foi marcada por ocorrências conturbadas que envolviam seus
pares. Alguns dos acontecimentos colocavam em dúvida até sua reputação profissional perante
a sociedade. Um desses, foi o que resultou num longo debate que transcorreu em várias edições
do Diário do Rio de Janeiro envolvendo um importante médico da Corte, o Dr. A. Ildefonso
Gomes (Diario do Rio de Janeiro, 1838).67O ocorrido foi relatado por um leitor que se
identificou como “uma victima”. Segundo ele, o Dr. Imbert afirmava haver mais de um feto em
um parto assistido pelo dr. Ildefonso e alguns dos seus assistentes, a qual a vítima veio a falecer
juntamente com a criança, nesse caso, apenas uma, como confirmado pela autópsia, gerando
comoção no marido viúvo e demais familiares. A “victima” acusa o dr. Imbert de tentar adquirir
fama por meio de reputação alheia. De acordo com o relato, Imbert foi desmascarado, para
alívio de dr. Ildefonso.

Outro imbróglio mencionado pela “victima” envolvendo o dr. Imbert foi o ocorrido com
um francês denominado David que havia levado uma facada. O mesmo implorara ao doutor
para que lhe examinasse a fim de dizer se o ferimento era grave ou não. O parecer do médico
foi claro: não havia perigo, pois, a ferida não era penetrante. Todavia, o paciente veio a óbito e
a autópsia revelara um profundo corte que chegava ao estômago. A “victima”, afirma ainda

65
Revista Médica Fluminense, n.7 de outubro de 1835, op.cit., p.6;
66
IMBERT. Uma Palavra sobre o Charlatanismo e os Charlatões, op.cit. V-XI;
67
Diario do Rio de Janeiro, 31/08/1838, Ano XVII, n.191;
- 45 -
conhecer muitos outros casos em que o dr. Imbert havia procedido de forma negligente, mas,
se limitaria a esses, rogando ao redator que o relato fosse publicado a fim de que pudesse servir
como um corretivo para a “ignorância ou a calculada malignidade”( Diario do Rio de Janeiro,
1838).

Não obstante os acontecimentos turbulentos que cruzaram a sua carreira profissional,


não podemos negar que o dr. Imbert gozava de certa honra entre seus pares. Participou de
comissões capitaneadas pela Academia Imperial de Medicina a fim de emitir parecer sobre
determinados assuntos, como foi o caso das epidemias que assolaram o Rio de Janeiro entre
1836 a 1850; foi redator do periódico Annaes Brasilienses de Medicina juntamente com o dr.
Sigaud; por vezes, também foi referenciado por periódicos populares e especializados, ao lado
de renomados médicos, alguns deles estrangeiros como o próprio Sigaud, Chernoviz, Cuissant
e Coats. Ademais, suas obras, em especial o Manual do Fazendeiro, foram colocadas ao lado
de importantes manuais publicados nos séculos XVIII e XIX, tais como, A Medicina Doméstica
de Buchan, O Aviso ao Povo de Tissot e o Formulário ou Guia Médico e o Dicionário de
Medicina Popular de Chernoviz.

Sabemos que as relações sociais do dr. Imbert não se restringiam ao campo médico-
científico. Como proprietário de terras e senhor de escravos, o médico ingressou na Sociedade
Auxiliadora da Indústria Nacional (SAIN) a convite, sob a presidência de Araújo Vianna (O
Auxiliador da Industria Nacional, 1836)68 muito provavelmente para estar a par dos debates
acerca do progresso da ciência na área agrícola. Essa associação de caráter privado esteve
ligada ao fomento do desenvolvimento econômico e alcançou grande expressividade no
governo imperial tendo até mesmo a subvenção anual no orçamento do Estado.Congregando
em seu hall de membros cientistas, letrados, políticos, fazendeiros, agricultores, negociantes e
até médicos como Imbert, a SAIN tornou-se a partir de 1860 um órgão consultivo do Estado
“concedendo licenças e prêmios para aqueles que se dispusessem a desenvolver novas espécies
e máquinas agrícolas”(BARRETO, 2008:2).

Na matrícula geral de membros da SAIN de agosto de 1837 consta o nome de Imbert e


a data de seu ingresso, que corresponde ao mesmo ano.69 Já na lista de membros de janeiro de
1838, na presidência de Francisco Cordeiro da Silva Torres, verificamos a presença de Imbert

68
O Auxiliador da Industria Nacional, 17/12/1836;
69
Matrícula Geral dos Membros da Sociedade Auxiliadora da Industria Nacional. [S.I], 20/08/1837. 44p. Orig.
Ms. Coleção Decimal. Seção de Manuscritos. FBN. Disponível em: https://www.bn.gov.br
- 46 -
como sócio efetivo.70 Segundo o Estatuto da SAIN são considerados sócios efetivos todos
aqueles indicados pelo Conselho Administrativo que são coadjuvantes nos trabalhos da
entidade ou que lhe tiverem realizado serviço relevante.71Porém, devido ao estado das atas que
se encontram em grande parte ilegíveis, não foi possível verificar algum indicativo de qual tipo
de serviço foi considerado relevante que permitiu o seu ingresso como sócio efetivo da
mesma.72

A análise da figura de Imbert e sua representatividade nos auxiliará no caminho para a


compreensão de sua obra. Para além de Foucault e sua função autor (FOCAULT, 2010)73,
Roger Chartier entende esse conceito como “característica do modo de existência , de circulação
e de funcionamento de certos discursos no interior de uma sociedade”(CHARTIER, 2012:27).
Para ele, essa função também compreende as estratégias que alguns indivíduos podem utilizar
dentro de uma determinada configuração social para ter sua autoria reconhecida. Sendo assim,
procura-se aqui compreender a Guia Médica das Mães de Família, associando a obra a quem a
produziu, buscando no autor pistas para elucidar o texto. A compreensão de suas relações no
interior de um sistema típico de uma sociedade de corte, onde o nome muitas vezes era atrelado
à figuras aristocráticas, além de sua expressividade como senhor de terras e de escravos poderá
nos auxiliar na reconstrução de seu discurso. 74

70
Lista de Membros da Sociedade Auxiliadora da Industria Nacional. [S.I], 00/01/1838. 16p. Orig. Ms. Coleção
Decimal. Seção de Manuscritos. Disponível em: https://www.bn.gov.br
71
Estatutos da Sociedade Auxiliadora da Industria Nacional. Rio de Janeiro, 23/06/1831. 9p. Orig. Ms. Coleção
Decimal. Seção de Manuscritos. FBN. Disponível em: https://www.bn.gov.br
72
De acordo com consulta nas Atas de Sessões da Sociedade Auxiliadora da Industria Nacional. Assembleia,
15/11/1835-31/03/1838. Assinada por Francisco Cordeiro da Silva Torres. Aut. (43 doc.) 77p. Orig. Ms. Coleção
Decimal. Seção de Manuscritos. FBN. Disponível em: https://www.bn.gov.br
73
Segundo Foucault, a função autor pode ser resumida como: “(...) tem-se o hábito de ver na fecundidade de um
autor, na multiplicidade dos comentários, no desenvolvimento de uma disciplina, como que recursos infinitos para
a criação dos discursos”. Cf.: (FOUCAULT, 2010:36);
74
Tratarei no tópico seguinte sobre fatores que determinavam a competência profissional de um médico naquele
período, além de discutir como esses fatores eram arranjados a fim de testificar a autoridade científica.
- 47 -
2.2- Imbert e a Carreira Médica no Século XIX.

Imbert formou-se na universidade de Montpellier, onde concluiu o curso de medicina


em 1815 com a tese Ensaio sobre a Apoplexia. A cidade francesa ficou conhecida como “cidade
médica” desde o seu estabelecimento por volta do século X por atender a grandes demandas de
atendimento médico devido aos intensos intercâmbios comerciais, originando ali diversas
instituições de caridade e hospitalares. No início do século XIII, a Faculdade de Medicina já
constituía um dos maiores centros de ensino médico da Europa Ocidental, posição mantida ao
longo de cinco séculos seguintes, oferecendo não apenas o ensino livresco, mas também a
prática clínica, sendo identificada pela literatura especializada como um dos principais centros
do surgimento da abordagem das ciências da vida, conhecida posteriormente como vitalismo. 75

Imbert chega em terras brasileiras em 1831 e é apresentado a uma classe médica em fase
de estruturação e em uma luta pela legitimação que perdurará por todo o século XIX. É eleito
pela Academia Imperial de Medicina em 15 de outubro de 1835 tomando posse como membro
titular76no mesmo dia sob a presidência de João Candido Soares de Meirelles. Constituiu o 36°
membro mais antigo da AIM.77Ao tomar posse, Imbert se depara com uma jovem Academia
Imperial de Medicina, antes denominada Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro (SMRJ),
fundada em junho de 1829 que representava o sentimento de liberdade oriundo da
independência do monopólio profissional exercido pelos portugueses. Porém, é importante
ressaltar que na prática, a medicina brasileira ainda era exercida desde o período colonial por
profissionais de diferentes níveis de formação e marcada pela convivência com diversas
“medicinas”(FERREIRA; MAIO; AZEVEDO, 1998:478). A preocupação em demarcar o
território de atuação dos médicos ou mesmo de banir todo o exercício das “medicinas” não-

75
Do grupo formado por Louis de La Caze (1705-1765), Gabriel F. Venel (1723-1775), e Bordeu (1751- ?) surgiu
uma das principais formulações do vitalismo: 1-Crítica à aplicação da física, da mecânica e da química na medicina
e ênfase na observação tanto da saúde quanto da ciência, isto é, somente pelo acompanhamento do curso das
doenças e sua observação é possível compreender a sua verdadeira composição; 2- O corpo humano vivo é
composto de duas propriedades fundamentais: o movimento e o sentimento, sendo privilegiado as análises sobre
a sensibilidade (Bordeu) e a irritabilidade (Haller), definindo dessa forma, a linha de estudos de Montpellier. Cf.
(WAISSE; AMARAL; ALFONSO, 2011). Porém, o vitalismo de Montpellier também ficou conhecido por Paul
Joseph Barthez (1734-1806) e sua obra Nouveaux Élements de La Science de l’Homme em suas três edições em
1778, 1806 e 1858, respectivamente. Nela, o autor propõe o que ele chama de “nova fisiologia”, coerente com a
visão de “Homem inteiro” e com sua proposta de “Ciência do Homem”, a qual foi definida como “o conhecimento
das leis que segue o ‘Princípio da Vida no Corpo Humano’”.Além disso, Barthez se opunha aos vitalistas clássicos
de Montpellier que privilegiavam a sensibilidade sobre a motricidade, reduzindo a vida à sensibilidade.
76
Para o ingresso como membro titular, exigia-se do candidato diploma de médico, cirurgião, boticário, botânico,
químico ou naturalista, um trabalho escrito sobre ciências médicas ou naturais e a indicação por parte de um ou
mais membros titulares. Cf. (FERREIRA; MAIO; AZEVEDO,1998);
77
Consultar Academia Nacional de Medicina: Membros. Disponível em: www.anm.org.br
- 48 -
oficiais, ou seja, aquelas não regulamentadas pela lei de 1832, levou Imbert e outros médicos
do período a aconselhar a população contra os malefícios de se procurar profissionais não
autorizados pela Academia. É o que ele advertiu em Uma Palavra sobre o Charlatanismo e os
Charlatães.

De acordo com a obra, todos aqueles que procurassem esses profissionais eram
semelhantes a uma criança submissa e obediente que não teve sua razão desenvolvida ainda, se
pondo “à disposição de qualquer individuo sem títulos conhecidos, nem talentos, que fizer
ressoar a seus ouvidos, ou penetrar em seu peito, a lisonjeira esperança de recuperar em breve
a saúde”78. É no âmbito da formação e legitimação da classe médica que ocorre o
estabelecimento da Academia Imperial de Medicina por meio do Plano de Organização das
Escolas Médicas do Império, inspirado no modelo francês, através do qual as academias
médico-cirúrgicas da Bahia e do Rio de Janeiro passam a ser denominadas faculdades de
medicina, representando assim os únicos estabelecimentos de ensino médico no Brasil,
aprovados pelo Governo Imperial. A Academia traduzia os preceitos do higienismo e da
anatomoclínica europeus, observando as relações entre o homem, doença e clima no que diz
respeito ao saber e práticas médicas. Todas as práticas divergentes eram consideradas
charlatanismo.79Nesse sentido é que a prática da homeopatia foi condenada por Imbert e seus
pares, envolvendo acadêmicos e homeopatas num intenso debate na década de 1840.

Segundo Ferreira et al (1998) a mudança de nome para Academia Imperial de Medicina


(AIM) trouxe consigo uma alteração significativa em todo o projeto original, o que foi
repudiado por José Francisco Xavier Sigaud, um dos fundadores da SMCRJ, pois trazia como
consequência direta a intervenção do governo nos assuntos da academia. Contudo, de acordo
com os autores, foi o patrocínio estatal o responsável pela sobrevivência da entidade. Como
órgão corporativo, a Academia seguia promovendo o delineamento das feições da medicina
oficial, desautorizando qualquer atividade desenvolvida pelos médicos, cirurgiões e
farmacêuticos que não fosse previamente aprovada pela AIM instituindo assim, um monopólio
profissional baseado exclusivamente no pertencimento ao quadro de sócios. Mas, a filiação à
AIM também poderia garantir certas honrarias à sua membresia. O Estatuto da Academia

78
IMBERT, Jean Baptiste Alban. Uma Palavra sobre o Charlatanismo e os Charlatões. Rio de Janeiro: Typografia
de J.S.Sain -Amant e L.A Burgain, 1837, p.3. Disponivel em: https://www.nlm.nih.gov/;
79
Cf. Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro. Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil
(1832-1930), Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz. Disponível em: www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br. Acesso em 11
de dezembro de 2017;
- 49 -
preconizava que “o lugar de membro da Academia é um título de recomendação para todas as
comissões ou empregos relativos ao exercício da medicina”(Estatuto da Academia Imperial de
Medicina, 1835).80Odaci Coradini aponta que o título de recomendação constituía “uma
instância de acumulação de capital de relações e de consagração de imagens
sociais”(CORADINI, 2005:5) presentes também na Academia Francesa. O princípio de
recomendação e honraria preconizados no Estatuto, na verdade já estavam presentes nos
critérios de seleção que incluíam, além dos já citados anteriormente, a avaliação da
personalidade, dos títulos, da memória e dos trabalhos publicados. O autor ainda acrescenta
como critério de seleção a condição profissional, como por exemplo, a de clínico de renome,
professor, representante da classe ou algum de seus segmentos ou especialidades, e ocupantes
de cargos de direção em organizações públicas ou privadas ( CORADINI, 2005:12).

No que diz respeito à competência profissional, Edmundo Campos Coelho salienta que
essa competência era atestada não propriamente pelos resultados práticos das terapias
desenvolvidas pelos médicos, mas por um conjunto de fatores que seriam sem muita relevância
para os dias atuais, tais como: o domínio de uma língua estrangeira, sobretudo o francês,
conhecimentos de teorias médicas mais em voga na Europa, a proveniência social, referências
sociais, isto é, de clientes notáveis, uma certa cultura humanística e evidentemente, a posse de
um diploma de medicina. Em outras palavras, o autor afirma que era a clientela e não a
comunidade médica, quem socialmente definia o caráter da medicina e os procedimentos
adequados para cada caso (COELHO, 1999:90). Um exemplo disso, eram as pacientes do sexo
feminino que muitas vezes recusavam ser tocadas pelo médico, o que obrigava o mesmo a
buscar meios alternativos para tratá-las. Isso, no que se refere a clientela mais abastada, pois a
grande parcela da população não tinha acesso à medicina acadêmica devido aos parcos recursos
ou mesmo por temor da figura do médico, muitas vezes, desconhecida. Desta forma, não eram
raros os casos de egressos da faculdade de medicina recorrerem a outras atividades profissionais
a fim de garantir o sustento, pois, de forma geral, os critérios que garantiam a renda, prestígio
e poder eram todos de natureza extraprofissional: hábitos culturais, extração social da clientela
e relações pessoais (COELHO, 1999:76). Sendo assim, de acordo com esse pensamento, todos
aqueles que não eram tão afortunados nesses quesitos estariam fadados a nunca ascenderem
prosperamente em suas carreiras.

80
Estatuto da Academia Imperial de Medicina, Artigo7, 1835, p.7;
- 50 -
Outro fator capaz de consagrar um nome no interior do campo médico é autoridade
científica. Sobre aquisição dessa autoridade ou a acumulação de capital científico, Bourdieu
declara:

[...] é fazer um ‘nome’, um nome próprio, um nome conhecido e reconhecido,


marca que distingue imediatamente seu portador, arrancando-o como forma
visível do fundo indiferenciado, despercebido, obscuro, no qual se perde um
homem comum (BOURDIEU, 1983:132).
Em nosso caso, em se tratando do médicos da Academia Imperial de Medicina, Aline
Medeiros (2018) retrata a atuação do Dr.Chernoviz, onde após seu estabelecimento como
médico na Corte buscou tomar parte nessa instuição que, devido a sua aproximação com o
Estado corroborou, dentre outras coisas, para a existência de uma certa sociabilidade de corte,
constituindo-se um espaço de escolhidos e eleitos a partir de relações sociais. Ciente dessa
dinâmica, o médico não tardou em cultivar relações pessoais com nomes locais, tais como o
dr. Sigaud e o dr. J.M.Faivre. Dentro de um pouco tempo, Chernoviz seria conhecido do próprio
imperador, recebendo a medalha de condecoração de cavaleiro da Ordem de Cristo. Medeiros
destaca que essa rede de relações cultivadas pelo médico viria a contribuir para a constituição
de sua autoridade, conferindo um estatuto de verdade e confiabilidade a suas obras. Atento ao
funcionamento do processo de aquisição dessa autoridade nos meios científicos imperiais, o
médico tratou de atrelar esses importantes nomes às suas obras.

Já para o doutor Imbert, sua a inserção na AIM, órgão que reclamava para si o
monopólio profissional e sua atuação no interior da mesma, como participação nas comissões
com o encargo de emitir parecer sobre as epidemias que assolaram o Rio de Janeiro a partir da
década de 1830, ou ainda como redator ao lado do dr. Sigaud dos Annaes Brasilienses De
Medicina, periódico dessa instituição, foram importantes agentes na acumulação de capital
científico na carreira desse médico. Sua inserção nas redes científicas que se formavam no
interior dessa organização, nas quais se fomentavam a autoridade e a autoria dos livros de
medicina, somados todos os benefícios inerentes à condição de associado e o preenchimento
dos quesitos de natureza extraprofissional mencionados anteriormente, cooperou na construção
de seu “nome”, tornando-o “conhecido”, o que nos leva a considerar que o médico desfrutava
de uma certa reputação no seio da sociedade de meados do oitocentos o que conferia ao seu
discurso e à suas obras o reconhecimento tanto do ponto de vista da relação médico-paciente
quanto literário.

- 51 -
2.3- A Construção da Maternidade Higiênica Segundo a Guia Medica das Mãis de Família.

J.B.A. Imbert anuncia no prefácio da Guia Médica, a função proposta pelo seu manual.
Segundo ele, a atual publicação vinha preencher uma lacuna provocada pela ausência de uma
medicina de diploma. Conforme declara, a obra de medicina doméstica possuía noções
científicas, mas, dispostas de maneira simples e de fácil aplicação81 colocadas à disposição do
ensino das mães e das gestantes. Apresentava um “código higiênico” que deveria ser observado
durante todas as fases da gravidez, puerpério e primeira infância.

