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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS

ESCOLA DE DIREITO, NEGÓCIOS E COMUNICAÇÃO

NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA

COORDENAÇÃO ADJUNTA DE TRABALHO DE CURSO

ARTIGO CIENTÍFICO

A MULHER NO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO

ORIENTANDA: ANA LYSSA OLIVEIRA SOUSA

ORIENTADOR (A): PROF. (A): CARMEN DA SILVA MARTINS

GOIÂNIA-GO
2022
ANA LYSSA OLIVEIRA SOUSA

A MULHER NO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO

Artigo Científico apresentado à disciplina


Trabalho de Curso II, da Escola de Direito,
Negócios e Comunicação, Curso de
Direito, da Pontifícia Universidade Católica
de Goiás (PUC GOIÁS).
Profª. Orientadora: Carmen da Silva
Martins

GOIÂNIA-GO
2022
ANA LYSSA OLIVEIRA SOUSA

A MULHER NO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO

Data da Defesa: de de

BANCA EXAMINADORA

Orientadora: Profª. Carmen da Silva Martins Nota

Examinador (a) Convidado (a): Prof. (a): Miriam Moema de Castro Machado Roriz
Nota
AGRADECIMENTOS

À Deus, Senhor da minha vida “porque Dele, Por Ele e para Ele são todas as
coisas”;

À minha mãe, a quem dedico cada passo dessa jornada, e meus irmãos, por
estarem em cada dia dessa caminhada, possibilitando e sonhando comigo;

Ao meu pai, por seu amor que me trouxe até aqui confiante;

Ao meu amor e companheiro de vida, me incentivando desde o primeiro dia;

À minha avó Maria, por seu amor e renúncia de si para me encorajar;

À minha avó materna e tias Leandra e Laureana, por sua fé em acreditar em


mim desde os meus primeiros dias de vida;

Ao meu avô materno, por cada sorriso e palavra que me deu coragem;

À minha amiga Sarla, que nunca soltou minha mão.


A MULHER NO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO

Ana Lyssa Oliveira Sousa 1

O crescimento da população carcerária feminina, traz à tona a urgência de se fazer


entender que o sistema prisional não foi pensado para mulheres, mas que elas estão
ali, cada vez mais, sofrendo violências por não serem vistas com suas especificidades
de todas as ordens. Portanto, é nesta conjuntura, que este projeto busca elucidar a
invisibilidade da mulher no sistema, a história do encarceramento feminino, além de o
perfil dessas mulheres e o contexto em que estão inseridas, a fim de que se demonstre
a necessidade de mais do que repensar, mas pensar sobre elas, situadas na realidade
das prisões. Ademais, compreender que uma mulher que tem sua liberdade cerceada,
não diz respeito somente a ela, mas carrega consigo, em sua esmagadora maioria,
as responsabilidades financeiras, sociais e emocionais de toda família, e na falta deste
esteio, desestrutura-se esse grupo gerando um novo e mais grave problema social.
Palavras-chave: Mulher; encarceramento, garantias, invisibilidade, tráfico.

1
Graduanda no curso de bacharelado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. E-mail:
oliveiraanalyssa@gmail.com
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 6

CAPÍTULO I A HISTÓRIA DO ENCARCERAMENTO FEMININO ............................. 7

1.1 OS DIREITOS E DEVERES DA MULHER NO SISTEMA PRISIONAL ........... 10


1.2 DAS PARTICULARIDADES DAS MULHERES NO SISTEMA ....................... 11

1.3 CUMPRIMENTO DA PENA EM LOCAL DISTINTO........................................ 13

CAPÍTULO II A INSERÇÃO DA MULHER NO TRÁFICO DE DROGAS ................... 14

2.1 O PERFIL DAS PRESAS ................................................................................ 15

2.2 A VIOLÊNCIA INTRAFAMILIAR .......................................................................... 17

2.3 DA PROPORCIONALIDADE DAS PENAS.......................................................... 18

CAPÍTULO III DA POSSIBILIDADE DE ACOMPANHAMENTO DA MULHER PRESA


................................................................................................................................... 20

3.1 CONSTITUCIONALIDADE ............................................................................. 20

3.2 PRODUÇÃO DE DADOS ACERCA DAS MULHERES PRESAS......................... 21

3.3 ACOMPANHAMENTO PSICOLÓGICO .............................................................. 22

CONCLUSÃO ........................................................................................................... 23

REFERÊNCIAS......................................................................................................... 24
6

INTRODUÇÃO

Trazer ao debate o sistema prisional e seus mecanismos, carrega consigo uma


série de estereótipos e preconceitos, pois o senso comum entende que a prisão não
deve se adequar à oferecer garantias básicas inerentes a vida, que o encarceramento
deve ser tido como uma espécie de castigo, para muitos, que torture o indivíduo que
ali se encontra, e que o trate não mais como ser humano, mas um ser abaixo de
direitos, que a partir de sua conduta delituosa e reprovável, perca sua faculdade de
ser humano com direitos e garantias. Uma lógica cruel, que não produz efeitos de
ressocialização. Pelo contrário, devolve-se à sociedade, revolta e crueldade.

Transpondo para a realidade de uma mulher presa, ceifada do seio da família,


da convivência com os filhos, afastando quem muitas vezes é a chefe de família e
provedora financeira, os resultados são ainda mais catastróficos. Uma mulher que tem
sua liberdade cerceada, carrega consigo o peso de uma família destruída. Se ela tem
filhos, estes são separados e andam de lar em lar, tentando serem aceitos, mas
dificilmente são. O julgamento que recai é ainda maior, pois além de criminosa, ela é
mulher, que a sociedade não aceita que tenha tal conduta. O abandono nas prisões,
a falta de itens básicos de higiene, o total esquecimento do Estado e de suas próprias
famílias. Depositam suas esperanças de um fio de vida digna, em terceiros que olhem
por elas ali dentro, e realizem uma ação social, que não resolve, mas lhe dão algum
acalento.

