Ok Imprensa e Censura
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Resumo:
Este artigo se propõe a trazer para o debate o contexto da ditadura civil-militar no Brasil considerado um período
de disputas e construções memoriais que se lançam na historiografia com narrativas que trazem versões distintas
sobre o tempo e o contexto narrados. As tensionalidades alcançam os campos midiático, político, histórico, cultural
e social e a mídia teve e tem papel de grande importância no jogo das versões de verdades que desejam alcançar a
historiografia, sobretudo, quando se viu sob o bastão da censura de um Estado ditatorial. O objetivo deste texto é
refletir de que maneira e com que propósito a censura atuou diretamente contra os meios de comunicação no
contexto da ditadura militar.
1
Doutora em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professora da Escola de Comunicação da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO-UFRJ). E-mail: marialva153@gmail.com
2
Doutora em Processos Comunicacionais pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP/UAB). Professora
do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Piauí (PPGCOM-UFPI). E-mail:
anareginarego@gmail.com
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versiones del tiempo y contexto narrado. Las tensionalidades alcanzan los campos mediático, político, histórico,
cultural y social y los medios de comunicación tuvieron y tienen un papel muy importante en el juego de versiones
de verdades que quieren llegar a la historiografía, sobre todo cuando se encontraba bajo la censura de un estado
dictatorial. El propósito de este texto es reflexionar sobre cómo y con qué finalidad la censura actuó directamente
contra los medios de comunicación en el contexto de la dictadura militar.
Introdução
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Diversos jornais do país foram ocupados por militares, outros foram alvos de atos de sabotagem,
outros tantos foram impedidos de circular. E a censura à imprensa e aos meios de comunicação
de maneira geral perdurou, com intensidade variada, de 1969 a 1978.
Em função da repressão, se, por um lado, inúmeros veículos de comunicação
enfrentaram dificuldades levando alguns a fecharem as portas, por outro há o aparecimento de
uma imprensa que queria construir brechas para continuar a divulgar informações daquele
mundo em crise. É a chamada imprensa alternativa 3.
Os famosos bilhetinhos encaminhados aos jornais com ordens expressas para que não
se publicasse determinadas notícias, os telefonemas recebidos e que se transformaram em
memorandos dos chefes de redação e de reportagem aos seus subordinados atestam, pela
documentação escrita, a dura realidade cotidiana da imprensa brasileira nos anos de chumbo.
Durante o regime militar, vários foram os órgãos da imprensa submetidos às teias da censura.
Mas havia ainda as ações de autocensura, como alerta Kucinski (2002).
Nesse momento pode-se distinguir dois tipos de censura: aquela que era praticada pelos
bilhetinhos e telefonemas, com o objetivo, na ótica dos militares, de proteger o regime e as
instituições, sendo comum a toda a imprensa; e aquela que atingia as publicações submetidas à
censura prévia. Nesse caso, os critérios eram outros e tinham relação direta com a desconfiança
do regime militar diante de tais veículos. “Houve lógica na censura prévia e ela foi sensível às
diferenças dos órgãos de divulgação que vetou, atacando com precisão o ponto em que cada um
deles seria considerado mais perigoso na ótica governamental” (Aquino, 2002, p. 531). As
consequências foram catastróficas para os veículos, causando prejuízos financeiros irreparáveis
(Maia, 2002),
Embora todos os periódicos em princípio pudessem ser submetidos à censura, o olhar
discriminatório recaía com mais intensidade sobre os jornais alternativos, já que nesse tipo de
publicação as críticas e os embates em relação ao regime militar eram mais frequentes. Na
década de 1970, foram poucas as publicações da chamada grande imprensa que sofreram
censura prévia. Além da Tribuna da Imprensa, que esteve sob censura por quase dez anos,
também os jornais O Estado de S. Paulo e o Jornal da Tarde ficaram sob censura entre 1972 e
3
Sobre a imprensa alternativa, cf. entre outros, Kucinksi (1991).
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1975; A Notícia, de Manaus, entre 1975 e 1978; e a revista Veja, que foi submetida à censura
prévia em 1972 e entre 1974 e 1976 (Maia, 2002).
