Sociologiaescolaconsideracoes_Oliveira_2024

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

SHEYLA CHARLYSE RODRIGUES DE OLIVEIRA

A SOCIOLOGIA NA ESCOLA: CONSIDERAÇÕES A PARTIR DAS


REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO NO
MUNICÍPIO DE NATAL/RN

NATAL/RN
2024
SHEYLA CHARLYSE RODRIGUES DE OLIVEIRA

A SOCIOLOGIA NA ESCOLA: CONSIDERAÇÕES A PARTIR DAS


REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO NO
MUNICÍPIO DE NATAL/RN

Tese apresentada ao Programa de Pós-


graduação em Educação da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, como
requisito parcial à obtenção do título de
Doutora em Educação.

Linha de pesquisa em Educação,


Representações e Formação Docente.

Orientadora: Profa. Dra. Elda Silva do


Nascimento Melo

NATAL/RN
2024
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Moacyr de Góes - CE

Oliveira, Sheyla Charlyse Rodrigues de.


A Sociologia na escola: considerações a partir das
representações sociais de estudantes do ensino médio no município
de Natal/RN / Sheyla Charlyse Rodrigues de Oliveira. - 2024.
203 f.: il. color.

Tese (doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do


Norte, Centro de Educação, Programa de Pós-graduação em Educação.
Natal, RN, 2024.
Orientação: Profa. Dra. Elda Silva do Nascimento Melo.

1. Ensino de sociologia - Tese. 2. Representações sociais -


Tese. 3. Formação de professores - Tese. 4. Reformas curriculares
- Tese. 5. Sociologia da educação - Tese. I. Melo, Elda Silva do
Nascimento. II. Título.

RN/UF/Biblioteca Setorial Moacyr de Góes-CE CDU 37:316

Elaborado por Jailma Santos - CRB-15/745


SHEYLA CHARLYSE RODRIGUES DE OLIVEIRA

A SOCIOLOGIA NA ESCOLA: CONSIDERAÇÕES A PARTIR DAS


REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO NO
MUNICÍPIO DE NATAL/RN

Tese apresentada ao Programa de Pós-


graduação em Educação da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, como
requisito parcial à obtenção do título de
Doutora em Educação.
Orientadora: Profa. Dra. Elda Silva do
Nascimento Melo

Aprovada em: ____/____/____

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________________________
Profa. Dra. Elda Silva do Nascimento Melo (PPGEd/UFRN)
Orientadora

_____________________________________________________________
Profa. Dra. Cynara Teixeira Ribeiro (PPGEd/UFRN)
Examinadora Interna – titular

_____________________________________________________________
Prof. Dr. Gilmar Santana (PPGCS/UFRN)
Examinador Interno – titular

_____________________________________________________________
Profa. Dra. Maria Aldecy Rodrigues de Lima (UFAC)
Examinadora Externa - titular

_____________________________________________________________
Profa. Dra. Silvana Carneiro Maciel (UFPB)
Examinadora Externa – titular
_____________________________________________________________
Adir Luiz Ferreira (UFRN)
Examinador Interno - suplente

_____________________________________________________________
Antônia Maíra Emelly C. da S. Vieira (UERN)
Examinadora Externa - suplente
DEDICATÓRIA

Às minhas filhas Maya e Luna, razão pela qual


continuei e continuo.
À minha mãe, Marleide, professora que me
inspirou e inspira todos os dias com seu
exemplo de determinação e coragem.
À todas as mulheres, mães que desenvolvem
pesquisa científica e que ocupam as salas de
aula, com todo meu suor e afeição.
AGRADECIMENTOS

A escrita de um trabalho desse porte não é algo que se consegue, de


modo algum, sozinha até mesmo porque a sua construção não começou há dois
ou três anos, mas, revela a concretização de uma caminhada de muito tempo.
Nesse sentido, é necessário reconhecer que ao longo do percurso muitas foram
as mãos estendidas e, assim sendo, por tudo agradecer.
Ao suporte divino, fruto de minha crença num Deus que não me deixou
desistir, que me acolhe, me fortalece e que se fez presente em todos os
mergulhos no mar, em todos os olhares para o céu, em todos os cantos de
pássaro, no sorriso das minhas filhas, na prece dos meus pais e irmãos, nas
minhas orações por pedidos de força e resiliência que me aqueceram e foram
sustento até a chegada desse momento.
Às minhas filhas, Maya e Luna e ao meu esposo Tomé que foram fonte
de muito amor e compreensão, que redirecionavam os momentos mais difíceis
me fazendo caminhar com mais leveza e dando a esta vida muito mais sentido.
Ao meu esposo agradeço, especialmente, pelo apoio e condução do nosso lar,
pelo cuidado com as nossas filhas e comigo, toda a sua contribuição e afeto
foram essenciais para que eu pudesse me sentir tranquila e segura em continuar.
Obrigada por ser, de fato, um grande companheiro na vida que vamos
construindo juntos.
Aos meus pais, Marleide e Oliveira e aos meus irmãos, Shirley e Ítalo,
todo meu carinho e reconhecimento por serem, desde sempre, suporte, escuta,
acolhimento e rede de apoio em minha vida. Sem vocês eu não teria chegado
até aqui.
A todas as instituições de ensino que contribuíram para a minha formação
humana e profissional, das quais destaco a Escola Estadual Santos Dumont, por
toda a minha formação desde a educação infantil até os anos finais do ensino
fundamental II e a Universidade Federal do Rio Grande do Norte, onde me
graduei professora de Sociologia, mestre e, provavelmente, doutora em
educação. Estas instituições me fazem seguir acreditando no potencial de
transformação da educação e me mantem firmes no propósito de lutar por uma
escola pública de qualidade e acessível para todas e todos.
Ao Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte
(IFRN), lugar de concretização de um grande sonho profissional, onde leciono a
disciplina de Sociologia há oito anos, agradeço pelo suporte desde o meu curso
de mestrado, até o presente momento e nesse sentido destaco especialmente
os colegas Fatima Oliveira e Maurício Bernardino, também professores de
Sociologia, que junto a referida instituição possibilitaram meu afastamento da
sala de aula, contribuindo significativamente para o meu processo de pesquisa
e para a escrita deste trabalho.
Ao Programa de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), do qual fui
bolsista, ainda na graduação e onde encontrei, verdadeiramente, o desejo de ser
professora de Sociologia. Do referido programa ficaram também queridos
mestres e amigos de uma vida inteira. Aos professores Augusto Vieira e Daniela
Oliveira, professores coordenadores à época, que mostraram o dia a dia na
escola pública e que conduziam com maestria as aulas de Sociologia, por vezes
em situações adversas, vocês são inspiração em minha caminhada profissional.
Aos então colegas do grupo “Leituras Sociais” que hoje são amigos na vida:
Gleydson Rodrigues, Landerson Porfírio, Patrícia Jeanny, Fernando Júnior por
sempre contribuírem com as minhas pesquisas acadêmicas, compartilharem
boas risadas e angústias profissionais.
À minha amiga Karla Danielle que desde sempre é uma grande parceira
acadêmica e amiga, mas, que na reta final desse trabalho me ouviu com carinho,
me deu forças para não desistir e me incentiva todos os dias com o grande
exemplo de mulher, profissional e mãe que ela é. Muito obrigada, Karla.
Ao grupo de pesquisas RESFORD, ao qual estou vinculada, agradeço
pelas tardes de partilha e construção coletiva, pelas contribuições, pelas boas
risadas e por encontrar nesse grupo alento e conforto nos momentos em que
este trabalho parecia não querer caminhar. Destaco aqui ainda meus colegas
João Pedro e Elizângela que estiveram de mãos dadas comigo e me auxiliaram
muitíssimo na análise desses dados e no alívio das tensões advindas da reta
final desse curso.
À minha orientadora, professora e grande inspiração Elda Melo, agradeço,
sobretudo, pela sua capacidade de compreender minhas dificuldades e
limitações que não foram poucas nesses anos. A vida, às vezes, exige de nós
uma recalculada na rota e se houve algo que precisei fazer nesse doutorado foi
recalcular. E como sou grata a você, professora Elda, porque não soltou minha
mão, porque não desacreditou e, principalmente, porque me ajudou a continuar.
Antes de qualquer título, você nos enxerga como pessoas, nos humaniza e isso
me faz agradecer todos os dias por ter sido você a luz nesse momento da minha
trajetória. Muitíssimo obrigada!
Ao professor Gilmar Santana, deixo registrada minha profunda gratidão
pois desde a graduação, passando pela coordenação do PIBID e orientação do
meu trabalho monográfico foi sempre fonte de muita inspiração e me trouxe
palavras de incentivo quando quis desistir da docência, me fez acreditar em mim,
enquanto professora, mesmo diante da escassez de oportunidades. Obrigada,
professor!
Aos estudantes do ensino médio que participaram dessa pesquisa, bem
como as instituições de ensino que me permitiram adentrar em suas salas e ouvir
e ver um pouco de como a Sociologia está acontecendo na escola básica. Sem
estas contribuições certamente não haveria tese a ser defendida.
A todas e todos os estudantes que já cruzaram meu caminho nesses dez
anos em sala de aula, agradeço por compartilharem tanto comigo e me
ensinarem todos os dias a ser uma pessoa e professora melhor. A juventude e
a energia de vocês me enchem de esperança e vontade de continuar.
A todas e todos que de alguma forma perfizeram esse caminho comigo e
contribuíram em maior ou menor grau na construção desse trabalho, deixo aqui
a minha sincera gratidão.
Não se pode escrever nada com indiferença
(Simone de Beauvoir)
RESUMO

Visitar o lugar comum da intermitência curricular que envolve o ensino de


Sociologia na educação básica é inevitável, principalmente, quando a proposta
é pensar que imagens os estudantes do ensino médio constroem acerca da
referida disciplina. Essa instabilidade que se confunde com a história da
disciplina na educação básica, capilarizou-se numa série de problemáticas que
englobam desde a concepção de um currículo mínimo para o ensino sociológico,
as discussões sobre o livro didático e o próprio papel do ensino médio nesse
percurso. Interpelamos 149 estudantes da terceira série do ensino médio, no
município de Natal, a respeito de suas representações sobre a disciplina de
Sociologia. Falar dos currículos da educação básica, de como é neles concebido
o ensino médio, como estão sendo formados os seus professores e o espaço
que a Sociologia ocupa nesse cenário é localizar o processo de construção da
imagem dessa disciplina por estes jovens. O aporte teórico-metodológico
utilizado foi, principalmente, a Teoria das Representações Sociais (TRS) de
Serge Moscovici (2012; 2013), a coleta de dados foi feita por intermédio da
Técnica de Associação Livre de Palavras (TALP), seguida de uma organização
desses dados em dimensões representativas a partir da Análise de Conteúdo,
de Laurence Bardin (2011) que prosseguiu na estruturação desses dados no
Sistema de Espiral Representacional (SER), desenvolvido por Elda Melo (2019),
conforme preconiza a Abordagem Estrutural, proposta por Jean-Claude Abric
(1999). Assim sendo, esta pesquisa norteou suas discussões em torno das
contendas que envolvem a formação de professores, o currículo do ensino médio
e suas modificações, além das representações sociais fazendo um movimento
de correlação entre as referidas dimensões conceituais. Sobre as
representações discentes, os dados nos mostram que os estudantes do ensino
médio estabelecem uma relevância à disciplina de Sociologia, que se organiza
em torno de uma indispensabilidade dessa cátedra. O discurso da relevância da
Sociologia enquanto disciplina escolar é produzido numa realidade dissonante
daquilo que constroem os estudantes e é nesse contexto que defendemos que
a produção dessa representação social está assentada numa Themata
(MOSCOVICI, 2012). A partir dos resultados desse trabalho e de um
levantamento de pesquisas anteriores que tratam do ensino de Sociologia e
representações sociais sob a perspectiva estudantil, sustentamos que a visão
positiva concedida a referida cátedra tem como ideia fonte um Tema que diz
respeito a uma crise na educação brasileira e as questões subjacentes a esse
processo, como uma formação crítica/não crítica, uma educação
emancipatória/conservadora antinomias que envolvem concepções
educacionais e, por conseguinte, de formação de professores, de currículo, de
sujeito e de sociedade. Emerge uma disciplina de Sociologia importante, pois,
as representações sociais dos estudantes fundamentam-se, sobretudo, na
compreensão de que diante desse cenário histórico de crise educacional a
referida disciplina é ferramenta crucial na compreensão racional e crítica dessa
realidade.
Palavras-chave: Ensino de Sociologia. Representações Sociais. Formação de
professores. Reformas curriculares. Sociologia da educação.
ABSTRACT
Visiting the commonplace of curricular intermittence that surrounds the teaching
of Sociology in basic education is inevitable, especially when the proposal is to
think about what images high school students construct about this subject. This
instability, which is intertwined with the history of the subject in basic education,
has led to a series of problems ranging from the design of a minimum curriculum
for sociological teaching, to discussions about textbooks and the role of
secondary education itself in this process. We questioned 149 third grade high
school students in the municipality of Natal about their representations of the
subject of Sociology. To talk about the curricula of basic education, how
secondary education is conceived in them, how its teachers are being trained and
the space that Sociology occupies in this scenario is to locate the process of
construction of the image of this discipline by these young people. The
theoretical-methodological framework used was mainly Serge Moscovici's
Theory of Social Representations (TRS) (2012; 2013). Data was collected using
the Free Word Association Technique (FWA), followed by the organization of this
data into representative dimensions based on Laurence Bardin's Content
Analysis (2011), which continued with the structuring of this data in the
Representational Spiral System (SER), developed by Elda Melo (2019), in
accordance with the Structural Approach proposed by Jean-Claude Abric (1999).
As such, this research focused its discussions on the litigies surrounding teacher
training, the secondary school curriculum and its changes, as well as social
representations, correlating these conceptual dimensions. Regarding student
representations, the data shows that high school students establish a relevance
to the subject of Sociology, which is organized around the indispensability of this
subject.The discourse on the relevance of Sociology as a school subject is
produced in a reality that is dissonant with what students construct and it is in this
context that we argue that the production of this social representation is based
on a Themata (MOSCOVICI, 2012). Based on the results of this work and a
survey of previous research dealing with the teaching of Sociology and social
representations from the student perspective, we maintain that the positive view
granted to this chair has as its source idea a Theme that concerns a crisis in
Brazilian education and the issues underlying this process, such as a critical/non-
critical education, an emancipatory/conservative education, antinomies that
involve educational conceptions and, consequently, teacher training, curriculum,
subject and society. Sociology emerges as an important subject, because the
students' social representations are based above all on the understanding that,
in the face of this historical scenario of educational crisis, this subject is a crucial
tool in the rational and critical understanding of this reality.
Keywords: Teaching Sociology. Social representations. Teacher training.
Curricular reforms. Sociology of education.
RESUMEN
Visitar el lugar común de la intermitencia curricular que involucra la enseñanza
de la Sociología en la educación básica es inevitable, sobre todo cuando la
propuesta es pensar qué imágenes construyen los estudiantes de secundaria
sobre este tema. Esta inestabilidad, que se entrelaza con la historia de la
asignatura en la enseñanza básica, se ha expandido en una serie de problemas
que van desde la concepción de un currículo mínimo para la enseñanza
sociológica hasta las discusiones sobre los libros de texto y el rol de la propia
enseñanza secundaria en este proceso. Interpelamos a 149 estudiantes de
tercer año de secundaria del municipio de Natal sobre sus representaciones de
la asignatura de Sociología. Debatir sobre los currículos de la enseñanza básica,
de cómo se concibe en ellos la enseñanza secundaria, de cómo se está
formando a sus profesores y del espacio que ocupa la Sociología en este
escenario es situar el proceso de construcción de la imagen de esta asignatura
para estos jóvenes. El marco teórico-metodológico utilizado fue principalmente
la Teoría de las Representaciones Sociales (TRS) de Serge Moscovici (2012;
2013). La recolecta de datos se realizó mediante la Técnica de Asociación Libre
de Palabras (FWA), seguida de la organización de estos datos en dimensiones
representativas a partir del Análisis de Contenido de Laurence Bardin (2011),
que continuó con la estructuración de estos datos en el Sistema de Espiral
Representacional (SER), desarrollado por Elda Melo (2019), de acuerdo con el
Enfoque Estructural propuesto por Jean-Claude Abric (1999). Como tal, esta
investigación centró sus discusiones en las disputas alrededor de las contiendas
que involucran la formación del profesorado, el plan de estudios de secundaria y
sus cambios, así como las representaciones sociales, correlacionando estas
dimensiones conceptuales. Sobre las representaciones de los estudiantes, los
datos muestran que los estudiantes de secundaria establecen una relevancia a
la asignatura de Sociología, que se organiza alrededor de lo indispensable de
esta asignatura. El discurso sobre la relevancia de la Sociología como disciplina
escolar se produce en una realidad que se contrapone con lo que construyen los
estudiantes y es en este contexto que sostenemos que la producción de esta
representación social se basa en una Themata (MOSCOVICI, 2012). A partir de
los resultados de este trabajo y de una búsqueda de investigaciones anteriores
que discuten la enseñanza de la Sociología y las representaciones sociales
desde la perspectiva de los estudiantes, defendemos que la visión positiva
concedida a esta cátedra tiene como idea fuente un Tema que se refiere a una
crisis de la educación brasileña y a las cuestiones subyacentes a este proceso,
tales como una educación crítica/no crítica, una educación
emancipadora/conservadora, antinomias que involucran las concepciones
educativas y, consecuentemente, la formación de profesores, el currículo, la
asignatura y la sociedad. La Sociología emerge como una asignatura importante
pues las representaciones sociales de los estudiantes se basan sobre todo en la
constatación de que ante este escenario histórico de crisis educativa, esta
asignatura es una herramienta crucial en la comprensión racional y crítica de
esta realidad.
Palabras clave: Enseñanza de la Sociología. Representaciones sociales.
Formación del profesorado. Reformas curriculares. Sociología de la educación.
LISTA DE FIGURAS

Figura 01. Estrutura representacional do “Ensinar Sociologia é...”


...........................................................................................................................52
Figura 02. Sistema de Espiral Representacional: “A disciplina de Sociologia é...”
(Rede de ensino pública estadual
.........................................................................................................................156
Figura 03. Sistema de Espiral Representacional: “A disciplina de Sociologia é...”
(Rede de ensino privada)
.........................................................................................................................157

Figura 04. Sistema de Espiral Representacional: “A disciplina de Sociologia é...”


(Rede de ensino pública estadual)
.........................................................................................................................158
Figura 05. Núcleo Central das Espirais por rede de ensino: 1. Rede pública
estadual; 2. Rede pública federal e 3. Rede
privada.............................................................................................................165
Figura 06. Sistema de Espiral Representacional: “A disciplina de Sociologia é...”
.........................................................................................................................167
Figura 07. Estrutura relacional: elementos do Núcleo Central de “A disciplina de
Sociologia é...” e elementos intermediário
.........................................................................................................................172
Figura 08. Estrutura relacional: elementos do Núcleo Central de “A disciplina de
Sociologia é...” e elementos periféricos
.........................................................................................................................173
Figura 09. Estrutura relacional: Núcleo Central de “A disciplina de Sociologia é...”
e antinomias acerca da formação estudantil...................................................177
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 01. Gênero dos estudantes................................................................118


Gráfico 02. Origem da instituição de ensino dos estudantes..........................121
Gráfico 03. Séries do EM com aula de Sociologia..........................................122
LISTA DE TABELAS

Tabela 01. Reformas educacionais e ensino de Sociologia..............................28


Tabela 02. Competências das Ciências Humanas e Sociais/BNCC.................55
Tabela 03. Legislação brasileira e formação docente.......................................84
Tabela 04. Posicionamentos de entidades nacionais sobre aprovação da BNC
Formação...........................................................................................................94
Tabela 05. Competências gerais docentes BNC – Formação..........................100
Tabela 06. Currículo do Curso de Ciências Sociais/Licenciatura da UFRN (2013)
.........................................................................................................................108
Tabela 07. Comparativo entre as estruturas curriculares do curso de licenciatura
em Ciências Sociais da UFRN (2013 e 2020) ................................................123
Tabela 08. Distribuição de aulas de Sociologia por rede de ensino................136
Tabela 09. Dimensões representativas “A disciplina de Sociologia é...” ........153
Tabela 10. Pesquisas acadêmicas que envolvem ensino de Sociologia,
Representações Sociais e estudantes do ensino médio...................................178
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

PIBID – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência


TRS – Teoria das Representações Sociais
TALP – Técnica de Associação Livre de Palavras
UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte
NC – Núcleo Central
SER – Sistema de Espiral Representacional
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira
DCNEM – Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
PNLD – Programa Nacional do Livro Didático
BNCC – Base Nacional Comum Curricular
PNE – Plano Nacional de Educação
MP – Medida Provisória
FMI – Fundo Monetário Internacional
PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais
ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio
CNE – Conselho Nacional de Educação
DCN – Diretrizes Curriculares Nacionais
PT – Partido dos Trabalhadores
PEC – Proposta de Emenda Constitucional
FUNDEB - Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação Básica e da
Valorização dos Profissionais da Educação
PSL – Partido Social Liberal
ANFOPE – Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação
ANPEd – Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação
COGRAD – Colégio de Pró-reitores de Graduação
SISU – Sistema de Seleção Unificado
PPC – Projeto Político-Pedagógico de Curso
PPGCS – Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais
PPGEd – Programa de Pós-graduação em Educação
TNC – Teoria do Núcleo Central
IR – Índice Relativo
OCNEM – Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
RESFORD – Representações Sociais e Formação Docente
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .............................................................................................21
2. DE ONDE SE SABE? AS CIÊNCIAS SOCIAIS NA EDUCAÇÃO
BÁSICA............................................................................................................ 27
2.1 O ensino de Sociologia: de problema epistemológico a objeto de
Representação Social...................................................................................... 43
2.2 A formação crítica e reflexiva: um pressuposto da Sociologia?................. 51
3. O QUE E COMO SE SABE? REFORMAS EDUCACIONAIS, CURRÍCULOS,
FORMAÇÃO DE PROFESSORES E A CONSTRUÇÃO DE UM OBJETO DE
REPRESENTAÇÃO..........................................................................................58
3.1 As reformas educacionais, os currículos, a formação de professores e o
ensino médio: notas para um entendimento a respeito da Sociologia
escolar...............................................................................................................65
3.2 Ciências humanas e suas tecnologias: interdisciplinaridade ou invisibilização
de uma área de
conhecimento?...................................................................................................71
3.3 BNC-Formação: docência transformada em treinamento
(?).......................................................................................................................83
3.4 Docência, empregabilidade e a formação dos professores de
Sociologia........................................................................................................101
4. QUEM SABE? ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO DO MUNICÍPIO DE
NATAL E O CAMINHO DAS SUAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS ACERCA
DA DISCIPLINA DE
SOCIOLOGIA..................................................................................................117
4.1 A representação de alguém: a caracterização dos sujeitos da
pesquisa...........................................................................................................118
4.2 A abordagem estrutural e a organização das representações sociais: a
tessitura de um caminho sociocognitivo..........................................................124
4.2.1 “A disciplina de Sociologia é”: dimensões de uma representação
social...............................................................................................................135
5. SOBRE O QUE SE SABE E COM QUE EFEITOS? A REPRESENTAÇÃO
SOCIAL ACERCA DA DISCIPLINA DE SOCIOLOGIA E SEU ESTATUTO
EPISTEMOLÓGICO .......................................................................................152
5.1 O Núcleo Central da representação social e suas interfaces: a Sociologia na
escola sob a ótica
estudantil..........................................................................................................162
5.2 Que educação queremos? Themata, Representações Sociais e a consolidação
de uma Sociologia importante...............................................................................174
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................183
REFERÊNCIAS...............................................................................................191
APÊNDICES....................................................................................................199
22

1 INTRODUÇÃO

A história da Sociologia nos currículos da educação básica do Brasil faz


emergir questões que desafiam os sujeitos que se relacionam com a disciplina a
pensá-la e problematizá-la dentro de seu contexto intermitente. Seu ir e vir nos
currículos escolares, em razão de reformas que envolvem interesses
socioeconômicos, ideológicos e relações de poder, acarretou particularidades a
essa ciência, enquanto saber escolar, que trazem consequências à sua
legitimação e tradição dentro da escola brasileira. A formação de seus
professores, as discussões acerca de um currículo mínimo para a educação
básica, bem como a articulação entre teoria e prática, assim como, universidade
e escola são questões que fizeram crescer, nos últimos anos, o campo de
pesquisa que envolve o ensino da Sociologia.
Nesse contexto de ascensão do referido campo de pesquisa, convém
destacar que fora, desde o meu trabalho monográfico, a temática que melhor
atendia as minhas expectativas quando pensava em um objeto de estudo para
um curso em nível de pós-graduação que fizesse realmente sentido para a minha
formação profissional. As vivências e o conhecimento empírico do que se tinha
na Academia não estimulavam o desejo de produzir um trabalho para mera
obtenção de título acadêmico. A lógica operada nas universidades, infelizmente,
vem preocupando-se cada vez mais com números, quantidade e menos com a
qualidade e o real impacto formativo desses processos

O produtivismo acadêmico e a cultura da performatividade são o


resultado inegável de processos avaliativos da pós-graduação centrados
na quantidade desmedida de processos e produtos que operam a partir
de outra lógica, que é a da produção do conhecimento. É inegável que a
instituição dos processos avaliativos fomentou e impulsionou a produção
científica, publicações, periódicos e programas de fomento e
financiamento. No entanto, impulsionou, também, a ampliação e o
fortalecimento dos veículos predatórios e da superficialização dos
resultados publicados. (FÁVERO, CONSALTÉR, TONIETO, 2019, P.8)

Além de produzir conhecimento e performar resultados para o alcance de


metas – que não são minhas, aperfeiçoar minha compreensão e prática docente
a partir da realidade com a qual trabalho foi o mote à escolha pelo campo do
Ensino de Sociologia, que desmembrou-se em três trabalhos que dissertavam
23

sobre: 1) A ideologia do fracasso escolar e as dificuldades de inserção do PIBID


(Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência) em escolas públicas
na capital do Rio Grande do Norte (2012); 2) O ensino e aprendizagem em
Sociologia, pensados a partir das Representações Sociais de professores da
rede pública estadual de Natal (2016) e 3) As Representações Sociais da
disciplina de Sociologia, sob a perspectiva de estudantes do ensino médio,
também no município natalense (2024). Diferente da pesquisa exploratória
monográfica, que embora não trouxesse diretamente o ensino de Sociologia, foi
crucial para que houvesse o desejo em conhecer com maior propriedade o
referido objeto, numa perspectiva de compreensão e explicação dessa realidade,
os dois trabalhos subsequentes, de dissertação e a tese aqui encaminhada
mergulharam nas dificuldades, na história, na realidade que subjaz o ensino
sociológico, trazendo-o sob duas perspectivas importantíssimas: a dos
professores e a dos estuantes. Dito isto, a escolha feita aqui não é aleatória ou
para cumprimento de formalidades, estando diretamente associada ao meu
trabalho como professora de Sociologia e todas as minúcias que envolvem essa
atuação.
Nesta tese, a questão central é desenvolvida acerca de como os
estudantes do ensino médio representam a disciplina de Sociologia. Partindo das
elaborações teóricas de Serge Moscovici, precursor da Teoria das
Representações Sociais (TRS), supomos que esses sujeitos em suas interações
cotidianas constroem representações sociais que envolvem os diversos
aspectos das situações escolares. (seria uma primeira hipótese?)

Elas nos guiam no modo de nomear e definir conjuntamente os diferentes


aspectos da realidade diária, no modo de interpretar esses aspectos,
tomar decisões e, eventualmente posicionar-se frente a eles de maneira
defensiva. (JODELET, 2001, P.17)

Essas representações, compreendidas como guias para ação, nos


auxiliam a entender como esses estudantes nomeiam e interpretam essa
realidade, a partir daquilo que representam acerca da disciplina de Sociologia. A
Teoria das Representações Sociais nos parece, nesse sentido, apropriada para
pensar a maneira como esses sujeitos ordenam e classificam a realidade em
que vivem e como a constroem enquanto grupo e indivíduo. De tal modo, falar
24

sobre o ensino de Sociologia na perspectiva de seus estudantes é compreender


também como estão esses jovens em sala de aula, como se relacionam com a
disciplina, que expectativas eles têm, o que materializam e o que compartilham
da imagem que se expressa em suas representações sociais.
Identificar e discutir as representações dos discentes sobre a disciplina
em questão é, portanto, pensar sobre o ensino da Sociologia a partir de uma
perspectiva menos comprometida com a sua defesa e com o seu processo de
legitimação, como foi o caso dos docentes pesquisados em 2016 (vejo aqui uma
As representações discentes vão permitir que enxerguemos melhor a realidade,
o campo social e a identidade desse grupo de jovens, além da forma como se
posicionam frente ao referido objeto. Todavia, no intuito de identificar essas
representações, entendemos que sendo elas estabelecidas na interação e na
comunicação, são

produto e processo de uma atividade de apropriação da realidade exterior


ao pensamento e de elaboração psicológica e social dessa realidade. Isto
quer dizer que nos interessamos por uma modalidade de pensamento,
sob seu aspecto constituinte – os processos – e constituído – os produtos
ou conteúdos. (JODELET, 2001, P.22)

Ao buscar uma compreensão desse pensamento que está constituído,


mas, é também constituinte alguns fatores podem contribuir a elocubração
dessas representações, dos quais destacamos nesse trabalho: as reformas
curriculares e o então cenário de instabilidade da Sociologia; os desafios
subjacentes à formação de professores de Sociologia e o currículo da Sociologia
no ensino médio. A relação entre esses fatores responde a um aspecto
importante colocado por Jodelet (2001), quando diz que a representação social
é sempre a representação de alguma coisa e de alguém. Problematizar os
aspectos elencados acima é pensar sobre esse objeto e o contexto de sua
constituição, como também pensar sobre o lugar de onde falam esses “alguéns”,
de onde partem suas imagens e o que vão nos falar sobre a disciplina de
Sociologia.
Nesse sentido, nosso objetivo nessa pesquisa foi identificar a estrutura
representacional que estudantes da terceira série do ensino médio possuem
acerca da disciplina de Sociologia. Arrolamos as representações elaboradas
25

com possíveis contribuições trazidas pelo já conhecido histórico de intermitência


curricular da disciplina, bem como os currículos do ensino médio aos quais os
estudantes pesquisados estão submetidos, além de discutir a formação de
professores de Sociologia. Assim, a Teoria das Representações Sociais media
a relação entre a realidade socialmente elaborada e partilhada acerca da
disciplina de Sociologia e nos sugere que essa realidade, que se mostra de
relevância para a cátedra em questão, parte de antinomias do pensamento, que
envolve pares opostos de ideias, aos quais mais tarde denominou-se de
Themata (Moscovici; Vignaux, 2003).
Nesta pesquisa, foram investigados 149 estudantes, cursando a terceira
série do ensino médio no município de Natal, pertencentes às três redes de
ensino, quais sejam: rede pública estadual, rede pública federal e rede privada.
Embora inscritos em escolas e contextos socioeconômicos distintos, os dados
nos mostraram que não havia necessidade de um estudo comparativo entre os
estudantes das três redes, visto que os resultados entre eles foram muito
semelhantes, conforme veremos adiante. Para coleta de dados, aplicamos com
esses sujeitos 149 formulários contendo a Técnica de Associação Livre de
Palavras (TALP). Realizamos ainda, uma entrevista semiestruturada com uma
amostra de 05 estudantes. Retomamos os currículos de formação de
professores em Ciências Sociais, na Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN), fazendo vistas às inúmeras adequações para a formação dos
seus licenciandos. Além disso, discutimos o currículo escolar, enquanto artefato
social e território de disputas, refletindo acerca da história das disciplinas
curriculares, das escolhas e conteúdos que estão há muito sedimentados e de
cátedras que vivem num cenário de contestação e incertezas.
Para análise dos dados coletados, utilizamos a categorização e inferência
propostas por Laurence Bardin (2014), a fim de classificar e interpretar as respostas
informadas pelos estudantes nas TALP e nas entrevistas. As evocações elencadas
nas TALP, bem como a estruturação dos Núcleos Centrais (NC) das representações
encontradas, foram organizadas pelo desenvolvimento de um Sistema de Espiral
Representacional (SER) proposto por Melo (2019) baseado na proposta cognitivo-
estrutural de Jean Claude-Abric. Utilizamos como subsídio a esta pesquisa na
área das representações sociais, formação de professores e currículo,
fundamentalmente, os trabalhos de Moscovici (2012, 2013) e Jodelet (2001), e
26

em uma vertente complementar temos os estudos que englobam a abordagem


estrutural da TRS, por meio de Abric (2001), Flament (2001) e Sá (1993; 1996;
1998), além dos trabalhos de Gatti (2010) Bazzo et. al (2019) Costa et. al (2021)
Arroyo (2021), Silva (2021), Goodson, (2018) Sarandy (2001), Rêses et. al
(2016), entre outros.
Seguindo os questionamentos que faz Jodelet (2001) ao falar acerca das
representações, organizamos esse texto da seguinte maneira: na primeira parte,
intitulada “De onde se sabe? As Ciências Sociais na educação básica”
tentando responder o questionamento da autora, esse primeiro capítulo vai
mostrar de onde sabem os estudantes que constroem suas representações
acerca da disciplina de Sociologia. A ideia aqui é que por intermédio de uma
historicização da Sociologia na educação básica brasileira, do acompanhamento
da evolução no campo do ensino da Sociologia e já da apresentação de algumas
reformas curriculares, possamos colocar o leitor diante das condições de
produção e de circulação das representações que serão mais adiante
apresentadas. Assim, antes de chegarmos à estrutura representacional
pensamos em ilustrar em que cenário e de que maneira, provavelmente, essas
representações são produzidas e difundidas.
No capítulo seguinte, denominado “O que e como sabe? Reformas
educacionais, currículos, formação de professores e a construção de um
objeto de representação” apresentamos discussões mais acuradas acerca das
reformas educacionais, de como, nesse contexto, ficam a formação de
professores e àqueles que lecionam Sociologia, o que nos permite uma
compreensão mais cuidadosa dos processos que envolvem a construção de
uma imagem acerca da disciplina. É também nessa parte do texto que discutimos
a estruturação do currículo escolar e o que representa a escolha “destas ou
daquelas” disciplinas, refletindo acerca de uma hierarquização de saberes e de
áreas do conhecimento. Se aqui, como menciona Jodelet (2001) estamos
falando acerca de processos e estados, a pergunta vai ser respondida tentando
encaminhar o leitor para o procedimento de elaboração da disciplina de
Sociologia enquanto saber escolar e como isso poderá influenciar na construção
de uma representação.
Na terceira parte falaremos sobre “Quem sabe? Estudantes do ensino
médio do município de Natal e o caminho das suas representações sociais
27

acerca da disciplina de Sociologia” e nesse momento iniciamos a


caracterização do nosso contexto e, principalmente, dos participantes dessa
pesquisa. Gênero, idade, origem escolar serão as primeiras informações sobre
os jovens que vão possibilitando maior compreensão de seus lugares de fala e
da representação que compartilham. É também nesse momento do texto que
falamos mais diretamente sobre a abordagem estrutural e ensaiamos a
apresentação da estrutura da representação dos estudantes por meio das
dimensões representativas. Aqui, portanto, sabe-se um pouco mais das
condições de produção da imagem acerca da disciplina de Sociologia iniciando
a nossa compreensão do processo de simbolização e de interpretação que estes
jovens mantem com seu objeto.
As representações sociais elaboradas pelos discentes do ensino médio
aqui estudados não atendem as expectativas no que concerne a desimportância
social e histórica que se dá a disciplina de Sociologia. Pelo contrário, junto a
outros trabalhos com mesmo objeto de estudo e mesmo perfil de participantes –
Rêses (2004); Moura (2012); Soldan (2015) Santos Neta (2020) – essa pesquisa
revela uma Sociologia vista em suas fragilidades, mas, também como elemento
de considerável relevância no processo de conhecimento racional e crítico da
sociedade. A nova forma de pensar, um raciocínio, uma lógica próprios. A tese
encaminhada aqui apresenta todo um processo histórico de desvalorização,
relegação e contestação das Ciências Humanas e da Sociologia, principalmente.
Mesmo nesse cenário adverso, são pelo menos quatro trabalhos, em diversas
localidades, que nos dizem que os estudantes enxergam e consideram
importante a referida disciplina no ensino médio. É nesse sentido que
encaminhamos a tese de que mesmo numa condição de produção e circulação
adversa, a emergência da disciplina de Sociologia como importante se dá, pois,
os estudantes a veem como uma ferramenta para compreensão de suas
realidades sociais e essa aproximação com as suas vidas reforça o caráter
necessário da disciplina na educação básica.
28

2 DE ONDE SE SABE? AS CIÊNCIAS SOCIAIS NA EDUCAÇÃO BÁSICA

A missanga, todos a veem. Ninguém


nota o fio que, em colar vistoso, vai
compondo as missangas.
Mia Couto –
O fio das missangas

Os meandros que envolvem a presença (ou ausência) da disciplina de


Sociologia1 nos currículos da escola média brasileira e, por conseguinte o seu
ensino, configuram-se como objeto de discussão na área da Sociologia escolar2,
efusiva e principalmente, a partir da promulgação da lei nº 11.684/2008, que
representou naquele momento a obrigatoriedade da disciplina nas três séries do
ensino médio no Brasil. O crescente número de trabalhos que tomam a
Sociologia e o seu ensino como objetos de estudo não só aumentaram como, no
geral, tem acompanhado a dinâmica e intermitência que envolvem o lugar da
disciplina na escola e, consequentemente, as diversas questões que compõe
esse cenário.
A assunção da Sociologia como disciplina escolar acompanhou, aqui no
Brasil, uma série de reformas, que envolviam também mudanças nos modelos
pedagógicos adotados e que, nesse sentido, refletiam ainda as disputas de
poder no campo ideológico e na própria esfera política. Ao contrário da
naturalização que se toma quando se fala em ensino de Língua Portuguesa ou
de Matemática, por exemplo, o saber sociológico, enquanto conhecimento
escolar guarda uma história de questionamentos no debate público que gravitam
sempre em torno de qual seria a sua “utilidade”. Nesse sentido, considera-se que
conhecer o processo histórico da constituição da disciplina de Sociologia é

1 Faz-se relevante destacar que ao se fazer menção ao termo ensino de Sociologia segue-se
uma terminologia já difundida pela legislação, porém, (...) o ensino da Sociologia se dá, em
verdade, por meio do ensino das Ciências Sociais, uma vez que não se olvida que o ensino de
Sociologia na educação básica pressupõe também temas, teorias e conceitos próprios das áreas
da Antropologia e da Ciência Política. (OLIVEIRA, 2016, P. 61)
2 A Sociologia escolar nasceu no Brasil antes de seu surgimento na universidade. Um marco

notável de sua institucionalização nas escolas é o ano de 1925, quando foi introduzida no
programa de ensino do Colégio Pedro II. Com efeito, a partir da Reforma João Luiz Alves –
também conhecida como Lei Rocha Vaz (Brasil, 1925, Decreto Nº 16.782 de 13 de janeiro de
1925) – a Sociologia passou a figurar como disciplina regular do currículo do ensino secundário,
prescrito para todas as instituições nacionais que desejassem certificação de equiparação ao
Colégio Pedro II, situado no então Distrito Federal, cidade do Rio. (MEUCCI, 2015, P.252)
29

demarcar e registrar a relevância desse percurso para o estabelecimento da


disciplina como saber escolar legítimo e necessário, discussão que será
ampliada adiante.
Ainda que seja esta reconstrução um lugar comum nos trabalhos que
elegem o ensino de Sociologia como objeto de estudo, considera-se fulcral a
apresentação, ainda que sumária, da história da referida disciplina na escola aqui
no Brasil. Com intuito de percorrer este marco importante de forma didática e
sucinta, apresentaremos no quadro a seguir as reformas e suas relações com a
presença (ou não) da Sociologia nas escolas, tomando como base para nossas
abordagens o percurso feito por Neuhold (2019), elaboramos o seguinte quadro-
resumo:

Tabela 01. Reformas educacionais e ensino de Sociologia


REFORMAS EDUCACIONAIS ENSINO DE SOCIOLOGIA
- Do ponto de vista legal, a Sociologia
seria incluída no ensino secundário,
nas escolas normais e nos colégios
militares;
Reforma Benjamin Constant (1890) - Idealização de um projeto civilizador
e conservador;
- Em termos práticos, o ensino de
Sociologia, com base na reforma de
1890, não se efetivou, sendo
retificado somente no ano de 1901.
- 1925: a Sociologia é incluída no
currículo do ensino secundário;
- Ainda na década de 20, sob
inspiração dos escolanovistas, foram
introduzidas novas disciplinas de
formação profissional, como a
Reforma Rocha Vaz (1925) à Sociologia e a História da educação,
Reforma Francisco Campos (1931- por exemplo. É também nesse
1932) período a Sociologia toma lugar nos
30

cursos de formação de professores,


ofertados pelas escolas normais de
alguns estados.
- 1932: a Reforma Fcº Campos projeta
o ensino de Sociologia na primeira
reforma educacional do ensino
secundário3 válida para todo país.
- A Sociologia encontrava-se, nesse
contexto, associada a formação de
profissionais dentro de uma
concepção mais pragmática:
desenvolver nos jovens a capacidade
de investigar e propor soluções para
as problemáticas nacionais.
- Surgem, nesse período, os primeiros
cursos de graduação em Ciências
Sociais, no Brasil. São Paulo, Rio de
Janeiro, Distrito Federal e Paraná
estão na vanguarda da formação de
Sociólogos brasileiros.
- 1942: Sob a justificativa de estar
mais relacionada a preparação para o
ensino superior do que ser uma
disciplina de caráter mais formativo, a
Sociologia é excluída do ensino
secundário, contudo é mantida nas
Reforma Capanema (1942) à Lei de escolas normais.
Diretrizes e Bases da Educação - Mesmo excluída da escola
(1961) secundária, a Sociologia tem textos
importantes sendo produzidos nesse

3 O ensino secundário é composto por duas etapas: o curso fundamental e o curso


complementar, sendo o primeiro de formação geral e o segundo voltado para formação
propedêutica, onde a Sociologia constava como disciplina. (NEUHOLD, 2019)
31

contexto e que versam sobre o seu


lugar neste nível de ensino.
- 1961: Desde a Reforma Capanema
o estado de exclusão da Sociologia
permaneceu. De modo geral, a
LDB/1961 estabelece a organização
do ensino, mas, dá aos estados
autonomia para elegerem as
disciplinas optativas que serão
ofertadas e, nesse sentido, a oferta da
Sociologia seria uma possibilidade.
Contudo, em muitas circunstâncias,
não havia recursos humanos para
esta oferta e, desse modo, a oferta da
Sociologia não se efetivou.
- Há uma profissionalização
compulsória do ensino secundário,
onde o currículo é dividido em duas
partes: uma de “educação geral” e
Reforma Jarbas Passarinho (1971) outra de “formação especial”, estando
esta última etapa concentrada no que
hoje conhecemos como ensino médio;
- O ensino de Sociologia, nesse
contexto, perde sua obrigatoriedade.
- Em alguns estados brasileiros (SP,
BA, RS, PA) tramitavam projetos de
lei pela reincorporação da Sociologia
nos currículos, o que acaba
acontecendo, mas, em alguns casos
Movimento de redemocratização no essa reincorporação fica somente no
Brasil (1982) papel;
- A LDB/1996 estabelece a
necessidade de o estudante, ao final
32

do ensino médio, dominar os


conhecimentos sociológicos, contudo,
o texto não sinaliza a necessidade de
uma disciplina para tal feito, ficando o
ensino de Sociologia como algo a ser
ministrado pelos demais
componentes curriculares4.
- No ano de 2001 o então presidente
da república, o sociólogo Fernando
Henrique Cardoso, veta o projeto de
lei que cobrava uma redação mais
clara sobre o lugar efetivo da
Sociologia, enquanto disciplina. Sob a
justificativa de que não havia recurso
Lei nº 11.684 (2008) e mesmo professores formados para
atender a demanda, o então
presidente não institucionaliza o
ensino sociológico.
- Em 2008, a lei 11.684 altera o texto
da LDB/1996, tornando obrigatório o
ensino de Sociologia, nas três séries
do ensino médio, em todo Brasil.
- Anterior ao decênio de
obrigatoriedade do ensino de
Sociologia no ensino médio, a
Reforma do EM chega, por medida
provisória, junto a uma série de
reformas de cunho econômico social.
MP 746/2016 a Lei 13.415 (2017) – - O componente curricular de
Reforma (novo) Ensino Médio Sociologia no Ensino Médio fica
desobrigado. O texto menciona uma

4A resolução CEB/CNE n. 3, de 26 de junho de 1998 deixa claro em sua sistematização a não


necessidade de uma disciplina como a Sociologia, para que os estudantes dominem os
conhecimentos de Filosofia e Sociologia, necessários ao exercício da cidadania.
33

obrigatoriedade de estudos e práticas


de educação física, arte, sociologia
e filosofia. (BRASIL, 2017a, p. 7), o
que deixa subentendida a não
necessidade de uma disciplina e a
consequente redução, do já exíguo,
espaço da Sociologia na escola
média.
- Conjuntamente a lei 13.415/17,
novas diretrizes para normatizar e
orientar o formato educacional
proposto pela lei em questão são
aprovadas no ano seguinte. Uma
versão atualizada da BNCC, junto as
DCNEM trazem o que formulam como
Base Nacional Comum Curricular
competências e habilidades a serem
(BNCC) (2017) e as Diretrizes
Nacionais Curriculares para o trabalhadas no EM, sendo os
Ensino Médio (DCNEM) (2018)
conteúdos distribuídos de maneira
generalista dentro das áreas de
conhecimento propostas.
- Se não há o componente curricular
Sociologia, tão pouco haverá um
conteúdo demarcado para a disciplina
ou mesmo para os seus estudos e
práticas.
Fonte: elaborado pela autora (2024)

Ante o exposto, fica delineado nesse espaço um breve histórico do


processo de institucionalização da disciplina de Sociologia e seu ensino no
Brasil. A tessitura do lugar ocupado (ou não) por esta disciplina nas escolas
brasileiras já nos levou a refletir e inferir que tamanha instabilidade resulta em
muitas questões que se colocam ao ensino sociológico, como a formação dos
seus professores, seu currículo, a própria construção teórico-metodológica da
disciplina, além de sua legitimidade. Tais problemáticas, embora estejam longe
34

de um esgotamento, são objeto de dissecação em muitas discussões e


representam uma preocupação genuína dos estudos que se detém a pensar o
lugar da Sociologia no Ensino Médio brasileiro. Em linhas gerais, a Sociologia no
Brasil, conforme observa-se a partir do quadro colocado, gravita entre a condição
de disciplina – obrigatória ou não além de ser também um conhecimento que
“espera-se” que o estudante detenha ao fim de uma etapa de ensino ou ainda
“conteúdos e práticas” que devem ser aprendidos, mas, não necessariamente
pressupostos por uma disciplina a que se denomine/defina Sociologia.
Na construção dessa linha do tempo nada linear, mesmo com as
ressalvas colocadas, coadunamos com Cigales e Oliveira (2019) no que tange
aos avanços galgados no campo do ensino sociológico, principalmente a partir
do ano de 2008. Entretanto, faz-se necessário demarcar que este trabalho se
insere num contexto de contração dessa realidade de crescente proficuidade e
ocupação de espaços, físicos ou não. O campo da Sociologia escolar apresenta-
se ainda bastante relevante no que se refere as discussões, teses e dissertações
onde protagonizam o ensino de Sociologia e seus derivados, como objetos de
estudo5. O mesmo, contudo, não podemos dizer do lugar que essa, até então,
disciplina escolar ocupa na legislação vigente para sua etapa de ensino, ou ainda
da produção e uso de livros didáticos de Sociologia, além de outras questões.
Acerca da produção dos livros didáticos de Sociologia, por exemplo, ao
tomarmos o que trazem Cigales e Oliveira (2019) a partir do ano de 2012, temos
que:

há o indicativo de um crescente ganho de qualidade na produção destes


livros, o que tem sido acompanhado de uma avaliação positiva por parte
dos professores que atuam na educação básica, ao menos em termos
comparativos com o contexto no qual a sociologia estava presente no
currículo escolar, porém não havia livro didático disponível para os alunos
(2008-2012), como podemos observar a partir dos resultados de
pesquisas divulgados no GT de ensino de sociologia da SBS (OLIVEIRA,
2016). (Cigales e Oliveira, p. 51-52, 2019).