É inaceitável que não existam debates de toda ordem sobre a mulher no


sistema prisional. Sendo ela pilar da família e seus filhos. Em um país onde quase 100
mil crianças nascidas só em 2021, não tiveram o nome do pai no registro civil. No total
são 5,5 milhões de crianças brasileiras não registradas. É inconcebível que não se
veja o tamanho do estrago ao arrancar essas mulheres de seus filhos, para viver
intramuros, sem a possibilidade de trabalhar para sustenta-los, sem poder ser
presença diária em suas vidas. É preciso entender que existe um padrão, onde 1.3
bilhão de pessoas na pobreza, 70% sendo mulheres, com formação escolar sem
ensino médio, forçadas a recorrer ao tráfico de drogas para subsistência. Delito em
que leva 60% delas ao cárcere.

O presente artigo traz consigo questionamentos sobre a mulher dentro do


sistema prisional, sua invisibilidade ainda maior nessa posição, o abandono sofrido,
7

as garantias fundamentais que lhe são negadas, as consequências para além da


prisão, e principalmente elucidar a desigualdade de tratamento em um sistema criado
por homens, para homens, desigualdade essa que começa muito antes da prisão,
mas se concretiza efetivamente ali. O fato é que, o Brasil já conta com a 4° maior
população carcerária feminina do mundo, mas ainda conta com uma Lei de Execução
Penal que lhes oferece como garantia, apenas que funcionários da penitenciária,
sejam também mulheres.

O trabalho se conduz pela seguinte questão: para além de tudo que será
evidenciado, a partir de dados, de estudos bibliográficos, encarcerar essas mulheres
da maneira como tem sido, é o melhor caminho? É possível haver medidas
alternativas à prisão em casos específicos? É preciso refletir sobre a sociedade
excludente em que vivemos, onde a mulher é colocada em uma posição inferior, de
maneira explícita, mas também de forma estrutural. Necessário se faz trazer à debate,
por que a mulher na prisão muitas vezes não tem acesso a absorvente, item básico
de higiene. Seriam elas punidas duas vezes?

O projeto se construiu através de estudos bibliográficos, com auxílio dos


poucos, mas importantes, dados disponibilizados. Apesar da tentativa de realizar uma
pesquisa com uma mulher no sistema prisional, o mesmo se tornou inviável devido à
pandemia da COVID-19. Os norteadores do trabalho foram a Constituição Federal de
1988, a Lei de Execução Penal, o Sistema Nacional de Informações Penitenciárias e
o Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça, atuando na coleta de
dados do sistema em geral, para fins de comparação, o artigo O encarceramento
Feminino no Brasil realizado pela FIOCRUZ e por fim, pesquisas de campo realizadas
pela Pastoral Carcerária.

CAPÍTULO I

A HISTÓRIA DO ENCARCERAMENTO FEMININO

Analisando o perfil de mulheres no sistema carcerário brasileiro, é possível


constatar um padrão: a maioria é negra ou parda, já foi vítima de violência (física,
emocional, sexual), baixa escolaridade, desestrutura familiar e o principal, presa por
tráfico de drogas. Partindo deste ponto, não podemos ignorar a repetição de padrão,
8

há que se escrutinar esses perfis para compreender o fenômeno do crescimento no


número de mulheres presas.

Se o Brasil é um país extremamente marcado por desigualdades, não seria


diferente tratando-se do cárcere. O sistema prisional universal foi inicialmente criado
por homens e para homens, o que coloca em alerta as minorias que nele se
encontram, especialmente as mulheres. Mulheres tem necessidades e demandas
diferentes dos homens, logo é preciso uma forma de tratamento que corresponda à
essas necessidades, de forma particular, para a partir de então se ter melhor
compreensão daquilo que se passa.

Dentre essas necessidades específicas, está o fato de que a mulher é


responsável pelo filho, seja aquele gerado antes da prisão, seja aquele que nasceu
atrás das grades. O cárcere de uma mãe é fator que desestrutura famílias, pois com
essa mulher presa, os filhos já não estão mais sobre sua tutela e transitam de lar em
lar e casas de adoção. No caso do filho que nasce no cárcere é ainda mais traumático,
aquela mulher não dispõe de estrutura básica durante o que seria o pré-natal, como
também faltam cuidados no momento do parto e puerpério e tudo aquilo que é
necessário a um recém-nascido, a criança já nasce presa. Tudo isso só aprofunda a
exclusão frente a sociedade.

Assim como o tráfico de drogas é a principal causa do encarceramento no


Brasil, é também o crime mais cometido pelas mulheres presas. De acordo com o
Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias - INFOPEN (2018), “crimes
relacionados ao tráfico de drogas correspondem a 62% das incidências penais pelas
quais as mulheres privadas de liberdade foram condenadas ou aguardam julgamento
em 2016, o que significa dizer que 3 em cada 5 mulheres que se encontram no sistema
prisional respondem por crimes ligados ao tráfico”.

A grande maioria das mulheres, dentre as posições diversas que existem


dentro do tráfico, são utilizadas como as chamadas “mulas de droga”, consiste em
traficar uma quantidade pequena de droga para que sejam apreendidas de maneira
proposital, e uma maior quantidade passe despercebida pelas autoridades
posteriormente. Nesse processo, mulheres são como massa de manobra para
transporte e crimes em maior escala. Conforme apontado pelo Instituto Terra,
Trabalho e Cidadania (ITTC), a divisão de gênero não se limita ao mercado formal de
9

trabalho, mas também se mostra presente na organização do tráfico, a qual é marcada


pela vulnerabilidade do feminino.

