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Psicologia: Ciência e Profissão 2024 v. 44, e265461, 1-14.

https://doi.org/10.1590/1982-3703003265461 Artigo

Fatores de Risco para Ansiedade entre Estudantes


Universitários na Pandemia de Covid-19

Mariana Gonçalves Rodrigues Calves1 Adriana Marcassa Tucci1


1
Universidade Federal de São Paulo, Santos, SP, Brasil. Universidade Federal de São Paulo, Santos, SP, Brasil.
1

Resumo: O período da graduação acarreta maior risco de desenvolvimento de problemas de


saúde mental, como a ansiedade, em estudantes universitários. Este estudo buscou avaliar os
fatores de risco para ansiedade entre estudantes universitários durante a pandemia de covid-19.
A amostra foi por conveniência (N = 384), e os instrumentos utilizados foram: um questionário
sociodemográfico e econômico; questionário sobre traumas na infância; escala de depressão,
ansiedade e estresse; e um modelo de regressão logística multivariada. Os questionários e a
escala foram autoaplicados online. Foram identificados como fatores de risco: gênero feminino;
estudar em período não-integral; ter ingressado na universidade por meio de cotas; ter percepção
de sua saúde mental durante a pandemia como média/ruim ou com uma piora em relação
ao período anterior; fazer uso de automedicação; e ter histórico de abuso físico na infância
e/ou adolescência. Esses fatores, que aumentaram a chance entre estudantes universitários de
vivenciar sintomas de ansiedade durante a pandemia de covid-19, chamam a atenção para a
necessidade de cuidado e promoção de saúde mental nessa população.
Palavras-chave: Ansiedade, Pandemia, Covid-19, Estudantes Universitários.

Risk Factors for Anxiety in College Students during the COVID-19 Pandemic

Abstract: The undergraduate period carries a higher risk for mental health problems between
college students, such as anxiety. This study aimed to evaluate the risk factors for anxiety in
college students during the COVID-19 pandemic using a convenience sample (N=384).
A sociodemographic and economic questionnaire; a childhood trauma questionnaire; an online
self-applied depression, anxiety, and stress scale; and a multivariate logistic regression model
were used. The identified risk factors include the female gender, studying part-time, having
entered university by quotas, a perception of their mental health during the pandemic as
average/poor or worsening, self-medication, and a history of physical abuse in childhood
and/or adolescence. Some factors increased the chance of experiencing anxiety symptoms
during the COVID-19 pandemic between university students, highlighting the need for mental
health care and promotion in this population.
Keywords: Anxiety, Pandemic, Covid-19, University Students.

Disponível em www.scielo.br/pcp
Psicologia: Ciência e Profissão 2024 v. 44, e265461, 1-14.

Factores de Riesgo de Ansiedad entre Estudiantes


Universitarios en la Pandemia de la Covid-19

Resumen: El período en la universidad conlleva un mayor riesgo de problemas de salud mental


para los estudiantes universitarios, como la ansiedad. El objetivo de este estudio fue evaluar los
factores de riesgo de ansiedad en estudiantes universitarios durante la pandemia de la covid-19.
La muestra fue por conveniencia (N=384), y los instrumentos de autoinforme en línea fueron el
cuestionario sociodemográfico y económico; el cuestionario sobre trauma infantil; la Escala de
Depresión, Ansiedad y Estrés; y un modelo de regresión logística multivariante. Se identificaron
los siguientes factores de riesgo: sexo femenino, no estudiar a tiempo completo, haber ingresado
a la universidad por cuotas, tener una percepción de su salud mental durante la pandemia como
regular/mala o empeorada, automedicarse y tener antecedentes de maltrato físico en la niñez
y/o adolescencia. Estos factores aumentaron la posibilidad de que los estudiantes universitarios
experimenten síntomas de ansiedad durante la pandemia de la covid-19, lo que llama la atención
sobre la necesidad de atención y promoción de la salud mental en esta población.
Palabras clave: Ansiedad, Pandemia, Covid-19, Estudiantes Universitarios.