Ao apresentar a obra, o doutor afirma que apenas reproduziu os “preceitos geraes que
outros escriptores mais hábeis têem dado muitos annos [...] sobre a hygiene que respeita ao
estado de gravidez” 82. De acordo com ele, a originalidade em relação aos manuais anteriores à
Guia Médica, consistia em expor tais preceitos com simplicidade e modéstia, não guiados por
“vistas científicas” a fim de facilitar o entendimento do leitor, de modo que qualquer pessoa
menos instruída nos assuntos científicos conseguisse fazer uma leitura proveitosa de sua obra,
o que de certa forma, também representava os anseios de outros escritores de manuais de
medicina doméstica do período das Luzes. Vera Beltrão Marques (2003:1) afirma que os
autores desses manuais eram “unânimes em afirmar que suas recomendações eram fáceis,
sumamente aplicáveis e visavam impedir os charlatães de explorar e enganar o povo”. Essa
realidade foi reconhecida pelo próprio Tissot que declarou que seu desejo era que a Medicina
fosse praticada somente por médicos, porém, como isso não era possível naquele momento, era
sua tarefa e de seus pares remediar tal problema, oferecendo uma obra que segundo ele “pessoas
caritativas, e inteligentes se valerão dela, ainda em moléstias gravíssimas, e a minha maior
complacência será, se continuar a saber, que contribue para mitigar os males, e prolongar a vida
dos meus semelhantes”.83

O texto prefacial é bastante rico e já nos permite perceber o teor da obra. Ele nos conduz
a uma instigante curiosidade por conhecer os aspectos da maternidade idealizada por Imbert.
Por meio da educação “poderiam ocorrer às necessárias reformas sociais perante o signo do
homem pedagogicamente reformado(...)”(BOTO, 1996:21), isto é, seu discurso possuía um
objetivo: a construção de uma maternidade orientada pelos princípios higiênicos e tutelada por

81
IMBERT. Guia Médica das Mãis de Família. op.cit.,p.10-11;
82
Ibidem, p.12;
83
TISSOT, Samuel Auguste André David. Tomo I, Lisboa: Officina de Filippe da Silva e Azevedo,1786, p.
XXVIII. Disponível em: https://books.google.es/books?id, acesso em 15 de março de 2018;

- 52 -
uma mãe capaz de responder pela formação física e moral da criança. O “código higiênico”84
proposto por Imbert e as mães leitoras de a Guia Médica são elementos indissociáveis.

Inicialmente, um ponto em particular, chama-nos a atenção: Imbert repreende as mães


que por pensarem que os cuidados maternais eram suficientes para assegurar a saúde das
crianças, não as submetia aos princípios da Medicina. Esses cuidados não eram sinônimos de
uma teoria higiênica, afirma ele, resumia-se a costumes passados de mãe para filha (IMBERT,
1843:16). O médico introduz os princípios da Higiene, que, como ramo da Medicina, seria
capaz de contribuir para o progresso e conservação da raça humana, e pelo consequente
aumento populacional.

O pensamento de Imbert representa as ansiedades de uma época, onde a mortalidade


infantil constituía um dos reflexos da preocupação com o bem-estar das populações, que tomou
forma a partir dos setecentos (PITA, 2006). Phillippe Àries (1981) e Elisabeth Badinter (1985)
dissertam sobre isso, ao apontarem que o sentimento de maternidade constitui uma construção
relativamente recente da sociedade ocidental, desenvolvido gradativamente a partir do discurso
médico e filosófico do século XVIII. Em seu estudo, Àries buscou afirmar que as crianças eram
consideradas seres à parte das outras pessoas e que mal possuíam alma. Segundo ele, a
sociedade tradicional pouco via a criança. A infância era reduzida ao seu período mais frágil.
Logo que o “filhote do homem” adquirisse algum desembaraço físico, era logo misturado aos
adultos. A passagem da criança pela família era muito breve para que a sensibilidade fosse
despertada conforme atestado por Buchan ao discorrer sobre o sentimento de indiferença em
relação aos infantes no século XVIII: “!Quanto trabajo y gasto se emplea para sustentar um
viejo trémulo que vivirá pocos años!Y mil de aquellos que pueden ser útiles em la vida han de
perecer sin ser mirados?”.85
A fragilidade da vida infantil provocada pelas condições higiênicas da época justificaria
a ausência de um sentimento de cuidado por parte das mães, defende Àries. Já Badinter
questiona essa afirmação, sugerindo que era justamente a falta de apego das mães, o causador
do alto índice de mortalidade. A autora assinala ainda, que algumas preocupações surgidas nos
setecentos contribuíram juntamente para uma mudança nos cuidados com a infância: discurso

84
Este“código higiênico” será melhor exposto mais adiante;
85
BUCHAN, William. Medicina Doméstica. Tomo I. Madrid: Imprensa Real, 1785, p.8. Disponível em:
https://archive.org;

- 53 -
econômico, baseado em dados demográficos que sugeria um declínio populacional na Europa,
provocado dentre outros fatores, pela mortalidade infantil e um discurso liberal que defendia
ideais de liberdade, igualdade e felicidade individual. No entanto, de acordo com ela, foi no
século XIX que essa preocupação atinge seu ápice, alterando de forma significativa a imagem
da mãe, seu papel e sua importância (BADINTER, 1985:145).
A atenção aos infantes tornou-se pauta da Higiene, e as mães como responsáveis diretas
por seu cuidado, passaram a ser destinatárias de boa parte dos manuais de medicina doméstica
a partir desse período, preocupação que perdurou até primeiras décadas do século XX. Os
médicos acreditavam que o amor da mãe não era suficiente para uma boa formação dos filhos.
Assim, como portadores da verdade científica propunham-se a ensinar os princípios higiênicos
a fim de garantir crianças saudáveis, dirimindo dessa forma, os efeitos da mortalidade. Ana
Paula Vosne Martins salienta que a partir do século XIX, o tom de alerta se eleva com a queda
da natalidade entre as classes altas europeias; criar filhos não poderia ser deixado à boa vontade
dos pais. Os médicos deveriam servir de guia (MARTINS, 2008). Tal postura se consolidou em
finais desse século sob o conceito de maternidade científica. Segundo Rima Apple (1995) este
conceito tomou forma a partir da década de 1890 nos Estados Unidos e serviu para representar
o impacto que a ciência e a medicina tiveram na vida diária das mães, transformando
drasticamente as práticas maternais. Maternidade cientifica constituía a habilidade científica
adquirida pela prática dos conselhos médicos que visavam a criação de filhos saudáveis (p.161).
Envolveu além das mães, diversos profissionais, tais como: educadores, analistas sociais,
médicos, entre outros. Mais tarde, no século XX, essa ideologia apresentou uma contradição: a
mulher tornou-se responsável pela saúde e bem-estar de suas famílias, porém, foi lhe negado o
direito sobre a educação infantil. Foram responsáveis pela criação dos filhos, mas, incapazes
dessa responsabilidade. No Brasil, de acordo com Maria Helena Machado (2012) esse conceito
teve como um dos seus principais desdobramentos, a reprovação da figura do escravo,
sobretudo da escrava, no âmbito do lar, por meio da crítica à amamentação mercenária. Os
médicos condenavam, a partir de seus discursos, o emprego das amas escravas sob a crença de
que seriam portadoras de doenças responsáveis pela mortalidade infantil, tais como, a febre
amarela, varíola, cólera, sífilis, tuberculose, malária, sarnas, lepra, entre outras. Além disso,
elas seriam veículos de transmissão de germes responsáveis por diversos vícios, entre eles, a
promiscuidade.86

86
Esse debate será aprofundado mais adiante, destacando o posicionamento de Imbert sobre o emprego de amas
escravas no aleitamento;
- 54 -
A Guia Médica está inserida nesse processo. Imbert disserta a respeito de temas
pertencentes à Higiene e que também foram recorrentes em boa parte dos tratados médicos de
finais dos XVIII e XIX (FERREIRA, 2000).87A atenção ao ar, ao clima, os exercícios, a
alimentação e todo o regime relativo à gravidez, ao parto, bem como os cuidados com o bebê
no pós-parto: o enfaixamento, o asseio, aleitamento (envolvendo a discussão sobre o uso das
amas de leite), e a e vacinação são tópicos abordados no manual. Tais temas também foram
parte constituinte da pauta de uma agenda médica que tinha como preocupação “a profilaxia
das doenças contagiosas, (...) o estudo da atmosfera, das águas, das habitações, dos hospitais,
das prisões, dos portos, da alimentação, das atividades físicas e da higiene pessoal”(BARRETO,
2005:29). Deve-se destacar a preocupação do médico em ressaltar que todos os conselhos ali
contidos passavam pelo crivo da Higiene que, assegura ele, seria responsável, por evitar maiores
prejuízos às gestantes, bem como a morte de crianças. Antônio Gomes Ferreira afirma que,
embora as obras de puericultura não apresentassem ideias muito originais, “estes médicos
pensavam na racionalidade das práticas usadas ou recomendadas com base numa modernizante
postura crítica e indagadora (FERREIRA, 2003:12).” A nova ciência ditava a redação dessas
obras, e isso o doutor Imbert fazia questão de evidenciar em a Guia Médica.

Na apresentação do livro, o médico procura respaldá-lo mencionando os feitos da


Higiene que será a condutora de seu discurso. De acordo com ele, a ciência é a responsável por
todas as questões relativas à salubridade pública e o bem-estar dos indivíduos, não devendo ser
negligenciada, o que seria o equivalente a deixar os caminhos abertos para a invasão das
epidemias88. A fim de justificar seu embasamento científico, o autor faz alusão a essa ciência
utilizando referências que a apresentam como própria de “povos civilizados” ou de uma
“sociedade civilizada.”O código higiênico apresentado no livro se propunha a fornecer as
prescrições médicas necessárias para que a mãe, assim guiada pela Higiene pudesse garantir
uma boa saúde tanto para si, quanto ao novo ser que ela gerava.

87
Segundo Ferreira os aspectos relacionados à higiene infantil foram abordados em alguns livros de cunho
pedagógico ou inseridos em obras médicas. Alguns importantes tratados médicos ou livros pedagógicos que
obedecem ao esquema apontado por Ferreira também foram abordados nesse trabalho. Cf.: BUCHAN, William.
Medicina Doméstica. Tomo I. Madrid: Imprensa Real, 1785. Disponível em: https://archive.org; FRANCO,
Francisco de Mello. Tratado da Educação Fysica dos Menino, para Uso da Nação Portugueza. Lisboa: Officina
da Academia Real das Sciências, 1790; ROSSEAU, Jean-Jacques. Emílio, ou da Educação. 3ª ed. São Paulo: Difel,
1979; TISSOT, Samuel Auguste David. Aviso ao Povo sobre sua Saúde. Tomo II. Lisboa: Regia Officina
Typografica, 1777. Disponível em: https://obrasraras.sibi.usp.br
88
IMBERT. Guia Médica das Mãis de Família. op.cit, p.13-14;
- 55 -
Em linhas gerais, o código se referia às regras relativas à gravidez até os primeiros anos
da infância89e todas as noções que envolviam a identificação de doenças e seus possíveis
tratamentos. Podemos dividi-lo basicamente em três blocos:90gravidez, parto e higiene da
infância. Dispostos em temas que perpassam pelos os que acabamos de mencionar, bem como,
por àqueles relacionados às patologias cutâneas, patologias de cabeça e tronco, patologias do
aparelho digestivo, por um formulário médico com as medicações indicadas para cada
enfermidade, e, por fim, por um adendo sobre homeopatia.91

Gravidez

No capítulo um, o autor pontua os elementos que ele passa considerar no código
higiênico assim por ele denominado. Esses elementos, como influentes no estado gravídico,
deveriam ser observados durante essa fase. O ar, o clima, os exercícios, vestimenta, banhos e o
sono constituem alguns dos dados que deveriam ser considerados na anamnese. Segundo Flávio
Edler, o bom médico examinava:

os circunfusa (meteorologia, hidrologia, geologia, climas e habitações), os


ingesta (alimentos e bebidas), os excreta (excreções e banhos), os applicata
(vestimentas e cosméticos), os percepta (costumes, sexualidade, higiene
pessoal) e, por fim, os gesta (movimentos habituais, atividades profissionais).
(EDLER, 2001:103)
O humoralismo grego tornou-se o mais usual esquema explicativo da saúde e da doença
disponibilizado a médicos e leigos até a sua gradativa substituição durante o século XIX. Nele,
a abordagem é sempre realizada em relação ao paciente como um todo, como apontado por
Edler. Nesse esquema, dois elementos foram apropriados pela medicina ocidental e que também
podemos observar no pensamento de Imbert: o equilíbrio e a moderação. Tal abordagem via a

89
O médico se limitou aos primeiros quatro anos da infância afirmando que estava acima de sua capacidade
acompanhar o desenvolvimento físico e intelectual da criança, após esse período, devendo ficar ao encargo das
mães essa tarefa. Cf. (IMBERT, 1843:83);
90
Optei por essa classificação a fim de facilitar a compreensão do conteúdo referente ao código higiênico proposto
por Imbert. Tal classificação não corresponde à divisão de capítulos descrita no tópico “Estrutura Textual”. Nessa
divisão, o autor aloca os “sinais da prenhez” como um capítulo específico (capítulo sete), no entanto, ele não
justifica o motivo dessa divisão, já que os temas referentes à gravidez se encontram reunidos no capítulo um.
91
Não faz parte dos objetivos deste tópico referenciar cada um dos temas mencionados nessa classificação, mas,
demonstrar quais os principais aspectos que compõem o referido código que podem estar diretamente imbricados
ou não com esses blocos e, sobretudo, como ele auxiliou na construção da maternidade desenvolvida em a Guia
Médica.
- 56 -
saúde como resultado do equilíbrio dos humores. Já o desequilíbrio, como sendo o excesso ou
a carência desses, o que provocaria o surgimento das doenças92.

Dentre os elementos que compunham as propriedades dos humores, o dr. Imbert


destacava o ar e o clima como os influxos que poderiam atuar de forma mais significativa no
quadro gestacional. Para ele, se as propriedades desses elementos atmosféricos estivessem em
excesso ou em falta, poderiam levar uma pessoa à morte.

O campo era o melhor local para se respirar o ar puro, ao contrário das cidades em que
o ar se encontrava “viciado”, provocando malefícios à gestante, como: vertigens, náuseas, dores
de cabeça, etc. Recomendava que as mulheres que não pudessem deixar as cidades, deveriam
se abster de frequentar locais onde havia reuniões de pessoas. Da mesma forma, para que
evitassem se expor à temperatura não muito quentes ou frias, o que também causaria danos à
sua saúde. A insalubridade das habitações devido ao clima do país também constituía outro
agravante mencionado pelo médico93.

Considerava-se sobre o ar de um lugar:

é um caldo pavoroso no qual se misturam as fumaças, os enxofres, os vapores


aquosos, voláteis, oleosos e salinos que exalam da terra, e, se for o caso, as
matérias fulminantes que ela vomita, a morrinha que sai dos pantanais, os
insetos minúsculos e seus ovos, animálculos espermáticos, e, muito pior ainda,
os miasmas contagiosos que se elevam dos corpos em decomposição.
(CORBIN, 1987:21)
Assim define Alain Corbin a crença sobre a composição do ar, e seus estudos científicos cada
vez mais em ascensão na Europa após a metade do século XVIII. De acordo com ele, o conjunto
dessas convicções que geraram uma vigilância atmosférica foi sustentada pela medicina neo-
hipocrática que suscitou a epidemiologia do Antigo Regime. Hipócrates e seus discípulos
pontuaram a influência dos ares e dos lugares no desenvolvimento do feto, na formação dos
temperamentos, na gênese das paixões, entre outros94.

Foucault (1979:87) denominou de “medo urbano” o receio que surgiu nesse período
pela construção das oficinas e das fábricas, do amontoamento das populações, das epidemias,

92
William Bynum divide o sistema de humores da seguinte forma: Os quatro humores eram compostos pelo sangue,
bile amarela, bile negra e fleuma. Eles incorporavam uma teoria de temperamentos que servia de guia para a
personalidade humana e a suscetibilidade a doenças. As propriedades dos humores: calor, frio, secura e humidade,
auxiliavam na leitura das doenças e do ciclo de vida do indivíduo. Cf. (BYNUM, 2011:16, 20-22);
93
IMBERT. Guia Médica das Mãis de Família. op.cit., p.23-24;
94
Cf. HIPPOCRATES. Tratado sobre os Ares, as Aguas e os Lugares. Tradução de Lucas Alexandre Boiteux.
Bibliotheca Positivista.Rio de Janeiro: s.ed, 1930. Disponível em: www.fgv.br/cpdoc/acervo/arquivo-pessoal;
- 57 -
dos cemitérios, dos esgotos e todos os todos pânicos que são frutos de uma inquietude político-
sanitária. Imbert não se distancia desse pensamento. As suas recomendações em relação ao ar
e ao clima são também herança do arcabouço acadêmico adquirido em Montpellier que, de
acordo com Louis Dulieu (1990)95tinha na Higiene uma das disciplinas mais importantes do
curso de Medicina da universidade. Ocupando-se do ar e de outras questões sanitárias,
transcorria pelas preocupações biológicas, psicológica e sociais. A disciplina propunha uma
visão totalizadora do indivíduo que possuía entre os seus objetivos principais, a promoção das
condições adequadas à saúde da população.

A Academia Imperial de Medicina, da qual Imbert fazia parte, empenhou-se por adaptar
a agenda higienista para a realidade brasileira, reinterpretando os tratados médicos europeus,
criando assim uma cultura médica local, a partir da moldagem do conhecimento médico
produzido na Europa às condições climático-telúricas do país (EDLER, 2001:112-113).
Verificamos essa tendência refletida na Guia Médica, onde Imbert avalia a frágil constituição
física das mulheres brasileiras, justificadas pelo clima, considerando-as praticamente incapazes
de amamentar. Tal posicionamento se estende à todas as mulheres brancas, para tanto, ele
aconselhava o emprego das amas negras já aclimatadas.

Num breve balanço sobre outros hábitos das mulheres nacionais, Imbert emite críticas
sobre à ausência da prática de exercícios e do mau uso de algumas vestimentas. O exercício
durante a gravidez seria um dos responsáveis pela boa condução desse período. O esculápio
compara as mulheres da cidade com as do campo. As primeiras são apontadas por adjetivos
como “nervosas”, “delicadinhas”, cheias de “mil achaques durante a gravidez” por não
praticarem exercícios, o que poderia levá-las até à interrupção da gestação. Em suas palavras,
as mulheres do campo são as que “mais se conformão com as leis da natureza” e já as da cidade
“se afastão quasi sempre para sacrificar aos usos sociais, raramente em harmonia, digamo-lo
assim, com o código hygienico da mulher pejada.”Em suma, a prática de exercícios não visava
somente a saúde do feto, ela iria colaborar para o equilíbrio do sistema nervoso de acordo com
a crença de que esse se alterava durante a prenhez. Os banhos também foram indicados para
auxiliar na diminuição da irritação feminina durante esse período, atuando nesse equilíbrio.