No Brasil, em 2006, foi promulgada a Lei 11.343, nomeada “Lei das Drogas”, a
qual endurece as penas por tráfico de drogas e, consequentemente, aumenta o
encarceramento. Antes dela, 13% dos presos cumpriam sentença por tráfico,
enquanto, atualmente, no estado de São Paulo, esse contingente é de 60% nas
cadeias femininas (VARELLA, 2017). Apesar da maior severidade legislativa
observada em relação ao tráfico de drogas, as prisões brasileiras são compostas, em
sua maioria, por usuários de drogas ilícitas e pequenos traficantes, justamente porque
a Lei das Drogas (2006) não define a quantidade que diferenciaria o usuário do
traficante.

A mulher no cárcere é um ciclo, que contempla a exclusão social, a pobreza e


que oprime. No tráfico, mulheres buscam a solução de problemas financeiros, sendo
o braço vulnerável do crime organizado e acabam sendo presas, logo após cometer o
crime, e os traficantes saem impunes. Uma vez presa, em um sistema prisional em
que não se preocupa com as necessidades femininas, pelo contrário, recebem o
mesmo tratamento dos sistemas masculinos, se deparam com o total desamparo do
Estado.

Importante destacar na história do encarceramento feminino, o período que


teve início no Brasil em março de 2020, a Pandemia causada pelo vírus da COVID-
19, e como essa realidade foi assoladora no sistema prisional. A Pastoral Carcerária
Nacional para a Questão da Mulher Presa produziu uma pesquisa sobre a situação
de mulheres na condição de presas durante a pandemia. Somente devido a essa
pesquisa, podemos ter dados mais próximos da realidade, tendo em vista que o
próprio Estado não os fornece.

Essa pesquisa realizada pela Pastoral (acessado 10/05/2022), é de uma


importância sem precedentes, e não poderia deixar de ser mencionada no presente
trabalho. Pois se a pandemia trouxe incertezas e obscuridade de dados,
subnotificações em todas as esferas da sociedade, como quantas pessoas de fato
morreram, ou quantos perderam seus empregos etc., quando transpomos essa
realidade para o cárcere, ter um material de pesquisa, que nos dê alguma noção de
como esse grupo de mulheres encarceradas estão vivendo dentro do contexto de
pandemia, temos um caminho para a tentativa de amenizar as mazelas trazidas.
10

As visitas presenciais foram suspensas, na tentativa de frear a contaminação,


e foram possibilitadas em algumas unidades prisionais, as visitas virtuais, em
algumas unidades era permitido até 3h de visita, enquanto outras por poucos
minutos, além daqueles apenados em que a família não conseguia viabilizar a visita,
por não dispor de recursos necessários, como internet. Em se tratando das
penitenciárias femininas, não há relatos de que se tenha sido implementado essa
modalidade virtual de visitas.

Já a realidade narrada pelos familiares, se mostra completamente diferente


das informações fornecidas pela direção penitenciária. O relato de parentes, são de
que ligavam na unidade, e diziam que não poderiam dar informações ou dizem que
está tudo bem. Mas que não sabiam se havia material de higiene, medicamentos etc.
Essa obscuridade de informações camuflam as violências, torturas e a invisibilidade
sofrida pelas mulheres presas dentro do sistema prisional, agravando ainda mais um
contexto excludente.

1.1 OS DIREITOS E DEVERES DA MULHER NO SISTEMA PRISIONAL

A mulher, assim como todos os detentos possuem direitos básicos nos


estabelecimentos prisionais, tais como acesso a alimentação adequada, um espaço
limpo, a saúde, a educação e ao trabalho. Porém, é necessário lembrar que a mulher
possui necessidades distintas do gênero masculino, principalmente na condição de
gestantes e lactantes, mas estão detidas em um ambiente criado estruturalmente para
homens (CERNEKA, 2009). Essas necessidades distintas vão desde produtos
higiênicos a estrutura física do sistema. No cárcere a LEP preconiza que a mulher
tem os mesmos direitos e deveres do homem. Diferindo somente no direito de
amamentação em ala especial dentro do presídio, o qual na prática se quer existe. É
inconcebível que mulheres e homens tenham o mesmo tratamento, uma vez que suas
necessidades são totalmente diferentes.
A mulher tende a sofrer mais com a ausência dos filhos e familiares,
fisiologicamente decorrente da natureza materna, essa falta é mais significativa. De
acordo com o Relatório Final elaborado pelo Grupo de Trabalho Interministerial (2008)
as mulheres preferem permanecer em estabelecimentos carcerários provisórios
insalubres, com superlotação, onde não possuem acesso a direitos, para ficarem
próximas
11

de seus familiares, do que irem para penitenciárias mais aparelhadas com


possibilidades de trabalho, educação e remição.

No ambiente prisional feminino as mulheres precisam de atendimentos médicos


e odontológicos, além de tratamento e prevenção para doenças como diabetes,
hipertensão, depressão, hepatite, tuberculose, DSTs como AIDS e outras tantas, além
de que, necessitam de atendimentos específicos ao gênero, como nos casos das
gestantes, parturientes e lactantes, exames preventivos de câncer de mama e útero,
o que, de acordo com o Grupo de Trabalho Interministerial (acessando dia
06/04/2022), não ocorre atualmente. A maioria dos estabelecimentos, não possuem
o atendimento necessáriopara sequer diagnosticar as doenças, carecem de recursos
humanos, equipamentos, medicamentos e espaço físico.