Introdução intervenções eficientes e imediatas no enfrentamento


O termo covid-19 é utilizado para nomear a à crise socioeconômica e de saúde pública. Os autores
enfermidade causada pelo patógeno SARS-CoV-2. Em ainda afirmam que a maior vulnerabilidade presente
março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) no país, decorrente da pandemia, agravou questões
decretou o estado de pandemia devido à disseminação preexistentes de saúde mental.
do vírus pelo planeta (WHO Director-General’s opening Entre universitários, transtornos psicológicos
remarks at the media briefing on COVID-19 – 11 March já se faziam presentes antes mesmo da pandemia
2020, 2020). No Brasil, o primeiro caso de covid-19 foi (Lúcio, Medeiros, Barros, Ferreira, & Rivera, 2019;
registrado no dia 26 de fevereiro de 2020, na cidade Urbanetto et al., 2019), em razão da maior exposição
de São Paulo (Brasil confirma, 2020), com o número a fatores estressantes, como a vivência de mudanças,
de casos crescendo demasiadamente em seguida sobrecarga com as atividades acadêmicas e pressões
(Ministério da Saúde, 2024). relacionadas à vida pessoal, além de preocupações
A recomendação da OMS (WHO Director-General’s com a futura inserção no mercado de trabalho.
opening remarks at the media briefing on COVID-19 – Entre os sofrimentos mais frequentemente iden-
16 March 2020, 2020) e do Ministério da Saúde (2020) tificados nos estudantes universitários, destacam-se
foi que a população mantivesse o distanciamento o estresse e a ansiedade (Lúcio et al., 2019). O estresse
social como forma de diminuir a transmissibilidade do pode ser entendido como um estado de resposta de
patógeno entre seus portadores, além da intensificação um organismo perante uma situação que ameaça sua
dos cuidados com a higiene pessoal. Assim, a maioria homeostase (Souza, Silva, & Galvão-Coelho, 2015).
das atividades passaram a ser realizadas remotamente, A ansiedade pode ser considerada como um estado de
em plataformas online, diminuindo expressivamente humor desagradável que se origina devido à sensação
o contato presencial entre indivíduos. antecipatória de risco, ainda não presente no ambiente,
O medo de contrair a doença e as alterações no associada à percepção de impotência de si perante tal
padrão de convivência social, como o isolamento, perigo. Esse estado de humor resulta em um sentimento
impactaram a saúde mental da população, trazendo vago de medo e apreensão, permeado por tensão ou
consequências como sentimentos de solidão e ansie- desconforto (Penninx, Pine, Holmes, & Reif, 2021).
dade (Bezerra et al., 2020). Pavani et al. (2021) destaca- A vulnerabilidade dos estudantes universitários
ram que a intensificação do sofrimento mental no Brasil tornou-se ainda mais preocupante durante a pande-
pode ser devido a fragilidades na implementação de mia de covid-19. Em decorrência da recomendação

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Calves, M. G. R., & Tucci, A. M. (2024).Ansiedade em universitários na pandemia.

de se manter o isolamento social e a migração do sis- porque o ensino remoto e a adaptação a esse ensino
tema de ensino presencial para o online, os alunos têm gerado grande impacto na vida universitária.
sofreram psicologicamente com as medidas restritivas, Assim, o objetivo principal deste estudo foi ava-
o atraso em suas graduações, a imprevisibilidade de liar os fatores de risco para sintomas de ansiedade
seus destinos no mundo do trabalho, bem como com em estudantes universitários durante a pandemia de
o surgimento de dificuldades financeiras e o medo de covid-19. Como objetivo secundário, investigou-se
transmitirem o vírus a seus familiares (Cao et al., 2020). o histórico de vivência de situações de estresse na
Entre os distúrbios psicológicos apresentados infância e/ou adolescência nessa população, por ser
pelos universitários durante a pandemia de covid-19, este um importante e reconhecido fator de risco para
a ansiedade foi enfatizada em diversos estudos sintomas de ansiedade. Assim, a hipótese do estudo
(Cao et al., 2020; Chang, Yuan, & Wang, 2020; Liu et al., foi que a vivência de situações de estresse precoce é
2020; Wang et al., 2020). Chang et al. (2020) identi- um fator de risco para sintomas de ansiedade durante
ficaram a frequência de ansiedade em 26,60% dos a pandemia de covid-19, ou seja, os estudantes que
estudantes universitários chineses. No estudo de Liu relataram histórico de estresse durante as fases da
et al. (2020), a frequência foi de 22,1%, e o desarranjo infância e/ou adolescência apresentavam maior
na programação acadêmica foi destacado como fator chance de desenvolverem sintomas de ansiedade
para desenvolvimento de ansiedade nessa população. durante a pandemia de covid-19.
Um dos importantes fatores de risco que vem sendo
apontado na literatura para o desenvolvimento de sin-
Método
tomas de ansiedade é o histórico de vivência de estresse
Esta pesquisa, de caráter exploratório, fez a opção
durante a infância e/ou adolescência. Em estudos
pelo método quantitativo e transversal, visando atin-
com estudantes universitários (Karatekin, 2018; Watt,
gir os objetivos almejados. Os participantes do estudo
Ceballos, Kim, Pan, & Sharma, 2020), detectou-se que as
foram incluídos de acordo com o preenchimento dos
primeiras experiências estressoras de vida aumentaram
critérios de inclusão, além de seu consentimento para
a chance de desenvolvimento de ansiedade.
a participação no mesmo, via concordância com o
Sabe-se que a ocorrência de eventos estressan-
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
tes em fases precoces do desenvolvimento pode levar
Foram garantidas a confidencialidade e a priva-
ao aumento definitivo na dispensação do hormônio
cidade, a proteção dos dados e a não-estigmatização
liberador de corticotrofina e de cortisol (Schalinski,
dos participantes da pesquisa, uma vez que apenas os
Teicher, & Rockstroh, 2019). Assim, é possível formu-
pesquisadores do projeto terão acesso a seus dados,
lar a hipótese de que crianças ou adolescentes que
por meio de códigos para garantir um maior sigilo.
vivenciaram situações de estresse intensas ou recor-
Os códigos foram inseridos no banco de dados pelas
rentes podem apresentar alterações que favorecem o
iniciais dos nomes, seguidas pela idade de cada parti-
surgimento de inúmeras psicopatologias, entre elas
cipante. Os dados permanecerão armazenados em um
a ansiedade (Lima & Araujo, 2020).
banco de dados ao qual apenas a pesquisadora terá
Cabe ressaltar que, na universidade na qual este
acesso. O uso das informações para o estudo também
estudo foi realizado, o gênero feminino era predomi-
foi autorizado a partir do aceite que consta no TCLE.
nante – no ano de 2020, 57,68% dos estudantes ingres-
sos eram mulheres. Essa frequência é ainda maior no
campus em que se deu a coleta de dados deste estudo, Participantes do estudo
chegando a 66,47% do total de ingressantes. Sabe-se Este estudo foi desenvolvido com estudantes uni-
que estudantes universitários do gênero feminino versitários de um campus, da área da Saúde, de uma
apresentam maior vulnerabilidade para sintomas universidade pública federal do estado de São Paulo.
de ansiedade (Lantyer, Varanda, Souza, Padovani, A amostra foi definida por conveniência e de acordo
& Viana, 2016; Maltoni, Palma, & Neufeld, 2019). com a aceitação dos estudantes em participar da
Dessa maneira, reforça-se a necessidade de estudos pesquisa. Responderam ao questionário 413 estudantes,
que verifiquem os fatores de risco e intervenções sendo 278 veteranos e 135 calouros de ambos os sexos
que minimizem os efeitos do impacto da pandemia e oriundos de diferentes cursos da graduação, do pri-
na saúde mental dessa população, especialmente, meiro ao último ano. Dos 413 indivíduos participantes,