Para a medicina do século XIX, a sensibilidade feminina encontrava-se concentrada no


útero. Esse órgão constituia-se na causa ou na razão de toda a existência feminina, ou seja, tota

95
Cf. DULIEU, Louis. La Medicine a Montpellier. Tome IV. De la Première a la Troisième République. 2ª parte.
Avignon: les Press Universelles, 1988-1990 apud VIANA. Corpos Escravizados e Saber Médico. op.cit., p.53;
- 58 -
mulier in utero.96O útero foi eleito o órgão central do corpo da mulher, exigindo toda a atenção
da classe médica. No discurso médico iluminista, o determinismo biológico e a centralidade do
útero são partes indissociáveis. Multiplicaram-se nesse período, os tratados sobre as doenças
uterinas que estabeleciam uma imagem feminina que “vive no limite entre a fisiologia e a
patologia, entre a norma e o desvio”(MARTINS, 2000:38-39).Observa-se também um
considerável número de teses relativas a temas que abordavam as desordens nos órgãos
reprodutores, como por exemplo a clorose e a histeria, que poderiam gerar perturbações em
toda a constituição feminina, inclusive problemas mentais. Fatores psicológicos, tais como, os
temperamentos, principalmente o nervoso, também poderiam se manifestar em maior grau
durante a gravidez, além disso, as gestantes deveriam evitar os “esforços do espírito”, isto é,
eram aconselhadas a não pôr em movimento suas faculdades intelectuais senão com uma certa
reserva, pois o “cérebro, faz com que fique privado o órgão encarregado do desenvolvimento
do feto, o útero”97. Isto indica, de modo geral que, o discurso médico de então, propagava a
ideia de que o cérebro feminino seria totalmente influenciado pelo útero, existindo assim, uma
associação mútua entre o corpo e a moral.

Na Guia Médica também foram feitas críticas em relação à vestimenta, todavia, essas
não foram tão permeadas por questões morais, se restringindo à julgamentos pelo uso de
determinadas roupas ou acessórios que poderiam promover o aparecimento de algumas
doenças, tal como a tísica, devido à exposição do tórax às condições climáticas. Os coletes de
barbatana, por exemplo, foram considerados “anti-hygienicos”, por apertarem o ventre, não
permitindo um desenvolvimento normal do feto98.

Os temas presentes na Guia Médica tratados até aqui, também constituíram algumas das
preocupações de importantes livros de medicina doméstica ou livros de avisos médicos no
século XVIII. Esses últimos, eram comuns na literatura médica inglesa e eram caracterizadas
sobretudo, por uma linguagem voltada para um regime de prevenção (SMITH, 1986). Segundo
Rosenberg, até meados do século XVIII, os livros de saúde para leigos se desdobraram em duas
amplas categorias: Os livros sobre regime e longa vida e, os que consistiam em receitas ou listas
de medicamentos e suas respectivas aplicações no tratamento doméstico de determinadas

96
Expressão em latim que significa “toda mulher é o seu útero” comumente utilizada nos livros de medicina a
partir de finais do século XVIII. Segundo Lucila Scavone, essa definição se apoiava-se em um determinismo
biológico para justificar uma posição subalterna das mulheres no conjunto das relações sociais. Cf.(SCAVONE,
2004);
97
IMBERT. Guia Médica das Mãis de Família. op.cit., p.29;
98
Ibidem, p.27;
- 59 -
doenças. Tais textos se referiam muito mais a uma filosofia moral do que à tratados médicos
(ROSEMBERG, 1983:23). Verificamos a recorrência de alguns desses temas em duas
importantes obras citadas abaixo:

Em Medicina Doméstica, de 1785, vemos Buchan afirmar a respeito da incapacidade de


algumas mulheres de procriar. Isso se devia:

Las mujeres de constitucion delicada, afligidas de pasiones histéricas, ó de


otras enfermidades nerviosas, son malas para criar. Estas incomodidades son
tan comunes em el dia, que com dificultad se encontrará muger á la moda, que
se halle libre de ellas; y así aunque quieran hacerlo están realmente
impossibilitadas de darles el pecho sin danarlos99.
As impossibilidades não se restringiam às características morais, mas a todo o regime higiênico
recomendado pelos médicos:

Las madres que no comem suficiente alimento sólido, ni disfrutan del


beneficio del ayre libre y exercício, [...] no pueden ministrar buena leche á sus
hijos. De esto nace que los niños, que han mamado de uma mujer achacosa, ó
mueren pronto, ó son débiles, y están enfermos, toda su vida100.
Já em 1790, temos a obra intitulada Tratado de Educação Fysica dos Meninos para Uso
da Nação Portuguesa que alcançou uma significativa expressividade em terras luso-brasileiras,
e é considerada uma obra de referência pois, é apontado como o primeiro manual lusófono de
puerícia. Nela, semelhantemente a Imbert, Francisco de Mello Franco, autor da obra, acreditava
que a sensibilidade feminina aumentava durante a gravidez, portanto, a mulher deveria ter
cuidado na alimentação, dedicando mais tempo ao sono e ao descanso, pois esses constituíam
os melhores calmantes indicados para a sensibilidade dos nervos. A violência das paixões devia
ser evitada, assim como, todas as situações de tristeza, cólera ou até mesmo a alegria
excessiva101.

A associação da saúde com os princípios preconizados pela ciência higiênica também


estava presente no tratado. De acordo com ele, o ar puro, os locais abertos influenciam ou
contribuem para a conservação da vida animal. Dessa forma, as pessoas, sobretudo, as grávidas,
deviam procurar as ruas largas e limpas, os bairros elevados, as casas distantes dos cemitérios
e de fábricas que infectam o ar com a emanação de suas substâncias.

99
BUCHAN. Medicina Doméstica. op.cit., p.3;
100
Ibidem;
101
FRANCO, Francisco de Mello. Tratado da Educação Fysica dos Menino, para Uso da Nação Portugueza.
Lisboa: Officina da Academia Real das Sciências, 1790, p.7,10;
- 60 -
Além dos manuais mencionados, temos as teses da Faculdade de Medicina que também
podem nos fornecer subsídios para a análise dos preceitos higiênicos aplicáveis à maternidade.
Foram selecionadas inicialmente, teses abrangendo o período compreendido entre 1833 a 1850.
Tal seleção acompanhou o lapso temporal da produção da Guia Médica e do Manual do
Fazendeiro102.

Tabela 1- Teses da Faculdade de Medicina relacionadas as temáticas: gravidez, parto, aleitamento e


cuidados com a primeira infância (1833-1849):103

Fonte: Centro de Ciência da Saúde-CCS/UFRJ

Vejamos alguns trechos:

102
Para essa análise, me apoio na pesquisa de Fabíola Rodhen. A autora contabilizou 7152 teses relacionadas à
sexualidade e reprodução entre os anos de 1833 a 1940. Esses temas foram divididos em vertentes, das quais, a
ginecologia/obstetrícia e as questões médico/sociais são as mais relevantes aqui. Temáticas tais como:
menstruação, doenças do aparelho reprodutor feminino, parto, prenhez, gravidez, puerpério, histeria, entre outras,
compunham os desdobramentos dessas vertentes e também constituíam os principais assuntos de franco interesse
para a medicina e nos fornecem uma significativa amostra do pensamento médico oficial daquele momento. Cf
(RODHEN, 2009).
103
A tabela é composta por 18 teses relacionadas à gravidez, parto, aleitamento e cuidados com à primeira infância.
As teses se encontram disponíveis na Biblioteca da Casa de Oswaldo Cruz -COC/FIOCRUZ.

- 61 -
Sobre a constituição da mulher e a influência dos fatores atmosféricos sobre sua saúde,
Pedro da Silva Rego assegura:

Essas diferenças na organização da mulher não são como se poderiam crer, o


resultado de sua educação, e de sua maneira de viver; e com quanto estas
causas possão, assim como a influencia dos climas, os caracteres distinctivos
são assaz comuns, e geraes, para nos convencer, de que eles são o efeito de
huma disposição originaria e innata á sua natureza. Ora, se isto he assim, se o
físico e o moral estão huma dependência recíproca claro he que as differenças
orgânicas do sexo devem influir sobre sua maneira de sentir, e de pensar.
(...) todas estas variações estão subordinadas, nos parece, á influencia, de
temperamentos, idade, clima, temperatura; e outras circunstancias, que podem
influir no organismo da mulher104.
José Joaquim F. Monteiro Barros e Dr. Luiz Vianna D’Almeida Yalle, afirmam sobre
essa mesma influência:
O ar atmosférico, agente indispensável e essencial da repiração, esse alimento
da vida, como diz Hyppocrates, (...), pode ser causa de muitos males em certas
circumstancias. As mulheres, sendo naturalmente mais sensíveis, mais
impressionaveis, e tendo os pulmões menos desenvolvidos (...) sentem por
isso mesmo com mais intensidade a influencia das vicissitudes atmosféricas
(...)105.
Ninguém ignora a influencia dos climas, o regimem, os costumes dos paizes
em que se habita, a educação physica e moral, as circumstancias favoráveis
ou desfavoráveis, as revoluções operadas pela idade e outras muitas causas
capazes de decidir do temperamento do indivíduo [...]. Precedendo estas
considerações, vejamos qual é o temperamento a mulher na época em que ella
é capaz de todas as funções para as quaes a natureza a tem destinado; época
em que o principio da vida que reside em seus órgãos uterinos influe
prodigiosamente sobre todo o resto da economia viva. 106
No tocante à Higiene, a tese abaixo assinalava:
“A hygiene d´esta época da nossa vida merece muita consideração; porquanto he ella,
que vai plantar os alicerces de huma existência feliz, he ella, que fará gozar hum lisonjeiro
porvir” . “(...) He pois a Hygiene huma parte das Sciencias médicas assaz importante, he hum
ramo de moral he (segundo Rosseau) hum virtude. Feliz o povo que lhe presta cultos, e que
cegamente obedece ás suas leis”107.

104
REGO, Pedro da Silva-Os cuidados que reclama a mulher depois do parto natural, Centro de Ciência da Saúde-
CCS/UFRJ, 1838, p.7-8;
105
BARROS, José Joaquim Ferreira Monteiro. A Mulher, e sua Diferença do Homem; e sobre o Regimem que
deve seguir no Estado de Prenhez. Centro de Ciência da Saúde-CCS/UFRJ, 1845, p.16;
106
YALLE, Luiz Vianna D’Almeida. Mulher e Matrimonio Medicamente Considerados, Centro de Ciência da
Saúde-CCS/UFRJ, 1847, p.13;
107
LEITÃO, Antonio Gonsalves d'Araujo - Sobre a hygiene da infância,. Centro de Ciência da Saúde-CCS/UFRJ,
1840, p.6;

- 62 -
Embora escrita há mais de cinquenta anos após manuais europeus de fins dos setecentos
aqui citados, verificamos a anuência da Guia Médica às teorias higiênicas vigentes. Essas
teorias também permeavam o ensino médico no Brasil, como percebemos através das teses que
foram produzidas durante o período selecionado, onde a maternidade, estabelecida como função
primordial da mulher, foi constituída como um campo de constante de debates. Esse cenário
nos ajuda a construir o conceito do doutor Imbert sobre o tema em questão.

Parto

No século XIX, a madre ou útero foi constituída em um território de saberes e de


discursos científicos que ecoaram na medicina favorecendo, o surgimento e a consolidação da
Ginecologia e da Obstetrícia como ciências preocupadas com a fisiologia e a patologia dos
órgãos sexuais femininos e suas funções. No Brasil, o progresso dessas especialidades médicas
esteve atrelado a criação das escolas de medicina e no ano de 1809, a arte obstétrica já era
lecionada no Rio de Janeiro sob o nome de “Moléstia das mulheres pejadas e meninos recém-
nascidos” e como parte integrante do currículo das escolas do Rio de Janeiro e Salvador.
O desenvolvimento dessas especialidades corroborou com o delineamento dos discursos
de que as mulheres eram dominadas pelos seus órgãos reprodutivos e que esses eram
responsáveis por todo o funcionamento de seus corpos. Esses discursos já vinham sendo
esboçados desde os finais do século XVIII, ao passo que, se estabeleciam os preceitos que
ordenariam o fisiológico e a moral.

Embora Imbert não tenha se ocupado muito em tratar das questões relativas ao parto em
a Guia Médica, como foi citado no início desse capítulo, seus comentários podem nos despertar
curiosidade, pois, suas recomendações se restringiram apenas à observação das “leis
higiênicas”, ou seja, para ele, todas as mulheres que não as infringiram durante a gravidez
teriam um bom êxito nesse momento. Em um tom romântico e religioso, o doutor evoca o amor
maternal que seria o condutor de tão nobre missão.

A brevidade desses comentários em a Guia Médica pode passar despercebida ao leitor


não conhecedor do J.B.A.Imbert, proprietário de escravos e autor do Manual do Fazendeiro.
Nesse manual, o autor faz duras críticas às práticas supersticiosas empregadas no ato do parto.
Essas críticas estavam endereçadas a todas às parteiras que auxiliavam as mulheres naquele

- 63 -
momento. Segundo ele, todas as parturientes de qualquer classe social estavam sujeitas às suas
ações e seus “erros supersticiosos. Dessas parturientes, poucas tinham a felicidade de não
estarem sob a sua “perigosa dependência”108isto é, aquelas que possuíam as condições de ter ao
seu lado um médico ou uma parteira experimentada109.

A imagem da parteira, fora sempre associada à uma figura “ignorante, analfabeta, sem
moral, responsável pela morte de mães e recém-nascidos devido à falta de qualificação
profissional”.110Segundo Enrereich & English (1981) durante toda a Idade Média europeia, era
clara associação entre as bruxas e as parteiras. A Igreja, como legítima defensora do
conhecimento médico oficial, denunciava como heresia todos os tratamentos efetuados por não
profissionais: “Uma mujer que tine la osadía de curar sin haber estudiado es uma bruja y debe
morir”(p.19).

No Brasil, até o Primeiro Reinado, as parteiras eram chamadas de “aparadeiras” e mais


tarde “assistentes”, sem, contudo, “alterar seu precário ofício, sempre relegado à pretas velhas
e a ‘curiosas”(ALENCASTRO, 1997:71).

A má reputação das parteiras pode ser aqui também verificada através de tese
apresentada por Francisco de Paula Costa à Faculdade de Medicina em 1841:

Quanto ás nossas parteiras, como os males que a sua ignorância produz são
por assim dizer, duplos, matando muitas vezes a mãi e o filho, justo he que no
detenhamos hum pouco. Mulheres, de ordinário, nascidas em uma classe mui
baixa da sociedade, imbuídas de grave preconceitos, despidas de todos os
conhecimentos, ignorando mesmo algumas vezes o lêr e o escrever, cuja
mocidade foi estragada nos deboches e prazeres: taes são o caracter, condição
e sciencia d’aquellas a quem he permitido entre nós, o exercício da difícil e
laboriosa arte obstettrica!!!111

As dificuldades quanto ao ofício também auxiliavam na construção da imagem da


parteira. Segundo Luis Felipe de Alencastro, quando uma “aparadeira” saía para exercer sua
função, quase sempre havia um luto: ou de uma mãe ou de um nascituro (ALENCASTRO,

108
IMBERT. O Manual do Fazendeiro. op.cit., p.250;
109
Cf. nota n°28 sobre o possível significado do termo “parteiras experimentadas”;
110
Cf. (MOTT, 1999). Nesse artigo, Mott discute a construção da imagem da parteira ignorante. Segundo ela, essa
imagem é decorrente da falta de qualificação profissional, e é encontrada não apenas na literatura médica brasileira
do século XIX, como também na de vários países, tendo sida incorporada por historiadores e sociólogos do século
XX. Para sustentar sua hipótese, a autora utilizou vasta documentação, incluindo, memórias, teses, livros de
medicina para leigos, tratados de obstetrícia, entre outros, que demonstram solicitações de parteiras para realização
de exames e obtenção de cartas para o exercício profissional.
111
COSTA, Francisco de Paula. Algumas Considerações sobre o Charlatanismo em Medicina,. Centro de Ciência
da Saúde-CCS/UFRJ, p.18;

- 64 -
1997:72) muitas vezes, devido ao mal-de-sete-dias ou ao tétano umbilical. Sendo muito comum
no país os cultos à Nossa Senhora do Amparo, Nossa Senhora da Luz e Nossa Senhora da
Glória, todos ligados à ideia de proteção ao parto.112

Já Adrian Wilson em Participant or patient? Seventeenth century childbirth from the


mother´s point view (1986) assinala que o ofício das parteiras não se restringia à orientação
sobre posturas das mulheres no momento do parto, no uso da força, ou de deixar o ato ocorrer
naturalmente. Elas poderiam também utilizar-se de ervas medicinais ou até de mágicas e
encantos. De fato, esse era um dos fatores que mais incomodavam J.B.A.Imbert.113Na seção II
do capítulo XXXV do Manual do Fazendeiro, ele relata com indignação todas as ações que as
parturientes, nesse caso, as escravas, tinham que se submeter durante o parto: diversas posições,
tomar toda a espécie de bebidas e movimentos desnecessários, além de beijar relíquias, usar
cordões sujos deste ou daquele santo, rezar rosários, sujeitando-as à sarnas e outros tipos de
moléstias114. Aqui, suas críticas tinham uma razão específica. O título da seção nos fornece essa
resposta: “Do parto, precedido de algumas observações succintas, acerca de certos erros e
prejuízos, que tendem a paralysar o progresso da população entre os negros escravos.”115Suas
recomendações no tocante ao parto das escravas tinham o objetivo de evitar possíveis erros que
poderiam levar à morte da mãe ou da criança que ela esperava. Seu proprietário teria então o
prejuízo de perder um bem valioso diante de uma conjuntura caracterizada, dentre outras coisas,
pela primeira lei do fim do tráfico.116

Sobre o fim da escravidão e seus prejuízos, Imbert escrevera:

As tribunas da Inglaterra, de França e da América do Norte, e do Brasil, têm


visto levantarem-se vozes eloquentes e generosas, que arrastarão as opiniões
todas, e levarão esta convicção aos espíritos; que o XIX século com os seus
aperfeiçoamentos não podia por mais tempo tolerar um commercio de carne e

112
Gilberto Freyre ao tratar do assunto em Casa Grande & Senzala cita um artigo publicado em 1847 pelo Barão
do Lavradio no jornal da Imperial Academia. Nele, o barão faz algumas considerações sobre as causas da
mortalidade em crianças nos primeiros meses de vida, apontando entre essas: mau tratamento do cordão umbilical,
vestuário impróprio, alimentação desproporcional, insuficiente ou imprópria e o desprezo no princípio das
moléstias de primeira infância. Cf. (FREYRE, 2013:450);
113
Verificamos uma narrativa semelhante na análise de Maria Renilda Nery Barreto sobre manuais portugueses
de obstetrícia dos séculos XVIII e XIX. Segundo a autora, os escritores desses manuais não pouparam esforços
para culpabilizar as parteiras pelos graves danos à parturiente e ao feto; tais desacertos foram interpretados como
desconhecimento das questões relativas à arte de partejar. Cf. (BARRETO, 2007);
114
IMBERT. O Manual do Fazendeiro.op. cit., p.249;
115
Ibidem, p.48;
116
A Lei de 7 de novembro de 1831 dispõe em seu artigo 1°: “todos os escravos, que entrarem no território ou
portos do Brazil, vindos de fora, ficam livres”. Disponível em:
http://www.camara.gov.br/Internet/InfDoc/conteudo/colecoes/Legislacao/Legimp-14/Legimp-14_3.pdf. Acesso
em 7 de abril de 2018;
- 65 -
de sangue. As Leis puzerão barreiras á cobiça; mas a Legislação sempre justa
e sabia, quando he produto de hum concurso de opiniões que se elevão pela
discussão, não póde dar efeito retroactivo á abolição da escravatura. Ella só
tem falado ao futuro; nem podia sem injustiça endereçar-se ao passado: fora
ofender direitos adquiridos, e causar perturbação e desarranjo de fortunas.117
O trecho acima demonstra a opinião do doutor a respeito dos últimos acontecimentos no país
que eram reflexos das leis que já tinham sido promulgadas em outros continentes118. Sua fala
revela resiliência, porém, não conformidade, afinal, seus bens e de outros fazendeiros estavam
sendo ameaçados. Segundo Iamara Viana (2016:68), o escravo torna-se um problema relevante
diante da possibilidade da abolição, desestruturando patrimônios e ameaçando fortunas. Para
ela:

Imbert construiu um discurso privilegiando proprietários, com os quais se


identificava. Apresentara um olhar privilegiado, destacando proposições que
explicitavam o contexto internacional de rearranjo de interesses, associados à
utilização da mão de obra escrava.
Justifica-se então a preocupação de J.B.A.Imbert com o corpo escravo. Sobre essa conjuntura
Júlio César Medeiros Pereira, em seu estudo sobre os manuais de fazendeiros e teses de
medicina correlacionados a saúde dos escravos de meados do século XIX, retrata a preocupação
dos grandes proprietários de terras com a administração de suas fazendas. Para os manuais de
fazendeiros examinados pelo autor, a boa administração de uma fazenda abarcava saúde dos
escravos. “Bem ajustados, moldados, conformados e posicionados, os escravos contribuiriam
para o sucesso das fazendas”. Com relação aos textos médicos, também objetos de sua análise,
a precariedade da saúde dos escravos versava entre os temas de interesse. A mortalidade
representava um dos assuntos abordados pelo médico David Gomes Jardim em 1847.
Conforme o médico, razões da mortalidade não poderiam se resumir às mudanças climáticas e
atmosféricas, mas, em sua ótica, elas estavam relacionadas à má alimentação, consumo de
bebida alcoólica por parte dos escravos, falta de uma vestimenta adequada, trabalho excessivo,
falta de repouso e moradia ou local de repouso precário. Dessa forma, aconselha os proprietários
a observar todos esses aspectos a fim de que seus escravos não sofressem com uma saúde tão
deteriorada por causa da escravidão (PEREIRA, 2016:117).

