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TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO

GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

PRIMEIRA CÂMARA DE 29/08/23 ITENS Nº14 A 17

INSTRUMENTOS CONTRATUAIS

14 TC-013441.989.20-9
Contratante: Secretaria de Estado da Saúde – Coordenadoria Geral de
Administração – CGA.
Contratada(s): Hichens Harrison Capital Partner LLC.
Objeto: Aquisição emergencial por importação de ventiladores de anestesia e
ventiladores pulmonares – para atender o enfrentamento da emergência de
saúde pública de importância internacional em atendimento à Portaria nº 356,
de 11 de março de 2020, em decorrência da infecção humana pelo novo
Coronavírus (COVID-19).
Responsável(is) pela Ratificação da Dispensa de Licitação: Eduardo
Barbin (Chefe de Gabinete).
Responsável(is) pelo(s) Instrumento(s): Adhemar Dizioli Fernandes
(Coordenador da CGA).
Em Julgamento: Dispensa de Licitação (artigo 24, inciso IV, da Lei Federal nº
8.666/93 e artigo 4º da Lei Federal nº 13.979/20). Notas de Empenho de 14-
04-20 e 23-04-20. Valor – R$550.825.000,00.
Procurador(es) de Contas: Renata Constante Cestari.

15 TC-013562.989.20-2
Contratante: Secretaria de Estado da Saúde – Coordenadoria Geral de
Administração – CGA.
Contratada(s): Hichens Harrison Capital Partner LLC.
Objeto: Aquisição emergencial por importação de ventiladores de anestesia e
ventiladores pulmonares – para atender o enfrentamento da emergência de
saúde pública de importância internacional em atendimento à Portaria nº 356,
de 11 de março de 2020, em decorrência da infecção humana pelo novo
Coronavírus (COVID-19).
Responsável(is): Adhemar Dizioli Fernandes (Coordenador da CGA).
Em Julgamento: Acompanhamento da Execução Contratual.
Procurador(es) de Contas: Renata Constante Cestari.

REPRESENTAÇÕES

16 TC-012647.989.20-1
Representante(s): Sérgio Olímpio Gomes – Senador da República.
Representado(s): Secretaria de Estado da Saúde – Coordenadoria Geral de
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Administração – CGA.
Responsável(is): Adhemar Dizioli Fernandes (Coordenador da CGA).
Assunto: Possíveis irregularidades praticadas pela Secretaria de Estado da
Saúde – Coordenadoria Geral de Administração – CGA, na Dispensa de
Licitação nº 50/2020, objetivando a aquisição emergencial por importação de
ventiladores de anestesia e ventiladores pulmonares – para atender o
enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional
em atendimento à Portaria nº 356, de 11 de março de 2020, em decorrência
da infecção humana pelo novo Coronavírus (COVID-19).
Procurador(es) de Contas: Renata Constante Cestari.

17 TC-016384.989.20-8
Representante(s): Ministério Público de Contas – MPC.
Representado(s): Secretaria de Estado da Saúde – Coordenadoria Geral de
Administração – CGA.
Responsável(is): Adhemar Dizioli Fernandes (Coordenador da CGA).
Assunto: Possíveis irregularidades praticadas pela Secretaria de Estado da
Saúde – Coordenadoria Geral de Administração – CGA, na Dispensa de
Licitação nº 50/2020, objetivando a aquisição emergencial por importação de
ventiladores de anestesia e ventiladores pulmonares – para atender o
enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional
em atendimento à Portaria nº 356, de 11 de março de 2020, em decorrência
da infecção humana pelo novo Coronavírus (COVID-19).
Procurador(es) de Contas: Renata Constante Cestari e Thiago Pinheiro
Lima.

Procurador(es) da Fazenda: Denis Dela Vedova Gomes e João Carlos


Pietropaolo.

EMENTA: DISPENSA DE LICITAÇÃO. AQUISIÇÃO


EMERGENCIAL DE RESPIRADORES PARA
COMBATE À PANDEMIA DE COVID-19.
SUBSTITUIÇÃO DE INSTRUMENTO CONTRATUAL
POR FATURA PROFORMA INVOICE. CONDIÇÃO
PARA EFETIVAÇÃO DO NEGÓCIO. FIRMA DE
NACIONALIDADE ESTRANGEIRA. INCIDÊNCIA DE
REGRAS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO,
COMPLEMENTADAS POR PRECEITOS DO DIREITO
ADMINISTRATIVO
BRASILEIRO. ORÇAMENTO REFERENCIAL.
COTAÇÃO PERANTE ONZE REPRESENTANTES DO
SEGMENTO ESPECIALIZADO. COTAÇÃO DE
APARELHOS COMPATÍVEIS COM OS FINS
COLIMADOS PELO INTERESSE PÚBLICO.
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PREVALÊNCIA DO VETOR TEMPO DE ENTREGA


NA ESCOLHA DA CONTRATADA.
COMPATIBILIDADE COM VALORES PRATICADOS
PELA MESMA EMPRESA JUNTO A CLIENTES
LOCALIZADOS NO CONTINENTE AMERICANO.
ANTECIPAÇÃO DE PARCELA DO VALOR
CONTRATUAL, COM INTEGRALIZAÇÃO DO
PAGAMENTO QUANDO DO EMBARQUE DAS
MERCADORIAS RUMO AO DESTINO. CONTEXTO
DE EXCEPCIONALIDADE, MARCADO POR
INSTABILIDADE GEOPOLÍTICA E CAOS
LOGÍSTICO. SUPEDÂNEO NORMATIVO NA
LEGISLAÇÃO EXTRAVAGANTE VIGENTE DURANTE
O PERÍODO CRÍTICO DA CRISE SANITÁRIA.
INEXEQUIBILIDADE DOS PRAZOS
COMPROMISSADOS NA OFERTA COMERCIAL.
QUESTÃO NÃO COMBATIDA A CONTENTO PELA
DEFESA DA CONTRATADA. POSSÍVEL
OCORRÊNCIA DE DOLO. ISENÇÃO DE
RESPONSABILIDADE DO PODER EXECUTIVO.
ADOÇÃO DE AÇÕES LEGÍTIMAS, RESPALDADAS
EM PARECERES DA PROCURADORIA GERAL DO
ESTADO. REGULARIDADE. EXECUÇÃO
CONTRATUAL. EXTRAVIO DE EQUIPAMENTOS.
SUCESSIVOS ATRASOS. REPACTUAÇÃO.
EQUACIONAMENTO DE QUANTITATIVOS.
PREJUÍZO CONCRETO DECORRENTE DA MORA.
PENALIZAÇÃO ADMINISTRATIVA DA
CONTRATADA. AJUIZAMENTO DE AÇÃO JUDICIAL
PARA RESSARCIMENTO DO ERÁRIO.
REPRESENTAÇÕES. PROCEDÊNCIA PARCIAL.

1. Os processos de contratação relacionados ao


enfrentamento da pandemia devem ser instruídos
com a devida motivação dos atos, por meio, no
mínimo, de justificativas específicas acerca da
necessidade da contratação e da quantidade dos
bens ou serviços a serem contratados, com as
respectivas memórias de cálculo e com a
destinaç ão a ser dada ao objeto contratado (art.
4º-E, § 1º, L.F. n° 13.979/2020).

2. O sobrepreço deve ser aferido a partir dos


paradigmas de mercado ou com base em
sistemas referenciais, com a cautela de que sejam
comparadas bases similares em termos
quantitativos (especificação), qualitativos (escala)
e temporais (época da contratação).

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3. É possível a realização de pagament o antecipado,


quando assim o autorize a primazia do interesse
público, desde que haja previsão expressa no
edital de licitação ou na motivação do ato de
dispensa ou inexigibilidade, bem assim
estipulação das devidas garantias que assegurem
o pleno cumprimento do objeto pactuado.

RELATÓRIO

Para exame e julgamento ato declaratório de Dispensa


de Licitação nº 50/2020 exercido com fundamento no artigo 24, IV, da Lei
Federal nº 8.666/1993 (1) c/c artigo 4º da Lei Federal nº 13.979/2020 (2)
,
emanado do GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, por intermédio da
COORDENADORIA GERAL DE ADMINISTRAÇÃO (CGA) da SECRETARIA DE
ESTADO DA SAÚDE (SES), no bojo do Processo Administrativo SES-PRC-
2020/16884, com vistas à aquisição de ventiladores de anestesia e
(3)
ventiladores pulmonares , para atender à situação de emergência

1 BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.


Art. 24. É dispensável a licitação: [...]
IV - nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de
atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de
pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente
para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as
parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo m áximo de 180 (cento e
oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou
calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos; [...]
2 BRASIL. Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020.
Art. 4º É dispensável a licitação para aquisição ou contratação de bens, serviços, inclusive
de engenharia, e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de
importância internacional de que trata esta Lei.
3

VA LOR
UNIDA DES REPRESENTA ÇÃ O
ITEM DESCRIÇÃ O UNITÁ RIO TOTA L (US$) TOTA L (R$)
(INICIA L) GRÁ FICA
(US$)

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decorrente da pandemia do Novo Coronavírus (SARS-CoV-2).

Instrumentalização do fornecimento almejado ocorreu


(4)
por meio da Proforma Invoice emitida em 13 de abril de 2020, pela
corretora e importadora Hichens Harrison Capital Partner LLC,
empresa sediada no estado da Flórida, nos Estados Unidos da América,
no montante (inicial) de R$ 550.825.000,00 (quinhentos e cinquenta
(5)
milhões, oitocentos e vinte e cinco mil reais) (evento 1.20 – TC-

013441.989.20-9).

V entilador P ulmonar
C O MEN A X-4 0 0 ,
V entilador para
A nes tes ia/kit de
partida de ac es sórios
inc luídos /modos de
1 ventilação c ompletos 2 .0 0 0 4 0 ,0 0 0 .0 0 8 0 ,0 00,000.0 0 4 4 0 .66 0 .0 0 0 ,0 0
no kit
SW/umidific ador/AHA
I E X, EUA T ipos
c ompletos de kit de
ac es s órios de
energia.

V entilador P ulmonar
SH - 3 0 0 , V entilador
para us o em U nidade
de T ratamento
I ntens ivo (U T I ). Kit
de partida de
ac es s órios
2 inc luídos /modos de 1 .0 0 0 2 0 ,0 0 0 .0 0 2 0 ,0 00,000.0 0 1 1 0 .16 5 .0 0 0 ,0 0
ventilação c ompletos
no kit
SW/umidific ador/AHA
I E X, EUA T ipos
c ompletos de kit de
ac es s órios de
energia.

TOTA L 100,000,000.00 550.825.000,00

Decomposição do valor contratado (evento 217.8 – p.51 – TC-013441.989.20-9)


5

NOTA DE EMPENHO N° DA TA EVENTO (TC-013441.989.20-9) VA LOR


2020NE00561 2 3 /0 4 /2 0 2 0 evento 1 .1 8 R$ 1 6 5 .247.500,00
2020NE00584 2 3 /0 4 /2 0 2 0 evento 1 .1 9 R$ 3 8 5 .577.500,00

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Segundo a Oferta Comercial, o pagamento e o


cronograma inicial de entregas obedeceriam à seguinte programação:

Autuação da matéria para análise em rito ordinário


sucedeu da avaliação quanto à verossimilhança de Representação
apresentada pelo falecido Senador da República Sergio Olímpio
Gomes, que, por meio do Ofício nº 168/2020/GSOLIMPI, de 30 de abril
de 2020, instilou suspeitas a respeito de possível sobrepreço.

Com arrimo em material divulgado por veículos de


imprensa, baseado em levantamento de contratações análogas
realizadas país afora, o insigne parlamentar destaca que o preço médio
unitário pago pelo Executivo paulista na aquisi ção de 3.000 (três mil)

TOTA L R$ 550.825.000,00

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respiradores, de R$ 180.000,00 (cento e oitenta mil reais) cada, em


muito destoa da prática daquele específico segmento de mercado, seja
em âmbito nacional ou internacional.

Vale-se o mandatário legislativo, em especial, de


menção a negócios firmados pelos estados de Minas Gerais (747
unidades a R$ 58.768,00 cada) e do Amazonas (28 unidades a R$
104.400,00 cada), bem como de pesquisas efetuadas por periódico
jornalístico, a evidenciar disponibilidade de ofertas na faixa de R$
60.000,00 (sessenta mil reais) em sites online de vendas de artigos
médicos.

Antes sequer do acionamento da fase instrutória, fora


deduzida uma segunda pretensão representativa, mais abrangente,
manejada pelo Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo,
por intermédio do ilustre Procurador-Geral à época, Dr. Thiago Pinheiro de
Lima, abarcando indícios de irregularidades relativos não só à
formalização, mas também à execução da avença e aos resultados que
dela decorreram.

Distribuída em tópicos, em primeiro lugar a peça


aborda o desabalado trâmite da contratação, cuja celeridade anormal, se
aliada a outros indicativos extraídos do processo administrativo,
esboçaria conjectura temerária da higidez do negócio jurídico.

Na cognição realizada pelo Parquet, o desarranjo teve


início na divergência dos orçamentos prévios adotados pela Secretaria de
Estado da Saúde, que previam 2.000 (dois mil) equipamentos, e não os
3.000 (três mil) indicados na oferta comercial da Hichens Harrison

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encaminhada diretamente ao Secretário Executivo do Governo em 13 de


abril de 2020, via e-mail.

Consoante infere, o conteúdo da aludida mensagem


eletrônica demonstra que já naquele momento a contratação estava
orientada a destinatário conhecido, fato confirmado pela assinatura
síncrona da Oferta Comercial em mesma data (13/04/2020).

Seguindo com a narrativa, o MPC alude a que em


apenas um dia (14/04/2020) teria sido ultimado o procedimento da
dispensa licitatória quase que por inteiro.

Várias etapas mais avançadas do procedimento teriam


sido perpetradas antes mesmo da juntada aos autos administrativos de
informações cruciais ao aperfeiçoamento da motivação do ato, como a
quota datada de 29 de abril de 2020, que dá conta do critério
preponderante à seleção da proposta da Contratada: melhor oferta com
menor prazo de entrega.