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29 responderam algumas classificações que não per- depressão, ansiedade e estresse”. Por tratar-se de um
mitiram a análise dos dados, por exemplo: “não sabe”, questionário autoaplicável, tornou-se um instru-
“não lembro” e gênero “outro”. Isso se deu pelo fato de mento viável para a utilização em coleta de dados
que muitas caselas da análise estatística ficaram vazias online, devido ao cenário de isolamento social vigente.
(iguais a zero) e limitariam o poder dos testes utilizados, O instrumento é composto por 21 questões,
especialmente a análise de regressão logística (Nakano divididas em três subescalas que se destinam à ava-
& Oikawa, 2004). Dessa forma, as análises foram realiza- liação de sintomas de depressão, estresse e ansiedade,
das com a amostra de 384 indivíduos. sendo que cada uma delas é composta por sete itens.
Para este estudo, utilizou-se a análise das respostas
das questões: 2, 4, 7, 9, 15, 19 e 20, referentes à subes-
Critérios de inclusão
cala de ansiedade.
Os participantes incluídos na pesquisa foram
As respostas para cada uma das perguntas podem
estudantes universitários que possuíam no mínimo
variar em pontuação de 0 a 3, sendo 0 referente a “não
18 anos, de ambos os sexos e que estavam cursando a
se aplicou de maneira alguma” e 3 a “aplica-se muito
graduação na universidade. Poderiam ser dos seguin-
ou a maior parte do tempo” (Vignola & Tucci, 2014).
tes cursos: Bacharelado Interdisciplinar em Ciências
Posteriormente, é realizada a somatória da pontuação
do Mar, Educação Física, Engenharia Ambiental,
alcançada nos escores de cada item das subescalas
Engenharia de Petróleo, Fisioterapia, Nutrição,
e multiplica-se o resultado por dois (Lovibond &
Psicologia, Serviço Social e Terapia Ocupacional.
Lovibond, 1995; Vignola & Tucci, 2014). Neste estudo,
as respostas foram agrupadas para a análise, sendo
Critérios de exclusão que a presença de sintomas de ansiedade foi conside-
Foram excluídos do estudo os estudantes univer- rada nas pontuação a partir de dez pontos.
sitários que possuíam menos de 18 anos de idade ou
não concordaram em participar do estudo. Além des-
Questionário sobre traumas na infância (QUESI)
tes, foram retirados da análise estatística os 29 indiví-
Esse instrumento, autorrelatado e retrospectivo,
duos mencionados anteriormente.
tem como finalidade investigar a ocorrência de eventos
traumáticos na infância dos participantes da pesquisa.
Instrumentos Desenvolvido por Bernstein, Fink, Handelsman
e Foote (1994), originalmente foi nomeado como
Questionário socioeconômico e demográfico,
childhood trauma questionnaire (CTQ). A versão bra-
vida acadêmica e condições autorreferidas
sileira foi adaptada e validada por Grassi-Oliveira,
de saúde física e mental
Stein e Pezzi (2006), recebendo o nome de “questioná-
Esse questionário foi composto por questões per-
rio sobre traumas na infância” (QUESI).
tinentes à caracterização do perfil socioeconômico e
Em sua versão reduzida (Bernstein, Stein, et al., 2003),
demográfico e da vida acadêmica e condições autorre-
é composto por 28 questões, com avaliação por meio
feridas de saúde física e mental dos estudantes univer-
de escala Likert de cinco pontos. Esse instrumento
sitários. Foram avaliadas as questões relativas a: idade;
avalia a ocorrência dos seguintes eventos: abuso
curso; sexo; cor autorreferida; status de relaciona-
emocional, abuso físico, abuso sexual, negligência
mento; religião de preferência; renda familiar; se pos-
emocional e negligência física. A pontuação total do
sui filhos; se recebe auxílio permanência; se reside com
escore de cada subescala pode variar entre cinco, que
familiares; se trabalha; se recebe cotas da universidade;
corresponde à ausência da vivência de trauma no
e autoavaliação da saúde mental e física.
tópico mensurado, e 25, que diz respeito ao escore
máximo. Por fim, estabeleceu-se a somatória do
Depression, anxiety and stress scale (DASS-21) escore total de cada subescala para se obter o escore
Esse instrumento foi desenvolvido por Lovibond final e a classificação dos traumas entre nenhum a
e Lovibond (1995) com o objetivo de averiguar sin- severo (Bernstein, Stein, et al. 2003). Neste estudo,
tomas de depressão, estresse e ansiedade. No Brasil, as respostas foram agrupadas em “vivenciou ou não
foi traduzido e validado para o português por Vignola o trauma”, sendo que o estudante que respondeu
e Tucci (2014), recebendo a nomeação de “escala de “nunca” recebeu a classificação de “não”.