117
IMBERT. O Manual do Fazendeiro. op.cit., p.XII;
118
Sobre o contexto pós lei de 1831, Rafael Marquese (2008) ressalta as ações tomadas por cafeicultores e seus
representantes ao demandar nos espaços de discussões públicas no Império a anulação da lei de 1831, no que
operaram em estreita articulação com o grupo político do Regresso que reconfigurou as bases institucionais do
Estado brasileiro entre 1837 e 1841. Tais ações foram responsáveis, em grande parte por uma prática sistemática
do tráfico ilegal em números equivalentes aos da década de 1820. Os números observados entre 1835 e 1840 foram
de cerca de 315.000 africanos ilegalmente escravizados que aportaram no centro-sul do país;
- 66 -
Guardando as reais razões para tal mudança no tratamento para com o escravo, muitas
vezes, traduzida de “humanidade” como foi repetidamente citada por Taunay (2001) em seu
manual, podemos confirmar por meio da análise de Pereira a relevância assumida pelo corpo
escravo pós lei de 7/11/1831. Retomando as preocupações do dr. Imbert, como senhor de
escravos, julgava necessário tomar alguma medida. Para tanto, conclamava os fazendeiros para
que ponderassem de acordo com seu interesse, sendo cautelosos e vigilantes com relação as
práticas escravas utilizadas no parto e pós-parto que poderiam levar a morte de indivíduos, ou
melhor, a diminuição do patrimônio. Aconselha seus pares a tomarem a iniciativa, nesse caso,
fazendo eles próprios o parto das escravas através das orientações fornecidas em seu manual
(IMBERT, 1839:251) e em caso de dificuldade, um cirurgião ou uma parteira experimentada
deveria ser chamada o mais rápido possível.119

A compreensão do contexto vivenciado por J.B.A.Imbert nos permite analisar a


possível razão da sua diminuta atenção ao parto das mães de a Guia Médica. Essas mães,
mulheres brancas sujeitas aos preceitos higiênicos, assim como Imbert o afirmou, tinham suas
crias muito menos propensas à mortalidade do que as das negras, entregues ao abandono, e sem
acesso aos cuidados médicos. Imbert pede que seus leitores, em sua maioria, as mães a quem
ele se refere, confrontem essa realidade e verifiquem qual a classe que mais padece com a
mortalidade. O atendimento à Higiene seria responsável pelo “progresso, conservação da raça
humana e pelo aumento da população”. As leitoras de a Guia Médica não constituíam uma
preocupação maior pois, em tese, elas teriam acesso aos benefícios da higiene proporcionados
pelo manual. Além disso, poderiam estar sob os cuidados de uma parteira experimentada ou de
um cirurgião, figuras que, de certa forma, eram toleradas pela medicina oficial. Com respeito
as escravas, o médico declara: “As negras que acabão de parir, isto he, que acabão de aumentar
o capital do seu senhor (...)”120; seus partos mereciam atenção e o cuidado de seus senhores por
se tratarem de uma questão econômica como foi evidenciado, envolvendo possíveis perdas
diante de um cenário sem garantias de reposição, assim como preconizados na tese de Iamara
Viana. Alencastro confirma essa ideia lembrando que os manuais de fazendeiros que versavam
sobre os tratamento de escravos adquiriram no Brasil uma peculiaridade: o caráter

119
Sobre o emprego de um cirurgião para a realização de um parto, Adrian Wilson afirma que durante o curso do
mesmo, uma segunda ou até uma terceira parteira poderia ser chamada, caso nenhuma delas conseguissem realizá-
lo, a mãe poderia morrer. Nesse caso, recorria-se a um cirurgião que com o auxílio de instrumentos tentaria a
retirada da criança. Não era comum o uso de instrumentos por parteiras, de acordo como ele. As mulheres poderiam
protelar até o ultimo momento para chamar um cirurgião o que colocaria em dúvida a autoridade da parteira. Sua
tarefa era entregar uma criança viva, já a do cirurgião seria, muitas vezes, uma já morta. Cf. (WILSON, 1986:137);
120
IMBERT. O Manual do Fazendeiro. op.cit., p.257;
- 67 -
escrachadamente mercantil. Diante da extinção do tráfico negreiro efetivada em 1850, os
autores desses manuais aconselhavam os senhores a resguardar a saúde das escravas grávidas a
fim de garantir a reprodução de seu investimento como comprovamos através do “Plano
filosófico, moral e higiênico” esboçado por Imbert que uniu a “filantropia leiga dos reformistas
europeus aos interesses bem entendidos dos escravocratas.”(ALENCASTRO,1997:78).

Higiene da Infância

Nascida a criança, outros cuidados agora são prescritos pelo médico. O capítulo dois é
dedicado aos cuidados da primeira infância que, segundo o doutor Imbert é um assunto que
requer larga dissertação, mas, que o estava impedido pelos da limites obra. Todavia, seria
fornecido à mãe todo o conhecimento necessário à conservação da saúde da criança que acabara
de vir à luz.

A mortalidade infantil era o grande mal que rondava os primeiros anos de vida e tema
constante de diversos tratados médicos do período. Para tanto, o médico reiterava a necessidade
imperiosa de uma higiene infantil. O autor aconselhou sobre os primeiros cuidados que devem
ser oferecidos no ato do nascimento até os primeiros quatro anos de vida.

Após o parto e a verificação do estado geral do bebê, dá-se o início ao primeiro banho
com água morna e um pouco de azeite ou sabão para facilitar a limpeza; caso a criança esteja
fraca, cabia o uso de um cozimento de flores aromáticas, como a alfazema, a camomila e o
tomilho fervidas num pouco de vinho tinto. A partir desse momento, o médico adverte que os
cuidados com o asseio da criança devem ser cuidadosamente considerados para a conservação
da saúde, aconselhando o banho duas vezes ao dia.

O sono deveria ser outro aspecto a ser observado pelas mães. Depois de lavada e
aquecida a criança, essa deveria ser posta em um ambiente sem muita claridade com circulação
de ar puro e temperatura moderada. O colchão feito de crina ou de palha, porém nunca de lã ou
de penas por conta do incômodo produzido pelo calor do país.

Um tópico que Imbert dedicou atenção e que foi alvo da sua indignação foi a vestimenta
das crianças, mais precisamente, a prática do enfaixamento. O autor reitera que as mães
acreditavam que era indispensável apertar fortemente o corpo da criança a fim de sustentá-lo e
fortificá-lo. Enrolava-se dos ombros até os pés com uma peça conhecida como faxão, deixando
a criança tolhida de seus movimentos e que consistia numa verdadeira tortura, afirma o doutor.
- 68 -
Ele recorre à Rosseau e louva seu posicionamento pois, esse faz duras críticas à educação
tradicional que utilizava essa prática por medo de que os corpos dos bebês se deformassem
pelos constantes movimentos. O filósofo alega que os países que mais enfaixavam as crianças
são os que mais possuíam “corcundas, mancos, cambaios, raquíticos e aleijados de todo o tipo”
(ROSSEAU, 1979:17). Para Imbert, Rosseau provocou uma “revolução benéfica no espírito
das mães”121ao aconselhar a utilização de panos mais finos e menos apertados. De fato, por
influência direta ou não do filósofo ao promover a ressignificação da criança (WENDT;
DALBOSCO, 2012) a antiga prática do enfaixamento foi posteriormente combatida por
importantes escritores de livros de medicina de aconselhamento e substituída gradativamente
por métodos mais confortáveis para os bebês.122

Imbert também trata do tema da vacinação contra o mal da bexiga.123Nos casos em que
a doença estivesse manifesta nos arredores onde a criança habitava, aconselhava-se a vacinação
ainda no primeiro mês de vida, ao contrário, de acordo com ele, podia-se esperar até o terceiro
ou quarto mês. O manual ainda forneceu às mães um guia detalhado de identificação das
características da verdadeira e da falsa vacina.124

De todos os temas concernentes a higiene da infância ditados por Imbert, a questão da


alimentação da criança foi um dos que mais exigiram do autor uma explanação mais demorada
no manual e motivo de alguns esclarecimentos devido seu posicionamento.

Tema de inúmeros debates entre a classe médica, o aleitamento tornou-se pauta


constante de diversos tratados médicos, de jornais especializados e até mesmo daqueles
dedicados a informação e ao entretenimento. Na Guia Médica, esse tema foi introduzido
objetivamente sob o título: “Deverá a criança ser amamentada pela mãe, ou por huma ama de
leite?”. O autor alega que se trata de um tema grave e que requer um amplo desenvolvimento,
e já prepara o leitor, ou mais precisamente, os seus pares, que certamente iriam julgá-lo por sua
opinião. De fato, o tema por si só produziu intensas disputas que perduraram até cerca do
início do século XX quando a alimentação artificial foi sendo cada vez mais utilizada pelas

121
IMBERT. Guia Médica das Mãis de Família. op.cit., p.45;
122
Cf. BUCHAN, William. Medicina Doméstica. op.cit e TISSOT, Aviso ao Povo sobre sua Saúde. op.cit;
123
A bexiga foi o nome dado à varíola, que vitimou a vida de milhares de índios no litoral do Brasil no século
XVI, sendo a mais drástica das epidemias no primeiro século de colonização. Há controvérsias sobre as causas da
difusão da varíola no litoral no século XVI, embora haja certo consenso que a peste tenha se alastrado na Bahia
trazida de um navio vindo de Lisboa no ano de 1562. Todavia, pesquisas na década de 1980 indicaram que a
origem da peste foi provavelmente africana, apontando que o vírus teria chegado a partir do tráfico atlântico e
grupos mais numerosos de escravos foram sendo introduzidos no país. Cf.(VAINFAS, 2001:77);
124
IMBERT. Guia Médica das Mãis de Família. op.cit., p.60-67;
- 69 -
mães. Os discursos variavam entre a completa condenação e o controle rígido na escolha das
amas. Entre os que condenavam, a justificativa apoiava-se na condição social e jurídica das
amas, além de associação à transmissão de doenças (MARTINS, 2016).

As raízes da prática do aleitamento infantil por amas de leite são remotas. Jurandir
Freire Costa (1983:256) aponta que, dentre essas, talvez uma das mais consolidadas é a que as
mães ignorassem que a amamentação materna fosse vital à sobrevida das crianças. À esse
hábito, acrescentavam-se os usos da sociabilidade humana: as modas, as festas e diversões
consumiam as energias femininas. O jornal Ostensor Brasileiro de 1845, publicado
quinzenalmente na Corte já escrevia sobre a radicação dessa prática: “Não se encontrarão em
todo o Império cinco mães que, pertencendo à classe elevada, aleitem seus filhinhos[...] não se
encontrarão dez na classe média (...) não será coisa fácil apontar vinte na classe baixa”.125Desse
modo, é possível verificar a amplitude do mercado do negócio das amas de leite na economia
nacional.
No mundo europeu, assim como sustentato por Philippe Àries, Edward Shorter afirma
que, entre a gente comum, categoria da qual se ocupa a sua pesquisa, a despreocupação
tradicional em relação às crianças persistiu até pelo menos ao último quartel do século
XVIII(SHORTER, 1975). Esse desinteresse em relação à vida infantil também é constatado
por Asunción Lavrin ao apontar que os higienistas da América Espanhola preocupavam-se com
a mortalidade e a viam não somente como uma ameaça biológica, mas, também como uma
negligência desumana em relação aos seres “mais desvalidos da sociedade”(LAVRIN, 1994).
Em linhas gerais, as principais justificativas para a difusão da prática da amamentação
mercenária eram: “Partos em idade prematura, a ausência de uma cultura que valorizasse a
amamentação e a crença na fragilidade das mães brancas e de seu leite, considerado ‘fraco’ e
insuficientemente nutritivo para os bebês”(TELLES, 2016:183).
Esse discurso começa a alterar-se com a crescente preocupação com a mortalidade
infantil causada pela transmissão de doenças. Porém, Costa (1989:256) afirma que, com efeito,
foi somente a partir do momento em que a vida da criança da elite passou a ter importância
econômico-política é que o aleitamento materno tornou-se um preocupação de foro nacional
já em fins dos XIX. No entanto, a sociedade contemporânea à Imbert já apresentava sinais dessa
apreensão. Os debates em torno da matéria recorriam ao discurso de que todas as fêmeas da

125
Ostensor Brasileiro-Jornal Litterário e Pictoral. Rio de Janeiro, 1845-1846 apud ALECASTRO, Luiz Felipe
de. “Vida Privada e Ordem Privada no Império”, p.63;
- 70 -
classe dos mamíferos amamentavam suas crias e que aquelas que não o faziam, contrariavam
uma vocação natural, o que mais tarde, foi de forma ferrenha, defendido pelo discurso higiênico.
A mulher, que tem hum filho, fica sujeita a huma lei imposta pela natureza, á
qual não póde subtrahir-se, sem expor sua saúde a funestos resultados, e sem
que os males, que resultão d’esta omissão, se estendão a seu filho: se aquella
que cumpre tão sagrada lei, merece encômios, e sufrágios dos seus
semelhantes; censurável, e digna de despreso he aquella, cujo estado de saúde,
e circusntancias convenientes lhe permitem amamentar seu inocente filho, e
que se furta a tão doce desempenho, ou pelo prejuízo de arruinar a saúde, de
perder a elegancia do talhe, e a formosura dos seus seios [...] e com manifesta
ingratidão entrega seu filho á huma mulher, que por nenhum título lhe prestará
o leite, e os cuidados, que lhe são necessários [...]. Bárbaras! Abandonar o
objeto, que lhe deve ser mais caro, e a quem dedicar sua alma, e seu coração!126

Na contramão do “espirito do systema”, em tempos de emergência de um dicurso de


valorização da função maternal, o dr.Imbert se declarava “muito pouco partidista da
amamentação materno”127por não acreditar que existisse no país mulheres com força física o
suficiente, capazes de prover uma dupla nutrição. Segundo ele, uma longa experiência no clima
do país, o forçava a adotar tal posicionamento. Para sustentar sua justificativa, o doutor evoca
sua autoridade baseada em sua experiência no exercício da profissão que vinha sendo realizado
há doze anos na capital do Império128.O calor excessivo que esgota as forças e irrita o sistema
nervoso de mulheres delicadas e naturalmente nervosas seria um dos grandes vilões. Porém,
uma outra justificativa muito mais propagada seria, em caso de mães muito jovens como era
comum no Brasil, a ausência de um vigor físico para suportar uma amamentação prolongada
sem prejuízo para a saúde.

Algumas premissas sobre a fragilidade da mulher também foram comumente defendidas


por outros autores de finais dos Setecentos. Francisco de Mello Franco, por exemplo, no tratado
de 1790 se opunha veementemente contra os casamentos entre meninas muito jovens, de 12 ou
14 anos com homens de 60, 70 anos, prática recorrente em Portugal . Ele afirmava que tal união
não poderia gerar filhos saudáveis, pois, as meninas ainda não estavam totalmente formadas e
os homens já não possuiam um sêmen enérgico, nas palavras do médico129. Já Buchan, em sua
Medicina Doméstica afiançava que mulheres delicadas ou afligidas por enfermidades nervosas
não são boas para criar, pensamento corrente naqueles dias, de acordo com ele130. No Brasil,

126
LEITÃO, Antonio Gonsalves d'Araujo - Sobre a hygiene da infância,. Centro de Ciência da Saúde-CCS/UFRJ,
1840, p.10-11;
127
IMBERT. Guia Médica das Mãis de Família. op.cit. p.48;
128
Ibidem, p.49;
129
FRANCO. Tratado da Educação Fysica dos Meninos, p.3;
130
BUCHAN. Medicina Doméstica.op.cit, p.3;
- 71 -
igualmente, alguns futuros doutores da Faculdade de Medicina, partilhavam dessa ideia.
Antonio Gonçalves D’Araújo Leitão em tese apresentada em 1840 à Faculdade de Medicina do
Rio de Janeiro destaca que aquelas mulheres com pouca saúde e fraqueza e as acometidas de
certas patologias, poderiam ser dispensadas da responsabilidade de amamentar:

(...) que estiver affectada de certas moléstias como Ptysica pulmonar,


scorbuto, scrophulas, dartros, crancros, rachitismo &c., aquella que fôr fraca
e lánguida, que exercer alguma profissão não saudável, que a secreção do leite
não for suficiente, ou não tiver logar, que respirar continuamente o ar (...).131
Zeferino Justino da Silva Meirelles reitera essa posição: “Não incluiremos n’este numero
aquellas cuja constituição e mau estado de saúde não lhes permitem aleitar seus filhos; estas
são dignas de desculpa e até de elogio”.132

No capítulo segundo, Imbert reforça claramente a sua anuência à ideia da falta de


condições físicas da mulheres brasileiras em amamentar seus filhos sem o detrimento de sua
sáude 133, ideia essa assentada por um longo período no seio da sociedade do país, como vimos
brevemente, mas, que já vinha se despontando como refutada pela comunidade médica,
principalmente a partir das constantes epidemias de febre amarela e cólera que atingiram o
Brasil. Com base nessa nova postura de incentivo à amamentação, os médicos liberavam do
dever de aleitar apenas aquelas mães com algum problema físico, de saúde ou de nervos,
admitindo nesse caso, a utilização de uma ama examinada e aprovada (KOUTSOUKOS, 2009)
por um médico.134Entretanto, entregar um filho para ser alimentado por outra mulher mesmo
em tais condições passou a ser desde então, um erro gravíssimo contra a natureza e um
vilipêndio à função mais nobre de uma mulher: a de ser mãe.