Ao fazermos uma comparação com o cenário atual, podemos inferir que


há algum retrocesso no âmbito dos livros didáticos para (mas, não somente) a

5 Alguns exemplares de trabalhos que fizeram levantamentos significativos da história do ensino


de Sociologia no Brasil: BODART, C.N; CIGALES, M. P. (2015); BODART, C.N; CIGALES, M. P.
(2017); HANDFAS, A. (2017).
35

disciplina de Sociologia. Conforme enunciamos na tabela 1, desde a MP


746/2016, que mais tarde tornar-se-ia a Lei 13.415/2017, estabelecendo uma
reforma no ensino médio brasileiro, a legislação educacional sofrera
significativas alterações que se estenderam também ao Programa Nacional do
Livro Didático (PNLD), conforme elucida Sousa (2020), quando nos diz que

o processo de aprovação da Reforma do Ensino Médio, Lei 13.415/2017,


e da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) proporcionaram o
contexto necessário para aprovação do Decreto 9.099/2017(...) que
mudou pontos importantes do PNLD. (Sousa, p. 49, 2020)

A autora menciona, em seu trabalho, alguns aspectos relevantes


alterados no PNLD, dos quais nos convém destacar os aspectos dois e três, que
são respectivamente:

a inserção, no Artigo 1º do Decreto 9.099, da possibilidade de aquisição,


por meio do PNLD, de materiais didáticos de “instituições comunitárias,
confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos” (BRASIL, 2017, p.1)
(...) este item traz ao Estado a premissa para adquirir sistemas
apostilados de ensino produzidos por grandes grupos privados. Fato que
pressupõe a mercantilização da educação através de facilidades para
expansão dos negócios sem que haja garantia da qualidade dos materiais
didáticos. Além da possibilidade de comprar materiais apostilados, com
conteúdos mais condensados e pautados nas exigências dos grandes
vestibulares brasileiros, uma vez que é pressuposto do ensino público
conteúdos que desenvolvam a cidadania. O terceiro aspecto se refere à
ampliação do ciclo avaliativo de três para quatro anos, podendo ser
estendido para seis anos. (...) o aumento do prazo de vigência dos livros
didáticos causa a desatualização dos conteúdos e pode levar a
defasagens no processo de aprendizagem. (Sousa, p.49, 2020).

Em consonância com Sousa (2020) e reiterando o que já fora mencionado


mais acima, a série de reformas socioeconômicas e, portanto, também
educacionais implementadas a partir do ano de 2016, no Brasil, trouxeram um
cenário hostil para a educação, de um modo geral e afetaram de modo
considerável o lugar que a Sociologia vinha ocupando mais “tranquilamente”,
desde o ano de 2008. As alterações no PNLD, supracitadas, ferem, no que tange
a Sociologia especificamente, um cenário de consolidação de produções
didáticas que mesmo sendo resultado de uma inserção tardia no programa,
36

conferiam uma mobilização de estudiosos, professores, uma amplificação de


vozes e debates para elaboração, avaliação e aprovação dos livros que foram
submetidos desde 2012 até 2018. Além disso, não há dúvidas da relevância da
inserção da Sociologia no PNLD para demarcação de uma legitimidade e de um
fortalecimento à institucionalização desta disciplina escolar. A possível
mercantilização dessas escolhas, bem como a ampliação da vigência dos livros
aprovados são produto de uma política pública educacional que desconsidera a
importância e proficuidade desses debates para o fortalecimento da própria
produção intelectual, bem como da educação como valor universal, direito de
todos os indivíduos, aos quais o acesso e a permanência devem ser garantidos.
Nesse sentido, inferimos que no que se refere ao PNLD, em 2017 o
programa começa a sofrer modificações que vão desde sua nomenclatura6 até
a sua própria dinâmica de organização, avaliação, seleção e que, nesse sentido,
no que se refere especialmente a disciplina de Sociologia remete a um cenário
de muita incerteza. É preciso frisar ainda que um dos objetivos adicionados ao
PNLD por meio do decreto 9.099/2017 é o de que este programa contribua para
a implementação da Base Nacional Comum Curricular7 (BNCC).

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento de caráter


normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de
aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao
longo das etapas e modalidades da Educação Básica, de modo a que
tenham assegurados seus direitos de aprendizagem e
desenvolvimento, em conformidade com o que preceitua o Plano
Nacional de Educação (PNE). (BRASIL, p. 7, 2018)

Sendo assim, entende-se que o PNLD, enquanto instrumento de


fortalecimento a implementação da BNCC, teve algumas de suas modificações
pensadas a atender os objetivos dessa, então, nova normativa a respeito do que
e de como deve se aprender. Tomando os fundamentos pedagógicos da própria

6 O PNLD, a partir de 2017 incluiu via Decreto 9.099, o Programa Nacional da Biblioteca da
Escola (PNBE). Ou seja, o Programa se tornou diretamente responsável pelos livros de leitura,
dicionários, programas educativos, e materiais didáticos impressos e softwares de ensino.
(Sousa, p.49, 2020)
7
Fato já perceptível com as escolhas do “projeto de vida” e “projetos integradores” no PNLD
2021.
37

BNCC, temos uma formação que se propõe focada no desenvolvimento de


competências e compromissada com o que denomina de educação integral.
Postergando o espaço às reflexões mais densas sobre esses
fundamentos pedagógicos para o capítulo 2 deste trabalho, por hora nos
ocuparemos a mencionar que ao nos localizarmos numa sociedade onde
imperam os preceitos neoliberais, as relações sociais desenvolvem-se dentro de
uma lógica mercadológica e que, nesse contexto, as escolas podem ser espaços
de extensão dessa racionalidade, seja pela mercantilização desse espaço sob
diversos aspectos, seja pela formação de sujeitos adequados a lógica de
mercado e, por conseguinte, educados para compor como mera mão-de-obra
esta engrenagem.
Tal contextualização faz-se necessária, pois é crucial localizar
novamente, que tanto as alterações no PNLD, quanto a homologação da própria
BNCC são feitas num contexto voraz de reformas estatais no Brasil8 e que estão
inseridas numa agenda política que se alinha de maneira inequívoca aos
preceitos econômicos supracitados. Por isso, a agenda de formação para
competências e de uma integralidade formativa propostos na BNCC precisam
ser objetos de reflexão, sendo devidamente localizados no contexto social,
econômico e político em que foram produzidos. Nos alongando um pouco mais
nesse contexto, entendemos como necessário o esclarecimento de que a BNCC
e sua homologação estão intrinsecamente relacionadas a medida provisória
(MP) 746/2016. Essas medidas são instrumentos legais que tem, portanto, força
de lei e são, em casos de urgência, aprovadas pelo chefe do executivo seguindo
um trâmite mais aligeirado que o usual, tendo vigência de até 120 dias, podendo
ser convertida em lei, desde que aprovada pelo congresso nacional.
Para o então ministro da educação no ano de 2016, Mendonça Filho, a
reforma no ensino médio era algo urgente, pois seria capaz de alterar fatores
como:

os jovens de baixa renda não enxergarem sentido no que é ensinado pela


escola; um elevado número de jovens encontrar-se fora da escola e os
demais não possuírem bom desempenho educacional; a falta de
escolaridade refletir-se nos resultados socioeconômicos do país;

8
a Reforma do Ensino Médio (lei 13.415/2017), a Terceirização (lei 13.429/2017), a Reforma
Trabalhista (lei 13.467/2017), A PEC do congelamento dos gastos públicos por 20 anos (Emenda
Constitucional 95/2016) e a Reforma da Previdência (Emenda Constitucional 103/2019).
38

observar-se uma decadência na qualidade do ensino após a


democratização da oferta da educação; e existir excesso de disciplinas
curriculares obrigatórias que não são alinhadas ao mundo do
trabalho (Machala, p.21, 2017 apud BRASIL, 2016d, grifos nossos)

Mesmo apresentando problemáticas contundentes a etapa do ensino


médio, notamos um reducionismo claro aos objetivos de formação dessa etapa
de ensino no trecho em destaque, indícios do que aventamos dizerem respeito
a uma educação que se coloca a serviço da lógica mercantil. É imprescindível
mencionar ainda que a reforma proposta por MP foi amplamente criticada por
profissionais da educação e parlamentares, essencialmente pela condução de
uma mudança tão significativa sem o devido debate e participação popular.
Entretanto, a MP foi sancionada em Lei, a 13.467/20179, e estabeleceu, entre
outras coisas, a reforma do ensino médio brasileiro. Convém destacar que,
segundo Machala (p. 21, 2017)

Deputados e senadores propuseram 568 emendas à MP 746/2016.


Desse total, 148 foram acatadas, integral ou parcialmente. Os temas mais
recorrentes abordados pelas emendas relacionam-se, não
necessariamente nessa ordem, a: supressão total da medida provisória
ou de alguns artigos específicos; notório saber; educação física;
sociologia e filosofia; artes; línguas estrangeiras; formação de
professores ou profissionais da educação; formação técnica e
profissional do ensino médio; Base Nacional Comum Curricular; ensino
noturno; temas transversais; FUNDEB e recursos da educação;
Programa Escola Sem Partido e concepções conservadoras; escola em
tempo integral; e outros contextos diferentes dos elencados acima
(Machala, p. 21, 2017 apud BRASIL, 2016e).

Nota-se que ainda no formato de MP, o lugar da Sociologia na escola


média já estava sob ameaça, fato notório quando se constata o nome da
disciplina como um dos temas mais recorrentes no que se refere a proposição
de emendas. A situação fica clara quando, segundo Machala (2017):

9
Altera as Leis n º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional, e 11.494, de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, a
Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de
1943, e o Decreto-Lei nº 236, de 28 de fevereiro de 1967; revoga a Lei nº 11.161, de 5 de agosto
de 2005; e institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em
Tempo Integral. (BRASIL, 2017).
39

Provavelmente amparados, ou mesmo pressionados, pelos debates


apresentados pela sociedade, parlamentares previram uma possível
exclusão da Sociologia dos currículos e propuseram um total de 17
emendas à MP 746/2016 dedicadas a evitar que isso ocorresse. Parte
das emendas pretendia garantir a presença obrigatória dessa disciplina
nos três anos finais da educação básica; a outra parte visava apenas a
manter o ensino dos conteúdos previstos pela Sociologia no ensino
médio. (Machala, p. 24, 2017).

Transcorrido o período de maior acirramento de debates e tomando por


base, essencialmente, a emenda de nº 24, de autoria do deputado André
Figueiredo, o lugar da Sociologia no ensino médio tornou-se a obrigatoriedade
de seus estudos e práticas, juntamente com a filosofia, a educação física e a
arte, segundo Machala (2017) e conforme constata-se na legislação, com a
inserção do artigo 35-A na Lei 9.394/1996 (LDB), pela lei do novo ensino médio:

Art. 35-A. A Base Nacional Comum Curricular definirá direitos e objetivos


de aprendizagem do ensino médio, conforme diretrizes do Conselho
Nacional de Educação, nas seguintes áreas do conhecimento:
I - linguagens e suas tecnologias;
II - matemática e suas tecnologias;
III - ciências da natureza e suas tecnologias;
IV - ciências humanas e sociais aplicadas.
§ 1º A parte diversificada dos currículos de que trata o caput do art. 26,
definida em cada sistema de ensino, deverá estar harmonizada à Base
Nacional Comum Curricular e ser articulada a partir do contexto histórico,
econômico, social, ambiental e cultural.
§ 2º A Base Nacional Comum Curricular referente ao ensino médio
incluirá obrigatoriamente estudos e práticas de educação física,
arte, sociologia e filosofia. (BRASIL, 2017.)

Nesse sentido, pois, fica evidente que enquanto normativa nacional para
a educação a BNCC, embora não seja efetivamente um currículo, passa a
orientar não somente as competências e habilidades, mas, também os
conteúdos para a educação básica. Focando no ensino médio, espaço até então
ocupado pela Sociologia, enquanto disciplina, convém mencionar que o “novo”
formato, proposto pelo referido arcabouço legal, tornou ainda mais exíguo o lugar
do componente curricular sociológico na escola.
Ante aquele quadro de intermitência curricular da Sociologia, entendemos
que a disciplina não voltou à estaca zero, por assim dizer, mas é necessário
reconhecer que sofreu um significativo revés do ponto de vista dos espaços que
40

vinha galgando até o ano de 2016. A obrigatoriedade dos estudos e práticas


sociológicos, não intentam garantir a efetiva presença de um componente
curricular na escola e tampouco asseguram que o conhecimento sociológico seja
objeto das aulas, mas, aventamos ser o produto de atendimento a um apelo
popular, algo “para inglês ver”10, no período de acato as emendas propostas a
então MP 746/2016. Alguns elementos nos permitem levantar tal inferência.
Num primeiro ponto, destacamos que o modelo de oferta no novo ensino
médio insere-se dentro de uma organização feita a partir das grandes áreas do
conhecimento, convertidas em itinerários formativos11. As propostas curriculares
devem, portanto, orientar a sua oferta baseando-a na formação geral básica mais
os itinerários formativos – facultados a “livre escolha” do estudante. Partindo da
Lei 13.415/2017, a língua portuguesa e a matemática, junto a disciplina de inglês
são os únicos componentes curriculares que figuram com status de
obrigatoriedade. Sob a justificativa de um número de disciplinas excessivo, a
reforma do ensino médio, junto a BNCC, propõe uma organização curricular que
transmite uma falsa ideia de protagonismo aos estudantes e as próprias
unidades federativas, no que concerne a escolha e organização desses
conteúdos e estrutura curricular. Na verdade, há uma descaracterização do
ensino médio, como etapa final da educação básica, no anseio de uma formação
que deixa claro seus objetivos de “apartheid social”, como denomina Frigotto
(2016), quando elucida que

O argumento de que há excesso de disciplinas esconde o que querem


tirar do currículo –filosofia, sociologia e diminuir a carga de história,
geografia etc. E o medíocre e fetichista argumento que hoje o aluno é
digital e não aguenta uma escola conteudista mascara o que realmente
o aluno detesta, uma escola degradada em seus espaços, sem
laboratórios, sem auditórios de arte e cultura, sem espaços de esporte e
lazer e com professores esfacelados em seus tempos trabalhando em
duas ou três escolas em três turnos para comporem um salário que não
lhes permite ter satisfeitas as suas necessidades básicas. (Frigotto, p.
331, 2016).

10 Expressão popularmente conhecida que significa fingir que fez algo ou fazê-lo mal feito.
11 A este respeito a nossa discussão será consideravelmente ampliada no capítulo 2 desse
trabalho. Contudo, a saber, os itinerários formativos dividem-se, segundo a própria BNCC (2018),
nas seguintes áreas: I – linguagens e suas tecnologias; II – matemática e suas tecnologias; III –
ciências da natureza e suas tecnologias; IV – ciências humanas e sociais aplicadas; V – formação
técnica e profissional. (BRASIL, 2018).
41

Essa descaracterização já nos é apresentada nos objetivos que outrora


trouxemos, onde a BNCC centra as suas orientações na formação de
competências e numa dita formação integral. Podemos começar a questioná-las
já diante do cenário supracitado por Frigotto (2016), apresentando a realidade
de boa parte das escolas públicas brasileiras que, de certo, precisam ter
revisados/reformulados seus currículos, mas, que não podem, absolutamente,
centrar suas problemáticas no “excesso de disciplinas”, quando apresentam
tantas questões que vão desde a sua própria estrutura física defasada, até as
condições de atuação dos seus profissionais.

Há algo muito mais grave em curso, que impede que a escola média seja
também um lugar social de construção de identidades, de sociabilidade
e reconhecimento de jovens estudantes, a nosso ver, muito mais
relacionada ao vazio gerado entre sua orientação ao mercado de trabalho
e seu papel transitório para o ingresso nos cursos superiores, que ao
formato de seu currículo. (ABECS, p.16, 2015)

Nesse cenário, uma reforma que toma uma parte pelo todo nos parece
compromissada com algo que não é a educação enquanto direito universal. A
formação imputada pela BNCC, pela reforma do ensino médio e endossada
ainda pelas DCNEM, do ano de 2018, consideram relevante, por exemplo, a
disciplina de matemática, enquanto a Sociologia cabe a obrigatoriedade de
“estudos e práticas”, mas que não confere a necessidade de um componente
curricular para tal. A naturalização e cristalização que se dá sobre a “tradição”
que algumas disciplinas ocupam no currículo escolar brasileiro, impedem em
muitas circunstâncias que se questione, por exemplo, porque numa reforma
onde há uma queixa de uma escola conteudista, ou de um currículo inchado, as
disciplinas das Ciências Humanas são diretamente questionadas sob sua
relevância, carga horária, utilidade etc., em detrimento de cátedras como as das
Ciências da Natureza, por exemplo.

Aparentemente, nada mais óbvio que estudar Matemática, História,


Biologia ou Língua Portuguesa. Todavia, desde pelo menos a década de
1970, os estudos do campo da nova sociologia da educação e da história
42

das disciplinas escolares não apenas “desnaturalizaram” a presença das


disciplinas no currículo, como também a analisaram para além de
questões epistemológicas e didáticas. Esses estudos reconheceram o
papel político de diferentes agentes – como Estado, parlamentares,
sindicatos, associações científicas, professores, estudantes etc. – que se
posicionavam diante da validade dos saberes estabelecidos no currículo
e delimitavam a sua legitimidade em cada contexto educacional.
(NEUHOLD apud BITTENCOURT, C., p. 10, 2003. FORQUIN, p. 31,
1992)

Nessa perspectiva, entendemos que a história das disciplinas escolares


no Brasil e todo o processo para sua legitimação, envolvem inúmeros agentes,
conforme citado e refletem uma disputa que ultrapassa o campo das discussões
privadas ou especializadas a este respeito. Tomemos como exemplo o próprio
histórico da intermitência curricular sociológica, apresentado no início deste
capítulo, que envolve uma contenda que reflete as relações existentes entre
sociedade, educação e poder e que ocupa, novamente, um lugar de instabilidade
e incerteza.
Ao fazermos, por exemplo, uma pesquisa no próprio documento da
BNCC, que apresenta 600 páginas, sobre a recorrência dos nomes das
disciplinas de Ciências Humanas notamos que as palavras “Filosofia” e
“Sociologia” se repetem, respectivamente, apenas 3 e 5 vezes. Embora pese o
fato de que o documento trata de toda a educação básica – daí sua extensão –
observamos que em sua estruturação e nas 120 páginas que discorrem a
respeito do ensino médio, as Ciências Humanas são a última área do
conhecimento a ser explanada e as palavras referentes as disciplinas
supracitadas aparecem muito timidamente. Ao analisarmos essa organização
estrutural e linguística, pensando essa menção inócua a disciplina de Sociologia
dentro do documento que rege toda a organização de ofertas do ensino médio
no país, endossada, inclusive, nas DCNEM (2018) buscamos uma compreensão
a partir da sociolinguística, traduzida por Bardin (2014). A autora apresenta a
linguagem como algo que se coloca para além do entendimento das unidades
linguísticas, mas, principalmente como um movimentar-se da língua para as
palavras, estabelecendo assim correlações entre as estruturas linguísticas e as
estruturas sociais. A linguagem, nesse sentido, é também um ato social que
43

revela, portanto, todas as implicações dos sujeitos que a produzem, bem como,
todos os conflitos, relações de poder, identidades etc.
Numa espécie de “leitura flutuante” (Bardin, 2014), notamos, pois, que o
movimento de apagamento da Sociologia, enquanto disciplina, acontece não
somente nos espaços físicos e acadêmicos, mas, sobretudo também no campo
discursivo, que inclui, nesse caso, a legislação mais atual a respeito do ensino
médio brasileiro. Como nos mostra Neuhold (2014), aqui no Brasil os debates
acerca da reorganização curricular por áreas de conhecimento é uma discussão
que ocorre desde meados da primeira década do século XXI. Contudo, de modo
muito conveniente, as contestações que deveriam repensar a organização
curricular de modo global, ou seja, a envolver todos os componentes curriculares
é notadamente direcionada a disciplinas consideradas menos promissoras, do
ponto de vista empregatício, e até com questões que envolvem a sua
sobrevivência na escola, o que é o caso da Sociologia. (NEUHOLD, 2014). Esse
movimento de silenciamento que perpassa os documentos oficiais reforça ainda
um não reconhecimento social desse saber como algo relevante, o que agiganta
a orquestra de hostilidade à Sociologia como disciplina do ensino médio.
Ante o exposto, fica evidente que os embates para que a Sociologia
ocupasse seu lugar ao sol tomaram um tempo significativo na história das
disciplinas brasileiras e passa, novamente, por um cenário de questionamentos,
tensões e incertezas e, nesse contexto

exemplificam bem as relações e embates entre o campo científico


e escolar (nos quais se forma a disciplina), de um lado e a esfera
política de outro, presentes no processo de constituição de uma
disciplina escolar (NEUHOLD apud BITTENCOURT, C. p. 9-10,
2003).

Mergulhando num mundo mitológico, mas, não necessariamente


deslocado do mundo inteligível, a história da Sociologia enquanto disciplina
escolar é algo semelhante ao que vive Sísifo em seu castigo de rolar uma grande
pedra, com suas próprias mãos, até o cume de uma montanha e de lá, então,
vê-la descer invalidando completamente o seu esforço. A sensação de
invalidação de esforços que tantos anos de articulações entre professores do
ensino médio e superior, sindicatos, grupos de pesquisas, eventos, produções
científicas mobilizaram em prol da reversão de uma situação de marginalização
44

e sublocação da Sociologia na escola média, é real. Parece-nos que como Sísifo,


há um esforço diário tremendo de recolocar e legitimar a Sociologia no ensino
médio, mas, em embate direto com agendas conservadoras comprometidas com
uma educação subordinada a valores da ordem do privado, negacionista e,
sobretudo, pensada dentro de uma sociedade capitalista dependente e que,
portanto, preocupa-se acima de tudo com a manutenção do status quo social por
meio de uma escola que além de desinteressante – essencialmente para o
estudante da rede pública – é separatista. Privar o estudante da Arte, da
Sociologia, da Filosofia, da própria Educação física é reforçar o dualismo escolar,
negando a esses estudantes uma dimensão fundamental da formação humana,
do desenvolvimento da sensibilidade estética, histórica e imaginativa, tornando
o seu fazer algo absolutamente rudimentar. (PEREIRA, 2020)
Se compreendermos, contudo, esta realidade pertencente ao ensino da
Sociologia, não posta como algo dogmático ou absoluto, mas, como elemento
de construção social e, portanto, segundo Berger e Luckman (2004) algo que
interfere na sedimentação do que é real, concluímos que a compreensão desta
realidade é, também e principalmente, seu entendimento sob a perspectiva dos
indivíduos que fazem parte dela. Nesse sentido, as fragilidades da Sociologia
enquanto disciplina do ensino médio perpassam pelo que constroem todos os
agentes envolvidos nesse processo: estudantes, professores, gestores etc.
Desse modo, uma mudança nesse cenário sisífico da Sociologia, envolve
intrinsecamente uma alteração não somente do ponto de vista legal, mas, que
se amplie a todo o conjunto societário, no qual estão colocados os agentes desse
processo. Juntar-se com outros para fazer de outro modo, esperançar e, nesse
sentido, um cenário mais favorável ao ensino de Sociologia precisa ser
(re)pensado considerando também todos esses “outros” e como eles concebem,
pensam, entendem essa disciplina. Não daremos conta, nessa pesquisa, de
arrolar todas as variáveis e sujeitos envolvidos nesse cenário, mas, nos
dispomos a discutir o ensino sociológico a partir da perspectiva de estudantes,
sujeitos em relação direta com a Sociologia na escola.

2.1 O ensino de Sociologia: de problema epistemológico a objeto de


Representação Social
45

A construção de uma realidade que se dá de modo social, nos permite


inferir que a disciplina de Sociologia na escola média passa, igualmente, por um
processo de formação social que, não obstante, envolve o próprio processo de
construção social do conhecimento sociológico. Anterior ao fato de ser o ensino
de Sociologia uma problemática das Ciências Sociais, estas ciências
enfrentaram e enfrentam um processo de institucionalização/legitimação do seu
conhecimento no próprio meio acadêmico e na sociedade, como um todo.
Retomando o que colocamos no tópico anterior, inspirados em Neuhold (2014),
a história de uma disciplina escolar é também os embates erguidos entre os
campos científico e escolar e, desse modo, historicizar a disciplina de Sociologia
na educação básica torna necessária uma menção as tensões arroladas no
próprio campo científico das Ciências Sociais.
Conforme outrora dissemos, no cenário sisífico em que a Sociologia
escolar se encontra histórica e atualmente, o movimento de silenciamento desse
saber e sua atribuição a um lugar de subalternidade estão diretamente
relacionados ao arbitrário social em que se vive e seus interesses sendo,
portanto, a compreensão e localização do ensino de Sociologia na escola média
um entendimento da constituição da Sociologia enquanto ciência e do seu papel
dentro da sociedade.
Em termos de recorrência e no anseio de uma (des)legitimação da própria
Sociologia, uma das questões que mais se coloca a seu respeito é: para que
serve? Segundo Carvalho Filho (2014)

a crença na utilidade da sociologia advém não somente de razões


intelectuais, mas em função da própria transformação da sociedade
moderna e a necessidade de ela construir uma representação social do
mundo social. (Carvalho Filho, p. 61, 2014).

Ainda inspirados em Carvalho Filho (2014), temos que desde os


primórdios da Sociologia, o próprio Durkheim, em seus primeiros anos de
exercício docente experimentou a dificuldade de lecionar uma cátedra em vias
de constituição, enfrentando a problemática da falta de legitimidade tanto no
campo científico, quanto acadêmico. Nesse sentido, temos que:

no centro dessa questão sobre a utilidade da sociologia, encontram-se as


seguintes preocupações: que tipo de inserção profissional pode-se
46

esperar com tal diploma universitário de Ciências Sociais? Por quê? Com
qual interesse e com quais objetivos devemos fazer a análise do mundo
social? Ou qual papel a sociologia exerce no curso da história e no bojo
das transformações sociais? (CARVALHO FILHO, p. 62 apud LAHIRE,
2002).

Lahire (2002) postula que tais questionamentos devem-se,


essencialmente, ao fato de a Sociologia ocupar, acadêmica e cientificamente,
um lugar de menor validação, frente a outras disciplinas – como a física e a
matemática, por exemplo. Soma-se a isso o fato de que por tomar como objeto
científico o lugar de onde se fala, o cientista social é quase sempre pressionado
a justificar seus próprios resultados ou mesmo sempre questioná-los buscando,
talvez, à ciência social reflexiva, que propõe, por exemplo, Bourdieu,
Chamboredon e Passeron (2005), no intento de que seus estudiosos sejam
capazes de analisar e compreender os próprios vieses, acrescentaríamos sua
matriz de percepções, de apreciações, de ações, ou seja, seu habitus12 , para
tão somente apreender o mundo social e, assim, produzir os conhecimentos
científicos. Nota-se que mesmo aqueles que estão na vanguarda dos
fundamentos sociológicos provaram o amargo de questionamentos e
insinuações sobre o papel ou mesmo a função da Sociologia, enquanto ciência.
No Brasil, segundo Neuhold (2019), os primeiros cursos de graduação em
Ciências Sociais surgem somente no ano de 1933/1934 em São Paulo, em 1935
no Rio de Janeiro e na Universidade do Distrito Federal e no Paraná em 1938.
O que remonta a uma história recente do inacabado processo de
profissionalização da Sociologia. Nesse país, segundo Carvalho Filho (2014), a
abertura dos cursos de graduação e, fundamentalmente, a ampliação da
pesquisa que se dá, nesse sentido, foram os principais propulsores para uma
consolidação das Ciências Sociais, enquanto conhecimento científico. Uma
consolidação que, segundo o mesmo autor, até pelas próprias condições de
fundação do conhecimento sociológico, se deu muito anteriormente na França
de Durkheim.
A saber, este arquétipo que une os embates colocados no campo
científico – e, mais tarde no campo escolar – junto aos questionamentos a
respeito de uma utilidade/funcionalidade da ciência sociológica, acrescida a sua

12BOURDIEU, P.; CHAMBOREDON, J. C.; PASSERON, J. C. Ofício de Sociólogo: metodologia


da pesquisa na Sociologia. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.
47

particularidade no que se refere a produção do conhecimento científico, cujo


objeto do conhecimento é também agente inserido no contexto de onde fala e,
por fim, um processo tardio de profissionalização das Ciências Sociais, nos
permitem inferir que o ensino de sociologia, enquanto questão epistemológica
das Ciências Sociais, reflete tensões e cisões que se colocam muito
anteriormente a própria institucionalização da disciplina escolar de Sociologia. O
histórico fluído, de esforços repetidos em ocupar um lugar nos currículos
escolares brasileiros, envolve além das questões políticas, ideológicas e até
mesmo pedagógicas, também uma questão que perpassa pelo reconhecimento
social e de seu status científico, já que a história da disciplina é precedida pela
constituição das Ciências Sociais enquanto ciência, propriamente. É tudo o que
nos coloca Carvalho Filho (2014), e ainda complementa:

A preocupação com o estabelecimento da disciplina (teorias, conceitos e


temas) surge da necessidade de sua transmissão, ou seja, enquanto
estratégia de circulação dessa forma específica de conhecimento, com o
objetivo de torná-la legítima e reconhecida no espaço de possíveis do
campo científico, segundo expressão de Pierre Bourdieu. No entanto são
processos históricos situados em lutas políticas que, na maioria das
vezes, têm a ver com os rumos que tomam as sociedades e os governos.
(Carvalho Filho, p. 78, 2014)

E, portanto, desse modo, a constituição da disciplina escolar não se aparta


da história da própria produção do conhecimento científico, sendo também uma
estratégia de reconhecimento e legitimidade daquele conhecimento. É, nesse
sentido, necessário mencionar que diante do processo de validação das
Ciências Sociais enquanto ciência e, por conseguinte, da Sociologia enquanto
disciplina – especialmente introduzida no nível médio, secundário ou de 2º grau13
- o ensino sociológico vai ganhando certa notoriedade dentro do campo de
pesquisa dos cientistas sociais14. Sobre o campo do qual se fala temos que ele
representa:

13 Em consonância com Neuhold (2014), entendemos que os três termos se referem, guardados
os devidos períodos históricos no Brasil, a formação de jovens que se inserem na faixa etária
entre 15 e 18 anos.
14 A este respeito, o trabalho de Neuhold (2014) elucida detalhadamente o processo de formação

do que a autora denomina de uma Sociologia do ensino de Sociologia, traçando todo o processo
de institucionalização da disciplina escolar a partir dos debates que os intelectuais da área vão
48

um microcosmo social dotado de certa autonomia, com leis e regras


específicas, ao mesmo tempo em que influenciado e relacionado a um
espaço social mais amplo. É um lugar de luta entre os agentes que o
integram e que buscam manter ou alcançar determinadas posições.
Essas posições são obtidas pela disputa de capitais específicos,
valorizado de acordo com as características de cada campo (PEREIRA,
2015, p. 341).

Nesse sentido, se tomarmos o ensino de Sociologia como objeto


constituinte de um campo de pesquisa, é preciso frisar que este, apesar de sua
possível autonomia, sofre internamente com suas disputas e entraves, referindo
também as contendas que se dão nas diversas esferas sociais. A este respeito
questiona-se ainda o lugar do ensino de Sociologia como campo científico,
sempre considerando tal dúvida a partir do seu processo de institucionalização
enquanto saber escolar. Ferreira e Oliveira (2015), chamam atenção para o fato
de que, provavelmente, o ensino de Sociologia não seja efetivamente um campo
científico autônomo, pois, segundo os autores

O que podemos vislumbrar nesse contexto é a formulação do Ensino


como um subcampo pouco autônomo dentro do campo (também pouco
autônomo) da Sociologia no Brasil. As tomadas de posição em campo,
por meio do incremento das pesquisas e da divulgação destas, refletem
um movimento que, ao mesmo tempo em que busca autonomizar o
campo, segue as regras impostas, regras estas que, se levadas a cabo,
tendem a ignorar o Ensino como um tema próprio da investigação
sociológica. (Ferreira e Oliveira, p.37, 2015).

Num contexto mais otimista que o atual, os autores supracitados aventam


a possibilidade de mudanças para autonomização desse campo, pois,
consideram que:

As mudanças externas já em curso – que para além da introdução da


disciplina no currículo escolar, poderíamos indicar o ingresso dessa
ciência no Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) e o advento do
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) –
podem ser pensadas como elementos capazes de provocar alterações
mais profundas nas regras do jogo do campo da Sociologia. (Ferreira e
Oliveira, p. 38, 2015).

estabelecendo, além de fazer em seu primeiro capítulo uma relação direta entre essa “nova”
problemática epistemológica das Ciências Sociais e as sociedades científicas da área.
49

Conforme notamos, o cenário de ascensão que se dava no campo da


Sociologia no contexto de produção dos autores é bastante diverso daquele que
encontramos hoje e que, portanto, nos faz conjecturar que muito provavelmente
o campo (ou subcampo) científico do ensino de Sociologia atravesse, junto a sua
disciplina, novamente um período de retração em muitos aspectos.
Dentre um extenso conjunto de questões que se apresentam quando da
constituição da Sociologia escolar, seja como um campo ou subcampo do
conhecimento científico, para fins de objetivos desse trabalho, cabe-nos
mencionar, a formação de seus professores como uma discussão, que
pressupõe o modus operandi da disciplina no ensino médio e, em absoluto
acordo com Carvalho Filho (2014), entendemos que as posições que estes
agentes tomam – seja no campo das teorias pedagógicas, seja a partir de suas
condições de trabalho, seja a partir de sua própria formação inicial – incidem
significativamente nos objetivos que a referida disciplina alcança na escola
média. Esse entendimento foi, inclusive, o mote para o nosso trabalho
dissertativo a respeito das representações docentes acerca do ensino e
aprendizagem sociológicos, no município de Natal, em 2016.
Consideramos, pois, nesse cenário em que o ensino da Sociologia toma
a posição de problemática inserida no campo dos debates intelectuais,
importante retomar sucintamente que o posicionamento desses agentes, que
constroem essa realidade, mas são também formados nela, mantêm uma
relação significativa com os seus processos formativos iniciais.
Assim como apresentamos em Oliveira (2016) e conforme é endossado
em muitos trabalhos da área, fica evidente que essa dificuldade em se
estabelecer como saber socialmente reconhecido – seja na academia, seja na
escola – rendeu a Sociologia o desprazer de ter, entre outras coisas, o processo
de formação de seus professores fortemente afetado. Dentre tantas questões
que se colocam nesse processo formativo e que por uma questão de objetividade
não caberão aqui, a dicotomia que se dá na relação entre a formação de
bacharéis e licenciandos é um aspecto diretamente relacionado a esta
instabilidade histórica da disciplina que logra ao professor de Sociologia um lugar
de desprestígio já que não há para esse indivíduo um espaço de trabalho
consolidado, gerando, segundo Moraes (2014):
50

Uma hierarquia entre a formação de pesquisadores – compreendida


como obra apenas do bacharelado – e a formação do professor –
compreendida como apenas um acréscimo ou treinamento pedagógico –
quer porque se crê que na licenciatura não há pesquisa e que o que
ocorre aí é, no melhor dos casos, um verniz pedagógico ou –
negativamente valorizando – o aprendizado de técnicas de ensino.
(MORAES, 2014, p. 36)

Mencionamos que, ainda que inscrita num cenário de obrigatoriedade do


ensino de Sociologia na educação básica, a pesquisa feita no ano de 2016
mostrou um recorte onde ainda havia professores oriundos de outras formações
assumindo aulas da referida disciplina, mesmo já estando próximos ao primeiro
decênio de obrigatoriedade da Sociologia no ensino médio. Ainda nesse sentido,
os professores objeto do estudo afirmavam, sobre sua formação inicial –
licenciatura em Ciências Sociais, pela UFRN 15 - que:

apesar de considerarem a relevância da fundamentação teórica ofertada


pelo curso, os professores entrevistados, em sua maioria, apontaram a
formação inicial como insuficiente, justamente no que se refere ao fazer
cotidiano (...) A falta de aproximação com a realidade da educação
básica, (...) revelada na fala dos professores, que são categóricos ao
afirmar que sobre “como ensinar” aprenderam mais significativamente no
fazer cotidiano em sala de aula, com a prática, do que com a formação
inicial. (Oliveira, p. 154, 2016).

Os achados, a época, endossaram a condição dificultosa que o histórico


de incerteza a respeito da Sociologia provocou na formação dos seus
profissionais – especialmente aos habilitados a dar aulas. Ao considerarmos a
realidade como algo que se constrói socialmente e, no cenário exposto,
entendendo os professores como agentes de bastante relevância na constituição
da realidade que se tem a respeito do ensino de Sociologia, apontar, ainda que
sucintamente, alguns engodos que envolvem suas formações facilita a
compreensão a respeito de como estes sujeitos constroem e, sobretudo, como
representam essa realidade de ensino.
Também diante do cenário exposto, entendemos que pós
obrigatoriedade, a Sociologia (e o seu ensino) ocupa mais fortemente o debate

15Aqui, enfatizamos que nos referimos aos 12 professores de Sociologia com formação em
Ciências Sociais.
51

acadêmico/intelectual, mas, muito significativamente se faz presente no senso


comum, ganhando certa notoriedade no cotidiano. Nesse momento de
expressivo fôlego da Sociologia, valemo-nos da TRS16, para buscar um
entendimento a respeito das imagens e tomadas de posições que os professores
da disciplina protagonizavam e, nesse sentido, contribuir ao debate que se
colocava sobre esse objeto de preocupação epistemológica: o ensino da
disciplina.

As representações sociais, enquanto conhecimento socialmente


elaborado e partilhado, segundo Jodelet (2001), são igualmente
designadas como um saber pertencente ao senso comum, ingênuo e que,
portanto, difere de outras formas de conhecimento, como o científico por
exemplo. Todavia, a TRS examina, justamente, quais as modificações
que ocorrem com aquele conhecimento científico quando ele passa ao
domínio de homens e mulheres no seu fazer cotidiano. (Oliveira, p.137,
2016)

Enquanto problemática do campo acadêmico, tornamos a dizer, o ensino


de Sociologia vinha ocupando seu espaço como objeto científico no cenário
apresentado, todavia, tomando a TRS como pressuposto de compreensão e de
explicação desse mesmo objeto, conhecê-lo e sabê-lo nos espaços eruditos não
é suficiente. Fica claro que a representação social é, mormente, algo que se
constrói, se elabora e se partilha socialmente e, de modo bastante interessante,
também pode a TRS nos auxiliar a compreender a mudança que se dá quando
um objeto do conhecimento científico passa a ser objeto do cotidiano. Nesse
xadrez torna-se fundamental ilustrar que o ensino de Sociologia é objeto do
conhecimento científico pelos seus estudiosos e intelectuais, mas, pensando do
ponto de vista de suas formações iniciais, o é também para os seus professores.
Desse modo, a realidade social que se cria sobre o ensino de Sociologia,
relaciona-se não somente a este objeto enquanto saber científico, mas, também
se encontra intimamente relacionada a incorporação de elementos que os
professores compartilham e que se originam no processo que esses docentes
tomam de tornar a realidade inteligível, de acomodar e dar sentido a esse objeto
pensado dentro dos espaços institucionalizados, mas, não somente neles.
Figurando, então, como uma questão epistemológica do campo das Ciências

16O terceiro capítulo deste trabalho explanará considerável e mais claramente o que é e as
contribuições da TRS para o desenvolvimento desse estudo.
52

Sociais, teria, o ensino de Sociologia, relevância suficiente a tornar-se objeto de


representação social? Que imagem teria essa representação e o que significaria
para a Sociologia que acontece na escola? Esses e outros questionamentos
colocam-se como fundamentais ao entendimento do que representa a Sociologia
para uma parte do elenco que a encena dentro da escola. Essa compreensão,
inclusive, será objeto de confronto com as discussões a respeito do que significa
a Sociologia para o estudante do ensino médio. Por hora, cabe-nos dizer que
partimos de um entendimento que se constrói, entre outros aspectos, por um
processo de formação que interfere diretamente na concepção do que é e do
papel que a Sociologia deve(ria) ocupar na escola e no que os professores
esperam dela. Se as expectativas docentes são atendidas ou não, são questões
que permearão os próximos capítulos.

2.2 A formação crítica e reflexiva: um pressuposto da Sociologia?

As Representações Sociais cumprem o papel de nos auxiliar a ordenar,


classificar e sedimentar o mundo a nossa volta. Assim, quando os professores
transformam aquilo que antes era desconhecido numa imagem concreta,
absolutamente naturalizada e dotada de sentido, estão materializando uma ideia,
tornando-a sólida e, nesse sentido, visível. O ensino de Sociologia que,
acompanhando o ritmo das próprias Ciências Sociais, encontra-se num cenário
de instabilidade enquanto objeto do conhecimento científico, de pesquisa e de
debates no campo intelectual, apresentou-se para nós, em 2016, como objeto
de Representação Social, de 21 professores investigados no município de Natal.
Ao serem questionados sobre o que significava “Ensinar Sociologia”17 os
professores produziram a seguinte imagem:

17 No estudo em questão fez-se uso da Técnica de Associação Livre de Palavras, que consiste
em pedir aos sujeitos pesquisados que, partindo de um termo indutor (“Ensinar Sociologia é...”)
evoquem palavras (as três primeiras) que mantenham uma relação com aquele termo.
Provavelmente, os sujeitos indicarão aquelas palavras que lhes são mais latentes, que talvez
circulem em seus discursos e práticas mais corriqueiramente.
53

Figura 1. Estrutura representacional do “Ensinar Sociologia é...”

Fonte: Oliveira (2016)

a imagem conforma o núcleo central daquilo que representa ensinar


Sociologia para o grupo de professores pesquisados. Esse núcleo
composto pela evocação CRITICIDADE revela aquilo que é mais
fortemente compartilhado, que se faz mais presente no discurso dos
professores, pois é considerado por eles como elemento indissociável ao
ato de ensinar Sociologia. (...) Há uma preocupação com a formação para
a crítica social, um movimento no sentido de desalienação dos discentes,
de fazê-los conhecer, de fato, as relações sociais que os permeiam.
(Oliveira, p. 194, 2016).

Para que, dentro de um grupo, um objeto seja elemento de Representação


Social é necessário que haja para este grupo algum sentido/significado, é preciso
que o grupo faça esse objeto transitar saindo de um espaço de
desconhecimento, questionamentos e dúvidas, para um universo de
significação, de familiaridade e proximidade. Moscovici (2013) fala sobre tornar
o não familiar, familiar. Constatar, portanto, que havia uma imagem
representacional para os professores investigados a época, permitiu-nos inferir
que o ensino de Sociologia ascendia como um objeto de preocupação científica
e, notadamente, também como um objeto do conhecimento que ia se colocando
nas relações cotidianas desses docentes, como um guia para ação (JODELET
2001), que no referido caso significava uma interferência direta na dinâmica
desses professores, que subsidiavam sua prática a partir de um compromisso
com o desenvolvimento da consciência crítica.
54

A rápida menção que fizemos ao processo de formação inicial docente,


traz para o ensino de Sociologia centralizado na criticidade elementos
importantes. Atribuir a disciplina de Sociologia – que, à época, contava com uma
aula semanal de 50 minutos – o papel de conscientização social e mesmo um
caráter interventivo relevante trouxe para nós duas questões importantes, a
saber: a) a necessidade de uma formação inicial que desse conta, minimamente,
de problematizar e colocar os futuros professores de Sociologia em contato com
a realidade profissional a ser vivenciada o mais breve possível; b) o esforço que
os professores entrevistados, à época, faziam para colocar a disciplina de
Sociologia como extremamente necessária, buscando um espaço de legitimação
da mesma.
Por uma questão objetiva, retomemos nesse momento a segunda
conclusão, que nos parece histórica e pungente: a necessidade de legitimar a
Sociologia enquanto disciplina escolar. Mesmo no primeiro decênio de
Sociologia nas escolas a insegurança ainda era uma realidade, geralmente
apresentada sob o aspecto legal:

no ano de 2013 com o objetivo de desobrigar o ensino da Sociologia e


Filosofia (Nº 6.003/13), o outro do ano de 2015 que defende a
neutralidade ideológica, política e religiosa do professor em sala de aula
– sob o nome de “Escola sem partido”, com o pressuposto de que
qualquer atitude contrária a esse sentido é caracterizada como
doutrinação (Nº 867/15). (Oliveira, p. 215, 2016)

Pelas diversas razões aqui já elencadas, a visão do conhecimento


Sociológico como algo bastante irrelevante ou ainda como algo “perigoso”,
essencialmente no cenário conservador que se desenhava em 2016 e se
consolida mais fortemente no Brasil de 2018, o imperativo de reafirmar que a
Sociologia é uma disciplina importante revela-se como uma necessidade
constante e que, inferimos, ser uma das bases para a imagem de uma disciplina
centrada na construção de uma crítica capaz de gerir mudanças sociais.
Responsabilizar/atribuir para legitimar é o que faziam os professores
investigados, quando creditavam a essa disciplina de espaço tão exíguo no
ensino médio o papel quase unívoco de uma formação crítica. O cenário que
pioraria bastante, remontando ao mito do castigo de Sísifo, nos faz conjecturar
sobre que lugares o ensino de Sociologia poderia ocupar hoje, caso fosse
55

novamente objeto de representação desses sujeitos docentes. O


desenvolvimento de competências e a formação integral que propõe a BNCC,
contraditoriamente(?) significam um espaço ainda mais minguado a Sociologia
no ensino médio. Aventamos, inclusive, que esse é um movimento que pode
gerar um outro revés, já anunciado no tópico anterior: a contração nas pesquisas,
na produção de livros e de conhecimento científico sobre o tema, retração nos
eventos, publicações etc., ou seja, o campo científico pode sublocar ainda mais
o espaço que o ensino de Sociologia toma dentro das Ciências Sociais.
Ao que pese saber, ou mesmo retomar, essa pedagogia das
competências adotada pela BNCC

apresenta-se como outra face da “pedagogia do aprender a aprender”,


cujo objetivo é dotar os indivíduos de comportamentos flexíveis que lhes
permitam ajustar-se às condições de uma sociedade em que as próprias
necessidades de sobrevivência não estão garantidas. Sua satisfação
deixou de ser um compromisso coletivo, ficando sob a responsabilidade
dos próprios sujeitos que, segundo a raiz epistemológica dessa palavra,
se encontram subjugados à “mão invisível do mercado”. (Savianni, p. 437,
2008).