Conforme se observa da síntese dos fatos acima e do


procedimento administrativo (doc. 01 – A e B), na
data em questão os seguintes documentos/atos
foram concretizados: (i) a Justificativa Técnica para a
aquisição (doc. 01/A, fls. 04 a 06); (ii) Informação
emitida pelo Centro de Comércio Exterior da
Secretaria de Saúde atestando a viabilidade da
importação (doc. 01/A, fls. 118/9); (iii) Informação
do Grupo de Controle Financeiro confirmando a
reversa orçamentária (doc . 01/A, fls. 123); (iv)
Despacho pela Autoridade competente autorizando a
dispensa da licitação (doc. 01/B, fls. 127/9); (v)
manifestação da ilustre Procuradoria Geral do
Estado/Consultoria Jurídica da Secretaria da Saúde
afirmando a viabilidade do pagamento antecipado
(doc. 01/B, fls. 132/3); (vi) emissão da Nota de
Empenho 2020NE00561 (doc. 03.1) e (vii) emissão
da Programação de Desembolso 2020PD01437 (doc.
04.1), confirmando o efetivo pagamento antecipado

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da contratação. (evento 1.1 – TC-016384.989.20-


8; p.7)

O órgão ministerial ainda recrimina atitudes


aparentemente arriscadas desenroladas em cadeia, como: (i) assinatura
do contrato na véspera da juntada das justificativas técnicas (que só
então atestaram o atendimento dos produtos adquiridos às
especificidades técnicas mínimas); (ii) pagamento da quantia firmada a
título de antecipação, um dia após a assinatura da oferta, e no mesmo
dia do empenho dos recursos, antes da adição do parecer jurídico
específico da contratação, em 15 de abril de 2020, e da publicação da
dispensa na Imprensa Oficial, em 23 de abril 2020, esta realizada ao
arrepio do interregno previsto no artigo 26, caput, da Lei nº 8.666/1993
(6)
.

6 BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.


Art. 26. As dispensas previstas nos §§ 2o e 4o do art. 17 e no inciso III e seguintes do art.
24, as situações de inexigibilidade referidas no art. 25, necessariamente justificadas, e o
retardamento previsto no final do parágrafo único do art. 8 o desta Lei deverão ser
comunicados, dentro de 3 (três) dias, à autoridade superior, para ratificação e publicação na
imprensa oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, como condição para a eficácia dos atos.
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Na sequência, questiona o papel desempenhado pelo


Senhor Basile George Pantazis no processo de negociação.

Diferentemente do que fora disseminado publicamente


pelo Governo do Estado e pela Hichens, o empresário, investigado em
operações dos Ministérios Públicos do Distrito Fede ral e do Paraná,
compôs mensagem enviada à Administração Estadual contendo o
documento resultante do processo de negociação (Proforma Invoice).

O núcleo da mensagem enfatizava a obrigação de


que fossem pagos 30% do valor total a título de antecipação, sem o que
a prioridade da aquisição seria transferida a outro compra dor.

Outro ponto suscitado pelo MPC é a ausência de


previsões de garantia à execução e de sanções no caso de

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(7)
inadimplemento pela Contratada [arts. 86 e 87, L.F. nº 8.666/1993 ].

Ao Procurador-Geral de Contas, a questão ganha


ainda mais relevo quando sopesadas as intercorrências que permearam a
execução contratual, mormente o desatendimento dos prazos pactuados,
quesito decisivo na escolha do fornecedor e que prevaleceu inclusive
sobre opções mais módicas.

Conforme sustenta, fosse a contratada uma empresa


nacional, o desmazelo da Administração em se cercar de maiores
cuidados para garantir o efetivo cumprimento da prestação não seria

7 BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.


Art. 86. O atraso injustificado na execução do contrato sujeitará o contratado à multa de
mora, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato.
§ 1o A multa a que alude este artigo não impede que a Administração rescinda
unilateralmente o contrato e aplique as outras sanções previstas nesta Lei.
§ 2o A multa, aplicada após regular processo administrativo, será descontada da garantia
do respectivo contratado.
§ 3o Se a multa for de valor superior ao valor da garantia prestada, além da perd a desta,
responderá o contratado pela sua diferença, a qual será descontada dos pagamentos
eventualmente devidos pela Administração ou ainda, quando for o caso, cobrada
judicialmente.
Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a
prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções:
I - advertência;
II - multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato;
III - suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a
Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos;
IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública
enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a
reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida
sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após
decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.
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tão censurável, uma vez que penalidades cabíveis, previstas na


legislação pátria, estariam ao alcance do gestor.

Aventa, porém, que o prejuízo sofrido pela


Administração Estadual será de difícil reparação.

Firma essa percepção considerando que o atraso e a


inexecução são fatos consumados, sem que o acordo previsse
garantias, e que eventuais tentativas de sancionar a Contratada
deparar-se-ão com a burocracia dos litígios jurídicos internacionais.

Com base em levantamento autoral realizado no


Audesp, matérias jornalísticas, auditoria realizada pela Controlado ria-
Geral da União (CGU) e em pesquisa a sites de fornecedores na
internet, endossa o coro à crítica ao valor unitário dos ventiladores
pulmonares, incompatível com os negociados para produtos similares
país afora.

Logo depois, aborda o descumprimento do


cronograma de pagamentos estabelecidos na Proforma Invoice.

Consoante assimilação que faz da concatenação dos


eventos, além de providenciar, em 14 de abril de 2020, os US$
30.000.000,00 (trinta milhões de dólares) referentes à antecipação, a
Administração, pouco depois, teria realizado novo depósito, em 27 de
abril, correspondente a US$ 14.000.000,00 (catorze milhões de dólares
americanos), para arcar com o primeiro embarque de 500 (quinhentos)
ventiladores pulmonares SH-300.

Entretanto, de acordo com matéria jornalística,


apenas 433 (quatrocentas e trinta e três) unidades haviam
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desembarcado no Brasil até 15 de junho de 2020, parcela


correspondente a 34% dos 1.280 (um mil, duzentos e oitenta)
equipamentos previstos na repactuação formalizada após sucessivos
casos de extravio e atrasos.

Acaso confirmada, tal situação implicaria no


pagamento antecipado, e sem contrapartida de benefício direto ao Poder
Público, de algo em torno de R$ 180 milhões (cento e oitenta milhões de
reais), suscetíveis, nessa condição, de justa e devida restituição ao
erário.

Marchando para o fim, o custos legis alega que o


Parecer Técnico OF. 096/2020/GES, da Secretaria da Saúde, onde
fornecidas as justificativas técnicas para a aquisição, embora faça menção
à inexistência de registro do ventilador pulmonar SH-300 na Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), não comprova o atendimento às
(8)
exigências remanescentes do artigo 3º, VIII, da Lei nº 13.979/2020 .

8 BRASIL. Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020.


Art. 3º Para enfrentamento da em ergência de saúde pública de importância internacional
de que trata esta Lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências,
entre outras, as seguintes medidas: [...]
VIII – autorização excepcional e temporária para a importação e distribuição de quaisquer
materiais, medicamentos, equipamentos e insumos da área de saúde sujeitos à vigilância
sanitária sem registro na Anvisa considerados essenciais para auxiliar no comba te à
pandemia do coronavírus, desde que:
a) registrados por pelo menos 1 (uma) das seguintes autoridades sanitárias estrangeiras e
autorizados à distribuição comercial em seus respectivos países:
1. Food and Drug Administration (FDA);
2. European Medicines Agency (EMA);
3. Pharmaceuticals and Medical Devices Agency (PMDA);
4. National Medical Products Administration (NM PA);
b) ( revogada ). (Redação dada pela Lei nº 14.006, de 2020)
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§ 1º As medidas previstas neste artigo somente poderão ser determinadas com base em
evidências científicas e em análises sobre as informações estratégicas em saúde e deverão
ser limitadas no tempo e no espaço ao mínimo indispensável à promoção e à preservação
da saúde pública.
§ 2º Ficam assegurados às pessoas afetadas pelas medidas previstas neste artigo:
I - o direito de serem informadas permanentemente sobre o seu estado de saúde e a
assistência à família conforme regulamento;
II - o direito de receberem tratamento gratuito;
III - o pleno respeito à dignidade, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais das
pessoas, conforme preconiza o Artigo 3 do Regulamento Sanitário Internacional, constante
do Anexo ao Decreto nº 10.212, de 30 de janeiro de 2020.
§ 3º Será considerado falta justificada ao serviço público ou à atividade laboral privada o
período de ausência decorrente das medidas previstas neste artigo.
§ 4º As pessoas deverão sujeitar-se ao cumprimento das medidas previstas neste artigo, e
o descumprimento delas acarretará responsabilização, nos termos previstos em lei.
§ 5º Ato do Ministro de Estado da Saúde:
I - disporá sobre as condições e os prazos aplicáveis às medidas previstas nos incisos I e II
do caput deste artigo; e
II – ( revogado ). (Redação dada pela Lei nº 14.006, de 2020)
§ 6º Ato conjunto dos Ministros de Estado da Saúde, da Justiça e Segurança Pública e da
Infraestrutura disporá sobre as medidas previstas no inciso VI do caput deste artigo,
observado o disposto no inciso I do § 6º-B deste artigo. (Redação dada pela Lei nº 14.035,
de 2020) (Vide ADI 6343)
§ 6º-B. As medidas previstas no inciso VI do caput deste artigo deverão ser precedidas de
recomendação técnica e fundamentada: (Incluído pela Lei nº 14.035, de 2020)
I – da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em relação à entrada e saída do
País e à locomoção interestadual; ou (Incluído pela Lei nº 14.035, de 2020)
II – do respectivo órgão estadual de vigilância sanitária, em relação à locomoção
intermunicipal. (Incluído pela Lei nº 14.035, de 2020)
§ 6º-C. (VETADO).
§ 6º-D. (VETADO).
§ 7º As medidas previstas neste artigo poderão ser adotadas:
I – pelo Ministério da Saúde, exceto a constante do inciso VIII do caput deste artigo;
II – pelos gestores locais de saúde, desde que autorizados pelo Ministério da Saúde, nas
hipóteses dos incisos I, II, III-A, V e VI do caput deste artigo;
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III - pelos gestores locais de saúde, nas hipóteses dos incisos III, IV e VII do caput deste
artigo.
IV – pela Anvisa, na hipótese do inciso VIII do caput deste artigo.
§ 7º-A. A autorização de que trata o inciso VIII do caput deste artigo deverá ser concedida
pela Anvisa em até 72 (setenta e duas) horas após a submissão do pedido à Agência,
dispensada a autorização de qualquer outro órgão da administração pública direta ou
indireta para os produtos que especifica, sendo concedida automaticamente caso esgotado
o prazo sem manifestação. Promulgação partes vetadas
§ 7º-B. O médico que prescrever ou ministrar medicamento cuja importação ou distribuição
tenha sido autorizada na forma do inciso VIII do caput deste artigo deverá informar ao
paciente ou ao seu representante legal que o produto ainda não tem registro na Anvisa e foi
liberado por ter sido registrado por autoridade sanitária estrangeira.
§ 7º-C Os serviços públicos e atividades essenciais, cujo funcionamento deverá ser
resguardado quando adotadas as medidas previstas neste artigo, incluem os relacionados
ao atendimento a mulheres em situação de violência doméstica e familiar, nos termos da Lei
nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 , a crianças, a adolescentes, a pessoas idosas e a
pessoas com deficiência vítimas de crimes tipificados na Lei nº 8.069, de 13 de julho de
1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), na Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003
(Estatuto do Idoso), na Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com
Deficiência), e no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal).
§ 8º Na ausência da adoção de medidas de que trata o inciso II do § 7º deste artigo, ou até
sua superveniência, prevalecerão as determinações:
I – do Ministério da Saúde em relação aos incisos I, II, III, IV, V e VII do caput deste artigo; e
II – do ato conjunto de que trata o § 6º em relação às medidas previstas no inciso VI do
caput deste artigo.
§ 9º A adoção das medidas previstas neste artigo deverá resguardar o abastecimento de
produtos e o exercício e o funcionamento de serviços públicos e de atividades essenciais,
assim definidos em decreto da respectiva autoridade federativa.
§ 10. As medidas a que se referem os incisos I, II e VI do caput, observado o disposto n os
incisos I e II do § 6º-B deste artigo, quando afetarem a execução de serviços públicos e de
atividades essenciais, inclusive os regulados, concedidos ou autorizados, somente poderão
ser adotadas em ato específico e desde que haja articulação prévia com o órgão regulador
ou o poder concedente ou autorizador.
§ 11. É vedada a restrição à ação de trabalhadores que possa afetar o funcionamento de
serviços públicos e de atividades essenciais, definidos conforme previsto no § 9º deste
artigo, e as cargas de qualquer espécie que possam acarretar desabastecimento de gêneros
necessários à população.
15
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

Consectário do atendimento incompleto do imperativo


legal, não poderia a Administração valer-se da autorização extravagante e
transitória para a importação e distribuição de itens sem assentamento na
Anvisa, ainda que considerados essenciais no combate à crise sanitária.

Não só isso como a publicação da contratação


somente se deu na Imprensa Oficial 10 (dez) dias após a assinatura da
Oferta Comercial e 9 (nove) dias depois da antecipação de 30% da
ordem de pagamento da primeira remessa, e ainda assim, sem notícias
da disponibilização em outros sítios ou plataformas oficiais das
(9)
informações arroladas no §2º do artigo 4º da Lei nº 13.939/20 .