A culpabilização da mulher foi um artíficio utilizado a fim de coagi-la a amamentar seu


próprio filho, gerando-lhe um sentimento de culpa e perda. Se a mulher alimentou no seu ventre
o seu filho durante nove meses, nada mais correto que continuasse a alimentá-lo. Segundo o
parecer dos médicos da segunda metade do século XIX, o aleitamento materno traria dupla
vantagem. Primeiramente, a qualidade do leite da mãe é sempre superior ao de qualquer outra

131
Ibidem, p.11;
132
MEIRELLES, Zeferino Justino da Silva. Breves Considerações sobre as Vantagens do Aleitamento Maternal.
Centro de Ciência da Saúde-CCS/UFRJ, 1847, p.19;
133
IMBERT.Guia Médica das Mãis de Família. op.cit., p.50;
134
Karoline Carula aponta a existência de médicos que realizavam exames para atestar a qualidade do leite. No
entanto, essa avaliação era facultativa constituindo um recurso pouco utilizado, o que pode demonstrar que as
mulheres não considerassem necessário tal exame. Cf. (CARULA, 2012); Já Maria Lúcia Mott já atesta que desde
1834, a parteira mais conhecida como Madame Durocher participava das escolha de amas de leite. Ela avaliava a
constituição física da candidata a fim de verificar a quantidade e a qualidade do leite. Por vezes as enviava para a
inspeção na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Cf. (MOTT, 2005);
- 72 -
mulher. E em segundo lugar, o leite materno garantia a transmissão das qualidades morais da
mãe (CARULA, 2012:201), o que afastava o receio em relação as amas negras frequentemente
referenciadas como:

muitas vezes tiradas de um povo bárbaro, sem costumes, sem religião, e por
ventura affectada de moléstias (...) seu filho beberá com o leite, que lhe
comunica, as moléstias, esses costumes degradantes, que chocão a ordem da
sociedade; porque as impressões recebidas na tenra idade decidem da sorte do
homem no resto de seus dias (...).135
As memórias do Dr. Emilio Joaquim da Silva Maia, estimado médico relembrado por
Imbert136 constituíam referência em matéria de aleitamento materno. Em relatório lido pelo Dr.
J.C. Soares de Meirelles em sessão de doze de julho de 1834, aquele doutor apresenta os males
submetidos às crianças que não são amamentadas por suas mães, afirmando que a mortalidade
é incomparavelmente maior nos países onde há a prática, como o caso do Brasil, onde os males
são incalculáveis e as amas são geralmente escravas africanas que em suas palavras são “brutas,
infectadas de moléstias que trazem do seu país, e além disso immoraes, e depravadas.” ( Revista
Médica Fluminense, 1834).137Para o Dr. Maia o país adquiriu um costume bárbaro, contrário a
natureza, que unidos à outras causas naturais serviu para diminuir a sua população.
Mesmo contrapondo-se ao renomado colega e sob os riscos de duras críticas de seus
pares, o dr.Imbert aconselha a confiar a criança a uma ama de leite, em vez de submeter as mães
à consequências piores. A essa altura, já transgredindo o espírito de vanguarda que elegia a
amamentação materna como recurso de remediação contra as epidemias associadas à figura do
escravo, o médico recomenda as amas africanas, pois, segundo ele, as mesmas apresentariam
melhores condições de amamentação em relação às amas brancas. As escravas seriam
fisicamente mais dispostas devido a sua constante exposição às altas temperaturas das regiões
equatoriais. Gilberto Freyre sinaliza que eventualmente Imbert estivesse certo sobre o poder de
amamentação da mulher negra. De acordo com o autor, a tradição brasileira já o dizia: “para a
ama de leite não há como a negra.”(1981:444). Contudo, Freyre afirma que esse vigor estaria
porventura associado as suas melhores condições eugênicas. Por razões sociais, e não de clima,
o que teria corroborado com a preferência dos portugueses da América a oferecer seus filhos
ao peito de uma escrava que “além do leite mais farto apresentavam-se satisfazendo outras

135
REGO, Pedro da Silva-Os cuidados que reclama a mulher depois do parto natural, Centro de Ciência da Saúde-
CCS/UFRJ, 1838, p.28;
136
IMBERT. Guia Médica das Mãis de Família. op.cit., p.50;
137
Revista Médica Fluminense. Relatório, 12/07/1834, p.6;
- 73 -
condições, das muitas exigidas pelos higienistas portugueses do tempo de D.João V. (...) .
Serem mães de filhos sadios e vivedouros”(p.445).

Diante desse cenário, a análise da saúde da ama negra deveria preceder algumas
observações138: moça forte e robusta; deveria ter parido o mais próximo possível da idade da
criança que iria amamentar; o leite deveria ser sem cheiro, branco e adocicado; os seios
convenientemente desenvolvidos, nem rijos, nem moles; sem marcas ou cicatrizes; sem indícios
de alporcas (infecção nos gânglios linfáticos); dentes claros e limpos e por fim, sem vício de
humores. Nesse caso, a ama deveria ser imediatamente rejeitada, pois, de acordo com Imbert,
que se declara apologista da doutrina hipocrática, a ama poderia transmitir vírus específicos
durante a amamentação, o que ocasionaria a transmissão de “ todas as alterações humoráes, de
que possa estar infectada”139.

O emprego das escravas no aleitamento, apesar da crença na comunicação dos humores


por meio lácteo,140poderia deixar Imbert em uma situação aparentemente controversa perante a
comunidade médica. O doutor demonstra estar a par dos recentes debates e reconhece todos os
possíveis “perigos” que se apresentam ao empregar uma ama negra. Todavia, sua única ressalva
é para que haja a substituição imediata da ama, ou na ausência de uma, aconselha-se a utilização
da alimentação artificial com o leite de burrra ou de égua, os mais recomendáveis, segundo
ele141. Quanto ao mais, a partir desse ponto, as recomendações se detém apenas no seu regime
alimentar a fim de não trazer mais prejuízos a criança.
O contexto social vivido pelo dr. Imbert tem na defesa da amamentação materna uma
das ideias de progresso social que também envolvia a aversão a figura do escravo. Esse, tido
como corrompido pelos costumes bárbaros, tinha em seu leite um perigo moral. Acreditava-se
que a criança alimentada por ama negra poderia adquirir as características da nutriz, tornando-
se dentre outras coisas, insolente. O incentivo ao aleitamento materno estava inversamente
proporcional à instituição da escravidão. Um país com pretenções civilizatórias não poderia
estar calcado na dependência dessa instituição, sendo assim, eliminar o hábito de fazer as

138
IMBERT. Guia Médica das Mãis de Família. op.cit. p.51-53;
139
Ibidem;
140
Segundo essa teoria, a transmissão poderia ocorrer da seguinte forma: “O estado de saúde dependeria da exata
proporção e da perfeita mistura dos quatro humores, que poderiam alterar-se por ação de causas externas ou
internas. O excesso ou deficiência de qualquer dos humores, assim como o seu isolamento ou miscigenação
inadequada, causariam as doenças com o seu cortejo sintomático”.Cf. (REZENDE, 2009:52);
141
IMBERT. Guia Médica das Mãis de Família. op.cit. p.377;

- 74 -
escravas “ amamentar os bebês de seus senhores também significava distanciar-se do regime
de escravidão, tornando a imagem do país mais higiênica” (CARULA, 2012:212).

Nesse contexto, a brevidade do doutor Imbert ao tratar de um tema conflituoso desperta


curiosidade. A sequência de seu discurso pode revelar-se intrigante pois, o mesmo declara sua
preferência pela escolha das amas negras demonstrando sua justificativa, ao passo que
reconhece sua delicada posição diante da comunidade médica, admitindo brechas em seu
discurso, evidenciando uma postura ora conservadora ora progressista. Isso pode gerar dúvidas
quanto a sua representatividade, nos fazendo refletir se o dr. Imbert apresentava-se apenas
como um médico conservador ou insistia forçosamente na utilidade do negro a fim de prorrogar
a manutenção do sistema escravista por ele utilizado. Independentemente da resposta para esse
questionamento, importa perceber que ambas as faces poderiam operar dentro do exercício de
sua profissão e na constituição de seu nome como autor, mesmo que esse posicionamento
pudesse, por vezes, nos parecer conflituoso.

Embora a perspectiva acima apresente indagações, a atenção de Imbert à figura da


escrava gestante não é algo incomum. Em seu Manual do Fazendeiro, como proprietário de
uma fazenda no “centro de huma das mais ricas e ferteis Provincias do Imperio Brasil” 142,
preocupado com possíveis abortos provocados pelas cativas insatisfeitas com sua aparência
devido à gestação, aconselha os senhores a prometer um prêmio a todas as negras que levassem
até o fim a sua gravidez. Tal premiação serviria também de estímulo àquelas que ainda não
haviam concebido, para o fazerem da mesma forma143. Além da maternidade, a criação de
vínculos familiares por meio do casamento também era incentivada com uma premiação que,
nesse caso, consistia na concessão de uma mobília, roupas novas para o casal e de um pequeno
quarto para que pudessem habitar.144Todos esses incentivos apresentavam motivos claramente
declarados pelo autor: “Este prejuízo das negras muito damno causa ao progresso da população
escrava (...)”; “(...) todos os vínculos são os laços de família, os que mais fortemente prendem
o homem a seus deveres (...). Em suma, as escravas deveriam ser encorajadas a reproduzir e
conduzir sua gravidez até o final a fim de aumentar o patrimônio de seus senhores, bem como,
o casamento incentivado com vistas a criação de vínculos o que impediria possíveis fugas.
Diante de um cenário marcado pela carência de escravos sendo comercializados, os senhores
deveriam se precaver.

142
IMBERT. O Manual do Fazendeiro, op.cit., p.356;
143
Ibidem, p.254;
144
Ibidem, p.358;
- 75 -
Imbert não estava sozinho. Alguns autores de manuais de fazendeiros do século XIX
direcionaram seus tratados para a busca do aumento dos rendimentos senhoriais. Neles,
incluiam-se os cuidados com as escravas gestantes e recém-nascidos, como vimos aqui. Carlos
Augusto Taunay em seu Manual do Agricultor Brasileiro, descreve: “Casadas ou solteiras, as
pretas prenhes devem ser tratadas com mimo e aplicadas a hum trabalho moderado. O parto e
mamentação merecem as competentes atenções”145. Já Francisco Peixoto de Lacerda Werneck,
barão de Pati de Alferes, em Memória sobre A Fundação de uma Fazenda na Província do Rio
de Janeiro de 1847 recomenda:

Não mandeis á roça, por espaço de um anno, a preta que estiver criando;
occupai-a no serviço de casa, como lavar roupa, escolher café, e outros
objetos. Quando ella tiver seu filho criado, irá então, deixando o pequeno
entregue a uma outra que deve ser a ama secca de todas as mais crias para
lava-las, mudar-lhe roupa, e dar-lhes comida (...).146
Rafael Marquese aponta que tais recomendações residiam na precaução com relação ao
aumento dos preços que certamente ocorreria com o fim do tráfico transatlântico, dessa forma,
“a estratégia para tanto repousava no estímulo à reprodução dos cativos, seja através da
constituição de uniões estáveis ou pela melhoria do tratamento concedido às pretas grávidas e
aos recém-nascidos (...)”.147

Bárbara Canedo R. Martins também destaca a importância assumida pelas escravas


grávidas nesse cenário. A autora demonstra que as gestantes e aquelas recentemente paridas
poderiam tornar-se amas-de-leite em potencial. Evidencia a intenção de alguns senhores em
comprar escravas ainda na adolescência ou juventude que já tinham uma cria ou que estivessem
grávidas a fim de investir no mercado de trabalho das amas-de-leite, o que provavelmente
geraria mais lucros do que utilizar esses indíviduos em outras atividades.148

Nos tempos de Imbert, diversos jornais atestavam a intensidade desse negócio e nos
permitem refletir sobre o espaço ocupado pelas cativas no serviço de aleitamento. Os trechos
abaixo são amostras dos anúncios mais correntes em dois importantes periódicos
contemporâneos ao manual do dr.Imbert:

145
TAUNAY. Carlos Augusto. Manual do Agricultor Brazileiro. Rio de Janeiro: Typographia Imperial e
Constitucional de J.Villeneuve e Comp., 1839, p.17;
146
WERNECK, Francisco Peixoto de Lacerda. Memória sobre A Fundação de uma Fazenda na Província do Rio
de Janeiro (1847-1878). Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa/ Brasília: Senado Federal, 1985, p.26-27;
147
MARQUESE, Rafael de Bivar. A Administração do trabalho Escravo nos Manuais de Fazendeiros do Brasil
Império, 1830-1847. Revista de História, FFLCH-USP, 137 (1997), p.107-108;
148
MARTINS, Bárbara Canedo R. Reconstruind a Memória de um Ofício: as amas-de-leite no mercado de trabalho
urbano no Rio de Janeiro (1820-1880). Revista de História Comparada, Rio de Janeiro:6-2:138-167, 2012;
- 76 -
“Aluga-se, na Rua da Quitanda, n.13 huma boa ama com muita abundância de leite, e
muito carinhosa” (Jornal do Commercio, 1840);149
“Aluga-se, na Rua da Cadêa, n.48, loja de duas portas, excelentes amas de leite, huma
delas parida há 40 dias” (Jornal do Commercio,1840);150
“Aluga-se, na rua do Sacramento n.4, duas raparigas para ama de leite, raparigas
recolhidas, com muito bom leite em abundância, huma de 15 dias e outra de 1 anno, aluga-se
só para casa [...], pois são de estimação. Na mesma aluga-se huma mocamba que cose,
engomma, lava e cozinha, com a condição de não sahir à rua.”(Jornal do Commercio, 1841);151

“Precisa-se alugar, na rua de S.Francisco da Prainha n.42, huma ama de leite, livre e de
bosn costumes”(Jornal do Commercio,1842);152.

“Vende-se na rua do Principe, em Vallongo, n.41, sobrado, huma ama de leite, com hum
filho nascido de 50 dias, a qual não tem vícios nem moléstias”(Jornal do Commercio,1842);153
“Vende-se uma mucama de 16 annos, ama de leite com cria, ou sem ella, tem muito boa
conducta, o leite é novo, e com abundancia, sabe coser, lavar, engomar, e cozinhar, é recolhida,
e trata muito bem de uma criança, e dá se em conta; na rua do Lavradio, n.23.”(Diario do Rio
de Janeiro, 1840)154
“Vende-se uma preta ama de leite, sem cria, de idade de 24 annos, o leite é do primeiro
parto; na rua do Sabão n.221.” (Diario do Rio de Janeiro, 1842);155
“Precisa-se de uma ama de leite, na rua nova do Livramento n.15, mas quer-se pessoa
muito sadia, de bons costumes, com leite novo e que seja parda ou preta recolhida.”( Diario
do Rio de Janeiro, 1843);156
Segundo Maria Elizabeth R. Carneiro (2007), “preta, com muito bom leite, prendada e
carinhosa” era o modelo ideal de ama de leite veiculado nas colunas do Jornal do Commercio
e constituía o tipo de anúncio mais corriqueiro nos jornais da Corte, onde era ressaltado a saúde
das escravas, a idade das amas, idade do leite, as informações relativas a qualidade dos serviços
e da longevidade das rendas. Os anúncios ainda traziam a boa conduta e o bom comportamento
das amas comercializadas.

149
Jornal do Commercio, 15/01/1840, Annuncios, Anno XV, n.13;
150
Jornal do Commercio, 21/08/1840, Annuncios, Anno XV, n.220;
151
Jornal do Commercio, 17/09/1841, Annuncios, Anno XVI, n.237;
152
Jornal do Commercio,03/01/1842, Annuncios, AnnoXVII, n.4;
153
Ibidem;
154
Diario do Rio de Janeiro, 29/01/1840, Amas de Leite, Anno XIX, n.22;
155
Diario do Rio de Janeiro, 25/02/1842, Amas de Leite, Anno XXI, n.44;
156
Diario do Rio de Janeiro, 10/04/1843, Amas de Leite, Anno XXII, n.81;
- 77 -
É possivel verificar que o negócio com escravas lactantes representava uma importante
atividade econômica nas cidades. Mesmo pequenos plantéis de escravos poderiam ter no
aluguel de amas de leite um de seus negócios (ALENCASTRO, 1997:63). Havendo
disponibilidade de leite materno, existia oferta de amas-de-leite. Um dos ramos que utilizou
largamente o serviço de aleitamento mercenário foi a Roda dos Expostos da Santa Casa de
Misericórdia. Carneiro aponta que entre os proprietários de amas de leite que alugavam suas
escravas para aleitar crianças enjeitadas haviam nomes de presidentes de província, deputados
e senadores, desembargadores, ministros, conselheiros de Estado, militares e médicos. Tal
negócio podia mostrar-se visível na organização daquela instituição e claramente rentável para
alguns proprietários, como foi o caso do Marechal José Maria da Silva Bittencourt que com o
aluguel de uma única ama auferiu no ano de 1858 uma receita de cerca de 455$000. E muito
mais promissor para o Visconde de Itaboraí que alugou sete escravas para a instituição no
período de 1862 a 1865, tendo recebido um total de 2:240$000 por aqueles serviços, sendo o
proprietário e locador de amas que recebeu a maior soma pelo aluguel de escravas
(CARNEIRO, 2006).

Madame Durocher, conhecida parteira da Corte, no exercício de sua profissão atendeu


diversas amas acometidas de enfermidades. O relato permite-nos perceber o grau de exploração
dessas mulheres por seus senhores e dimensionar a extensão desse comércio:

É incrível o abuso do direito do senhor contra o escravo, e o numero de


escravas physicamente impossibilitadas de amamentar que diariamente vem
ao nosso consultório: umas syphiliticas, outras escorbúticas; umas com
empigens, outras tuberculosas; umas chloroticas, outras escrofulosas;quase
todas sem leite, porque, contra todas as leis divinas e humanas, se lhes tem
arrancado os filhos para leval-os à roda, afim de alugar as mães, mais
facilmente, com amas de leite. Ora, como bastam dias sem dar de mamar para
estancar o leite, resulta que se alugam assim mesmo amas, e o que de mais
revoltante há é que depois de uma ama esgotada por uma longa criação, ainda
se obriga a pobre escrava a dizer que pariu a poucos dias, e que se não tem
bastante leite é porque o filho foi para a a roda e não tem dado de mamar (...)
(Correio Paulistano,1870)157
Durante a realização dessa pesquisa, não foi possível verificar dados concretos que
permitam propor uma relação real de J.B.A.Imbert com o mercado das amas-de-leite, apesar de
acreditarmos que esse negócio poderia se apresentar como algo lucrativo para um proprietário
que, de acordo com ele, possuía entre sua escravaria mais de duzentos indivíduos e, certamente
muitas mulheres em período pós-natal. De acordo com essa perspectiva, a figura do médico,

157
Correio Paulistano, 07/12/1870, p.4;
- 78 -
autor da Guia Médica e do senhor de escravos, autor de o Manual do Fazendeiro, não podem
ser desvinculadas, embora os manuais pareçam revelar faces distintas de um mesmo autor.