O nome imprensa alternativa (também chamada de nanica) era utilizado para classificar
mais uma centena de publicações que surgiram entre 1964 e 1980. Opinião, Pasquim e
Movimento foram os mais importantes. Esse tipo de publicação, muitas vezes de periodicidade
incerta, englobava um jornalismo que “não está ligado a políticas dominantes; o de uma opção
entre duas coisas reciprocamente excludentes; o de única situação difícil e, finamente, o do
desejo das gerações dos anos 60 e 70 de protagonizar as transformações sociais que pregavam”
(Kucinski, 1991, p. XIII).
Paolo Marconi (1980) reproduz alguns depoimentos do que chamou “jornalistas
censurados”. Neles, os jornalistas, como porta-vozes desse momento, denunciam o caráter
empresarial da imprensa e que, dessa forma, não poderia, por questões econômicas, ser
contrária às ações do governo ditatorial. Cooptação parece ser a palavra com que esses porta-
vozes da memória de um grupo percebem a ação de toda a grande imprensa.
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Vale destacar que o AI-5 não foi o instrumento instaurador da censura direta ao campo
da comunicação. Carlos Castello Branco, em sua coluna no Jornal do Brasil de 14 de dezembro
de 1968, esclarece que “ [...] a imprensa aparentemente foi poupada. Na realidade o tema deverá
ser tratado num ato complementar, tal como antecipavam ontem os deputados situacionistas”.
Todavia, mesmo sem a regulamentação específica, o governo já atuava diretamente intervindo
na produção e veiculação do que poderia vir a ser noticiado, respaldado pela Lei 5.250, de 09
de fevereiro de 1967.
Ao campo cultural foi imposto uma forte censura que atingiu o teatro, a música, o
cinema e a literatura. Os livros também foram alvo da censura por meio do Decreto 1.077, de
26 de janeiro de 1970, que detalhava, logo em seu caput, a necessidade de preservar, sobretudo,
“a moral e os costumes”:
DECRETA:
Art. 1º Não serão toleradas as publicações e exteriorizações contrárias à moral
e aos bons costumes quaisquer que sejam os meios de comunicação [...].
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Cem Mil, no Rio de Janeiro, e a Batalha da Maria Antonia, em São Paulo, são instantes de
visibilidade da contestação e que sofreriam dura repressão do governo, culminando com a
edição do Ato Institucional nº 5, que instituiu poderes discricionários de maneira generalizada
em todo território.
Qual foi o posicionamento dos periódicos mais importantes do país no momento
imediatamente posterior em que se anunciava o acirramento dos mecanismos ditatoriais? Que
estratégias narrativas foram construídas pelos jornais no momento pós-AI-5, quando já viviam
as consequências da censura, como realidade ou como ameaça que pairava permanentemente
no ar? Que estratégias narrativas foram adotadas para continuar, pelas brechas, noticiando um
momento de endurecimento das ações contra todos aqueles que eram contra a ditadura militar?
Como os jornais passaram a noticiar os eventos de natureza política?
Narrando o AI-5
Publicado em 13 de dezembro de 1968, o Ato Institucional de número 5, já previsto e
noticiado pela imprensa brasileira, em certa medida, procurava denunciar os atos que estariam
por vir, embora como dito, até a sua publicação, a maior parte dos veículos de comunicação e
muitos jornalistas estivessem favoráveis ao regime. Um desses casos foi Carlos Castello
Branco, que, favorável ao golpe, que denominava de “revolução”, coloca-se contra o regime
civil-militar tão logo este se mostra cada vez mais coercitivo e antidemocrático.
Conforme detalha Rêgo (2014), Carlos Castello Branco realiza minuciosa análise do
AI-5 em sua coluna publicada em 14 de dezembro de 1968, com as Primeiras impressões sobre
o ato. Para o jornalista, o AI-5 era completo e abrangia vários prismas da vida política,
econômica e social do país. Todavia, para além disso, se colocava como um instrumento de
evocação de um poder totalitário.
O Ato Institucional de número 5, que reinaria por dez anos, e a censura seriam
impositores de comportamentos e práticas para a imprensa brasileira, contudo, a criatividade
daria vazão a inúmeras estratégias narrativas e modos de fugir, denunciar e criar alternativas de
repassar situações complicadas ao público brasileiro. No presente texto, abordamos três
estratégias adotadas pelo Correio da Manhã nesse sentido, mas que eram replicadas pelos
jornais Brasil à fora.
