Abordagem familiar

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Unidade 7

Abordagem Familiar

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FERRAMENTAS PARA O TRABALHO NA ABS - Unidade 7

Unidade 7 - Abordagem Familiar

Para o trabalho em saúde, é fundamental que a equipe compreenda a família como um grupamento
em que o indivíduo está inserido, já que neste grupamento constroem-se importantes relações de
proteção, confiança, ajuda mútua e relações profundas que influenciam no histórico de vida desde
o nascimento até o envelhecimento e a morte. Na família pode estar a origem do sofrimento e de
doença ou as origens genéticas e comportamentais de um diagnóstico em saúde. Mas também nela
pode estar o apoio e a proteção às vulnerabilidades do indivíduo e seu grupamento.

O conceito de família aqui adotado é o de um grupo de pessoas que convivem, possuem laços
intensos de proximidade e compartilham o sentimento de identidade e pertencimento, que
influenciarão, de alguma forma, em suas vidas. Esse grupo, portanto, estabelece laços de proteção,
de autopreservação e identificação pela mesma maneira de percepção do mundo. (Dias, 2012)

Existem diversas formas de apresentação da família: a “família nuclear” é o padrão formado por
pai, mãe e filhos; a “família extensa” é aquela formada por pessoas com laços consanguíneos e a
“família abrangente” inclui os “não parentes” que coabitam a mesma casa.

A abordagem com a família pode ser realizada de diversas formas e níveis de envolvimento, desde
a abordagem individual contextualizada na família, até a abordagem com toda família presente e
a Terapia Familiar.

Exemplos:
- Seu João, como seu filho tem encarado o problema com o álcool? Outra pessoa na sua família
também teve esse problema?
- Que bom que trouxe seu filho hoje na consulta dona Vilma...

Palavras do professor

É importante que o convite à participação da família seja realizado pelos profissionais


de saúde visando benefícios para o processo terapêutico do indivíduo e da sua família.
Esta participação pode trazer grande ganho terapêutico, por exemplo, em processos
agudos envolvendo saúde mental, objetivando o estabelecimento de rede de apoio
ou nas abordagens de situações de conflito intrafamiliar; ou ainda em processos
crônicos como nos casos de baixa adesão terapêutica em que um familiar pode ser
o apoio motivador do uso correto de medicações e outras formas de terapia.

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Para realizar as intervenções na família, é importante que a equipe conheça o desenvolvimento


das famílias, saiba utilizar algumas ferramentas da abordagem sistêmica, tenha autoconhecimento
e controle das emoções. Porém, o mais importante é vivenciar a realidade e ajustar as técnicas ao
cuidado com vínculo e longitudinalidade.

A seguir apresentamos alguns cuidados na abordagem familiar:


• Criar laços harmoniosos que possam dar continuidade ao cuidado;
• Manter um relacionamento empático e não crítico com cada pessoa;
• Buscar interesses comuns e o melhor entrosamento;
• Evitar tomar partido;
• Organizar a entrevista;
• Encorajar uma pessoa por vez a falar;
• Encorajar cada pessoa a fazer declarações na primeira pessoa;
• Afirmar a importância da contribuição de cada membro da família;
• Reconhecer e agradecer qualquer emoção expressada;
• Enfatizar os próprios recursos da família;
• Solicitar aos membros da família que sejam específicos;
• Ajudar os membros da família a organizar seus pensamentos;
• Bloquear interrupções, se persistentes;
• Não oferecer conselhos ou interpretações precoces;
• Não fornecer brechas a revelações de confidencialidade da pessoa;
• Como facilitador da entrevista, o profissional precisa dar o tom da discussão à medida que realiza
suas falas.

Para amenizar outras tantas dificuldades dessa abordagem, além das orientações apresentadas,
sugerimos que o atendimento siga as seguintes etapas:
1. Apresentação Social: Cumprimente e seja empático com cada pessoa individualmente.
2. Aproximação: Buscar pontos de aproximação, observar linguagem verbal e não verbal
da família.
3. Entendimento da Situação: Solicite que cada pessoa fale sobre os problemas a partir de
seu ponto de vista.
4. Discussão: Encoraje a família a conversar e relembrar como lidaram com os problemas
em outras situações.
5. Estabelecimento de um plano terapêutico: Estimule que a própria família defina um
plano terapêutico, contribua com informações de saúde, enfatize as questões em comum
e realize combinações.