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Calves, M. G. R., & Tucci, A. M. (2024).Ansiedade em universitários na pandemia.

Procedimento para a coleta de dados Resultados


Em virtude do cenário pandêmico e da substituição As principais características sociodemográficas
do regime de aulas presenciais pelas atividades domi- dos 384 estudantes que participaram do estudo estão
ciliares especiais (ADEs), executadas remotamente, presentes na Tabela 1. Houve predominância de par-
os dados foram coletados por meio de questionário ticipantes do sexo feminino (79,9%), da cor branca
online durante o período de junho de 2020 a junho de (67,4%), solteiros (93%), sem filhos (95,1%), com alguma
2021, via Google Forms. A realização do convite à parti- preferência religiosa (53,1%), com renda familiar de um
cipação estudantil foi feita pelo e-mail disponibilizado a três salários mínimos (35,9%), que não recebiam o
pela secretaria acadêmica do campus. auxílio permanência para estudantes (PAPE) ofertado
pela universidade (83,1%), que residiam com familiares
Análise de dados (89,3%) e que não trabalhavam (84,4%).
Nas análises descritivas, as variáveis numéri-
cas foram descritas pela média e desvio-padrão. e as Tabela 1
Caracterização sociodemográfica e econômica dos
variáveis categóricas pelas frequências absolutas e
estudantes participantes do estudo (N = 384).
relativas. Para verificar a associação entre as variáveis
preditoras e a variável resposta “presença de sintoma Frequência N (%)
de ansiedade”, a classificação do escore total foi cate- Sexo
gorizada em: “não (0)”, quando o escore total obteve a Masculino 77 (20,1)
classificação normal ou mínimo e designa a não ocor- Feminino 307 (79,9)
rência de sintomas de ansiedade; ou “sim (1)”, quando Cor autorreferida
a classificação do escore total foi moderado ou muito
Branco 259 (67,4)
grave e indica a ocorrência de sintomas de ansiedade.
Não branco 125 (32,6)
Modelos de regressão logística foram realizados
para estimar as razões de chances (OR) brutas e ajus- Possui filhos
tadas das associações entre as variáveis independen- Não 365 (95,1)
tes e a variável dependente (ocorrência de sintomas Sim 19 (04,9)
de ansiedade durante a pandemia). As variáveis inde- Status de relacionamento
pendentes que entraram no modelo final da regressão Solteiro (a) 357 (93)
logística foram: sexo; idade; cor autorreferida; se tem Não solteiro (a) 27 (7)
filhos; se estuda em período integral; se mora com
Possui religião
familiares; renda familiar; religião; se recebe auxílio
Não 180 (46,9)
permanência; se entrou na universidade pelo sis-
Sim 204 (53,1)
tema de cotas; se fez tratamento alternativo durante
a pandemia; se fez tratamento psicológico durante a Renda familiar
pandemia; autoavaliação da saúde física e da saúde 5 ou mais salários mínimos 92 (24)
mental nos últimos 30 dias; se sentiu-se solitário; se De 3 a 5 salários mínimos 73 (19)
usa tabaco; automedicação; e se reportou histórico de De 1 a 3 salários mínimos 138 (35,9)
Até 1 salário mínimo 40 (10,4)
abuso emocional, abuso físico, abuso sexual, negli-
Não sabe 41 (10,7)
gência física e negligência emocional. Todas as aná-
Recebe auxílio permanência
lises estatísticas foram realizadas no software R Core
Team. O nível de significância estabelecido foi de 0,05. Não 319 (83,1)
Sim 65 (16,9)
Questões éticas Mora com familiares
Após submissão e aprovação do projeto de pes- Sim 343 (89,3)
quisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa da referida Não 41 (10,7)
universidade, a coleta de dados foi iniciada virtual- Trabalha
mente no primeiro semestre do ano de 2021, sendo
Não 324 (84,4)
encerrada no mesmo período. A amostra final de par-
Sim 60 (15,6)
ticipantes foi constituída por 384 estudantes.