1.2 DAS PARTICULARIDADES DAS MULHERES NO SISTEMA

Como já explicitado nos tópicos anteriores, as mulheres por diversos motivos


devem ser diferidas dos homens, inclusive se tratando do encarceramento. Ao
adentrar no sistema prisional, a mulher se encontra em total abandono, tanto pela
família como pelo próprio Estado, que não institui políticas públicas a fim de tratar das
particularidades femininas no cárcere.
É evidente que, um dos problemas mais graves no sistema penitenciário
brasileiro diz respeito a sua estrutura, superlotação, com gravíssimos problemas de
higiene, iluminação, ventilação e tantos outros. A separação de unidades
penitenciárias por gênero está prevista na Lei de Execução Penal (Lei 7.210 de 11
de julho de 1984). Essa destinação de estabelecimento segundo o gênero, é
imprescindível para a implementação de políticas públicas. Contudo, de acordo com
o Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça, existiam em junho de
2014, 1.420 unidades prisionais no sistema penitenciário estadual. A maior parte dos
estabelecimentos (75%) é voltada exclusivamente ao público masculino. Apenas 7%
são voltadas ao público feminino e outros 17% são mistos, no sentido de que podem
ter uma sala ou ala específica para mulheres dentro de um estabelecimento
anteriormente masculino. Conforme afirma Borges:
12

O tratamento para mulheres presas é pior que o dispensado ao homem, que


também sobre com as precárias condições na prisão, mas a desigualdade de
tratamento é decorrente de questões culturais e com direitos ao tratamento
condizente com as suas particularidades e necessidades. Em nossa
Constituição Federal possui um princípio na qual regula tais necessidades, é
o princípio da individualização da pena, conforme o artigo 5º, inciso XLVIII,
segundo o qual “...a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de
acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado (BORGES,
2005, p. 87).

No cárcere a relação de dominação imposta à mulher pelo homem é ainda


mais maximizada. Tanto a formação quanto a aplicação da lei é seletiva, quando no
momento da sua imposição aos indivíduos da sociedade. Além do estereótipo antes
do cárcere, percebemos a manutenção de toda desigualdade e exclusão no sistema.

Outro ponto crítico que mostra a necessidade de que a mulher seja tratada
em atenção às suas especificidades, com equidade, é quando tratamos da higiene
pessoal. Somente em 2017, é que a Comissão de Seguridade Social e Família da
Câmara dos Deputados aprovou proposta que obriga os estabelecimentos prisionais
a oferecer produtos de higiene aos presos, proposta que tramita em caráter conclusivo
e ainda será analisada pelas comissões de Segurança Pública e Combate ao Crime
Organizado. A realidade, é que são as famílias das pessoas presas, quem cuidam de
itens de higiene pessoal. Nesse sentido, já é possível prever como funciona se
tratando de mulheres, que para além das necessidades de todo ser humano, ainda
lidam com a menstruação, mulheres estas que muitas vezes estão sozinhas, tendo
em vista o abandono da família, como mencionado nesta pesquisa em capítulos
anteriores.

Familiares de mulheres presas denunciam através de matéria escrita pelo


jornalista Eliane Guimarães, a qual intitula “Flores no Cárcere” (nome que leva o
movimento da pastoral carcerária), a falta de absorvente em presídios femininos no
estado de Minas Gerais. Estas mulheres estariam usando miolos de pão como
absorventes, pois o produto chega em quantidades insuficientes para cobrir o ciclo.
A pastoral carcerária narra que tomou conhecimento do que ocorria, devido a uma
visita de rotina em que as detentas reclamavam de fome, e que no interior da cela
havia um saco com miolos de pão, e quando questionadas por que não se
alimentavam com estes miolos, diziam que eram para a produção de absorventes,
uma vez que a quantidade oferecida não era suficiente. A administração
penitenciária em questão negou. A advogada Fernanda Vieira de Oliveira, 43 anos,
advoga para entidades de
13

familiares e amigos dessas mulheres presas em Minas Gerias, desde 2007, ela
assegura que a carência ocorre desde sempre, e que são as famílias que levam os
itens básicos.

Tendo em vista, que as mulheres no sistema prisional recebem menos visitas


que os homens, e grande parte se quer são visitadas, elas se veem dependentes de
um sistema, que não lhes oferece ao menos o básico e em quantidades suficientes.
Com a pandemia, as entregas dos produtos de higiene presenciais, foram suspensas
e deveriam ser enviadas por SEDEX. Além de a remessa ser cara, qualquer erro
resultava no produto devolvido.

1.3 CUMPRIMENTO DA PENA EM LOCAL DISTINTO

A mulher possui necessidades distintas dos homens, e mesmo quando estão


na condição de mãe, lactante e gestante, continuam sendo mantidas presas em
locais mal estruturados e criados para homens. Ambientes estes que trazem
consequências muitas vezes irreversíveis na vida das crianças e adolescentes que
frequentam o sistema ou que foram separadas de suas mães.

Diante desse sistema inconstitucional, há que se falar em medidas


alternativas às prisões provisórias dessas mulheres. A utilização de medidas
alternativas, como prisão domiciliar, em se tratando da presa mãe, gestante ou
lactante. É uma maneira de pensar no futuro dessas crianças, que muitas vezes são
geradas em cárcere ou abandonadas logo após a prisão de sua genitora. O convívio
materno é de extrema necessidade, e a opção mais viável para a saúde e
crescimento saudável a criança, é ser criada juntamente com a mãe em ambiente
familiar livre e não em um sistema prisional.

Sistema esse que é marcado pela violação à dignidade humana, pelo


descaso social e Estatal. As condições que refletem no físico e mental das mulheres,
em que estão expostas aos riscos de contaminação por doenças, e que podem ser
transmitidas aos filhos. Além de grande probabilidade de desenvolver depressão pós-
parto. Muitas mulheres chegam grávidas, sem a condição de realizar pré-natal e são
tratadas com descaso e preconceito.
14

No mercado de trabalho, em um contexto geral já sofrem as


dificuldades para retornar pós licença maternidade, ou quando retornam são
demitidas, na condição de egressas do sistema penitenciário as dificuldades são
ainda maiores. Enfrentam os desafios na criação dos filhos e precisam lidar com o
preconceito da sociedade.