Em consonância com Frigotto (2021), observamos que desde a Reforma


Capanema até a reforma do ensino médio, o modelo dual de escola e educação
é tomado como espinha dorsal daquilo que o autor chama de uma
“modernização conservadora”, onde o desenvolvimento da ciência, da tecnologia
e a escola, de fato, universal não interessam ao Brasil, que segue num
movimento de separação e aprofundamento das desigualdades, também por
meio do seu sistema de ensino que relega aos filhos das classes populares uma
formação voltada ao labor, em detrimento da poiesis. O capitalismo dependente,
a alta desigualdade social, bem como as concentrações de terra e renda formam
um arbitrário e uma lógica social que impregna também as escolas.
As competências propostas pela BNCC, ao ensino de Ciências Humanas
e Sociais aplicadas – mais um elemento que corrobora ao movimento
supracitado – pautadas num discurso de necessidade de reformulação do
currículo (e a escola?) produz orientações que revelam absoluto generalismo,
descaracterização e, sobretudo, diluição de conteúdos que não se aplica
56

somente a Sociologia, mas reverbera no campo das Ciências Humanas como


um todo.

Tabela 02. Competências das Ciências Humanas e Sociais/BNCC


COMPETÊNCIAS – CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS APLICADAS
1 Analisar processos políticos, econômicos, sociais, ambientais e culturais
nos âmbitos local, regional, nacional e mundial em diferentes tempos, a
partir da pluralidade de procedimentos epistemológicos, científicos e
tecnológicos, de modo a compreender e posicionar-se criticamente em
relação a eles, considerando diferentes pontos de vista e tomando
decisões baseadas em argumentos e fontes de natureza científica
2 Analisar a formação de territórios e fronteiras em diferentes tempos e
espaços, mediante a compreensão das relações de poder que
determinam as territorialidades e o papel geopolítico dos Estados-
nações.
3 Analisar e avaliar criticamente as relações de diferentes grupos, povos e
sociedades com a natureza (produção, distribuição e consumo) e seus
impactos econômicos e socioambientais, com vistas à proposição de
alternativas que respeitem e promovam a consciência, a ética
socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional,
nacional e global
4 Analisar as relações de produção, capital e trabalho em diferentes
territórios, contextos e culturas, discutindo o papel dessas relações na
construção, consolidação e transformação das sociedades.
5 Identificar e combater as diversas formas de injustiça, preconceito e
violência, adotando princípios éticos, democráticos, inclusivos e
solidários, e respeitando os Direitos Humanos.
6 Participar do debate público de forma crítica, respeitando diferentes
posições e fazendo escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao
seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e
responsabilidade.
Fonte: (BRASIL, 2017)

Levanta-se um discurso de autonomia estudantil – nas “escolhas” de


projetos de vida e itinerários formativos – de flexibilização dos currículos,
desenvolvimento da tecnologia que, em essência, revelam uma série de
problemáticas dada a própria construção do documento e o cenário educacional
e social brasileiros. Como se dará, de fato, a oferta dessa educação dentro do
sistema público de ensino? Em que condições e quais itinerários formativos
essas escolas irão oferecer? Como será construído esse currículo? E, em
referência especialmente a competência de número 6, como e em que
circunstâncias os estudantes farão suas escolhas?
57

Frente a esse complexo cenário de mudanças que já entra em curso


parece-nos bastante egocentrismo tomar os holofotes dessa discussão e virá-
los para a disciplina de Sociologia. Contudo, ante o exposto até aqui,
consideramos absolutamente importante reafirmar que o “novo” cenário de
incerteza em que são colocadas as Ciências Humanas e a Sociologia escolar é
resultado deste emaranhado histórico, político e social. É fundamental que fique
claro que junto a Darcy Ribeiro, entendemos esse fracasso escolar como um
projeto, a atender interesses de seu tempo que ficam bastante evidentes quando
se protagonizam as competências, a individualização do fracasso, a
meritocracia, a responsabilização pelas escolhas, a flexibilização dos currículos
ou, em suma, o esvaziamento do sentido da educação básica. No intento de
buscar uma escola e uma educação que não se coloquem como meros espaços
de reprodução do desigual e do injusto e, até mesmo, como legitimadoras dos
privilégios sociais que se vivem nesse país, o rompimento com a lógica dual é
urgente. No ensino médio, especificamente, a separação entre labor e poiesis,
trabalho rudimentar e trabalho intelectual precisa ser superada, caso desejemos
que a educação forme, efetivamente, de maneira integral. Aliás, a integralidade
anunciada e pouco desenvolvida no documento da BNCC, reforça a necessidade
de que entendamos e coloquemos em prática uma formação que se assente a
serviço do estudante não somente em sua relação com o mundo do trabalho,
mas, sobretudo com a sociedade a sua volta, sua família e seus pares.
Sendo assim, em consonância com a imagem de um ensino sociológico
centrado no desenvolvimento da criticidade, estamos em acordo com os
professores que produziram uma significação baseada na necessidade
educativa de emancipação e de desnaturalização da realidade social posta. Não
concordamos, todavia, que esse seja um pressuposto exclusivo a referida
disciplina, mas, compreendemos que no contexto de produção dessa imagem,
que revelava para além da ausência de alguns debates no processo formativo,
os professores possuíam o desejo ou viam a necessidade de fazer coro a
legitimação da Sociologia, enquanto disciplina escolar de relativa importância
para a formação cidadã e emancipatória. Diante do agravamento do cenário
conservador no Brasil e, retomando o indesejado status de “conhecimentos e
práticas” – absolutamente indefinidos não só do ponto de vista documental, como
também do ponto de vista operacional – em detrimento do lugar de disciplina,
58

haveria nesse momento, para a Sociologia, um espaço de significação dentro do


corpo estudantil? Haveria, ainda, a necessidade dessa disciplina no ensino
médio, do ponto de vista dos estudantes? Que relações essas significações –
presentes ou não – mantem com o lugar incerto que ocupa a referida disciplina
nos currículos hodiernos? E, principalmente, qual seu efetivo papel na formação
dessas juventudes? E ainda, quais as políticas desenvolvidas para a realidade
das diferentes juventudes do Brasil?
Se não há na agenda educacional atual, ou mesmo na pedagogia das
competências um lugar significativo para a Sociologia, causou-nos inquietação
e preocupação se esta disciplina, ou mesmo agora seus estudos e práticas
ocupam no imaginário estudantil algum lugar. Entendendo-a, junto as Ciências
Humanas e Sociais, como elemento de relevante contribuição a uma formação
que se proponha mesmo omnilateral, aventamos conhecer a representação
social que estudantes tem sobre a Sociologia. Novamente remontando a
Carvalho e Filho (2014), a compreensão do lugar dessa disciplina envolve o
conhecimento das tomadas de posições que os indivíduos que se relacionam
com ela adotam. Nesse sentido, vimos que aos professores a Sociologia escolar
interessa e sua defesa é unanimidade nos dados que trouxemos até aqui,
contudo, os estudantes são agentes tão protagonistas quanto os professores e,
assim sendo, precisam ser ouvidos. O status que a, até então, disciplina de
Sociologia ocupa – ou não – para esses jovens, comunicará talvez de modo mais
assertivo sobre o papel que a disciplina tem em suas formações, se
considerarmos que eles não têm qualquer compromisso com a defesa ou
legitimação da Sociologia na escola. Antes de chegarmos a esses achados, nos
propomos logo em seguida, a afunilar a discussão a respeito do currículo e sua
construção numa perspectiva sociológica, traçando o cenário curricular em que
esses jovens são formados, especificamente do ponto de vista da Sociologia,
conhecendo os pressupostos e elementos que provavelmente relacionam-se
com as construções imagéticas e representativas que eles possam vir a fazer.
59

3 O QUE E COMO SE SABE? REFORMAS EDUCACIONAIS, CURRÍCULOS,


FORMAÇÃO DE PROFESSORES E A CONSTRUÇÃO DE UM OBJETO DE
REPRESENTAÇÃO

A crise na educação do Brasil não é


uma crise; é um projeto (Darcy Ribeiro)

Pensar educação, currículo e qualquer outro objeto de natureza social no


Brasil é buscar entendê-lo dentro de uma realidade que se constituiu e se
mantem severamente desnivelada, nos mais diversos aspectos. Nesse sentido,
Romanelli (2000) revela a problemática que se desenha quando a escola, por
meio da reprodução daquilo que é culturalmente estabelecido, torna-se uma
instituição ritualista, de cumprimentos de formalidades, esvaziando-se de
sentido, podendo vir a ser um ambiente de engodo. A mitigação do que a autora
denomina de “sujeito criativo” pela evidência dada ao que seria o “sujeito
ilustrado”, revela a história da educação de um país que, nos parece, não ter
superado ainda o modelo escolar que serviu a sua era colonial.

A forma como foi feita a colonização das terras brasileiras e, mais a


evolução da distribuição do solo, da estratificação social, do controle do
poder político, aliadas ao uso de modelos importados de cultura letrada,
condicionaram a evolução da educação escolar brasileira. (Romanelli,
p.23, 2000).

A formação do Brasil, por meio de sua colonização, moldou uma


organização social que se estabeleceu a partir de um modo de produção
escravagista e um modelo social patriarcal que estruturam os pilares de
constituição dessa sociedade e, por conseguinte, de todas as relações que se
estabelecem nesse contexto. Dentro dessa estrutura social a construção da
cidadania elucida outro fator absolutamente relevante quando somos levados a
pensar como se estabelecem os direitos dos indivíduos, sendo a educação um
deles:
60

É importante lembrar que, apesar de a Constituição do Império, de 1824,


determinar que a educação era um direito de todos os cidadãos, a escola
estava vetada para pessoas negras escravizadas. A cidadania se
estendia a portugueses e aos nascidos em solo brasileiro, inclusive a
negros libertos. Mas esses direitos estavam condicionados a posses e
rendimentos, justamente para dificultar aos libertos o acesso à educação.
(Ribeiro, p. 5, 2019)

Falar, portanto, da educação escolar brasileira é, necessariamente falar


sobre um processo educativo que se institui de modo desigual, assim como a
sociedade a que representa e que, por essa e outras razões, figura como um
instrumento que, em muitas circunstâncias, reforça o abismo entre ricos e
pobres, brancos e negros, homens e mulheres no qual vivemos, revelando-se
em muitos aspectos insuficiente e conservadora. (ROMANELLI, 2000). A esse
respeito, de modo cirúrgico, a mesma autora aponta que:

ainda que os objetivos verbalizados do sistema de ensino visem a atender


aos interesses da sociedade como um todo, é sempre inevitável que as
diretrizes realmente assumidas pela educação escolar favoreçam mais
as camadas sociais detentoras de maior representação política nessa
estrutura. afinal, quem legisla sempre o faz segundo uma escala de
valores próprios da camada a que pertence, ou seja, segundo uma forma
de encarar o contexto e a educação, forma que dificilmente consegue
ultrapassar os limites dos valores inerentes à posição social ocupada pelo
legislador na estrutura social. (Romanelli, p. 29, 2000)

Quando ilustra o papel reprodutor que pode assumir o sistema de ensino


dentro da realidade desigual do Brasil, num cenário que perpetua-se
privilegiando uma parcela da população em detrimento de outrem, a autora nos
remonta a dinâmica de reprodução social defendida por Bourdieu e Passeron
(2008), em seu trabalho, cuja uma das teses desenvolvidas é a de que através
desse processo de reprodução cultural – assumido também pela escola,
conforme Romanelli (2000) menciona – a reprodução mais generalizada da
sociedade é garantida. Nesse sentido, quando pensamos num sistema de ensino
que exclui, sistematicamente, negros, pobres, pessoas com deficiência ou
qualquer aspecto que as coloque fora da normatividade, entendemos que há aí
um reflexo dessa organização social erguida sob muitas injustiças e violências
diversas.
A educação escolar enquanto ambiente de reprodução da cultura que tem
maior valor social – leia-se aqui, a cultura dominante – torna-se para os jovens
61

que compreendem e dominam este código cultural um ambiente favorável e de


acolhimento, enquanto os jovens oriundos das classes populares amargam o
fato de não se reconhecerem ou terem impressos em suas trajetórias escolares
as suas vivências. Romanelli (2000) reforça o aspecto histórico excludente da
educação no Brasil, quando nos diz que:

(...) a função da escola foi a de ajudar a manter privilégios de classes,


apresentando-se ela mesma como uma forma de privilégio, quando se
utilizou de mecanismos de seleção escolar e de um conteúdo cultural que
não foi capaz de propiciar as diversas camadas sociais sequer uma
preparação eficaz para o trabalho. (Romanelli, p.24, 2000)

Consideramos justo mencionar ainda que quando tratamos de cultura,


sendo ela a lente através da qual vemos o mundo (BENEDICT, 2002), é
imprescindível levar em conta como se deu a construção dessa lente. Toda a
aniquilação dos povos originários, bem como a transferência dos padrões
culturais europeus para as terras americanas, inclusive o Brasil (ROMANELLI,
2000), resultaram num formato de organização social e, inclusive, escolar que
dizia pouco sobre o Novo Mundo, seus comportamentos e aspectos e que
transbordava a imitação de modelos de cultura intelectual que apresentavam-se,
para os trópicos, destituídos de sentido. A negação dos saberes, da própria
cultura e dos conhecimentos produzidos pelas, então colônias, em detrimento do
fortalecimento do conhecimento hegemônico europeu – aspectos oriundos do
colonialismo – foram denominados, mais tarde, de colonialidade. Com pesar,
constatamos que na educação essa colonialidade é, ainda, pungente e encontra-
se diretamente relacionada a um sistema educacional que insiste em guardar
traços do colonialismo.
Muito embora tenha havido considerável avanço na oferta e acesso à
educação escolar, principalmente nos anos posteriores a 193018, acompanhando
o ritmo desenvolvimentista pelo qual o país passava, alguns autores discorrem

18
Ver SOUZA, Karla Danielle da Silva. Educação e cidadania: caminhos de desigualdades e
neoliberalismo no Brasil. 2020. 203 f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Centro de Ciências
Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2020.
62

sobre a defasagem que se dava entre a quantidade de vagas e a qualidade que


elas ofereciam.
Toda essa digressão sobre a realidade social brasileira fez-se necessária
diante da obviedade que é tratar um objeto social, como a educação, suas
reformas, processos formativos e seus currículos intrinsecamente relacionados
ao contexto social no qual estão inseridos. Somos um país com um sistema de
ensino ainda excludente, que privilegia em muitos aspectos os herdeiros das
classes dominantes econômica e culturalmente, estamos ainda em franco
subdesenvolvimento, não só econômico, como social e estamos lidando com
uma educação que ainda briga para se distanciar da colonialidade do saber, que
reproduz majoritariamente os interesses e o capital cultural das classes mais
altas desse país. É um cenário absolutamente adverso e de considerável atraso.
Ao discorrer a respeito do atraso educacional enfrentado, sobretudo,
pelos países em desenvolvimento, Romanelli (2000) faz uma constatação
relevante a respeito de como a percepção social desse desequilíbrio é
importante e, assim sendo, reverbera nas tomadas de posições a esse respeito.
Ao mencionar o modo como o conjunto social pode perceber esse atraso a
autora cita três possibilidades:

a) aceitação passiva do atraso;


b) oposição crítica ao atraso, fundada sobre uma visão crítica da
realidade, com visível oposição aos modelos importados e à própria
dependência;
c) oposição não-crítica ao atraso, ocasionada por um nível de percepção
no qual mal se vislumbra a distância existente entre os modelos
importados e a realidade. Neste caso, o comportamento social
consequente é aquele que procura uma forma de adequar a realidade
local aos modelos. (Romanelli, p. 25, 2000)

A tarefa de encaixar ideias ou enquadrar percepções é algo que não nos


apetece, contudo, se fizéssemos tal exercício no que se refere ao atraso e as
dificuldades apresentadas – ainda que muito sumariamente – até aqui e se,
nesse sentido, buscássemos compreender de que maneira esse quadro é
percebido pelo conjunto social, poderíamos supor que essa percepção ocupa o
lugar de oposição não-crítica ao atraso. Consoante ao que mencionamos no
capítulo 1 deste trabalho, a necessidade de reestruturação dos currículos
escolares brasileiros é uma questão fulcral. Entretanto, quando exploramos o
63

modo como essas reformas vem acontecendo, desde a Reforma Capanema fica
evidente que não há uma visão crítica sobre a realidade social desse país e,
nesse sentido, sobre a realidade escolar. Os modelos curriculares parecem-nos
importados imputando a realidade uma necessidade de adequar-se a essas
estruturas, quando o movimento deveria ser o contrário.
Oliveira (2021) ilustra essa problemática sob a perspectiva de Anísio
Teixeira (1956), quando nos diz que:

O autor falava da crise da educação no Brasil dos anos 50 com base na


relação entre sociedade e educação e ainda tratou sobre o impacto de
uma sociedade estratificada no que se refere ao acesso às
oportunidades. Inicialmente, não se pensava em elaborar um modelo de
escola que atendesse às demandas locais. Por isso, o autor destaca que
se trata da transplantação da sociedade europeia, com determinados
valores e uma cultura distinta da nossa para uma nação ―culturalmente
mista – influência do pensamento de Gilberto Freyre. Desse modo, não
haveria muitas chances dessa escola obter sucesso. Daí, notamos os
resquícios dessa problemática inicial que vem se prolongando até os dias
atuais. (OLIVEIRA, 2021, p. 41)

Ao voltarmos nossos olhos para a realidade estudantil da escola média e,


essencialmente, à última reforma proposta – por meio da BNCC e do novo
Ensino Médio – essa sensação de deslocamento do real ganha mais significado.
É reforçada, ainda, a estratificação social que está na raiz desse “novo” modelo
educacional que, em muitos aspectos e conduções se assemelha a divisão entre
ensino secundário e ensino primário, normal e técnico profissional presente no
cenário nacional, pelos anos 50 e 60, sendo aquele modelo de ensino destinado
às classes privilegiadas, como forma de preparação ao ingresso no ensino
superior, enquanto aos filhos da classe trabalhadora restava a instrução e
preparação meramente técnica, a ênfase ao labor e o apagamento da poiesis.
Ao retomarmos a fala do então ministro da educação no ano de 2016,
Mendonça Filho, mencionada no capítulo 1, a urgência e o debate aligeirado
para implantação do novo Ensino Médio davam-se, pois, segundo ele, os jovens
de baixa renda não atribuíam sentido à escola, não possuíam um bom
desempenho educacional e havia um excesso de disciplinas curriculares que
não se alinhavam à formação para o mundo do trabalho. Cabe-nos aqui
questionar: conhecemos, de fato esses jovens – sobretudo os das escolas
públicas? Pensamos e construímos esses espaços escolares de modo que lhes
64

caibam? A métrica que os coloca como bons ou maus alunos é adequada a suas
realidades? Há, efetivamente, um interesse coletivo e público de que esses
jovens sejam sujeitos de suas histórias e protagonistas dentro dessa sociedade?

Esses reducionismos culturalistas e moralizantes não dão conta das


formas de viver, sobreviver, trabalhar em que tantos(as) educandos(as)
estão atolados. Eles e elas não trazem às salas de aula identidades pós-
modernas, mas, formas de viver elementaríssimas a que são condenados
seus coletivos sociais, raciais desde o passado. Não chegam sujeitos
deslocados de si mesmos, sem referentes culturais, mas às voltas com
entender-se numa desordem social – nada pós-moderna – que os
desloca, segrega a formas indignas, inumanas e injustas de viver.
(Arroyo, p. 224, 2021)

Conseguimos enfatizar, retomando Romanelli (2000), a oposição não


crítica que se faz a situação de atraso a qual está vinculada a educação.
Transpor ou mesmo produzir modelos de ensino, currículos que não dialoguem
com a realidade estudantil brasileira é um movimento estéril. É preciso
compreender que, embora se desenvolva num processo multifatorial, o
insucesso dos estudantes representa, também, o fracasso do sistema de ensino.
Sendo assim, o que fazemos com esses referentes culturais, com essas formas
de vida e de sobrevivência? Seria o subterfúgio do enxugamento e/ou da reforma
curricular a solução para a inclusão efetiva desses jovens? Arroyo (2021) nos
presenteia com um termo absolutamente plausível a esse contexto, e nos fala
de modo cirúrgico sobre os estudantes in-incluíveis. Lembra-nos que muitas
foram as reformas e tentativas de “incluir” esses adolescentes, oriundos das
classes populares, contudo, ele nos brinda com a constatação de que o
movimento de buscar incluir esses jovens a partir de estruturas excludentes é
inócuo.

As tentativas inclusivas que não alteram as estruturas, os tempos, os


rituais, nem reveem os conteúdos, os processos, as avaliações terminam
descobrindo como é ingênuo tentar incluir em estruturas excludentes,
classificatórias. Descobrimos que diante desses adolescentes-jovens
vistos como uma ameaça à qualidade e à ordem são reforçados os
mecanismos de avaliação e de controle de alunos e mestres. (Arroyo, p.
226, 2021)
65

Dito de outra maneira, há toda uma estrutura social que corrobora,


historicamente, para a dificuldade de inclusão e permanência da juventude
popular no ambiente escolar formal. Os projetos inclusivos pensados em velhas
estruturas excludentes e segregadoras nada fazem além de excluir e segregar.
Reforça-se, inclusive, o modelo de escola dual, a escola que divide o que
aprendem os estudantes das escolas públicas e o que aprendem os herdeiros
das classes mais abastadas. Há que se mencionar ainda aquilo que Frigotto
(2017) denomina de base material da escola que, certamente, insere-se na
engrenagem que exerce significativa influência sobre o processo educativo. O
autor nos diz que:

É a infraestrutura, com biblioteca, laboratórios, campos, auditórios para o


jovem se sentir dentro de um espaço educativo, é tempo do professor e
condições de trabalho do professor, é continuidade do professor na
mesma instituição, é também o reconhecimento da sociedade do ponto
de vista do que se remunera este professor. (FRIGOTTO, 2017, P. 876)

O perigo quando o então ministro da educação supracitado evoca uma


escola sem sentido, um rendimento aquém do que é esperado e um currículo
que não faz sentido ao jovem de baixa renda, está no entendimento desse
discurso por dois vieses: um que dá a esse jovem uma responsabilidade que não
lhe é unívoca, pelo seu insucesso e o outro que parece reduzir toda a história da
educação brasileira a uma questão curricular.
Conforme já mencionado outrora, as reformas educacionais no Brasil
envolvem, de certo, entre muitas outras coisas as disputas pelas quais passam
os grupos que detém o poder. As reformas propostas pelo Novo Ensino Médio e
pela BNCC representam, claramente essas disputas e uma ameaça significativa
as Ciências Humanas, dentre elas a própria Sociologia. Dentro de um avanço do
pensamento reacionário e conservador desde o impeachment da então
presidenta Dilma Rousseff e, sobretudo, num contexto de franca ascensão do
modelo econômico e social neoliberal, o discurso do estudante que não aguenta
mais a escola, que considera excessivo o conteúdo que se aprende etc.,
atravessa todos os pormenores – que não são menores – do processo educativo
e reduzem o problema do Ensino Médio ao arrefecimento de carga horária e/ou
a extinção de algumas disciplinas.
66

Se constatamos aqui que há toda uma construção social que corrobora


com um Ensino Médio pouco eficaz, por que só a reforma curricular resolveria o
problema? E ainda, por que especialmente algumas áreas do conhecimento
acabam sendo mais significativamente afetadas do que outras? Ou ainda, seria
o modelo disciplinar o mais adequado a nossa realidade? Seguiremos buscando
esse entendimento adiante.

3.1 As reformas educacionais, os currículos, a formação de professores e


o ensino médio: notas para um entendimento a respeito da Sociologia
escolar.

No centro de um território contestado, assim diz Silva (2021) sobre o lugar


que as teorias curriculares e, por conseguinte, os currículos ocupam. Não há,
nesse trabalho, nenhuma pretensão de denso estudo sobre o currículo e suas
teorias. Contudo, ante a tessitura de um questionamento ao atual modelo
curricular que rege toda a educação básica no Brasil, entendemos como salutar
trazer aqui algumas considerações.
Em seu texto, explanativo das teorias curriculares imputadas até os dias
atuais, Silva (2021) coloca de maneira muito objetiva as teorias consideradas
tradicionais, as teorias críticas e as pós-críticas a despeito do elemento currículo.
E, assim como entendemos na realidade hodierna, especialmente no que se
refere a BNCC e a reforma do Ensino Médio, do mesmo modo que não há teoria
do currículo neutra, meramente científica e desinteressada, também seu produto
não se enquadra nessas possibilidades. O que dizemos é que na concepção
desses currículos há intenso conflito de interesses, relações de poder e
conexões entre identidade e saber e, assim sendo, a origem desse meio crucial
ao processo educativo reveste-se de diversas tensões que são responsáveis
quer seja pelo “esquecimento”, quer seja pela evidência dada a determinados
componentes curriculares. Segundo Chervel (1990):

A instituição escolar é, em cada época, tributária de um complexo de


objetivos que se entrelaçam e se combinam numa delicada arquitetura
da qual alguns tentaram fazer um modelo. (...) o conjunto dessas
finalidades consigna à escola sua função educativa. (...) As disciplinas
escolares estão no centro desse dispositivo. Sua função consiste em
67

cada caso em colocar um conteúdo de instrução a serviço de uma


finalidade educativa. (CHERVEL, 1990, p. 188)

Para Chervel (1990) é por meio das disciplinas escolares que a escola vai
propor um conteúdo que esteja a serviço de uma finalidade educativa, esperada
em determinado contexto social e histórico. Para este estudioso, o sumiço de
algumas disciplinas, por exemplo, explica-se pela sua não capacidade de
atender a finalidade educativa de sua época.
Nesse sentido, numa aproximação mais expressiva com os modelos
curriculares críticos e pós-críticos, apresentados por Silva (2021), em seus
estudos sobre as teorias curriculares, a centralidade do nosso questionamento
reside, essencialmente, no “por quê?” (...) alguns saberes escolares são levados
a patamares inalcançáveis de legitimidade, enquanto outros tem quase
simultânea à sua história enquanto disciplina, um histórico de incertezas e
intermitências. Assim sendo, coadunando com (SILVA, 2021, p.16)
questionamos: “Por que esse conhecimento e não outro? Quais interesses
fazem com que esse conhecimento e não outro esteja no currículo? Por que
privilegiar um determinado tipo de identidade e subjetividade e não outro?
Ainda nesse sentido, julgamos importante compreender o que estamos
falando ao referirmo-nos a estas disciplinas. Para André Chervel (1990), o
conceito de disciplina do modo como entendemos hoje é recente e sua definição
deve ficar a cargo do pesquisador que enquanto a mensura também faz a sua
história. Fazendo em seu texto um considerável percurso léxico e cognitivo a
respeito do tema, a conclusão a que chega é a de que “a disciplina é, igualmente,
para nós em qualquer campo que se a encontre um modo de disciplinar o
espírito, quer dizer de lhe dar os métodos e as regras para abordar os diferentes
domínios do pensamento, do conhecimento e da arte.”. (CHERVEL, 1990, p.
180) A disciplina escolar diz respeito ainda, segundo o mesmo autor, a uma
espécie de entidade da própria escola sendo seu estudo e sua compreensão um
meio para o entendimento da própria instituição escolar, contudo, tal
entendimento se daria por meio dos saberes que essa instituição propaga, em
determinadas épocas e contextos.
Assim, nos parece evidente que compreender a história das disciplinas
escolares é, também, um exercício de compreensão do papel da própria escola,
68

bem como de outras entidades formativas em suas definições daquilo que


consideram indispensável para a formação das gerações futuras. Nesse sentido,
alargamos um pouco a compreensão de Chervel (1990), pois, embora estejamos
em acordo com sua perspectiva de que há uma substância muito forte da escola
naquilo que ela ensina e produz, por meio de suas disciplinas, não é somente
esta instituição social que age sobre aquilo que deve ser ensinado/aprendido em
seu interior. Embora considere os fatores externos aos muros escolares, a
essência do que discute em seu texto é de uma história das disciplinas que se
processa, fundamentalmente, no interior da escola.
Não obstante as ideias apresentadas, encontramos em Ivor Goodson
(2018) uma história das disciplinas e do currículo que representam os anseios
que entendem que as disputas orquestradas na sedimentação de uma disciplina
escolar ou mesmo de um currículo envolvem, indubitavelmente, a escola e seus
agentes internos, mas, sobretudo fatores e sujeitos que extrapolam seus muros.
Entendendo o currículo como um artefato social, as investigações de Goodson
envolvem um processo de dissecação desse currículo, mas, sobretudo uma
compreensão tanto de sua construção quanto de sua execução. E, assim como
o currículo, que emerge no centro de disputas de interesse e jogos de poder,
também as disciplinas escolares que o constituem assim o são.
Se retomarmos os questionamentos, próprios das teorias críticas e pós-
críticas – “Por quê?”, “Quais interesses”, e os cruzarmos com uma definição
generalista do currículo, “como sendo um conjunto de discursos, documentos,
histórias e práticas que imprimem identidades nos indivíduos envolvidos no
processo escolar” (GOODSON, 2018, p. 18) e ainda, compreendendo que essa
visão orienta os documentos curriculares no Brasil e a maneira como o
conhecimento escolar deve ser produzido e mediado, avaliamos como fulcral a
compreensão desses porquês, dos interesses e, principalmente, das
consequências que envolvem a adoção e/ou a reforma de um modelo curricular.
Entendemos ainda que a história das disciplinas, enquanto campo
epistemológico, é a história de compreensão desses porquês e não um campo
de estudo que propõe ou determina o que deve ser ensinado e, nesse sentido,
convém esclarecer que embora tenhamos como objeto de estudo uma disciplina
historicamente contestada, o cerne de nossa investigação reside no porquê de
tal contestamento, de tal intermitência e quais os desdobramentos desse
69

histórico. Numa síntese daquilo que elucidam Chervel (1990) e Goodson (2018),
intentamos compreender o funcionamento da escola e sua relação com as
demais instituições sociais fazendo uso do artefato curricular, bem como da
história da Sociologia, enquanto disciplina escolar. Há ainda, nesse caminho, a
menção a alguns imperativos funcionais escolares que corroboram para uma
visão absolutamente estereotipada e naturalizada a respeito da referida
disciplina e do seu lugar nos currículos escolares.
Ao levarmos em conta, por exemplo, as representações sociais
constituídas a respeito da disciplina de Sociologia, pelos estudantes aqui
investigados e entendendo que essa representação social é sempre a
representação de alguma coisa (objeto) e de alguém (sujeito). (...) tendo com
seu objeto uma relação de simbolização (substituindo-o) e de interpretação
(conferindo-lhe significações). (JODELET, 2001, p. 27) compreendemos que a
construção dessas representações, especificamente no que se refere ao nosso
objeto – a disciplina de Sociologia no Ensino Médio – mantem direta relação com
a forma como são dispostos e executados os currículos que trazem (ou não) a
referida disciplina.
Sendo assim, compreender os porquês e o histórico intermitente da
Sociologia enquanto disciplina escolar significa entender melhor as
representações sociais que os estudantes constroem e, de que modo o fazem a
partir de um contexto insalubre, no que se refere ao ensino sociológico. Esse
cenário de insalubridade para a Sociologia está, sem dúvida, relacionado aos
movimentos e mudanças ocasionados pelas diversas reformas educacionais no
Brasil. Mas, mais que isso, nesse movimento de refração e reflexão.
Conforme trouxemos no primeiro capítulo desse trabalho, a história da
Sociologia enquanto saber escolar é uma história de intermitências que envolve
seu ingresso e exclusão dos currículos em diversos momentos e que, no geral,
estão marcados por diversos contextos sócio-históricos e suas reformas
educacionais. Estas reformas estão sempre relacionadas a política pública
educacional, ou seja, numa definição deveras simplista as reformas acontecem
(ou deveriam acontecer) em acordo com ações conduzidas pelo Estado, no
intento de garantir o cumprimento dos direitos outorgados constitucionalmente,
como é o caso do direito à educação. As políticas públicas são, no Brasil, uma
política de Estado, inerente a qualquer governante que passe pela direção do
70

país. Entretanto, o modo como estas políticas serão desenvolvidas fica a cargo
da política social e econômica adotada por cada governo.
Segundo Libâneo (2016), contudo, aqui no Brasil no âmbito das políticas
oficiais de governo

as políticas educacionais aplicadas à escola nas últimas décadas têm


sido influenciadas por orientações dos organismos internacionais, as
quais produzem um impacto considerável nas concepções de escola e
conhecimento escolar e na formulação de currículos. (LIBÂNEO, 2016,
p.40)

Há ainda, segundo o mesmo autor, uma forte tendência de


internacionalização das políticas educacionais, movimento que se insere no
contexto da globalização em que agências internacionais multitlaterais de
diversos tipos, formulam recomendações a respeito de políticas públicas para
países emergentes, onde são incluídas formas de regulação dessas políticas em
decorrência de acordos de cooperação, principalmente nas áreas de educação
e saúde (LIBÂNEO, 2016). Há, nesse longo e complexo processo de
internacionalização, um enfoque dado às políticas educacionais, não por acaso.
Numa relação de subserviência entre países periféricos e organizações
econômicas multilaterais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário
Internacional (FMI), todo o sistema educacional fica submisso a uma agenda
global para a educação, estruturada a partir dos objetivos e expectativas
propostos pelas grandes potências econômicas mundiais. Não há, nesse
sentido, uma preocupação com uma proposta educacional inclusiva, que atenda,
represente e respeite as subjetividades envolvidas em seu processo, que forme
científica e culturalmente os indivíduos, mas, tão somente uma educação que
atenda aos interesses mercadológicos.
Libâneo (2016) traz em seu texto uma excelente narrativa a esse respeito,
mencionando que desde 1980, nos governos de Thatcher e Reagan as bases do
pensamento político e econômico que norteavam as organizações
internacionais, foram sendo modificadas, firmando cada vez mais o
neoliberalismo e a ideia de Estado mínimo e mercado alargado. (LIBÂNEO,
2016). Com a internacionalização das políticas educacionais, tal perspectiva,
com o passar do tempo, estendeu-se, indubitavelmente, a esse campo
71

exercendo, até os dias atuais fortíssima influência na elaboração e execução de


políticas públicas de governo, que concebem a escola e suas finalidades
alinhadas a uma educação para o desenvolvimento muito mais da economia do
que da pessoa.
A submissão das políticas públicas e reformas educacionais aos ideais
firmados por estas grandes organizações financeiras, repercutem
inquestionavelmente nas finalidades educativas propostas pelos países
periféricos inseridos no hall de “financiados” dessas instituições. Em se tratando
de Brasil, o caminho percorrido após anos 90 remete claramente a uma
pedagogia das competências e a um certo controle institucional estabelecido
pelos indicadores de desempenho.
Desde os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), bem como nas
Diretrizes Nacionais, até mesmo no documento e mais atualmente na Base
Nacional Comum Curricular (BNCC) a noção de competências, bem como a
própria aplicabilidade dos indicadores de desempenho educacional, reforçam
uma educação que volta-se para obtenção de resultados primordialmente
quantitativos, que não mensuram adequadamente as falhas no sistema
educacional brasileiro e que, nesse sentido, alinham-se fortemente a uma
“concepção de escola como lugar de acolhimento e proteção social, em que um
de seus ingredientes é a implementação de um currículo instrumental ou de
resultados” (LIBÂNEO, 2016, p.40). Essa concepção de escola elucidada pelo
autor, é uma compreensão descrita em documento elaborado pelo Banco
Mundial e que revela, nesse sentido, o quanto essas instituições multilaterais
estão alinhadas à lógica neoliberal, mitigando uma escola de formação científica
e cultural e corroborando para a

transformação da educação em negócio a ser tratado pela lógica do


consumo e da comercialização, abrindo-se espaço em âmbito global para
a mercadorização da educação; e transferência de serviços como
educação e saúde para a gestão do setor privado. (LIBÂNEO, 2016, p.
44)

Diante do panorama até aqui colocado fica claro que não há teoria
curricular, currículo ou mesmo reformas e políticas educacionais despidos de
valores sociais, econômicos e políticos. No caso do Brasil, e pensando-o a partir
do lugar que ele ocupa, principalmente num cenário macrossocial e econômico,
72

a situação envolve ainda a influência de organismos externos que por


financiarem e firmarem aqui seus acordos, mantem uma forte relação de
influência sobre as políticas sociais, dentre elas, a educação. Estes organismos,
por sua vez, permanecem alinhados aos preceitos de globalização,
reestruturações sociais e produtivas, bem como a ideologia neoliberal e
entendem, nesse sentido, a escola e seus insumos (físicos ou humanos) como
elementos que devem adequar-se a esse entendimento simplista e empresarial
a que muitas instituições ou mesmo sistemas de ensino vão sendo reduzidos:
formar mão de obra para atender as demandas do “desenvolvimento”
econômico.
É exatamente diante dessa concepção e nesse ponto que refletimos: qual
o conhecimento necessário para tal intento? E ainda, estando as reformas
educacionais brasileiras, a partir da década de 90, situadas nesse cenário, de
que educação/escola estamos falando? Para que indivíduos elas estão sendo
pensadas?

3.2 Ciências humanas e suas tecnologias: interdisciplinaridade ou


invisibilização de uma área de conhecimento?

Ante a breve explanação que foi feita até aqui entendemos, em definitivo,
que os currículos são um espaço de poder e um instrumento que reflete uma
série de disputas e, portanto, carrega as marcas dessas relações. O currículo é,
sem dúvidas, uma construção social – conforme endossamos com Goodson
(2020) e com Silva (2021) – e, por assim ser:

É também através de um processo de invenção social que certos


conhecimentos acabam fazendo parte do currículo e outros não. (...)
aprendemos que a pergunta importante não é “quais os conhecimentos
são válidos?”, mas sim “quais conhecimentos são considerados válidos?”
(SILVA, 2021, p.148)

Arroyo (2021) nos provoca, por exemplo, quando questiona que mesmo
acumulando muitos saberes, os currículos pouco sabem ou refletem, em alguma
medida, os conhecimentos carregados por aqueles que os operacionalizam – os
professores, ou ainda aqueles que os aprendem – os educandos. Não há para
73

esse conhecimento acumulado o devido reconhecimento ou a legitimidade


necessária para que ocupem um lugar no território de disputa dos currículos. E,
dentre os fatores que, historicamente, levaram esses saberes acumulados ao
lugar de desprestígio, Arroyo (2021) nos fala de uma subcidadania que afeta a
escola pública, seus professores e educandos. O autor lança uma provocação
absolutamente pertinente ao contexto tratado até aqui:

Reconheçamos que o próprio progressismo cívico-pedagógico que


proclamava a educação como direito de todo cidadão partia de uma visão
do povo em uma condição de subcidadania ou de cidadania condicionada
à educação(...) somente mereciam o reconhecimento como cidadãos
plenos se saíssem da ignorância, do misticismo e tradicionalismo e da
consciência falsa, acrítica em que historicamente os supúnhamos
atolados. (ARROYO, 2021, P. 75)

O não lugar que estes conhecimentos ocupam, portanto, leva-nos ao que


nos coloca Silva (2021), partindo das teorias críticas de currículo: quais são os
conhecimentos considerados válidos? E porque uns, em detrimento de outros?
E entende-se que é o seu contexto de produção, as experiências sociais que o
produzem que dirão se há valor para este ou aquele conhecimento

Trata-se de uma disputa de conhecimento que nos remete a uma disputa


de experiências e de coletivos sociais, políticos, produtores de
experiências e de conhecimentos. Sujeitos ou não de cidadania. Disputa
que faz parte da história dos currículos, da legitimidade ou ilegitimidade,
presença ou ausência de uns ou outros conhecimentos nos currículos.
Que faz parte da história do silenciamento, segregação política e social
dos coletivos populares, dos trabalhadores e dos saberes e valores do
trabalho e da cidadania. (ARROYO, 2021, P. 76)

Nesse sentido, nota-se que diversos são os conhecimentos e as histórias


que foram sendo, ao longo dos anos, condenados ao ostracismo, no que se
refere aos currículos, quer seja pelos seus contextos e condições de produção,
quer seja pelo (des)prestígio dos coletivos sociais que os produziram. Falar da
Sociologia, enquanto disciplina escolar, é, indubitavelmente, visitar esse lugar de
disputa.
Conforme trouxemos no primeiro capítulo desse trabalho, a intermitência
torna-se quase que um sinônimo quando o assunto é a presença da Sociologia
nos currículos escolares. Contudo, a busca por esse lugar de legitimidade do
conhecimento sociológico, nos lembra que o currículo organizado por disciplina
74

acaba por se tornar um artefato a contribuir para a marginalização e o


apagamento de tantos saberes e histórias.
Ocorre-nos a possibilidade de estarmos indo na contramão de um
movimento que prevê a organização das disciplinas por áreas de conhecimento
e que, nesse sentido, dá ênfase a uma formação voltada ao desenvolvimento de
competências e habilidades, além de trazer o debate da interdisciplinaridade e
transdisciplinaridade para o cerne de uma estrutura curricular que prevê maior
integração das disciplinas e do próprio conhecimento, no anseio de uma
formação que atenda às necessidades de preparação para o trabalho, mas, que
também enfatize o desenvolvimento do sujeito.
É contundente mencionar que essa perspectiva, no Brasil, é
institucionalizada no ano de 1998, por meio das DCNEM, que sobre a
interdisciplinaridade e as áreas de conhecimento, institui:

Art. 8º Na observância da Interdisciplinaridade as escolas terão presente


que:
I - a Interdisciplinaridade, nas suas mais variadas formas, partirá do
princípio de que todo conhecimento mantém um diálogo permanente com
outros conhecimentos, que pode ser de questionamento, de negação, de
complementação, de ampliação, de iluminação de aspectos não
distinguidos;
II - o ensino deve ir além da descrição e procurar constituir nos alunos a
capacidade de analisar, explicar, prever e intervir, objetivos que são mais
facilmente alcançáveis se as disciplinas, integradas em áreas de
conhecimento, puderem contribuir, cada uma com sua especificidade,
para o estudo comum de problemas concretos, ou para o
desenvolvimento de projetos de investigação e/ou de ação;
III - as disciplinas escolares são recortes das áreas de conhecimentos
que representam, carregam sempre um grau de arbitrariedade e não
esgotam isoladamente a realidade dos fatos físicos e sociais, devendo
buscar entre si interações que permitam aos alunos a compreensão mais
ampla da realidade;
Art. 10 A base nacional comum dos currículos do ensino médio será
organizada em áreas de conhecimento, a saber:
I - Linguagens, Códigos e suas Tecnologias (...)
II - Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias (...)
III – Ciências Humanas e suas Tecnologias (...) (BRASIL, 1998, P. 3-5)

A perspectiva educativa baseada nas áreas de conhecimento e com


ênfase na interdisciplinaridade, portanto, sugerem um cenário que parece
irretocável, do ponto de vista daquilo que propõe aos indivíduos a serem
formados nesse contexto. A ideia de que as disciplinas, isoladamente, não
75

esgotam a realidade; o intuito de formar educandos analíticos e interventivos e


o princípio de que todo conhecimento mantem um diálogo permanente – seja
“positivo” ou “negativo” – com outros conhecimentos elucidam aspectos
interessantes, mas, que encaminham algumas reflexões.
Compreendendo a interdisciplinaridade como um movimento que busca
romper com uma visão epistemológica mecânica e engessada dentro da
educação, na perspectiva da interdisciplinaridade há uma busca pela maior
integração e por uma perspectiva mais dialética da educação. Contudo, tratando-
se das ciências sociais (e humanas), ilustra-se com Frigotto um caráter pouco
explorado a respeito do trabalho interdisciplinar. Segundo o autor:

A questão da interdisciplinaridade, ao contrário do que se tem enfatizado,


especialmente no campo educacional, não é sobretudo uma questão de
método de investigação e nem de técnica didática, ainda que se
manifeste enfaticamente neste plano. Vamos sustentar que a questão da
interdisciplinaridade se impõe como necessidade e como problema
fundamentalmente no plano material histórico-cultural e no plano
epistemológico. (FRIGOTTO, 2008, p. 42)

Grosso modo, quando fala a respeito da produção e divulgação do


conhecimento científico, o autor enfatiza que tais fatos não se alheiam aos
conflitos e antagonismos de classes e grupos sociais, mas, pelo contrário, essas
disputas estão impressas no fazer científico e no modo em que se tem acesso
ao mesmo. Dessa forma, antes de tudo, faz-se necessário pontuar de quais
disciplinas estamos falando, pois, a interdisciplinaridade preconizada pelas
DCNEM (1998) cria condições ainda mais propícias aos conhecimentos já
legitimados e que, portanto, já ocupam o posto de “disciplina”. Há, nesse
contexto, o uso da ideia de interdisciplinaridade como artefato a “atender” a
“inclusão” de “disciplinas” nessa perspectiva de formação por áreas de
conhecimento. No próprio texto das DCNEM ficam, as propostas pedagógicas
escolares, responsáveis por “assegurar tratamento interdisciplinar e
contextualizado para: (...) b) Conhecimentos de filosofia e sociologia necessários
ao exercício da cidadania.” (BRASIL, 1998, p. 6), por exemplo. Retomando Silva
(2021), a negação do posto de disciplina a Sociologia e Filosofia, o reducionismo
e utilitarismo presentes na finalidade da aquisição de seus conhecimentos
mostram, efetivamente, como alguns saberes podem simplesmente ser
sublocados a um não lugar. Tal fato torna-se evidente ao compararmos o
76

tratamento dado a outras disciplinas que, mesmo inseridas na perspectiva de


áreas de conhecimento, permanecem intactas, do ponto de vista de seus
conteúdos e de sua legitimidade.
Saltando cronologicamente de 1998 ao ano de 2008, onde a aprovação
de Lei nº 11.684 institui a obrigatoriedade do ensino de Sociologia e Filosofia,
nas três séries do ensino médio, na modalidade de disciplinas escolares tem-se
que:

Mesmo depois de estabelecida na LDB, a obrigatoriedade do ensino de


Sociologia não garantiu sua imediata aceitação pela comunidade escolar
e pela sociedade como um todo. Houve tentativas, por exemplo, por parte
de escolas e redes de ensino, de prescindir da organização disciplinar da
Sociologia. (NEUHOLD, 2014, P. 38)

Em consonância com o que diria Arroyo (2021) os contextos de produção


e os indivíduos (e coletivos) que produziram a Sociologia enquanto disciplina
escolar, claramente não ocuparam espaços de prestígio dentro do seu grupo
social. Esse espaço de contestação ocupado pela disciplina de Sociologia
permite colocar aqui o entendimento de que desde as áreas de conhecimento
propostas pelas DCNEM em 1998, até os itinerários formativos do Novo Ensino
Médio ou mesmo o desenvolvimento das competências e habilidades
repetidamente reforçadas na BNCC possuem muito claramente definidos em
suas estruturas e modos de operacionalização a marginalização e o apagamento
recorrente dos mesmos conhecimentos, do mesmo grupo de disciplinas, da
mesma perspectiva de formação.
Em se tratando essencialmente da Sociologia, embora concordemos que
a organização curricular por disciplinas é deveras rígida e, em muitos termos,
excludente é sintomático notar que no corrente ano ainda estejamos em busca
desse lugar, da legitimação dos conhecimentos sociológicos, de um espaço que
outros componentes curriculares – por assim já serem há muito tempo –
discutem se ainda devem ou de que modo devem ocupar. Enquanto discute-se
a organização de um modelo curricular por áreas, a Sociologia ainda reclama
pelo seu lugar enquanto disciplina escolar.
Se em 1998, com institucionalização da organização curricular por áreas
de conhecimento e o uso da interdisciplinaridade como artefato a atender a
77

“inclusão” de alguns “componentes curriculares” a situação da Sociologia escolar


apresentava-se delicada, o cenário hodierno é preocupante em contexto e
dimensões muito semelhantes. Acrescida a todo o panorama de diluição e
descaracterização das especificidades do conhecimento inerentes a cada
disciplina, a BNCC prevê ainda uma composição curricular para o Ensino Médio
que contêm também os chamados itinerários formativos. Citados no capítulo
anterior, esses itinerários são inseridos no documento da BNCC sob a
prerrogativa de oferecer um modelo curricular flexível e diversificado, que
consiste em:

O currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Comum


Curricular e por itinerários formativos, que deverão ser organizados por
meio da oferta de diferentes arranjos curriculares, conforme a relevância
para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de ensino, a saber:
I – linguagens e suas tecnologias;
II – matemática e suas tecnologias;
III – ciências da natureza e suas tecnologias;
IV – ciências humanas e sociais aplicadas;
V – formação técnica e profissional (LDB, Art. 36; ênfases adicionadas).
(BRASIL, 2017, p. 468)

A respeito dos itinerários e seus objetivos, o documento ainda


complementa:

Essa nova estrutura do Ensino Médio, além de ratificar a organização por


áreas do conhecimento – sem desconsiderar, mas também sem fazer
referência direta a todos os componentes que compunham o currículo
dessa etapa –, prevê a oferta de variados itinerários formativos, seja para
o aprofundamento acadêmico em uma ou mais áreas do conhecimento,
seja para a formação técnica e profissional. Essa estrutura adota a
flexibilidade como princípio de organização curricular, o que permite a
construção de currículos e propostas pedagógicas que atendam mais
adequadamente às especificidades locais e à multiplicidade de interesses
dos estudantes, estimulando o exercício do protagonismo juvenil e
fortalecendo o desenvolvimento de seus projetos de vida. (BRASIL, 2017,
p. 468 grifos do autor)

Conforme o próprio documento coloca, há uma ratificação ao modelo de


áreas de conhecimento e, pode-se dizer, um aprofundamento nesse aspecto já
que sob a égide de atender as especificidades locais, aos múltiplos interesses
dos estudantes e ainda de forma a estimular o protagonismo juvenil, diz-se
desses itinerários, de sua organização e execução muito pouco. Há uma
78

formação geral básica e esses itinerários, como pressupostos a organização


curricular a partir de então. Sobre essa lógica, que em muito se assemelha a
uma concepção pregressa de “parte comum versus parte diversificada”, a
compreendemos como mais um artefato de silenciamento, invisibilização e
segregação dos conhecimentos curriculares. O que seriam os conhecimentos
comuns? Ou, dito de modo contemporâneo, que requisitos é preciso que se
atenda para que um componente curricular ocupe a posição de indispensável a
formação geral básica? Arroyo (2021), nos diz que:

É pensado como comum (...) ou aquelas verdades, conhecimentos que


não trazem as marcas das diversidades regionais ou da diversidade de
contextos concretos de lugar, classe, raça, gênero, etnia. Comum a um
suposto ser humano, cidadão, genérico, universal, por cima dos sujeitos
concretos, contextualizados, diversos. O diversificado é o outro, os
outros, não universal. Consequentemente os saberes, conhecimentos,
valores, culturas dos outros, dos diversos não são componentes do
núcleo comum, não são obrigatórios. Nessa lógica, serão
secundarizados. (ARROYO, 2021, p. 78)

De modo análogo ao que descreve Arroyo (2021), na BNCC os itinerários


formativos surgem sob a perspectiva de possibilitar ao estudante do ensino
médio um aprofundamento por áreas de conhecimento ou ainda uma formação
técnica profissional. Ocorre que esta disposição esbarra em algumas questões
como, por exemplo, a capacidade de oferta desses itinerários nas diversas
regiões e contextos do Brasil, a verdadeira possibilidade de escolha dos
estudantes, pois, para que a referida autonomia seja efetivada é necessário que
a oferta se dê por completo e ainda, tomando especificamente componentes
curriculares como a Sociologia, a Filosofia e mesmo a Educação Física sua
completa ausência das aulas e dos currículos já que suas disposições como
componentes curriculares desaparecem na nova base. Essa invenção social do
currículo que, outrora já apontamos como uma relação de poder se efetiva,
portanto, nesse novo modelo curricular de base nacional e contribui, assim, para
a legitimação de alguns saberes e a negação de outros.
Ainda em seus fundamentos pedagógicos a BNCC (2017) sinaliza que

Propõe a superação da fragmentação radicalmente disciplinar do


conhecimento, o estímulo à sua aplicação na vida real, a importância do
contexto para dar sentido ao que se aprende e o protagonismo do
79

estudante em sua aprendizagem e na construção de seu projeto de vida.