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Em relação aos dados de saúde física e mental abuso sexual, 26% referiu negligência física e 47,4%
dos estudantes participantes, a maioria não realizava indicaram negligência emocional.
nenhum tratamento de saúde (79,2%) ou tinha acom- O ajuste do modelo de regressão logística multi-
panhamento com psiquiatra ou psicólogo (73,2%) variada foi avaliado pelo teste de Hosmer-Lemeshow,
e considerava sua saúde física como mediana a boa sendo que o resultado encontrado foi de 0,122,
(82%). No que diz respeito à saúde mental, somente indicando que o modelo foi ajustado adequadamente.
24,5% responderam que a mantiveram boa durante Os resultados dessa análise mostram que o gênero
a pandemia, e 75,5% relataram a percepção de que feminino apresentou maiores chances (odds) de ter
ela se manteve ruim, média ou piorou no mesmo sintomas de ansiedade em comparação ao gênero
período, sendo que 83,9% mencionaram que se sen- masculino (OR = 2,88; IC95%[1,35; 6,54]). Estudantes
tiam sozinhos com frequência. A maioria não tinha o do período integral tiveram menores chances de referir
sintomas de ansiedade em comparação a estudantes
hábito de fumar (81,8%), e 22,9% dos alunos relataram
de período não integral (OR = 0,49; IC95%[0,26; 0,90]).
que se medicaram de maneira incorreta ou realizaram
Alunos que entraram na universidade por cota tiveram
a prática de automedicação durante a pandemia.
maiores chances de apresentar sintomas de ansie-
A maior participação no estudo foi de alunos
dade em comparação aos alunos que não entraram
da Fisioterapia (18,2%) e a menor de Engenharia
por cota (OR = 1,86; IC95%[1,01; 3,46]). Estudantes
de Petróleo (0,5%). A maioria dos participantes da
que relataram estar com saúde mental ruim/média
amostra cursava a graduação em período integral
ou com piora na pandemia tiveram maiores chances
(67,7%). A forma de ingresso majoritária foi pelo
de referir sintomas de ansiedade em comparação aos
Sistema de Seleção Unificada (Sisu) (95,3%), e 39,1% alunos que relataram boa saúde mental (OR = 6,82;
dos estudantes fizeram uso de cotas. IC95%[2,69; 21,09]). Alunos que se medicaram por
A classificação obtida na aplicação do instru- conta própria durante a pandemia tiveram maio-
mento DASS-21 revelou que a maior parte dos estu- res chances de apresentar sintomas de ansiedade
dantes apresentou grau normal/mínimo de ansiedade em comparação aos alunos que não se medicaram
(66,1%) e que 33,9% apresentaram grau moderado/ (OR = 3,51; IC95%[1,86; 6,76]). Por fim, alunos que
muito grave de ansiedade durante a pandemia. Mais referiram vivência de abuso físico na infância e/ou
de metade dos estudantes referiu algum abuso emo- adolescência tiveram maiores chances de mencionar
cional (54,2%). Em relação às demais variáveis, 19% da sintomas de ansiedade em comparação a alunos sem
amostra vivenciou algum abuso físico, 18,5% sofreu tal histórico (OR = 2,41; IC%[1,19; 4,91]).

Tabela 2
Resultado da regressão logística para associação entre as características sociodemográficas e tipo de traumas
QUESI e classificação DASS-21.
Multivariável
Variáveis
aOR IC (95%) p-value
Masculino 1 - -
Gênero*
Feminino 2,88 (1,35; 6,54) 0,008
Idade Média (DP) 0,98 (0,91; 1,04) 0,466
Branco 1 - -
Raça/cor
Não branco 0,71 (0,39; 1,27) 0,247
Não 1 - -
Período integral*
Sim 0,49 (0,26; 0,90) 0,022
Não 1 - -
Tem filhos
Sim 0,72 (0,27; 1,87) 0,498
continua...

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Calves, M. G. R., & Tucci, A. M. (2024).Ansiedade em universitários na pandemia.

...continuação
Multivariável
Variáveis
aOR IC (95%) p-value
Sim 1 - -
Mora com familiares
Não 0,72 (0,27; 1,90) 0,512
Até 1 SM 0,40 (0,13; 1,22) 0,113
De 1 a 3 SM 0,52 (0,23; 1,14) 0,102
Renda De 3 a 5 SM 0,67 (0,29; 1,55) 0,353
Não sabe 0,39 (0,14; 1,06) 0,069
5 ou mais SM 1 - -
Sim 1 - -
Tem religião
Não 0,83 (0,48; 1,43) 0,511
Sim 1 - -
Está trabalhando
Não 1,39 (0,65; 3,07) 0,403
Não 1 - -
Cotas*
Sim 1,86 (1,01; 3,46) 0,048
Não 1 - -
Auxílio permanência
Sim 1,46 (0,65; 3,25) 0,358
Não 1 - -
Tratamento alternativo na pandemia
Sim 1,54 (0,76; 3,09) 0,224
Não 1 - -
Tratamento psicológico na pandemia
Sim 1,62 (0,84; 3,08) 0,145
Boa/Média 1 - -
Saúde nos último 30 dias
Ruim 1,62 (0,85; 3,08) 0,142
Boa 1 - -
Saúde metal na pandemia*
Ruim /Média /Piorou 6,82 (2,69; 21,09) <0,001
Não 1 - -
Sentiu solitário
Sim 2,48 (0,93; 7,68) 0,088
Não 1 - -
Fuma
Sim 1,17 (0,60; 2,28) 0,641
Não 1 - -
Automedicação*
Sim 3,51 (1,86; 6,76) <0,001
Não 1 - -
QUESI Abuso emocional
Sim 1,04 (0,55; 1,99) 0,895
Não 1 - -
QUESI Abuso físico*
Sim 2,41 (1,19; 4,91) 0,014
Não 1 - -
QUESI Abuso sexual
Sim 1,25 (0,61; 2,57) 0,538
Não 1 - -
QUESI Negligência emocional
Sim 1,16 (0,63; 2,17) 0,629
Não 1 - -
QUESI Negligência Física
Sim 0,93 (0,48; 1,78) 0,824
OR: odds ratio bruto; aOR: odds ratio ajustado; IC: intervalo de confiança; *Evidência de significância estatística (p < 0,05).