Questione se há dúvidas e agende novo encontro se necessário.

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O Ciclo de Vida Familiar

As famílias passam por diferentes etapas em seu processo de vida, cada uma delas estabelece
desafios e problemas a serem enfrentados e superados. Uma forma interessante de abordagem
das famílias é através das etapas denominadas ciclos de vida. Essa forma de abordagem divide a
história da família em estágios de desenvolvimento, caracterizando papéis e tarefas específicas a
cada um desses estágios.

Assim como as pessoas, as famílias têm os seus ciclos, influenciando-se mutuamente no viver do
seu dia a dia. A compreensão desses ciclos e da maneira como eles interferem no processo saúde-
doença possibilita à equipe de saúde prever quando e como as doenças podem ocorrer.
O conhecimento do desenvolvimento da família é importante porque facilita a previsão e antecipa
os desafios que serão enfrentados no estágio de desenvolvimento de uma dada família, e isso
permite melhorar o entendimento do contexto dos sintomas e das doenças. Para ajudar no seu
entendimento disponibilizamos um quadro com as diversas fases ou ciclos de vida vivenciados
pelas famílias, veja com atenção.

Quardo 1 - Estágios do ciclo de vida da família

Estágio do ciclo de
Tarefas a serem cumpridas Tópicos de prevenção
vida da família

Iniciando a vida a dois -Estabelecer um relacionamento mu- -Discutir a importância da comunicação,


tuamente satisfatório, -Fornecer informação sobre planejamento familiar.
-Aumentar a autonomia em relação à
família de origem e desenvolver novas
relações familiares,
-Tomar decisões sobre filhos, educação
e gravidez,
-Desenvolver novas amizades.

Famílias com filhos -Ajustar-se e encorajar o desenvolvi- -Fornecer informações,


pequenos mento da criança, -Envolver o pai na gestão e no parto,
-Estabelecer uma vida satisfatória a -Discutir desenvolvimento infantil, papel de pais e rela-
todos os membros, cionamento pais e filhos,
-Reorganizar a unidade familiar de -Encorajar um tempo para o casal,
dois para três ou mais membros. -Discutir rivalidade entre irmãos,
-Discutir o sentimento de “afastamemto” dos pais perante
o nascimento dos filhos.

Famílias com crianças -Promover espaço adequado para a -Encorajar um tempo para o casal,
pré-escolares família que cresce, -Estimular o diálogo sobre educação dos filhos
-Enfrentar os custos financeiros da vida -Fornecer informações sobre o desenvolvimento das
familiar, crianças
-Assumir o papel maduro apropriado à
família que cresce,
-Manter uma satisfação mútua no
papel de parceiros, parentes, comu-
nidade.

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Famílias com crianças em - Facilitar a transição da casa para a -Fornecer informações sobre o desenvolviemento de crian-
idade escolar escola, ças em idade escolar,
-Fazer face às crescentes demandas de - Monitorar o desempenho escolar e reforçar posições
tempo e dinheiro, realísticas sobre expectativas de desempenho,
-Manter uma relação de casal. -Sugerir estratégia de manejo de tempo,
-Encorajar discussões sobre sexualidade com as crianças.
Famílias com adoles- -Equilibrar liberdade com responsabi- - Estabelecer relação com o adolescente que reflita o au-
centes lidade, à medida que os adolescentes mento de autonomia,
vão adquirindo individualidade, - Fornecer infomações aos pais sobre desenvolvimento de
-Estabelecer fundamentos para ativi- adolescentes,
dade dos pais após a saída dos filhos. -Conversar com adolescentes sobre drogas e sexo,
-Discutir com o adolescente o estabelecimento de relações
ao longo da vida
Casais de meia-idade -Promover conforto, saúde e bem- - Encorajar o casal a fazer planos para a aposentadoria:
estar enquanto casal, atividade de lazer, finanças, moradia,
-Planejar futuro financeiro, - Explorar o papel de avós,
-Crescimento e significado do indi- -Discutir a sexualidade e os processos ligados ao envelheci-
víduo e do casal, mento.
-Ser avós.
Famílias envelhecendo -Tópicos de moradia e finanças, -Discutir tópicos de saúde, planejamento a longo prazo.
-Integridade do ego, -Revisar a vida como ferrmenta para a saúde mental,
-Saúde, -Encorajar interesses individuais e compartilhados,
-Ficar mais tempo juntos, -Preparar para lidar com a perda do companheiro(a).
-Enfrentando a vida sozinho.