A prisão preventiva é uma modalidade de prisão provisória que deve ser


utilizada excepcionalmente, contudo no Brasil cerca de 33,29% das prisões são
provisórias, muitos presos passam anos nas prisões sem julgamento. A utilização
irregular das prisões provisórias é uma das maiores causas de superlotação, que
desencadeia todas as violações do princípio da dignidade humana.

Nesse contexto, medidas alternativas dariam direito à liberdade


provisória de mulheres que poderiam cuidar de seus filhos de forma digna enquanto
não fossem definitivamente condenadas. Medidas essas que, fortalecem o princípio
da dignidade da pessoa humana o princípio da presunção de inocência.

CAPÍTULO II
A INSERÇÃO DA MULHER NO TRÁFICO DE DROGAS

O tráfico de drogas é a principal causa para o encarceramento no Brasil,


segundo dados do Levantamento Nacional - INFOPEN. Esse é o tipo penal mais
cometido por mulheres, 62% das incidências penais pelas quais mulheres foram
privadas de liberdade. Como já citado nesse presente estudo, a mulher é o “braço
vulnerável” do tráfico, onde acabam presas e os cabeças do tráfico saem impunes.

Diversos são os fatores que levam as mulheres à prática do ilícito, como as


relações íntimo-afetivas, para dar uma espécie de prova de amor ao companheiro ou
familiar; envolvimento com traficantes como usuárias e acabam por ter relacionamento
afetivo que as conduzem ao tráfico; coação; pelo transporte das drogas nas ruas,
aeroportos ou mesmo para dentro da prisão.

Germano, Monteiro e Liberato através do artigo Criminologia Crítica,


Feminismo e Interseccionalidade na Abordagem do Aumento do Encarceramento
Feminino descrevem o modus operandi dessa modalidade:
15

Conhecidas vulgarmente por "peãozeiras" ou por "pinhãozeiras", as mulheres


que levam drogas para as prisões nos informaram como se prepara o "peão"
ou o "pinhão": primeiramente, a droga é colocada em um saco de arroz, por
ser resistente; vedam-no com fita isolante; colocam-no dentro de um
preservativo; e, posteriormente, lubrificam-no e o introduzem, ou na vagina,
ou no ânus. Mencione-se que, embora algumas levam a droga em bolsas ou
em outros objetos, externos a seu corpo, a grande maioria o faz dentro do
próprio corpo, quer na cavidade vaginal, quer na cavidade anal.

Não há um motivo único que determine o cometimento deste delito, não se


tem motivação econômica, exclusivamente, que levem as mulheres ao envolvimento
com o tráfico de drogas.

2.1 O PERFIL DAS PRESAS

O perfil da detenta no Brasil, segundo Levantamento Nacional de Informações


Penitenciárias, 62% se consideram negras ou pardas, 45% têm ensino fundamental
incompleto, 50% estão na faixa de 18 a 29 anos e 74% têm filhos ou dependentes
econômicos (acessado dia 07/05/2022). Portanto, temos um perfil traçado: pobres
negras, sem escolaridade e com dependentes. Ficam explícitos os excludentes
sociais.

Ainda de acordo com o INFOPEN (2014):

[...] crimes relacionados ao tráfico de drogas correspondem a 62% das


incidências penais pelas quais as mulheres privadas de liberdade foram
condenadas ou aguardam julgamento, o que significa dizer que 3 em cada 5
mulheres que se encontram no sistema prisional respondem por crimes
ligados ao tráfico.

O relatório Mulheres em Prisão, publicado em 2017 pelo ITTC, Instituto Terra,


Trabalho e Cidadania, traz um dado que ajuda a traçar o perfil socioeconômico das
mulheres presas: mais de 10% das presas provisórias de São Paulo e Guarulhos
declararam estar em situação de rua.

Ainda é recente a coleta de dados estatísticos que revelem com clareza o


perfil da mulher presa no Brasil. Há estudo que podem auxiliar nessas informações,
como o “Nascer nas Prisões”, promovido pela Fiocruz entre 2012 e 2014, em todos os
presídios femininos das capitas dos estados brasileiros que tinham grávidas ou bebês.
E segundo essa pesquisa, o perfil se confirma: jovem, negra, baixa escolaridade e
mãe de dois ou mais filhos.
16

A pesquisa também confirma ser o tráfico de drogas o crime mais comum e


acrescenta um dado: 30% das mulheres entrevistadas eram chefes de família. Muitas
dessas mulheres que atuam no tráfico de drogas, na sua maioria como coadjuvantes
e por vezes por influência de seus próprios companheiros já envolvidos. E grande
parte das vezes abandonadas por seus parceiros afetivos depois de presas.

Tendo em vista que, como já citado acima, as atividades desempenhadas por


mulheres no tráfico, são periféricas ou subsidiárias, a autora MUSUMECI (2001,
p.4/5), relaciona essas funções realizadas, ao fato delas terem menos recursos de
negociação de sua liberdade no momento da apreensão pela polícia. Diante disso, o
Núcleo de Estudos da Violência (NEV-USP), realizaram uma pesquisa com o intuito
de compreender a prisão provisória nos casos de tráfico de drogas. A pesquisa se
chama Prisão Provisória e Lei de Drogas (2011).