Quiçá, o envolvimento de Imbert com o mercado das amas de leite poderia até constituir
uma justificativa provável para que o doutor tenha colocado em risco sua autoridade perante a
comunidade médica. Contudo, é importante destacar que sua postura também pode revelar que,
conquanto, todos os perigos advindos de seu posicionamento, a construção de sua identidade
autoral parece preocupar mais a Imbert. Como vimos, ele afirma que uma longa experiência no
clima do país, o forçava a optar pela adoção do emprego das amas-de-leite africanas, evocando
sua autoridade baseada no exercício da profissão que vinha sendo realizado há doze anos no
país158. Além do clima, o autor ainda se baseia na tenra idade das futuras mães brasileiras que
segundo ele, as impedia de suportar uma amamentação prolongada.

Outro fator contribuinte na construção de sua autoria científica é visto no prefácio da


Guia Médica. Nele, o autor exalta a utilidade de sua obra que viria a preencher uma lacuna
promovida pela ausência de uma “medicina de diploma” antes restrita aos grandes cidades do
Império: “ (...) o Brasil reclama os socorros de huma medicina domestica, sabia, e prudente
(...)”159. Ademais, Imbert ressalta a originalidade da Guia Médica, mencionando que os
conselhos ali contidos não “estavão dirigidos por vistas scientificas (...)” 160ao contrário dos
autores anteriores a ele. Afirma sua competência profissional ao se basear nos anos de
experiência no país. Experiência essa, calcada na Higiene, a ciência dos “povos civilizados”
que iria dirigir todo o seu discurso. Outrossim, podemos acrescentar a essas informações, outras
obras publicadas por Imbert citadas em importantes jornais da Corte161ainda no início de sua
carreira no Brasil. Essas publicações sugerem que o esculápio possuía a intenção de constituir-
se como autor no país, acumulando capital científico e fazendo seu nome conhecido.

Na contrução desse nome, Imbert segue delineando seu perfil autoral ao desenvolver
um “código higiênico” pautado nos avanços mais recentes dessa ciência em ascenção. Nesse

158
Guia Médica. op.cit., p.49;
159
Ibidem, p.10;
160
Ibidem, p.12;
161
Me refiro as seguintes obras: Conselhos ás Mães de Família, mencionada no Diário do Rio de Janeiro
(13/01/1832), Tratado da Velhice, ou Arte de Prolongar a Vida e Conselhos às Mães Brasileiras sobre
o Aleitamento, citadas na Revista Médica Fluminense (out./1835, n.7). Como apontado na nota n.48,
essas publicações não foram localizadas durante a realização dessa pesquisa.

- 79 -
delineamento, o médico criou mecanismos de afirmação individualizados em que o lugar da
prova,

(...) da validação e da verdade se deslocava da dinâmica de reverêrencias


cortesãs para um espaço suficientemente independente e autônomo,
mobilizando seus próprios critérios, instrumentos e medidas de objetividade.
Abria-se o caminho para um sistema de autoria e de validação discursiva
embasado na individualização e autoridade do homem de ciência, no destaque
uno e indivisível ao seu nome próprio que agrupava competências
reconhecidas por seu pares (LICOPPE, 1996 apud MEDEIROS, 2018:39).
À vista disso, percebemos que o debate sobre a construção de uma maternidade por
“vistas científicas” que teve seu ápice a partir da década de 1870 foi introduzido pela Guia
Médica décadas antes. Embora a maternidade higiênica proposta por Imbert contivesse
orientações teóricas análogas a de outros manuais de medicina doméstica, a obra apresenta
aspectos capitais que se dispõem a identificar o pensamento do autor J.B.A.Imbert. Sua inserção
nas redes científicas que se formavam no interior da AIM, onde se fomentavam a autoridade e
a autoria dos livros de medicina, certamente também auxiliaram na afirmação de sua autoridade
científica conferindo ao seu discurso e à suas obras o reconhecimento como um homem da
ciência que agrupava as competências reconhecidas por seus pares ao passo que, o legitimava
como um autor capaz de dialogar com a sociedade e os problemas de sua época.

- 80 -
CAPÍTULO III- A Guia Médica das Mãis de Família: Por Caminhos e Trajetórias.

3.1- Entre Livros, Livreiros e Leitores: A Trajetória Editorial e Comercial da Guia


Médica.

“Com todas estas precauções, e garantias seja-me permitido nutrir a doce esperança de que a
minha Guia poderá ser de alguma utilidade para o publico, e sobre tudo, ás mães de família
Brasileiras, a quem tive especialmente em vista ao empreender este trabalho.”162

É com esta declaração no prefácio da Guia Médica das Mãis de Família que o doutor
Imbert finaliza a apresentação de sua obra disponibilizando-a a partir de então, ao público, em
especial, as suas principais destinatárias, as mães.

A fim de investigar os caminhos percorridos pela Guia Médica com o intuito de traçar
uma possível trajetória de sua vida editorial e comercial, recorri a periódicos produzidos a partir
da década de 1830, considerando como ponto de partida para a análise a chegada de J.B.A.
Imbert ao Brasil e o período de produção de suas primeiras obras.163A tabela abaixo apresenta
os jornais selecionados:

Tabela 2- Periódicos produzidos a partir da década de 1830.164

Ano de
Periódicos
Produção
A Província do Mato-Grosso: periódico litterario, noticioso e dedicado
1879-1886
aos interesses da província
A Sentinella da Monarchia 1840-1847
Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro-
1844-1885
Almanaque Laemmert
Annaes Brasiliense de Medicina 1851-1885
Annaes de Medicina Brasiliense 1845-1851
Annaes do Parlamento Brasileiro 1826-1873
Archivo Médico Brasileiro 1844-1847
Brasil. Ministério do Império: Relatório da Repartição dos Negócios do
1832-1888
Império

162
IMBERT. Guia Médica das Mãis de Família. op.cit., p.17;
163
Aqui considero o ano de 1831 como sua chegada ao país e a primeira edição de o Manual do Fazendeiro de
1834;
164
A seleção dos periódicos considerou o período entre os anos de 1830 até o final do século XIX. Tal seleção foi
guiada por uma busca mais ampla orientada pelo termo “Imbert”pois, acredita-se que esse poderia abarcar um
número maior de informações, não apenas no que diz respeito a obra em questão. Os periódicos pesquisados se
encontram disponibilizados no sítio da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.
- 81 -
Collecção de Modinhas Brasileiras 1872
Correio da Tarde: Jornal Commercial, Político, Litterario e Noticioso 1855-1882
Correio Mercantil 1836-1849
Correio Official 1833-1841
Diário de Pernambuco 1840-1849
Diário do Rio de Janeiro 1821-1858
Folhinha Biographica para o anno de 1862 contendo a Biographia de
1862
Brasileiros Illustres; muitas notícias interessantes e chronicas do Anno
Folhinha Civil e Ecclesiástica 1836-1862
Folhinha de Utilidade Pública 1849
Gazeta de Notícias 1875-1879
Gazeta Médica da Bahia 1867-1905
Jornal do Agricultor: princípios práticos de economia rural 1879-1894
Jornal do Commercio 1850-1899
Jornal do Recife 1858-1938
O Auxiliador da Indústria Nacional 1833-1896
O Campista 1834-1891
O Constitucional: Folha Política, Litteraria e Commercial 1851-1864
O Despertador 1838-1841
O Globo: Jornal Commercial do Maranhão 1852-1890
O Liberal de Pernambuco 1852-1858
O Mercantil 1844-1845
Pedro II 1840-1889
Publicador Maranhense 1842-1885
Revista Médica Brasileira 1841-1843
Revista Médica Fluminense 1833-1841
Treze de Maio 1845-1861
Fonte:Hemeroteca Digital da Fundação Biblioteca Nacional

Sobre a importância das fontes impressas e a escolha de um jornal como objeto de


estudo, Maria Helena Capelato e Maria Ligia Prado em O Bravo Matutino (1980:19) entendem
a imprensa como:

instrumento de manipulação de interesses e de intervenção na vida social;


nega-se, pois, aqui, aquelas perspectivas que a tomam como mero ‘veículo de
informações’, transmissor imparcial e neutro dos acontecimentos, nível
isolado da realidade político-social na qual se insere.”
Morel & Barbosa resumem o papel da imprensa como “agente histórico que intervém
nos processos e episódios, não mero ‘reflexo’”(2006:1). Nesse sentido, compreende-se a
presença da Guia Médica nos jornais não apenas como sinais de sua representatividade na
sociedade oitocentista, mas, como fruto de interesses diversos, como da comunidade médica,
de livreiros e demais lojistas em comercializar a obra, e de editores de jornais empenhados em
promover sua divulgação, assim como apontado por Tania Bessone, que indica o uso da
- 82 -
imprensa com fins educativos e intencionalmente disseminadora de conhecimento
(FERREIRA, 2007).

Uma das primeiras referências à obra nos jornais data de um ano antes de sua publicação.
No ano de 1842 a Guia Médica era anunciada no prelo,165coluna normalmente elaborada por
outros autores, que tinha o objetivo de despertar a curiosidade do leitor, deixando-o mais bem
informado sobre os lançamentos. Nesse momento, os formato mais recorrente dos anúncios
nesses jornais era o descrito abaixo:

Guia médica das mãis de família ou da infancia considerada na sua hiygiene,


com suas doenças e os respectivos tratamentos, precedida de alguns conselhos
sobre alguns cuidados e precauções que reclama o estado de gravidez, seguida
de um formulário medical, apropriado a natureza e objeto da obra, pelo doutor
J.B.A. Imbert, cavaleiro da Ordem de Christo e autor do Manual do
Fazendeiro.
Esta guia, que o autor se tem esforçado para apresentar ao alcance da
inteligência das mais de família, e na qual examinou tudo o lhes pôde
interessar, e principalmente para as guiar com segurança, não só relativamente
a gravidez, como sobre a educação hygienica e moléstias de seus filhos,
formará um volume in 8°grande, para mais de quatrocentas páginas, cujo
preço será de 3$000réis, para subscriptores, e de 4$000 réis para os que não
forem.Subscreve-se na rua da Quitanda n°61, na casa de Agostinho de Freitas
Guimarães, rua do Sabão n°26, e na typographia Franceza, rua S. José, n°64.;
(Diário do Rio de Janeiro,1842)166
Um outro modelo também podia ser verificado:
Guia Médica popular das mãis de família, ou a infância considerada na sua
hygiene [...], expostos com clareza para o entendimento de pessoas alheias à
arte de curar, precedida de considerações hygienicas sobre o estado de
prenhez, seguida de um formulário medical próprio ás moléstias da infância
pelo Dr. J.B.A. Imbert- 1 vol. De 425 páginas, encadernado..............Rs 3$000.
Sabemos pela estatística mortuária quão considerável é o número de crianças,
na primeira infância, que povoão os cemitérios. Neste livro as mãis de família
encontrão salutares conselhos, os quaes, sendo seguidos, contribuirão para
conservar mais de uma preciosa vida. (Almanak Administrativo, Mercantil e
Industrial do Rio de Janeiro, 1844-1885)167
Tais anúncios possuíam características em comum: eram extensos e descreviam as obras
sem especificar o número da edição ou outras particularidades. As especificações começaram
a ser listadas somente quando se intencionava ressaltar o baixo preço das mercadorias

165
Ferreira aponta que os comentários de livros recém-saídos do prelo, tinham na maioria das vezes, um teor
laudatório que revelava a opinião dos editores, homens eruditos e ligados às belas-letras e, “inaugurariam uma
tradição da imprensa brasileira, de registrar, comentar e criticar obras saídas do prelo e que fossem consideradas
objetos de reflexão.”Cf. (FERREIRA, 2007:187-188);
166
Diário do Rio de Janeiro, 30/07/1842, Anno XXI, n.165, p.2;
167
Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, Catálogo da Livraria Universal de H.
Laemmert & C., 1844-1885, p.12;
- 83 -
(FERREIRA, 2011:46). Porém, os anúncios mais correntes não ocupavam muito espaço no
jornal. Apresentavam o título das obras e seu caráter geral, como “obras em francês”, “livros
em diferentes idiomas”, “coleção de livros de medicina” ou “livros diversos”.

Inicialmente, a Guia Médica era apresentada nas colunas “Sahio á luz” ou “Achar-se á
venda”. Sobre essa disposição dos anúncios, Maria Beariz Nizza da Silva esclarece que essa
estrutura, repetida em todos os números do periódico, tinha nos primeiros, os textos publicados
na Corte e no seguinte, os livros à venda, incluindo os importados da Metrópole (1973:443). Já
no final do século, a obra passou a ser publicada em colunas como “Livros baratos”ou“Livros
baratíssimos”, indicando possivelmente uma maior circulação desse tipo de literatura e seu
consequente barateamento.168

Nos leilões, como podemos conferir no exemplo abaixo, as obras vendidas tinham suas
descrições cada vez mais especializadas, com as características dos seus lotes e o nome dos
antigos proprietários, como parte de uma exigência legal (FERREIRA, 2005:2).

Grande leilão de livros de medicina e literatura, antiga e moderna, ricamente


encadernada, e algumas gravuras coloridas, e todos em bom estado
pertencentes à biblioteca do Ilm.Sr.Dr.Imbert, que se retira temporariamente
desta corte para tratar de sua saúde (Jornal do Commercio,1843).169
Como vimos no capítulo dois desse trabalho, além desses anúncios que indicavam a
presença da Guia Médica no prelo ou recém “saída á luz”, o Diário do Rio de Janeiro de janeiro
de 1832, já mencionava uma obra de autoria de Imbert com proposta semelhante ao manual.
Foi lançada pouco depois da chegada do médico ao Brasil e portanto, onze anos antes da
publicação da Guia Médica. O conteúdo da obra não é conhecido, nem mesmo a data de sua
publicação, acredita-se porém, que a mesma tenha sido escrita ainda em terras francesas, o que
indicaria os anseios de Imbert por desenvolver a sua carreira como médico e escritor no
Brasil.170

Sahio á luz Conselhos ás Mães de Família, próprios á dirigi-las na educação


Física e Moral de seus filhos, em Portuguez, e Francez, por J.B.A. Imbert. Esta
obra he utilíssima para qualquer Sra. poder criar seus filhos. Vende-se em casa
de Gueffier & Comp., rua da Quitanda, n.79 e Srs. Veigas, rua da Quitanda
canto de S.Pedro, e rua dos Pescadores, n.49, preço 1$rs.(Diário do Rio de
Janeiro,1832);171

168
Essa questão será retomada no tópico seguinte;
169
Jornal do Commercio, 20/07/1843, Ano XVIII, n.190;
170
Como mencionado, a natureza da obra é desconhecida pois, não foi verificado nenhum outro anúncio que
permita inferir sobre esse aspecto, tampouco a suposta obra foi localizada durante a realização dessa pesquisa;
171
Diário do Rio de Janeiro, 13/01/1832, n.10, p.33;
- 84 -
A Guia Médica foi publicada pela Typographia Franceza que também constituía um dos
seus locais de venda. Essa tipografia, como foi mencionado no capítulo primeiro, pertencia a
Jean Soleil Saint-Amand e, apesar de informações escassas, sabe-se que após sua aquisição por
George Leusinger em 1852 ela se tornou uma das tipografias mais bem equipadas do país e
desempenhou um relevante papel no avanço da impressão no Brasil. Constantemente
modernizada por equipamentos importados da Alemanha e dos Estados Unidos e com a
contratação de artesãos qualificados, esse estabelecimento chegou a publicar na mesma década
de publicação da Guia Médica importantes obras da literatura brasileira, tais como, os primeiros
poemas de Joaquim Norberto, Modulações Poéticas e as duas primeiras edições de A
Moreninha, de J.M. Macedo. Por volta do final do século, a Typographia Franceza ainda era a
preferida do governo em detrimento da própria Typographia Nacional (HALLEWELL,
2005:158). Isso pode nos sugerir que a publicação da Guia Médica representasse uma promessa
de sucesso nas vendas, ou ainda a representatividade do dr.Imbert poderia respaldar o possível
êxito da obra no mercado editorial, justificando assim o interesse de tão conceituada tipografia.

Outros locais de vendas também foram listados nos jornais. Alguns eram
estabelecimentos de editores consolidados no mercado, contudo, o manual também poderia ser
encontrado em lojas de artigos diversos. Entre os editores, temos a loja dos Srs. Laemmert na
Rua da Quitanda, n°77. Hallewell assinala que história e ciência estavam entre os principais
gêneros literários de interesse da Laemmert, entretanto, foram os manuais técnicos e os do tipo
“faça você mesmo”, como de agricultura, economia doméstica e etiqueta os que provavelmente
foram mais lucrativos para proprietários. Em Medicina, a Laemmert publicou o conhecido
Dicionário de Medicina Popular e das Ciências Acessórias para Uso das Famílias de Pedro
Luiz Napoleão Chernoviz com mais de três mil tiragens custando cerca de 9$000 em dois
volumes em brochura. Em 1851, a obra foi novamente editada em três volumes ilustrados por
12$000 ou 15$000 encadernados.

Os manuais mostravam-se lucrativos para o mercado editorial dos Laemmerts que em


1865 a tipografia lançou ainda o Dicionário de Medicina Doméstica e Popular de Theodore
Langaard, seguindo a mesma linha editorial de Chernoviz. O jornal Publicador Maranhense de
maio de 1868 informava que a obra encadernada de três volumes com 2.180 páginas ilustradas
com cerca de 230 figuras, custava 10$000 (Publicador Maranhense,1868).172Entretando, o
jornal O Globo de outubro e 1877 indica uma valorização no seu preço, talvez pelo aumento na

172
Publicador Maranhense, 05/05/1868, Anno XXVII, p.4;
- 85 -
quantidade de ilustrações que chegava a 400 figuras. O valor dos três volumes custava 20$000
(O Globo, 1877).173
Em uma breve comparação com os manuais acima, também vendidos pela Laemmert,
vemos que a Guia Médica encontrada em formato in-oitavo no valor de até 5$000rs em volume
brochado e 6$000rs o volume encadernado (Folhinha de Utilidade Pública, 1849) sem menção
de ilustrações, o que encarecia o preço da obra, tinha esse valor compatível e até valorizado em
relação a outros manuais, considerando que a mesma foi publicada em apenas um único volume.
Eram também mencionados nos jornais outros pontos de venda, tais como, a casa de
Agostinho de Freitas Guimarães, na Rua do Sabão n°26 e a loja de João Pedro da Veiga & Cia,
na Rua da Quitanda, esquina de S. Pedro. João Pedro deu continuidade ao promissor negócio
do pai, Luís Saturnino da Veiga, um dos primeiros livreiros da cidade. Martins & Luca destacam
os pontos de venda de livros como significativos espaços urbanos nas cidades brasileiras. As
tipografias e livrarias eram habitualmente frequentadas por redatores, leitores e até mesmo por
outros consumidores, pois vendiam produtos diversos, como roupas, louças, bijuterias,
perfumes, papelaria e até remédios. Esses locais tornaram-se pontos de leitura e encontro de
uma camada privilegiada composta por leitores que tinham como características: “um alto nível
de escolaridade, grande interesse por livros, bibliotecas pessoais e frequência amiudada a
livrarias, cafés e centros formais de sociabilidade intelectual.”(FERREIRA,
1996:367).Sobretudo por meio da leitura coletiva, a circulação da palavra falada, manuscrita ou
imprensa era efetivada (MARTINS; LUCA, 2008:38).