(BRASIL, 2017, p. 15)

Ante o exposto fica clara a empreitada proposta de combater a


disciplinarização do conhecimento e uma tentativa de estimular sua relação com
a realidade estudantil, contudo, o caminho trilhado a esse intento se apresenta
meio contraditório posto que existem ainda as disciplinas da “área comum” que,
de modo coincidente, são as disciplinas que há muito ocupam esse estatuto
irretocável de conhecimento imprescindível. A preocupação do documento
circunda uma praticidade que se opõe aos valores críticos que buscam um
questionamento sobre como as coisas são construídas e difundidas socialmente,
estando cada vez mais evidente seu alinhamento a profusão dos valores
neoliberais. Assim sendo, como coloca Arroyo (2021) esse núcleo comum é
aquele que produz uma formação em muito genérica e, sendo assim, nos parece
contraditório que o novo documento de base proponha uma aproximação com a
realidade estudantil e mesmo seu protagonismo se, na escola, os protagonistas
são sempre os mesmos. Essa visão dicotômica da educação nos parece latente
no referido documento e tende, nesse sentido:

(...) a ignorar e secundarizar a pluralidade e diversidade de formas de ler,


pensar o real concreto e impor uma única leitura e forma de pensar de
um único coletivo humano, social, racial, de gênero ou espaço, como
conhecimento comum, único. (ARROYO, 2021, p. 78)

Sendo assim, a questão que se coloca ultrapassa a própria questão da


Sociologia enquanto disciplina escolar, mas se insere também no campo de que
formação resultará desse novo modelo curricular que nos parece um “museu de
grandes novidades” (CAZUZA, 1988). Essa perspectiva de formação estudantil:
dicotômica, genérica, meritocrática e extremamente voltada ao atendimento de
interesses desenvolvimentistas de mercado, revela-nos uma visão não somente
da organização do conhecimento, mas, encerra uma perspectiva que se tem dos
estudantes e dos educadores.
Arroyo (2021) alerta para o fato de que

Os currículos por competências e as avaliações por resultados estão


pautados pelas demandas do mercado de emprego. O próprio termo
80

trabalho é reduzido a emprego e empregabilidade. (...) O padrão mínimo


de qualidade ou as habilidades mínimas que deverão ser ensinadas e
aprendidas têm como referente o lugar que os alunos populares
empregáveis no futuro terão de dominar para se candidatar ao mercado
escasso, segmentado, seletivo de emprego. Esse atrelamento entre
currículos, competências, habilidades supostamente demandadas pelo
mercado passam a conformar o que privilegiar, ensinar, avaliar,
hierarquizar, esquecer, secundarizar nos currículos. (ARROYO, 2021, p.
103)

Há, portanto, na perspectiva que se tem a respeito desses estudantes,


sobretudo aqueles oriundos das classes populares, um reducionismo à sua
capacidade de empregabilidade o que acaba diminuindo o direito ao
conhecimento, à formação cidadã e equânime em detrimento do puro
atendimento das competências e habilidades que esse mundo do trabalho exige.
A capilaridade dessa lógica faz com que ela invada os currículos e seja
inflada por essa organização curricular baseada no desenvolvimento de
competências e habilidades que teoricamente sinalizam para uma formação
integral, contudo, mostra-se absolutamente disposta a somente preencher os
requisitos capazes de tornar empregáveis os egressos desse sistema.

O Colégio tem compromisso com um ensino de excelência. Por isso,


inicia a preparação para o vestibular já no 1º ano do Ensino Médio, o que
garante que toda esta etapa da educação seja acompanhada com
seriedade. (Instituição de ensino A – texto retirado do site oficial da
escola).

A preparação para a universidade, com excelência nos conteúdos e


resultados nos vestibulares e Enem, caminha junto com valores como
respeito e compromisso com a sociedade. Assim, lidamos com entrada
no ensino superior. Mais do que provas, é conquista que faz parte de um
projeto de vida. Simulados para o Enem, oficinas de redação, projetos de
internacionalidade e olimpíadas de conhecimento são algumas as ações
empreendidas nessa etapa. (Instituição de ensino B – texto retirado do
site oficial da escola)

Ensino Médio com 7º horário e aulas complementares no contraturno com


foco no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), com propostas de
atividades que contemplam a formação cognitiva e socioemocional para
que, assim, o estudante esteja devidamente preparado para a realização
do ENEM, bem como outros concursos em outras áreas e finalidades e
especificamente em relações interpessoais fora do contexto escolar. O
nosso Ensino Médio, além de trabalhar os conteúdos que a Base
Nacional Comum Curricular (BNCC) orienta, também retoma conteúdos
básicos do Ensino Fundamental Anos Finais, dessa forma, o aluno estará
81

sempre à frente ao relacionar os assuntos estudados ao longo do tempo


na escola. (Instituição de ensino C – texto retirado do site oficial da
escola)

Numa rápida visita aos sites de grandes instituições de ensino privadas,


no município de Natal, ao consultar os espaços destinados a descrição da etapa
de ensino médio dessas escolas, notamos a grande ênfase que é dada a
preparação para o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Embora tentem
trazer em seus discursos elementos que associem a formação ao
desenvolvimento socioemocional, a valorização do respeito e compromisso com
a sociedade – principalmente nas instituições B e C – ainda assim, fica evidente
a importância de preparar esse estudante para o ENEM, conforme coloca a
instituição A, desde a primeira série do ensino médio. É como se todo o processo
formativo, nesse contexto, ficasse reduzido ao referido exame, a olimpíadas, a
concursos, a provas que medem não o quanto esses estudantes aprenderam,
mas, o quanto sabem que lhes é suficiente para lograr êxito nessa competição
interminável. Uma situação bastante negativa do ponto de vista da formação
desses indivíduos, mas, que ainda se coloca de modo tênue quando passamos
a falar das classes populares e seus filhos. Quando pensamos, portanto, no
“Novo Ensino Médio” e na BNCC entendemos, assim como Souza (2020), que
essas reformas

Reforça[m] a distinção e o abismo entre a escola privada e a escola


pública – reflexo de uma sociedade de classes. Isso porque a escola
privada vai continuar aprimorando sua própria dinâmica com o objetivo
de produzir resultados. Ou seja, irá adaptar as mudanças propostas pela
reforma de modo que as habilidades e as competências necessárias à
aprendizagem – mesmo que seja somente para aprovação em processos
seletivos – possibilitem o melhor desempenho possível. Por outro lado, a
escola pública encontra-se diante de uma série de conflitos e de
problemas de infraestrutura, além da própria realidade do público que
nela se insere. (SOUZA, 2020, p. 177)

E se o propósito dessa etapa formativa passa, dentro dessa lógica que se


estabelece, a ser o mundo do trabalho e o atendimento às suas exigências, nos
parece nítido que os filhos da classe trabalhadora saem em grande
desvantagem, pois
82

Muitos saem da escola como analfabetos funcionais, incapazes de


participar do mercado de trabalho competitivo. Resta a eles depender do
emprego da própria energia muscular, tal como no caso dos escravos. E
a maioria acaba exercendo trabalhos físicos desvalorizados, extenuantes
e mal remunerados (SOUZA, 2018, p. 71).

Além de inseridos numa competição de modo desigual, esses mesmos


jovens são levados a crer que há, nesse processo, uma responsabilidade que
lhes é individual por abandonarem a escola, por não conseguirem aprender, por
terem que se submeter a informalidade e as atividades laborais menos
prestigiosas dentro da sociedade. Todavia, essa lógica mercantil e meritocrática
oculta desses estudantes e das classes populares, de modo geral, inúmeros
determinantes sociais de pobreza, os próprios mecanismos de apropriação e
expropriação do trabalho, as relações de classe e de exploração entre estas,
enfim, todos os aspectos que colocam essa juventude dentro de um ambiente
de aprendizagem que parece não querer que eles estejam lá.

As provas oficiais ainda reforçam visões negativas, históricas, perversas,


segregadoras e inferiorizantes do povo e de seus(suas) filhos(as)
reproduzidas no percurso escolar e a cada divulgação dos resultados de
Provinhas e Provões-Brasil. O protagonismo negativo é exposto,
comprovado nas provas nacionais, estaduais. O sistema escolar se
presta a destacar visões negativas, preconceituosas fazendo o jogo
político do conservadorismo antipovo. (ARROYO, 2021, p.229)

É no bojo desse cenário, portanto, que os estudantes do ensino médio


estão colocados e onde eles vão construir suas representações acerca da
disciplina de Sociologia. Objeto de estudo desse trabalho, as representações
sociais enquanto fenômeno são como uma espécie de resposta, de ajuste,
declaram o modo como nos relacionamos com o mundo a nossa volta e traduz
as “acomodações” que fazemos para tornar inteligível essa realidade social
(JODELET, 2001). Nesse sentido, ao buscar conhecer que representação tem
os estudantes do ensino médio sobre a Sociologia, enquanto disciplina, é
necessário compreender os diversos fatores que afetam a construção desse
objeto de representação. Muito provavelmente um estudante do ensino médio
não tem contato e/ou estuda as reformas e as políticas curriculares referentes a
essa etapa da educação, contudo, tais mudanças afetam diretamente a escola
83

onde está inserido, os conteúdos que ele aprende e o próprio fazer de seus
professores. É nesse espaço de tensões, multiplicidades e fluidez que nós
perguntamos a esses estudantes o que a disciplina de Sociologia é, para eles.
Somos levados a pensar que suas respostas, que ilustram, pois, os
processos de ancoragem e objetivação, sofrem influência direta da forma como
os currículos do ensino médio acontecem e, no caso em evidência nesse
trabalho, de como a disciplina de Sociologia vem, historicamente, se colocando
(ou não) nesses currículos. Ilustrando melhor os processos de ancoragem e
objetivação, fica claro que o movimento de atribuir sentido ao objeto de
representação (ancoragem) e tornar esse objeto concreto (objetivação) é algo
estreitamente relacionado à realidade na qual os sujeitos estão inseridos:

Há, portanto, na ancoragem uma classificação, uma tipificação, um dar


nome aquele objeto até então estranho. Quando pensa sobre esses
novos conteúdos/pessoas o sujeito utilizará como referência experiências
e esquemas de pensamentos já existentes, atribuindo, dessa maneira,
sentido ao objeto de sua representação. Além disso, esse saber ganha
valor prático já que é utilizado para compreender a realidade, tornando
familiar o que antes era estranho (...) já objetivação é, em essência, um
processo de formar imagens, transmutando noções abstratas em algo
concreto, quase tangível. (OLIVEIRA, 2016, p. 141)

Ou seja, para que os estudantes concebam uma representação acerca da


disciplina de Sociologia eles vão necessitar, antes de tudo, de seus referentes,
suas experiências, elementos que os auxiliem a dar sentido a este objeto. Por
essa razão e entendendo o histórico intermitente da Sociologia nos currículos da
escola média, há nesse trabalho uma atenção voltada ao fato de se houve, para
os estudantes que colaboraram com essa pesquisa, substrato suficiente para a
construção de uma representação social da disciplina de Sociologia – questão
que explanaremos no capítulo adiante.
Ante este cenário, de uma Sociologia intermitente, de uma formação
estudantil reducionista e desigual, pensemos ainda a respeito dos docentes,
parte importante nessa engrenagem que forma a realidade educacional. As
reformas empreendidas no Brasil, no campo da educação, desde os anos 90 tem
essa forte alteração curricular como base – conforme já ilustramos aqui, por meio
de diversos dispositivos legais – e promove, desde então, o desenvolvimento de
84

competências e habilidades como mola propulsora dessas mudanças. Se muda


a educação, os currículos e as concepções formativas dos estudantes é
necessário, também, que sejam reformados os cursos de licenciatura, de modo
que as práticas e fundamentos das ações docentes estejam alinhados com as
“novas” propostas de educação. Adiante propomo-nos a refletir acerca da
formação de professores e de que modo as políticas formativas encontram-se,
indubitavelmente, alinhadas.

3.3 BNC – Formação: docência transformada em treinamento (?)

Secundarizando aspectos da formação humana ou, tomando-os como


figurantes as resoluções, diretrizes e reformas educacionais demandadas no
Brasil vem seguindo, nas últimas décadas, um caminho de forte alinhamento as
lógicas do capital. Sob a orientação de organismos internacionais, fundações e
mesmo organizações privadas essas reformas vem adotando um modelo de
gestão da educação pública que assume uma finalidade de capacitação dos
indivíduos, de modo que estes atendam às necessidades e sejam capazes de
suprir os imperativos do mercado.
Logo após a aprovação da BNCC para educação infantil e ensino
fundamental por meio da Resolução CNE/CP nº 2 do Conselho Nacional de
Educação (CNE), em 2017, e para o Ensino Médio pela Resolução CNE/CP nº
4, em 2018, para garantir que essa base fosse efetivamente implementada o
governo aprovou a Resolução nº 2/2019, que instituiu a Base Nacional Comum
para Formação de Professores da Educação Básica (BNC – Formação).
Entendemos esse documento como uma estratégia clara de fazer funcionar os
preceitos pedagógicos das competências alvejados pela BNCC. O documento
da BNC – Formação ilustra, na verdade, como operacionalizar a BNCC. Mas, é
preciso conceber que essa relação simétrica entre o que se ensina na educação
básica e como estão os currículos de formação docente, não é exclusiva a este
intervalo de tempo nem as reformas hodiernas.
Ao observamos o quadro abaixo temos uma breve descrição de leis e
pareceres que, de algum modo, vem regulamentando a form(ação) docente nos
últimos anos aqui no Brasil.
85

Tabela 03. Legislação brasileira e formação docente


Legislação Aspectos importantes
Lei 9.394/1996 – Lei de O documento passa a apontar em seus artigos 35 e
36 que a formação no ensino médio ganha agora um
Diretrizes e Bases da
caráter de formação geral e formação para o trabalho;
Educação Nacional O caráter de formação profissionalizante passa a ser
desatrelado do ensino médio;
(LDB)
Resolução CNE/CP nº Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a
formação de professores da educação básica, em
1, de 18/02/2002 (DCN
nível superior, curso de licenciatura, de graduação
para a formação de plena. Resolução importante para o enfrentamento ao
modelo formativo conhecido como 3+1 (GATTI, 2010),
professores)
utilizado até então.
Resolução CNE/CP nº Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Formação Inicial e Continuada em Nível Superior de
2, de 01/07/2015 (DCN
Profissionais do Magistério para a Educação Básica.
para a formação de Resolução que amplia o aspecto da profissionalização
docente, valorizando a formação continuada e destaca
professores)
a importância de uma formação docente como política
de Estado.
Resolução CNE/CP nº Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
2, de 20/12/2019 Formação Inicial de Professores para a Educação
Básica e institui a Base Nacional Comum para a
Formação Inicial de Professores da Educação Básica
(BNC-Formação).
Fonte: elaborado pela autora (2024)

Desde a instituição da LDB, ainda no ano de 1996, já é possível notar que


as concepções conclamadas no currículo da educação básica trariam
consequências para a formação e o trabalho docente. Na Lei de Diretrizes e
Bases de 1996, marco considerável no que tange a construção de preceitos para
a educação brasileira, a principal mudança observada é no objetivo da formação
em nível de ensino médio – etapa de nosso interesse, dado o objeto de estudo
que aqui se constrói. A “formação para o trabalho” e formação geral ascendem
deixando a ideia de formação profissionalizante secundarizada. Segundo Silva
e Silva (2019)

Essas alterações não afetaram as pessoas apenas no sentido da


substituição de oferta de cursos profissionalizantes por cursos de
formação geral. Foi mais do que isso; associada a essa substituição, veio
uma proposição de condutas, saberes, valores, que deixaram os/as
professores/as atônitos/as diante das “novas” exigências (SILVA E
SILVA, 2019, p. 166)
86

Os autores mencionam ainda que, nesse contexto, a formação docente


foi objeto de bastante conflito entre os docentes, já que se observava uma lacuna
entre as formações a que estes profissionais tiveram acesso e aquilo que eles
precisavam mobilizar no momento da implementação das “novidades” trazidas
com a lei.

Dessa forma, por vezes, o que as escolas que ofertavam o ensino de 2º


grau viveram, em todo país, foi um processo de reestruturação de seus
currículos, de redirecionamento na linguagem oficial, especialmente a
partir de 1997-1998 com a divulgação, pelo Ministério da Educação, dos
chamados Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e com a aprovação,
pelo Conselho Nacional de Educação, das Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio. Com efeito, a instauração de uma nova
linguagem carrega consigo a instauração de práticas, exercício de poder,
de modos de viver a escola e o trabalho que nela se realiza e pelo qual
ela é, social e politicamente, responsável. Assim, vimos ser apresentadas
mudanças que alteraram a estrutura da escola, a vida de professoras e
de professores, dos estudantes, enfim, de toda comunidade escolar.
(SILVA e SILVA, 2019, p.165-166)

Essas novas exigências, portanto, transcendem a alteração curricular em


si e configuram-se, sobretudo, como elementos que realizam profundas
mudanças no fazer escolar que envolve, entre tantas coisas, a formação de seus
profissionais. É, portanto, a partir da Lei de Diretrizes e Bases do ano de 1996
que tem início um (re)pensar e (re)organizar a formação de professores no Brasil.
Já em 1997, tem início o processo de elaboração das diretrizes para os cursos
de graduação ficando evidente que as questões econômicas, políticas e sociais
foram elementos fundantes a essa reordenação que ascendia com a LDB/1996.
Essas diretrizes, elaboradas pelo CNE em resposta à regulamentação da
Lei 9.394/96, definiam normas, estrutura curricular, carga horária e princípios
organizacionais no campo da formação de professores. Elas refletem, de certo,
as políticas de governo e os tempos históricos nos quais estão inseridas e esse
fato nos permite inferir que a formação professoral, assim como os currículos,
reflete uma invenção social de seu contexto.
Segundo Filho, Oliveira e Coelho (2021):
87

O Conselho Nacional de Educação (CNE) e o Ministério da Educação


(MEC) iniciaram, em 1997, um processo de elaboração de diretrizes
curriculares para os cursos de graduação, contando com propostas de
diferentes “organizações, entidades e instituições”. (...) inicialmente as
licenciaturas não receberam tratamento específico nesse processo, o que
resultou na incorporação de diferentes concepções de formação às
diretrizes de cada curso. Posteriormente, o MEC instituiu uma nova
comissão responsável pela elaboração de diretrizes curriculares
específicas para as licenciaturas, mas, dessa vez, sem a participação de
entidades representativas. (FILHO et al., 2021, P. 943)

Ainda em 2001 a Resolução nº 09/2001 institui um conjunto de diretrizes


para a formação de professores da educação básica em nível superior que acaba
sendo o documento base para constituição das Diretrizes Curriculares Nacionais
para a formação de professores da educação básica, instituída por meio da
Resolução CNE/CP nº 1 de 2002, e ainda a carga horária dos cursos de
licenciatura, instituída pela Resolução CNE/CP nº 2 de 2002. As diretrizes do
ano de 2002 acenavam, portanto, como uma regulamentação importante do
ponto de vista profissionalizante e sinalizavam para a superação de um modelo
formativo vigente no Brasil desde os anos 30.
Segundo Gatti (2010) ao final dos anos 30 os bacharéis que se formavam
em três anos acresciam a esta formação mais um ano de disciplinas conhecidas
como “pedagógicas” e assim lhes era conferido o direito de lecionar no ensino
secundário. As marcas desse modelo ainda são perceptíveis hodiernamente e
as DCN/2002 sinalizavam algum enfrentamento a esta concepção, significando
um avanço no campo da formação de professores. Entretanto, destas mesmas
diretrizes, emanam o desenvolvimento de competências e habilidades que vem
construindo seus trilhos na legislação educacional brasileira desde a LDB/1996,
pelo menos. Segundo Filho et al., (2021), as DCN/2002 reforçam uma
perspectiva de formação aligeirada e ao tornar o desenvolvimento de
competências e habilidades como ponto fulcral nessa formação, acabam por
colocar a racionalidade prática como pressuposto aos novos modelos de
formação docente brasileiros.
No ano de 2003 temos, no Brasil, o início de um novo período político e
social com a ascensão dos governos do Partido dos Trabalhadores (PT), que
perduram do ano de 2003 ao ano de 2016. Nesse contexto que Souza (2020)
denomina como um período que gravita entre a social-democracia e a
88

democracia liberal, havendo algum combate à desigualdade social, com a


adoção de diversas políticas sociais de inclusão, no campo da educação e
tratando especificamente da formação de professores, tem início, efetivamente,
no ano de 2013, as discussões para a composição e articulação das novas
diretrizes para formação de professores. Na verdade, segundo Dourado (2015):

A aprovação do Plano Nacional de Educação pelo Congresso Nacional e


a sanção Presidencial, sem vetos, que resultaram na Lei nº 13.005/2014,
inauguraram uma nova fase para as políticas educacionais brasileiras.
Além das diretrizes que são sinalizadoras de busca de maior
organicidade para a educação nacional no decênio 2014/2024, o PNE
apresenta 20 metas e várias estratégias que englobam a educação
básica e a educação superior, em suas etapas e modalidades, a
discussão sobre qualidade, avaliação, gestão, financiamento educacional
e valorização dos profissionais da educação. (DOURADO, 2015, p. 301)

Embora tenha sido aprovada somente em 2015, as discussões que


originam as diretrizes que viriam a substituir aquelas aprovadas em 2002, tem
início ainda no ano de 2004. Segundo Dourado (2015), a comissão19 formada
com o objetivo de aprofundar os estudos e empreender sugestões, no que se
refere a temática da formação de professores, e a própria aprovação do PNE a
partir da articulação de suas metas e estratégias acabam estabelecendo
aspectos constituintes e constitutivos para políticas educacionais e, nesse
sentido:

Devem ser consideradas na educação em geral e, em particular, na


educação superior e, portanto, base para a formação inicial e continuada
dos profissionais da educação, objetivando a melhoria desse nível de
ensino e sua expansão. (...) Todas essas metas e estratégias incidem
nas bases para a efetivação de uma política nacional de formação dos
profissionais da educação e foram consideradas nas diretrizes
curriculares nacionais para a formação inicial e continuada dos
profissionais do magistério. (DOURADO, 2015, p. 301)

19 Em consequência da complexidade que envolve as discussões a respeito das questões que


norteiam os estudos sobre a formação dos profissionais do magistério para a educação básica,
foi criada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) uma Comissão Bicameral com a finalidade
de desenvolver estudos e proposições acerca da temática. O professor Luiz Fernandes Dourado
compunha a referida comissão em seu processo de instauração e nas discussões que seguem
até a aprovação das DCN do ano de 2015.
89

Com a homologação em 24 de junho, a Resolução nº 2 de 2015 instituiu


novas diretrizes para a formação inicial20 e continuada de profissionais do
magistério, havendo nessas diretrizes a proposição de uma articulação entre
essas formações com o propósito de garantir a continuidade do processo
formativo e ainda de instituir a formação docente não como uma política de
governo, mas de estado. Fato é que, conforme já defendemos anteriormente
nesse texto, as políticas de formação docente e as políticas curriculares
direcionadas a educação básica vivem uma relação de bastante simetria e
quando é definida a forma e o conteúdo daquilo que aprendem os docentes, o
que se ensina na educação básica é, também, definido. E mesmo quando o
movimento inverso acontece, quando são modificados os termos de formação
na educação básica, a formação de professores sofre algumas mudanças. O
currículo, portanto, é o artefato que baliza esta relação.
Nesse sentido, as DCN para formação inicial e continuada de professores,
de 2015, sumariamente, propuseram uma maior organicidade ao processo de
formação docente quando:

As novas diretrizes curriculares ratificam princípios e buscam contribuir


para a melhoria da formação inicial e continuada os profissionais do
magistério ao definir a base comum nacional, demanda histórica de
entidades do campo educacional, como referência para a valorização dos
profissionais da educação no bojo da instituição de um subsistema de
valorização dos profissionais da educação envolvendo, de modo
articulado, questões e políticas atinentes a formação inicial e continuada,
carreira, salários e condições de trabalho. As diretrizes aprovadas
enfatizam a necessária articulação entre educação básica e superior,
bem como, a institucionalização de projeto próprio de formação inicial e
continuada dos profissionais do magistério da educação básica, por parte
das instituições formadoras, tendo por eixo concepção formativa e
indutora de desenvolvimento institucional que redimensiona a formação
desses profissionais a partir de concepção de docência que inclui o
exercício articulado nos processos ensino e aprendizagem e na
organização e gestão da educação básica. (DOURADO, 2015, p. 315)

O funcionamento da educação, como um todo, e mesmo nos aspectos


aos quais nos detemos mais fortemente nesse estudo parecem ir tomando algum
distanciamento do “saber fazer” preconizado nos anos 90 e ainda reforçado nas
DCN dos anos 2002, por meio da pedagogia das competências e do

20
Essa formação inicial em nível superior envolve os cursos de licenciatura, os cursos de
formação pedagógica para graduados e os cursos de segunda licenciatura.
90

conhecimento puramente útil. A Resolução CNE/CP nº 2/2015 conforma as


diretrizes de formação profissional de professores nas etapas inicial e
continuada, além de apresentarem-se, nesse sentido, como uma ode a
valorização profissional do magistério, entendendo a necessidade dessas
formações como substrato para o bom exercício profissional. Inclusive, sua
ênfase a formação continuada é um dos elementos que a diferenciam das então
diretrizes do ano de 2002 e refletem, de certo modo, o anseio de muitos
estudiosos e profissionais da educação.
Todavia, a implementação das DCN do ano de 2015 apresentou diversos
entraves e deixou, até mesmo, o questionamento se haveria, de fato, tido tempo
para sua efetivação. Ocorre que dados esses “novos” aspectos trazidos pela
Resolução CNE/CP nº 2/2015, logo a resistência a sua aplicabilidade emerge,
visto que um documento que dedicava oito capítulos, com vinte e cinco artigos
que elucidavam as perspectivas de formação inicial, continuada e valorização da
carreira no magistério, parecia algo muito progressista e que renderia,
sobretudo, elevado custo com os cursos de licenciatura – principalmente às IES
da rede privada. Na rede federal, segundo Anadon e Gonçalves (2018) o que
provocou o entrave foi o fato de tendo sido ampliada a carga horária para a
formação de professores o aumento no número de vagas de docentes nas
universidades não aconteceu, de modo a acompanhar a nova demanda e
dificultou, portanto, a aplicabilidade das novas DCN.
No bojo desse contexto, é necessário mencionar também que alguns
aspectos como a abertura da possibilidade de cursos de formação pedagógica
para não licenciados, cursos de segunda licenciatura, ampliação da
possibilidade de formação a distância, a demora na elaboração e homologação,
as próprias dificuldades de inserção e de efetivação ou mesmo o
desconhecimento sobre o documento, são aspectos trazidos pelos professores
interlocutores da pesquisa desenvolvida por Metzner e Drigo (2021) que
perfazem um painel histórico da formação de professores tomando o documento
de 2015 em comparação com as legislações anteriores. A este respeito, os
autores concluem que:

Muitas das modificações promulgadas pelos documentos legais,


especificamente as Diretrizes Curriculares que tratam da formação de
91

professores, foram resolvidas de forma aligeirada, desapareceram ao


longo do tempo ou não foram consolidadas como esperado. Um exemplo
recente dessa situação é a própria Resolução n. 2 de 2015 que, ainda em
período de implementação, foi revogada e substituída pela Resolução n.º
2 de 2019. (METZNER E DRIGO, 2021, P. 1009)

Sendo as Representações Sociais, grosso modo, uma concepção, uma


imagem elucidada por um grupo, acerca de um objeto, que confere aos sujeitos,
nesse sentido, elementos para a sua ação e seu comportamento é bastante
provável que ante a volatilidade com que se apresentam os documentos
brasileiros acerca da formação de professores, especificamente as DCN de
2015, não haja um substrato para sua representação no coletivo professoral.
Ainda em seu período de implementação há a revogação dessas diretrizes sem
que tenha havido, sequer, elementos suficientes para dizer de sua
funcionalidade, do que deu certo ou não, enfim, não há uma regularidade. Além
disso, ainda em consonância com Metzner e Drigo (2021), os desafios referentes
a configuração das DCN de 2015 referem-se também as dificuldades de
implantação da própria proposta, pois, segundo os autores

As mudanças só ocorrerão de forma efetiva a partir do oferecimento dos


suportes necessários, por exemplo: corpo docente compromissado com
o curso; disponibilidade de recursos; reestruturação da grade curricular
respeitando as normatizações e particularidades da instituição de ensino;
entre outros. (METZNER E DRIGO, 2021, P.1009)

Nesse sentido, é possível inferir que a política de formação de


professores, nos parece, ainda não estabelecida como uma política de estado
dado que a cada novo governo, em muitas circunstâncias de forma bastante
abrupta, essas políticas são demudadas sendo impossível avaliá-las ou mesmo
vê-las concretizando – ou não – seus objetivos. O que estas, portanto,
representam ou representariam para o coletivo de professores é mais difícil ainda
de conceber. As DCN de 2015 foram, por exemplo, sendo postergadas por muito
tempo. Vejamos:

Inicialmente, as justificativas para os adiamentos referiam-se à


complexidade de seu conteúdo e à sua abrangência, além da dificuldade
que as modificações trariam para a organização e para o
92

desenvolvimento dos cursos de formação de professores. Depois, em


tempos agora claramente regressivos, foi ficando evidente que seus
princípios e fundamentos seriam incompatíveis com as orientações
advindas do Governo –golpista e conservador –de Temer e de seu
sucedâneo, ainda mais reacionário (BAZZO; SCHEIBE, 2019, p.672).

A transição do que seria a complexidade do documento cede espaço a


uma legislação que, claramente, não atendia as orientações governistas de um
presidente com sede de contrarreformas. Ocorre que no ano de 2016 temos, no
Brasil, o golpe que depõe a então presidenta da república Dilma Rousseff

A crise econômica no governo Dilma, as supostas ‘pedaladas fiscais’21, a


‘vingança’ de Eduardo Cunha, os conflitos dentro das alianças entre
partidos e as manifestações de misoginia formaram o suporte do golpe
disfarçado de processo de impeachment. (SOUZA, 2020, p. 81)

Muitas foram as implicações trazidas pela ascensão do então presidente


Michel Temer, mencionadas no primeiro capítulo deste trabalho, inclusive. Um
governo que avançou de forma arbitrária e levou consigo inúmeras
consequências, inclusive para o campo da educação. Imediatamente após o
golpe, o governo Temer (2016-2018) tem como primeiras medidas a Proposta
de Emenda Constitucional (PEC) 241, que limitava investimentos públicos em
políticas sociais por vinte anos e, por isso, ficou conhecida como a “PEC do fim
do mundo”. Em seguida, o então governante, aprova a Reforma do Ensino
Médio, que tangencia alterações significativas na LDB/1996 e no Fundo Nacional
para o desenvolvimento da Educação Básica e da Valorização dos Profissionais
da Educação (FUNDEB). Dizemos que o avanço desse governo foi arbitrário,
pois, propostas como estas, de ampla magnitude, são aprovadas e colocadas
sem que tenha havido uma discussão ou um aprofundamento – principalmente
com o campo educacional. É necessário mencionar que a comunidade
acadêmica-científica, muitas instituições e associações educacionais,

21
É o nome que se dá às manobras para cumprimento das metas fiscais. Consiste em operações
orçamentárias, que não estão previstas na legislação, que visam atrasar o repasse financeiro a
algumas instituições bancárias como forma de apresentar bons indicadores econômicos.
(SOUZA, 2020, P 81)
93

professores e estudantes manifestaram seu repúdio as reformas, mas, ambas


as medidas foram sancionadas à época.
Nesse contexto de espoliação do Estado e de políticas de governo que
marcam a hegemonia do pensamento neoliberal, além de um avanço
considerável do pensamento conservador é eleito no Brasil, no ano de 2018, o
presidente Jair Bolsonaro (PSL), que governa entre os anos de 2019 e 2022.
Segundo Souza (2020),

Por meio de uma análise do Programa de governo apresentado por Jair


Bolsonaro é possível encontrar elementos que indicam a influência do
pensamento neoliberal, embora por diversos momentos haja uma
confusão entre os fundamentos do neoliberalismo e as premissas do
pensamento conservador do qual Bolsonaro é também um grande
defensor. Pois, sabe-se que em muitos princípios as duas correntes se
opõem, assim há um conflito quanto ao que se propõe e ao que de fato
se pratica. (SOUZA, 2020, P.96)

Retomando e aprofundando o cenário econômico, político e social de seu


antecessor, o governo de Jair Bolsonaro deixava absolutamente claros quais
seriam os caminhos percorridos por sua política educacional. Em seu programa
de governo denominado O caminho da prosperidade fica evidente uma
perspectiva neoliberal que estrutura o pensamento, a prática e a forma de
governar do então presidente. (SOUZA, 2020). Ainda segundo a autora, no que
se refere a educação, especificamente

O governo Bolsonaro tem seguido o ritmo de seu antecessor. A redução


e o corte de verba para a educação em abril de 2019 revelam os modelos
educativos que se propõe para o país. Os lugares de privilégio são
mantidos e as classes mais pobres são empurradas para a sobrevivência
na sociedade. Fundado na subserviência ao capital estrangeiro, o atual
governo apresenta uma perspectiva de cidadania limitada, ou seja, sem
acessar um sistema de ensino gratuito e de qualidade, a juventude das
camadas pobres se transformará em mão de obra barata e pouco
qualificada. (SOUZA, 2020, P.101)

É nesse contexto que a implementação das DCN de 2015 é


reiteradamente adiada e os impeditivos a ela começam a ser entendidos como
estratégias ao caminho que objetivava a sua revogação. Contudo, para que
fosse procedida esta revogação era necessário que houvesse nova legislação
94

que pudesse substituir e que, de certo, antagonizasse com a Resolução CNE/CP


nº 2/2015. É salutar lembrar que o processo de elaboração e homologação dessa
resolução de 2015 foi extenso, fato que inclusive lhe rendeu críticas. No entanto,
a “tratativa” que viria a substituir-lhe surpreende por sua rápida elaboração e
consequente aprovação, por unanimidade. O processo tem início em dezembro
de 2018, com encaminhamento feito pelo então ministro da educação, Rossieli
Soares ao CNE, de documento denominado Proposta para Base Nacional
Comum da Formação de Professores da Educação Básica. (BAZZO; SCHEIBE,
2019)

O texto apresentava as competências profissionais docentes, com base


em três dimensões: conhecimento profissional, prática profissional e
engajamento profissional. Antecedido de dez competências gerais
docentes, as três dimensões, denominadas de competências específicas
vinham acompanhadas das correspondentes habilidades. Tal documento
encontra-se agora anexo às novas Diretrizes Curriculares Nacionais
(DCN) para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica
– da educação infantil ao ensino médio, sob a denominação de Base
Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação
Básica (BNC- -Formação). As novas diretrizes, segundo o conselheiro
Ramos, no artigo citado, teriam sido formuladas tomando como
referência a Resolução nº 2/2015, do CNE, ‘um belo trabalho, que
precisava ser revisto e atualizado para dialogar com a BNCC’. (BAZZO;
SCHEIBE, 2019, P. 678)

A gênese do novo documento que preconiza a formação de professores


em nível nacional, diz propor uma revisão e uma atualização das DCN de 2015,
posto que estas não mantem diálogo com a então aprovada BNCC, do ano de
2017. Nota-se que há, de fato, um claro interesse de que a BNC – Formação
(2019) sirva à operacionalização da BNCC dado o teor absolutamente
semelhante dos dois documentos. Percebe-se que a alusão as competências e
habilidades, por exemplo, está naquele que seria o projeto seminal da nova
política de formação de professores no Brasil, assim como encontra-se na base
comum aos estudantes da educação básica. E é, essencialmente, sob a
prerrogativa de que as DCN de 2015 precisavam incorporar a BNCC como
principal referência nos cursos de formação de professores que mesmo sob forte
reação e rejeição da comunidade educacional, em 7 de novembro de 2019 são
aprovadas, por unanimidade no Conselho Pleno do CNE, as Diretrizes
95

Curriculares Nacionais e Base Nacional Comum para a Formação Inicial (BNC –


Formação).
Sobre o ponto nodal que representa bastante preocupação desde a
aprovação da BNC – Formação, várias organizações que congregam
profissionais e estudiosos da área de educação emitiram, à época, suas
insatisfações e apreensões pelo que preconizava a nova política. Vejamos:

Tabela 04. Posicionamentos de entidades nacionais sobre aprovação da BNC


– Formação
Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE)

Em tempo recorde, o CNE desprezando o posicionamento das entidades e seus


argumentos, aprova em sessão pública, totalmente esvaziada, pois não divulgada, a
‘nova’ Resolução sem discussão com o campo educacional. Essa ‘nova’ Resolução é
mais um retrocesso educacional pois descaracteriza a formação docente afrontando
a concepção da Base Comum Nacional dos cursos de formação de professores, que
articula indissociavelmente a formação e a valorização dos profissionais da educação,
defendida historicamente pela ANFOPE. Essa aprovação acelerada, sem discussão,
visa desmontar um processo em curso nas IES de todo o país, que nos últimos anos
se dedicaram a reformular seus cursos de licenciatura conforme determinava a
Resolução 02/2015, dentro do prazo previsto pelo CNE, que prorrogou sua
implementação até dezembro de 2019. [...]. Tal medida compromete a elevação da
qualidade dos cursos de formação e da educação brasileira, e anula os avanços
propostos pela Resolução 02/2015 (ANFOPE, 2019).
Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd)

(...) Proposta de Reformulação da Resolução, apenas agora disponibilizada pelo


CNE, apresenta proposições que: destroem as políticas já instituídas; desconsideram
a produção e o pensamento educacional brasileiro ao retomarem concepções
ultrapassadas como a pedagogia das competências; apresentam uma visão restrita e
instrumental de docência e negativa dos professores; descaracterizam os núcleos
formativos, a formação pedagógica e a segunda licenciatura; ignoram a diversidade
nacional, a autonomia pedagógica das instituições formadoras e sua relação com a
educação básica; relativizam a importância dos estágios supervisionados
retrocedendo, desse modo, nos avanços que a área alcançou com a Resolução
02/2015. Repudiamos, também a proposta de institucionalização de institutos
superiores de educação, assim como a proposição de referenciais docentes de
caráter meritocrático para a valorização do professor (formação, carreira, salário e
condições de trabalho), entre tantas outras impropriedades. (ANPed, 2019.)
Colégio de Pró-reitores de Graduação (COGRAD)
(...) a Proposta de Reformulação da Resolução 02/2015, em tramitação no CNE, que
teve parecer aprovado por unanimidade pelo Conselho Nacional de Educação,
evidencia a tendência do MEC e deste Conselho em prosseguir formatando a
educação ao projetarem uma política nacional de formação dos profissionais da
educação, bem como o currículo de formação de professores, sem que tenha havido,
como na elaboração da Resolução de 2015, uma ampla e democrática discussão com
os principais atores envolvidos e interessados na matéria, quais sejam o movimento
dos educadores e das entidades científicas da área. Em nosso entendimento, a
proposta relativiza, minimiza ou, em alguns casos, desconsidera conceitos, princípios
e indicações acima aludidos e, por outro lado, poderá representar a desconstrução
96

do esforço até agora empreendido pelas Instituições de Ensino Superior, causando


transtornos nos processos de reformulação já consolidados e naqueles que estão em
andamento, estabelecendo ainda um ambiente de insegurança jurídico-normativa no
âmbito dos cursos de licenciatura. (COGRAD, 2019.)
Fonte: elaborado pela autora (2024)

Se nas DCN de 2015 temos um documento robusto, extenso, na BNC –


Formação observamos uma legislação de franco impacto desenvolvida em 20
páginas. Nessas, podemos encontrar o substrato que coaduna com as principais
críticas levantadas pelas entidades supracitadas. No geral, o tempo rápido com
que foi elaborada e aprovada, a interrupção abrupta do processo de
implementação ainda das DCN de 2015 e o comprometimento da qualidade dos
cursos de formação de professores são objetos de crítica recorrente. Quando se
fala especificamente do documento em si, uma das grandes preocupações,
inclusive recorrente nos manifestos do quadro acima, está relacionada ao
reavivamento das tendências pedagógicas dos anos 90, essencialmente, a
pedagogia das competências, institucionalizadas agora por meio da BNCC e da
própria BNC – Formação. Nesse sentido, inclusive, conforme trouxemos ainda
no primeiro capítulo desse trabalho, a linguagem que estrutura os documentos
que marcam as recentes reformas educacionais no Brasil, demarcam esse
reavivamento e o realinhamento dessas propostas aos princípios de
racionalidade e eficiência exigidos pela ordem econômica atual. Destacamos,
por exemplo, o objeto do documento, que são as diretrizes para formação
docente e a quantidade de vezes que se repete o vocábulo “competências”,
somente nesse trecho:

Parágrafo único. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação


Inicial em Nível Superior de Professores para a Educação Básica e a
BNC-Formação têm como referência a implantação da Base Nacional
Comum Curricular da Educação Básica (BNCC), instituída pelas
Resoluções CNE/CP nº 2/2017 e CNE/CP nº 4/2018.
Art. 2º A formação docente pressupõe o desenvolvimento, pelo
licenciando, das competências gerais previstas na BNCC-Educação
Básica, bem como das aprendizagens essenciais a serem garantidas aos
estudantes, quanto aos aspectos intelectual, físico, cultural, social e
emocional de sua formação, tendo como perspectiva o desenvolvimento
pleno das pessoas, visando à Educação Integral.
Art. 3º Com base nos mesmos princípios das competências gerais
estabelecidas pela BNCC, é requerido do licenciando o desenvolvimento
das correspondentes competências gerais docentes. Parágrafo único. As
competências gerais docentes, bem como as competências específicas
97

e as habilidades correspondentes a elas, indicadas no Anexo que integra


esta Resolução, compõem a BNC-Formação. (BRASIL, 2019, P. 2, grifos
nossos)

Segundo Giareta et al. (2023) o uso dessa linguagem na BNC – Formação


observada por meio do uso de outras expressões, como: transformações
contemporâneas; mundo incerto e sempre novo; nova cidadania; sociedade do
conhecimento; revolução tecnológica; desenvolvimento sustentável, entre
outras, revela além de uma formação docente reducionista, uma preocupação
com a qualidade educacional que é colocada sob a mediação de indicadores
externos de avaliação do sistema educacional e que, nesse sentido, tem como
preocupação central a avaliação de resultados.
No próprio documento, ao tratar dos fundamentos da política de formação
docente, fica evidente que o objetivo desta é formar para o exercício professoral,
sendo este, contudo, limitado ao saber fazer, ao conhecimento de competências
e ao atendimento das expectativas de formação estudantil de cada etapa de
ensino.