Esse estudo foi feito a partir de dados coletados dos autos de prisão em
flagrante de ocorrências de tráfico de drogas, do Departamento de Inquérito na cidade
de São Paulo (DIPO). Tais dados possibilitam remontar o mais próximo da realidade
de uma ocorrência. Do total de ocorrências em que os dados foram coletados, em
torno de 600 autos de prisão em flagrante, mulheres representavam 13%. Quando se
tratam de casos de abordagem por agentes durante revista de visita em unidade
prisional, o estudo mostra que as mulheres correspondem em 11%, enquanto homens
não foram revistados.

A maioria dessas mulheres relatou que o marido estava sofrendo ameaças


por parte de outros presos, e que se ela não levasse a droga, o matariam. Essas
mulheres eram presas em flagrante, e somente testemunhavam os agentes
penitenciários. Não é realizada nenhuma diligência afim de apurar o fato de que teriam
sido obrigadas a levar droga. Em relação a abordagens, a pesquisa mostra que
mulheres são 12% mais abordadas, a partir de uma denúncia, muitas vezes anônima,
do que homens. Dados do gráfico confeccionado pela pesquisa, também mostram que
mulheres foram mais abordadas em suas residências do que homens (30% e 11%
respectivamente).

A partir dessa pesquisa, é possível perceber que as mulheres, quando se


tratando de suas necessidades específicas (vide capítulo I, deste trabalho), e assim
devendo ser tratada com equidade, não são vistas como mulheres, são equiparadas
a qualquer um no sistema penitenciário. Mas se tratando em punição, o Estado e a
17

própria sociedade não as deixam esquecer que são mulheres, e que condutas
reprováveis realizadas por mulheres, o peso da punição é maior.

2.2 A VIOLÊNCIA INTRAFAMILIAR

A criminologia crítica e as teorias feministas trazem à tona o fato de que no


sistema de justiça criminal, o sexo masculino encontra-se sobrerepresentado,
enquanto as mulheres se veem sub-representadas, considerando que a criminalidade
feminina corresponde a um estereótipo de criminalidade específica, como aborto,
infanticídio.

Isso ocorre pelo fato do direito penal ser uma forma de controle que se dirige
às relações de trabalho produtivo, enquanto a esfera da vida privada diz respeito à
reprodução, sexualidade e formação de família não é objeto central do controle penal.
Esse sistema de controle se dirige ao comportamento da mulher no seu papel de
gênero, realizado informalmente, na família, mediante o domínio patriarcal, e por fim
na violência física contra mulheres.

Portanto, o direito penal se dirige aos homens, que desempenham papéis na


esfera pública, enquanto o sistema de controle informal se dirige à mulher. A violência
de gênero fica evidenciada, pois existe uma formulação de expectativas diante de
como deve ser o comportamento feminino. Mulheres que cometem crimes,
socialmente construídos como “masculinos”, são vítimas da violência estrutural, como
já demonstrado no tópico anterior que tratamos do perfil das mulheres presas, diante
da desigualdade social e pobreza.

A maior parte das mulheres presas por tráfico de drogas recebem penas
rigorosas, mesmo quando são presas com pouca quantidade ou na condição de rés
primárias. São submetidas a situações humilhantes na prisão, para além da pena em
si, são como um castigo por ser mulher.

Segundo dados do Rio de janeiro (acessado dia 15/12/2021), apenas 4,7%


das mulheres que chegam à prisão não tem nenhum histórico de violência, agressão
ou vitimização. 95% dessas mulheres encarceradas, já sofreram violência ou
quando crianças, por parte dos
18

responsáveis, ou quando já adultas, por parte de companheiros, ou ainda no momento


em que foram presas, por parte de policiais.

A violência intrafamiliar também se mostra latente no quanto a família se


envergonha e exclui a mulher do seio familiar, muito mais em detrimento dos homens.
A mulher encarcerada se vê muito mais abandonada pela família, motivado pelo fato
de que ela não deveria ser comportar assim, de tal modo que mereça ser deixada a
própria sorte, tanto pela família em geral como por seus companheiros. Uma forma de
dizer àquela mulher que ela é indigna, por ter cometido um delito.

Na realidade, a mulher desde sempre é tratada como uma prisioneira, como


quando ainda é uma criança, e tem o modo de se sentar repreendido. Quando desde
sempre, são cobrados comportamentos esperados de mulheres.

2.3 DA PROPORCIONALIDADE DAS PENAS

O artigo 44 do Código Penal prevê que as penas restritivas de direitos, as


chamadas penas alternativas, são autônomas e substituem as penas privativas de
liberdade, tendo como condição pena restritiva de liberdade não superior a 4 anos, e
o não cometimento de violência ou grave ameaça. Considerando que, as mulheres
enquanto participantes de infrações conexas a traficância atuam em funções
secundárias, tal qual, o transporte de drogas (artigo Entre a seda e a nota: o papel
das mulheres no tráfico de drogas), não devem sofrer as mesmas sanções da Lei
11.343/2006, que acaba por não fazer distinção de penas aplicáveis das atividades
realizadas dentro do crime de tráfico de drogas, e igualam quem prepara, fabrica,
vende e exporta, àquele que faz mero transporte. Fazendo com que, as prisões sejam
responsáveis por produzir um tipo específico de prisioneira, consubstanciado nos
métodos de controle utilizados, além das práticas de custódia tidas como essências
para a manutenção dos indivíduos no cárcere. (DAVIS, GINA, 2003).

No geral, quem comete crime previsto na Lei de Drogas, recebe penas duras,
e a desproporcionalidade fica evidente se tratando de mulheres, que praticam delitos
sem o emprego de violência e de menor importância. Isso se dá ao fato de o Brasil
19

não distinguir entre os diversos níveis de participação no tráfico, transformando todas


as condutas em uma só, com a mesma punição.