Até pelo menos o final do século XIX podemos verificar a presença da Guia Médica
circulando em boa parte do território nacional; seu último registro nos periódicos consta o ano
de 1899 (Jornal do Recife,1899).174Além da Corte, a obra foi anunciada em periódicos de
outras províncias ou demais localidades representadas pelos seguintes jornais: O Liberal de
Pernambuco, Diário de Pernambuco e Jornal do Recife (Pernambuco), Treze de Maio (Pará),
Pedro II (Fortaleza), O Constitucional (Bahia), O Globo (Maranhão) e A Província de Matto-
Grosso (Mato-Grosso). Tais periódicos noticiavam a obra ao lado de outros livros de medicina,
sendo vendida em livrarias ou armazéns de produtos diversos.175Alessandra El-Far menciona
que os livros também podiam chegar a demais regiões por meio de encomendas. Ao divulgar

173
O Globo, 20/10/1877, p.4;
174
Jornal do Recife, 25/04/1899;
175
Sobre esses pólos da imprensa, Martins & Luca esclarecem que na Corte, o jornal foi o grande disseminador de
notícias, mas, em Salvador e no Recife, pontos geopolíticos e comerciais, a presença de uma imprensa
remanescente de momentos de crise política aguda podia ser notada, além do Maranhão e Pará, porém em uma
menor escala.Cf. (MARTINS; LUCA, 2008);
- 86 -
seus títulos na imprensa, autores e livreiros davam início a uma busca por novos clientes. De
acordo com ela, algumas literaturas, principalmente as mais baratas, podem ter atingido lugares
distantes e pouco populosos (FAR, 2006).

Conquanto o alto índice de analfabetismo no país, registrado a quase 80% na metade do


século XIX, o acesso aos livros, normalmente realizado por meio de “leituras frívolas”, novelas,
poesias ou peças (FERREIRA, 2001:1) não ficou limitado a esse gênero literário. Impulsionado
pela Imprensão Régia, que se tornou uma aliada na publicação de livros diversos, como as
gramáticas e as várias ciências, entre elas, a Medicina (NEVES, 2014:176) esse acesso foi
tornando-se cada vez mais possível por meio da transmissão do conhecimento que não se
efetuava apenas por meio da palavra escrita, como afirma Morel (2009:163) mas, ultrapassava
as fronteiras sociais não se restringindo ao círculo dos letrados, embora esses detivessem o
poder de produção. Em outras palavras, isso pode ser melhor elucidado pela a noção de
“circularidade” apontada por Carlo Ginzburg, apreendida por sua vez de Mikhail Bakhtin: “[a
circularidade] entre a cultura das classes dominantes e das classe subalternas existiu, na Europa
pré-industrial, um relacionamento circular feito de influências recíprocas, que se movia de
baixo para cima, bem como de cima para baixo”(GINZBURG, 2006:10).

Os anúncios das obras de Imbert publicados até cerca de finais dos XIX podem indicar
um relativo aumento do interesse por assuntos relacionados às ciências em geral. Moreira &
Massarani apontam como um dos indicadores para esse aumento o crescimento no número de
periódicos relacionados à ciência a partir da década de 1860 (MOREIRA; MASSARANI,
2002). O consumo dessas literaturas também é contatado através do registro de obras e de
bibliotecas em inventários. Além das “leituras frívolas”, era possivel verificar em bibliotecas
particulares a presença de literatura médica e jurídica voltada normalmente para a utilização no
exercício dessas profissões. Já nas bibliotecas públicas a frequência dos leitores tinha objetivos
diversos: além da leitura de periódicos como os citados aqui, o exame de obras raras, literatura
de viagens, mapas, plantas, etc.O acervo de algumas dessas bibliotecas abrangia temas que nem
sempre era possível encontrar nas livrarias (FERREIRA, 2005).

A divulgação e acesso mesmo que parcial à Guia Médica e às outras obras de Imbert,
pode ter se dado não somente por meio das livrarias, de armazéns ou bibliotecas. Os anúncios
ou notícias de jornais funcionaram como uma espécie de termômetro no que se refere as
transformações ligadas ao comportamento do público leitor (BESSONE, 2014). Esses anúncios
poderiam funcionar como indicadores dos interesses da clientela. Na leitura de sinopses e

- 87 -
comentários da obra nos jornais ou ainda nas conversas informais, as ideias do médico eram
ecoadas, não se reduzindo aos círculos letrados, num provável movimento de circularidade,
como destacado anteriormente, sendo possível afirmar que esses periódicos foram importantes
disseminadores do manual, pois não era necessário ser privilegiado socialmente para adquirir
eventualmente um exemplar, cujo preço era acessível 176 até mesmo a um escravo de ganho,
caso esse quisesse (MARTINS; LUCA, 2008).

Em relação às mulheres, que viriam a ser as principais leitoras de Imbert, supõe que essa
parcela da população era reduzida por volta da primeira metade do século XIX, porém,
gradativamente, esse número foi se ampliando. O foco de interesse inicial dessas consumidoras
era a moda, a literatura e a propaganda de produtos voltados para a economia doméstica
(MOREL, 2008). Com relação a esse último, acredita-se que entre os interesses domésticos
estavam a busca por literaturas que as auxiliassem nos cuidados relativos à saúde familiar, tal
como, os oferecidos pelos manuais de medicina doméstica.

176
Cerca de 40 a 80 réis o exemplar;
- 88 -
3.2- Difusão dos Manuais de Medicina Doméstica: A Guia Médica das Mãis de Família,
um caso bem-sucedido?

Por meio dos enunciados “pessoas alheias á arte de curar”, “pessoas estranhas á arte de
curar”, ou simplesmente “Guia médica popular das mães de família,”177em se tratando do
manual analisado nessa pesquisa, os compêndios de medicina doméstica eram anunciados nos
jornais, indicando a finalidade dos autores, livreiros ou editores de ampliar o público leitor com
a promessa de que as obras recém-lançadas poderiam ser compreendidas por um leitor menos
especializado.

Esses compêndios destinados ao público leigo buscavam empreender um diálogo direto


com um leitor não iniciado na matéria médica e se inserem no gênero divulgação ou
vulgarização científica, cada vez mais frequente no meio editorial a partir do século XIX, sendo
discriminados pelo termo “popular”. Aline Medeiros afirma que esse termo aponta para duas
direções: A primeira diz respeito ao público a quem se endereçava, definido genericamente
como “pessoas alheias à arte de curar” e, a segunda denota uma exclusão desse público alheio
à ciência médica, que por sua vez, só teria acesso pleno à obra por meio de uma estratégia de
tradução e adaptação da linguagem (MEDEIROS, 2018). O termo popular definido por Michel
de Certeau (1995) é resultado de uma negação. Esse gesto de exclusão se refere mais àqueles
que empreendem, do que àqueles que são negados ou excluídos sob a alcunha de “popular”.
Em outras palavras, os autores dos manuais de medicina doméstica se reservavam ao direito de
evocar a autoridade digna dos homens da ciência, se distinguindo dos demais cidadãos não
iniciados nos assuntos científicos.

O autor de a Guia Médica, também buscava a inclusão desse público, atribuindo a si


próprio essa alcunha. Procurando ser o “historiador popular”178, o dr. Imbert intencionava valer-
se do benefícios proporcionados pela ciência ao longo dos tempos e colocá-los à disposição de
seu público:“ aproveitar-me da sciência senão n’aquillo que fosse suscetível de facilitar a
inteligência da narração”179. Por certo, como dito anteriormente, traduzir os conhecimentos
médicos em uma narrativa de fácil entendimento constituía o objetivo da maioria dos autores
desses compêndios. Marques (2004:39) assevera que: “[os autores] eram unânimes em afirmar

177
Grifo nosso;
178
IMBERT. Guia Médica das Mãis de Família. op.cit., p.12;
179
Ibidem;
- 89 -
que suas recomendações eram fáceis, sumamente praticáveis e visavam impedir os charlatães
de explorar e enganar o povo”. Ou ainda como dito por Buchan:

No hay outro médio para remediar este daño que procurar la pública instrucion. El
modo mas eficaz de destruir la charlatanería em qualquer arte ó ciência, es el
comunicar sus luces al pueblo. Escriban los médicos sus recetas em lengua vulgar,
manifiesten sus intenciones al enfermo de modo que puedan proporcionarse á su
entendimiento, y ensénenles á conocer quando la medicina há hecho el deseado efecto
(...).180

A destinação das obras às “pessoas alheias à arte de curar” ou “estranhas” representava,


a ampliação do público consumidor desses manuais, numa tentativa de divulgação ou
popularização dos preceitos da ciência médica, enquanto se alertava contra os embustes dos
charlatães, demarcando assim, de forma conjunta, o espaço da medicina oficial. Em termos
editoriais, constituía o interesse dos autores, editores e demais interessados na vendagem das
obras. Entretanto, o próprio dr.Tissot reconhecia os obstáculos para tal ampliação, entre os quais
estava obviamente, o analfabetismo. Para tanto, o médico esperava que seus conselhos
pudessem ser transmitidos através de todos aqueles que tivessem acesso à sua obra, tais como,
os padres, os proprietários de terra, cirurgiões, etc, isto é, seus conselhos deveriam ser
propagados mesmo que por meio da leitura coletiva ou das conversas informais”(MARQUES,
2004:1).

Sobre a divulgação ou propriamente o uso do termo “popularização”, Roger Chartier


discute seus possíveis significados ao analisar os leitores “populares” da Europa Renascentista
entre os séculos XV e XVII. Chartier examinou os testamentos de artesãos e mercadores
considerando a presença de livros nesses registros. De fato, era uma minoria que os possuía,
porém uma parcela não desprezível da população. No entanto, o autor atribui um novo sentido
para essa análise, utilizando o exemplo de Menocchio, o moleiro perseguido pela Inquisição de
O Queijo e os Vermes de autoria de Carlo Ginzburg (GINZBURG, 2006).

Para ele, o que caracterizava o moleiro como um leitor “popular” não era o corpus de
suas leituras, mas sim, sua maneira de ler, compreender e utilizar os textos a que tinha acesso.
De acordo com esse pressuposto, os livreiros-editores europeus do período analisado investiram
em um mercado popular do impresso na tentativa de conquistar os leitores mais humildes
através de uma fórmula editorial que baixasse os custos de produção e consequentemente o
preço de venda e a eleição de textos ou gêneros suscetíveis de captar um maior número possível
de leitores, entre eles, os menos afortunados. O fruto dessas estratégias editoriais foi difundir

180
BUCHAN. Medicina Doméstica. op.cit. p. XXXII, XXXIII ;
- 90 -
entre os leitores “populares” textos que eles anteriormente conheceram ou que eram restritos
aos setores mais cultos. Dessa forma, a popularização estaria associada a uma circulação dos
textos estendida a totalidade da sociedade. Em outras palavras, com a transformação gráfica
nos textos, as obras puderam ganhar novos públicos, mais amplos e menos doutos, recebendo
novos significados distintos dos planejados por seus autores ou construídos por seus primeiros
leitores (CHARTIER, 1997).

As dificuldades em determinar os significados e os usos dos termos “divulgação”,


“vulgarização” e mais propriamente “popularização” nas ciências é uma preocupação que se
estende aos autores contemporâneos. Bernard Lightman classifica a definição desses correlatos
como problemática, com destaque para o último, que segundo ele, apresenta conotações tão
negativas que o seu uso para discutir temas relativos ao século XIX introduz uma distorção que
parece justificar sua dispensa.

O autor admite utilizar o termo “popular” como alusão a algo altamente bem-sucedido
ou destinado a um público em massa. Todavia, o termo não era utilizado em referência à ciência
até pelo menos o início do século XIX onde há indícios de sua menção por volta da década de
1830. Ligthman cita Raymond Willians que afirmou que “popularizar” constituía um termo
político até aquele século, isto é, sinônimo de pertencer ao povo e, mais tarde assumiu o
significado de apresentar o conhecimento de maneiras geralmente acessíveis. O autor também
aponta o significado atribuído pela Royal Institution da Grã-Bretanha que é atrair grandes
audiências e prosperidade financeira. Por fim, Ligthman ressalta o devido cuidado no uso da
expressão “popularizador da ciência” que, de um modo geral, podia significar coisas diferentes
para atores diferentes dependendo se isso era visto como algo positivo ou negativo
(LIGHTMAN, 2007).

Moema Vergara em Ensaio Sobre o Termo “Vulgarização Científica” no Brasil do


Século XIX (2008) elucida melhor esse conceito. No estudo, a autora analisa seu histórico que
envolve suas práticas e os processos sociais que o construíram. Segundo ela, nesse período essa
expressão designava especificamente a ação de falar de ciência para os leigos. Contudo, no
século XX, o termo caiu em desuso, dando lugar a “divulgação científica”, que se refere às
várias instâncias da comunicação da ciência.

A autora indica que o sentido negativo do termo já podia ser observado no início do
século XIX como demonstrado pelo Dicionário da Língua Portuguesa de Antonio de Morais
Silva onde verifica-se: “Vulgarização” é o ato ou ação de vulgarizar, que por sua vez significa
- 91 -
“reduzir ao estado do plebeu, e homem vulgar. Fazer comum, com abatimento da nobreza,
gradação de apreço, respeito. Traduzir em vulgar, romancear. Publicar a todos, prostituir-
se”.181Segundo ela, de acordo com o dicionário, há uma perda da “aura” e um deslocamento de
valores, de nobres para plebeu, culminando com a corrupção que seria o ato de prostituir-se. Já
na edição de 1891 do mesmo dicionário, foi adicionado: “tornar alguma coisa geralmente
conhecida, sabida, tornar-se geral, vulgar, espalhar-se muito; divulgar-se”. Vergara resume que
a vulgarização científica do século XIX trazia consigo algumas preocupações, tais como como:
“o limite na transmissão dos conteúdos; a preocupação de estar ao alcance de todos e assim
conferir um efeito universal ao conhecimento; além de carregar a centelha do novo”(p.139).

Retomando aos anúncios de divulgação da Guia Médica nos jornais, podemos cotejá-
los com os objetivos do dr. Imbert que foram citados anteriormente: “tive a ideia, (...), de colher
na sciencia algumas noções, e pô-las ao alcance da intelligencia das mães”, “busquei de
preferencia os preceitos mais simples, mais fáceis, e menos arriscados na aplicação”, “indiquei
os meios de tratamento mais simples”, “facilitar a inteligência da narração”182. Percebemos o
propósito do autor em destinar o manual a uma parcela da população que, naquele momento
era alvo de preocupação da classe médica em razão do problema da mortalidade infantil. As
mães, destinatárias desses manuais, embora representassem um número reduzido de leitores,
tinham o acesso a obra mesmo que de forma parcial ou por vezes, rudimentar. Certamente, não
devemos considerar apenas a aquisição do conhecimento via leitura individual, mas, a sua
transmissão por meio da coletividade, das conversas entre essas mães, comadres, através das
parteiras que liam e ressignificavam o conhecimento, entre outros. Na “facilitação da
inteligência da narração” o conhecimento é estendido às pessoas “alheias á arte de curar”, esse
é o ponto onde se funde o objetivo do autor e demais interessados na vendagem da obra, onde
o papel dos livreiros, tipógrafos e editores foi fundamental para a ampliação e divulgação de
impressos, fossem eles pertencentes a qualquer gênero (FERREIRA, 2011).

É nessa perspectiva que podemos destacar algo em comum nos aspectos da divulgação
ou popularização dos manuais de medicina doméstica: a ampliação do público leitor, por meio
do “fazer comum” ou ainda “tornar alguma coisa geralmente conhecida, sabida, tornar-se geral,

181
A autora utiliza a edição de 1813, porém é possível verificar a mesma definição na edição original do dicionário
publicada em 1789. Cf.: SILVA, Antonio de Moraes. Diccionario da Lingua Portugueza Composto pelo Padre
d.Rafael Bluteau, Reformado e Accrescentado por Antonio de Moraes Silva. Tomo Segundo. Lisboa: Na Officina
de Simão Thaddeo Ferreira, 1789, p.537. Disponível em: https://books.google.com.br, acesso 02 de julho de 2018;
182
IMBERT. Guia Médica das Mãis de Família. op.cit., p.10, 11-12;
- 92 -
vulgar, espalhar-se muito; divulgar-se”183. Obviamente, os autores desses manuais eram
cônscios dos limites dessa divulgação que, dificilmente iria ocorrer se não por meio de uma
“facilitação da narração” como exposto por Imbert e ainda por Buchan “[...]escriban los
médicos sus recetas em lengua vulgar, manifiesten sus intenciones al enfermo de modo que
puedan proporcionarse á su entendimiento”184. Como destacado, isso perpassa seguramente,
pelos interesses comerciais de editores ou livreiros como foi indicado por Chartier que por meio
da transformação gráfica nos textos, as obras puderam ganhar novos públicos, mais amplos e
menos instruídos e, por conseguinte, recebendo novos significados distintos dos planejados por
seus autores ou construídos por seus primeiros leitores. Assim, circulação das ideias de Imbert
poderiam ultrapassar o público estritamente leitor, embora o uso de sua produção impressa fosse
monopolizado por esse.

Todavia, é importante destacar que essa popularização traz consigo uma advertência
como observado por Certeau (1995). O tornar “popular” apresenta uma negação, isto é, uma
exclusão. É na ação de estender os conhecimentos médicos a um público não iniciado nesses
assuntos, a classe médica se impunha como o único conhecimento legítimo, alertando para os
perigos das crenças não autorizadas pela medicina oficial. Nessa ação, os manuais de medicina
doméstica viriam a cumprir um de seus propósitos: a repreensão aos charlatães.

É pouco provável conseguirmos aferir com precisão a audiência da Guia Médica ao


longo do século XIX ou mesmo identificar com exatidão quem eram seus leitores. Em se
tratando dos jornais, fonte mais profícua para se analisar a receptividade das obras de Imbert
entre leitores e o mercado editorial, as cartas enviadas à redação habitualmente referiam-se a
assuntos relacionados à atividade profissional do médico e não diretamente com a Guia
Médica, sendo tais cartas atinentes à jornais de natureza especializada.