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Brasília (da Sucursal). Esta cidade está em calma, vai muito bem o movimento
nas lojas e, salvo os que vão festejar com suas famílias o Natal, o grosso da
população não viajará. Parece que, no fim do ano e até janeiro, já estarão
rodando para esta capital as composições férreas da linha do Rio e São Paulo,
vindo para cá muita gente até aquela data (Correio da Manhã, 15 dez. 1968a,
p. 1).
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Essa inversão irônica do jogo narrativo servia também para mostrar explicitamente a
seu público que, no caso do Correio da Manhã, o jornal, assim como outros do país, estava
censurado. Desde 13 de dezembro toda a imprensa brasileira circulava mediante censura prévia.
O diretor superintendente do Correio, Osvaldo Peralva, foi preso, ficando detido até 28 de
dezembro de 1968, e onze censores se instalaram na redação do jornal desde o dia da
promulgação do AI-5. A edição de14 de dezembro já saíra sob censura (Andrade, 1991, p. 40).
Em ofício ao ministro da Justiça, o então presidente da Associação Brasileira de
Imprensa, Danton Jobim, denunciava os abusos cometidos contra “a livre circulação dos jornais
na cidade e em outras localidades do país” e protestava “contra os atos de censura prévia
praticados nas redações por policiais em flagrante desrespeito à Constituição da República”
(Correio Braziliense, 14 dez. 1968, p. 2).
A Polícia Federal passara a examinar as primeiras páginas dos principais jornais, como
Correio da Manhã e Última Hora, determinando que os jornais fossem “moderados com
relação ao noticiário político”.
As visitas dos censores foram iniciadas por volta de 1.30 horas, quando três
agentes estiveram na redação da Ultima Hora examinando as suas duas edições.
Em seguida, rumaram para a redação do Correio da Manhã, onde o Diretor
Superintendente, Sr. Osvaldo Peralva, alegando que ‘pela Constituição a
imprensa é livre’ não permitiu que seu jornal fosse censurado e impediu a
entrada dos agentes (Correio Braziliense, 14 dez. 1968, p. 2).
A segunda estratégia narrativa empregada pelo Correio da Manhã para noticiar aquilo
que fora censurado em suas páginas foi a de reproduzir informações já publicadas por outros
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jornais, em dias anteriores. Indo contra outro preceito fundamental do moderno jornalismo da
época, isto é, publicar informações inéditas, o que dava capital simbólico suplementar aos
periódicos (desde o início do século, o chamado “furo” de reportagem era signo de distinção
nos jornais diários), só noticiam, por exemplo, a censura imposta à imprensa no dia 18 de
dezembro, destacando na notícia a nota do Quartel General da I Região Militar publicada no
dia anterior pelo Jornal do Brasil e por O Globo.
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Mas a trégua forçada durou pouco. Ao colocar em cena a terceira estratégia narrativa –
a impessoalidade da informação, num pretenso jogo de objetividade – o Correio da Manhã, se
atendo às declarações da cúpula ditatorial, pelas brechas, informa ao leitor que o momento era
não apenas de suspensão de direitos políticos, cassações de mandatos e demissões. Era também
de prisões, de maus tratos e de mortes impostas aos opositores do regime.
Dessa maneira, o jornal vai lentamente recuperando a sua voz. Ainda que na polifonia
discursiva o destaque fosse sempre dado ao interlocutor privilegiado que divulgava o que era
de interesse do regime. Mas, mesmo assim, pelas brechas, ficava evidente o clima de
perseguição e as prisões arbitrárias, de violação contundente dos direitos humanos, com torturas
e mortes nos porões da ditadura.
Era preciso controlar a imprensa que a todo momento narra as ações da censura que
impediam a livre circulação discursiva. Por isso, segundo o “General”, era preciso impedir a
chamada “imprensa de sensação”. Na notícia abaixo identificamos mais uma vez o uso da
impessoalidade para desqualificar o interlocutor privilegiado da fala. Quem não queria a
imprensa de sensação era um General, não importava qual. Ser General era, assim, ser dono da
vontade política discursiva, ser dono das ações de repressão, ser, enfim, o porta-voz de um
governo discricionário e ditatorial.
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cantada e decantada por todos aqueles que detém o poder de transmitir notícias
(Correio da Manhã, 31 dez. 1968a, p. 3, grifos nossos).