Art. 5º A formação dos professores e demais profissionais da Educação,


conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), para
atender às especificidades do exercício de suas atividades, bem como
aos objetivos das diferentes etapas e modalidades da Educação Básica,
tem como fundamentos:
I - a sólida formação básica, com conhecimento dos fundamentos
científicos e sociais de suas competências de trabalho;
II - a associação entre as teorias e as práticas pedagógicas; e
III - o aproveitamento da formação e das experiências anteriores,
desenvolvidas em instituições de ensino, em outras atividades docentes
ou na área da Educação. (BRASIL, 2019, P. 3)

Os pressupostos do que conforma uma boa formação profissional de


professores fundamentam-se, segundo o trecho em destaque, num aspecto
bastante pragmático dessa formação, havendo uma relação direta entre o que
professor aprende e aquilo que ele deve ensinar o que nos possibilita aventar
que em seu desenvolvimento profissional não haja espaço para qualquer outra
coisa que não esteja relacionada a sua prática. Ou seja, há um esvaziamento da
possibilidade de formação de um professor intelectual, a partir da BNC –
98

Formação, pois, o que este documento preconiza, de maneira bastante alinhada


ao que pressupõe a BNCC, é a submissão de um professor aos sistemas
avaliativos, aos resultados numéricos, ao treinamento de alunos que se tornem
empregáveis tão vazios de intelectualidade quanto quem os formou. Essa
narrativa nos leva a concluir que reduzir o direito ao conhecimento e à cidadania
dos estudantes, por meio de um currículo que os formem apenas como
empregáveis implica, indubitavelmente, em reduzir a função docente a mero
treinamento, conforme nos elucida Arroyo (2021):

Se como docentes nos prestamos a reduzir os educandos a mercadoria,


a empregáveis, reduzindo os conhecimentos a habilidades para o
emprego, estaremos reduzindo nosso trabalho e a própria docência a
mercadoria. Seremos tratados como mercadoria nas políticas de salário,
de carreira... Estaremos reproduzindo uma das concepções que
legitimam a desvalorização de nosso trabalho docente. Resulta
politicamente inconsequente lutar pela valorização dos profissionais do
conhecimento se submetemos os alunos a mercadoria e reduzimos
nossos ensinamentos a treinar empregáveis. (ARROYO, 2021, P. 107).

Nesse sentido, ao imprimir na atividade docente os objetivos de formação


estudantil que, por meio da BNCC, reduzem os estudantes – especialmente os
oriundos das classes mais populares – a indivíduos que devem atender
demandas mercadológicas e necessidades do capital é também golpear o
processo de formação, valorização e profissionalização docente. Quando
falamos na formação do professor intelectual – ou de sua negação, por meio da
BNC – tomamos como referente a discussão que nos apresenta Giareta et al.
(2023). Conforme já abordamos aqui, os currículos, sendo invenções sociais,
refletem um campo de bastante disputa e tensões que os autores supracitados
vão acrescer, de modo que coadunamos, a perspectiva ainda de esse artefato
social ser também a via de possibilidade para a construção de estratégias de
emancipação e de ordenamentos hegemônicos distintos dos que estão postos.
Assim, temos que:

a classe dominante precisa do agenciamento cultural – educação – para


a produção de consensos e de reprodução constante de sua hegemonia
técnica, moral e ideológica sob as classes subalternas que, por sua vez,
compreendem o acesso à aparelhagem privada de hegemonia – escola
– como oportunidade de acesso aos elementos da cultura dominante para
a construção da perspectiva de outra hegemonia. (GIARETA et al., 2023,
P. 05)
99

Nesse sentido, amparados em Gramsci (1968), a ideia de formação


intelectual que nos apresentam os autores baseia-se justamente numa formação
que possibilite, por meio da expressão de como esses sujeitos concebem,
produzem e organizam o mundo, o seu desenvolvimento e a sua progressão e
ainda:

Postula-se, por conseguinte, que esse intelectual orgânico não apenas


domine conhecimentos e saberes, mas entenda as demandas da nova
classe, aqui representada pela classe dos que vivem do trabalho, bem
como estabeleça uma linguagem intelectual que dê condições à ação
social e histórica dessa classe. (GIARETA et al., 2023, P. 06)

Esse intelectual orgânico deve, portanto, estabelecer-se como interlocutor


das demandas que emergem de sua classe, corroborando para a construção
intelectual desta. Como espaços que podem contribuir a este processo, embora
as escolas sejam locais de reprodução movimentadas pela classe hegemônica,
elas também oportunizam o avanço intelectual das classes subalternas,
sobretudo a partir da figura do professor, que deve ser formado para ser um
agente de cultura. É no bojo dessa perspectiva que compreendemos a BNC –
Formação, assim como a própria BNCC, como golpes significativos na
possibilidade de construção de uma outra hegemonia, essencialmente, naqueles
que despontam como capazes de, em alguma medida, perfazer esse caminho
de mediação entre a materialidade da existência das classes populares e a
possibilidade de, também por meio da educação, refazer essa existência.
Quando limita a formação docente ao que deve ser ensinado/aprendido, ou
municia os professores de ferramentas para responder a necessidade de
habilitar os estudantes a iniciação no mercado de trabalho, a BNC corrobora para
que “Quando chegando à aula perceberem que ‘estou falando é uma coisa de
lado [...] o menino está pensando na comida’.” (ARROYO, 2021, P. 169) e, sendo
assim, indaguemo-nos se é suficiente que a formação de professores os habilite
somente a produzir estudantes competentes a saírem da pobreza quando, em
algumas circunstâncias, os professores não estão habilitados a lidar com
situações como a referida acima.
100

No âmbito da institucionalidade da pedagogia desenvolvida na


universidade para a formação de professores a relação indissociável
entre ensino e pesquisa, ou seja, da relação dialógica mediadora dos
sujeitos cognitivos em torno do objeto de estudo e da prática social, aqui,
é assumida como condição central para uma formação intelectual
orgânica do professor. Essa vinculação da pedagogia com fluxo na
universidade ao compromisso com a formação técnica e pedagógico-
científica do professor exige reconhecer, ainda, sua dimensão
sociopolítica (extensão), uma vez que projeta uma formação docente
comprometida com o diálogo crítico com a práxis social. A extensão, aqui,
confere materialidade ao projeto de formação intelectual do professor
como educação política, capaz, portanto, de recuperar a condição
integradora das dimensões técnica e científico-pedagógica dessa
pedagogia no diálogo orgânico com a práxis social das classes
subalternas. (GIARETA et al., 2023, P. 11)

Sendo assim, a partir daquilo que dispõe em seu texto, a BNC-Formação


mostra-se como um entrave a construção de uma formação de professores que
viabilize a articulação necessária entre ensino, pesquisa e extensão. Conforme
nos trazem Giareta et al. (2023) essa relação que envolve os aspectos técnicos,
científico-pedagógicos e sociopolíticos e a sua evidência no processo formativo
professoral são essenciais para a construção do docente como um intelectual
efetivamente orgânico, que não tenha seu foco voltado somente a resolução de
problemas práticos, dentro de uma realidade mediada, mas, que seja ele
também capaz de por meio de suas produções práticas, mas, sobretudo teóricas
promover intencionalidades políticas, pedagógicas e metodológicas que somem
esforços a uma transformação da realidade social. (GIARETA et al. 2023).
Entretanto, nota-se que a referência formalizada pela Resolução CNE/CP
Nº 2/2019 não é esta:

Parágrafo único. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação


Inicial em Nível Superior de Professores para a Educação Básica e a
BNC-Formação têm como referência a implantação da Base Nacional
Comum Curricular da Educação Básica (BNCC), instituída pelas
Resoluções CNE/CP nº 2/2017 e CNE/CP nº 4/2018.
Art. 2º A formação docente pressupõe o desenvolvimento, pelo
licenciando, das competências gerais previstas na BNCC-Educação
Básica, bem como das aprendizagens essenciais a serem garantidas aos
estudantes, quanto aos aspectos intelectual, físico, cultural, social e
emocional de sua formação, tendo como perspectiva o desenvolvimento
pleno das pessoas, visando à Educação Integral.
101

Art. 3º Com base nos mesmos princípios das competências gerais


estabelecidas pela BNCC, é requerido do licenciando o desenvolvimento
das correspondentes competências gerais docentes.
Parágrafo único. As competências gerais docentes, bem como as
competências específicas e as habilidades correspondentes a elas,
indicadas no Anexo que integra esta Resolução, compõem a BNC-
Formação. (BRASIL, P. 2, 2019, grifos nossos)

Em linhas gerais, além do forte alinhamento com a BNCC, reiteradamente


exposto nesse trabalho e no trecho acima, as competências e habilidades
instituem a formação docente pronta a entregar profissionais que formem
indivíduos capazes de atender anseios morais, políticos, psicológicos e técnicos
de uma ordem social e econômica que deve manter-se, a qualquer custo. O
mesmo é possível observar quando analisamos as competências gerais
docentes esperadas ao final do processo de formação de professores:

Tabela 05. Competências gerais docentes BNC – Formação


COMPETÊNCIAS GERAIS DOCENTES
1. Compreender e utilizar os conhecimentos historicamente construídos para poder
ensinar a realidade com engajamento na aprendizagem do estudante e na sua própria
aprendizagem colaborando para a construção de uma sociedade livre, justa,
democrática e inclusiva.
2. Pesquisar, investigar, refletir, realizar a análise crítica, usar a criatividade e buscar
soluções tecnológicas para selecionar, organizar e planejar práticas pedagógicas
desafiadoras, coerentes e significativas.
3. Valorizar e incentivar as diversas manifestações artísticas e culturais, tanto locais
quanto mundiais, e a participação em práticas diversificadas da produção artístico-
cultural para que o estudante possa ampliar seu repertório cultural.
4. Utilizar diferentes linguagens – verbal, corporal, visual, sonora e digital – para se
expressar e fazer com que o estudante amplie seu modelo de expressão ao partilhar
informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos, produzindo
sentidos que levem ao entendimento mútuo.
5. Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de
forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas docentes, como
recurso pedagógico e como ferramenta de formação, para comunicar, acessar e
disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e potencializar
as aprendizagens.
6. Valorizar a formação permanente para o exercício profissional, buscar atualização
na sua área e afins, apropriar-se de novos conhecimentos e experiências que lhe
possibilitem aperfeiçoamento profissional e eficácia e fazer escolhas alinhadas ao
exercício da cidadania, ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência
crítica e responsabilidade.
7. Desenvolver argumentos com base em fatos, dados e informações científicas para
formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns, que
respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental, o
102

consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético


em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta.
8. Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional,
compreendendo-se na diversidade humana, reconhecendo suas emoções e as dos
outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas, desenvolver o
autoconhecimento e o autocuidado nos estudantes.
9. Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-
se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com
acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus
saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer
natureza, para promover ambiente colaborativo nos locais de aprendizagem.
10. Agir e incentivar, pessoal e coletivamente, com autonomia, responsabilidade,
flexibilidade, resiliência, a abertura a diferentes opiniões e concepções pedagógicas,
tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos,
sustentáveis e solidários, para que o ambiente de aprendizagem possa refletir esses
valores.
Fonte: (BRASIL, 2019, P.13)

A capacidade do professor formado, de acordo com a BNC-Formação, é


avaliada a partir de sua aptidão em colocar a aprendizagem do estudante como
fim mesmo de suas atividades e estas devem fazer uso das teorias aprendidas
de modo a instrumentalizá-lo para resoluções de problemas que afetem seu
cotidiano professoral. Assim, “pesquisar, investigar, refletir, realizar a análise
crítica (...)” (BRASIL, 2019) devem ser prerrogativas somente para o
planejamento de práticas pedagógicas desafiadoras, inovadoras etc. Inclusive,
sobre a indissociabilidade entre a formação técnica, científico-pedagógica e
sociopolítica, a BNC-Formação só a menciona uma única vez, em todo seu
documento a “importância” de que ensino, pesquisa e extensão caminhem
juntos, somente no inciso cinco do artigo 6, que trata dos princípios relevantes
para a formação de professores, sem deixar de mencionar, no mesmo artigo,
que tais princípios devem estar em consonância com os marcos regulatórios,
especialmente, a BNCC. (BRASIL, 2019).

3.4 Docência, empregabilidade e a formação dos professores de Sociologia

As Representações Sociais emergem como teorias do senso comum e


traduzem aquilo que os sujeitos pensam e comunicam sobre determinado objeto
do conhecimento. Quando investigados em seu cotidiano sobre o que significava
ensinar e aprender Sociologia, os colaboradores investigados em Oliveira (2016)
trouxeram imagens sobre este objeto que centralizavam-se em dois aspectos, o
103

da criticidade – conforme colocado no capítulo anterior – e o do conhecer.


Vejamos:

Enfatizamos ainda o diálogo notado entre a representação do ensino e a


representação da aprendizagem, que nos leva a mencionar a relevância
de se compreender o processo educativo como uma relação
necessariamente dialógica entre suas dimensões, que nos parece muito
clara dentro do contexto pesquisado. (...) que envolvem um ensino
comprometido em desenvolver uma consciência crítica e uma
aprendizagem que pressupõe uma nova maneira de conhecer e se
relacionar com o mundo social. (OLIVEIRA, 2016, P. 208-209)

Nesse sentido, ao pensar sobre a disciplina que lecionavam, os


professores entendiam a Sociologia como esse instrumento a possibilitar a
compreensão dos mecanismos que envolvem os processos sociais, além de
uma percepção da nossa condição de atores sociais, capazes de, por meio
dessa luz jogada pelo conhecimento sociológico, intervir, em alguma medida, na
realidade social. Talvez não de modo consciente, esses professores
transformaram a palavra que substitui a coisa, na coisa que substitui a palavra
(MOSCOVICI, 2013), ou seja, no movimento de tornar familiar, palatável,
próximo de suas realidades o que é ensinar e aprender Sociologia, eles buscam,
para construção dessas representações, referentes que podem estar localizados
nos processos de comunicação e de vida, ou em seus universos reificados:

Num universo reificado, a sociedade é vista como um sistema de


diferentes papeis e classes, cujos membros são desiguais. Somente a
competência adquirida determina seu grau de participação de acordo
com o mérito (...). Existe um comportamento adequado para cada
circunstância, uma fórmula linguística para cada confrontação e, nem é
necessário dizer, a informação apropriada para um contexto
determinado. (MOSCOVICI, 2013, P. 51- 52, grifos do autor)

A relação que se estabelece nos universos reificados insere-se dentro de


uma formalidade, de certa erudição e de pouca espontaneidade. Ao tomar os
objetos de ensino e aprendizagem em Sociologia e buscar a Representação
Social sobre estes, o movimento é de conhecer como os professores pensam
esse objeto em seus cotidianos, como eles movimentam, por exemplo, aquilo
104

que aprenderam sobre o que é ensino e aprendizagem na universidade, em seus


cursos de licenciatura e como operacionalizam esses conceitos em suas
atividades diárias, como se comunicam e agem em função da representação que
possuem acerca dos referidos objetos. Essa digressão fez-se necessária para
questionar como fica a Sociologia pensada por esses professores no panorama
de formação docente e de reformas curriculares tratado até este momento. Os
professores pesquisados por Oliveira (2016), por Rêses, Santos e Rodrigues
(2016), e por Santos (2002), embora por meio de abordagens metodológicas
distintas, demonstraram construir representações acerca da Sociologia no
Ensino Médio baseadas, centralmente, nas perspectivas de criticidade, formação
cidadã e compreensão da realidade social.
Diante do que expomos até aqui, consideramos salutar pensar de que
maneira essa Sociologia poderia ser construída e se as representações
docentes ainda seriam as mesmas, dado o cenário de deterioração na
perspectiva de formação de professores e estudantes. O intelectual orgânico de
Antônio Gramsci (1982) e a formação do professor intelectual que nos
apresentam Giareta et al. (2023) parecem bem alinhados ao que prospectam
esses docentes, ouvidos há pelo menos sete anos, sobre o que esperavam da
disciplina de Sociologia e, em certa medida, sobre como concebiam a escola e
o processo educativo em si:

Possibilitaria ao educando conhecer de forma sistemática e científica, os


fatores que organizam e dinamizam a vida social: as relações de poder,
as relações econômicas, os processos de socialização, as posições
sociais, as ideologias. (SANTOS, 2002, P.100, grifos nossos)

(...) à preocupação dos professores em apresentar a Sociologia como um


conhecimento relevante na ampliação da consciência em relação aos
fundamentos norteadores da vida em sociedade. (...) a referida disciplina
no Ensino Médio contribuiria para a formação de uma consciência
sociológica. (RÊSES et al. 2016, P.47)

Segundo os professores investigados a aprendizagem em Sociologia


pressupõe uma nova maneira de conhecer as relações sociais e todos os
pormenores que a envolvem, perpassando pelo estranhamento daquela
realidade que lhes parece já tão naturalizada. (OLIVEIRA, 2016, P. 207)
105

As conclusões a que chegam os pesquisadores supracitados, a partir da


audição dos docentes em seus devidos contextos, pressupõe um cenário que se
contrapõe a atual lógica inserida nas reformas curriculares mais recentes do
Brasil. Tanto a BNCC quanto a BNC-Formação deixam claras suas
fundamentações em uma concepção de educação, de sociedade e de seres
humanos que estão fortemente arraigadas aos preceitos neoliberais e
tecnicistas. Quando buscavam referentes para construir suas representações
acerca da Sociologia, enquanto disciplina da escola média, esses docentes
deveriam mobilizar elementos presentes em seus contextos de formação,
reminiscências do que encontraram em suas licenciaturas a despeito do que é
contribuir para formação de jovens por meio do ensino de Sociologia. É preciso
ponderar que ao fazermos essas considerações não pretendemos afirmar que
os contextos formativos pregressos se apresentavam perfeitos. Segundo Sousa
(2012) temos que:

O ensino das Ciências Sociais nas escolas de Ensino Médio no


Brasil não logrou ser uma preocupação nos cursos de Ciências
Sociais, que, no decorrer da sua existência, destinaram pouca
atenção e investimento à licenciatura: uma das explicações
possíveis são os avanços e retrocessos permanentes da
Sociologia no Ensino Médio. (SOUSA, 2012, p.72)

Ainda sobre o papel da formação docente como fator relevante para


consolidação da Sociologia no Ensino Médio, em pesquisa realizada no contexto
norte-rio-grandense, Santos et. al. (2011) ouviram 174 professores, dos quais
102 consideraram a formação inicial e a capacitação como principais desafios
ao intento de estabelecer a disciplina na escola básica o que nos permite inferir
que a problematização do processo de formação dos professores de Sociologia
já figura como um lugar-comum a ser visitado em pesquisas que discutem
qualquer aspecto ligado à Sociologia na escola média e que apresentava já as
suas fragilidades sendo estas entendidas em diversas pesquisas como fatores a
corroborar para o cenário de tensões em torno da referida disciplina.
Todavia, frente ao esvaziamento formativo que propõem as novas
diretrizes para formação de professores, a preocupação no contexto hodierno é
de que a construção de um caminho de avanços seja apagada havendo
106

considerável regresso nas conquistas no campo da formação, desde as


pesquisas supracitadas. No município de Natal, lócus de pesquisa da tese aqui
em desenvolvimento, a principal instituição formadora de professores de
Sociologia é a Universidade Federal do Rio Grande do Norte22. O curso, nesta
universidade, é ofertado na modalidade presencial, dispondo de 50 vagas anuais
para ingresso no turno noturno, por intermédio do Sistema de Seleção Unificada
(SiSU) e teve sua proposta de formação amplamente analisada e discutida no
trabalho de Oliveira (2016), além das pesquisas de Souza (2017) e Cunha
(2017). Até o ano de 2017, a licenciatura em Ciências Sociais da UFRN
contabilizava 7 alterações curriculares no que dispunham a formação de seus
professores, quais sejam os currículos dos anos de 1960, 1993, 2005, 2009,
2011a, 2011b e 2013. No contexto das pesquisas citadas acima, o currículo em
uso era o do ano de 2013, que já nos referidos trabalhos sofreu críticas
contundentes no que diz respeito à disposição das disciplinas pedagógicas, a
inserção tardia na realidade escolar por meio dos estágios e a ausência de
disciplinas que pudessem auxiliar os futuros professores com as questões
metodológicas, de diversidade, de elaboração e/ou discussões acerca do
material didático, enfim, particularidades do ensino que não eram notadas na
então estrutura do currículo da licenciatura. Ainda nesse panorama,
evidenciamos também que o Projeto Político Pedagógico do referido curso
(PPC/CS), era ainda do ano 2000 e apresentava também algumas lacunas,
essencialmente no que se referia as normativas propostas nas DCN do ano de
2015.
As carências nos aspectos formativos aqui já citados, eram consideráveis
no modelo curricular do ano de 2013. O referido currículo nos remete muito ao
modelo de formação 3+1 e parece representar muito pouco das especificidades
necessárias a formação de professores. A inserção tardia das disciplinas de

22 No estado do Rio Grande do Norte também tem cursos ativos de licenciatura em Ciências
Sociais a Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), no campus central, no
município de Mossoró e a Universidade Potiguar (UNP), instituição privada de ensino, que oferta
a licenciatura em Ciências Sociais na modalidade de Educação à Distância (EAD), para vários
municípios do estado potiguar, ou mesmo fora dele. As duas instituições não se circunscrevem
no recorte a ser estudado nesse trabalho e, por uma questão de tempo seus cursos, nesse
momento, não serão objetos das discussões aqui levantadas.
107

caráter pedagógico, a pouca articulação23 entre as disciplinas, e delas com a


própria realidade do ensino médio, a falta de componentes curriculares que
tratem das questões de diversidade, de metodologia, entre outros aspectos,
contribuem ao entendimento e a constatação das fragilidades em formar
professores, questão ainda mais sensível quando tratamos das disciplinas
propedêuticas. No ano de 2010 ao desenvolver pesquisas com 3 cursos de
licenciaturas distintas, Gatti (2010) constatou que a formação de professores
para áreas específicas sofre com problemáticas semelhantes, quando apenas
10% da estrutura curricular nessas licenciaturas destinava-se a disciplinas de
caráter pedagógico ou de prática docente.
O quadro que se tinha, portanto, na licenciatura em Ciências Sociais da
UFRN a partir da análise de sua estrutura curricular e do PPC vigente à época,
traduz um pouco dessas dificuldades que são produto de uma problemática
estrutural e das concepções de educação, de sociedade e da própria profissão
de professor preconizadas institucionalmente. Inclusive, faz-se necessário
mencionar que a licenciatura e o bacharelado do curso de Ciências Sociais da
federal norte-rio-grandense foram, durante muito tempo, habilitações de um
curso único. Até o ano de 2004, os estudantes ingressavam no curso e somente
no terceiro período escolhiam a habilitação que iriam cursar, podendo ser elas:

1. Licenciatura e Bacharelado em Antropologia; 2. Licenciatura e


Bacharelado em Política; 3. Licenciatura e Bacharelado em Sociologia; 4.
Bacharelado em Antropologia e Política; 5. Bacharelado em Política e
Sociologia; 6. Bacharelado em Antropologia e Sociologia. (PPC/CS,
2000, p. 8)

O caráter acessório da licenciatura em Ciências Sociais ficava ainda mais


evidente nesse modelo de formação, fato que era ainda agravado pela não
obrigatoriedade do ensino de Sociologia na educação básica, que ganhou
materialidade somente no ano de 2008, até então, a perspectiva de campo de
atuação para os indivíduos formados na referida licenciatura era exígua.
Segundo Oliveira (2015)

23 Na pesquisa de Oliveira (2016) a autora traz, mais detalhadamente, as ementas de algumas


disciplinas evidenciando a pouca relação entre elas e a dificuldade em aproximá-las com a
realidade da escola básica.
108

A longa ausência dessa ciência no currículo escolar resultou em um


redirecionamento dos cursos de Ciências Sociais durante um longo
período, o que ocorreu de forma concomitante com a solidificação do
campo da pesquisa no Brasil com o advento da pós-graduação no modelo
próximo ao que conhecemos com a Reforma Universitária de 1968.
(OLIVEIRA, 2015, P. 39-40)

Ainda segundo o mesmo autor, quando se dá a reinserção obrigatória do


ensino de Sociologia na educação básica, no ano de 2008, é necessário que
sejam repensados os cursos de formação de professores de Sociologia. Embora
ele aponte dados importantes no movimento de expansão dos cursos de
licenciatura em Ciências Sociais, essencialmente pós implementação da lei
11.684/2008, suas análises empreendem uma compreensão de que ainda que
tenha havido esse aumento quantitativo de cursos as demandas apontadas
pelas condições objetivas de trabalho docente e a própria construção da
Sociologia no ensino médio precisam ser, ainda, minuciosamente examinadas.
Se considerarmos que estamos, hoje, num contexto ainda mais hostil a essa
disciplina, de maior incerteza, inferimos que essa vigilância agora é crucial para
a própria vitalidade não só da disciplina, como de seus profissionais.
Ao destacarmos que contemporaneamente o que nos preocupa é a
construção de um lugar de muita incerteza frente aos avanços logrados até
então, nos referimos, por exemplo, ao notório desenvolvimento presente na
perspectiva de formação dos professores de Sociologia no contexto da UFRN,
percebido por meio da análise das significativas melhorias em sua estrutura
curricular e nos fundamentos que basearam tais mudanças e estão presentes no
mais recente PPC do curso, quando já na caracterização ficam evidentes os
novos alicerces pleiteados:

O propósito principal que orientou a definição da matriz curricular que


aqui apresentamos, foi a ênfase no curso de licenciatura, observando a
inclusão de atividades e componentes que remetem a práticas e
contextos educativos desde o seu início da formação e, além disso, a
introdução de elementos que ampliem o debate com ênfase em Direitos
Humanos, gênero, etnia, questões ambientais, deficiência e inclusão,
cultura e diversidade. A inclusão de componentes curriculares na forma
de oficinas, tem como objetivo criar um espaço de articulação entre as
109

diferentes nuances dos componentes curriculares, por meio da ênfase na


prática profissional, e pretende, como resultado, a produção de material
didático específico para o ensino das ciências sociais. As oficinas
possuem um papel central nessa proposta, desde que atendam a uma
preocupação evidenciada na avaliação e em pesquisas com os egressos,
já mencionadas, pode-se resumir no que segue: entende-se que a
formação teórica e metodológica do curso de ciências sociais licenciatura
é adequada, no entanto carece de propostas e estratégias de
transmissão de tais conteúdos, lacuna que se manifesta quando os
egressos assumem posições de docentes na educação básica. Além
disso, a inclusão de referência a contextos educativos não escolares, com
atividades de extensão, amplia o horizonte do ensino de ciências sociais,
incorporando a diversidade de aprendizados e transmissão de saberes e
experiências. A proposta contempla também a preocupação com
acessibilidade, um exemplo mais direto deste aspecto corresponde à
oferta da disciplina de LIBRAS dentro da estrutura curricular do curso.
(PPC/CS, 2019, 21-22)

A materialidade do que é indicado no documento acima fica, felizmente,


bastante evidente na nova estruturação que observamos no currículo da
licenciatura em Ciências Sociais, vejamos na tabela abaixo um comparativo que
evidencia tal desenvolvimento:

Tabela 06. Comparativo entre as estruturas curriculares do curso de licenciatura


em Ciências Sociais da UFRN (2013 e 2020)
ESTRUTURA 2013 ESTRUTURA 2020
PERÍODO COMPONENTE NATUREZA CH PERÍODO COMPONENTE NATUREZA CH
Intr. a OBR 60 Intr. a Sociologia OBR 60
Sociologia
Intr. a OBR 60 Intr. a OBR 60
Antropologia Antropologia
Intr. a Ciência OBR 60 Intr. a Ciência OBR 60
1º Política 1º Política
Filosofia I OBR 60 Filosofia I OBR 60
Prática de OBR 60 Prática de leitura OBR 60
leitura e e produção de
produção de textos
textos
Teoria OBR 60 Teoria OBR 60
Antropológica I Antropológica I
Epistemologia OBR 60 Didática OBR 60
das Ciências
2º Sociais 2º
Teoria Política I OBR 60 Teoria Política I OBR 60
Teoria OBR 60 Teoria OBR 60
Sociológica I Sociológica I
Hist. do Brasil OBR 60 História do OBR 60
Contemporâneo Brasil
Contemporâneo
110

Teoria OBR 60 Teoria OBR 60


Antropológica II Antropológica II
Teoria OBR 60 Teoria OBR 60
Sociológica II Sociológica II
Teoria Política OBR 60 Teoria Política II OBR 60
3º II 3º
Sociologia do OBR 60 Epistemologia OBR 60
Brasil das Ciências
Sociais
Prática de OBR 60 Estágio OBR 100
leitura e Supervisionado
produção de I
textos II
Teoria OBR 60 Teoria OBR 60
Antropológica Antropológica III
III
Teoria OBR 60 Oficina de OBR 100
Sociológica III pesquisa em
Ensino de CS I
4º Teoria Política OBR 60 4º Teoria Política III OBR 60
III
Didática OBR 60 Teoria OBR 60
Sociológica III
Antropologia OBR 60 Estágio OBR 100
Brasileira Supervisionado
II
Pluralidade OBR 60 Antropologia OBR 60
cultural e Brasileira
educação
Sociologia da OBR 60 Antropologia e OBR 60
Educação Educação
Oficina I de OBR 60 Oficina de OBR 100
Métodos Pesquisa em
Qualitativos Ensino de
Ciências
Sociais II
Organização da OBR 60 Metodologia de OBR 60
5º Educação 5º Ensino em
Brasileira Ciências
Sociais
Estágio OBR 100 Sociologia da OBR 60
Supervisionado Educação
I
Métodos OBR 60 Direitos OBR 60
Quantitativos Humanos e
Aplicados as Educação
CS
Língua OBR 60 Língua OBR 60
Brasileira de Brasileira de
Sinais Sinais
(LIBRAS) (LIBRAS)
6º Fundamentos OBR 60 6º Linguagens OBR 60
Psicossociais Audiovisuais
no Ensino de
111

da Ciências
Aprendizagem Sociais
Tecnologias OBR 60 Oficina de OBR 100
Educacionais e Projetos em
Elaboração de Contextos
Materiais Educativos I
Didáticos
Estágio OBR 100 Disciplina - 60
Supervisionado Optativa
II
Oficina II de OBR 60 Diversidade de OBR 60
Métodos gênero,
Qualitativos Educação e
relações
Étnico-raciais
Estágio OBR 100 Oficina de OBR 100
Supervisionado Projetos em
7º III 7º Contextos
Educativos II
Estágio OBR 100
Supervisionado
III
Disciplina - 60
Optativa
Participação OBR 60 Estágio OBR 100
Política e Supervisionado
8º Educação 8º IV
Atividades OBR 200 Oficina de OBR 100
Acadêmico- Produção de
Científico- Material
Culturais Didático-
Pedagógico
para o Ensino
de Ciências
Sociais
Trabalho de OBR - Disciplina - 60
Conclusão de Optativa
Curso
Disciplina - 60
Optativa

Fonte: elaborado pela autora (2024) adaptada do Projeto Político-Pedagógico do curso de


Ciências Sociais UFRN, 2019, P. 44-47

Componentes curriculares novos


Componentes curriculares que mudaram de período

Conforme citado anteriormente, alguns trabalhos de pesquisa


empenharam-se em analisar e tecer críticas aos aspectos formativos em
evidência no curso de licenciatura de Ciências Sociais da UFRN, pelo menos até
o ano de 2017. Dos três trabalhos referendados aqui – dois produzidos por
112

discentes do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais (PPGCS) e o


terceiro produzido no Programa de Pós-graduação em Educação (PPGEd) – os
que foram desenvolvidos no PPGCS forneceram dados e, portanto, subsidiaram
as reformulações que ocorreram tanto no PPC do curso quanto na estrutura
curricular de sua licenciatura. As produções de Oliveira (2016), Souza (2017) e
Cunha (2017) apontavam, entre outras coisas, as lacunas sentidas pelos
licenciandos egressos do referido curso quando de sua entrada na escola básica
e todas as demandas que por esta realidade eram impostas. Além disso,
segundo o PPC/CS (2019), durante o período de discussões para reformulação
da estrutura do ano de 2013 os próprios estudantes do curso foram ouvidos,
deixando claras suas solicitações quanto à:

1) A compreensão de que as disciplinas do campo educacional (didática,


estágio, metodologia de ensino) estão desconectadas da formação
teórica e metodológica em ciências sociais; 2) Apontam que a licenciatura
ainda estaria distante da realidade do ensino médio, no sentido de que
não prepara para a atuação prática em sala de aula; 3) Necessidade de
adensar a relação teoria/prática enfatizam que até o 5o. período o curso
não oferece atividades práticas). (PPC, 2019, P.16)

As fragilidades elencadas pelos então estudantes, em muito dialogavam


com os dados trazidos pelos trabalhos de pesquisa supracitados e endossavam,
portanto, a relevância de uma revisão no modo como os professores de
Sociologia, desse contexto, eram formados. É nesse sentido, portanto, que
percebemos na estrutura curricular do ano de 2020 avanços significativos na
institucionalização de um novo modelo de curso de licenciatura em Ciências
Sociais na UFRN, dos quais destacamos, principalmente: 1) A inserção dos
componentes pedagógicos já no primeiro ano de curso, representados pelo
componente de Didática, permitem, conforme solicitação dos estudantes
consultados, uma introdução do futuro professor no campo da educação, nas
discussões metodológicas e de organização do ensino, deixando demarcado o
percurso formativo que ali se inicia. Vale salientar ainda, que uma das queixas
feitas quando da reformulação da estrutura curricular era a de que as disciplinas
do campo educacional articulassem seu conteúdo a realidade do futuro professor
de Sociologia. Essa, no entanto, é uma questão impossível de mensurar neste
113

momento, visto que precisaria de um acompanhamento do modo como estes


componentes estão sendo operacionalizados em sala de aula, nos dias de hoje;
2) De modo consecutivo, como podemos observar na tabela comparativa acima,
os estágios também são antecipados e no segundo período, os licenciandos são
apresentados a possibilidade de investigar a escola de modo mais reflexivo,
pensando seus componentes curriculares, seu PPC, sua organização político-
pedagógica e todos os elementos que precedem a chegada a sala de aula. Os
componentes de estágio possuem uma carga horária maior, de 100 horas e,
assim como didática, são ofertados por outros departamentos que não do próprio
curso de Ciências Sociais. Talvez por esta razão, também aqui os estudantes
tenham sinalizado a falta de articulação com a sua área específica. Ainda assim,
a conquista de ver essas mudanças nessa estrutura precisa ser demarcada. 3)
De igual modo destacamos a criação das oficinas, que totalizam seis
componentes novos inseridos no currículo que nos permitem inferir, por meio da
análise de suas ementas24, que seus objetivos enquanto atividade formativa
atendem a mais uma solicitação colocada pelos discentes ouvidos no curso de
Ciências Sociais e pelas pesquisas aqui mencionadas, quando ambos
reclamavam a lacuna existente entre a formação teórica do curso e a mediação
desses conteúdos em sala de aula. As oficinas são atividades com carga horária
de 100 horas e traduzem um caráter de maior aprofundamento na relevância que
possuem os contextos sociais e todos os elementos a ele intrínsecos para a
formação dos futuros professores.
Essas oficinas representam também aquilo que preconizava o documento
base que orientou a (re)formulação dessa estrutura de curso – a Resolução

24 A exemplo, trazemos aqui a ementa da Oficina de pesquisa em ensino de Ciências Sociais I,


que objetiva: Analisar diferentes contextos sociais em processos contemporâneos de
sociabilidade locais e mundiais, para efeito comparativo e associativo entre cotidiano e esferas
globais acerca das mudanças dialéticas estruturais-sociais da sociedade atual. Para isso,
vislumbrar os diferentes espaços de educação (formal, não formal; curricular e extracurricular
etc.) existentes, suas especificidades e interfaces; a pesquisa de aspectos macro e
microssociológicos da prática pedagógica e dos cotidianos escolares e não escolares,
observando as formas de (re) produção de violências, discriminações e dominação a partir de
diferentes marcadores sociais da diferença (como gênero, raça, sexualidade, idade, etnia etc.);
vinculações com as relações do mundo corrente do trabalho, mudanças na esfera familiar e
dimensões ecológicas ambientais, métodos e técnicas de pesquisa em instituições escolares e
não escolares; elaboração de projeto de investigação em educação, através da formulação de
problemas e reflexões sobre as práticas pedagógicas e a partir dos conteúdos específicos das
Ciências Sociais, observando as possibilidades de execução, os procedimentos de análise e a
avaliação dos resultados da ação proposta; a pesquisa como conteúdo e prática pedagógica no
ensino de Ciências Sociais; a formação e a prática do educador-pesquisador.
114

CNE/CP nº 2, de 1º de julho de 2015, ou as DCN de 2015 – a indissociabilidade


entre as esferas do ensino, da pesquisa e da extensão. Os componentes
dividem-se, inclusive, em duas ofertas voltadas a pesquisa em ensino, duas
ofertas voltadas a projetos em contextos educativos e uma oferta voltada a
produção de material didático para o ensino de Sociologia; 4) Em seguida,
destacamos o advento da Metodologia de ensino em Ciências Sociais como mais
um componente curricular a atender as demandas de especificidade quanto ao
ensino da Sociologia na educação básica. A disciplina que prevê, segundo sua
ementa, trazer uma fundamentação teórica e metodológica acerca do ensino da
referida disciplina, propõe também (re)pensar propostas curriculares, além de
fomentar a construção de um programa de curso, planos de aula e avaliações.
O caráter norteador desse componente é indiscutível, sendo ele
imprescindível para o mínimo de contato com o fazer pedagógico, a partir das
necessidades relacionadas ao ensino das Ciências Sociais; 5) Por fim,
destacamos a introdução de componentes curriculares que contribuem,
significativamente, para uma formação profissional alinhada as reflexões
necessárias sobre diversidade e que, nesse sentido, tornem os futuros
professores aptos a mediar discussões acerca da multiplicidade étnica e racial,
da diversidade de gênero e da inclusão social, por exemplo. As disciplinas de
Diversidade de gênero, educação e relações étnico-raciais, Direitos humanos e
educação e Antropologia e educação certamente contribuem nesse aspecto
formativo e avançam consideravelmente na demarcação da relevância dessas
aprendizagens para uma formação profissional qualificada e pertinente as
demandas a serem encontradas pelos futuros professores de Sociologia.
Dito isto, é evidente que ante uma estrutura curricular ainda bastante
bacharelesca e pouco sensível às questões demandadas do fazer docente
cotidiano, como tinha-se em 2013, o curso de licenciatura em Ciências Sociais
da UFRN caminhou de maneira importante no sentido de uma formação
profissional mais qualificada e condizente com as Sociologias25 presentes no
ensino médio. Nas conclusões de seus estudos sobre as tantas Sociologias que
acontecem na escola, Cunha pontua:

25Os tipos de ensino, que ousadamente anunciamos no tema do estudo como as Sociologias no
ensino médio, são configurados por práticas educativas em movimento que se expressam no
cotidiano das escolas, em função de contextos e situações diversas. (CUNHA, 2017, P. 208)
115

Que “existem tantas Sociologias” quantos professores nas escolas, e que


cada experiência de ensino pode ser considerada uma expressão ou uma
manifestação de elementos anteriores e paralelos à ação. Como lidar
com essas realidades? Diante dessa questão, acreditamos que seja
necessário construir uma proposta de ensino de maneira democrática e
dialógica, que leve em consideração o chão das escolas e não somente
as leituras teóricas sobre qual é o papel da Sociologia na sociedade. É
preciso se debruçar nas realidades que acontecem nas escolas para
construir uma Sociologia para as escolas. A Sociologia no ensino médio
deve atentar para as propostas nos documentos, considerando também
os desafios postos aos professores no cotidiano da sala de aula.
(CUNHA, 2017, P. 209)

O que o autor explicita como caminho a construção de uma Sociologia


que faça sentido ao ensino médio perpassa, sem dúvida, por uma formação
docente que esteja em diálogo com essa realidade e que instrumentalize o
professor, de modo que além de construir sua prática referendada em todos os
elementos que o constituem seja ele capaz, também, de mover-se no chão da
escola onde se encontra. Acrescentamos ainda a prospecção de que essa
formação possibilite ao professor assumir-se como sujeito da história,
consciente, portanto, das relações que se constroem entre educação e
sociedade sendo ele, nesse sentido, capaz de operacionalizar mudanças nessa
estrutura de modo intencional. Esse professor e essa concepção de docência,
entendemos, bem mais representados no modelo curricular do ano de 2020, da
licenciatura em Ciências Sociais da UFRN. Ressaltamos ainda que o referido
currículo foi alterado, conforme trouxemos um pouco acima, com base nas
Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior e para
a formação continuada de professores do ano de 2015 e, sobre isto, fazemos
duas observações: 1) no limite que esse texto e capítulo permitem, pelas
análises já feitas das diretrizes dos anos de 2015 e 2019, concluímos que os
fundamentos presentes na legislação mais recente certamente encaminharão o
currículo de licenciatura analisado a uma nova reformulação, o que pode
significar algum retrocesso nos caminhos já percorridos e progressos aqui já
descritos; 2) é importante observar que somente em dezembro de 2019 o novo
PPC/CS foi aprovado, norteado pelas DCN do ano de 2015 e as alterações
116

propostas entraram em vigor somente no primeiro semestre do ano de 2020 26.


O contexto micro aqui estudado representa a cadência com que acontecem as
alterações curriculares e nos faz pensar que ainda não seria possível avaliar, do
ponto de vista prático, por exemplo, o novo currículo da licenciatura em Ciências
Sociais, quando o que temos já seria a necessidade de uma nova mudança,
frente as perspectivas trazidas pelas DCN do ano de 2019.
Todas essas questões acerca das reformas educacionais, da fragilidade
da Sociologia enquanto disciplina do ensino médio e da própria formação dos
professores da disciplina em questão constituem o ponto nodal desse trabalho,
pois, ao tomar as representações sociais dos estudantes do ensino médio acerca
da Sociologia, como objeto desse estudo, e ainda compreendendo que, para
construir suas representações esses jovens necessitam de referentes é inegável
que todas essas estruturas agem no processo de remontar o que é a disciplina
de Sociologia para eles. Afinal, para que tenham sentido, essas representações
necessitam da interação e se mostram, inclusive, como resultado dessa
somatória entre a história pessoal de cada um como resultado de suas
interações grupais.
Sendo assim, entender esse contexto precede o entendimento da própria
imagem que terão os estudantes sobre a Sociologia na escola e, por essa razão,
nos preocupa o esvaziamento da intelectualidade na formação de professores,
o reducionismo desse profissional a função de mero treinamento ou da produção
de empregáveis, a subserviência dessas estruturas e desses profissionais ao
capital externo e aos sistemas avaliativos, as contrarreformas que se multiplicam
nesse cenário e corroboram para corrosão de longos anos de lutas e avanços
no campo da educação em busca de uma problematização da realidade, sua
leitura crítica e mudanças operadas por uma educação emancipatória, de fato.
Refazer esse caminho é questionar também como fazer a Sociologia na escola
básica diante desse panorama, como desenvolvê-la num sistema educacional
que quer formar o professor que treina o aluno para o ENEM ou o prepara para
o mundo do trabalho... em que lugar e de que maneira caberia a Sociologia

26 Importante ressaltar ainda que segundo professor Gilmar Santana, coordenador da


Licenciatura em CS naquele ano, houve um esforço conjunto entre coordenação de curso e pró-
reitoria de graduação da UFRN, para que este PPC fosse aprovado até o final do ano de 2019 a
fim de evitar a entrada das propostas do “novo ensino médio”.
117

nessa concepção de educação? A resposta ou os caminhos para ela vem, na


tese aqui em curso, dos estudantes e das suas representações apresentados e
analisados a seguir.
118

4 O CENÁRIO DE INVESTIGAÇÃO: ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO DO


MUNICÍPIO DE NATAL E O CAMINHO DAS SUAS REPRESENTAÇÕES
SOCIAIS ACERCA DA DISCIPLINA DE SOCIOLOGIA

A leitura do mundo precede a leitura da


palavra (Paulo Freire)

A representação social, enquanto fenômeno a ser estudado, é resultado


de um complexo de relações que, segundo Sá (1998), são simplificadas quando
se constrói esse objeto de estudo. Conforme repetidamente enunciamos neste
trabalho, tem-se aqui como intento conhecer a imagem que se engendra acerca
da disciplina de Sociologia, na escola média. Entretanto, convém destacar que,
segundo Jodelet (2001), uma representação social é sempre a representação de
alguma coisa e de alguém. Há, ainda segundo a autora, uma relação de
simbolização e de interpretação entre o sujeito e o objeto que ele está
representando. É preciso demarcar que é nesse complexo relacional que são
construídas as imagens e significações que esses sujeitos trazem acerca do
objeto a ser representado.
Nos capítulos anteriores deste trabalho buscamos perfazer o contexto de
construção sócio-histórica onde se circunscreve a disciplina de Sociologia e a
sua trajetória na escola média no Brasil. Desde o surgimento da Sociologia,
enquanto disciplina escolar, as incontáveis reformas educacionais e suas
interferências na permanência ou não da disciplina na escola e nos currículos, a
construção de um campo de pesquisa a respeito do ensino de Sociologia, a
formação dos seus profissionais e os impactos na carreira docente trazidos com
o histórico intermitente da cátedra em questão, foram alguns dos aspectos
abordados e que entregam um panorama de instabilidade e fragilidade do ensino
de Ciências Sociais na educação básica, ainda que tenham havido conquistas
importantes, conforme também referendamos aqui. Refazer esse caminho é
pressuposto a um trabalho que pretende estudar um objeto construído não
somente cognitiva, mas também socialmente. Ante o exposto, avançaremos a
seguir com a caracterização dos colaboradores dessa pesquisa, os “alguéns” a
119

que se refere Jodelet (2001) e seus contextos de produção e circulação de


representações.

4.1 A representação de alguém: a caracterização dos sujeitos da pesquisa

Forma de saber: a representação será apresentada como uma


modelização do objeto diretamente legível em (ou inferida de) diversos
suportes linguísticos, comportamentais ou materiais. (...) qualificar esse
saber prático se refere à experiência a partir da qual ele é produzido (...),
sobretudo, ao fato de que a representação serve para agir sobre o mundo
e o outro, o que desemboca em suas funções e eficácias sociais.
(JODELET, 2001, p. 27-28).