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Discussão resposta ao estresse. Algumas das mudanças mais


Estudos publicados anteriormente apontam a relevantes podem ser observadas na hiperatividade de
manifestação de sintomas de ansiedade entre estu- longa duração do fator de liberação de corticotrofinas
dantes universitários durante o início da pandemia (CRF) e no aumento de atividade do eixo hipotálamo-
de covid-19 (Cao et al., 2020; Chang et al., 2020; -pituitária-adrenal (HPA), tendo como consequência
Liu et al., 2020; Wang et al., 2020). Fatores como a uma exacerbada reação perante novos eventos estres-
manutenção do isolamento social, ausência de comu- sores e um aumento do risco de aquisição de psico-
nicação interpessoal, migração dos estudos para patologias relacionadas ao estresse, como a ansiedade
regime de aulas online, atrasos no tempo de graduação, (Dedic, Chen, & Deussing, 2018).
dificuldades de prever o futuro profissional no novo Apesar de, neste estudo, a variável abuso sexual
mundo de trabalho resultante da pandemia e surgi- não ter sido significativa para a presença de sintomas
mento e/ou agravamento de dificuldades financeiras de ansiedade durante a pandemia, chama a atenção
foram alguns dos fatores que justificam o desenvolvi- o alto índice de estudantes que referiram ter passado
mento de sofrimento psicológico nessa população. por essa experiência, acima dos índices nacionais da
Este estudo avaliou a presença de sintomas de população geral brasileira. A última Pesquisa Nacional
ansiedade em estudantes universitários durante o de Saúde (PNS), realizada pelo Instituto Brasileiro
período pandêmico da covid-19 e analisou o histórico de Geografia e Estatística ([IBGE], 2019), estimou
de vivência de situações de estresse frequente e ou que 5,9% dos brasileiros já sofreram algum tipo de
intenso durante as fases iniciais do desenvolvimento violência sexual em algum momento da vida. Ao veri-
(infância e/ou adolescência) como fator de risco ficar os dados da PNS por escolaridade, esse índice
para o desenvolvimento desses sintomas. Ademais, aumenta para 6,5% da amostra com ensino superior
o estudo testou a associação entre outras vari- incompleto ou equivalente, e 7,1% com ensino supe-
áveis – como fatores socioeconômicos, demográficos, rior completo. Observando a relação entre questões
acadêmicos e condições autorrelatadas de saúde física de gênero e violência sexual, 8,9% das mulheres par-
e mental – e a manifestação de sintomas de ansiedade ticipantes da PNS, em oposição a 2,5% dos homens,
durante a pandemia. referiram terem vivenciado esse tipo de violência.
Utilizou-se a hipótese de que a presença de Isso torna-se ainda mais evidente nesta pesquisa,
estresse intenso ou prolongado, proveniente de em função da amostra ser majoritariamente feminina.
vivência de situações traumáticas na infância e/ou Sugere-se que estudos futuros possam avaliar melhor
adolescência, foi um importante fator de risco para o esse dado e sua relação com a saúde mental da popu-
desenvolvimento de sintomas de ansiedade durante lação universitária, especialmente entre mulheres.
a pandemia de covid-19 nessa população. A vivência Ao analisar a violência sexual vivenciada durante
dessas situações nesse período da vida pode ampliar a infância e/ou adolescência, é importante men-
a sensibilidade de um indivíduo a eventos negativos cionar que o Ministério dos Direitos Humanos e da
ocorridos na vida adulta, de modo que a resposta Cidadania (Ministério divulga dados, 2020) divulgou
emocional se torna mais intensa diante de novos epi- que a cada hora três crianças ou adolescentes são abu-
sódios estressores (Rauschenberg et al., 2017). sados sexualmente no país. Também mencionou que,
Corroborando achados anteriores (Adams, Mrug, das 86,8 mil violações de direitos das crianças e adoles-
& Knight, 2018), o abuso físico na infância foi detec- centes denunciadas, 11% referem-se à violência sexual.
tado como fator de risco para a manifestação de Matos et al. (2020), em estudo com 487 estudantes
ansiedade. Dessa forma, a hipótese inicial foi con- universitários do estado do Ceará, evidenciaram
firmada, revelando que ter vivenciado situações de que 53% da amostra sofreu algum tipo de violên-
abuso físico na infância e/ou adolescência foi um cia sexual na infância. Outros estudos realizados no
importante fator de risco para o desenvolvimento de Brasil (Silva et al., 2020) também chegaram a índices
sintomas de ansiedade entre universitários durante de abuso sexual mais altos em suas amostras que os
a pandemia. O abuso físico é um evento estressor dados oficiais divulgados e baseados em denúncias.
potencial ao indivíduo que o vivencia, tendo como Sobre essa disparidade de resultados, Oliveira (2019)
possíveis consequências alterações no sistema ner- ressalta as dificuldades de se obter dados fidedignos
voso central e, consequentemente, no sistema de acerca da incidência dessa violência em função da