Mais da metade das mulheres encarceradas no país se encontram ali devido


ao envolvimento com o comércio de entorpecentes, mais precisamente 60% delas de
acordo com o Levantamento Nacional de Dados Penitenciários, e de maneira geral,
faziam o transporte ou comercializavam pequenas quantidades de drogas. O que nos
traz urgente questionamento: essas mulheres deveriam estar presas? Só existe esse
meio de punibilidade? Como por diversas vezes nessa exposição pude trazer ao longo
do capítulo, existe um sistema operando de maneira excludente, e que continua a
perpetuar tais práticas, sem considerar as especificidades de gênero.

Em 2014, o Equador implementou um Código Orgânico Integral Penal que


reduziu consideravelmente as sentenças de crimes de menor potencial ofensivo com
a relação a drogas. Esse Código pôde ser aplicado retroativamente, assim, quando
entrou em vigor, mais de 2700 pessoas saíram das prisões equatorianas, e muitas
outras receberam sentenças mais brandas. No caso das mulheres, que estavam
presas por delitos relacionados ao tráfico, o impacto foi ainda maior, diminuindo de
80% para 43%. Informações essas, trazidas pela cartilha “Mulheres, políticas de
drogas e encarceramento: Um guia para a reforma em políticas na América Latina.

Mulheres encarceradas por delitos de drogas, raramente se apresentam como


ameaça para a coletividade. Mas recebem longas sentenças, quando não em prisão
provisória. E quando são postas em liberdade, seus antecedentes criminais,
prejudicam a procura por emprego formal, e mais uma vez o ciclo vicioso de exclusão
social que estão inseridas se perpetua.

Trazer proporcionalidade de gênero na aplicação de penas se mostra urgente


por tantos motivos, muitos deles aqui já expostos, bem como é preciso uma análise
criteriosa sobre atenuantes no caso de mulheres responsáveis por crianças, e de
mulheres gestantes. Mulheres estas que são o esteio de suas famílias, as quais o
encarceramento como única medida de punição, traz consequências em primeiro
lugar, dentro de suas casas, e mais adiante, a toda sociedade, visto que famílias
desestruturadas geram problemas sociais de toda ordem.

Evidentemente que, a atual política de drogas tem causado a criminalização


e encarceramento das mulheres, de maneira excessiva. Portanto, há que se debater
20

sobre formas de desenvolvimento de uma nova política, as quais são trazidas pela
cartilha de encarceramento das mulheres, já citada neste capítulo, sendo elas: política
de drogas mais inclusivas; reforma na política de drogas; alternativas ao
encarceramento e programas de inclusão social.

CAPÍTULO III

DA POSSIBILIDADE DE ACOMPANHAMENTO DA MULHER PRESA

3.1 CONSTITUCIONALIDADE

O direito à saúde, está incluso no rol de direitos fundamentais previstos na


Constituição, sendo um desdobramento do direito à vida. E é direito que deve ser
concedido a todo ser humano. A Constituição de 1988 e a Lei de Execução Penal de
1984 reconhecem que pessoas privadas de liberdade tem direito à saúde e à
educação. Contudo, somente em 2003 o ministério da Justiça e o Ministério da Saúde
firmaram uma parceria para integrar o Plano Nacional de Saúde no Sistema
Penitenciário.

Estão entre as linhas prioritárias do PNSSP (Plano Nacional de Saúde no


Sistema Penitenciário): equipes compostas por psicólogos, assistente social, técnico
em enfermagem, médico, enfermeiro, auxiliar de consultório dentário e cirurgião
dentista. Mas somente em 2004, o ministério da Saúde criou a Política Nacional de
Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM). Política esta que busca trazer ações
de promoção, prevenção e tratamento de saúde da mulher.

Após a criação dessa política de saúde, voltada para mulheres presas, foi
possível perceber alguns avanços em relação à saúde das apenadas. Contudo, elas
ainda permanecem em situação de exclusão e marginalidade, onde aumentam os
índices de encarceramento e de mortalidade. De fato, a conta não fecha, onde nota-
se o aumento exponencial do encarceramento feminino, em um sistema com
insuficiência de investimentos direcionados à saúde.
21

A Carta Magna de 1988, por meio de suas cláusulas gerais de eficácia plena,
coloca a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental em seu art. 1°,
inciso III), bem como repercute em seu capítulo II (Direitos e Garantias fundamentais)
art.5°:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,


garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

A dignidade humana deve ser garantida incondicionalmente a todas as


pessoas. Portanto, o fato de estar cumprindo pena, não pode violar o direito. E, se
todos são iguais perante a lei, não deveríamos ter de lidar com a falta de
acompanhamento da mulher encarcerada. A Lei de Execução Penal traz um rol de
garantias aos presos em geral, mas traz como garantia específica à mulher, em seu
art.83: “pensando no bem estar e respeito aos direitos da mulher presa, determina que
a segurança das dependências internas dos presídios deve ser feita exclusivamente
por mulheres”, e se limita a dizer somente isso a despeito das garantias da mulher no
sistema.

3.2 PRODUÇÃO DE DADOS ACERCA DAS MULHERES PRESAS

Um dos maiores desafios para a transformação de políticas com enfoque


na mulher encarcerada, se dá pelo fato, talvez o principal, da falta de dados. A
situação se transpõe de maneira tão real, que em meio a produção do presente
trabalho de curso, foi possível perceber a falta de fontes e informações sobre o
sistema feminino carcerário. O tema “Sistema carcerário”, conta com diversos estudos
e dados profundos. Mas ao trazer esse estudo do encarceramento para a ótica do
feminino, os dados e estudos são escassos. É como se a mulher presa, além de todas
as consequências que a passagem no sistema prisional traz, ainda fosse silenciada a
respeito de sua realidade de abandono no cárcere. Abandono de todas as ordens,
mas em específico, do Estado, quando oculta dados dessa realidade.