Fonte: Wilson e Bader (1996); Oliveira e colaboradores (1999).

Modelo P.R.A.C.T.I.C.E. de avaliação da família

Este é um método para abordagem e entrevista da família que objetiva facilitar o desenvolvimento
da “avaliação familiar”, fornecendo informações sobre quais intervenções podem ser utilizadas
para manejar aquele caso específico. É uma ferramenta interessante para ser utilizada em famílias
complexas, com problemas relacionais que impactam em sua saúde física e mental, bem como
em sua frequência de utilização dos serviços de saúde. Pode ser bastante útil se aplicado sob a
forma de uma conferência familiar, em visitas domiciliares ou mesmo no consultório por médico ou
enfermeiro que possuam experiência na abordagem familiar.

Deve ser realizado em uma sequência de visitas, nas quais são realizados momentos específicos
relacionados aos temas P.R.A.C.T.I.C.E., acróstico das seguintes palavras do original em inglês
problem, roles, affect, communication, time in life, illness, coping with stress, environment/ecology.
Mais de um tema pode ser abordado na mesma visita, mas sugere-se que seja bem explorado cada
um dos momentos, dando tempo de elaboração por parte da família. Seguem as seguintes etapas:

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Problem – Problema apresentado


Este momento auxilia a equipe de Saúde da Família a compreender o significado daquele problema,
muitas vezes o motivo da queixa, da autopercepção e da busca de atendimento por parte da
família. Permite compreender como aquela família vê e enfrenta o problema. Pode ser orientado por
perguntas como: Quais as situações de conflito da família? O que vocês percebem desse problema?

Roles and structure – Papéis e estrutura


O momento aprofunda aspectos do desempenho dos papéis de cada um dos membros e como
eles evoluem a partir dos seus posicionamentos. Orientado por perguntas como: Sobre o problema
apresentado, como cada membro da família lidou com ele?

Affect – Afeto
O momento reconhece como se estabelecem as demonstrações de afeto entre os familiares e como
essa troca afetiva pode interferir, positivamente ou negativamente, no problema apresentado.
Orientado por perguntas como: Como você se sente sobre a forma que “fulano” atuou sobre o
problema? Como você se sente sobre a situação?

Communication – Comunicação
O momento ajuda a observar como se dá a comunicação verbal e não verbal dentro da família:
Quando vocês conversam? Como foram as discussões sobre esse problema?

Time in life – Tempo no ciclo de vida


O momento correlaciona o problema com as tarefas esperadas dentro do ciclo de vida a serem
desempenhadas pelos membros daquela família, tentando verificar onde pode estar situada
a dificuldade. Sugere-se que a discussão sobre o ciclo de vida seja direcionada pelo terapeuta,
discutindo com a família como ela percebe o próprio ciclo de vida.

Illness in family – Doenças na família, passadas e presentes


O momento resgata a morbidade familiar, valoriza as atitudes e os cuidados frente às situações
vividas e trabalha com a perspectiva de longitudinalidade do cuidado, contando com o suporte
familiar. Como a família lidou com problemas de saúde anteriores? Que experiências conhecem
sobre o cuidado de doenças crônicas ou afetivas?