Segundo Jodelet (2001) qualificar esse saber prático – que é a


representação social – se refere à experiência a partir da qual ele é produzido e,
assim sendo, a fim de conhecer essa experiência torna-se indispensável saber
quem são os sujeitos protagonistas da produção de um conhecimento que os
municia a agir sobre o entorno onde se encontram e sobre o outro. Nesse
contexto, cabe-nos dizer que dessa pesquisa participaram 149 estudantes do
ensino médio, do município de Natal, no estado do Rio Grande do Norte. No
grupo de participantes notamos uma predominância do gênero masculino,
conforme podemos notar de acordo com o gráfico abaixo:

Gráfico 01. Gênero dos estudantes

53,70% 46,30%

0,00% 10,00% 20,00% 30,00% 40,00% 50,00% 60,00% 70,00% 80,00% 90,00% 100,00%

Masculino Feminino

Fonte: elaborado pela autora (2024)


120

O número maior de participantes do gênero masculino na pesquisa nos


acende um alerta a respeito da questão de gênero e da trajetória escolar das
meninas na educação formal. Embora hodiernamente haja, felizmente, um
processo de crescente ocupação feminina nos espaços formais de educação,
seu ingresso tardio nesses lugares e com concepções de ensino voltadas ao
desenvolvimento de conhecimentos e habilidades próprios ao cuidado do lar e
da família, deixam marcas no percurso escolar das meninas, entraves
mobilizados às custas de muita luta dos movimentos sociais, fundamentalmente
dos movimentos feministas. A este respeito, verificamos que embora nossos
dados estejam em desacordo com essa tendência, a presença feminina,
sobretudo na terceira série do Ensino Médio, tem se mostrado maior que a
presença masculina ao final da educação básica.

Em função do acúmulo de repetências, aumentam, a partir dos anos


finais, as taxas de evasão entre os meninos. Esse fenômeno resulta em
uma maior proporção de meninas ao final do ensino fundamental, já que
elas têm uma trajetória de maior sucesso quando comparada à dos
meninos. No 9º ano, o último do ensino fundamental, as alunas já são
maioria, representando 50,8% dos estudantes. (...) Durante o ensino
médio, o percentual de mulheres continua crescendo em relação aos
estudantes do sexo masculino, atingindo 53,9% dos matriculados na 3ª
série. (INEP, 2022)

Esse percurso de insucesso escolar masculino é também reforçado pelos


dados do censo escolar do ano de 2022, quando se nota que tanto na rede
privada quanto na rede pública de ensino são os meninos os responsáveis pela
maior taxa de distorção idade-série27 , que leva em consideração também os
estudantes que reprovam ou que abandonam os estudos em determinado ano
letivo. Há que se considerar a relevância desses dados para um panorama da
educação, de um modo geral, mas, sobretudo para o estudante que está “fora
de faixa”, já que esse é um processo irreversível, posto que uma vez atrasados
os estudos – seja por reprovação ou abandono – o estudante permanecerá na
condição de “atrasado”, até que sua trajetória escolar seja concluída. A este

27 O indicador distorção idade-série é o dado estatístico que acompanha, em cada série, o


percentual de alunos que tem idade acima da esperada para o ano em que estão matriculados
(INEP, 2022b)
121

respeito convém mencionar que o fenômeno da representação de um único


culpado a este processo de insucesso escolar já foi por nós, sucintamente,
desmistificado.

o fracasso escolar é alvo ainda de raízes ideológicas, que propagam a


ideia do conformismo, do derrotismo, sugerindo aos indivíduos
permanecerem na situação de estagnação educacional, “acusando-os”
de incapacidade intelectual e destinação ao fracasso. Essa ideologia que
busca naturalizar um processo que é construído socialmente tem bases
no individualismo e competitividade exacerbados, estimulados pelo
sistema econômico capitalista, que produz a ideia de responsabilidade
individual, centralizando no indivíduo, e somente nele, a responsabilidade
pelo sucesso ou fracasso que lhe abatam. (OLIVEIRA, 2012, P.60)

Nesse sentido, o fato de os meninos irem, gradativamente, afastando-se


do ambiente escolar, fenômeno observado desde o Ensino Fundamental, não
corresponde a uma narrativa somente de circunstâncias individuais, mas,
também de condições socioeconômicas, questões raciais, dificuldades de
personalidade, relação com o meio e com tudo aquilo que não está diretamente
ligado a história escolar do discente. Ainda nesse sentido, sobre o grupo
investigado, é importante destacar que, embora as proporções de gênero não
reflitam os dados mais recentes acerca das presenças masculina e feminina no
Ensino Médio, os números referentes a distorção idade-série espelham esse
processo de repetência e/ou evasão. Considerando que a criança deve ingressar
na pré-escola até os 4 anos completos, espera-se que ela finalize o Ensino Médio
entre 17/18 anos, regularmente. Nesse estudo, dos 149 estudantes investigados,
22 estavam fora da faixa-etária esperada na terceira série do Ensino Médio.
Desses 22 estudantes, 19 tinham idade entre 19 e 21 anos e 3 possuíam 22
anos ou mais. Do grupo de estudantes fora da idade regular, 77% eram do
gênero masculino, enquanto 23% compreendiam o gênero feminino, o que
concerne com os dados do último censo e revela a importância de (re)pensar
toda essa estrutura que fragiliza a permanência e o sucesso escolar masculinos
na escola básica.
E aqui, convém destacar que os colaboradores deste trabalho eram todos
estudantes da terceira série do Ensino Médio. Tal escolha justifica-se, pois, ao
compreendermos o fenômeno das Representações Sociais como algo
construído e difundido por meio da interação e das práticas de comunicação
122

ocorridas cotidianamente (Moscovici, 2013), entendemos que nesse processo


investigativo ouvir os estudantes do terceiro ano do ensino médio nos traria mais
elementos acerca do possível objeto de representação: a disciplina de
Sociologia, visto que, em tese, o ingresso na terceira série pressupunha que este
aluno já tivesse contato com a Sociologia, no mínimo, nos dois anos escolares
anteriores
Avançando na caracterização aqui proposta, os estudantes investigados
eram pertencentes as três redes de ensino que ofertam o Ensino Médio na
capital potiguar, quais sejam: a rede pública federal, a rede pública estadual e a
rede privada, assim distribuídos:

Gráfico 02. Origem da instituição de ensino dos estudantes


100%

80%

60%
44%
40% 29%
27%
20%

0%

Rede Estadual Rede Federal Rede Privada

Fonte: elaborado pela autora (2024)

Segundo dados do censo escolar do ano de 2022 o número de matrículas


no Ensino Médio apresentou uma elevação de 1,2%, registrando, no Brasil, 7,9
milhões de estudantes inscritos nessa etapa de ensino. Desse montante, a rede
estadual é, em nível nacional, responsável pela concentração do maior número
de matriculados, com 84,2% de estudantes, seguida da rede privada, com 12,3%
e da rede federal, com 3% dos matriculados. No município de Natal, lócus dessa
pesquisa, segundo os mesmos dados, tivemos 31.697 matrículas no Ensino
Médio, no ano de 2022, sendo destas 9.195 de estudantes da terceira série.
Destes, detalhamos que 6.238 eram estudantes da rede estadual, enquanto
2.298 eram alunos da rede privada e 659 da rede federal de ensino. A
porcentagem dos dados da pesquisa de tese reflete, guardadas as devidas
123

proporções, o cenário de predominância de estudantes pesquisados em escola


pública estadual, sendo estes 65 dos 149 colaboradores, seguidos pelos 43
estudantes de escola privada e, por fim, os 41 alunos pertencentes a rede federal
de ensino.
Conforme supracitado, em busca de uma maior probabilidade de
circulação de ideias, narrativas e imagens acerca da disciplina de Sociologia e,
portanto, o entendimento de que as chances de construção de uma
representação sobre este objeto seriam maiores, ao trabalhar com os estudantes
do terceiro ano do Ensino Médio, buscou-se alguma certificação do contato do
grupo com a cátedra em questão e, por essa razão, os jovens foram
questionados sobre em que séries do Ensino Médio tiveram aulas de Sociologia:

Gráfico 3. Séries do EM com aula de Sociologia

98,50%
100,00%
90,00%
80,00%
70,00%
60,00%
50,00%
40,00%
30,00%
20,00%
10,00% 1,50%
0,00%

Todas as séries do EM Outro

Fonte: elaborado pela autora (2024)

Embora reconheçamos que o contato direto com a disciplina não seja o


único aspecto a ser considerado no engendramento de uma possível
representação, o fato de a Sociologia ser obrigatória somente no Ensino Médio
é um elemento relevante, do ponto de vista das representações, posto que os
tempos hodiernos apresentam uma comunicação deveras fluída o que interfere
na construção e estabilidade das representações. Enquanto objeto a ser
representado, a disciplina de Sociologia precisaria adquirir alguma estabilidade,
sentido, inteligibilidade, que resultem da apropriação da realidade exterior aos
124

indivíduos e da elaboração psicológica e social dessa realidade (JODELET,


2001). Para concretude desse processo é necessário, sem dúvidas, que os
estudantes estabeleçam aproximações com a disciplina de Sociologia, pois não
há como representar coletivamente um objeto sobre o qual não se tem algum
conhecimento. Sendo assim, 98,5% dos participantes declararam ter tido aulas
de Sociologia em todas as séries do Ensino Médio, enquanto 1,5% apresentaram
respostas de que tiveram aulas da disciplina somente no 2º e 3º anos.
A respeito das aulas de Sociologia, com base na LDB/1996, sua 5ª edição
define ainda no artigo 35 – A, que os objetivos de aprendizagem do ensino médio
serão norteados pelas já conhecidas áreas do conhecimento, sendo as Ciências
Humanas e Sociais uma dessas áreas e estando incluídos obrigatoriamente,
pela BNCC, os estudos e práticas de educação física, arte, sociologia e filosofia.
Embora a legislação vigente já indicasse o aspergimento da disciplina de
Sociologia, é salutar mencionar que em todas as redes de ensino, no contexto
pesquisado, ainda havia aulas de Sociologia enquanto disciplina escolar. Sobre
este aspecto observemos seguir:

Tabela 7. Distribuição de aulas de Sociologia por rede de ensino

Número de aulas semanal por série/ano


Disciplina Sociologia
1º ano 2º ano 3º ano

Rede pública estadual 1 1 1


Rede pública federal 2 2 2
Rede privada 1 1 1
Fonte: elaborado pela autora (2024)

A tabela acima retrata, de acordo com os currículos das escolas


pesquisadas, aos quais tivemos acesso28, a distribuição de aulas de Sociologia,

28 Sobre os currículos das instituições de ensino pesquisadas, as estruturas da rede pública


estadual e da rede pública federal estão disponíveis na internet sendo acessadas,
respectivamente, nos endereços eletrônicos: http://www.seec.rn.gov.br/ e
https://portal.ifrn.edu.br/
Já os currículos das instituições privadas de ensino não foram disponibilizados e, dessa forma,
as informações sobre quantidade de aulas e horários foram fornecidas pelos professores de
Sociologia dessas escolas.
125

por semana, nas três séries do Ensino Médio. Aqui é importante mencionar que
as redes estadual e privada, nas escolas investigadas, tinham a Sociologia como
disciplina anual, tendo esta 1 aula semanal de 45 minutos, durante todo o ano
letivo. Já na instituição federal a Sociologia e a Filosofia são disciplinas
semestrais que se alternam nas turmas e, por esse motivo, a disciplina tem 2
aulas semanais, de 45 minutos cada, mas, em somente um semestre letivo.
Desse modo, embora organize-se de modo diferente, ao final de um ano letivo é
esperado que os estudantes das três redes de ensino tenham cumprido a carga
horária total de 120 horas/aula de Sociologia.
A respeito das instituições pesquisadas, serão ocultados seus nomes,
conforme acordo tácito estabelecido entre os gestores das instituições e a
pesquisadora responsável. No município de Natal, ainda de acordo com o último
censo escolar, encontram-se 111 instituições de ensino que ofertam o Ensino
Médio. Para esta pesquisa foram visitadas duas instituições de ensino da rede
privada, uma instituição da rede pública estadual e uma da rede pública federal.
As escolas da rede privada localizavam-se no bairro Pitimbú e no Tirol,
respectivamente nas zonas Sul e Leste do município, enquanto a escola da rede
estadual ficava no Centro da cidade e a instituição da rede federal no bairro do
Tirol, também zona Leste da capital potiguar. As visitas a estas escolas
aconteceram entre os meses de setembro de 2022 e janeiro de 2023 em horários
previamente agendados com a gestão e os professores de Sociologia das
escolas que, gentilmente, cederam seus horários de aula para que fosse
desenvolvida, com os estudantes a principal técnica de investigação da pesquisa
em curso: a Técnica de Associação Livre de Palavras (TALP). A este respeito,
os tópicos seguintes elucidarão detalhadamente os caminhos teóricos e
metodológicos adotados na referida pesquisa, levando em consideração o
objetivo de encontrar a representação social acerca da disciplina de Sociologia
dos estudantes aqui caracterizados.

4.2 A abordagem estrutural e a organização das representações sociais: a


tessitura de um caminho sociocognitivo

A intermitência da Sociologia nos currículos acarretou particularidades a


essa ciência enquanto saber escolar que ocasionaram dificuldades em sua
126

legitimação e tradição dentro da escola média brasileira. Essas problemáticas


perpassam os cursos que formam seus professores, seus currículos formativos
e os da própria disciplina na educação básica, reverberando nas discussões
sobre a articulação entre teoria/prática e universidade/escola. Ante as inúmeras
possibilidades de refletir acerca da história e papel da disciplina de Sociologia no
espaço escolar, faremos referência, neste trabalho, a Teoria das
Representações Sociais (TRS) como categoria teórica e metodológica para
pensar o ensino de Sociologia, a partir da perspectiva dos estudantes aqui
investigados.
Partindo das elaborações teóricas de Serge Moscovici (2012),
refletiremos como estudantes do Ensino Médio em suas interações cotidianas
constroem representações sociais acerca da disciplina supracitada. E como
essas representações tornam inteligível a realidade dos estudantes, contribuem
(ou não) para a formação de uma identidade grupal, orientando assim as práticas
desse grupo e suas ações. (ABRIC, 2001).
Compreender o engendramento de uma imagem, o significado que ela
pode atribuir a realidade de um grupo social e seu papel nas ações desse grupo
não foi o primeiro objetivo das representações sociais quando estas começavam
a emergir, partindo da percepção de representações coletivas, elucidada pelo
sociólogo francês Émille Durkheim.

Compreendida como fato social, coisa dada, a noção de representações


coletivas reflete, certamente, a soberania social que marca as
teorizações durkheimianas, além de um indivíduo que se encontra
subordinado a este coletivo, que por sua vez é devidamente ordenado e
consensual devido aos próprios fatos sociais. Assim, em relação ao
pensamento e comportamento individuais, que Durkheim considera
pouco estáveis e sensíveis, as representações coletivas refletem:
autonomia, exterioridade e coercitividade. (OLIVEIRA, 2016, P. 126)

Ainda a este respeito, pensar, por exemplo a representação coletiva da


disciplina de Sociologia na escola média, seria pensar um fato social, algo dado,
que fosse comum a praticamente todos os indivíduos e, assim sendo, um
fenômeno de certa forma soberano, estático e com potencial coercitivo. Segundo
Brilhante (2020):
127

As representações coletivas dentro da sociologia durkheimiana designam


funções mentais, revelando, portanto, uma psicologia social. No entanto,
para o sociólogo francês, essas representações estão emancipadas das
representações dos indivíduos, elas têm uma ontologia própria que não
podem ser explicadas dentro de uma psicologia do indivíduo, são,
portanto, produtos de uma coletividade, de uma tradição e organizam a
vida social. Durkheim, em sua noção de representações coletivas tem o
mérito de ter dado ao senso comum e ao cotidiano um estatuto
epistemológico que até então não tinham, mas o sociólogo francês, por
conta de suas justas e compreensíveis preocupações metodológicas, não
considerou o indivíduo como “nível” possível para a explicação deste
fenômeno, reforçando a clássica dicotomia positivista entre os
fenômenos de nível individual e os fenômenos de nível social.
(BRILHANTE, 2020, P. 38)

Pensar um fenômeno social hodierno sob esta perspectiva seria, portanto,


desconsiderar o aspecto individual presente na produção de uma representação
social, por exemplo.

As representações sociais, enquanto fenômenos dinâmicos ligados a


contextos sociais específicos, são característicos das sociedades
modernas (...) devido ao desenvolvimento dos métodos e das tecnologias
de comunicação, que se modificaram consideravelmente com o advento
da Modernidade. (WACHELKE; CAMARGO, 2007, P.382)

Conforme supracitado, a modalização da realidade, ao longo dos tempos,


faz dela um objeto dinâmico de absoluta plasticidade e, por essa razão, Serge
Moscovici (2013) vai nos dizer que para além dessa abrangência que envolve
crenças e conhecimentos e do caráter estático das representações coletivas
durkheimianas, as representações sociais respondem a uma nova ordem de
fenômenos, que se afasta de compreensões psicologistas da escola americana
ou sociologistas como as enunciadas por Émile Durkheim. Rompendo com a
dicotomia de outrora, entre indivíduo e sociedade, é nessa linha tênue, entre o
psicológico e o social que se localiza a Teoria das Representações Sociais.
Nesse sentido, compreendemos a teoria desenvolvida por Moscovici
como um arcabouço teórico-metodológico que busca dar conta, dentro da
Psicologia Social, da compreensão de fenômenos que envolvem saberes,
crenças, imagens, formulações que dão a realidade dos indivíduos sentido,
inteligibilidade e que também são prescritivos de suas ações e tomadas de
posição, ordenando, dessa maneira, não somente o seu modo de pensar, mas,
128

também sua forma de agir e, nesse sentido, impactando seu entorno, o que lhe
atribui, também, um aspecto que é social. De outra forma, o fenômeno
representacional é psicossociológico e, portanto, a sua compreensão gravita
entre os campos sociológico e psicológico do conhecimento. Já a não exatidão
na conceituação da representação social, junto a outros fatores tornaram-se
emblemas à teoria moscoviciana que, assim como nos elucida Oliveira (2015),
agravam-se quando esta teoria toma como objetos os saberes produzidos no
senso comum. Assim, vejamos:

É necessário ressaltar que representações sociais podem designar


concomitantemente a teoria e os objetos estudados, o fenômeno e o
conceito. Por essa condição interseccional e ambígua, a noção de
representação social se apresenta fugidia e de difícil conceituação e essa
encruzilhada onde se situa o conceito de representação social marcará a
grande dificuldade da compreensão epistemológica do termo, bem como
a resistência à grande teoria que é agravada quando esta se ocupa de
saberes produzidos no âmbito do senso comum. (OLIVEIRA, 2015, p. 47,
grifos da autora).

Por sua condição interseccional e sua essência localizada no senso


comum, a TRS foi um campo negligenciado, pelo menos, nos primeiros dez anos
após sua elaboração. Hodiernamente, contudo, conforme já elucidamos
anteriormente, o formato da nossa realidade, a liquidez trazida pelos tempos
modernos, a celeridade na comunicação acarretada pelo advento dos meios de
comunicação em massa, a descentralização dos agentes sociais que produzem
e legitimam o conhecimento social são alguns dos fatores que viabilizaram a
produção de conhecimento do senso comum e, consequentemente, trazem uma
diversificação das representações e uma modificação no cenário de pesquisas
empíricas que, seguindo a tendência do objeto em questão, expandem-se e
envolvem os mais diversos objetos de representação e abordagens
metodológicas, o que leva a construção de alguns campos independentes dentro
da TRS, mas, que ainda assim contribuem ao seu fortalecimento e efetivação. A
multiplicidade de compreensões acerca do próprio conceito reflete um pouco da
amplitude de concepções e seus alinhamentos dentro dos subgrupos que
derivam da grande teoria elucidada por Moscovici.
129

Há uma variedade de definições para o fenômeno das representações


sociais, segundo o foco no processo ou produto, e pluralidade de
perspectivas de estudo. Segundo Jodelet (2001), a representação social,
“... é uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada,
com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma
realidade comum a um conjunto social” (p. 22). Para Wagner (1998),
representação social é simultaneamente um “... conteúdo mental
estruturado – isto é, cognitivo, avaliativo, afetivo e simbólico – sobre um
fenômeno social relevante, que toma a forma de imagens ou metáforas,
e que é conscientemente compartilhado com outros membros do grupo
social” e “... um processo público de criação, elaboração, difusão e
mudança do conhecimento compartilhado” (p. 3-4). Já a perspectiva de
Doise (1985), concebe as representações sociais como “... princípios
geradores de tomadas de posição ligadas a inserções específicas dentro
de um conjunto de relações sociais, e que organizam os processos
simbólicos que intervêm nessas relações” (p. 246). (WACHELKE;
CAMARGO, 2007, P. 380)

A variabilidade com que se apresentam as definições acerca do que são


as representações sociais dizem muito sobre a magnitude do lugar que a teoria
vem ocupando nos últimos anos e, nesse sentido, muitos foram os seus
desdobramentos. De modo muito simplório, a título de ilustração, nos convém
apontar que as definições supracitadas estão localizadas a partir das
abordagens de seus interlocutores. A TRS ganha, principalmente, três
abordagens que, segundo Sá (1998), não são teorias incompatíveis entre si, pois
estruturam-se sob a mesma fundamentação, sendo elas: a abordagem
culturalista, a abordagem societal e a abordagem estrutural. A frente da
abordagem culturalista, segundo Sousa e Souza (2021), para Denise Jodelet:

A compreensão das representações sociais se constitui por meio dos


elementos afetivos, sociais e mentais que se integram a cognição,
linguagem e comunicação, afetando as representações da realidade
social e material. A teoria das representações sociais possui uma
perspectiva antropológica e sociológica, se constitui de significações da
cultura, sendo entendido como transmissora de referências simbólicas,
se constitui por motivações, interesses entre sujeitos, se faz possível pelo
convívio social entre as pessoas de um mesmo grupo, são acumulativas
nos pensamentos e mente dos indivíduos. (SOUSA; SOUZA, 2021, P. 8)

Nesse sentido, a socialização e a relação entre os sujeitos, são elementos


fulcrais para a produção e compreensão das representações sociais, a partir
130

dessa abordagem. Os culturalistas, por assim dizer, enfatizam, portanto, essa


articulação entre as dimensões sociais e culturais que conduzem as construções
mentais e coletivas. Já a abordagem societal, conduzida por Willem Doise
explica, segundo Sousa e Souza (2021), que:

A representação social tem como objetivo conectar o indivíduo ao seu


grupo, promovendo uma dinâmica social e a construção de suas
representações, traços de ideias, pensamentos, crenças sobre
determinados objetos, fatos e fenômenos do cotidiano. A abordagem
societal, acredita que os sujeitos da sociedade são direcionados por
dinâmicas sociais, em respeito a interação social, valores e crenças. (...)
Esta abordagem societal segundo Doise (2002) se constitui de quatro
processos de análise das representações sociais, a saber: O primeiro é
o individual, ele tem objetivo de analisar aspectos interindividuais, pela
maneira que os indivíduos organizam suas experiências pela maneira em
que vivem, este processo busca compreender de forma específica o
modo que os sujeitos se organizam em sociedade. O segundo, processo
interpessoal, além de centrar-se em aspectos interindividuais relaciona-
se também aos aspectos situacionais, buscando os princípios
explicativos típicos, no sistema de interação. O terceiro processo é o
intergrupal, que analisa aspectos internos do grupo, são eles as
diferentes posições que os indivíduos envolvem nas relações sociais e a
maneira que articula nos dois processos anteriores, analisando as
posições em que os indivíduos ocupam no relacionamento social. O
último processo, societal, analisa os sistemas de representações e
crenças, que possibilita a significação dos comportamentos dos
indivíduos, características da sociedade e dos grupos que se inserem,
apresentam sentido ao comportamento apresentado pelos indivíduos.
(SOUSA; SOUZA, 2021, P. 8)

Nessa abordagem, grosso modo, é possível notar a busca em conectar o


individual ao coletivo, a partir de uma articulação das explicações de ordem
individual com as explicações de ordem societal. Nessa abordagem há um
entendimento de que o funcionamento dos indivíduos na sociedade é orientado
pelas dinâmicas de interação, por seus valores e crenças, bem como por
aspectos posicionais desses sujeitos dentro da sociedade.
Nesse campo de possibilidades, para construção do objeto em curso
optamos pela abordagem estrutural juntamente a Teoria do Núcleo Central,
como aportes teórico-metodológico da tese que aqui se encaminha. A este
respeito muito elogiosamente nos coloca Sá:

Parece adequado considerar a teoria das representações sociais proposta


por Moscovici como uma “grande teoria” psicossociológica, em relação à qual
131

a teoria do núcleo central constituiria uma abordagem complementar. (...)


deve proporcionar descrições mais detalhadas de certas estruturas
hipotéticas, bem como explicações de seu funcionamento, que se
mostrem compatíveis com a teoria geral. (...) proporcionar um corpo de
proposições, como diz Flament (1989), para que a teoria das representações
sociais se torne mais heurística para a prática social e para a pesquisa.
(...) é também uma das maiores contribuições atuais ao refinamento
conceitual, teórico e metodológico do estudo das representações sociais.
(SÁ, 1996, P. 51-52 grifos nossos)

Proposta pela primeira vez por meio da tese doutoral de Jean-Claude


Abric29, a referida teoria trazia hipóteses inéditas acerca da organização interna
das representações sociais, resumidas, essencialmente, na ideia de que essas
representações eram organizadas em volta de um núcleo central e que este, por
sua vez, era composto de elementos que dão o seu significado à representação.
A perspectiva de Abric, que posteriormente comporia o grupo de estudos
denominado Midi, em conjunto com Pierre Vergès e Claude Flament, parte para
uma investigação acerca da influência que as representações exercem sobre o
comportamento dos grupos, posto que em sua abordagem a maneira como
essas representações organizam-se deve estar associada ao seu conteúdo.
Há, na perspectiva estrutural, uma relação muito forte entre a
representação e a prática social. A ideia de representação como um guia para
ação é alargada dentro dessa compreensão, que concebe a própria
representação como produto e processo de uma atividade mental, por meio da
qual os sujeitos ou seu grupo reconstituem o real e atribuem significação
específica a este. (ABRIC, 2001). Nesse sentido, o autor reforça que o
comportamento, ou seja, a prática desses sujeitos e grupos, envolve o que essa
situação representa para os enredados. Desse modo, conhecer a representação
dos estudantes do ensino médio acerca da disciplina de Sociologia, é saber um
pouco de como esses indivíduos portam-se frente a uma realidade que,
consensualmente, foi erguida por eles. Mesmo sendo uma teoria complementar
– o que não a faz acessória, conforme elucida SÁ (1996) – a Teoria do Núcleo
Central (TNC) nos parece uma ferramenta bastante adequada ao objeto de
pesquisa aqui proposto principalmente por ser uma teoria que joga luz sobre o
funcionamento e, sobretudo, na estrutura dessa representação. Essa

29 Jeux, conflits et représentations Sociales (SÁ, 1996, P.62)


132

representação organiza-se em torno de sistemas centrais e periféricos. O


sistema central é personificado na figura do núcleo central, objeto fundante dos
postulados estruturais sobre representação social. Abric (2001) dirá que toda
representação se organiza, portanto, em torno de um núcleo central, que é, pois,
o elemento fundamental da representação, já que será capaz de nos esclarecer
como se organiza e que significado tem a representação construída. Esse núcleo
assegura duas funções essenciais, quais sejam:

Função geradora: é o elemento pelo qual se cria ou se transforma a


significação dos outros elementos constitutivos da representação. É aquilo
por meio do qual esses elementos ganham um sentido, uma valência;
função organizadora: é o núcleo central que determina a natureza dos
vínculos que unem entre si os elementos da representação. É, neste sentido,
o elemento unificador e estabilizador da representação. (ABRIC, 2001, p. 163
grifos nossos).

A ausência desse núcleo, portanto, seria algo capaz de desestruturar ou


mesmo de alterar substancialmente o significado dessa representação o que nos
permite inferir que a elocubração da TNC e o próprio núcleo central refletem um
exercício intelectual de elaboração de uma teoria do conhecimento do senso
comum, pois, demonstram que mesmo nesse conhecimento prático, sensorial e
experimental há uma organização cognitiva coerente e que fornece elementos
para que os indivíduos lidem com os numerosos objetos de conhecimento (e
representação) que atravessam seus cotidianos. A partir das funções
supracitadas, fica claro o papel de organização e vitalidade que tem o núcleo
central das representações em todo esse processo.
As funções geradora e organizadora do núcleo central não devem,
todavia, minimizar o papel importante que tem também os sistemas periféricos
das representações. O núcleo central não é unívoco, ele não é a representação
social, ele revela o elemento em torno do qual essa representação se organiza
e, nessa jurisdição, os elementos periféricos não podem ser renegados. A
própria denominação de periferia, segundo Flament (Sá, 1996, p. 78) leva-nos a
colocar esses elementos na condição de dispensáveis ou de pano de fundo.
133

Os elementos não-centrais constituem o chamado sistema periférico.


Enquanto os elementos centrais são mais abstratos e possuem natureza
normativa, os elementos periféricos referem-se a scripts de práticas
concretas, são como esquemas, de natureza mais funcional: descrevem
e determinam ações. São esses elementos mais concretos, em ligação
com os elementos centrais, que garantem que a representação social
seja um guia de leitura para a realidade, relacionando-se com eventos do
cotidiano dos atores sociais. Talvez por esse motivo, seu significado
tenha menor flexibilidade. (WALCHEKE; CAMARGO, 2007, P. 383)

De acordo com Abric (2001), o núcleo central é como um subconjunto da


representação social e, portanto, é relevante reconhecer que outras estruturas
constroem essa representação e, inclusive, os papéis funcionais que estas
possuem, sendo complementares aos do núcleo central. Dessa maneira, além
do núcleo central que as organiza e atribui-lhes significado e estabilidade, as
representações necessitam desse sistema periférico que estabelece uma
interface da realidade concreta com o fenômeno representacional e protegem o
núcleo da representação de contradições que possam existir. Sendo assim, a
abordagem estrutural aproxima-se consideravelmente da perspectiva de Jodelet
(2001) de uma representação elaborada e partilhada socialmente, como um guia
para ação. Nesse trabalho de tese, a perspectiva em questão nos permitirá
constatar, por exemplo, se os currículos de Sociologia na educação básica ou o
que os discentes aprendem tem algum papel na elaboração das suas
representações acerca da disciplina de Sociologia.
Após a eleição da abordagem estrutural como base para desenvolvimento
teórico desta pesquisa algumas são as possibilidades técnicas para proceder
com o levantamento dos dados e, principalmente, conhecer os diversos
elementos que compõe uma representação social, inclusive o próprio núcleo
central. Almejando captar o que é mais resistente na representação acerca da
disciplina de Sociologia na educação básica, optamos pelo desenvolvimento da
TALP, que além de delinear com bastante clareza o que viria a ser o núcleo
dessa representação, fornece dados sobre os elementos intermediários e
periféricos que indicam aspectos mais práticos, subjacentes às vivências dos
indivíduos investigados e que podem, dessa maneira, sinalizar adaptações
dessa representação aos seus cotidianos. Em termos práticos, a associação de
palavras consiste no seguinte processo
134

Em se pedir aos sujeitos que, a partir de um termo indutor (normalmente, o


próprio rótulo verbal que designa o objeto da representação) apresentado
pelo pesquisador, digam as palavras ou expressões que lhes tenham vindo
imediatamente à lembrança. (SÁ, 1996, P. 115)

A também pesquisadora da abordagem psicossociológica, Laurence


Bardin (2014), diz ainda que a associação livre de palavras conduz a produção
do que ela chama de estereótipos sociais, que são partilhados de modo
espontâneo dentro dos grupos revelando uma ideia/imagem que se tem do
objeto a ser representado. Os estereótipos seriam, assim, elementos cognitivos
presentes no processo de elaboração das representações e, consequentemente,
dos núcleos centrais que guardam, sobretudo, o aspecto de espontaneidade
desse processo. E a TALP, enquanto abordagem metodológica, consegue
alcançar a espontaneidade dessa engrenagem, quando solicita que os
indivíduos partindo de um estímulo – termo indutor – evoquem as primeiras
palavras que lhes surgem, com relação ao termo indicado. Integrante do grupo
Midi Pierre Vergès considera, além da evocação somente, a frequência e ordem
em que os termos evocados aparecem. [a técnica] busca, segundo Abric (op.cit.)
“criar um conjunto de categorias, organizada em torno desses termos, para
assim confirmar as indicações sobre seu papel organizador das representações.”
(p.67). (SÁ, 1996, p. 116).
Dessa forma, a TALP, junto as considerações propostas por Pierre Vèrges
permitem que haja um conhecimento significativo acerca da relevância e grau de
difusão dos termos elencados, posto que o processo de hierarquização das
palavras permite o acesso ao que está mais latente no grupo, no que se refere
ao objeto de representação social. Nesse sentido, além de conhecer os
elementos periféricos, a TALP junto a proposta de Vergès torna-se fulcral para o
conhecimento do próprio núcleo central.
No estudo aqui em curso, em busca da organização representacional
acerca da disciplina de Sociologia, fizemos uso da TALP, dentro da modalização
proposta por Pierre Vérges, considerando a resposta ao nosso termo indutor,
seguida da graduação das palavras e de justificativas a essas escolhas. Desse
modo, os participantes dessa pesquisa precisavam escolher três palavras que
respondessem ao termo indutor: “A disciplina de Sociologia é:”, após eleger as
135

palavras elas deveriam ser hierarquizadas e, em seguida, justificadas, tanto do


ponto de vista da escolha das palavras quanto de sua classificação30.
Nesse processo de conhecer as representações sociais, fizemos uso
ainda da análise de conteúdo, cunhada por Laurence Bardin (2014), que envolve
o uso de diversas técnicas de análises de dados que sejam provenientes da
comunicação. Sua principal finalidade é a inferência, conforme nos coloca a
autora:

é a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção (ou,


eventualmente, de recepção), inferência esta que recorre a indicadores
(quantitativos ou não). (...) Estas inferências (ou deduções lógicas)
podem responder a dois tipos de problemas:
- o que é que levou a determinado enunciado? Este aspecto diz respeito
às causas ou antecedentes da mensagem;
- quais as consequências que determinado enunciado vai provavelmente
provocar? Isto refere-se aos possíveis efeitos das mensagens (por
exemplo: os efeitos de uma campanha publicitária, de propaganda).
(BARDIN, 2014, p. 40-41, grifos da autora).

Esse referencial será utilizado no trabalho em curso para a análise das


comunicações provenientes das palavras evocadas nas TALP, nos discursos
construídos para justificativa da escolha e hierarquização dessas palavras, bem
como na análise dos dados das entrevistas semiestruturadas que aconteceram
com uma parcela dos participantes. Quando tratamos das palavras trazidas nas
TALP, além do levantamento dos sistemas centrais e periféricos das
representações, engendramos algumas dimensões representativas do objeto
aqui estudado, baseados num processo de categorização, também fornecido
pela análise de conteúdo. Essa categorização, segundo Bardin, compreende

uma operação de classificação de elementos constitutivos de um


conjunto por diferenciação e, seguidamente, por reagrupamento segundo
o género (analogia), com os critérios previamente definidos. (...) A
categorização (passagem de dados em bruto a dados organizados) não
introduz desvios (por excesso ou por recusa) no material, mas que dá a
conhecer índices invisíveis, ao nível dos dados em bruto. (BARDIN, 2014,
P. 146-147, grifos da autora)

30 Para consultar a TALP utilizada ver o apêndice A


136

Essa operação de classificação e ordenação dos dados em bruto pode


ocorrer por diversos critérios, quais sejam: léxicos, semânticos, sintáticos ou
expressivos. Para construção das dimensões representativas apresentadas a
seguir, o movimento feito aqui foi o de aproximação semântica das palavras
evocadas nas TALP. Essa classificação reflete uma reorganização dessas
palavras, aproximando-as conforme sua semelhança temática, o que nos
permite fazer inferências sobre essas dimensões representativas. Ao responder
o termo indutor “A disciplina de Sociologia é...” nos foram fornecidos um total de
381 palavras evocadas válidas, pois, das 147 TALP respondidas, 20 foram
descartadas por ausência ou insuficiência de justificativas na escolha das
palavras. Quando os estudantes elegem as palavras, mas, não nos trazem
justificativas ou as trazem dessa forma:

são os meus pensamentos em torno da temática (INTERLOCUTOR 05)

Ficamos sem elementos para trabalhar o sentido desses vocábulos frente


a construção de uma representação, considerando, pois, o descarte da TALP
como necessário para a execução de uma análise fidedigna dos dados colhidos.
Nesse sentido, trataremos a seguir da organização desses vocábulos em
dimensões representativas que começam a nos indicar a estrutura da
representação social do objeto em discussão aqui.

4.2.1 “A disciplina de Sociologia é”: dimensões de uma representação


social

Cumprindo seu papel de auxiliar no ordenamento e classificação da


realidade que nos circunda, as representações sociais e seu caráter misto de
fenômeno percebido e de conceito demonstram que esse pensamento coletivo
encontra respaldo em eventos da prática social e para que seja comunicado
precisa ser vívido no grupo, ser um pensamento em imagem. (JODELET, 2001,
P.39). Assim, realidade e imagem numa relação próxima são, pois, produto e
137

produtores das representações compartilhadas socialmente. No erigir de uma


representação, o caráter imagético faz-se presente, principalmente no processo
de objetivação.

Une a ideia de não familiaridade com a de realidade, torna-se a


verdadeira essência da realidade. (...) objetivar é descobrir a qualidade
icônica de uma ideia, ou ser impreciso; é reproduzir um conceito em uma
imagem. Comparar é já representar, encher o que está naturalmente
vazio, com substância. (MOSCOVICI, 2013, 71-72)

Quando os estudantes transformarem aquilo que antes era desconhecido


numa imagem que é concreta, dotada de sentido e naturalizada para eles fica
constituído o processo de transformação do conceito numa imagem, tornando
vívida uma ideia que, talvez, fosse imprecisa, atribuindo-lhe a materialidade
necessária à sua familiarização.
As dimensões representativas, nesse sentido, encaminham a construção
de uma imagem acerca da disciplina de Sociologia e cumprem, nesse processo
o papel de organizar pensamento e realidade, uma função importante não só de
estruturação, mas, também prescritiva de ações desse grupo com relação ao
objeto em questão.
No que se refere a disciplina de Sociologia as evocações contidas nas
TALP permitiram a elaboração de cinco dimensões representativas, a saber:
afirmação, crítico-racional, diferenciação, transformação e negação. Nas
análises que seguem veremos que as evocações agrupadas perpassam pelo
reconhecimento do valor e da falta de importância da disciplina, pela
compreensão de uma Sociologia que contribui para mudanças, por um cenário
de ressalvas e dificuldades com a cátedra, além de um potencial crítico e
reflexivo que aparece bastante sedimentado nos indivíduos investigados. Assim
sendo, seguem as dimensões:

Tabela 8. Dimensões representativas “A disciplina de Sociologia é...”


Afirmação (IR 718) Crítico-Racional Diferenciação (IR 208)
(IR 348)
Importante (IR 429) Sociedade (IR 240) Complexa (IR 126)
138

Interessante (IR 94) Reflexiva (IR 56) Diálogo (IR 42)


Necessária (IR 71) Criticidade (IR 36) Explicativa (IR 15)
Desvalorizada Analítica (IR 16) Diferente (IR 13)
(IR 45)
Legal (IR 34) Contemporânea (IR 10)
Aprendizado (IR 6) Cotidiana (IR 2)
Bela (IR 1)
Motivadora (IR 1)
Inclusiva (IR 1)
Obrigatória (IR 1)
Transformação (IR Negação (IR 51)
175)
Transformadora Chata (IR 37)
(IR 97)
Ferramenta (IR 46) Ideológica (IR 9)
Discussão (IR 27) Técnica (IR 4)
Útil (IR 3) Enviesada (IR 1)
Eficaz (IR 2)
Fonte: Elaborada pela autora (2024)

Após o processo de aproximação semântica e, portanto, de categorização


a construção dessas dimensões representativas leva em consideração o cálculo
do índice relativo (IR) de cada palavra, que incide sumariamente numa relação
entre a ordem média de evocação e a frequência dessas palavras. O cálculo
desse índice é resultado da criação de um sistema no Excel desenvolvido por
Melo e colaboradores (2018) que possui, em sua essência, a mesma fórmula do
software EVOC (2000) e, segundo Santos (2023), o sistema mantem a
nucleação do que seriam os elementos centrais de uma determinada
representação, a partir do índice relativo dos termos evocados gerado e da
ordem média das evocações (OME)31. Assim sendo, a fórmula para cálculo do
índice relativo das evocações segue:

31OME: Cálculo matemático que revela a hierarquia atribuída às palavras durante o processo
da TALP.
139

(F1°x9) + (F2°x3) + (F3°x1) = IR

Assim sendo, para cada posição em que uma palavra aparece, há um


peso atribuído, a saber: na 1ª posição são 9 pontos, na 2ª posição são 3 pontos
e na 3ª posição apenas um ponto.
Conforme notamos na tabela, alguns termos performam de modo mais
significativo dentro do grupo e, nesse sentido, as dimensões representativas
refletem um pouco da organização da estrutura representacional como um todo.
Assim sendo, ao considerar o IR de cada elemento temos como termo mais
difundido a palavra importante, com IR de 429, dentro da dimensão mais
significativa, que foi a de afirmação, que possui um IR total igual a 718, seguida
das dimensões Crítico-racional (IR 348), Diferenciação (IR 208), Transformação
(IR 175) e Negação (IR 51).
Falando da dimensão mais robusta, a de afirmação, os termos elencados
sugerem, conforme a própria denominação, aspectos ligados a uma visão de
relevância, de necessidade da disciplina de Sociologia na educação básica. As
justificativas trazidas pelos interlocutores são quase consoantes à ideia de que
a compreensão das questões sociais, das relações entre pessoas e grupos, o
desvelamento de situações cotidianas, são temáticas que perpassam – ou que
deveriam perpassar – a disciplina de Sociologia na escola média. Vejamos:

Porque a disciplina de Sociologia trabalha com os alunos um senso crítico


de extrema importância para nossa formação, por isso acho que ela é
necessária, eficiente. (INTERLOCUTOR 01)

Imprescindível para compreensão do ser na sociedade


(INTERLOCUTOR 33)

Importante já que para nos conhecer é preciso entender o nosso


ambiente e a sociologia tem muito a nos dizer (INTERLOCUTOR 70)

Importante, pois, é essencial na formação do aluno e o convívio na


sociedade (INTERLOCUTOR 104)

Os excertos nos encaminham para uma discussão circundada, mais uma


vez, pelo aspecto curricular que, em certa medida, envolve também a formação
140

docente e o ensino de Sociologia. Em sua obra, Arroyo (2021), faz uma ampla
discussão sobre os sujeitos e saberes implicados no território em disputa onde
configuram-se os currículos, conforme trouxemos em várias menções ao longo
desse texto. E quando fala da escola, do currículo e de algumas de suas funções
o autor nos coloca que

Garantir o conhecimento de si mesmos, das formas de seu viver, dos


direitos garantidos ou negados, as causas e determinações sociais,
econômicas, políticas que precarizam ou permitem suas formas de viver,
sobreviver. (ARROYO, 2021, P. 254)

Seriam estas funções precípuas do processo educativo e que, segundo o


mesmo autor, são engolidas pelo que ele chama de fragilidade do cientificismo
progressista e futurista que predomina nos currículos, uma promessa de futuro,
de melhoria que desconsidera o presente urgente, os contextos de vida, as
questões que os jovens enfrentam em seus cotidianos. E, diante das justificativas
apresentadas, a Sociologia enquanto disciplina escolar, parece trazer à tona
algumas dessas questões urgentes a esses jovens, a compreensão de parte do
que vivem, a discussão da realidade, um pouco da leitura de si e do mundo ao
redor.

A sociologia é primordial para o conhecimento de si e de toda a estrutura


social em que estamos englobados. (INTERLOCUTOR 119)

A sociologia permite que os estudantes compreendam melhor o mundo


em que vivem, além de incentivá-los a serem cidadãos participativos
(INTERLOCUTOR 125)

Pensar suas realidades fora de uma previsão de futuro ou como algo que
ficou no passado parece um elemento significativo a esses jovens quando falam
da disciplina de Sociologia. O estranhamento, a desnaturalização, propostos
inclusive nas Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio – OCNEM
(2006), parecem reverberar na importância que tem a Sociologia para essa
compreensão social, para o desenvolvimento de um senso crítico e, inclusive,
para a ação cidadã. Essa dimensão representativa reforça os achados da nossa
pesquisa de mestrado que mostravam as representações dos professores de
141

Sociologia sobre o ensino e aprendizagem da disciplina organizadas em torno


de uma postura de crítica, de desvelamento das relações sociais, mas que
também se estruturaram sobre o imperativo da realidade objetiva e todas as
problemáticas que advinham dessa realidade.
Todavia, enquanto os docentes sustentavam essa relevância na
formação, profissionalização e valorização docente, além da própria legitimação
da Sociologia enquanto disciplina escolar, o caminho percorrido pelos
estudantes está ancorado no reconhecimento de um cenário de desvalorização
da cátedra, trazido de modo literal:

Desvalorizada, pois recebe pouca atenção por parte dos alunos e de


algumas escolas, apesar da importância (INTERLOCUTOR 104)

Desvalorizada por eu considerar insuficiente o tempo em sala destinado


a essa matéria (INTERLOCUTOR 117)

Desvalorizada, pois durante o ensino médio até mesmo professores de


outras matérias ditas como mais importantes para o ENEM desvalorizam
tal disciplina (INTERLOCUTOR 118)

Infelizmente, ela não é devidamente valorizada nem no setor público,


nem no privado, o que a torna incompreendida. Eu que só estudei em
escola privada só comecei a conhecer a beleza dessa disciplina quando
estudei por conta própria (INTERLOCUTOR 121).