A reprodução da fala do general, que num tom professoral explicava aos próprios
jornalistas o que era notícia ou não e ainda qualificava a importância da divulgação das
conquistas espaciais como sendo de ordem transcendental, mais uma vez apela ao binômio
ironia/zombaria, com a aparência de informação neutra. Aliás, destacar os feitos da Apolo 8 foi
a estratégia utilizada à exaustão pelo próprio Correio da Manhã durante todo o mês de
dezembro (Cf. edições de 22, 24 e 25 de dezembro). Como que explicando ao leitor as razões
de tamanho destaque, na notícia deixou também entrever nas entrelinhas que tinha “cantado e
decantado” os feitos espaciais, na semana anterior, não por decisão própria, mas seguindo
orientação da censura.
O último dia do ano de 1968 deixava evidente os duros tempos que viriam pela frente.
A manchete dos principais jornais informava que o Governo cassara 11 deputados e suspendera
os direitos políticos do ex-governador do Rio de Janeiro, Carlos Lacerda, por 10 anos. Na
ocasião, informava o Correio, fazendo da narração pretensamente objetiva o único meio de que
dispunha para deixar registrado como documento de memória as ações discricionárias do
governo ditatorial.
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Considerações finais
Podemos afirmar que do ponto de vista da ação dos meios de comunicação, o
movimento generalizado de autocensura na grande imprensa, da qual participam não apenas os
proprietários dos jornais, mas também os jornalistas, mostra que houve altíssimo grau de adesão
dos meios de comunicação durante todo o período ditatorial. A imprensa, de maneira geral, foi
complacente ou ignorou a sistemática ação repressora, que resultou na morte de centenas de
pessoas nas dependências militares do regime 4. Construiu também em uníssono um discurso
que destacava os “milagres” econômicos do período e negava o empobrecimento da maioria.
Amplificou ainda as glórias esportivas nacionais como se fossem de toda a população (Barbosa,
2007, p. 196).
Há que se ter em mente também que um regime político ditatorial duraria vinte e um
anos com o envolvimento e a participação de múltiplas forças militares e civis, nas quais a
imprensa teve papel relevante. Não há possibilidade de um regime de exceção perdurar por
tanto tempo sem o respaldo social, que se consegue não apenas pela força, mas também pela
criação do consenso (Ridenti, 2010).
4
Os dados coletados pelo Projeto Brasil: Nunca Mais mostram cabalmente a violência da ditadura. Levando-se
em conta o total de processados pela Justiça Militar por envolvimento com organizações de esquerda, estes teriam
sido de cerca de 800 pessoas. Já a soma dos mortos e desaparecidos por diversas atividades de oposição à ditadura
chegaria a 396 seres humanos, sendo a maioria jovens. Desse total, contabilizam-se 237 mortos e 159
desaparecidos políticos, perfazendo 396 pessoas. Há ainda referência a mais 30 mortes no exílio e outras 10, pouco
antes do golpe de 1964, chegando a um total de 436 casos (Ridenti, 2010).
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das tramas das notícias policiais, para, no momento imediatamente posterior, apagar qualquer
resquício daquele tema, mesmo não tendo sido submetido à ação censória. Nesse caso, o
esquecimento deliberado é uma atitude que procura fazer crer que o periódico está seguindo
apenas a sua política editorial e das expectativas do seu público leitor.
O segundo artifício é quando, por força das determinações da censura, são instados a
produzir um esquecimento deliberado do acontecimento nos dias imediatamente subsequentes
para garantir a circulação do periódico. Assim, no caso da notícia da promulgação do AI-5 e da
instauração de amplas medidas discricionárias no país, era preciso negar com profundidade a
sua existência. Era necessário apagar da memória o acontecimento monstro para seguir a rotina
de relatar o mundo para o leitor. Algumas vezes, entretanto, no futuro, os jornalistas que
participaram desse momento destacariam a utilização das artimanhas do texto e da edição para
criar brechas no sentido de tentar burlar a censura. Entretanto, esse é muito mais um discurso
construído para o futuro, não tendo naquele presente histórico a relevância que procuram
investir suas ações quando narram o passado no futuro. O acontecimento continua vítima do
esquecimento, mas, pelas brechas, os jornalistas sinalizariam, na memória futura, que não se
tratava de uma escolha, mas de uma imposição ao esquecimento.
Mas é preciso ter em mente, sempre, que o esquecimento pode ser fatal para um país
que, vez por outra, faz da política do esquecimento uma tática para produzir uma história
reinventada a partir de interesses particulares. E a história definitivamente não pode ser
reinventada.
Referências
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