Coping with stress – Lidando com o estresse


O momento parte das experiências descritas, buscando identificar fontes de recursos internos à
própria família, que possam ser mobilizados para o enfrentamento do problema atual. Como a
família lidou com as crises no passado? Como lida com a crise presente? Quão compreensivos e
coesos eles foram e são agora? Quais são as forças e os recursos da família? O papel do profissional
é identificar as forças, explorar alternativas de enfrentamento, se requeridas, e intervir se a crise
estiver fora do controle.

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Environment or Ecology – Meio ambiente ou Ecologia


Identificar o tipo de sustentação familiar e como podem ser mobilizados todos os recursos
disponíveis para manejar o problema em questão. Isso inclui as redes sociais e da vizinhança, bem
como questões mais estruturais, como coesão social e determinantes sociais no trabalho, na renda,
no saneamento, na escolaridade, dentre outros. O profissional de saúde pode ajudar a família
explorando os recursos familiares estendidos, suporte religioso, questões legais, recursos de saúde
da família e fatores culturais.

O Genograma
O genograma foi desenvolvido na América do
Norte, baseado no modelo do heredograma, Heredograma é um tipo de gráfico
e mostra graficamente a estrutura e o padrão que representa a herança genética
de repetição das relações familiares. Suas de determinada característica
características básicas são: identificar a estrutura dos indivíduos representados. É
familiar e seu padrão de relação, mostrando muito semelhante a uma árvore
as doenças que costumam ocorrer, a repetição genealógica.
dos padrões de relacionamento e os conflitos
que desembocam no processo de adoecer.

Também pode ser usado como fator


educativo, permitindo ao usuário e a
sua família ter a noção das repetições
dos processos que vem ocorrendo e
como estes se repetem. O genograma
é traçado a partir de símbolos
gráficos, ao lado dos símbolos data
de nascimento, eventos importantes,
patologias e nome dos usuários. Pode
ser colocado no início do prontuário
como sumário de problemas prévios,
ações preventivas e medicamentos em
uso (REBELO, 2007).

Na sequência, apresentamos um
quadro contendo os símbolos utilizados
para se elaborar um genograma:

Fonte: Rebelo (2007)

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O Ecomapa

Constitui outra ferramenta interessante na abordagem do indivíduo e sua família. No ecomapa


estabelece-se a relação do indivíduo com sua família e com o meio. São traçados que permitem fazer
a leitura da rede de relacionamentos estabelecida, quais estão fragmentadas, quais prejudicam a
pessoa e qual representa uma melhora que poderia impactar em melhor qualidade de vida e saúde.
Sua estrutura é semelhante ao genograma e segue os mesmos padrões. Veja os exemplos a seguir:

Figura 4. Modelo de Ecomapa

Fonte: Dias (2012)

Segue agora um exemplo de utilização de genograma e ecomapa na prática:

Figura 5. Genograma e ecomapa na prática

Fonte: próprio autor

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Analise da situação: João é alcoolista, trabalha fazendo bicos como pedreiro. Possui uma relação
conflituosa com seu filho mais velho, o qual o expulsou de casa após violência contra sua mãe. João
já não mora mais em casa, mora de favor com amigos que o acolhem. Nota-se com o genograma
que João repetiu a história de seu pai, com comportamento semelhante. Atualmente mantém
relacionamento distante da sua família, frequenta bastante o bar, deixou de ter vida social para
além do bar, deixou de ir à igreja que frequentava no início do relacionamento com sua ex-
mulher. Procurou a Unidade Básica de Saúde buscando ajuda, já que não vê mais sentido na vida.
Avaliando esse genograma e ecomapa é possível propor várias estratégias para o enfrentamento
dos problemas do seu João. Podemos discutir sua história de vida, propondo que deixe o alcoolismo
e tentar reatar vínculo familiar, ao seu tempo. Podemos investir em sua vida religiosa como uma
possível rede de apoio e retomar situações de lazer não relacionadas ao álcool. Dessa forma essa
ferramenta nos propicia uma visão geral do panorama de vida de seu João e facilita a tomada de
decisões estratégicas.

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