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Calves, M. G. R., & Tucci, A. M. (2024).Ansiedade em universitários na pandemia.

subnotificação de ocorrências, o que se dá por diversos geral em momento anterior à pandemia, os quais
motivos, que vão desde os tabus que envolvem a dis- mostram que o gênero feminino é mais vulnerável e
criminação das vítimas, que por vezes são tidas como tem mais risco para desenvolver sintomas de ansie-
culpadas ou têm seus depoimentos questionados, até o dade (Steel et al., 2014).
medo e a falta de crença na efetividade do sistema legal Outro aspecto destacado neste estudo, como
do país, ou mesmo nas diferentes maneiras de se defi- fator de risco para o desenvolvimento de sinto-
nir abuso sexual. Assim, fica evidente a necessidade mas de ansiedade, foi o fato de se estudar em meio
de políticas públicas mais eficazes de divulgação e período (vespertino/noturno). Pode-se especular
combate da violência sexual, especialmente quando que grande parte desses estudantes exerce alguma
cometida contra crianças e adolescentes. atividade remunerada no contraturno universitário,
Os resultados deste estudo apontaram a presença de o que sugere que, além de lidarem com a apreensão
outros fatores de risco para o desenvolvimento dos sin- associada à graduação durante a pandemia, esses
tomas de ansiedade na amostra: ser do gênero feminino; universitários tiveram preocupações relacionadas
estudar em período não integral (vespertino ou noturno); às incertezas que também permearam o mundo do
ter ingressado na universidade por meio de cotas; ter per- trabalho. Estas incluem a precarização dos serviços e
cepção de sua saúde mental durante a pandemia como a possibilidade de desemprego, bastante característi-
média/ruim ou pior; e automedicação. cas do cenário econômico no país durante o período
A amostra desta pesquisa foi composta majori- (Ghiraldelli, 2021; Mattei & Heinen, 2020).
tariamente por mulheres. Ser do sexo feminino cons- Os alunos que ingressaram na universidade por
tituiu fator de risco para a manifestação de sintomas meio de cotas também foram identificados como
de ansiedade durante a pandemia, resultado que está grupo de risco para o desenvolvimento de ansiedade.
em consonância com outras pesquisas realizadas com Assim como outras instituições federais de ensino
a aplicação da DASS-21, no Brasil, durante o mesmo superior (Ifes), a universidade em questão, em
período. Esses estudos mostraram que as mulheres consonância com a Lei nº 13.409, de 28 de dezembro
estão sujeitas a apresentar maior grau de sintomas de 2016, passou a reservar parte de suas vagas para
ansiosos que os homens (Goularte et al., 2021; Lopes alunos que atendam certos critérios, os quais: terem
& Nihei, 2021; Souza et al., 2021). cursado integralmente o ensino médio em escolas
Em virtude da disparidade de gênero na sociedade públicas; serem autorreferidos como pretos, pardos,
atual, ser mulher é um aspecto que vem carregado de indígenas ou possuidores de alguma deficiência;
significados e sobrecargas. Às mulheres, são tradicio- e serem oriundos de famílias com renda per capita
nalmente delegados os cuidados com a família e as igual ou inferior a um salário mínimo e meio.
tarefas domésticas. Além disso, as mulheres se preo- No entanto, é importante mencionar a limita-
cupam em buscar qualificações que viabilizem suas ção da pergunta que constava no questionário acerca
disputas por futuras vagas de emprego, lutando contra da renda familiar, pois o intervalo de valores pode
diversas dificuldades para entrarem no mercado de tra- ter sido muito extenso, não sendo possível detectar
balho e remunerações mais baixas em comparação ao valores que representassem melhor a amostra do
gênero oposto (Alves & Resende, 2021). estudo. Assim, sugere-se que essa variável seja ava-
Aliado às questões de gênero, o retorno dos estu- liada por meio de valor numérico e não categórico.
dantes para a casa dos familiares se fez necessário Porém, na observação do contexto geral, é inegável
durante a pandemia, já que, em sua maioria, esses a afirmação de que os estudantes cotistas estão em
estudantes são provenientes de outros municípios e situação de maior vulnerabilidade social, sendo este
regiões do Brasil. Dessa forma, a migração das aulas um componente significativo que os dispõe como
para o regime remoto pode ter contribuído para que as mais suscetíveis a apresentarem sofrimento mental
estudantes mulheres se deparassem com a multiplici- (Conceição, Ituassu, & Ribeiro, 2017).
dade de tarefas concentradas no ambiente doméstico, Em relação à saúde mental, a maior parte da
que geralmente são delegadas a elas, gerando prejuízos amostra referiu a autopercepção como média, ruim
para a saúde mental, incluindo a presença de sinto- ou pior durante o período pandêmico, sendo essa
mas de ansiedade (Bartmeyer & Salles Filho, 2020). variável detectada como fator de risco associado
Esse achado também reforça dados da população ao desenvolvimento de sintomas de ansiedade.

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Psicologia: Ciência e Profissão 2024 v. 44, e265461, 1-14.