9 BRASIL. Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020.


Art. 4º É dispensável a licitação para aquisição ou contratação de bens, serviços, inclusive
de engenharia, e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de
importância internacional de que trata esta Lei.
[...]
§ 2º Todas as aquisições ou contratações realizadas com base nesta Lei serão
disponibilizadas, no prazo máximo de 5 (cinco) dias úteis, contado da realização do ato, em
site oficial específico na internet, observados, no que couber, os requisitos previstos no § 3º
do art. 8º da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011 , com o nome do contratado, o
número de sua inscrição na Secretaria da Receita Federal do Brasil, o prazo contratual, o
valor e o respectivo processo de aquisição ou contratação, além das seguintes informações:
I – o ato que autoriza a contratação direta ou o extrato decorrente do contrato;
II – a discriminação do bem adquirido ou do serviço contratado e o local de entrega ou de
prestação;
III – o valor global do contrato, as parcelas do objeto, os montantes pagos e o saldo
disponível ou bloqueado, caso exista;
IV – as informações sobre eventuais aditivos contratuais;
V – a quantidade entregue em cada unidade da Federação durante a execução do contrato,
nas contratações de bens e serviços.
VI - as atas de registros de preços das quais a contratação se origine.
16
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

Ao cabo, o Ministério Público de Contas requer


investigação minuciosa da trama que envolve desde o planejamento da
contratação até sua execução.

Solicita oitiva da Assessoria Técnico-Jurídica, sugerindo


peculiar enfoque sobre a possibilidade de que tenham sido praticados atos
antieconômicos com reflexo dano ao erário.

Pleiteia seja imputado débito aos responsáveis, se for o


(10)
caso, nos termos do artigo 71, VIII e §3º, da Constituição Federal ,
sem embargo da aplicação das demais sanções administrativas previstas
na Lei Complementar Estadual nº 709/93.

Designada para a instrução preliminar, a 9ª


Diretoria de Fiscalização (9ª DF) consignou uma profusão de
apontamentos adversos à dispensa de licitação (evento 20.11 – TC-

013441.989.20-9):

i. Supressão do Termo de Referência Simplificado


vindicado pelo artigo 4º-E da Lei nº 13.979/2020
(11)
;

10 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.


Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do
Tribunal de Contas da União, ao qual compete: [...]
VIII - aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de
contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa
proporcional ao dano causado ao erário; [...]
§ 3º As decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de
título executivo.
11 BRASIL. Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020.
17
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

ii. Ausência da pesquisa prévia de preços


reclamada pelo Decreto Estadual nº 63.316, de
26 de março de 2018;
iii. Preços superiores aos praticados no mercado,
em afronta ao princípio da seleção da proposta
mais vantajosa (art. 3º, L.F. nº 8.666/1993);

Art. 4º-E. Nas aquisições ou contratações de bens, serviços e insumos necessários ao


enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata
esta Lei, será admitida a apresentação de termo de referência simplificado ou de projeto
básico simplificado.
§ 1º O termo de referência simplificado ou o projeto básico simplificado referidos no caput
deste artigo conterá:
I – declaração do objeto;
II – fundamentação simplificada da contratação;
III – descrição resumida da solução apresentada;
IV – requisitos da contratação;
V – critérios de medição e de pagamento;
VI – estimativa de preços obtida por meio de, no mínimo, 1 (um) dos seguintes parâmetros:
a) Portal de Compras do Governo Federal;
b) pesquisa publicada em mídia especializada;
c) sites especializados ou de domínio amplo;
d) contratações similares de outros entes públicos; ou
e) pesquisa realizada com os potenciais fornecedores;
VII – adequação orçamentária.
§ 2º Excepcionalmente, mediante justificativa da autoridade competente, será dispensada a
estimativa de preços de que trata o inciso VI do § 1º deste artigo.
§ 3º Os preços obtidos a partir da estimativa de que trata o inciso VI do § 1º deste artigo
não impedem a contratação pelo poder público por valores superiores decorrentes de
oscilações ocasionadas pela variação de preços, desde que observadas as seguintes
condições:
I – negociação prévia com os demais fornecedores, segundo a ordem de classificação, para
obtenção de condições mais vantajosas; e
II – efetiva fundamentação, nos autos da contratação correspondente, da variação de preços
praticados no mercado por motivo superveniente.
18
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

iv. Ausência da autorização prévia do Secretário de


Estado de Economia e Planejamento e do
Secretário de Estado da Fazenda, em
desconformidade com o Decreto Estadual nº
41.165, de 20 de setembro de 1996;
v. Inapropriada substituição de instrumento
contratual por Proforma Invoice (art. 62, L.F. nº
8.666/1993);
vi. Omissão de documento a consignar informações
essenciais, tais como: condições para a
execução do pacto, direitos e responsabilidades
das partes, penalidades cabíveis e valores das
multas (arts. 54 e 55, VII, L.F. nº 8.666/1993);
vii. Termo de Ciência e de Notificação firmado por
outros sujeitos que não Contratante e
Contratada;
viii. Aquisição de ventilador pulmonar sem registro
na Anvisa (ETERNITY SH-300);
ix. Pagamento antecipado na importância de R$
242.247.500,00 (duzentos e quarenta e dois
milhões, duzentos e quarenta e sete mil e
quinhentos reais), equivalente a 43,98% do
valor total da contratação, em desconformidade
com os artigos 62 e 63, § 2º, III, da Lei Federal
(12)
nº 4.320/64 .

12 BRASIL. Lei nº 4.320 de 17 de março de 1964.


Art. 62. O pagamento da despesa só será efetuado quando ordenado após sua regular
liquidação.
Art. 63. A liquidação da despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo credor
tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito.
19
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

x. Pagamento antecipado superior ao percentual


constante da Proforma Invoice, que estipulava
pagamento de 30% de forma antecipada e de
70% do valor no ato de apresentação do
conhecimento aéreo internacional do despacho
da mercadoria (Air Waybill - AWB).

Primeira análise da execução contratual operou-se


em 1° de junho de 2020, já concretizadas duas entregas, em 19 e 25
de maio de 2020 (evento 13.8 - TC-013562.989.20-2):

ENTREGA DOCUMENTOS DATA UNIDADES ENTREGUES

Commercial Invoice (US$ 1.000.000,00)


50 unidades
1ª Declaração de Importação 20/0802545-3 19/05/2020
do ventilador AX-400
Licença de Importação 20/1456391-0
Commercial Invoice (US$ 5.320.000,00)
133 unidades do ventilador
2ª Declaração de Importação 20/0833679-3 26/05/2020
SH-300
Licença de Importação 20/1474750-6

Findos os trabalhos, a 9ª DF apurou:

i. Carência de documentos de atestação do


recebimento do objeto;

[...]
§ 2º A liquidação da despesa por fornecimentos feitos ou serviços prestados terá por base:
I - o contrato, ajuste ou acordo respectivo;
II - a nota de empenho;
III - os comprovantes da entrega de material ou da prestação efetiva do serviço.
20
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

ii. Valor antecipado superior ao constante na


cláusula “Forma de pagamento” da Proforma
(13)
Invoice, superando o efetivamente liquidado ;
iii. Inexecução parcial (atraso nas entregas);
iv. Ausência de documentos comprobatórios de
adequada fiscalização do ajuste;
v. Alteração de prazo e quantidades sem
formalização de termos modificativos ou aditivos.

Regularmente notificados nos termos do inciso XIII


do artigo 2° da Lei Complementar n° 709/93, carrearam justificativas: a
(i) Procuradoria Geral do Estado; o (ii) Adhemar Dizioli Fernandes
(então Coordenador da CGA); a (iii) Coordenadoria Geral de
Administração da Secretaria da Saúde, mediante peça subscrita, em
conjunto, por Adhemar Dizioli Fernandes e pelo então Chefe de
Gabinete da Secretaria da Saúde, Nilson Ferraz Pachoa; a (iv) Hichens
Harrison; o (iv) Ex-Chefe de Gabinete da Secretaria da Saúde, Eduardo
Alex Barbin Barbosa.
1° RODADA DE JUSTIFICATIVAS
DATA
PROCESSO TC INTERESSADO (A) EVENTO (S)
(JUNTADA)
Adhemar Dizioli Fernandes (então Coordenador
13441.989.20-9 30/07/2020 130
da Coordenadoria Geral de Administração)

13

Fonte: evento 13.8 – TC-013562.989.20-2; p.2.

21
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

1° RODADA DE JUSTIFICATIVAS
DATA
PROCESSO TC INTERESSADO (A) EVENTO (S)
(JUNTADA)
Coordenadoria Geral de Administração (CGA) 30/07/2020 132
Eduardo Alex Barbin Barbosa (Ex-Chefe de 17/08/2020 140
Gabinete da Secretaria de Estado da Saúde) 09/09/2020 151
Hichens Harrison Capital Partner LLC 08/07/2020 102
Procuradoria Geral do Estado 17/07/2020 120
Adhemar Dizioli Fernandes (então Coordenador
30/07/2020 103
da Coordenadoria Geral de Administração)
30/07/2020 105
Coordenadoria Geral de Administração (CGA)
25/08/2020 122
13562.989.20-2
Eduardo Alex Barbin Barbosa (Ex-Chefe de 17/08/2020 113
Gabinete da Secretaria de Estado da Saúde) 09/09/2020 126
Hichens Harrison Capital Partner LLC 08/07/2020 75
Procuradoria Geral do Estado 17/07/2020 93
Adhemar Dizioli Fernandes (então Coordenador
30/07/2020 156
da Coordenadoria Geral de Administração)
08/07/2020 124
Coordenadoria Geral de Administração (CGA)
30/07/2020 158
12647.989.20-1 Eduardo Alex Barbin Barbosa (Ex-Chefe de 17/08/2020 167
Gabinete da Secretaria de Estado da Saúde) 09/09/2020 178
Hichens Harrison Capital Partner LLC 16/06/2020 89
Procuradoria Geral do Estado 17/07/2020 146
Adhemar Dizioli Fernandes (então Coordenador
30/07/2020 60
da Coordenadoria Geral de Administração)
Coordenadoria Geral de Administração (CGA) - -
16384.989.20-8 Eduardo Alex Barbin Barbosa (Ex-Chefe de 17/08/2020 68
Gabinete da Secretaria de Estado da Saúde) 09/09/2020 79
Hichens Harrison Capital Partner LLC 27/07/2020 51
Procuradoria Geral do Estado - -

Procuradoria Geral do Estado (PGE) encarrega-se


da remissão e encaminhamento do arcabouço opinativo que produziu
em apreciação dos diplomas editados pela União conexos à Covid-19.

Chama a atenção, nesse tocante, à Nota Técnica


SubG-Cons. nº 6/2020, que veiculou direções jurídicas gerais para
instrução de expedientes visando à celebração, pelos órgãos e

22
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

entidades do Estado de São Paulo, de contratações diretas fundadas no


artigo 4º da Lei nº 13.979/2020, para a aquisição de bens, serviços e
insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública
de importância internacional decorrente do novo coronavírus.

Alude, ademais, à Nota Técnica SubG-Cons. nº


8/2020, que, a partir das diretivas vigentes no âmbito federal para
situações similares – especialmente do Tribunal de Contas da União e da
Advocacia Geral da União –, analisou a possibilidade de antecipação de
parcela do valor devido pelo fornecimento de equipamentos essenciais,
quando indispensável à viabilização do negócio jurídico e desde que
houvesse a adoção de cautelas para mitigar os riscos de inexecução
contratual.

Ainda com relação ao pagamento antecipado, cita a


Nota Técnica CJ/SS nº 01/2020, que passou a orientar a Secretaria da
Saúde a demonstrar, nos autos, as excepcionais condições de mercado
e as cautelas tomadas em face do risco de inadimplemento,
justificando-se, igualmente, a sujeição, por parte do fornecedor, da
entrega integral do pedido a essa condição.

No que diz respeito ao objeto em si do processo TC-


013441.989.20-9, traz a lume o Parecer SubG-Cons n.º 23/2020, que
analisou a aquisição de ventiladores de anestesia e de ventila dores
pulmonares pela Secretaria da Saúde, mediante dispensa de licitação
lastreada no artigo 4º da Lei nº 13.979/2020.

Em conformidade com a Nota Técnica SubG-Cons. nº


8/2020 e Medida Provisória nº 961/2020, referido parecer teria
consignado a possibilidade de que a contratação pudesse prever o

23
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

pagamento antecipado, desde que adotadas cautelas para mitigação de


eventual inadimplemento.

Por fim, socorre-se do Parecer CJ/SS nº 441/2020,


voltado à análise da repactuação, acaudilhando que, a despeito da
inexistência de ilegalidade, deveriam ser observados, para tanto, o
quantitativo, a necessidade e o preço a serem contratados, ante o
atraso havido na remessa inicial.

Para Adhemar Dizioli Fernandes (então


Coordenador da Coordenadoria Geral de Administração) o fato de o
próprio Ministério Público de Contas, na peça de ingresso, reconhecer a
coleta e análise de 11 (onze) orçamentos junto ao mercado, demonstra
que a Secretaria da Saúde agiu de forma congruente ao interesse público.

Qualifica como injustas as análises comparativas


colimadas à vista da quantidade de variáveis incidentes na aquisição de
ventiladores pulmonares, que além de serem produtos extremamente
complexos, apresentam uma superabundância de especificações
técnicas com influência direta sobre os preços.

Retomando os pormenores de antanho, lembra da


corrida mundial para obtenção de artigos médicos e afins, e que a justa
análise da economicidade do procedimento deve levar em consideração,
mais que tudo, os 11 (onze) orçamentos requeridos pela Secretaria de
Saúde – e as 7 (sete) ofertas obtidas em retorno, que atendiam à
necessária especificação técnica obtidas em retorno.

Da leitura que faz do Decreto Estadual nº


63.316/2018, extrai que a contratação ora examinada sequer exigia

24
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

consulta ao “Preços SP”, tampouco estabelecia preferência daquele


banco eletrônico frente a outras metodologias de apuração do valor
referencial.

Recorda que o mercado nacional já carecia de


equipamentos da espécie, inópia depois agravada com o advento do
Ofício nº 72/2020/DLOG/SE/MS, do Ministério da Saúde, requisitando a
totalidade dos bens disponíveis para pronta entrega, além daqueles cuja
produção se encerrasse nos 180 (cento e oitenta dias) subsequentes a
24 de março de 2020, data de expedição daquele documento.

Arrazoa que, devido à aplicação subsidiária e supletiva


da Lei n° 8.666/1993 nas contratações formalizadas sob a égide do artigo
4º da Lei n° 13.979/2020, as penalidades porventura aplicadas à
Contratada seriam aquelas previstas nos artigos 86 e 87 do diploma geral
e que o valor de eventuais multas seria apurado com base na Resolução
SS n° 92, publicada no Diário Oficial do Estado de 11 de novembro de
2016.