A dificuldade, vem de não ser possível obter informações confiáveis acerca


da dinâmica de vida dentro dos presídios femininos. Os sistemas de informação
costumam ser incompletos, pouco confiáveis, fragmentados, o que impede uma
22

análise em âmbito nacional. Não há nos sistemas de informações, atenção específica


ao gênero, como é necessário se tratando de mulheres, por exemplo se há gestantes
ou crianças nas prisões femininas.

A produção de dados é de suma importância, para demonstrar as ações do


Estado. Além de que, a produção de dados com base em dados estatísticos e estudos
qualitativos, devem ser a base para a formação de políticas públicas, baseada em
entender a problemática e a partir de então, buscar soluções adequadas.

3.3 ACOMPANHAMENTO PSICOLÓGICO

Não por acaso, o direito se entrelaça com a psicologia. É ela responsável por
traçar perfis, compreender para além da conduta que consumou o fato delituoso. É
indispensável, o olhar da psicologia sobre estas mulheres, em uma condição ainda
maior de vulnerabilidade.

O adoecer feminino se mostra diferente do masculino. Há divergências de


alguns quadros mentais, que se mostram ligados ao ciclo reprodutivo da mulher.
Pesquisas mostram que transtornos mentais variaram de 12,5% em homens, e 20%
em mulheres. Para além das diferenças biológicas, a depressão se mostra
extremamente incidente em mulheres, devido a pressões sociais, estresse, diversos
papéis desempenhados (CHAVES, K. B. Atendimento psicológico às Mulheres Presas
transitando pela Psicologia Jurídica).

Mulheres que se encontram no cárcere (acessado dia 25/05/2022), tendem a


estar doentes mentalmente, por tudo que envolve estar ali, e sobre quem está fora, a
forma indigna que é tratada no cárcere, a perda da autoestima, os anseios sobre
retomar suas vidas fora dali. Tudo isso traz sentimentos de ansiedades, seguidos
pela desesperança, quando se veem humilhadas como ser humano, como por
exemplo serem submetidas a usar miolo de pão como absorvente, que para além de
todas as violações sofridas enquanto presas, lidam com o preconceito e a dificuldade
na tentativa de retomar a vida fora do sistema prisional.

O acompanhamento psicológico prisional existe e está previsto na Lei de


execução Penal. Contudo, na prática esse trabalho se torna difícil, pois de acordo
com
23

Fernandes (2000), o número de profissionais é ínfimo em relação à demanda


existente. É necessário um acompanhamento ainda mais profundo com essas
mulheres. A Lei de Execução Penal prevê que o local de cumprimento da pena, deva
ter condições essenciais para abrigar o apenado, sendo o atendimento psicológico
parte integrante destas condições. Contudo, a realidade nos presídios não está de
acordo com o previsto em lei, pois “[...] as penitenciárias no Brasil, vêm se tornando
cruéis masmorras” (MACHADO, 2009, p. 2).

CONCLUSÃO

Através do desenvolvimento deste trabalho, foi possível dar mais um passo


rumo a visibilidade de mulheres que estão inseridas no sistema prisional, mas que tem
sua voz silenciada pela falta de um tratamento com equidade. Foi de extrema
dificuldade compilar dados a esta pesquisa, justamente pela omissão de quem os
deveria fornecer.

Incontroverso a relevância do tema, onde a população carcerária feminina,


não para de crescer. Em um sistema que não foi pensado para essas mulheres, e que
não devem ser comparadas e tratadas como homens no cárcere. Mulheres estas que
são mães, muitas vezes gestantes no momento em que se encontram presas, e que
são o esteio familiar. Fundamental ementar que, predomina um padrão do perfil
dessas mulheres, que em sua maioria são presas por tráfico de drogas, realizando
atividades subsidiárias, como transporte de pequenas quantidades, sendo a maior
parte negra, pobre e com baixa escolaridade. Padrão este, que é um fato, e que não
deve ser tratado como coincidência, mas compreendido em seu ciclo de
vulnerabilidade social.

É plausível recorrer a novas alternativas que não a prisão, tendo em vista que
essas mulheres raramente apresentam perigo à sociedade, e ainda assim são
arrancadas da sociedade e principalmente do seio familiar, as quais tem dependentes.
Caso essa análise de como o sistema prisional rechaça mulheres e suas
responsabilidades intramuros fossem feitas, muitas seriam beneficiadas pelas
medidas alternativas. Evidente a necessidade de uma reformulação na Lei
11.343/2006, em que reconheça e delimite penas distintas a cada atividade
24

desempenhada dentro do tráfico de drogas. As consequências de uma mulher mãe,


grávida ou lactante, com filhos ou outros parentes dependentes, dentro do sistema
prisional são devastadoras, criando um problema social sem precedentes, por uma
prática que deve e pode ser coibida fora das instituições penitenciárias. Mas isso só
será possível, com a divulgação de dados fiéis da vida intramuros, para que a partir
daí sejam traçadas medidas para implementação de políticas públicas para a
adequação do sistema carcerário à mulher.

O propósito deste trabalho, consiste em fortalecer o debate em torno da


necessidade em elucidar o quanto a mulher no sistema carcerário é invisibilizada, para
a partir dessa noção, olharmos para essa conjuntura e modifica-la. A mulher inserida
no sistema penitenciário brasileiro é uma realidade que não pode mais ser ignorada,
as implicações replicam a toda sociedade. Este artigo se formou no entendimento de
que, mulheres encarceradas não são vistas, não são ouvidas, não tem direitos e
garantias e que pouco se discute acerca disso, e que seu encarceramento não se
justifica como única forma de reprimir conduta criminosa.

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