Esse resultado corrobora outros estudos, os quais maior frequência de mulheres e o tamanho da amos-
apontaram significativos impactos psicológicos resul- tra não representam toda a população universitária.
tantes da pandemia em universitários (Cao et al., 2020; Assim, para via de generalização do resultado,
Chang et al., 2020; Liu et al., 2020; Wang et al., 2020). o ideal seria obter uma amostra mais representativa.
É possível especular que a autopercepção da desor- A última limitação identificada refere-se aos questio-
ganização psíquica esteja associada à sensação de nários autoaplicáveis, que estão sujeitos à interpreta-
impotência diante do contexto atípico, o que pode ção dos participantes e lapso de memória/temporal
resultar na manifestação e/ou intensificação dos sin- dos fatos analisados.
tomas de ansiedade. Por fim, é recomendável que outras pesquisas
A prática da automedicação foi outra variável sejam desenvolvidas com o intuito de compreen-
encontrada como fator de risco para o desenvolvi- der melhor os impactos psicológicos da pandemia
mento de ansiedade neste estudo. Uma pesquisa de covid-19 na população universitária. É de suma
realizada durante a pandemia de covid-19 na Índia importância identificar os fatores que levam a maiores
detectou que um quarto da amostra fazia uso de riscos e vulnerabilidade e preveni-los ou promo-
automedicação, sendo que 60% dos que afirmaram ver ações que os minimizem. Ademais, sugere-se a
a prática também apresentaram sintomas de ansie- elaboração de mais estudos que avaliam interven-
dade (Chopra et al., 2021). No cenário pandêmico ções para a produção de cuidado com os estudantes
brasileiro, destaca-se a busca massiva por medica- no período pandêmico, tendo em vista a promo-
mentos que foram divulgados como sendo preventivos ção da saúde mental e a minimização dos danos
contra a covid-19, sem qualquer comprovação de efi- acarretados pela pandemia.
cácia (Melo, Duarte, Moraes, Fleck, & Arrais, 2021).
Os resultados encontrados nesta pesquisa são Conclusão
de grande importância para melhor compreensão da Os resultados deste estudo apontam que, entre
saúde mental dos universitários durante o início da os estudantes universitários, alguns fatores aumen-
pandemia de covid-19, um período de crise sanitária taram a chance de vivenciar sintomas de ansiedade
e econômica internacional. No entanto, este estudo durante a pandemia de covid-19. Entre esses fatores,
apresenta algumas limitações, que devem ser levadas estão: ser do gênero feminino; estudar em período
em consideração. A primeira, apontada anterior- não integral; ter ingressado na universidade por meio
mente nesta seção, trata da utilização de um intervalo de cotas; ter percepção de sua saúde mental durante
muito grande entre as possibilidades para preenchi- a pandemia como média ou ruim ou pior; fazer uso
mento da pergunta relacionada à renda, fator que de automedicação; e ter histórico de abuso físico na
seria solucionado caso a coleta dessa variável fosse infância e/ou adolescência.
realizada em valor numérico. Espera-se que este estudo possa contribuir para
Outra limitação refere-se à coleta de dados a compreensão dos sintomas de ansiedade entre os
online, que se fez necessária em função do distancia- estudantes universitários, especialmente entre aque-
mento social e adaptação das aulas da universidade les com maiores riscos e vulnerabilidade durante a
para o regime remoto. Essa situação pode ter feito pandemia de covid-19. Espera-se, ainda, dar maior
com que universitários mais vulneráveis socioecono- visibilidade para a necessidade de promoção da
micamente e com acesso mais restrito à tecnologia saúde mental e de acompanhamento dessa popu-
tenham tido dificuldades para acessar o questioná- lação no retorno às atividades presenciais, para que
rio online. Além disso, a amostra por conveniência, outros agravos possam ser prevenidos.

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Mariana Gonçalves Rodrigues Calves


Graduada em Psicologia pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Santos – SP. Brasil.
E-mail: mariana.goncalves02@unifesp.br
https://orcid.org/0000-0002-7291-0375

Adriana Marcassa Tucci


Professora Associada do Departamento de Saúde, Educação e Sociedade da Universidade Federal de São Paulo
(Unifesp), Santos – SP. Brasil.
E-mail: atucci@unifesp.br
https://orcid.org/0000-0002-9180-3452

Endereço para envio de correspondência:


Departamento de Biociências, Rua Silva Jardim, 136. Vila Mathias. Santos/SP, cep 11015-020.

Recebido 29/06/2022
Reformulado 10/01/2023
Aceito 08/02/2023

Received 06/29/2022
Approved 02/08/2023

Recibido 29/06/2022
Aceptado 08/02/2023

13
Psicologia: Ciência e Profissão 2024 v. 44, e265461, 1-14.

Como citar: Calves, M. G. R., & Tucci, A. M. (2024). Fatores de Risco para Ansiedade entre
Estudantes Universitários na Pandemia de Covid-19. Psicologia: Ciência e Profissão, 44, 1-14.
https://doi.org/10.1590/1982-3703003265461

How to cite: Calves, M. G. R., & Tucci, A. M. (2024). Risk factors for anxiety in college students during the
COVID-19 pandemic. Psicologia: Ciência e Profissão, 44, 1-14. https://doi.org/10.1590/1982-3703003265461

Cómo citar: Calves, M. G. R., & Tucci, A. M. (2024). Factores de riesgo de ansiedad entre
estudiantes universitarios en la pandemia de la covid-19. Psicologia: Ciência e Profissão, 44, 1-14.
https://doi.org/10.1590/1982-3703003265461

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