Não obstante a esses dados, é possível atestar a sua influência perante a comunidade
médica e a autoridade científica atribuída às suas obras mesmo diante dos imbróglios nos quais
se envolveu ao longo de sua carreira que foram citados nessa pesquisa. Abaixo, são
mencionadas algumas dessas referências:

(...) onde cada médico mostra o que he, si não tivesse frequentes ocasiões de
conhecer e avaliar os conhecimentos médicos do Sr.Imbert; tem adiante dos
olhos o seu Tratado da Velhice, ou Arte de Prolongar a Vida; os seus
Conselhos as Mães Barsileiras sobre o aleitamento; e o seu Manual do
Fazendeiro. Todos esses escriptos concebidos e publicados pelo Sr.Dr. Imbert,

183
SILVA, Antonio de Moraes. Diccionario da Lingua Portugueza. op.cit. Conforme as versões de 1789 e 1891;
184
BUCHAN. Medicina Doméstica. op.cit., p. XXXII-XXXIII;
- 93 -
no Rio de Janeiro, depois de sua chegada;são irrefragáveis documentos da
muita instrucção, capacidade, e modéstia do Sr.Dr.Imbert (...)(Revista Médica
Fluminense, 1835);185
Não lastimamos a conducta do Sr.Frederico por ele ser extrangeiro, e menos
porque o invejamos; parece-nos que a nossa posição nos porá a salvo dessa
suspeita; de mais hum Sigaud, hum Imbert, hum Cuissant, hum Coats, e outros
dignos Médicos extrangeiros, estão muito mais nas circunstancias de terem
êmulos, do que o Sr.Frederico (...) (Revista Médica Fluminense,1835);186

Se a homeopathia conta algumas pessoas que exerção sem título, [sic]; temos
muitas boticas onde se vendem, para se aplicado por qual quer curandeiro,
pílulas, elixires e panacéas, pra todas as moléstias indistintamente e para poder
qualquer envenenar-se a si e a su família:quem se lembrou jamais de reclamar
contra tais abusos, e de gritar para acudir a polícia? Não temos ahi a medicina
de Buchan, O Aviso ao Povo de Tissot? O Diccionario de Chernoviz? O
Manual do Fazendeiro, de Imbert? Jornal do Commercio, 1846);187

As plantas medicinais da nossa flora pela maior parte (vimos que) ainda não
passarão da medicina popular. Achão-se muitas delas indicadas em obras de
medicina escriptas por estrangeiros no Brasil (Siguad, Imbert, Chernoviz).
Coube-lhes lugar no formulário farmacêutico destes (...) (Pedro II,1863).188
Esses dados constituem importantes elementos que nos permitem aferir em certa
medida, a acumulação de capital científico pelo dr. Imbert. Mas, devemos adicionar a esses, a
sua inserção na AIM, juntamente com as relações profissionais e até pessoais mantidas pelo
doutor ao longo de sua carreira, tais como, o dr. Sigaud e o dr. Emílio Joaquim da Silva Maia,
a quem Imbert mencionou de forma honrosa na Guia Médica. Todas essas informações nos
permitem deduzir o grau de autoridade científica conferida as suas obras e refletir sobre a
construção do “nome” ou o reconhecimento desse, não somente perante a comunidade médica,
mas, diante de seus possíveis leitores ou ouvintes. 189

No que diz respeito a esse reconhecimento, a Guia Médica foi aludida por importantes
autores contemporâneos a ela, bem como em relevantes obras de nossa historiografia.
Theodoro Langgaard em seu Dicionário de Medicina Doméstica e Popular de 1865 ressalta o
caráter vulgar da obra: “Guia Médica Popular das mãis de família, (...), expostos com clareza
para o entendimento das pessoas alheias á arte de curar (...)” e ainda a notoriedade de Imbert:

185
Revista Médica Fluminense, outubro/1835, n.7;
186
Revista Médica Fluminense, dezembro/1835, n.9;
187
Jornal do Commercio, 20/01/1846, Anno XXI, n.20;
188
Pedro II, 24/04/1863, Anno XXIII, n.91;
189
Como mencionando no capitulo dois, a aquisição de autoridade ou a acumulação de capital científico de acordo
com Pierre Bourdieu significa: “[...] é fazer um ‘nome’, um nome próprio, um nome conhecido e reconhecido,
marca que distingue imediatamente seu portador [...]”. Cf. (BOURDIEU, 1983:132);
- 94 -
“O ilustrado e bem conhecido autor desta obra elementar (...)”190. Langgaard ainda reproduz a
descrição da obra presente na maioria dos jornais e mencionando seu valor em volume brochado
(2$500) e encadernado (3$000).

Gilberto Freyre em Casa Grande & Senzala (1981) cita a Guia Médica de forma
detalhada para tratar de questões relativas ao aleitamento materno e mortalidade infantil
relacionando-os com o tema da escravidão como exposto no capítulo dois desse trabalho. Além
da obra, Freyre também faz alusão ao Manual do Fazendeiro e Uma Palavra sobre o
Charlatanismo e os Charlatães.

Além desses, uma outra referência ao dr.Imbert é feita por Lycurgo Santos Filho em
História Geral da Medicina Brasileira (1977). No livro, Filho não cita a Guia Médica
propriamente, mas sim, o Manual do Fazendeiro juntamente com uma pequena bibliografia do
médico.

Retomando aos caminhos percorridos pela Guia Médica verificamos, como já


mencionado aqui, sua ampla divulgação na Corte em importantes jornais como o Jornal do
Commercio e Diário do Rio de Janeiro que apostavam numa linha mais mercantil e noticiosa,
além de outros periódicos de efêmera duração. Circulou pela Bahia e Pernambuco que
apresentaram uma relevante imprensa juntamente com o Rio de Janeiro ainda no governo
joanino, além do Pará e Maranhão que foram pólos geopolíticos e comerciais. Também há
registros de venda da obra em Fortaleza e Mato-Grosso, publicada muita vezes por meio de
transcrições de jornais de maior circulação.

Pode-se afirmar que a Guia Médica esteve presente em grande parte do território que
se constituía nacional, em sua maioria, vendida em casa de livreiros ou mais frequentemente
em estabelecimentos comerciais que negociavam vários tipos de gêneros, além da possibilidade
de aquisição através de encomendas, levadas por vezes, por caixeiros viajantes. Ao divulgarem
seus títulos na imprensa, os livreiros em busca de novos clientes enfatizavam: “Para qualquer
ponto do Império” atingindo lugares distantes e menos populosos. Alessandra El-Far (2006)
aponta que algumas das obras caracterizadas por “gosto do povo” que incluíam os manuais,
almanaques, livros de receita, folhetos, histórias infantis, entre outros, puderam permanecer
nas prateleiras das livrarias por anos ou décadas seguidas, sendo reeditadas e recebendo novos

190
LANGGAARD, Theodoro, J.H. Diccionario Medicina Domestica e Popular. Rio de Janeiro: Eduardo &
Henrique Laemmert, 1865;

- 95 -
formatos o que contribuiu significativamente para o desenvolvimento do mercado editorial
brasileiro. Novas edições e repetidas tiragens são os fatores mais evidentes que permitem
dimensionar a popularização dos manuais no século XIX, como já mencionara Chernoviz em
carta, relatando que em apenas três dias , tinha vendido trezentos exemplares enviando-os para
várias localidades do país. O autor esperava que a venda fosse promissora o que o obrigaria a
imprimir uma segunda edição, o que de fato ocorreu. O Formulário ou Guia Médico teve
dezenove edições em português e, pelo menos três em espanhol.191

Efetivamente, não podemos atribuir o mesmo significado à Guia Médica avaliando sua
popularização por intermédio do número de tiragens pois, a mesma apresentou apenas uma
única edição. Contudo, é possível inferir por meio dos dados apresentados que o manual tornou-
se conhecido da população brasileira, obviamente a maioria letrada, por meio dos diversos
anúncios frequentemente publicados até cerca de final dos XIX. Os jornais, que naquele
momento traziam transcrições de longos trechos de livros ou comentários das obras, tornaram-
se veículos de disseminação desses conteúdos; ou seja, mesmo quem não tinha acesso a tais
livros poderia lê-los em partes ou terem o conhecimento do seu conteúdo por meio das críticas
feitas em colunas como “Anúncios”, “No Prelo” ou “Sahiu á luz” (MARTINS; LUCA, 2008).
Patrícia Pina explica a importância desse impresso para o Brasil dos Dezenove:

Enquanto suporte de informação e cultura, o jornal pode suprir as necessidades


intelectuais do leitor. Mesmo em sua fase inicial, no Brasil do século XIX, ele
poderia ser lido em qualquer lugar, por uma ou por várias pessoas, poderia ser
alvo de uma leitura coletiva, alcançando, assim, até mesmo receptores
analfabetos-poderia ser, também, emprestado, vencendo limites, imposições e
dificuldades financeiras (PINA, 2010:8).
Com a aproximação do final do século fatores como: o aumento no índice de letramento,
um maior número de obras em circulação, baixos preços e as estratégias de divulgação
conseguiram levar o texto impresso para a vida cotidiana de uma parcela cada vez maior dessa
população. Tratando-se da Guia Médica, dos frequentes anúncios nos jornais até o final dos
XIX até as citações em importantes obras do século XX, é possível considerar que a obra
tornou-se um caso bem-sucedido de divulgação dos manuais de medicina doméstica e
consequentemente de vulgarização da ciência no século XIX pois, como dito por Bessone
(2014), os anúncios ou notícias de jornais funcionaram como uma espécie de termômetro no
que se refere as transformações ligadas ao comportamento do público leitor. Assim sendo, tais

191
FORMULÁRIO OU GUIA MÉDICO. Brasiliana-A Divulgação Científica no Brasil. Disponível em:
www.fiocruz.br acesso em 28 de junho de 2018;
- 96 -
anúncios refletiam os interesses desse público, ao passo que, permitiam a divulgação e acesso
mesmo que parcial à Guia Médica e às outras obras de Imbert. Ademais devemos também
considerar a transmissão do conhecimento via oral como um dos fatores propulsores na
divulgação dos manuais. De acordo com Rosemberg (1983:23), a audiência bem sucedida dos
manuais de medicina doméstica na Inglaterra do século XVIII, tenha se dado através da
ministração do conhecimento adquirido nas obras por meio de uma elite rural, aos seus vizinhos,
familiares e dependentes impossibilitados de empregar um médico. Segundo ele, esse fator
provavelmente tenha sido o responsável por transformar Medicina Doméstica de Buchan e
Aviso ao Povo sobre sua Saúde de Tissot em livros de uso popular.

Em nosso caso, acredita-se que as interseções das expressões orais e escritas, das
culturas letradas e iletradas tenha exercido um papel preponderante na divulgação da Guia
Médica ao considerarmos que a obra ultrapassou os limites das casas da elite alfabetizada,
consumidora de jornais e demais obras impressas e frequentadora de bibliotecas e livrarias.
Alcançou as alcovas de mães recém paridas, as comadres entre trocas de receitas e conselhos
ditados pelo doutor, as parteiras que mesclavam as precrições médicas com os conhecimentos
populares e as conversas entre mãe e filha na cozinha da casa grande, observadas muitas vezes,
por uma ama negra. Cumpria-se assim, o desejo dos autores desses compêndios de medicina
que esperavam que seus conselhos pudessem ser transmitidos através de todos aqueles que
tivessem acesso à sua obra, isto é, propagando seus discursos, mesmo que por vias auditivas
(MARQUES, 2004:1).

- 97 -
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo de três capítulos deste trabalho procurou-se analisar os manuais de medicina


doméstica tendo como principal objeto de análise a Guia Médica das Mães de Família. Sob as
lentes desse manual pedagógico voltado para a instrução das mães nos cuidados com as
crianças, buscou-se compreender suas características, usos e inserção num contexto
caracterizado pelo processo de institucionalização da medicina e rearranjo dos diversos agentes
de cura dentro do amplo cenário das práticas medicinais no Brasil do século XIX (PIMENTA,
2004:72).192Nesse contexto, inúmeras terapias foram reunidas em uma única categoria: o
charlatão.193

Tal processo foi lento e conflituoso e os manuais de medicina doméstica constituíram


um dos meios utilizados pela medicina oficial na tentativa de demarcar seus espaço e
estabelecer sua autoridade ao serem introduzidos nos lugares onde a figura do médico era
praticamente inexistente. Esses manuais levaram a medicina acadêmica à população do imenso
território rural do país, enquanto impunham-se como único conhecimento legitimado, alertando
simultaneamente para os perigos do charlatanismo.

A Guia Médica, inserida nesse cenário, representa o reflexo das teorias higiênicas
vigentes que também permearam o ensino médico no Brasil, onde a maternidade, estabelecida
como função primordial da mulher, foi constituída como um campo de constantes debates.
Através de sua análise e outras obras análogas também utilizadas nessa pesquisa, foi possível
perceber o lugar ocupado pela mulher e sua função de acordo com o pensamento médico do
período examinado, onde ela é definida pelo seu útero. Esse órgão, considerado como parte
central do corpo da mulher, exigia toda a atenção da classe médica, especialmente em ocasião
de uma gestação. No discurso médico iluminista, a centralidade do útero constituiu um tema
recorrente nas teses e compêndios de medicina.

Entretanto, a obra demonstrou o cuidado diferenciado apresentado pelo doutor com


relação às mães brancas e as negras escravizadas. Às primeiras, apresentadas no manual como

192
A Lei de 03/10/1832 é apontada como uma das principais responsáveis no estabelecimento do monopólio legal
das artes de curar por parte dos médicos. Algumas categorias passaram a ser deslegitimadas, enquanto outras
tiveram seu exercício atrelados à Faculdade de Medicina.
193
O “charlatão” foi a denominação atribuída à uma categoria abrangente que englobava curandeiros, homeopatas,
boticários, parteiras, médicos não habilitados pelas escolas de medicina, práticos leigos fabricantes de remédios,
entre outros. O termo denominava uma “figura hostil em oposição à identidade do médico, portador dos saberes
da ciência e único profissional confiável para questões de saúde”(SAMPAIO, 2001:30 apud FARIAS, 2012:24).

- 98 -
as “mães de família”, tinham o acesso aos benefícios oriundos da ciência higiênica e portanto,
amparadas por essa. Já as escravas, foram representadas por duas categorias: pelas parturientes
e pelas que atuavam como parteiras. Aquelas que estavam para dar a luz foram razão de
apreensão do médico, por receio da perda de um bem: “As negras que acabão de parir, isto he,
que acabão de aumentar o capital do seu senhor (...)”(IMBERT, 1839:257); seus partos
mereciam atenção e o cuidado de seus senhores por se tratarem de uma questão econômica
como foi evidenciado, que poderia envolver possíveis perdas diante de um cenário sem
garantias de reposição como determinado pela lei do fim do tráfico. Já àquelas que atuavam
como parteiras foram alvo de toda indignação do médico por colocarem em riscos a vida das
parturientes e de seus bebês o que ocasionaria grandes prejuízos financeiros.

Outra conclusão que chegamos a respeito dos posicionamentos de Imbert frente à


escravidão é sobre a utilização das amas-de-leite. Sua postura revela-se intrigante diante de uma
análise menos minuciosa, gerando indagações devido a sua insistência na utilização das
escravas como amas-de-leite, contrariando o discurso progressista propagado pela comunidade
médica de então que exaltava o aleitamento materno relacionando-o com ideias civilizatórias
que envolvia a aversão à figura do escravo, considerando seu leite como um perigo de ordem
moral.

Como vimos, efetivamente, não possuímos subsídios para propor qualquer


envolvimento do médico com o comércio das amas-de-leite, entretanto, os enfrentamentos no
interior de sua classe devido sua conduta conservadora nos sugerem que ele poderia estar mais
interessado em construir o seu nome como autor, assim como preconizado por Bourdieu,
fazendo-se “conhecido e reconhecido”194através de uma dinâmica não mais baseada nas
reverências típicas de um sistema de corte mas, num sistema de autoria autônomo, mobilizado
por seus próprios critérios. Imbert reafirma sua identidade autoral tendo como bases sua
experiência como médico no país195e suas habilidades como autor de diversas obras médicas.
O desenvolvimento de um código destinado à instrução das mães que segundo ele, tinha como
originalidade estar pautado nos mais recentes avanços da Higiene, iria suprir a carência de
literaturas médicas direcionadas ao público leigo. Desse modo, o autor prosseguia na
acumulação de capital científico, a medida que, ocupava o seu lugar de homem da ciência para

194
BOURDIEU. O Campo Científico. op.cit., p.132;
195
IMBERT.Guia Médica. op.cit., p.49;
- 99 -
além das honrarias conferidas aos membros da Academia Imperial de Medicina, mas como um
autor que reunia o estatuto de verdade e confiabilidade em suas obras.

Por fim, saliento as contribuições da Guia Médica para o estudo da divulgação científica
no século XIX tendo como fio condutor os manuais. Em ações como , “fazer comum”, “tornar
alguma coisa geralmente conhecida”, “sabida”, “vulgar”, “divulgar-se”196, os autores desses
manuais ampliavam o acesso a esses títulos, enquanto estabeleciam sua autoridade científica
como portadores da medicina acadêmica trazendo consigo a negação ou exclusão das crenças
não autorizadas pela medicina oficial (CERTEAU:1995). Nessas ações, os manuais de
medicina doméstica viriam a cumprir um de seus propósitos: a repreensão aos charlatães.

Embora todos os limites dessa divulgação, com destaque para o problema do


analfabetismo, devemos considerar, as interseções das expressões orais e escritas assim como
apontado por Rosemberg (1983) ao avaliar a audiência bem sucedida de Medicina Doméstica
de Buchan e Aviso ao Povo sobre sua Saúde de Tissot. De acordo com o autor, a comunicação
por meio das conversas entre familiares e vizinhos, tenha sido fator determinante para o sucesso
nessa divulgação. Em nosso caso, acredita-se que os jornais tenham sido colaboradores nessa
tarefa pois, segundo Patrícia Pina (2010:8):

(o jornal) poderia ser lido em qualquer lugar, por uma ou por várias pessoas,
poderia ser alvo de uma leitura coletiva, alcançando, assim, até mesmo
receptores analfabetos-poderia ser, também, emprestado, vencendo limites,
imposições e dificuldades financeiras.
Nesse âmbito, é possível considerar a Guia Médica como um exemplo de popularização
da ciência, assim como visto no terceiro capítulo desse estudo, ao ponderar sua circulação nos
ambientes domésticos, em livrarias ou demais espaços de sociabilidade, sendo lida ou
interpretada por uma coletividade que por sua vez, tornou-se responsável por sua propagação.

Neste trabalho, a Guia Médica das Mãis de Família foi utilizada como introdução e
veículo para o estudo dos manuais de medicina doméstica entre os séculos XVIII e XIX.
Considero essa temática ainda carente de estudos mais sistematizados, sobretudo em língua
portuguesa. Destaco a inexistência de trabalhos sobre a obra e a escassez de informações sobre
o autor como consideráveis obstáculos. Trilhar um caminho ainda desconhecido suscitou o
levantamento de hipóteses que ainda não puderam ser totalmente comprovadas. Não obstante a
essas dificuldades, a Guia Médica revelou-se um importante material para o estudo das feições

196
SILVA, Antonio de Moraes. Diccionario da Lingua Portugueza. op.cit. Conforme as versões de 1789 e 1891;
- 100 -
medicina do período abordado e as diversas tentativas da classe médica em se impor como o
único conhecimento legitimado. Ressalto o uso dessa obra como um dos pontos de partida para
o estudo dos compêndios de medicina popular, sobretudo àqueles voltados para a educação
feminina sob a ótica da Medicina. Os estudos sobre maternidade poderão ser enriquecidos
através da análise mais consistente de uma obra como a Guia Médica, em aspectos como a
visão científica sobre a mulher e o papel destinado a ela, além dos diferentes tratamentos
oferecido às mães de acordo com sua cor e classe. Dessa forma, apresento esta contribuição
para este campo historiográfico, desejando o aparecimento de novos estudos que venham
enriquecer e preencher as lacunas que porventura ainda existam nessa pesquisa.

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