A inclusão da palavra desvalorizada na dimensão de afirmação deu-se,


inclusive, porque diante do cenário reconhecido pelos estudantes há nessas
falas um pesar pela não importância com que se trata a Sociologia, o que nos
permite inferir, a partir dessa dimensão de afirmação, que o grupo se posiciona
com relação ao objeto em questão, que dizer da importância, da necessidade,
da beleza, da indispensabilidade da Sociologia enquanto disciplina é assumir
uma postura de defesa e compreender que mesmo num panorama de
instabilidade e desvalorização a Sociologia é importante. Essas evocações vão
construindo não somente a representação sobre o objeto em questão, mas
também a identidade desses sujeitos e grupo, conforme prescreve a função
justificadora das representações sociais.
142

A função justificadora permite que os indivíduos ou grupos reforcem a


aquilo que os caracteriza, naturalizando discursos, valores e
comportamentos. Assim, o objeto da representação está validado de
antemão, sequer é questionado. (BRILHANTE, 2020, P.57)

Assim sendo, a dimensão da afirmação mostra que embora haja um


cenário contraproducente ao que é trazido nessas evocações e em suas
justificativas, os estudantes reconhecem a relevância dessa cátedra e indicam,
inclusive, o que entendem como papel dessa disciplina. Dada a relevância dessa
dimensão – que será retomada adiante – é contundente afirmar também que é
quebrada uma visão do senso comum de que os jovens dão pouca ou nenhuma
importância a disciplina de Sociologia ou ainda que num cenário de
reestruturação curricular seja essa uma das primeiras disciplinas a serem
questionadas ou realocadas. Em suma, a importância da Sociologia, segundo os
estudantes, reside no fato de a disciplina fornecer elementos para uma formação
que possibilita uma compreensão do mundo social e de si mesmos o que nos
leva a próxima dimensão representativa.
Na dimensão crítico-racional temos evocações que elucidam uma
Sociologia capaz de desenvolver um senso crítico. A compreensão de si e do
coletivo que traz a dimensão de afirmação é endossada na segunda dimensão
mais relevante. Quando os interlocutores falam que a disciplina de Sociologia é
criticidade, reflexiva, e analítica eles sinalizam que inquietar-se, refletir,
questionar o mundo a sua volta é um caminho guiado pela disciplina em questão.
O vocábulo “sociedade”, que pode parecer dissonante a este grupo de palavras
encontra sentido semelhante ao das evocações supracitadas, pois, em nosso
exercício de aproximação semântica, apareceram as seguintes justificativas para
a referida palavra:

A disciplina de Sociologia é algo que se faz necessário para entender as


sociedades e o papel do cidadão em seu meio. (INTERLOCUTOR 127).

Na minha cabeça a sociologia gira em torno da sociedade como um todo


e seus aspectos, seria a base. Viver em sociedade implica convivência
(convívio) de forma ordenada, compreensível. (INTERLOCUTOR 101)

Sociologia é interagir com o outro, essa interação com o outro é o que faz
a sociedade e como somos pessoas diferentes debatemos acerca de
ideias, visões de mundo e perspectivas. (INTERLOCUTOR 69)
143

Com o estudo da sociologia é possível refletir sobre diversos assuntos


sociais, até mesmo aqueles mais densos. (INTERLOCUTOR 87)

Os trechos em destaque ilustram que para os participantes da pesquisa


estudar Sociologia seria desenvolver uma capacidade de racionalizar a
realidade, pensar de maneira organizada ou sistematizada o conjunto societário,
o que reflete numa visão bastante científica da disciplina.

Trabalha os meios sociais seus grupos e a organização da sociedade


como um todo. Promove a junção do conteúdo acadêmico e do senso
comum. (INTERLOCUTOR 31)

É uma ciência na qual visa compreender as relações humanas. Portanto,


sua principal essência é a ciência, a qual têm-se a responsabilidade de
compreender a sociedade. (INTERLOCUTOR 10)

É uma ciência que busca observar os fenômenos da sociedade.


(INTERLOCUTOR 67)

A sociologia é uma ciência. Ela estuda as relações humanas e a


sociedade (INTERLOCUTOR 91)

Já nas justificativas aos demais vocábulos essa racionalização é


aprofundada por um aspecto mais crítico, conforme segue:

Nos ajuda a compreender os motivos de eventos atuais e históricos,


analisando de maneira crítica todo tipo de relação de pessoas e grupos
de pessoas dentro da sociedade. (INTERLOCUTOR 81)

Criticidade é crucial, o estímulo ao pensamento crítico fomentado pela


disciplina é de extrema importância (INTERLOCUTOR 128)

A Sociologia nos traz conhecimento acerca de diversos aspectos que


compõe a nossa história, ajudando-nos a estudar as inúmeras realidades
sociais, colaborando assim, com o desenvolvimento de um olhar crítico
sobre a realidade que vivemos. (INTERLOCUTOR 130)

Dessa maneira, estudar Sociologia é cumprir esse caminho de


compreender a realidade racional e criticamente. Esse processo de desnudar a
sociedade, de estranhar e desnaturalizar é premissa estabelecida já nas
144

OCNEM (2006), com as quais as falas dos estudantes parecem bastante


alinhadas:

Estranhar o fenômeno (...) significa, então, tomá-lo não como um fato


corriqueiro, perdido nas páginas policiais dos jornais ou boletins de
ocorrência de delegacias, e sim como um objeto de estudo da Sociologia;
e procurar as causas externas ao indivíduo, mas que têm decisiva
influência sobre esse, constitui um fenômeno social, com regularidade,
periodicidade e, nos limites de uma teoria sociológica, uma função
específica em relação ao todo social. (MORAES; TOMAZI; GUIMARÃES,
2006, p. 104).

Esse alinhamento de perspectivas nos permite inferir que em algum lugar


esses objetivos e papeis do ensino sociológico vem, efetivamente, tocando os
estudantes que passam pela disciplina posto que o cenário hodierno é de
significativa instabilidade e de reestruturação curricular, aqui parecem, em
alguma medida, sedimentados os papeis da Sociologia na escola média. Ou
melhor dizendo, os papeis que foram pensados em outros tempos para a
Sociologia na escola média. No documento da BNCC os elementos de
estranhamento, desnaturalização, assim como o papel da Sociologia (e da
Filosofia) ficam reduzidos a uma leitura de mundo crítica e contextualizada:

No Ensino Médio, com a incorporação da Filosofia e da Sociologia, a área


de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas propõe o aprofundamento e a
ampliação da base conceitual e dos modos de construção da
argumentação e sistematização do raciocínio, operacionalizados com
base em procedimentos analíticos e interpretativos. Nessa etapa, como
os estudantes e suas experiências como jovens cidadãos representam o
foco do aprendizado, deve-se estimular uma leitura de mundo sustentada
em uma visão crítica e contextualizada da realidade, no domínio
conceitual e na elaboração e aplicação de interpretações sobre as
relações, os processos e as múltiplas dimensões da existência humana.
(BRASIL, 2017, P. 472)

Lá em 2006 as OCNEM já sinalizavam o reducionismo que era associar o


ensino da Sociologia “apenas” a formação para a cidadania – ou a uma “leitura
crítica” do mundo:
145

Além dessa justificativa que se tornou slogan ou clichê - “formar o cidadão


crítico” –, entende-se que haja outras mais objetivas decorrentes da
concretude com que a Sociologia pode contribuir para a formação do
jovem brasileiro: quer aproximando esse jovem de uma linguagem
especial que a Sociologia oferece, quer sistematizando os debates em
torno de temas de importância dados pela tradição ou pela
contemporaneidade. A Sociologia, como espaço de realização das
Ciências Sociais na escola média, pode oferecer ao aluno, além de
informações próprias do campo dessas ciências, resultados das
pesquisas as mais diversas, que acabam modificando as concepções de
mundo, a economia, a sociedade e o outro, isto é, o diferente – de outra
cultura, “tribo”, país etc. (MORAES; TOMAZI; GUIMARÃES, 2006, p.
105).

O simplismo com que a BNCC trata do conhecimento sociológico parece


não encontrar respaldo nas justificativas dos estudantes dadas as evocações da
categoria em estudo aqui:

Por que a sociologia mostra para a gente novas maneiras de pensar


(INTERLOCUTOR 18)

A disciplina que trabalha o intelecto de forma ampla e extensa


(INTERLOCUTOR 37)

Reflexiva, pois muitas vezes o sujeito se pega pensando ou “filosofando”


sobre o tema da aula (INTERLOCUTOR 112)

A disciplina de sociologia, quando ministrada com o devido


aprofundamento de seus tópicos, permite que eu tenha uma visão mais
clara do funcionamento atual da sociedade (INTERLOCUTOR 113)

O que os interlocutores nos trazem parece um pouco além de uma “visão


de mundo sustentada em uma visão crítica e contextualizada da realidade”,
desenvolver o intelecto e novas formas de pensar ou ter uma visão mais clara
do funcionamento social, inquietando-se com isto parecem o resultado de uma
prática educativa comprometida com a práxis e, nesse sentido, vejamos

Os professores concebem o ensino de Sociologia como um aporte a


desalienação dos estudantes e sua formação crítica a despeito da
sociedade em que vivem, para que possa haver então uma intervenção.
(OLIVEIRA, 2016, P.183)
146

E segue:

Notamos a evidência dada pelos docentes a esse movimento de crítica e


compreensão social, de estranhamento e de desnaturalização, que
parece conter a grande representatividade do que significa o ensino e
aprendizagem sociológicos. (OLIVEIRA, 2016, P. 186)

Em pesquisa investigativa acerca da representação social do ensino e


aprendizagem em Sociologia, os achados da autora indicam que a centralidade
dessa representação está nos elementos “criticidade” e “conhecer”. A
representação dos docentes, nesse caso, aproxima-se significativamente da
dimensão representativa dos estudantes. Embora não possamos afirmar que a
representação daqueles influenciou diretamente na construção da imagem que
os interlocutores desse estudo vão compondo, um comparativo entre as duas
pesquisas poderia sugerir que havendo a prática docente comprometida em
formar discentes capazes de olhar os fenômenos sociais sob outra perspectiva,
por meio de uma crítica a realidade social, além de possibilitar ao educando
conhecer de forma sistemática e científica, os aspectos econômicos, políticos,
ideológicos que organizam e fomentam a vida em sociedade, teriam alguma
influência naquilo que os estudantes vão concatenando acerca da disciplina de
Sociologia.
Nesse processo de organização representacional é importante lembrar
que embora sejam classificadas a partir do seu nível de circulação, as dimensões
representativas trazidas aqui trabalham de forma interdependente para que os
estudantes consigam aparelhar-se cognitivamente e estabelecer suas ações
frente ao objeto estudado. Assim sendo, após a afirmação e a crítico-racional,
os estudantes entendem que há na disciplina de Sociologia um aspecto de
diferenciação.

Para mim, complexa e reflexiva interagem entre si, já que a complexidade


do estudo das sociedades me faz refletir acerca das minhas relações
sociais e como eu me encaixo no meu meio. (INTERLOCUTOR 114)

Traz informações que se fazem essenciais para revelar as relações


sociais nos ambientes mais diversos de forma consciente (evitando por
exemplo meios de manipulação) e quando estuda de forma correta
147

vemos que tal parte da ciência, mesmo que inexata, tem grandes
impactos até em questões de interesse comum, como econômica e
mecanismos de poder/eleições. (INTERLOCUTOR 128)
Complexa porque tem toda uma construção e explicação para o
comportamento de cada sociedade. (INTERLOCUTOR 77)
A sociologia abrange muitas áreas e nos dá conhecimentos diversificados
que servem para diversas situações em nossas vidas. (INTERLOCUTOR
84)
Pois trata de relações intrinsecamente humanas e se manifesta em tudo.
(INTERLOCUTOR 97)

Nessa dimensão os interlocutores entendem que há na disciplina de


Sociologia especificidades que a tornariam diferente. É importante mencionar
que essa diferenciação não estabelece um sentido de hierarquização entre
disciplinas e, portanto, não há qualquer intenção em fazer a Sociologia despontar
como cátedra mais importante, melhor ou nada nessa direção. O que os jovens
destacam são aspectos como a complexidade e vastidão da disciplina, sua
capacidade explicativa do real, sua aptidão em tratar de questões cotidianas,
contemporâneas, aspectos que eles julgam próprios a Sociologia e que, assim
sendo, a diferencia das demais disciplinas. Essa diferenciação foi objeto de muita
inquietação no campo do ensino de Sociologia, conforme nos elucida Sarandy:

Antes de se estabelecer os objetivos para a disciplina, deveremos


dimensionar a importância da sociologia enquanto disciplina do nível
médio de ensino, o que significa perguntar sobre seu sentido, buscar
compreender o que ela tem de específico que não encontramos nas
disciplinas de história, geografia ou filosofia; enfim, perguntar qual sua
especificidade em relação às demais disciplinas de humanidades.
(SARANDY, 2001, P.01)

Segundo o mesmo autor, essa não seria uma tarefa fácil, principalmente
quando levamos em conta o contexto no qual o seu texto foi produzido, mais um
período histórico de instabilidade para a Sociologia. Todavia, ainda que nesse
contexto, ao tentar responder ao questionamento sobre “qual seria a
especificidade da Sociologia?” O exercício feito por Sarandy (2001) é
significativamente compatível com a percepção que os estudantes trazem nessa
pesquisa. O diferencial da Sociologia no ensino médio seria sua contribuição,
148

junto a outros componentes curriculares, para o desenvolvimento de um


pensamento crítico, pois, a disciplina promove este contato importante do jovem
com a sua realidade, além da comparação com outras realidades social e
culturalmente distintas. Não somente pela aprendizagem da Sociologia, mas, por
esse movimento de olhar sua realidade e aproximar-se de contextos distantes
que é possível expandir os níveis de leitura de mundo e crítica social.

A educação deve conter esse aspecto de permitir o confronto de


diferentes perspectivas e que é por excelência o que faz a sociologia. O
conhecimento sociológico certamente beneficiará nosso educando na
medida em que lhe permitirá uma análise mais acurada da realidade que
o cerca e na qual está inserido. Mais que isto, a sociologia constitui
contribuição decisiva para a formação da pessoa humana, já que nega o
individualismo e demonstra claramente nossa dependência em relação
ao todo, isto é, à sociedade na qual estamos inseridos. (SARANDY, 2001,
P. 02)

Aqui ressaltamos, mais uma vez, que essa Sociologia contestada e


colocada à prova parece resistir a esses contextos sócio-históricos
desfavoráveis. Quando Sarandy (2001) aponta que a constituição desse aspecto
de distinção era salutar ao processo de formação de uma identidade para a
referida disciplina no ensino médio e para a sua, então, reinserção nos currículos
escolares, os dados postos aqui nos permitem inferir que essa identidade parece
minimamente delineada pelos estudantes. O aspecto científico, a compreensão
do objeto de estudo da disciplina, bem como o estabelecimento de uma
dimensão representativa baseada na estruturação de uma particularização da
Sociologia fazem crer que, para os estudantes, a Sociologia no ensino médio
tem, em alguma medida, seus contornos definidos. A dimensão da diferenciação
apresentada aqui vai confirmando um movimento de resistência e, cada vez
mais, de identificação do que vem se constituindo como disciplina de Sociologia,
numa perspectiva estudantil.
E essa Sociologia, segundo os interlocutores aqui consultados é
constituída também por uma dimensão de transformação. Nessa dimensão
vocábulos como transformadora, ferramenta, discussão, útil e eficaz apresentam
justificativas que elucidam uma capacidade de mudança provocada pela
disciplina em questão, vejamos:
149

Eu escolhi essas palavras porque, primeiramente, a Sociologia nos faz


enxergar as relações sociais e como é formada a nossa construção
social, por isso ela é transformadora (INTERLOCUTOR 18)

Transformadora por nos mostrar como funciona as entranhas da


sociedade (INTERLOCUTOR 30)

Transformadora porque muda muita coisa em questões de conhecimento


sobre a sociedade (INTERLOCUTOR 40)

Se for ensinada de maneira correta pode mudar o sujeito e o modo como


ele vê o mundo (INTERLOCUTOR 118)

Contudo, essa transformação anunciada na dimensão em questão não


fala sobre mudanças complexas, de grande magnitude social, essas mudanças
estão relacionadas a aspectos de percepção, de (re)conhecimento, de novos
olhares sobre o que parecia tão natural. O surgimento dessa dimensão mostra
que os estudantes parecem bastante alinhados as possibilidades dessa
disciplina em sala de aula, algo muito semelhante ao que nos diz Sarandy (2001):

Seria impossível, no entanto, codificar as reações de espanto e


curiosidade ou as mudanças sutis de percepção e linguagem produzidas
nos jovens que já tiveram o privilégio do contato com a ciência social.
Menos no trato com as teorias sociais e mais na postura dos alunos
diante da vida em sociedade; menos no discurso informado por conceitos
sociológicos – às vezes bem complexos –, mais nos olhares de quem se
encontra em face de um enigma é que se pode aferir quão importante se
torna para os alunos a descoberta sobre como nossa vida é perpassada
por forças nem sempre visíveis – por nossa simples pertença a um grupo
social. E não a um grupo social qualquer, mas a esse grupo, com sua
identidade, posição na estrutura social, símbolos e recursos de poder.
(SARANDY, 2001, P.07)

A mudança, então, não viria nesse momento de uma revolução, de uma


reestruturação social, a transformação de que falam os estudantes é a mesma
que o autor acima propõe, uma nova forma de pensar, de conhecer e de ver o
mundo ao seu redor, um movimento cognitivo novo. “Conhecer as entranhas da
sociedade”, fala que Sarandy (2001) poderia tomar para ilustrar o que ele chama
de identidade da disciplina de Sociologia na educação básica é para os
estudantes um elemento na construção de suas representações. E esse aspecto
fica alinhavado ao que a Sociologia, enquanto disciplina, inserida dentro de uma
150

lógica didática, própria a uma abordagem para o ensino médio, pode


proporcionar aos estudantes:

Podemos afirmar que o contato dos jovens educandos com essas teorias,
(...) irá produzir neles uma percepção, uma compreensão e um modo de
raciocínio que nenhuma outra disciplina poderá produzir. É exatamente
essa compreensão ou essa percepção específica que indica a identidade
da sociologia e que fornece seu sentido enquanto disciplina do ensino
médio, não os seus conteúdos em si mesmos. (SARANDY, 2001, P.05)

O que, portanto, faz os jovens atribuírem a disciplina de Sociologia uma


dimensão de transformação pode estar relacionada ao fato de ser essa disciplina
capaz de gerar um novo olhar, uma forma de raciocínio própria, o que parece
ser também um aspecto dúbio quando passamos a próxima e última dimensão.
A dimensão da negação apesar de ser a que possui menor índice relativo
ilustra, sem dúvida, aspectos importantes acerca do ensino de Sociologia.
Dentro da referida categoria, chata foi a palavra com maior circulação, seguida
de ideológica, técnica e enviesada.

Dependendo do assunto eu considero uma disciplina chata (o assunto).


(INTERLOCUTOR 09)

Pois de maneira geral sua síntese costuma ser com materiais muito
antigos e de difícil acesso (gramatical). (INTERLOCUTOR 80)

Chata pelas discussões que causa, entediante pois tem bastante textos
e debates. (INTERLOCUTOR 90)

Parado pois às vezes certas coisas se repetem e pode ficar chato.


(INTERLOCUTOR 110)

Os termos trazidos aqui atestam que embora os estudantes façam circular


em maior volume evocações positivas, a disciplina de Sociologia possui uma
dimensão negativa arraigada, principalmente, na metodologia utilizada –
abordagem e exposição de conteúdos, na linguagem, além de um fato que nos
chamou atenção:

A disciplina é ideológica pois suas visões são demasiado focadas no


socialismo, formando assim uma certa “doutrinação” pela escassez de
151

informações sobre autores que não fazem parte da unanimidade


socialista. (INTERLOCUTOR 42)

A construção dessa dimensão pode relacionar-se também com o que se


compartilha, essencialmente no senso comum, acerca da Sociologia e que com
o avanço do conservadorismo no Brasil vem ganhando também os espaços
institucionais. O uso do vocábulo “ideológica” num sentido equivocado, e da
palavra “doutrinação”, por exemplo, enunciam que essa pode ser uma
compreensão alimentada no discurso circulante, na crença de uma “escola sem
partido” e “neutra” política e ideologicamente. Os aspectos que foram
longamente dissecados nos capítulos anteriores refletem todo um contexto
sócio-histórico de contestação e de disputas por uma legitimação da referida
disciplina, da área de Ciências Humanas como um todo e demonstram que a
ascensão de grupos políticos em cenários ultraconservadores, como o dos
últimos 4 anos, faz com que esse tipo de compreensão circule de modo
veemente. E, embora não possamos creditar a construção da categoria de
negação a um fato isolado, a recente reformulação curricular pode ser, também,
um fator de atravessamento nesse caminho representacional. Na pesquisa de
Sousa (2023), por exemplo, ao pesquisar licenciandos em Ciências Sociais, a
emergência de uma dimensão negativa acerca da mesma disciplina esteve
diretamente relacionada ao Novo Ensino Médio sendo reconhecido, entretanto,
que esse não é um fato recente

Localizam-se os termos que atestam que o processo do Novo Ensino


Médio, produz uma situação cuja disciplina é colocada em um lugar de
desimportância, ou seja, a sociologia é destituída de seu caráter formativo
e passa a ser um apêndice curricular. (...) É importante ressaltar, também,
que os interlocutores afirmam que esse processo de negação da
disciplina se assentou com a reforma, no entanto, já era possível observar
que não é uma situação que começa com a reformulação curricular do
ensino médio. (SOUSA, 2023, P.89)

Esse aspecto negativo, além de poder estar efetivamente relacionado


com a abordagem do professor em sala de aula e, nesse sentido, na forma como
a disciplina se organiza e as direções que toma, carrega a contribuição de outros
espaços e alocuções, pois como sugere Jodelet (2001, P. 17-18) as
152

representações “circulam nos discursos, são trazidas pelas palavras e


veiculadas em mensagens e imagens midiáticas, cristalizadas em condutas e em
organizações materiais e espaciais.”. Todavia, esse discurso, nem sempre é
elaborado de maneira harmônica. Ao que creditamos o fato da mesma Sociologia
ser vista como importante, interessante, essencial e chata, enjoativa e
ideológica.
Ao se constituírem nas interações sociais, as representações e suas
incubações levam a dinâmica, o conflito e a reconstrução dessa realidade
erguida a partir das imagens. Uli Windisch (2001) propõe um conceito que chama
de “interação conflituosa constituinte” (WINDISCH, 2001, p. 146) que abarca
esse caráter dinâmico, ativo e interativo da construção dessas imagens pelos
grupos sociais. O autor, ao falar a respeito das lógicas do cotidiano que
subsidiam essas construções, assinala que essa não é uma lógica ordenada ou
cartesiana, mas algo que ele chama de lógicas do ilógico e que devem ser objeto
de conhecimento ao observarmos os fenômenos sociais. (WINDISCH, 2001).
Nesse sentido, a dimensão negativa da disciplina de Sociologia traduz um
caráter contraditório dos sistemas de representações que, contudo, acabam
articulando-se em totalidades coerentes que conferem a essas representações
níveis funcionais de adaptação (GILLY, 2001) e permitem aos estudantes
preservar seu equilíbrio e suas necessidades em suas práticas sociais, em suas
relações com o entorno e com o próprio objeto.
Assim, ao considerar a elaboração dinâmica e interativa das dimensões
representativas apresentadas aqui e compreendendo o pensamento social e o
falar cotidiano como contribuintes à essa construção, concluiremos a análise
desse “corpus práxis-discursivo” (FLAMENT, 2001, p. 173) e seguiremos, no
próximo capítulo, a análise do Sistema de Espiral Representacional (SER), seu
núcleo central e sistemas periféricos, bem como a apresentação e defesa da
tese em construção.
153

5 SOBRE O QUE SE SABE E COM QUE EFEITOS? A REPRESENTAÇÃO


SOCIAL ACERCA DA DISCIPLINA DE SOCIOLOGIA E SEU LUGAR NA
ESCOLA

A tarefa não é tanto ver aquilo que ninguém viu, mas, pensar o que ninguém
ainda pensou sobre aquilo que todo mundo vê
(Arthur Schopenhauer)

Ainda que ante um cenário sócio-histórico bastante adverso, conforme


apresentamos até aqui, a disciplina de Sociologia escreveu suas linhas na
história da educação básica brasileira o que a fez experimentar uma inserção
significativa no campo da pesquisa acadêmica ainda que mais tardiamente,
tomou o ensino da disciplina como elemento de profícuo debate até pelas
próprias contradições e dificuldades que a cátedra enfrentou e enfrenta devido
referido contexto. Construir uma Representação Social num cenário como esse
significa, entre outras coisas, alimentar-se de um histórico intermitente, de uma
formação docente com muitas arestas, de um horário de aula exíguo, de uma
sociedade que renega a relevância deste conhecimento sustentada numa
estrutura social e ideologia dominantes que historicamente contestam o ensino
de Sociologia.

É instrutivo observar como, segundo suas posições em relação à escola,


os diferentes grupos (...) elaboraram sistemas de representações, e ver
como as contradições a ela referentes foram tratadas e como as
representações sociais estabelecem acordos de adaptação sob a dupla
pressão – de um lado, das ideologias e, de outro das coações ligadas às
finalidades e às condições efetivas de funcionamento do sistema escolar.
(GILLY, 2001, P. 323)

Ao discutir em seu texto algumas contribuições empíricas de estudos que


relacionam as Representações Sociais e o campo da educação, Gilly (2001) nos
deixa claro que a produção dos sistemas de representações no referido campo
enfrenta, pois, as pressões das ideologias e da realidade objetiva do próprio
funcionamento do sistema escolar. Nesse sentido, pensemos que os estudantes
ao produzirem suas representações acerca da disciplina de Sociologia lidam em
154

seus repertórios com uma ideologia dominante e um sistema educacional que


funcionam de modo bastante hostil a presença do ensino da referida cátedra.
Ainda assim, como vimos anteriormente, o caminho dos achados desse trabalho
indica que no circuito pesquisado a notoriedade e importância dadas a Sociologia
na escola resiste, mesmo em ambiente adverso.
Precisamos mencionar, nesse sentido, que esse trajeto já foi percorrido
por outros pesquisadores e que nas relações entre os estudantes e o ensino de
Sociologia a predominância de um aspecto de essencialidade persiste em quase
todos os achados anteriores a este aqui. Santos Neta (2020) reconstrói esse
caminho indicando em seu trabalho todas as pesquisas que tomam o ensino de
Sociologia e as Representações Sociais como objeto de estudo, a partir de uma
perspectiva estudantil. Inspirados pela autora, construímos o quadro-resumo
seguinte:

Tabela 09. Pesquisas acadêmicas que envolvem ensino de Sociologia,


Representações Sociais e estudantes do ensino médio

Título Autor Instituição – Ano de


publicação
E com a palavra os
alunos: Estudo das
representações sociais
dos alunos da rede Erlando da Silva Rêses UNB – 2004
pública do Distrito
Federal sobre a
Sociologia no Ensino
Médio,
As representações dos
professores e
estudantes sobre a
Sociologia no Ensino Alexandra Garcia UFPEL – 2012
Médio: investigando as Mascarenhas
comunidades virtuais do
Orkut
155

A Construção de um
saber que se dá em
interação: uma análise Tabata Larissa Soldan UFPR – 2015
de representações
sociais da Sociologia
escolar
As Representações
Sociais de jovens
estudantes do Ensino Raquel Vasconcelos dos UNIVASF – 2020
Médio sobre o ensino de Santos Neta
Sociologia: reflexões
acerca das relações
entre juventudes, escola
e o ensino de Sociologia
Fonte: elaborado pela autora (2024)

Em busca realizada no banco de teses e dissertações da CAPES em


janeiro de 2024, buscando por trabalhos que relacionassem o ensino de
Sociologia e as Representações Sociais dos estudantes, as pesquisas
encontradas preenchem o quadro acima e são todas dissertações de mestrado.
Três delas defendidas no eixo Sul/Sudeste e apenas uma no Nordeste brasileiro.
Não foram encontradas nesta busca teses de doutoramento que
estabelecessem tal diálogo. Sendo assim, entendemos que o presente trabalho
será a primeira tese de doutorado, da região Nordeste do Brasil, a tomar como
objeto de pesquisa os elementos supracitados.
Entretanto, os trabalhos dispostos acima são imprescindíveis para a
compreensão do que irá, aqui, se estabelecer como uma tese a ser defendida.
Iniciemos pelo trabalho de Rêses (2004), com o qual já tivemos contato desde a
dissertação de mestrado e que se apresenta como uma pesquisa pioneira no
que se refere ao papel da Sociologia no Ensino Médio, partindo da perspectiva
dos estudantes. O autor investigou 79 estudantes da 3ª série do Ensino Médio
no Distrito Federal e, por meio de grupos focais pôde constatar que os
estudantes representam a Sociologia como uma disciplina importante nos seus
156

percursos escolares, para a compreensão das relações sociais e para a


formação crítica e reflexiva.
Embora a metodologia utilizada na pesquisa seja distinta da nossa, as
representações discentes e suas compreensões acerca da Sociologia escolar
são bastante semelhantes aos resultados que obtivemos. Os 149 participantes
desse trabalho estabeleceram a palavra “importante” como o elemento central
das suas representações e as justificativas dadas a essa escolha estão
circunscritas exatamente no campo da compreensão social, desvelamento da
realidade, formação crítica e reflexiva, assim como a dos estudantes do DF. Há,
entretanto, um fator que distingue os caminhos do trabalho de Rêses (2004) e
deste aqui.
Pesquisamos jovens das três redes de ensino e, certamente, oriundos de
classes sociais diferentes. Rêses (2004) investigou estudantes de realidades
socioeconômicas distintas também e esse foi, inclusive, um demarcador de suas
análises. O autor enfatiza o importante dado de que os estudantes pertencentes
as classes mais populares ancoram essa representação no potencial de
conscientização política e intervenção social que acreditam haver na disciplina,
enquanto nos jovens das regiões mais privilegiadas do DF, havia uma
assimilação dessa representação muito baseada numa perspectiva de futuro e
no ingresso à universidade, por exemplo. Já em nosso trabalho, ao analisar e
compilar os dados das TALP dos estudantes das diferentes redes de ensino o
que encontramos foi muito semelhante:
157

Figura 02. Sistema de Espiral Representacional: “A disciplina de Sociologia


é...” (Rede de ensino pública estadual)

Fonte: Elaborado pela autora com auxílio do sistema SER (2024)


158

Figura 03. Sistema de Espiral Representacional: “A disciplina de Sociologia


é...” (Rede de ensino privada)

Fonte: Elaborado pela autora com auxílio do sistema SER (2024)


159

Figura 04 – Sistema de Espiral Representacional: “A disciplina de Sociologia


é...” (Rede de ensino pública federal)

Fonte: Elaborado pela autora com auxílio do sistema SER (2024)

Conforme preconiza a Teoria do Núcleo Central, a organização das


representações se dá em torno de dois sistemas, o central e o periférico. Sendo
o sistema central correspondente ao que há de mais estável, significativo e
coerente dentro da RS, ao observamos o centro das três espirais, temos as
160

palavras importante – presente nos três NC – além de sociedade e complexa,


presentes somente no sistema central da escola federal. Prosseguindo na
análise notamos uma organização bastante semelhante também nos sistemas
periféricos, aqueles que vão distanciando-se do NC. Ou seja, notemos que além
da palavra importante, os vocábulos essencial, fundamental, interessante e
necessária repetem-se em todas as espirais em localidades muito parecidas.
Nesse momento, não iremos nos ater em análises mais profundas, mas, já
podemos afirmar que diferente do que encontrou Rêses (2004), a organização
das RS nos três grupos pesquisados aqui é bastante semelhante, tanto que mais
adiante essas três espirais serão transformadas numa só, pois, além de
organizarem-se de modo muito parecido as justificativas que os estudantes
trouxeram perfazem o mesmo caminho. Ainda assim, enfatizamos que embora
no trabalho de Rêses (2004) haja uma diferenciação no processo de ancoragem
das RS, de modo global a perspectiva de uma disciplina de Sociologia relevante
é a mesma que trazemos aqui.
Seguindo no diálogo com os trabalhos trazidos na tabela 10, partimos para
a pesquisa de Mascarenhas (2012), realizada já num contexto de pós-
obrigatoriedade da Sociologia no Ensino Médio, mas, que dentre os quatro
trabalhos trazidos no quadro é o único que encontra uma visão negativa da
referida disciplina. Em seu estudo, a autora utiliza o conceito de representação
desenvolvido por Stuart Hall (1997) e a perspectiva de discurso trabalhada por
Michel Foucault (2002 e 2009) para analisar comunicações desenvolvidas no
espaço virtual da hoje extinta rede social, Orkut. A autora observou por cerca de
seis meses comunidades virtuais e fóruns de estudantes (e professores)
mapeando enunciados que refletiam o apreço ou não que esses jovens tinham
pela disciplina de Sociologia e as causas que, segundo ela, justificariam a
construção de uma imagem negativa dessa cátedra. As conclusões da autora
indicam uma visão negativa fundamentada num aspecto utilitarista da
Sociologia, construindo representações com base numa “Racionalidade
Instrumental da Educação” (MASCARENHAS, 2012, p.117). Essa
representação, para Mascarenhas (2012) tem relação direta com o ambiente de
desvalorização da disciplina, a distinção com que a Sociologia era tratada se
comparada a outros componentes curriculares, ao fato de muitos professores
161

complementarem suas cargas horárias lecionando, sem formação específica, a


disciplina recém (re)introduzida nos currículos, entre outros fatores.
Embora não disserte sobre Representações Sociais, o trabalho de
Mascarenhas (2012) traz algumas similaridades com a pesquisa aqui em curso.
A autora relata a relevância de um contexto sócio-histórico que contribui a
elaboração de discursos e representações que constroem uma figura negativa
da Sociologia escolar. Conforme apresentamos no capítulo anterior, embora seja
a dimensão representativa de menor expressão que trouxemos aqui, a imagem
negativa da Sociologia também apareceu neste trabalho. Chata, ideológica,
técnica e enviesada foram as palavras que construíram aqui uma categoria de
negação alicerçada em fatores semelhantes aos que Mascarenhas (2012) traz
em sua pesquisa e que em nosso trabalho aparecem nas justificativas das TALP:
abordagem e exposição de conteúdos, metodologia utilizada, linguagem
“própria” da Sociologia, por exemplo. Aqui destacamos que os participantes da
nossa pesquisa passaram por um período complexo que envolveu as aulas
online nos tempos da pandemia da Covid-21, trazendo reflexos diretos a todos
os aspectos apontados como ruins pelos jovens potiguares pesquisados.
Inclusive, entre os estudantes entrevistados, a ausência da relação interpessoal
com os colegas e com os professores foram fatores apontados como
dificultadores à construção de uma relação mais positiva com a disciplina.
Nesse mesmo sentido, Mascarenhas (2012) e Soldan (2015) destacam
em suas pesquisas o papel relevante que tem o professor num imagético que
pode ser construído acerca da Sociologia na escola. No trabalho de 2012 a
autora aponta que o fato de muitos docentes não possuírem formação na área
seria um fator crucial na imagem que se construiu da disciplina, assim como traz
Larissa Soldan (2015). A pesquisadora em questão fez um estudo de caso numa
escola da cidade de Curitiba, no Paraná, e a partir das observações das aulas
de Sociologia nas três séries do ensino médio, a autora concluiu que as
representações sociais encontradas acerca da disciplina, refletem uma cátedra
“ordinária”, que não possui nenhuma excepcionalidade e que, por essa razão,
não estaria hierarquicamente acima ou abaixo de qualquer outro saber escolar.
Em suas conclusões Soldan (2015) evidencia que a postura tradicional da escola
e da professora – percebidas a partir de sua observação participante, seriam os
principais elementos a influenciar na construção imagética da Sociologia pelo
162

grupo de alunos investigado. A partir disso, a autora levanta a necessidade de


um olhar mais atento à gestão escolar e a própria formação dos professores. O
que chama atenção de Soldan (2015) é também elemento de significativa
inquietação em nossa pesquisa, conforme trouxemos nos capítulos anteriores e
foi ainda um elemento que apareceu em nosso grupo de estudantes
entrevistados: o papel do professor.

Em qualquer disciplina existem abordagens que te aproximam mais e


fazem com que você se interesse, o papel do professor é muito
importante. Id. 04

O professor tem uma metodologia muito boa, isso tornou minha


experiência com a Sociologia o mais positivo possível. Id. 02

Se o professor é o porta-voz dessa disciplina e, por assim ser, contribui


ao que pensam esses jovens acerca da Sociologia, é indiscutível que as suas
formações estejam cada vez mais alinhadas ao que se pretende alcançar com o
ensino da referida cátedra, fato que já foi defendido em nosso trabalho de
dissertação no ano de 2015 e que retorna, pela relevância que tem, aos escritos
que aqui se desenvolvem. (Re)pensar a formação dos professores é também
pensá-la visualizando que contribuições esses docentes podem deixar a
formação humana, ética e cidadã dos seus estudantes. E pensar em como
contribuir para a formação estudantil é pensar esse coletivo de jovens a quem o
professor atende.
É nesse caminho que se insere o último e mais recente trabalho que
trazemos a esse espaço, o de Santos Neta (2020). A autora quer saber das
representações estudantis, mas, antes disso quer saber que juventude é essa.
Sua pesquisa é desenvolvida na Bahia, com estudantes da 3ª série do ensino
médio e traça uma relação entre os conceitos de juventude e representações
sociais, procurando compreender como esses jovens relacionam-se com a
escola e que representações depreendem da disciplina de Sociologia, a partir
desse contexto. A grande contribuição das análises de Santos Neta (2020)
constitui-se na compreensão desses jovens e de seus lugares, localizando as
representações que virão a ser construídas. O contexto pensado pela autora
difere do nosso, pois enquanto ela investiga o conceito de juventude e as
163

realidades socioeconômicas dos estudantes, nós optamos pela compreensão de


um cenário macro social. Nesse sentido, a história intermitente da Sociologia
como disciplina escolar, o lugar que a cátedra ocupa nos currículos escolares
aos quais estão submetidos esses estudantes, a formação de professores e seus
impactos no ensino e nas concepções que constroem os jovens acerca da
Sociologia escolar são alguns elementos considerados em nossas análises.
Além de refazer esse percurso social e histórico da Sociologia escolar,
do currículo e da formação de professores, buscar trabalhos anteriores que
tratassem da mesma temática foi fundamental para perceber os caminhos
tomados pelos pesquisadores e, essencialmente, conjecturar acerca de como se
inserem esses achados no campo de discussão do ensino da Sociologia, além
de poder, a partir do que foi visto, propor uma nova perspectiva de análise que
não está diretamente ligada a escola ou ao professor ou a reformas curriculares,
mas, que é resultado de uma questão estrutural de maior dimensão: a crise
educacional brasileira. Essa perspectiva nos coloca na contramão dos
resultados dos trabalhos aqui apresentados, pois, embora o nosso principal
achado seja o de que a Sociologia é uma disciplina importante, a recorrência
desse aspecto positivo nas pesquisas anteriores e na nossa, nos fez indagar se
não haveria algo maior exercendo influência acerca daquilo que os estudantes
representaram e representam sobre a disciplina em questão. Algo que fosse
recorrente e que disparasse nesses jovens o reconhecimento de que em
determinado cenário haveria a necessidade de um elemento para compreensão
daquela realidade. O elemento é trazido pelos estudantes, seria a disciplina de
Sociologia, que em anos diferentes, em contextos distintos, em realidades
díspares é entendida como relevante para compreensão social, para leitura de
mundo, para uma formação crítica e cidadã, mas, o que imbui nesses jovens a
necessidade desse elemento foi uma das questões motivadoras a tese que
construiremos a seguir.

5.1 O Núcleo Central da representação social e suas interfaces: a


Sociologia na escola sob a ótica estudantil

Quando optamos pela abordagem estrutural como fio condutor dentro das
possibilidades disponíveis para quem estuda a Teoria das Representações
164

Sociais, a intenção era a de conhecer a estrutura que desenha a imagem


construída pelo grupo que investigamos, além de buscar seus significados e a
relação que mantém, por exemplo, o núcleo central com os sistemas periféricos.
Além disso, almejamos depreender como a própria Representação Social e a
sua estrutura imprimem elementos que nos possibilitem alguma discussão
acerca do papel que vem tendo a Sociologia na educação básica.
As dimensões representativas que trouxemos no capítulo anterior já
anunciavam um pouco do “lugar de coerência” (FLAMENT, 2001, p. 175) que o
objeto social em discussão aqui ocupa. A esse lugar chamamos de Núcleo
Central e quanto a disciplina de Sociologia no ensino médio, objeto social em
questão, grifamos aqui a sua relevância principalmente em tempos de
instabilidade quanto a sua presença nas escolas. É, portanto, nesse contexto
que buscamos o Núcleo Central desse objeto na expectativa de sabê-lo
organizado e de conhecer o sentido que ele possui a partir do arranjo dos seus
elementos.
Para chegarmos até o NC dessa representação fizemos uso da TALP,
que rapidamente rememoraremos aqui. Os estudantes precisavam completar o
termo “A disciplina de Sociologia é...” com as três primeiras palavras que lhes
viesse em mente. Em seguida era necessário que eles organizassem as
evocações por ordem de importância e, por fim, justificassem a escolha das
palavras e da hierarquização na qual estavam dispostas. Do desenvolvimento
dessa técnica obtivemos 381 palavras que passaram, em seguida, por um
processo de aproximação semântica: termos que possuíam sentidos
semelhantes foram aglutinados, no intento de otimizar a análise dos dados.
Desse modo, construímos as cinco dimensões representativas – a saber:
afirmação, crítico-racional, diferenciação, transformação e negação – que já nos
colocavam diante do que a disciplina de Sociologia significava para o grupo
pesquisado.
Diferente do nosso trabalho de dissertação (Oliveira, 2016), onde as
palavras trazidas nas TALP sobre o ensino/aprendizagem em Sociologia foram
analisadas pelo software Ensemble des Programmes Permetant l´Analyse des
Evocations EVOC (2000), aqui a análise estatística dos dados será feita pelo
Sistema de Espiral Representacional (SER), desenvolvido pela Profa. Dra. Elda
Melo. Resultado de um longo processo de pesquisas que foram desenvolvidas
165

pelo grupo de estudos coordenado pela referida docente, denominado


Representações Sociais e Formação Docente (RESFORD), até chegar à
denominação de SER, o modelo de imagem e cálculos do sistema foi sendo
aperfeiçoado. O trabalho de Santos (2023) faz um excelente resgate desse
histórico, do qual destacamos que

O SER trata-se de um sistema que se organiza a partir dos cálculos


definidos na estrutura representacional do Núcleo Central na formatação
de quadrantes (VERGÈS, 1992, p. 205). (...) A base de cálculo do SER
considera a diferença de peso estabelecida nas evocações pela
sequência atribuída às palavras, sendo o valor determinado pela função,
de acordo com a posição relativa. (...) O SER cria e apresenta a espiral
representacional, organizada a partir da mesma fórmula do índice relativo
representada acima e seguindo o modelo dos 4 quadrantes, porém os
determinando em quatro círculos concêntricos e circunscritos com fendas
que possibilitam o movimento de entrada e saída das evocações. Como
uma espiral de dentro para fora, o círculo central representa o Núcleo
Central da representação, seguido dos elementos intermediários I, II e,
na maior circunferência, dos elementos periféricos. (SANTOS, 2023,
P.157)

Assim sendo, temos que as palavras que farão parte do núcleo central da
representação são aquelas que possuem uma frequência maior, sendo citadas
mais vezes e ocupando a primeira posição quando de sua hierarquização. Em
seguida temos as evocações que ocupam os círculos mais externos, sendo
essas palavras as que compõem os elementos intermediários I e II e um pouco
mais distante a periferia. Destacamos aqui ainda que a imagem do SER com as
fendas abertas em seus círculos busca representar o movimento que existe na
estrutura representacional, movimento este evidenciado também pelas cores
das palavras, sendo aquelas que estão na cor preta elementos estabelecidos
nos locais que ocupam, as que estão na cor vermelha representam evocações
que estão saindo do espaço onde estão e as palavras na cor azul representam
elementos que estão adentrando a estrutura representacional.
Na análise dos dados colhidos na TALP, portanto, fizemos uso do SER
(MELO, 2022)32, desenvolvido pela orientadora dessa tese e faremos aqui uma
observação à forma como essas apreciações aconteceram.

32 Link de acesso ao SER, sistema que gera as espirais a partir dos dados trazidos pelas TALP.
https://talp-app.herokuapp.com/
166

Conforme já mencionado anteriormente, nossa pesquisa se deu com


estudantes da terceira série do ensino médio, oriundos das três redes de ensino
– pública estadual, pública federal e privada, no município de Natal. Inicialmente
pretendíamos estabelecer uma análise separada das espirais produzidas por
cada grupo. Entretanto, conforme já adiantamos no item anterior desse capítulo,
o resultado obtido nas três espirais separadamente foi bastante semelhante,
principalmente no que se refere aos seus núcleos centrais:

Figura 05. Núcleo Central das Espirais por rede de ensino: 1. Rede pública
estadual; 2. Rede pública federal e 3. Rede privada

Fonte: elaborado pela autora, 2024

Conforme já viemos discutindo aqui, na abordagem estrutural, o núcleo


central possui o caráter de organizar os elementos que dão significado a
representação (SÁ, 1996). Segundo o mesmo autor, as diferenças existentes
entre as representações sociais, dentro da abordagem estrutural, estão
intrinsecamente ligadas a composição do núcleo central. Assim, as
representações só seriam distintas na seguinte circunstância:

Elas serão diferentes se – e apenas se – os seus núcleos centrais tiverem


composições significativamente diferentes; se não, tratar-se-á de estados
diferencialmente ativados da mesma representação, em função das
situações específicas em que se encontrem os dois grupos (...). (SÁ,
1998, p. 77).

Conforme podemos observar nas imagens acima, os núcleos das


representações nos grupos investigados permanecem iguais nas escolas da
167

rede pública estadual e da rede privada e possui, na escola federal, além da


evocação importante, as menções aos termos complexa e sociedade. Esse foi o
panorama que nos fez compreender que, dentro dos três grupos, a significação
dada a disciplina de Sociologia é muito semelhante.
Sobre o grupo de estudantes investigados na escola federal entendemos
que há o que Celso Sá (1996) chamou de “estado diferencialmente ativado da
mesma representação”. Como estuda não somente o conteúdo, mas, a
organização desse conteúdo representacional, a abordagem estrutural permite
que consigamos afiançar a semelhança entre a representação dos três grupos
investigados pois sua organização é a mesma. No que se refere ao grupo da
escola federal, o acréscimo de duas evocações distintas dos demais pode dever-
se a algumas condições circunstanciais próprias desse grupo. Nele todos os
estudantes que utilizaram o vocábulo “sociedade” para construir suas imagens
acerca da disciplina de Sociologia, justificaram sua escolha com aspectos
científico-conceituais ligados ao ensino da referida cátedra. Já quando utilizaram
a palavra “complexa” justificaram-se atribuindo a Sociologia uma capacidade de
falar sobre diversos temas e conteúdos que não são abordados em outras
disciplinas escolares. Poderíamos supor aqui algumas variáveis circunstanciais
para a elocubração desses elementos, como por exemplo: poderiam estar nesse
grupo de estudantes os aspectos conceituais da disciplina mais sólidos ou ainda
que o elemento da “complexidade” vem adentrando esse núcleo porque vai
sendo percebida, pelo grupo, a amplitude de temáticas que foram trabalhadas
pela disciplina ao longo dos três anos de aulas de Sociologia ou ainda que as
circunstâncias do ensino dessa disciplina na instituição federal acontecem de
forma distinta o que provocaria a inserção de elementos novos, nesse núcleo,
por exemplo.
Essas conjecturas precisariam, sem dúvidas, de muito aprofundamento e
emergem a partir das justificativas dadas as TALP do grupo de alunos da escola
federal. Todavia, por uma questão de objetivos e de tempo, nesse núcleo central
para além dos elementos que surgem como novos, nos detemos a pensar o que
faz com que a palavra “importante” permaneça uníssona em três grupos
distintos.
168

Sendo assim, tomando por base os cálculos desenvolvidos por Melo


(2022) na criação do sistema SER33, unimos os achados dos três grupos
investigados e apresentamos a estrutura organizacional da representação social
de estudantes do município de Natal acerca da disciplina de Sociologia.