Decompondo cálculos, demonstra que o adiantamento


do equivalente a 30% do montante originário da avença correspondeu a
R$ 165.247.500,00 (cento e sessenta e cinco milhões, duzentos e
quarenta e sete mil e quinhentos reais), que somado à fração de 70% do
valor referente ao primeiro embarque de equipamentos com destino ao
Brasil (R$ 77.000.000,00), perfez R$ 242.247.500,00 (duzentos e
quarenta e dois milhões, duzentos e quarent a e sete mil e quinhentos
reais).

Com referência à execução contratual, secundado pela


manifestação da Coordenadoria Geral de Administração, reconhece

25
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

que a contratada deixou de cumprir com o cronograma original de


entrega.

A despeito da expedição da competente guia de


conhecimento de embarque (AWB), o primeiro lote de 500 (quinhentos)
ventiladores não chegou ao Aeroporto de Guarulhos no prazo acordado,
atraso reconhecido pela fornecedora por meio de correspondência de 6
de maio de 2020, na qual consta proposta de repactuação, em especial
no tocante aos prazos de fornecimento dos aparelhos.

Relata que a Secretaria da Saúde expediu o Ofício n.º


1.397, de 8 de maio de 2020, indagando sobre o paradeiro do primeiro
lote de ventiladores, e informando à Hichens Harrison que a proposta
de repactuação contaria com a anuência do Governo do Estado de São
Paulo, desde que observadas as seguintes condições:

I. entrega de 920 ventiladores SH300 até o dia


31/05;
II. entrega de 360 ventiladores AX-400 até o dia
31/05;
III. obrigação de restituição do valor correspondente
à não entrega total ou parcial dos ventiladores,
além de sujeição à multa de 10% sobre o saldo
devido; e
IV. opção de compra de 1080 ventiladores SH300 e
de 640 ventiladores AX400, a ser exercida no
dia 31/05, no mesmo valor do contrato original,
com cronograma de entrega a ser definido e
pagamento contra entrega.

Depois da resposta da Hichens Harrison informando


que os equipamentos despachados por meio do AWB 999-74795803
não foram localizados, houve a repactuação dos termos primitivos do
ajuste nos seguintes termos:
I. entrega de 1280 ventiladores, sendo 920
ventiladores do modelo SH300 e 360
26
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

ventiladores do modelo AX400, cujo valor


corresponde ao montante desembolsado;
II. cancelamento dos R$ 308.577.500,00 do
montante originariamente empenhado;
III. prestação de garantia, na forma do artigo 56,
§§ 1º e 2 º da Lei 8666/93;
IV. restituição proporcional do equivalente a 30%
dos 3.000 equipamentos cuja entrega foi
originariamente pactuada (reduzidos a 1.280
aparelhos); e
V. devolução do saldo de 70% referente ao valor
pago em razão do primeiro embarque das
máquinas que não chegaram ao seu destino no
prazo avençado.

Em 1º de junho de 2020 a Hichens Harrison


encaminhou correspondência, anotando, em síntese:

I. não dispunham de imóveis, bens ou aplicações


financeiras no Brasil que pudessem ser
utilizados para a prestação de garantia;
II. que repassou às fábricas chinesas dos
equipamentos o valor relativo aos aparelhos
adquiridos; e
III. que realizou despesas significativas com
transporte das máquinas, o que inviabilizaria a
pretendida restituição de valores.

Ante sucessivos atrasos, o Secretário da Saúde


determinou a adoção de providências para rescisão unilateral da
avença:

I. instauração de procediment o objetivando a


rescisão unilateral do contrato;
II. instauração de procedimento sancionatório
decorrente dos sucessivos atrasos no
fornecimento dos equipamentos; e
III. obrigação, por parte da empresa, de restituição
de saldo de preço, c onferindo-se o prazo de 10
dias para oferecimento de defesa.

27
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

Em reação, teria a Hichens Harrison impetrado


mandado de segurança cível, com fundamento na inobservância do
contraditório e da ampla defesa.

Com a interposição de agravo de instrumento pela


empresa, sobreveio decisão liminar do Egrégio Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo deferindo parcialmente o pedido de antecipação de
tutela a fim de suspender os efeitos da rescisão, cons tituindo a
Administração na obrigação de reabrir o prazo para defesa.

De seu turno, alega o ex-Chefe de Gabinete da


Secretaria de Estado da Saúde que teve contato formal com a matéria
apenas em 22 de abril de 2020, quase 10 (dez) dias após o pagamento do
valor correspondente à entrada de 30%, em 14 de abril de 2020, quando
já não era mais possível refrear os efeitos do negócio sacramentado e
pago.

Busca, com esse discurso, exonerar-se de


responsabilidade seja pela dispensa da licitação, seja pela aceitação da
proposta e/ou respectiva repactuação.

Na mesma sintonia dos sujeitos processuais que a


precederam, a Hichens Harrison remete às adversidades logísticas que
afetaram o fornecimento dos equipamentos pelas fábricas chinesas e
consequente liberação pela aduana e pelo próprio governo chino.

Prosseguindo, rebate os apontamentos da Fiscalização,


em abordagem que perpassa: fundamentação legal da iniciativa;
responsabilidade integral da Administração pela condução da contratação
e pelas informações ausentes no processo administrativo; preenchimento

28
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

das condicionantes do artigo 4º-E da Lei nº 13.979/2020; inconsistência


da metodologia empregada para concluir pela prática de sobrepreço;
suficiência da cláusula CIF (Cost, Insurance and Freight) para delimitação
dos termos do negócio jurídico; inaplicabilidade das cláusulas penais da
Lei nº 8.666/1993 a ajustes internacionais; autorização legal para
aquisição de aparelho sem registro na Anvisa; extravio involuntário do
primeiro lote de equipamentos; e atendimento do artigo 63 da Lei n°
4.320/1964, dada a natureza jurídica do sinal pago pela Secretaria da
Saúde.

Reportando-se aos atrasos e às demais ocorrências


apontadas no acompanhamento da execução, disserta sobre as
restrições da metodologia amostral, ao que a situação descrita em 2 de
junho de 2020 no laudo da equipe técnica diferiria sobremaneira da
realidade.

Em tempo, clareja que em razão da repactuação, o


montante da contratação não corresponde àquele levantado dos autos,
mas a R$ 242.247.500,00 (duzentos e quarenta e dois milhões, duzentos
e quarenta e sete mil e quinhentos reais), conforme lançado no TC-
013441.989.20-9, onde se constatou anulação parcial do valor
empenhado.

Na sua percepção, as cláusulas referentes ao


pagamento de valores ou de parcela do objeto foram adimplidas em
conformidade com o ajuste internacional celebrado, sem que se possa
atribuir à empresa responsabilidade por eventuais lapsos procedimentais
internos à Administração.

Concernente ao cronograma, assinala que as datas


de liberação na fábrica, aprovação pela aduana chinesa, de embarque e
29
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

chegada a Guarulhos não eram definitivas, mas apenas estimativas - e


que esse dado era de amplo conhecimento do Governo de São Paulo.

Reafirma o engajamento para com suas obrigações,


tanto é que, depois do extravio e dos atrasos até então verificados,
contratou nova operação logística para a viabilização da entrega no mais
breve prazo, junto à empresa de trading DUX.

Conta ter sofrido com a imposição de medidas


administrativas pelas autoridades chinesas, voltadas à ampliação do
controle da exportação dos equipamentos em comento, fato confirmado
pelas autoridades paulistas.

Por derradeiro, reitera o compromisso de prestar


esclarecimentos a qualquer instância ou órgão administrativo a respeito do
fornecimento dos equipamentos adquiridos pelo Governo de São Paulo,
sobretudo perante este Tribunal de Contas.

Esse o ponto de partida para a passagem inaugural dos


autos pelos órgãos técnicos e opinativos:

1° RODADA DE INSTRUÇÃO (PARECERES)

PROCESSO TC ÁREA DATA EVENTO (S)

Assessoria Técnico-Jurídica 26/11/2020 157


13441.989.20-9 Procuradoria da Fazenda do Estado 29/11/2020 160
Ministério Público 30/11/2020 164
Assessoria Técnico-Jurídica 26/11/2020 132
13562.989.20-2 Procuradoria da Fazenda do Estado 26/11/2020 135
Ministério Público 30/11/2020 139
Assessoria Técnico-Jurídica 26/11/2020 184
12647.989.20-1 Procuradoria da Fazenda do Estado 29/11/2020 187
Ministério Público 30/11/2020 191

30
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

1° RODADA DE INSTRUÇÃO (PARECERES)

PROCESSO TC ÁREA DATA EVENTO (S)

Assessoria Técnico-Jurídica 26/11/2020 85


16384.989.20-8 Procuradoria da Fazenda do Estado 29/11/2020 88
Ministério Público 30/11/2020 92

Ampliando o espectro da análise, segmento de


Economia da Assessoria Técnico-Jurídica constatou, em linhas
gerais:

a) Imperfeição da pesquisa de mercado, sem


uniformização e padronização, voltada
basicamente para o mercado nacional;

b) Das 7 (sete) cotações de preços, de total de 11


(onze), 3 (três) pospuseram à expedição do
Ofício nº 72/2020/DLOG/SE/MS, do Ministério da
Saúde; 3 (três) foram aparentemente colhidas
na cancha internacional, de forma precária,
incompleta e informal;

c) Apenas a cotação da Hichens, que viria a ser a


Contratada, apresentava conformidade de
equipamentos e quantitativos;

d) Desorganização da SES no impulso da cotação


ao mercado externo, buscando expandir e
diversificar as ofertas junto a agentes
internacionais ou representantes diretos de
fabricantes de ventiladores pulmonares;

e) Ausência dos e-mails expedidos pela SES às


empresas Cinoservice Brasil, Informacion Capital
31
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

Consulting e 2LE Importação e Exportação,


solicitando os 1.000 (um mil) aparelhos de
anestesia com ventilador e os 2.000 (dois mil)
ventiladores para UTI, com indicação das
respectivas datas de envio;

f) Ausência do e-mail enviado pela SES à Hichens


solicitando formalmente a cotação dos preços,
para a determinação da data do primeiro contato
e do responsável pela intermediação;

g) Omissão de justificativas acerca da participação


do Senhor Basile George Pantazis na
intermediação do negócio, a teor do
questionamento suscitado pelo MPC nos autos
do TC-016384.989.20-8;

h) Cotação unicamente perante a Hichens Harrison


para o aparelho de anestesia com ventilador,
oportunidade suprimida das demais empresas
convocadas à pesquisa de mercado;

i) Data da Oferta Comercial (evento 1.2 - TC

016384.989.20; p. 13), subscrita pelo sócio da


Hichens Harrison, Senhor Peter A. Leite, e já
com a aposição de assinatura do Governo do
Estado, em 5 de abril de 2020, mesmo dia da
publicação da recomendação de associações
médicas nacionais para uso do ventilador do
aparelho de anestesia;

j) Atos praticados pela SES a conferir ao aparelho


de anestesia tratamento e denominação de
ventiladores pulmonares, dando a inexata
32
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

impressão de que o referido produto ou similar


estaria abrangido na planilha orçamentária;

k) Indícios de que a utilização da incorreta definição


“ventiladores pulmonares para anestesia”
(correto: aparelho de anestesia com ventilador)
constituiu meio para justificar, também, a compra
direta dos ventiladores pulmonares para UTI
Eternity SH-300 por intermédio da Hichens
Harrison;

l) Priorização da contratação da Hichens em razão


de equipamento menos específico ao combate
dos sintomas da Covid-19, em desfavor de
empresas especializadas na negociação de
ventiladores pulmonares propriamente ditos;

m) Supressão de elementos que atestem a


compatibilidade do valor praticado para o aparelho
de anestesia com ventilador Comen AX-400, de
US$ 20.000,00 (vinte mil dólares americanos) –
CIP, visto que as cotações apresentadas
restringiram-se única e exclusivamente a
ventiladores pulmonares para UTI;

n) “Prazo de entrega” de 7 (sete) dias da data do


pagamento antecipado (14/04/20), fator
decisivo para a contratação, porém não factível,
em função do prazo usual de entrega do
transporte aéreo ser de 10 (dez) dias, e,
principalmente, o “contrato de vendas”
celebrado entre a Shenzhen Keqi Technology
Eletronic e a Hichens Harrison, em 10 de abril de

33
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

2020, indicar o primeiro fornecimento do


Eternity ICU SH-300 somente em 23 de abril de
2020 (500 unidades);

o) Indícios de que a negociação entre a SES e


Hichens já se encontrava acertada antes da
oficialização da Proforma Invoice, datada de 13 de
abril de 2020, vez que a empresa já havia se
compromissado com a Shenzhen Keqi Technology
Eletronic pela compra dos 2.000 (dois mil)
ventiladores Eternity SH-300 em 10 de abril de
2020;

p) Possível sobrevalorização na aquisição do Comen


AX-400 e do Eternity SH-300, respectivamente,
na ordem de R$ 10.570.127,00 (dez milhões,
quinhentos e setenta mil e cento e vinte e sete
reais) e de R$ 59.641.420,00 (cinquenta e nove
milhões, seiscentos e quarenta e um mil e
quatrocentos e vinte reais);

q) Carência de elementos que demonstrem a


impossibilidade de se realizar negociação direta
com a fabricante chinesa Beijing yishiheng
Electronic Technology, ao invés de dupla
intermediação por meio da Hichens Harrison e
da Shenzhen Keqi Technology Eletronic;

r) Liquidações insuficientemente justificadas em


momento prévio às emissões de ordens bancárias
nºs 2020OB00118 (R$ 165.247.500,00) e
2020OB00126 (R$ 77.000.000,00), divergentes
dos valores constantes nos contratos de operação

34
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

de câmbio, afigurando-se incerta a destinação da


diferença de R$ 7.565.100,00 (sete milhões,
quinhentos e sessenta e cinco mil e cem reais);

s) Falta de apresentação do conhecimento de


transporte aéreo – Air Waybill (AWB n.º 9999-
74795803) – a fim de comprovar o embarque
dos equipamentos rumo ao aeroporto de
Guarulhos;

t) Ausência de comprovação da primeira entrega


do 1º lote de 500 (quinhentas) unidades iniciais
do aparelho de anestesia Comen AX-400, que
compôs parcela do valor adiantado;

u) Dúvida quanto à ocorrência do suposto extravio


do 1º lote do Eternity SH-300, com base nas
seguintes evidências: (i) em 6 de maio de 2020,
houve expedição de carta pela fabricante Beijing
Yishiheng e pela intermediária Shenzhen Keqi ao
Governo de São Paulo e à Hichens Harrison,
exigindo o compromisso de que as empresas
chinesas não seriam responsabilizadas pela
comercialização de produto sem registro no Brasil;
(ii) resposta apresentada em 10 de maio de
2020, conjuntura a indicar reduzida probabilidade
de que o primeiro embarque tenha ocorrido de
fato na data do pagamento (27/04/2020);

v) Atraso de 24 (vinte e quatro) dias em relação ao


proposto na Proforma Invoice para a primeira
remessa do Comem AX-400, uma vez que o

35
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

prazo limite seria 21 de abril de 2020 e a


entrega ocorreu em 19 de maio de 2020;

w) Evidências de que a Proforma Invoice da Hichens


Harrison constituiu mera peça ficcional, dada a
inexequibilidade dos prazos nela lançados.

Diante dos inéditos pontos criticados, ATJ sugeriu novo


acionamento dos responsáveis, proposta encampada por PFE e MPC.

Ingressaram com justificativas: (i) Adhemar Dizioli


Fernandes (agora Ex-Coordenador da Coordenadoria Geral de
Administração – desligado da CGA em agosto de 2020); (ii) Hichens
Harrison; e (iii) Coordenadoria Geral de Administração, por intermédio
da agora Coordenadora, Rosália Bardaro, e do Chefe de Gabinete da
Secretaria de Saúde, Nilson Ferraz Paschoa.

2° RODADA DE JUSTIFICATIVAS

PROCESSO TC INTERESSADO (A) DATA EVENTO (S)

Adhemar Dizioli Fernandes (Ex-Coordenador


17/03/2021 217
da Coordenadoria Geral de Administração)
13441.989.20-9 27/01/2021 187
Coordenadoria Geral de Administração (CGA)
17/03/2021 215
Hichens Harrison Capital Partner LLC 17/03/2021 216
Adhemar Dizioli Fernandes (Ex-Coordenador
17/03/2021 192
da Coordenadoria Geral de Administração)
13562.989.20-2 27/01/2021 162
Coordenadoria Geral de Administração (CGA)
17/03/2021 190
Hichens Harrison Capital Partner LLC 17/03/2021 191
Adhemar Dizioli Fernandes (Ex-Coordenador
17/03/2021 249
da Coordenadoria Geral de Administração)
12647.989.20-1 27/01/2021 217
Coordenadoria Geral de Administração (CGA)
17/03/2021 247
Hichens Harrison Capital Partner LLC 17/03/2021 248
Adhemar Dizioli Fernandes (Ex-Coordenador
16384.989.20-8 17/03/2021 145
da Coordenadoria Geral de Administração)

36
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

2° RODADA DE JUSTIFICATIVAS

PROCESSO TC INTERESSADO (A) DATA EVENTO (S)

27/01/2021 116
Coordenadoria Geral de Administração (CGA)
17/03/2021 143
Hichens Harrison Capital Partner LLC 17/03/2021 144

Adhemar Dizioli Fernandes (Ex-Coordenador da


CGA) anota que a contratação da Hichens é ato de governo que angariou
participação de inúmeros servidores da Administração, inclusive da
Procuradoria Geral do Estado, num esforço conjunto coordenado pelo
Senhor Nelson Luiz Baeta Neves Filho, fruto de determinação do então
Governador, João Dória, para que fossem utilizados todos os meios
necessários para lidar com a excepcionalidade.

Contrapõe os defeitos imputados à pesquisa de


mercado, porquanto 11 (onze) empresas foram convocadas e 7 (sete)
demonstraram entrementes à cotação que atendiam aos requisitos
mínimos exigidos.

Rechaça a avaliação procedida pela ATJ por


desprezar as dificuldades do caso concreto, vez que, com o crescimento
da epidemia, as cotações solicitadas em uma ocasião, pautadas em
informações específicas para a data, invariavelmente divergiram de
outras realizadas em ocasiões posteriores.

Com relação às empresas que apresentaram


detalhamento orçamentário equivocado – por exemplo, contando o
valor de venda unitária, sem computar a demanda global – alega que
não haveria o que fazer, descortinando-se constrangedores os supostos
erros, bem assim as ideias desconexas veiculadas nos pareceres da ATJ.

37
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

Sustenta que os pedidos de cotações variaram de


canais e o e-mail era apenas um deles.

Desmistifica o contato informal de intermediadores


sondando a venda de equipamentos, e alega que, mesmo com
especificações discordes, todos os orçamentos que se apresentavam
minimamente compatíveis, aptos à resolução do problema, integraram
a tomada de decisão.

Ao recordar os momentos iniciais do surto


epidemiológico, alude a que a Administração Estadual trabalhou com o
que tinha em mãos, pois as dificuldades postas exigiam ação imediata,
em contexto dissociado do ideal.

Notabiliza o fato de desconhecer Basile George


Pantazis e de com ele nunca ter tido contato, estando os pormenores da
suposta participação na contratação disponíveis no depoimento que o
empresário prestou à “CPI das Quarteirizações”, perante a Assembleia
Legislativa do Estado de São Paulo.

Discute a incoerência da alegação de irregularidade


quanto ao episódio de a empresa Hichens Harrison ter sido a única
ofertante do aparelho de anestesia com ventilador, visto que a própria
manifestação da ATJ apresenta explicação suficiente a elidir dúvida sobre
a questão.

Vai além e replica que a discordância esposada pelo


órgão opinativo relativamente à utilização do aparelho de maneira

38
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

alguma desabona a circunstância de que, em verdade, a decisã o


administrativa seguiu parâmetros técnicos e científicos.

Contesta a suposta utilização da nomenclatura


“ventiladores pulmonares para anestesia” para camuflar a aquisição do
produto, tanto que os próprios especialistas empregaram a alcunha
“ventilador do aparelho de anestesia como ventilador em terapia
intensiva”, pois ambas as denominações remetem à função de ventilar.

Obtempera a dificuldade experimentada pela


Administração naquele momento específico, tendo em vista o aumento
da demanda mundial, o que se verifica pelas notícias públicas e notórias
sobre as extremas variações nos preços em curtos intervalos de tempo.

Em sua avaliação pessoal, a busca pelo mercado


externo não somente era justificável, como se impunha, face ao
inesperado quadro que se pintava à frente.

Cita como exemplo prático da escassez a deserção do


Chamamento Público realizado pela SES em 8 de abril de 2020, por
meio do qual se buscavam empresas para fornecer, por meio de
contratação direta, os citados ventiladores para entrega em 15 (quinze)
dias.

Medita mais um tanto sobre a inconsistência dos


elementos utilizados pelos órgãos internos a esta Corte e que oficiaram
no feito para fundamentar conclusão de possível sobrepreço.

Por não se tratar de equipamento idêntico e do


mesmo momento no tempo, distantes as contratações em mais de mês,

39
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

não subsistiria equiparação de bases para confronto.

Tais comparações, consoante assevera, comprovam


grandes variações de preços, porém não cravam o superfaturamento,
tampouco incompatibilidade com a média mercadológica.

Afiança que, da pesquisa de mercado, ao menos três


produtos apresentaram valores acima do contratado e que o diferencial
para escolha recaiu, como ressabido, no prazo de fornecimento.

Ressente-se da análise da ATJ, que ignorou


documentos importantes juntados ao processo administrativo, em
particular, o ofício de autoria da InvestSP, no qual a agência afirma,
taxativamente, com fé-pública e presunção de legitimidade que a
Hichens é representante das empresas que participaram da operação.

Opõe-se à crítica de que a Proforma Invoice seria peça


de ficção, alegando que os atrasos provêm da atípica situação vivenciada,
cuja demora atingiu a todos em âmbito global.

A Hichens Harrison inicia por lamentar o que chama


de uso político da narrativa, de sorte que as cobranças e as pressões do
Governo do Estado de São Paulo pela mídia apenas serviram para gerar
atritos diplomáticos que em nada contribuíram para o processo, mas só
fizeram levantar suspeitas infundadas quanto à credibilidade da empresa.

Exposto seu histórico institucional, pondera que


pesquisas de preço realizadas de forma abstrata, sem envio de cotação
formal ou apresentação de Data Room dos equipamentos, com acervos
técnico e regulatório completos, não têm serventia, a não ser para
especulação, ainda mais em caso de compra no atacado.
40
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

Observa que os preços dos equipamentos adquiridos


pelo Estado de São Paulo guardam conformidade com os valores que a
Hichens vinha praticando junto a diferentes clientes estrangeiros.

Explica que ambos, tanto os aparelhos de anestesia


com ventilador Comen AX-400, como os ventiladores pulmonares para
UTI, atendiam às especificações mínimas exigidas, disso decorrendo a
disponibilização conjunta dos preços ao ensejo da cotação.

Repassando o teor da Nota Técnica SUBG nº 6/2020,


da PGE, destaca que a inviabilidade de estimativas mais robustas não
deveria prejudicar a contratação naquelas fatídicas circunstâncias.

Aduz que a pesquisa de preços apresentada por ATJ


apresenta graves falhas metodológicas; sequer indica datas para
contextualização dos valores em relação ao estágio da curva
pandêmica.

Outrossim, a diligência parte do pressuposto de que


anúncios em sites estrangeiros de e-commerce, por empresa local
estrangeira, seriam suficientes para estabelecer parâmetros de preços
realistas por ocasião da compra pública.

Queixa-se do perfilhamento de produtos distintos,


sem discriminação das respectivas especificações. Avalia que, no limite,
ainda que se admitisse a cotação do AX-400, haveria falha na pesquisa
inicial elaborada pela Fiscalização, feita muito à frente, provavelmente
em junho de 2020, em cenário distinto.

Expõe que o equipamento AX-400 fornecido pela


Hichens é mais completo do que aquele sugerido e ofertado pela
41
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

empresa Hospitals Stores, o qual, para equivaler ao concorrente


prescindiria de dois acessórios (vaporizer isoflurane e vaporizer
sevoflurane, ambos na monta de US$ 1.014,49 cada), o que elevaria o
preço total para US$ 10.701,00 (dez mil, setecentos e um dólares
americanos), no termo FOB.

Relata que o órgão técnico, de forma arbitrária,


deixou de considerar despesas com o seguro de frete internacional,
simplesmente por depreender que a carga não foi segurada, assertiva
que não procede.

Isso, pois, a ausência de apólice específica não


significa que a mercadoria careça de proteção e garantia, tanto que,
apesar de ter havido extravio, a SES não experimentou prejuízos
financeiros.

Urge que para se chegar ao “número mágico” fora


utilizada, além de frágil pesquisa, seleção arbitrária de custos que
poderiam ou não ser utilizados para aferição dos valores presumíveis de
mercado.

Tem por equivocada a conclusão de que não seria


factível a proposta formulada na Invoice, de entregas iniciais em até 7
(sete) dias, à vista de sobejarem documentos oficiais da SES
demonstrando a realização de diversas remessas ocorridas em menos
tempo, a exemplo do 9º embarque, com Airway Bill (AWB) emitida em
16 de junho de 2020 e remessa entregue no dia seguinte.

Esclarece que firmou contrato com a Shenzen Keqi


por orientação da própria Beijing Eternity, e que aquela distribuidora

42
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

consta em todos os documentos de embarque na condição de


exportadora autorizada do produto.

Salienta que a direção da Beijing Eternity, logo no


início das operações, enviou carta formal para o Secretário da Saúde
confirmando o pedido da Hichens e a participação da Shenzen Keqi como
sua distribuidora formal na República Popular da China.

Por intermédio da Hichens, a Shenzhen Keqi teria


fornecido o mesmo equipamento (SH-300) para diversos outros entes
subnacionais do continente americano, contemporaneamente à venda
feita ao Estado de São Paulo.

Assim por diante, desqualifica a pesquisa de preços


apresentada referente ao SH-300, alegando falhas metodológicas e, com
relação ao equipamento adquirido pela Fundação Butantan, afirma que
mais grave se afigura a tentativa de comparação, pois enviesada e
inacessível.

Por sua parte, a Coordenadoria Geral de


Administração alega que a pesquisa de mercado, embora não tenha se
reportado de modo expresso aos exatos quantitativos posteriormente
adquiridos, permitiu a obtenção de parâmetro para aferir a
compatibilidade do preço indicado pela Hichens, com vistas à aquisição
dos ventiladores pulmonares para UTI (Eternity SH 300), e que o prazo
oferecido pela empresa para a entrega dos equipamentos, diante da
premência do momento, é que constituiu o verdadeiro diferencial.

No que tange ao aparelho de anestesia com


ventilador, exime-se da imputação de se fazer crer que o equipamento

43
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

AX-400 estaria abrangido na planilha orçamentária ou que o seu preço se


mostraria mais vantajoso mediante estrita comparação com o do SH-
300.

Sobreleva que a compatibilidade quanto ao AX-400


foi cotejada a partir de pesquisa à ata de registro de preços que tinha
por objeto o equipamento de anestesia similar de alta complexidade, a
valor unitário equivalente, à época da licitação (06/08/2019), a US$
22.979,79 (vinte e dois mil, novecentos e setenta e nove dólares
americanos e setenta e nove centavos).

Depreende que, apesar de vigente, o prazo previsto


na referida ARP para a entrega do equipamento era de 90 (noventa)
dias, interregno desconexo da urgência da aquisição, sem contar que a
disponibilidade remanescente era de apenas 144 (cento e quarenta e
quatro) unidades.

Acrescenta que a ata também abrangia o


fornecimento de "equipamentos de anestesia eletrônicos
microprocessados adulto/pediátrico" dotados de recursos técnicos
inferiores aos do Comen AX-400, registrados sob valor unitário
correspondente a US$ 19.191,91 (dezenove mil, cento e noventa e um
dólares americanos e noventa e um centavos).