Figura 06. Sistema de Espiral Representacional: “A disciplina de Sociologia


é...”

Fonte: Elaborado pela autora com auxílio do sistema SER, 2024

33A base de cálculos utilizada para geração de dados na SER foi apresentada no capítulo
anterior no item 4.2.1
169

Podemos observar na figura 5 o elemento mais fortemente estabelecido


no imaginário coletivo dos estudantes das três redes de ensino, acerca da
disciplina de Sociologia, localizado no Núcleo Central (NC), que está
representado pela palavra importante. Enfatizamos que a produção do
elemento que compõe esse núcleo envolve condições sócio-históricas e
ideológicas, além de refletir a consistência e a conservação dessa
representação, tendo também um papel normativo e funcional, ou seja, a partir
do núcleo central sabemos sobre como se organiza e de que maneira funciona
essa representação. Nos dois círculos seguintes temos os Elementos
Intermediários (EI), sendo EI 1 representado pela palavra sociedade enquanto
o EI 2 é composto pela palavra complexidade. Aqui chamamos atenção para o
fato de as referidas palavras serem as mesmas que antes aparecem no NC da
espiral da escola pública federal, além de estarem destacadas na cor azul, que
como trouxemos anteriormente significa que esses elementos estão em
movimento, adentrando os círculos seguintes, aproximando-se, desse modo, do
NC, o que reforça nossa ideia de que as representações construídas
separadamente são, essencialmente, muito parecidas. Por fim, temos os
Elementos Periféricos (EP) ilustrados pelas palavras necessária,
transformadora, interessante, analítica, discussão, legal, fundamental,
criticidade, chata, diálogo, desvalorizada, ferramenta, reflexiva. A respeito
dos sistemas periféricos é importante lembrar que

A nomeação desses elementos como a periferia da representação pode


erroneamente sugerir que tais significâncias possuem menor importância
na estruturação da representação. Entretanto, é por meio desse que a
representação se relaciona com o contexto social vigente, cumprindo
assim um papel funcional. Por se relacionar de forma mais direta à
realidade vivenciada pelo grupo, o sistema periférico também se encontra
num espaço bem mais propício a interferências que o núcleo central.
(OLIVEIRA, 2015, P.53)

. De acordo com Abric (2001), enquanto subconjunto da representação


social é crucial que seja conhecido o NC, mas, o autor também destaca a
necessidade de que sejam conhecidas as outras estruturas que constroem essa
170

representação e, inclusive, os papéis funcionais que possuem, que são


complementares aos do núcleo central. Assim sendo, é necessário grifar que nas
periferias há a possibilidade de conhecer/refletir/discutir o desenvolvimento de
uma representação social, sua capilaridade e até mesmo seus processos de
modificação, quando acontecem. Esse sistema necessita, pois, do núcleo central
para sua organização e estabilidade assim como precisam dos sistemas
periféricos que estabelecem uma interface da realidade concreta com o
fenômeno representacional, além de abrigar as contradições que possam existir,
protegendo o núcleo da representação.
Nos detendo agora a análise do conteúdo dessas representações,
iniciemos pelo fato de que tanto o NC, quanto os EI 1 e os EI 2 são compostos
somente de uma palavra cada e, embora possuam pesos distintos nessa
organização representacional, essa observação indica uma consolidação,
principalmente do NC, que aparece em preto e sozinho. Os Elementos
intermediários indicam um possível movimento de aproximação a esse NC e
mesmo que revelem esse aspecto de inserção nos níveis seguintes, também
concentram o caráter científico e vasto da disciplina de Sociologia, assim como
trazem os estudantes:

Escolhi essas palavras pois a Sociologia é o estudo da sociedade e as


relações que temos com os outros indivíduos que estão entre nós. Ou
seja, isso também envolve a cidadania e a democracia que são conceitos
importantes. (INTERLOCUTOR 26)

É uma disciplina explicativa, pois é mais teórica, ouvimos muitas


explicações sobre determinados assuntos e assim é complexa, pois, há
muito o que aprender. (INTERLOCUTOR 27)

Os jovens mobilizam diversos conceitos sociológicos para definir o que é a


disciplina de Sociologia e, embora não pareçam fazer isso de modo consciente,
estabelecem em suas falas um caráter científico ao que enxergam da referida
cátedra. Em algumas alocuções também é possível notar que a escolha dos
vocábulos se deu pela memória recente do que estava sendo trabalhado em sala
de aula e talvez por essa razão também tenham sido feitas tantas menções a
abordagens no campo da ciência política, conteúdo programático para os 3ºs anos
do ensino médio no ensino da disciplina em questão.
171

A Sociologia é importante pois conseguimos entender os movimentos


sociais e consequentemente gera mais conhecimento político que é
fundamental em nossas vidas. (INTERLOCUTOR 33)

É uma ciência que busca observar os fenômenos da sociedade


(INTERLOCUTOR 65)

A Sociologia é uma ciência, ela estuda as relações humanas, é uma


matéria bem legal. (INTERLOCUTOR 29)

Dessa forma, evocações como essas e tantas outras que traziam em suas
justificativas referências a aspectos conceituais ou científicos da disciplina de
Sociologia, compõe os primeiros elementos intermediários dessa representação,
bem como, a segunda dimensão representativa34 de maior expressividade,
conforme trouxemos no capítulo anterior. A dimensão crítico-racional conforma
justamente esse espaço da disciplina que oferece instrumentos para uma
compreensão científica da sociedade. Interessante pensar que diferente de um
professor de Sociologia, que poderia trazer essa dimensão como um objetivo a ser
alcançado ou como um compromisso de sua atuação, os estudantes trazem a
perspectiva de quem está aprendendo tais conceitos e, em alguma medida,
relacionando-os com a realidade.
E, nesse sentido, nos parece que a Sociologia escolar vem cumprindo seu
papel:

É contribuição das Ciências Sociais, como a disciplina Sociologia para o


nível médio, propiciar aos jovens o exame de situações que fazem parte
do seu dia a dia, imbuídos de uma postura crítica e atitude investigativa.
É sua tarefa desnaturalizar os fenômenos sociais, mediante o
compromisso de examinar a realidade para além de sua aparência
imediata, informada pelas regras inconscientes da cultura e do senso
comum. Despertar no aluno a sensibilidade para perceber o mundo à sua
volta como resultado da atividade humana e, por isso mesmo, passível
de ser modificado, deve ser a tarefa de todo professor (MORAES;
GUIMARÃES, 2010, p. 48).

Assim, a despeito de todas as dificuldades e histórico que permeiam a


inserção da Sociologia na educação básica, a compreensão de que essa
disciplina é um elemento importante de (re)leitura social parece bastante

34 As dimensões representativas construídas estão disponíveis no capítulo 4 e são elas:


afirmação, crítico-racional, diferenciação, transformação e negação.
172

evidente no contexto pesquisado. E aqui talvez a tomada de consciência acerca


do que é – ou de que pode vir a ser – objeto de estudo na Sociologia faz com
que os estudantes tragam um outro elemento fulcral na compreensão dessa
representação, que é a complexidade. Presente no segundo círculo de
elementos intermediários, a eleição desse vocábulo deu-se não numa
interpretação de dificuldade, mas, de aproximação entre os objetos, pois, a
Sociologia toma a sociedade e tudo aquilo que nela se insere como objeto de
estudo científico e, por essa razão, é um conhecimento complexo,
interrelacional, capilarizado em questões econômicas, sociais, diversidade,
assim como nos dizem os estudantes:

Complexa, pois se refere aos seres humanos vivendo em conjunto


(INTERLOCUTOR 17)

Complexa porque tem toda uma construção e explicação para o


comportamento de cada sociedade (INTERLOCUTOR 75)

Complexa, pois, inclui muitos aspectos de todos os meios possíveis de


vida (INTERLOCUTOR 68)

A complexidade trazida pelo grupo insere-se na dimensão representativa


da diferenciação, a terceira mais expressiva dentro das dimensões apresentadas
no capítulo anterior e que segue, junto as outras evocações do mesmo grupo,
trazendo aspectos que, segundo os jovens, são particulares à disciplina de
Sociologia e, portanto, a diferenciam das demais cátedras estudadas na escola.
Conforme fizemos em nosso trabalho de dissertação, Oliveira (2016), ao
decifrarmos a estrutura representacional em questão aqui, pensamos na
construção de uma imagem que nos coloque a necessária relação que possuem
o NC e os EI dessa representação. Tão prescritivos quanto o núcleo central, os
elementos intermediários (bem como os periféricos), fazem funcionar essa
representação, ou seja, subsidiam aquilo que os estudantes falam e fazem
quando pensam na disciplina de Sociologia merecendo nossa atenção.
Organizada e significada pelo elemento “importante”, vejamos de que modo os
sujeitos que evocaram esse termo o relacionaram com os elementos
intermediários da representação:
173

Figura 07. Estrutura relacional: elementos do Núcleo Central de “A disciplina


de Sociologia é...” e Elementos Intermediários

Importante

Sociedade Complexa

Fonte: elaborado pela autora (2024).

Sem a Sociologia seria impossível compreender as vertentes da


humanidade, por isso considero ela fundamental, além de complexa.
(INTERLOCUTOR 20)

Ciência, pois, é a ciência que estuda a sociedade. (INTERLOCUTOR 11)

Para mim, complexa e reflexiva interagem entre si, já que a complexidade


do estudo das sociedades me faz refletir acerca das minhas relações
sociais e como me encaixo no meu meio (INTERLOCUTOR 23)

A Sociedade é seu objeto de estudo, por isso é necessária.


(INTERLOCUTOR 34)

A importância da disciplina de Sociologia no grupo pesquisado está


consolidada na relação que a cátedra possui com a realidade estudantil e, nesse
sentido, há uma percepção de que esse contexto social (re)lido a partir da Sociologia
apresenta uma complexidade, uma vastidão de elementos que podem ser, desse
modo, compreendidos a partir de uma imaginação sociológica 35. Também notamos
na fala dos interlocutores uma recorrência do aspecto científico e conceitual dessa
disciplina, que fornece a partir do seu arsenal de conhecimentos as ferramentas
necessárias para a percepção de que essas vidas particulares estão intimamente
vinculadas a contextos sociais mais amplos. Nesse sentido, podemos dizer que a
representação social dos estudantes está ancorada no aspecto crucial que teria a

35Sobre imaginação sociológica ver: MILLS, Charles Wright. A Imaginação Sociológica. 6 ed.
Tradução: Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1982.
174

disciplina para a compreensão social sob um olhar crítico-racional e, portanto,


científico. Nossa hipótese se confirma ao observarmos a relação do NC com os
elementos periféricos, aqueles responsáveis por manter vivas as relações entre a
representação social e a realidade cotidiana:

Figura 08. Estrutura relacional: elementos do Núcleo Central de “A disciplina


de Sociologia é...” e Elementos Periféricos

Importante

Reflexiva Necessária

Ferramenta Transformadora

Desvalorizada Interessante

Diálogo Analítica

Chata Discussão

Criticidade Legal

Fundamental

Fonte: Elaborado pela autora (2024)

A relação entre o NC e a periferia é bastante evidente nas falas do grupo e


reforça uma ancoragem nos aspectos supracitados e a criação de uma imagem da
Sociologia que a partir de sua importância, circula em todas as dimensões
representativas trazidas no capítulo anterior.
175

A Sociologia é importante porque, primeiramente nos faz enxergar as


relações sociais e como é formada nossa construção social, por isso é
também transformadora. (INTERLOCUTOR 18)

Desvalorizada, pois recebe pouca atenção por parte dos alunos e


também de algumas escolas, apesar da sua importância
(INTERLOCUTOR 102)

A disciplina de Sociologia é reflexiva pois compreende o papel do


indivíduo na sociedade moderna junto com o coletivo (INTERLOCUTOR
03)

A Sociologia é fundamental no nosso grade, pois, também é uma ciência


que estuda a relação entre pessoas (INTERLOCUTOR 10)

A disciplina e as ideias são interessantes, mas, a forma como é ensinada


e o foco que as provas cobram são repetitivos e sem graça.
(INTERLOCUTOR 32)

Essa imagem reflete assim uma construção do grupo que entende a


Sociologia como importante, mas, que revela também suas dificuldades, sua
desvalorização, seu caráter interventivo, sua capacidade de provocar reflexões, a
periferia aqui em questão traz, portanto, os lugares do cotidiano estudantil onde a
importância da Sociologia se revela. É nesse ponto, na interface entre o real e o NC
da representação que começamos a buscar justificativas para compreender como a
Sociologia na educação básica consegue, entre os estudantes, manter uma imagem
de relevância se há um contexto social, econômico e ideológico que os encaminha
para uma outra percepção. Apresentamos a seguir a tese que foi elaborada e que
almeja discutir como essa realidade tem contribuído para a concepção de uma
disciplina de Sociologia importante.

5.2 Que educação queremos? Themata, Representações Sociais e a


consolidação de uma Sociologia importante

Antes de falar sobre o ensino de Sociologia e o espaço (ou não) que essa
disciplina vem ocupando nos currículos da educação básica brasileira, entendemos
que há uma questão subjacente ao nosso objeto de investigação, mas, que a ele
relaciona-se diretamente, que é o modelo de formação e de educação que vem
sendo pensados para o Brasil. Já tendo abordado de modo extenuante essa
temática até chegarmos aqui, percebemos que antes de pensar como está a
176

Sociologia na escola precisávamos falar dessa escola, desse sistema educacional,


do projeto de educação que temos enquanto nação.
Somemos a isso o fato de que as representações sociais, como uma
modalidade prática do conhecimento e como elementos que orientam a nossa
comunicação e a nossa compreensão da realidade, apresentam um aspecto
cognitivo, mas, são também elaboradas e partilhadas socialmente, o que nos
permite afiançar que essa questão que contorna o modelo de educação que se quer
tem rebatimentos na Sociologia que acontece nas escolas e, consequentemente, na
representação social que os estudantes constroem acerca dessa disciplina.
Entretanto, os dados aqui apresentados e a leitura de trabalhos anteriores que
constroem relações semelhantes as nossas, buscando a interface entre educação,
ensino de Sociologia e representações sociais – na perspectiva dos estudantes –
nos trouxeram de modo surpreendente uma visão positiva da Sociologia escolar. Na
contramão de tantas reformas, da própria BNCC e da reforma do Novo Ensino
Médio, os jovens pesquisados organizam sua representação sobre a disciplina de
Sociologia em torno da palavra importante, destacando em suas justificativas a
relevância que a cátedra possui na compreensão social a partir de uma “nova” ótica.
Ao trabalhar com as representações sociais nosso primeiro exercício foi o
de questionar qual seria a origem dessa imagem de uma Sociologia importante
e aqui a Psicologia Social nos trouxe a compreensão de que às representações
sociais são de modo concomitante, campos socialmente estruturados que só
podem ser entendidos quando referidos às condições de sua produção e aos
núcleos estruturantes da realidade social. Diante desses achados propomo-nos
a tentar ver com outro olhar o que já fora visto e buscar uma compreensão para
o fato de que mesmo diante de um panorama sócio-histórico desfavorável à sua
legitimação, a disciplina de Sociologia vem resistindo e ganhando alguma
relevância entre os estudantes. Desse modo, compreender por que a Sociologia
é importante para os estudantes significa compreender as condições de
produção dessa imagem e isso nos levou ao conceito de Thema.
O Thema foi inicialmente desenvolvido por Holton. O autor os definiu como
“concepções primeiras” às quais os homens de ciência aderem, que modulam a
maneira pela qual a imaginação deles é governada. Seriam concepções
fundamentais, estáveis, largamente difundidas, comuns a muitos cientistas; que
se concretizam em conceitos, métodos ou hipóteses, que orientam a atividade
177

de pesquisa e que não podem ser reduzidas nem à observação, nem ao cálculo.
(LIMA, 2008). Segundo o mesmo autor a evolução das teorias científicas estaria
diretamente relacionada a um movimento dialético de Themata opostos.

Esses Themata opostos são facilmente detectáveis por intermédio do que


Holton chama de “díades antitéticas”, às quais ele faz referência pelos
seguintes exemplos: “simplicidade – complexidade”; “reducionismo –
holismo”; “continuidade – descontinuidade”; “análise - síntese”;
“permanência – mudança”; “invariância – evolução”; “hierarquia –
unidade”. (LIMA, 2008, P. 244)

Algum tempo depois esse conceito é retomado pela psicologia social e


utilizado como ferramenta para a compreensão do pensamento social, da
partilha de conhecimentos do senso comum, bem como no processo de
elaboração das representações sociais. A esse respeito, Moscovici e Vignaux
(2003) afirmam que

as representações sociais são sempre complexas e necessariamente


inscritas dentro de um ‘referencial de um pensamento preexistente’ de
crenças ancoradas em valores, tradições e imagens do mundo e da
existência (MOSCOVICI; VIGNAUX, 2003, p. 216).

Assim como Holton, os autores compreendem o movimento de oposição


entre polos de pensamento opostos ao qual os Themata encontram-se
submetidos e assumem que cada representação é formada a partir de um
esquema de antinomias – pares de opostos que fundamentam o pensamento
humano – que geram uma dinâmica de tensão e integração de teses opostas.
Ou seja, seu aspecto dialógico revela a estruturação das representações sociais,
que são geradas a partir de antinomias culturalmente compartilhadas que se
transformam em problemas e, nesse ponto, começam a gerar as representações
sociais. As antinomias no pensamento do senso comum se tornam Themata se
no curso de certos eventos sociais e históricos elas se transformarem em
problemas, sendo fonte de tensão e conflito (MARKOVÁ, 2006, p. 252). Nesse
sentido, é importante sublinhar que, a partir da autora em destaque, saibamos
que todo Thema é resultado de uma antinomia, mas, nem toda antinomia pode
ser considerada Thema.
178

Ainda segundo Marková (2006) o Thema é quem ancora a constituição do


núcleo central e do sistema periférico da representação social, o que o torna um
conceito fundamental para a compreensão dos significados que concretizam a
existência de uma representação. Ante o exposto, ao analisarmos o objeto em
estudo nesse trabalho temos a seguinte percepção:

Figura 09. Estrutura relacional: Núcleo Central de “A disciplina de Sociologia


é...” e antinomias acerca da formação estudantil

FORMAÇÃO
FORMAÇÃO IMPORTANTE NÃO-CRÍTICA
CRÍTICA

Fonte: elaborado pela autora (2024)

A representação social erigida pelos estudantes acerca da Sociologia


organiza-se em torno da palavra importante e define, nesse sentido, aquilo que
está mais consolidado no grupo acerca do referido objeto. Em nossas análises,
a construção desse NC deu-se, essencialmente, em torno dos Themata
representados acima pela antinomia entre uma formação crítica/formação não-
crítica, já que o contexto sócio-histórico da Sociologia na educação básica não
forneceria elementos suficientes à estruturação de uma RS organizada a partir
da importância dessa disciplina. Sendo assim, defendemos a tese de que “A
disciplina de Sociologia é importante na perspectiva estudantil, sendo
sustentada pelos Themata: Formação crítica/Formação não-crítica;
179

Pedagogia crítica/Pedagogia tradicional; Educação


emancipatória/Educação tradicional, que significam essa representação e
consequentemente a própria realidade social, fornecendo a esse grupo
elementos para compreensão de seus contextos de vida.
A fim de sustentar a tese aqui defendida, prosseguiremos com a fala de
alguns estudantes entrevistados acerca de suas relações com a disciplina de
Sociologia. Aqui registramos nossa dificuldade em proceder com essa parte da
pesquisa, devido à falta de aderência dos jovens. Nas escolas privadas não
fomos autorizados pela gestão escolar a realizar as entrevistas, mas, somente
as TALP. Na escola estadual não tivemos participação voluntária dos estudantes
restando-nos cinco jovens alunos da terceira série do ensino médio da escola
pública federal, sendo destes 3 do gênero masculino e 2 do gênero feminino,
todos com 18 anos de idade. Desenvolvemos aqui um quadro-resumo elaborado
a partir do roteiro das entrevistas, sintetizando as questões colocadas em tópicos
e categorizando as respostas, por aproximação semântica, assim como propõe
Bardin (2014) para representar de maneira mais simplificada os dados colhidos.
Assim, vejamos:

Tabela 10. Síntese das entrevistas


QUESTÕES RESPOSTAS
A disciplina de Sociologia é... Imprescindível; Acesso à informação;
Melhor compreensão da realidade;
Relevante.
Dinâmica das aulas, pontos Negativo: Contexto pandêmico (aulas
positivos e negativos on-line) e aulas muito expositivas;
Positivo: liberdade para expor ideias,
senso crítico aguçado; debate de
ideias diferentes.
Papel do professor Fundamental, porta voz da disciplina,
condução muito importante para o
andamento das aulas.
Experiência geral com a Sociologia No geral, experiências positivas,
principalmente no 3º ano. Aspecto da
180

pandemia novamente apontado como


muito negativo.
Contribuições da Sociologia para a Entender o papel social; compreender
formação do estudante posições; consciência de classe;
compreender a realidade para além
de si; A sociedade não é homogênea
A Sociologia e o seu cotidiano Consegue mostrar o funcionamento
da sociedade; estudar as
engrenagens sociais, entender por
que as pessoas fazem determinadas
coisas; ajuda na convivência, pensar
o mundo a partir da coletividade
Nível de satisfação com o seu A escola só pensa no seu futuro
currículo escolar acadêmico, ENEM se torna um foco;
Todas as disciplinas deveriam estar
no mesmo patamar; Ensino médio
precisa ser humanizado
Fonte: elaborado pela autora (2024)

O roteiro da entrevista tematiza, essencialmente, sobre o que os


estudantes acham da disciplina, sua experiência com a Sociologia na escola, a
relação entre a cátedra e a formação desses jovens, além de uma última questão
onde eles ficavam livres para tecer comentários acerca dos seus currículos
escolares. Quando fomentamos que a centralidade da representação dos
estudantes na palavra “importante” é sustentada por Themata, encontramos
nesse grupo de respostas elementos fundamentais para a defesa da nossa tese.
A educação e o projeto educacional que se desenha no Brasil desde os
primórdios são, sem dúvidas, um território de contestação. Segundo Arroyo
(2021)

A produção e apropriação do conhecimento sempre entrou nas disputas


das relações sociais e políticas de dominação-subordinação. Em nossa
formação histórica a apropriação-negação do conhecimento agiu e age
como demarcação-reconhecimento ou segregação da diversidade de
181

coletivos sociais, étnicos, raciais, de gênero, campo, periferias. Não


apenas foi negado e dificultado seu acesso ao conhecimento produzido,
mas foram despojados de seus conhecimentos, culturas, modos de
pensar-se e de pensar o mundo e a história. (ARROYO, 2021, P. 14)

O monopólio do conhecimento ou daquilo que pode ser aprendido (ou


não) nos espaços formais de educação, costura a história da educação brasileira
e ecoa na voz do grupo de estudantes aqui pesquisados. Logo quando iniciam
suas falas, reforçam aquilo que o grande grupo diz: A Sociologia é importante e
sua importância reside no fato de que há uma compreensão da sociedade e um
acesso a informações que não parecem disponíveis em outros lugares. É
inegável que o debate sobre a educação no Brasil, sua história e seus objetivos
ocupam um espaço significativo no discurso público. Sendo assim, é esperado
que a construção da RS acerca da disciplina de Sociologia encontre apoio nos
Themata aqui já colocados. As antinomias do tipo de
formação/pedagogia/educação que se espera reverberam nas falas estudantis
quando dizem o que é e como se relacionam com a Sociologia em seus
cotidianos. Além da recorrência com a qual os jovens tratam da possibilidade de
uma (re)leitura social, de um senso crítico desenvolvido e do acesso a um
conhecimento do qual parecem ter sido despojados, é reveladora a clareza que
possuem quanto a descaracterização do ensino médio e, portanto, dos
indivíduos que o compõe.
Há uma queixa generalizada no grupo investigado acerca do excessivo
foco dado ao ENEM ou a instrumentalização dos estudantes para o mundo do
trabalho, em detrimento de uma preocupação com a formação humana e crítica.

A visão é mercantilista demais: faz o ensino médio, depois o ENEM e


depois vai pro mercado de trabalho. Gostaria que o aluno fosse pensado
mais como um ser social, humanizar o ensino médio. Id. 04

Embora haja um recorte institucional, já que estamos falando de


estudantes de uma escola que propõe formação técnica – mas, também
omnilateral, segundo dados do seu Projeto Político Pedagógico, as falas nesse
sentido chamam atenção por refletirem, justamente, essa dualidade, essas
antinomias, esse embate entre uma formação menos utilitarista e mais
182

humanizante. Os achados aqui reforçam, portanto, que segundo os estudantes


a disciplina de Sociologia pode ser um desses instrumentos de humanização da
educação:

Melhorou minha formação como indivíduo, me ajudou a pensar o mundo


a partir de uma coletividade, a compreender as relações entre grupos e
pessoas, a melhorar nossa convivência enquanto sociedade. Id. 03

A consolidação da Sociologia como uma disciplina relevante para o


público estudantil aqui investigado se dá, principalmente, a partir da sua
proximidade com o contexto social dos estudantes e também do seu papel para
somar num movimento de humanização da educação. Fica clara a relação entre
a construção do NC dessa representação e os Themata concernentes ao debate
público acerca da educação ou do que se espera da educação no Brasil. Os
elementos como visão utilitarista, senso crítico e consciência de classe
mencionados nas entrevistas ilustram aspectos de uma Sociologia engajada
numa perspectiva de educação emancipatória.
Diante do cenário social e histórico a que foi submetida a disciplina de
Sociologia, é fundamental ressaltar a relevância que tem o fato de que a maior
parte dos jovens envolvidos nessa pesquisa possuam o entendimento de que a
disciplina pode instrumentalizá-los para uma melhor compreensão da realidade
social imediata. Além disso, o fato de trazerem a Sociologia como uma possível
ferramenta de humanização do processo educativo permite-nos inferir que a
disciplina segue, em alguma medida, cumprindo sua função de aprovisionar
esses jovens para que sejam capazes de desnaturalizar e examinar os
fenômenos sociais não simplesmente com objetivos avaliativos ou para
obtenção de métricas, mas, sobretudo para a compreensão do cotidiano em que
estão inseridos.
Por fim, distanciando-nos de uma visão romantizada ou reducionista da
antinomia que envolve a educação que queremos (queremos?), seria
contraproducente a tudo que foi apresentado aqui creditar a disciplina de
Sociologia um caráter protagonista ou unívoco numa possível modificação de
concepção da educação, por exemplo, quando ainda temos uma cátedra que
segue buscando seu espaço de legitimação. Os próprios elementos que
183

fundamentam o NC da representação trazida aqui têm origem nos opostos de


pensamento que envolvem os modelos de formação, pedagógicos e
educacionais que estão em embate no espaço cognitivo e, sobretudo, social.
Entretanto, é possível afiançar que esse espaço aberto ao debate de ideias, esse
estranhamento ou esse desencantamento do mundo hodierno é o elemento que
faz da Sociologia uma disciplina importante para a juventude aqui pesquisada.
Importante porque aproxima-se das vidas desses jovens possibilitando-os
pensar o que ninguém ainda pensou sobre aquilo que todo mundo vê.
184

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trajeto percorrido até aqui permite que encaminhemos algumas


conclusões acerca da disciplina de Sociologia e o papel que ela vem construindo
no currículo da educação básica no Brasil. O caráter facultativo que é peculiar a
esta cátedra deixa suas marcas em diversos aspectos que envolvem o ensino
da Sociologia, como por exemplo: a formação de seus professores, a
estruturação curricular da disciplina no ensino médio, a distribuição e tempo das
aulas, o seu desprestígio social e, por conseguinte, escolar, entre outros fatores.
A história da Sociologia na educação básica é, sobretudo, uma história de
embates e perseverança na busca por um espaço legítimo dentro (e fora) da
escola média brasileira.
É preciso que neste caminho sejam reconhecidos os avanços alcançados,
principalmente entre os anos de 2008 e 2012. Esse que foi um período de
consideráveis conquistas no campo da Sociologia, refletiam o tempo de algumas
garantias legais – como a lei de obrigatoriedade, advinda em 2008 – e de um
governo federal que possuía uma pauta educacional mais alinhada as
necessidades de uma formação omnilateral. O fato é que no período supracitado
houve um movimento de crescente debate acerca do ensino sociológico que
refletiu numa elevação do número de pesquisas acadêmicas nessa área, além
de uma profusão de eventos acadêmico-científicos como o Encontro Nacional
Sobre o Ensino de Sociologia na Educação Básica (ENESEB) e a criação da
própria Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais (ABECS). Esse
cenário foi fundamental para o fortalecimento de professores, pesquisadores e
do próprio campo da Sociologia na educação básica, trazendo substancialidade
a relevância da presença dessa disciplina na escola média e consolidando uma
base estratégica para os anos vindouros.
A disciplina de Sociologia é importante, dizem os estudantes pesquisados
nesse trabalho, no de Rêses (2004), no de Soldan (2015), no de Santos Neta
(2020), em contextos sócio-históricos distintos, com um intervalo de 20 anos
entre a primeira pesquisa e esta que aqui foi desenvolvida, a perspectiva
estudantil se mantem acerca da essencialidade da Sociologia na sala de aula.
Esse recorte engloba trabalhos que centram suas análises a partir das
representações sociais dos estudantes e, ainda que o aporte teórico-
185

metodológico seja distinto, os resultados apontam para um lugar que nos faz
questionar como esse entendimento de relevância dado a disciplina em questão
se consolida diante de cenários tão adversos. Além de elementos trazidos nas
pesquisas anteriores a nossa, como por exemplo: a formação crítica e cidadã, a
relação professor/aluno, o potencial de conscientização política e intervenção
social atribuídos à Sociologia escolar, defendemos nesse trabalho a tese de que
as representações positivas arroladas a referida disciplina estão ancoradas num
thema, no referencial de um pensamento preexistente que traz o que podemos
chamar, assim como Ribeiro (1986), de projeto de crise educacional.
A partir dos dados obtidos por meio das TALP desenvolvidas nesse
trabalho, o núcleo central da representação dos estudantes apontou para a
palavra “importante” como elemento mais estável na imagem construída pelo
grupo, acerca da disciplina de Sociologia. Ao analisarmos todo o contexto sócio-
histórico de intermitência curricular da disciplina, de modelos curriculares aos
quais esses estudantes encontram-se submetidos, além de um “novo”
movimento de apagamento da Sociologia na escola, endossado pelo Novo
Ensino Médio36, junto a BNCC defendemos que a visão trazida pelos
pesquisados está diretamente relacionada ao chamado projeto de crise da qual
se constitui a educação brasileira. Essa crise, segundo Ribeiro (1986) evidencia-
se não exatamente como uma crise, mas, como um projeto educacional que vem
excluindo, sistematicamente, pobres, negros e tantas outras minorias alienadas
de uma escola que é pensada para aumentar as distâncias sociais.
A projeção dessa e de outras crises, que refletem hoje num processo de
educação dual e ainda esvaziada de sentido, principalmente para os jovens
periféricos, nos fazem pensar que quando um estudante diz que a disciplina de
Sociologia é importante porque ela o auxilia numa leitura social mais acurada ou
porque ela ajuda-o no desenvolvimento do seu senso crítico ou ainda porque por
meio dela a compreensão de sua realidade social é possível, esse estudante
está nos falando que a Sociologia, enquanto disciplina escolar, deixa de ser um

36A implementação do NEM iniciada no ano de 2022 está suspensa desde abril de 2023 e pode
sofrer alterações ainda no corrente ano. Como alternativa às regras do Novo Ensino Médio, o
governo apresentou, em outubro, o Projeto de Lei 5.230/2023, que redefine a Política Nacional
de Ensino Médio no Brasil.
186

elemento desconhecido e torna-se inteligível a partir do papel que ela


desempenha para esses estudantes. Ou seja, a disciplina é importante porque
ela é um dos elementos capazes de fazer com que o grupo pesquisado leia o
mundo a sua volta e essa importância tem origem num referencial de
pensamento, numa ideia preexistente, num Thema que envolve as antinomias,
as ideias opostas acerca do que se pretende no campo da educação.
Quando Moscovici e Vignaux (2003) falam sobre os Themata, eles os
apresentam como ideias que permeiam o pensamento social, possuindo
considerável longevidade e estabilidade. Segundo os mesmos autores, as
Representações Sociais originam-se também nessas ideias. Essas ideias, por
sua vez, representam, segundo Markova (2006), antinomias do pensamento,
pares de opostos que fundamentam o modo humano de pensar. Nesse sentido,
os Themata que envolvem a organização do núcleo central da representação
dos estudantes sobre a disciplina de Sociologia perpassam, provavelmente,
pelos opostos que se relacionam ao projeto educacional que se tem ou que se
deveria ter para a sociedade. Uma educação emancipatória/colonizante, uma
formação crítica/não crítica, uma educação tradicional/educação nova, essas
antinomias que levam à importância de uma Sociologia no ensino médio são
elementos presentes nos discursos dos estudantes aqui entrevistados, inclusive.

A Sociologia te radicaliza, ela está totalmente relacionada ao nosso dia a


dia, a única disciplina que nos permite estudar as engrenagens da
sociedade, entender por que certas coisas acontecem, ter uma formação
mais crítica. Id. 01

Contudo, conforme vimos ao longo desse texto, o processo de


transformação dessas antinomias num Thema envolve a necessidade de que
esses opostos de pensamento ganhem, dentro do contexto social alguma
relevância. Conforme sinaliza Markova (2006), para que uma antinomia de
pensamento se torne um Thema é necessário que ele seja problematizado
dentro do discurso público. Diante de toda discussão levantada nesse estudo,
essencialmente no que se refere a que sociedade e indivíduos pensamos formar
a partir do modelo educacional e curricular que se tem hodiernamente, parece
óbvio dizer que estamos diante de antinomias de pensamento que,
187

historicamente, vem se constituindo no Thema que é a crise educacional


brasileira.
Florestan Fernandes (1954) já dizia que nós vivíamos não numa
sociedade apenas de mudanças, mas, de crise. Sua fala se deu, justamente,
num contexto de defesa do ensino sociológico, na então escola secundária
brasileira, como um dos elementos importantes à formação de um indivíduo
capaz de compreender e atuar de forma crítica diante dos dilemas trazidos pela
sociedade moderna. Nesse sentido, afiançamos que as representações
elaboradas pelos jovens aqui investigados carregam consigo elementos dessa
sociedade de crises, sobretudo no que se refere a educação e ao ensino de
Sociologia, revelando, entretanto, ao contrário do que se difunde no senso
comum, um aspecto de relevância a referida disciplina que se assenta
justamente nas antinomias trazidas por esse cenário, que aqui chamamos de
Thema. Ainda que num contexto pós-pandêmico, com o considerado avanço do
pensamento conservador no Brasil, com reformas ultrajantes e que
negligenciaram significativamente o papel da Sociologia e das Ciências
Humanas de um modo geral na escola, a organização dessa representação
centrada no aspecto da importância nos deixa alguns recados.
O primeiro e mais importante ponto a ser considerado é ouvir esses jovens
e suas histórias. Quando falamos do currículo como um território de disputas,
notamos que nesse jogo de forças há uma reprodução de ausências que são
históricas. Sempre os mesmos coletivos de sujeitos, sempre as mesmas áreas
de conhecimento, sempre um conhecimento produzido sem considerar os
sujeitos sociais como sujeitos de conhecimento, de valores e de culturas. Arroyo
(2021) assinala que a ausência desses indivíduos do território do conhecimento
coloca inúmeras consequências ao que vem sendo proposto no atual modelo de
educação no Brasil, sendo um dos principais aspectos o fato de considerá-los
inferiores, ignorantes, menosprezando seus saberes e suas vozes e tornando a
escola o lugar onde os incultos vem aprender aquilo que os cultos e sábios lhes
designam como útil e importante.
Para além de conhecer as regras gerais, leis científicas, teoremas, os
estudantes deveriam compreender que todo esse conhecimento, que todos os
avanços científicos são produto do trabalho humano, de alguém, de coletivos de
sujeitos, os desenhos curriculares precisavam destacar e reconhecer que o
188

autor, os sujeitos existem e são fundamentais na produção daquilo que é


ensinado e aprendido (ARROYO, 2021, p. 145). Esse exercício encaminharia os
jovens para compreensão de que são também sujeitos de suas histórias e
produtores de conhecimento. Quando os estudantes vêm dizendo, há pelo
menos 20 anos37, que a disciplina de Sociologia é importante, pois os auxilia na
compreensão de suas vidas, numa leitura social e numa formação crítica, esses
dados precisariam ser considerados. Esse padrão de compreensão sobre a
disciplina que reverbera ainda na área das Ciências Humanas, precisaria ser
questionado, por exemplo, quando pensamos numa reorganização curricular:
Por que sabemos mais sobre o Teorema de Pitágoras do que sobre o fato do
Rio Grande do Norte ser terra indígena? Por qual razão aprendemos mais sobre
evolução das espécies e taxonomia e não sabemos, por exemplo, o porquê de
em períodos de chuvas serem sempre os mesmos bairros a sofrerem com as
“catástrofes” socioambientais? Por que mesmo estando num país da América
Latina aprendemos mais sobre inglês do que espanhol?
Não há aqui a intenção de hierarquizar saberes, ao contrário, o sentido é
o de que há uma relevância indiscutível nos conhecimentos colocados nos
questionamentos acima, mas, sabemos que apenas parte deles são lembrados
quando se fala em reformas curriculares, por exemplo. E aqui defendemos, a
partir das compreensões arroladas, que as novas propostas curriculares já em
curso precisam rever o espaço disposto aos principais sujeitos envolvidos no
processo educativo: estudantes e professores. Se há, por razões aqui já
repetidamente colocadas, um entendimento da Sociologia como uma disciplina
importante para formação estudantil, por quais razões essas vozes não são
ouvidas? As conclusões a que chegamos aqui nos inquietam, inclusive, acerca
dos lugares que os trabalhos acadêmicos vêm ocupando, nos faz pensar que
diante de uma produção científica já robusta acerca do ensino de Sociologia, por
exemplo, ainda caminhamos lentamente para que essas contribuições adentrem
espaços decisórios.
A formação docente é um exemplo de lugar que essas pesquisas
precisam alcançar. Se estamos falando em dar voz e ouvir os estudantes, os

37Esse dado está baseado no levantamento feito aqui nessa pesquisa, acerca de trabalhos
acadêmicos de dissertação ou tese que envolvem as Representações Sociais de estudantes
sobre a disciplina de Sociologia. Os dados estão dispostos na tabela X, seguidos de análise.
189

seus professores precisam estar alinhados a essa necessidade de escuta, bem


como, precisam também ser ouvidos. Hoje o papel da docência fica bastante
restrito a capacitar os alunos a atenderem competências e habilidades
determinadas pelos modelos curriculares estritamente alinhados a política
neoliberal, com foco em treinamento e domínio desses elementos que
classificam estudantes e professores como bons ou ruins, com base nos
resultados que estes obtêm. Essa é uma realidade, inclusive, para os
professores da rede privada de ensino que, de modo muito estratégico, tem seu
foco retirado dos estudantes e suas experiências, passando a ser o que em
outros tempos chamávamos de aulistas, transmissores de competências para
que seus alunos obtenham bons resultados em avaliações como o ENEM, por
exemplo.
É claro que essa é uma situação estrutural, não estamos afirmando aqui
que a ausência dos jovens, seus saberes e suas vozes nos currículos da
educação básica é uma responsabilidade dos professores. Ao contrário, esses
docentes também sofrem submetidos a modelos de formação que estão
bastante alinhavados a essa perspectiva de esvaziamento da docência, o que
propõe a BNC – Formação, por exemplo, ilustra claramente esses aspectos. Eis
aqui, portanto, nossa segunda advertência: para que sejam ouvidos os jovens
que dizem que a disciplina de Sociologia é importante é necessário também que
estejam dispostos a ouvi-los seus professores e, assim sendo, a formação
docente é um elemento que precisa ser (re)pensado, essencialmente no atual
contexto, que ainda sofre com os últimos anos de avanço da direita e extrema
direita no Brasil. E repensar os currículos de formação de professores significa
também dar voz aos futuros docentes, seus saberes e suas histórias, alinhando
assim a perspectiva de formação professoral ao que se espera dos estudantes
da educação básica.
Sumariamente, os caminhos que nos trouxeram até a elaboração da tese
de que os estudantes entendem a Sociologia como uma disciplina importante
pois apoiam-se numa série de antinomias, que mais tarde tornam-se um Thema
de crise educacional, revelam que precisamos estar atentos as necessidades
colocadas também pelos alunos, na elocubração do processo educativo como
um todo. Empreender uma reforma no Ensino Médio, estabelecer uma nova
Base Nacional Comum Curricular, enxugar os currículos sem a participação
190

desses atores sociais, diretamente envolvidos no processo de


ensino/aprendizagem, é correr o risco de ouvir algo como:

Acho boas as matérias aqui na escola, mas, com essas mudanças muitas
disciplinas foram encurtadas, principalmente na área de humanas, talvez
mudar o formato das disciplinas fosse mais interessante, melhor. Id. 01

Assim, supor ou determinar o que os “ignorantes” jovens devem aprender


na escola sem ouvi-los é furtar-nos da experiência de ter uma educação que os
inclua também a partir do que desejam. O caminho, entretanto, para saída desse
“admirável mundo novo” envolve criar um modo de fazer diferente: novos
espaços, novo tempo, novas formas de pensar o currículo, as metodologias e as
avaliações, precisamos de novos docentes e processos pedagógicos
reformulados. O fato dos estudantes nos trazerem a Sociologia como uma
disciplina de relevância inclusive para que possam compreender suas realidades
e a si mesmos, além de um quadro positivo de prevalência da cátedra dentro de
grupos de estudantes diversos, é um fator que sinaliza a compreensão que esses
jovens têm do papel que a Sociologia desempenha ou pode vir a desempenhar
seja numa velha ou numa “nova ordem mundial”.
E aqui, à guisa de conclusões, é importante registrar que ainda que diante
de um histórico conturbado dentro da educação básica, com inúmeras tensões
e conflitos enfrentados cotidianamente em busca de um espaço legítimo, a
Sociologia vem cumprindo seu papel na escola, é, sem dúvidas uma ciência que
colabora com o “o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo
a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento
crítico;” (BRASIL, 1996), fato que fica muito claro nas falas estudantis trazidas
aqui e na Representação Social que construiu o grupo investigado. Nesse
sentido, reforçamos a acuidade da luta de tantos profissionais, intelectuais e,
inclusive, estudantes que vem há anos num levante de coragem e defesa dessa
cátedra, entendendo-a como esse elemento de valor na escola, mas, sobretudo
fora dela. Deixamos claro aqui o nosso comprometimento não só nessa pesquisa
como em nosso fazer professoral diário, em permanecer nesse movimento de
interlocução e de ações que possam endossar a defesa de uma educação
pública, gratuita, de qualidade e que forme sujeitos emancipados, críticos e
191

comprometidos com as suas realidades, para os quais o ensino de Sociologia


permanece, indubitavelmente, fundamental.
192

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200

APÊNDICES
201

APÊNDICE A – Técnica de associação livre de palavras (TALP) Escola Pública

TÉCNICA DE ASSOCIAÇÃO LIVRE DE PALAVRAS

A REPRESENTAÇÃO SOCIAL DA DISCIPLINA DE SOCIOLOGIA

(Não preencher esse campo)


I. IDENTIFICAÇÃO DO SUJEITO
ID. SUJEITO ______
Gênero:
Idade:
Série:
Estudou todo o ensino médio em escola pública? ( ) Sim ( ) Não*
*Caso sua resposta seja não, em que séries estudou em outra escola?

Em quais séries do Ensino Médio teve aula de Sociologia?


( ) Somente 1 ano ( ) Somente 3 ano
( ) Somente 2 ano ( ) Todas as séries do ensino médio
( ) Somente 1 e 2 ano ( ) Outro: ______________

II. CLASSIFICAÇÃO LIVRE

1. Escreva rapidamente as palavras (somente palavras, uma para cada espaço) que, em sua
opinião, completam a afirmação:

A disciplina de Sociologia é...


(POR FAVOR, É MUITO IMPORTANTE PREENCHER TODOS OS 03 (TRÊS) ESPAÇOS ABAIXO)

2. Agora enumere as palavras que você escreveu, classificando-as de acordo com a importância
que você atribui a cada uma delas. Use os quadrinhos para pôr os números.

3. Justifique a escolha e hierarquização que você fez das palavras.


202

APÊNDICE B – Técnica de associação livre de palavras (TALP) Escola Pública Federal

TÉCNICA DE ASSOCIAÇÃO LIVRE DE PALAVRAS

A REPRESENTAÇÃO SOCIAL DA DISCIPLINA DE SOCIOLOGIA

(Não preencher esse campo)


I. IDENTIFICAÇÃO DO SUJEITO
ID. SUJEITO ______
Gênero:
Idade:
Série:
Estudou todo o ensino médio em escola pública federal? ( ) Sim ( ) Não*
*Caso sua resposta seja não, em que séries estudou em outra escola?

Em quais séries do Ensino Médio teve aula de Sociologia?


( ) Somente 1 ano ( ) Somente 3 ano
( ) Somente 2 ano ( ) Todas as séries do ensino médio
( ) Somente 1 e 2 ano ( ) Outro: ______________

II. CLASSIFICAÇÃO LIVRE

1. Escreva rapidamente as palavras (somente palavras, uma para cada espaço) que, em sua
opinião, completam a afirmação:

A disciplina de Sociologia é...


(POR FAVOR, É MUITO IMPORTANTE PREENCHER TODOS OS 03 (TRÊS) ESPAÇOS ABAIXO)

2. Agora enumere as palavras que você escreveu, classificando-as de acordo com a importância
que você atribui a cada uma delas. Use os quadrinhos para pôr os números.

3. Justifique a escolha e hierarquização que você fez das palavras.


203

APÊNDICE C – Técnica de associação livre de palavras (TALP) Escola Privada

TÉCNICA DE ASSOCIAÇÃO LIVRE DE PALAVRAS

A REPRESENTAÇÃO SOCIAL DA DISCIPLINA DE SOCIOLOGIA

(Não preencher esse campo)


I. IDENTIFICAÇÃO DO SUJEITO
ID. SUJEITO ______
Gênero:
Idade:
Série:
Estudou todo o ensino médio em escola privada? ( ) Sim ( ) Não*
*Caso sua resposta seja não, em que séries estudou em outra escola?

Em quais séries do Ensino Médio teve aula de Sociologia?


( ) Somente 1 ano ( ) Somente 3 ano
( ) Somente 2 ano ( ) Todas as séries do ensino médio
( ) Somente 1 e 2 ano ( ) Outro: ______________

II. CLASSIFICAÇÃO LIVRE

1. Escreva rapidamente as palavras (somente palavras, uma para cada espaço) que, em sua
opinião, completam a afirmação:

A disciplina de Sociologia é...


(POR FAVOR, É MUITO IMPORTANTE PREENCHER TODOS OS 03 (TRÊS) ESPAÇOS ABAIXO)

2. Agora enumere as palavras que você escreveu, classificando-as de acordo com a importância
que você atribui a cada uma delas. Use os quadrinhos para pôr os números.

3. Justifique a escolha e hierarquização que você fez das palavras.


204

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