Sublinha que originariamente a intenção era adquirir


2.000 (dois mil) “ventiladores pulmonares para UTI” e 1.000 (mil)
"equipamentos para anestesia com ventilador”, porém, com a
repactuação contratual levada a efeito, sedimentou-se a aquisição de
920 (novecentos e vinte) equipamentos SH-300 (ventiladores
pulmonares) e 360 (trezentos e sessenta) AX-400 (equipamentos para
anestesia com ventilador).
44
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

É o que bastaria, conforme suscita, para concluir pela


improcedência da assertiva de “preponderância à contratação da Hichens
Harrison em razão de equipamento menos específico ao combate dos
sintomas da COVID-19."

Realça que, ao ensejo da repactuação contratual,


houve nova pesquisa de preços, demonstrando, àquela época, que a
proposta oferecida pela Hichens permanecia a mais vantajosa, recaindo
exclusivamente sobre a firma estrangeira as possíveis consequências
pelo inadimplemento do compromisso assumido.

Quanto à diferença de R$ 7.565.100,00 (sete


milhões, quinhentos e sessenta e cinco mil e cem reais; R$
242.247.500,00 - R$ 234.682.400,00), elucida que houve recolhimento
do montante de R$ 7.408.983,87 (sete milhões, quatrocentos e oito
mil, novecentos e oitenta e três reais e oitenta e sete ce ntavos) ao
erário.

A diferença de R$ 156.116,13 (cento e cinquenta e


seis mil, cento e dezesseis reais e treze centavos), somada aos R$
8.578,27 (oito mil, quinhentos e setenta e oito reais e vinte e sete
centavos) de rendimentos oriundos de aplicação financeira, atingiu R$
164.694,40 (cento e sessenta e quatro mil, seiscentos e noventa e
quatro reais e quarenta centavos), destinados à quitação das seguintes
despesas:
(i) R$ 5.148,00 (cinco mil e cento e quarenta e oito
reais), relativos a taxas pagas ao SISCOMEX, por
24 (vinte e quatro) declarações de importação,

45
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

no valor unitário R$ 214,50 (duzentos e catorze


reais e cinquenta centavos);

(ii) R$ 145.634,40 (cento e quarenta e cinco mil,


seiscentos e trinta e quatro reais e quarenta
centavos), referentes a pagamento de
armazenagem no Aeroporto de Guarulhos;

(iii) R$ 13.362,00 (treze mil e trezentos e sessenta e


dois reais), relativos ao atendimento de decisão
judicial determinando o bloqueio desse montante,
nos autos de ação promovida por Ana Lais
Socorro de Lima, em trâmite perante o d. Juízo
da 3ª Vara de Santa Fé do Sul (Processo n°
4888320208260541);

(iv) R$ 550,00 (quinhentos e cinquenta reais), para


pagamento de duas taxas de fechamento de
câmbio.

Informa que a Air Waybill n° 999-74795803, com


destino ao aeroporto de Guarulhos, da qual decorreu o pagamento de
US$ 14.000.000,00 (catorze milhões de dólares americanos), em 27 de
abril de 2020, correspondente a 70% do valor de remessa do primeiro
lote de 500 (quinhentos) ventiladores Eternity SH-300, encontra-se
juntada às fls. 286/288 dos autos administrativos.

Sob alegação de que se tratava de período de intensa


busca global pelos aparelhos em comento, alterca observação de que
indícios apontariam que a Proforma Invoice da Hichens Harrison
constituiria "peça ficcional", pelo que entregues, ao final, os 1.280 (um
mil, duzentos e oitenta) equipamentos ao Estado de São Paulo, oriundos
da China.
46
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

Notabiliza a instauração de procedimento


sancionatório contra a Hichens, que se encontra sujeita à penalidade de
suspensão temporária de licitar e de contratar com a Administração, pelo
prazo de 1 (um) ano, sem prejuízo da obrigação de recomposição do
desequilíbrio econômico do contrato, conforme orientação traçada no
Parecer n° 88/2020, aprovado pela Procuradora Geral do Estado Adjunta.

Tão logo exaurida mais essa oportunidade para


exercício do contraditório, iniciou-se a 2° rodada de instrução:

2° RODADA DE INSTRUÇÃO (PARECERES)

PROCESSO TC ÁREA DATA EVENTO (S)

Assessoria Técnico-Jurídica 30/06/2021 227


13441.989.20-9 Procuradoria da Fazenda do Estado 08/07/2021 229
Ministério Público 30/07/2021 232
Assessoria Técnico-Jurídica 30/06/2021 201
13562.989.20-2 Procuradoria da Fazenda do Estado 08/07/2021 203
Ministério Público 30/07/2021 206
30/06/2021 258
Assessoria Técnico-Jurídica
28/02/2023 282
08/07/2021 260
12647.989.20-1 Procuradoria da Fazenda do Estado
08/03/2021 285
30/07/2021 263
Ministério Público
24/03/2023 288
Assessoria Técnico-Jurídica 30/06/2021 154
16384.989.20-8 Procuradoria da Fazenda do Estado 08/07/2021 156
Ministério Público 30/07/2021 159

Com base nos elementos disponíveis até esse estágio


processual, conclui a Assessoria Técnico-Jurídica, nos aspectos
econômico-financeiros, pela irregularidade da Proforma Invoice e dos atos
determinativos de despesas, e pelo conhecimento da execução contratual.

47
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

Procuradoria da Fazenda do Estado não se mostra


convencida da existência de vícios capazes de inquinar a contratação
direta.

No tocante à pesquisa de preços, acredita que a


Origem trouxe farto material comprobatório de que os preços obtidos
estiveram inseridos no contexto autorizante do artigo 4º-E, §1°, IV da
Lei n.º 13.979/2020, escolhida a menor das propostas oferecidas.

Observa que a estimativa (e não pesquisa) de preços


indicada no inciso VI do §1° do artigo 4º-E baseia-se em parâmetros
dispostos de modo alternativo.

Isto é, não se impõe ao gestor público, na


circunstância temporal e causal que justifica a contratação direta, uma
pesquisa analítica, pormenorizada ou profunda que seja potencialmente
capaz de retardar a aquisição de material, sob pena de que o próprio
objeto da contratação reste frustrado.

Postula que na contratação direta e especial ora em


perspectiva, o preço, disponibilidade de entrega e prazo são elementos
de peso equivalentes na cabeça do administrador, sobretudo quando
considerada a imprescindibilidade do equipamento para o enfrentamento
da crise sanitária instalada à época da tomada de decisão.

No seu juízo, a mera existência de referenciais


inferiores não possui estrita vinculação com a prática de sobrepreço.

Com efeito, o abrupto e imprevisível aumento da


demanda por insumos e EPIs não pôde ser absorvido pelos fornecedores,

48
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

havendo notícias até do rompimento de cadeias produtivas, mercê da


paralização do setor industrial.

Mais do que isso, persevera que o choque de


demanda/oferta dos produtos torna os referenciais obtidos por ocasião de
períodos de normalidade inaproveitáveis para efeitos de avaliação
paramétrica de preços.

Agrega à ponderação as peculiaridades pontuais


decorrentes da disponibilidade quantitativa de estoque e prazo de
entrega que alteram a sensibilidade de preços não regulados por órgão
oficial.

Em relação à escolha do fornecedor, não vislumbra


dúvida de estar-se diante de hipótese de contratação direta por dispensa
de licitação autorizada pelo artigo 4º da Lei nº 13.979/2020.

Segundo comenta, dentre os diversos requisitos


dispostos pela Lei para a contratação nessas condições, não há
exigência de justificativa de escolha do contratado.

Inexistiria espaço, nessa quadra interpretativa, de


pretender invocar princípios jurídicos genéricos para afastar a aplicação
de regras explícitas e específicas, forjadas ao momento conturbado em
que se processou a contratação.

Portanto, havendo compatibilidade de preços e


adequação do material, à míngua de impedimentos ou suspeições,
qualquer pessoa jurídica poderia ser contratada.

49
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

Daí rebater que as divergências terminológicas na


definição do objeto não parecem ter sido suficientes para inutilizar a
comparação dos equipamentos adquiridos com outros congêneres.

A diligência do administrador público esperada pelos


órgãos de instrução afigura-se, em sua ótica, dissociada dos momentos de
angústia e extrema responsabilidade inerentes à avaliação contemporânea
dos problemas enfrentados, fugindo ao alcance do artigo 22 LINDB.

Relativamente à intermediação de representante


comercial, considera-a prática comum e, in casu, escoltada por esforços
interorganizacionais, com arregimentação até mesmo de agentes públicos
lotados no exterior, alheios aos quadros da Secretaria de Saúde.

A propósito, ressai não haver evidências cabais de que


da prática tenha resultado alguma ilegalidade, obedecido o procedimento
excepcional previsto na Lei nº 13.979/2020.

No mais, subtrai do Tribunal de Contas a prerrogativa


de cogitar como se deram as negociações entre os atores comerciais, pois
qualquer reflexo imediato não estaria dentro da esfera de sua
competência constitucional.

Se porventura constatadas impropriedades a respeito,


propõe seja a matéria submetida à ciência do Ministério Público Estadual.

Por fim, ao abordar falhas na execução contratual,


remete às justificativas da Origem, em que se noticia a existência de
procedimento sancionatório em curso, com propósito de apurar eventuais
desequilíbrios econômicos em favor do Estado.

50
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

Sem divergir substancialmente do parecer da


Assessoria Técnica, o Ministério Público opina pela irregularidade da
dispensa de licitação e pelo conhecimento da execução contratual, e
pugna pela procedência das representações, sem embargo do
acompanhamento do deslinde das medidas adotadas em face da
Contratada.

Segundo conclui o Parquet, os resultados obtidos


colocam em xeque o empenho da Secretaria do Estado da Saúde em
conduzir pesquisa prévia de preços condizente, além de apontar ao
favorecimento da Hichens Harrison, que falsamente prometia a entrega
do objeto contratado em prazo exíguo.

Pendentes substratos probatórios essenciais ao


saneamento dos autos, houve nova convocação dos interessados para
manifestação acerca dos seguintes pontos (evento 237 – TC-013441.989.20-9):

(i) Escolha da sede internacional do fornecedor, a


despeito da existência de representação formal
da contratada em território nacional;

(ii) Dúvida quanto ao involuntário extravio da


primeira remessa, alegado nas contestações, ou
ao indevido encaminhamento das mercadorias à
sede da contratada nos Estados Unidos;

(iii) Falta de apresentação de atestados de


“recebimento” e inexistência de “documentos
comprobatórios de controle do serviço
prestado”;

51
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

(iv) Deslinde do expediente punitivo instaurado em


desfavor da contratada.

Em resposta, ingressaram: (i) Adhemar Dizioli


Fernandes (Ex-Coordenador da Coordenadoria Geral de Administração);
a (ii) a Coordenadoria Geral de Administração; e a (iii) Hichens
Harrison.

3° RODADA DE JUSTIFICATIVAS

PROCESSO TC INTERESSADO (A) DATA EVENTO (S)

Adhemar Dizioli Fernandes (Ex-Coordenador


10/05/2022 244
da Coordenadoria Geral de Administração)
13441.989.20-9
Coordenadoria Geral de Administração (CGA) 11/05/2022 247
Hichens Harrison Capital Partner LLC 16/05/2022 249
Adhemar Dizioli Fernandes (Ex-Coordenador
- -
da Coordenadoria Geral de Administração)
13562.989.20-2 25/05/2022 222
Coordenadoria Geral de Administração (CGA)
27/06/2022 224
Hichens Harrison Capital Partner LLC - -
Adhemar Dizioli Fernandes (Ex-Coordenador
- -
da Coordenadoria Geral de Administração)
12647.989.20-1
Coordenadoria Geral de Administração (CGA) 1°/06/2023 304
Hichens Harrison Capital Partner LLC - -
Adhemar Dizioli Fernandes (Ex-Coordenador
- -
da Coordenadoria Geral de Administração)
16384.989.20-8
Coordenadoria Geral de Administração (CGA) 27/05/2022 178
Hichens Harrison Capital Partner LLC - -

Adhemar Dizioli Fernandes (Ex-Coordenador da


Coordenadoria Geral de Administração) relata que a oferta dos
equipamentos com prazo reduzido só foi possível em razão da
localização da Hichens Harrison (Orlando, Flórida, EUA), representante
com larga experiência em comércio exterior das fabricantes dos
respiradores AX-400 e SH-300 no Brasil.
52
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

Delineia que a AWB nº 999-74795803, de 28 de abril


de 2020, destinava-se a São Paulo, não havendo falar em
encaminhamento indevido das mercadorias à sede da contratada nos
Estados Unidos da América, muito menos remessa ao Aeroporto de
Nova Iorque, ponto completamente fora da rota.

Aclara que a responsabilidade exclusiva pelo


despacho indevido da mercadoria recai sobre a empresa privada.

Os demais equipamentos chegaram a São Paulo,


conforme atestam os termos de recebimento, declarações respectivas e
o cronograma de pagamentos e embarques.

Com remissão aos procedimentos administrativos


SES-PRC-2020/25629 e SES-PRC-2020/16884, anuncia a penalização
da Hichens Harrison com: (i) suspensão temporária de participação em
licitação e impedimento de contratar com a Administração, pelo prazo
de 1 (um) ano; e (ii) obrigação de ressarcir o Estado no valor de R$
1.358.817,30 (um milhão, trezentos e cinquenta e oito mil, oitocentos e
dezessete reais e trinta centavos).

Diante da ausência de pagamento da quantia devida


pela empresa, noticia a propositura de Ação de Ressarcimento ao Erário
pela Procuradoria Geral do Estado (Processo nº 1049952-
34.2021.8.26.0053), ainda em fase citatória.

A Coordenadoria Geral de Administração registra


que houve o recebimento, no âmbito da Administração Estadual, de
correspondência eletrônica transmitida pelo Senhor Basile George

53
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

Pantazis, acompanhada de Proforma Invoice assinada pelo presidente da


Hichens Harrison, Peter A. Leite, seguindo-se, em momento posterior, a
expedição da competente nota de empenho.

Reconta que, em face da escassez de ventiladores


pulmonares e da notória urgência da sua aquisição, só restou à Pasta
recorrer ao mercado externo e agarrar-se à oportunidade de
formalização da avença com a Hichens Harrison, o que acabou se
concretizando sob pena de que outro interessado viesse a fazê-lo, com
inegável e irreversível prejuízo à população paulista.

No que pertine à "representação formal da


contratada em território nacional", declara que, procedendo-se à busca
na internet, foi localizada a empresa "Hichens Harrison Consultoria
Financeira Ltda.", cujas atividades não abrangeriam a representação da
Hichens sediada nos Estados Unidos ou o comércio de itens médico-
hospitalares.

Quanto ao "extravio" da primeira remessa de


aparelhos, apregoa que, expedido o documento de conhecimento de
transporte aéreo AWB n° 999-74795803, relativo ao fornecimento de 500
(quinhentos) ventiladores Eternity SH-300, a CGA encaminhou, em 5 de
maio de 2020, o Ofício CGA nº 212/2020, convocando a empresa a
prestar justificativas.

Em correspondência datada de 6 de maio de 2020 a


Hichens atribuiu a mora a dificuldades logísticas. Para mais
esclarecimentos, seguiu à Contratada o Ofício GS nº 1.397/2020, de 8
de maio de 2020, solicitando esclarecimentos sobre o local onde

54
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

estariam custodiados os equipamentos e indagando quanto à ocorrência


de possível evento desconstituindo o embarque documentado.

Havia dúvidas se a carga pendia de desembaraço em


Pequim (China), ou se os aparelhos teriam sido liberados em Nova Iorque
e estariam retidos em território norte americano. Resposta da empresa
limitou-se a informar de que as máquinas "não foram localizadas".

Menciona que, em 28 de abril de 2020, o sócio da


Contratada, Fabiano Kempfer, encaminhou correspondência eletrônica à
CGA transmitindo, dentre outros documentos, o intitulado "Comunicação
de Envio de Carga - Lote 001 – SH-300/500pc5", subscrito pelo
presidente da empresa, Peter A. Leite:

O número do air waibill (awb) é 999-74795803.


(...)
Devido a pandemia global causada pela Covid-19
ocorreram diversas mudanças nos procedimentos
convencionais de logística. O envio das máquinas será
dividido em dois trechos e voos. Na primeira etapa a
mercadoria foi embarcada no voo CA 633 de Bejing
(PEK) para Nova Iorque (JFK). Decolagem prevista
para as 11:40 em horário chinês do dia 29 de abril.
Será gerado novo código de rastreamento após
embarque da mercadoria e decolagem do voo do
Aeroporto JFK para o Aeroporto de Guarulhos. Assim
que recebermos o novo código enviaremos para a
Secretaria - ASAP. Todas medidas logísticas foram
adotadas para agilizarmos ao máximo o envio das
máquinas.

Relata que, embora conste da AWB a indicação de voo


e data diversos dos apontados na correspondência da Hichens Harrison,
o conteúdo desta última denota que a Contratada, por estratégia
logística, optou por transportar a carga em dois voos, correspondendo o
primeiro ao trecho Pequim/Nova Iorque.
55
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

Ao apresentar a relação dos bens adquiridos, as


respectivas datas de entrega e licenças de importação correlatas, propala
que, com a superveniência da repactuação contratual e consequente
revisão dos prazos de entrega e do quantitativo inicial de aparelhos, o
adiantamento de 30% do valor originário do ajuste (envol vendo o
fornecimento de 3.000 unidades), somado à quantia equivalente a 70%
do valor referente ao primeiro embarque de aparelhos com destino (final)
ao Aeroporto de Guarulhos - cujo extravio foi noticiado pela Hichens -
correspondeu à quitação integral dos 1.280 (um mil, duzentos e oitenta)
equipamentos ao cabo adquiridos.

Assegura que o procedimento sancionatório culminou


na imposição da penalidade de suspensão temporária de licitar e de
contratar com a Administração, pelo prazo de 1 (um) ano, com fulcro no
artigo 58, IV, da Lei n° 8.666/1993 c/c a previsão contida no subsequente
artigo 87, III, daquele diploma, sem prejuízo da obrigação de recompor o
desequilíbrio econômico do contrato, resultante da mora.

Hichens Harrison ratifica que não possui nenhuma


relação com a “Hichens Harrison Consultoria Financeira Ltda.” e que o
extravio da primeira remessa de respiradores não resultou em prejuízos
financeiros ao Estado de São Paulo, uma vez que entregas posteriores
supriram o quantitativo.

Com a inovação do panorama processual, sobreveio


outra rodada de instrução:

3° RODADA DE INSTRUÇÃO (PARECERES)

PROCESSO TC ÁREA DATA EVENTO (S)

56
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

3° RODADA DE INSTRUÇÃO (PARECERES)

PROCESSO TC ÁREA DATA EVENTO (S)

Assessoria Técnico-Jurídica 28/02/2023 257

013441.989.20-9 Procuradoria da Fazenda do Estado 08/03/2023 260

Ministério Público 24/03/2023 263

Assessoria Técnico-Jurídica - -

013562.989.20-2 Procuradoria da Fazenda do Estado - -

Ministério Público - -

Assessoria Técnico-Jurídica - -

012647.989.20-1 Procuradoria da Fazenda do Estado 15/06/2023 312

Ministério Público 21/06/2023 315

Assessoria Técnico-Jurídica 28/02/2023 180

016384.989.20-8 Procuradoria da Fazenda do Estado 08/03/2023 183

Ministério Público 24/03/2023 186

Sem pestanejar, a Assessoria Técnico-Jurídica


(Economia) reitera posicionamento pretérito, por depreender que as
alegações aduzidas pelos interessados apenas contribuem para reforçar o
convencimento de que a aquisição foi levada a efeito de forma irregular.

Tendo por procedentes as Representações intentadas,


remata, quanto ao mais, pela irregularidade da dispensa, porém pelo
conhecimento da execução contratual, excetuado o deslinde do
procedimento sancionatório instaurado em desfavor da Contratada.

Procuradoria da Fazenda do Estado, com esteio no


artigo 9°, parágrafo único, da Lei Estadual n° 10.177/97, sem divisar
evidências de desvios de finalidade, sobrepreço ou prejuízo quantificado
ao erário, perfila-se aos novos esclarecimentos para, em reforço e
reiteração integral dos argumentos dantes expostos, pugnar pela

57
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

regularidade jurídico formal da contratação direta e improcedência das


Representações.

Na concepção do Ministério Público, ainda que se


considerasse o quadro de emergência sanitária que assolava o país, do
qual indiscutivelmente derivavam reflexos indesejáveis, tanto na
demanda e disponibilidade de produtos/serviços, quanto nos preços
praticados pelo mercado, é certo que cabia à Administração se cercar de
todos os cuidados possíveis para fazer bom uso dos recursos públicos.

Tamanha cautela abarcaria a utilização de amplas


pesquisas de preços e negociação de valores diretamente com os
fornecedores visando economia de escala, sem prejuízos, por certo, da
devida prestação de contas.

Amparado por essa linha de raciocínio, o Parquet


corrobora posicionamento antecedente, insistindo na irregularidade da
Dispensa de Licitação n° 50/2020 e procedência das Representações.

No meio-tempo dessa rodada de instrução, a


Fiscalização realizou o 2º acompanhamento da execução contratual, em
12 de maio de 2022, desta feita isento de apontamentos de
irregularidades (evento 227.3 - TC-013562.989.20-2).

Depois, realizou o 3º acompanhamento, em 14 de


dezembro de 2022, em 131 (cento e trinta e uma) unidades de saúde,
contando com o apoio de Agentes da Fiscalização de nove Diretorias e
vinte Unidades Regionais, com vistas a identificar o recebimento e
incorporação patrimonial dos ventiladores pulmonares e de anestesia e,
ainda, informar se estavam sendo utilizados.

58
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

No total, a diligência contemplou o destino de 580


(quinhentos e oitenta) aparelhos (de um total de 1.280 adquiridos), com
329 (trezentos e vinte e nove) do modelo “SH-300 - Ventilador Pulmonar”
e 188 (cento e oitenta e oito) equipamentos do modelo “AX-400 -
Ventilador para Anestesia”.

Conclusão dos trabalhos expôs as seguintes anomalias


(evento 235.137 - TC-013562.989.20-2):

i. 42 (quarenta e dois) aparelhos não localizados na


lista atualizada encaminhada pela Secretaria da
Saúde, demonstrando falta de controle;
ii. Grande número de aparelhos em manutenção
(72 dos 580 equipamentos fiscalizados) e
diversos outros recebidos sem os acessórios
necessários para funcionamento;
iii. Apenas 43 (quarenta e três) dos 580 (quinhentos
e oitenta) equipamentos estavam em uso no
momento da inspeção, pois não seriam
apropriados ou teriam qualidade inferior ao
maquinário pré-existente na unidade;
iv. 49 (quarenta e nove) das 188 (cento e oitenta e
oito) unidades fiscalizadas do modelo “AX400 -
Ventilador para Anestesia” nunca foram
utilizadas, mesmo nos momentos mais críticos
da pandemia, por problemas técnicos ou falta de
demanda em determinada unidade de saúde,
resultando em prejuízo financeiro da ordem de
R$ 5.227.026,00 (cinco milhões, duzentos e
vinte e sete mil e vinte seis reais).

59
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

Em decorrência dos novos apontamentos, houve a


concessão de prazo comum aos interessados e aporte de justificativas
provenientes da (i) Contratada, de (ii) Adhemar Dizioli Fernandes (Ex-
Coordenador da Coordenadoria Geral de Administração) e da (iii)
Coordenadoria Geral de Administração.

4° RODADA DE JUSTIFICATIVAS

PROCESSO TC INTERESSADO (A) DATA EVENTO (S)

Adhemar Dizioli Fernandes (Ex-Coordenador


1°/06/2023 288
da Coordenadoria Geral de Administração)
13441.989.20-9
Coordenadoria Geral de Administração (CGA) 1°/06/2023 290
Hichens Harrison Capital Partner LLC - -
Adhemar Dizioli Fernandes (Ex-Coordenador 05/05/2023 274
da Coordenadoria Geral de Administração) 1°/06/2023 279
13562.989.20-2 05/05/2023 273
Coordenadoria Geral de Administração (CGA)
10/05/2023 277
Hichens Harrison Capital Partner LLC 16/03/2023 251
Adhemar Dizioli Fernandes (Ex-Coordenador
- -
da Coordenadoria Geral de Administraçã o)
12647.989.20-1
Coordenadoria Geral de Administração (CGA) - -
Hichens Harrison Capital Partner LLC - -
Adhemar Dizioli Fernandes (Ex-Coordenador
- -
da Coordenadoria Geral de Administração)
16384.989.20-8
Coordenadoria Geral de Administração (CGA) 1°/06/2023 203
Hichens Harrison Capital Partner LLC - -

Manifestando-se no feito da execução a Hichens


limita-se a dizer que os apontamentos elaborados não estão inseridos em
seu plexo de responsabilidades, representando discussões relacionadas à
organização hospitalar paulista.

Tanto assim que a própria equipe de Fiscalização


utilizou-se de lista fornecida pela Secretaria de Estado da Saúde para a

60
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

tentativa de localização dos aparelhos, não impugnando, em nenhum


momento, os quantitativos fornecidos pela empresa.

Informa que entregou os aparelhos completos em


pleno funcionamento, não tendo havido recusa pelas autoridades a esse
respeito – não lhe sendo imputável, portanto, a responsabilidade pela
alegada irregularidade na execução do contrato.

Adhemar Dizioli Fernandes (Ex-Coordenador da


Coordenadoria Geral de Administração) informa que o Ministério Público
Federal requereu o arquivamento do Inquérito Policial nº 5003584-
17.2021.4.03.6181, em que se investigava a potencial prática do crime
de lavagem de dinheiro e ocultação de bens/valores, tipificado no artigo
1º da Lei nº 9.613/98, por agentes públicos do Estado de São Paulo e
pelos representantes da empresa Hichens Harrison Capital Partners LLC.

No mais, o agente limita-se a afirmar que o


quantitativo de aparelhos constante no relatório fiscalizatório estava
equivocado, pois, somando-se os (aparelhos) não localizados nas
unidades visitadas, o número seria de 32 (trinta e dois), e não 42
(quarenta e dois).

13. Assim, considerando-se que a última entrega de


equipamentos somente se efetivou em 05 de agosto
de 2020, conforme documento colacionado em
Evento 222.3 destes autos, e que os apontamentos
supracitados se referem exclusivamente ao
gerenciamento dos equipamentos e à destinação que
lhes foi dado, resta absolutamente claro que este
Peticionário não possui qualquer ingerência no
tocante à matéria porque, inclusive, não oc upava
mais função na coordenadoria, não havendo qualquer
apontamento que alcance o período em que o
Peticionário fora o Coordenador da CGA.

[...]

61
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

15. Deste modo, é de extrema relevância que se


compreenda que a atuação do Peticionário no
enfrentamento da pandemia de COVID-19 deu-se na
verificação da existência de demanda extraordinária
por respiradores e outros materiais de saúde, o
planejamento e aquisição destes equipamentos por
meio de importação e a efetiva programação de sua
distribuição às unidades de saúde para atendimento
do interesse público almejado.

16. Não pode, contudo, ser responsabilizado pela


ausência de destinação adequada desses aparelhos
no âmbito das unidades de saúde ou pela falta de
controle dessas mesmas unidades na transferência de
equipamentos, visto que extrapolavam a sua esfera
de gestão/coordenação. O mesmo se aplica para as
funções de fiscalização, que não integram o rol de
atribuições do Coordenador.

[...]

21. Todavia, o que se pode perceber, é que a planilha


encaminhada à Fiscalização é, na verdade, compilado
das informações de distribuição dos ventiladores
pulmonares e de anestesia no momento do
recebimento dos produtos, que foi retirada dos autos
do processo administrativo, não compreendendo
qualquer status atualizado de suas lotações. Isso não
significa, no entanto, que a Secretaria Estadual de
Saúde não realize este controle.

22. A mera ausência de encaminhamento destas


informações, por um lapso, não permite que se
conclua que os equipamentos estão perdidos, não
localizáveis ou extraviados. Pelo contrário, todas as
unidades hospitalares puderam informar a lotação
exata de cada aparelho, inclusive entregando para os
agentes toda a documentação necessária para
comprovação.

23. Não se olvide, ainda, que foram realizadas


visitações em 131 (cento e trinta e uma) unidades de
saúde, de modo que é natural que estas tomem
tempo e que, desde o acesso à planilha até a efetiva
fiscalização, haja movimentação de equipamentos,
seja para outras unidades, seja para manutenção,
não tendo sido incluído pelos agentes, no entanto, as
datas da realizaç ão das visitas para avaliação. (TC-
013562.989.20-2; evento 274; p. 10/13)

A Coordenadoria Geral de Administração, em


suma, recapitula o encadeamento dos eventos e reafirma que a
62
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

modelagem utilizada na dispensa de licitação fundamentou-se em


robusta justificativa, pertinente e com viabilidade prática e técnica do
procedimento adotado, o que resultou em contratação indiscutivelmente
necessária, que, à época, vislumbrava ser globalmente a mais vantajosa
– sob os prismas econômico, operacional, finalístico etc.

Reportando-se à execução, afiança que a divergência


quantitativa apontada foi esclarecida de imediato, posto que a localização
dos bens é certa e rastreada com facilidade, muito embora, em alguns
casos, a transferência tenha ficado sem a regular notificação à
Coordenadoria responsável pela sua gestão.

Em que pesem os apontamentos, a visita ordenada do


Tribunal serviu para demonstrar que todos os dispositivos selecionados
existem e contam com adequada distribuição funcional e espacial.

A conclusão dos autos para julgamento final impôs


última rodada de instrução:

4° RODADA DE INSTRUÇÃO (PARECERES)

PROCESSO TC ÁREA DATA EVENTO (S)

Assessoria Técnico-Jurídica - -
13441.989.20-9 Procuradoria da Fazenda do Estado 15/06/2023 298
Ministério Público 21/06/2023 301
Assessoria Técnico-Jurídica - -
13562.989.20-2 Procuradoria da Fazenda do Estado 15/06/2023 286
Ministério Público 21/06/2023 289
Assessoria Técnico-Jurídica - -
12647.989.20-1 Procuradoria da Fazenda do Estado - -
Ministério Público - -
Assessoria Técnico-Jurídica - -
16384.989.20-8 Procuradoria da Fazenda do Estado 15/06/2023 211
Ministério Público 21/06/2023 214

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TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

Em conclusivo, a Procuradoria da Fazenda do


Estado reafirma que a Origem desempenhou sua obrigação legal de
socorrer à calamidade pública em curso no momento da contratação.

Para a formação de opinião sobre os acontecimentos,


considera relevantes as reportagens a respeito das pressões sobre o
sistema de saúde, máxime naqueles primeiros trágicos momentos da
pestilência, e as circunstâncias comerciais então instáveis no exterior.

Ratificando manifestações prévias, opina pela


regularidade da contratação, conhecimento da execução contratual e, via
de consequência, pela improcedência das representações.

Mesmo diante dos novos argumentos deduzidos, o


Ministério Público crê não ter aportado aos autos documentação
comprobatória da alocação dos aparelhos nas respectivas unidades.

Tanto que a própria Secretaria, em sua defesa


acostada no evento 273.1 do TC-013562.989.20-2, afirma que "[...]
passará ao monitoramento mais diligente", pedindo que o apontamento
seja alçado ao campo das recomendações.

Enfatiza a informação, vinda das próprias unidades de


saúde, de que os aparelhos vieram sem peças importantes para o seu
funcionamento, ocorrência que denota falha no recebimento, já que o
maquinário deveria ter sido de plano rejeitado.

Na forma como conduzido, no mínimo, houve falhas no


planejamento, posto que adquiridos equipamentos que, a princípio, não
seriam necessários em sua totalidade, causando danos ao erário face à

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GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

inarredável obsolescência trazida pelo decurso do tempo e pela


ociosidade.

Por todo o exposto, o órgão ministerial corrobora seus


posicionamentos pretéritos, firmando pela irregularidade da dispensa de
licitação e do contrato, e procedência das representações.

Revendo posicionamento acerca da execução


contratual, sugere, agora, a decretação de sua irregularidade.

Eis o quadro final da fase instrutória:

ASSESSORIA PROCURADORIA
MINISTÉRIO
PROCESSO ATO (S) 9ª DF TÉCNICO- DA FAZENDA DO
PÚBLICO
JURÍDICA ESTADO
Dispensa de
Licitação n° 50/2020
13441.989.20 Irregularidade
Proforma Invoice Irregularidade Regularidade Irregularidade

13562.989.20 Execução Contratual Conhecimento

Representação
intentada pelo
12647.989.20 Procedência
Senador Sérgio
Olímpio Gomes
Procedência Improcedência Procedência
Representação
intentada pelo Sem
16384.989.20
Ministério Público de manifestação
C ontas

É o que havia a relatar.

GCECR
DMC

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GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

TC-013441.989.20-9
TC-013562.989.20-2
TC-012647.989.20-1
TC-016384.989.20-8

VOTO

Enquanto evento absolutamente imprevisível e de


consequências gravosas, a proliferação da Covid-19 tornou, por óbvio,
lógica e juridicamente inviável o implemento de determinados requisitos
legais ajustados a estações de normalidade.

Talvez nunca tenha havido circunstância mais singular


e que só fez reverberar um cânone da veia programática da Constituição
de 1988, de que a Saúde é direito fundamental essencialmente ligado à
dignidade da pessoa humana e que compõe o mínimo existencial,
competindo ao Estado garanti-la mediante políticas sociais e econômicas
que visem à redução do risco de doença e de outros agravos, bem assim
ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação (art. 196, CRFB/88).

Sensível às dificuldades do período anômalo, esta


Corte, no legítimo exercício de seu papel orientador, cuidou de emitir
diretrizes, dentre as quais a Nota Técnica SDG n° 155, com parâmetros
mais versáteis para exame das contas das administrações financeiras
dos municípios relativas ao exercício 2020.

Quer parecer, de forma tácita a iniciativa prenunciava


a todo o público jurisdicionado que nem sempre haveria espaço para que
se adquirissem bens pelos meios ordinários, sem prejuízo à saúde pública
que se encontrava sob ameaça de iminente colapso.

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TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

Descendo ao plano tangível dos autos, vê-se que os


sujeitos processuais, ao invés de veicularem protestos genéricos, atuaram
em sinergia com os órgãos técnicos e opinativos em prol do debate,
enriquecendo-o em qualidade e abrangência, por forma a emprestar
fôlego vital ao deslinde da querela, cuja conclusão, vale antecipar,
perfilha aparente razoabilidade da ação do Governo de São Paulo.

Recapitulação do caminho intraprocessual para se


chegar a essa conclusão inspira concisa retrospectiva dos eventos, a fim
de buscar subsídios embrionários do tema, suficientes para melhor
esquadrinhar o retrato do momento.

O ano era 2020, e a pretexto do cenário excepcional


da pandemia de Covid-19, o Ministério da Saúde declarou Emergência
em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) por meio da Portaria
nº 188, de 3 de fevereiro.

Sem delonga, fora promulgada, em seguida, a Lei nº


13.979, de 6 de fevereiro de 2020, trazendo medidas para lidar com o
desabastecimento e o caos social recém instaurado.

Entre as providências inicialmente anunciadas, com


reflexo direto sobre as contratações públicas, fora dispensada a licitação
para aquisição de bens, serviços e insumos de saúde destinados ao
enfrentamento da ESPIN, pelo tempo que se fizesse necessário para
refrear o alastramento do agente patogênico.

Pouco depois, a Medida Provisória nº 926, de 20 de


março de 2020, alterando a Lei nº 13.979/2020, detalhou como dar-se-
iam tais procedimentos.
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Na sequência, adveio a Medida Provisória nº 951, de


14 de abril de 2020, que trouxe a ampliação do estratagema, liberando,
por exemplo, a utilização do Sistema de Registro de Preços SRP nas
dispensas autorizadas sob o manto da Lei nº 13.979/2020.

Além dos diplomas normativos federais, foram


editados, no âmbito do Estado de São Paulo, o Decreto n° 64.879, de 20
de março, e o Decreto Legislativo n° 2.493, de 30 de março de 2020, que
reconheceram o estado de calamidade pública em âmbito local.

Mais tarde, o Programa Federativo de Enfrentamento


ao Coronavírus SARS-CoV-2 (Covid-19), que viria ser instaurado pela Lei
Complementar nº 173, de 27 de maio de 2020, intensificou sobremaneira
a busca por insumos para a área da saúde.

No cenário internacional, ante o recrudescimento do


quadro, os países partiram em desabalada carreira na busca por
fabricantes para suprir estoques de artigos médicos como máscaras, luvas
e respiradores, o que acentuou a já acirrada competição para a compra
dos insumos, com relatos midiáticos quase que diários noticiando medidas
drásticas, como o "desvio" de equipamentos pelos EUA.

Contrariando a logicidade do mercado não monopolista


em tempo de normalidade, a competição passou a se dar não entre os
fornecedores, mas entre compradores.

Como parte da política de gestão da crise do governo


então instalado, a União determinou a requisição da totalidade dos
respiradores já produzidos e disponíveis para pronta entrega e a
totalidade da produção dos fabricantes até 21 de outubro de 2020, por
meio do Ofício nº 72/2020/DLOG/SE/MS (evento 247.2 – TC-013441.989.20-9).
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Em virtude da articulação ineficiente entre União e


figuras locais, o ente federal promoveu a centralização do controle da
oferta de respiradores, sem a concomitante implementação de distribuição
transparente e organizada, o que, por via colateral, agravou o cenário de
escassez dos insumos na esfera dos estados e municípios.

Houve, nesse ínterim, a escalada exponencial do surto,


agravando a dificuldade de acesso e promovendo a alteração substancial
dos preços dos escassos recursos disponíveis.

De forma tangencial, o Estado de São Paulo até tentou


a aquisição direta de respiradores junto a empresas nacionais,
malogrando, entretanto, seja pelas consequências trazidas pelas citadas
medidas federais, seja em razão do longo prazo para entrega dos
equipamentos, de per si e considerado o período de restrição imposto pelo
fatídico Ofício nº 72/2020/DLOG/SE/MS.

Externando intuito de adquirir respiradores no mercado


nacional, a Secretaria de Estado da Saúde publicou, em 8 de abril de
2020, aviso de Chamamento Público mediante o qual convocava empresas
interessadas em fornecer, por meio de contratação direta e emergencial, a
entrega de ventiladores pulmonares em até 15 (quinze) dias.

Com a deserção desse certame, partiu-se, então, ao


além-mar, principiando com a coleta de orçamentos junto ao segmento
especializado.

De início, a Secretaria de Estado da Saúde enviou 11


(onze) requerimentos a renomadas firmas do ramo, após o que obteve em
retorno 7 (sete) ofertas que atendiam à necessária especificação

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técnica, segundo diretivas traçadas por associações médicas nacionais e


internacionais (evento 1.4 - TC-013441.989.20-9).

PRAZO DE
EMPRESA ITEM OFERTADO VALOR UNITÁRIO
ENTREGA
Ventilador pulmonar 51-11300,
ventilador para uso em unidade
de tratamento intensivo (uti), kit
de partida de acessórios
HICHENS Parcelado com
incluidos/modos de ventilação R$ 40.000,00
HARRISON início em 7 dias.
completos no kit
sw/umidificador/aha, iex, eua
tipos completos de kit de
acessórios de energia.

MAGNAMED Sem previsão de entrega.


A partir de 180
VYAIRE Ventilador IX5 R$ 66.107,27
dias.
OXYSYSTEM Sem estoque. Previsão para outubro/2020.
Ventilador evita v300
adulto/pediátrico/neonatal com
umidificador aquecido+circuito
DRAGER R$ 128.947,88 90 dias.
de
ventilador adulto+circuito de
ventilação pediátrico neonatal
Ventilador CARESCAPE R860
GE R$ 169.625,00 180 dias.
DISCOVERY
High performance mechanical
ventilators for intensive care Parcelado com
INFORMACION CAPITAL (com pressed air) - non invasive US$ 41,978.50 início em 10
- 50 hz, dias.
MODELO R50
INFORMACION CAPITAL Marca e modelo não identificados.

Ventilators for intensive care Parcelado com


INFORMACION CAPITAL (com pressed air) - invasive - US$ 51,247.52 início em 10
60HZ, MODELO VG70 dias.

CINOSERVICE Marca e modelo não informados.


Sem
21E VG7O US$ 138,946.00
informações.

Identificada como representante nacional de


respiradores das marcas Eternity e Comen (evento 217.7; p.21/27 – TC-

013441.989.20-9), a Hichens formulou proposta comercial ao Governo do


Estado de São Paulo, em 5 de abril de 2020, para a aquisição de 1.000
(um mil) unidades de ventiladores pulmonares COMEN AX-400, pelo custo

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unitário de US$ 20,000.00 (vinte mil dólares americanos) e de 2.000 (dois


mil) ventiladores pulmonares SH-300, pelo custo unitário de US$
40,000.00 (quarenta mil dólares americanos) (evento 1.20 - TC-013441.989.20-9).

Aceita a oferta nesses termos, em 13 de abril de


(14) (15)
2020, autorizada e ratificada a dispensa licitatória com
fundamento no artigo 4° da Lei n° 13.979/2020, a contratação
internacional atingiu o montante de US$ 100,000,00.00 (cem milhões
de dólares americanos) ou R$ 550.825.000,00 (quinhentos e cinquenta
milhões, oitocentos e vinte e cinco mil reais), a ser pago 30% (trinta
por cento) de forma antecipada, e o restante quando do recebimento de
cópia do aviso de embarque de mercadoria (Airway Bill), conforme a
remessa dos respiradores, fracionada em lotes semanais.

Dentro em pouco, guarnecidos apenas dois embarques


de mercadorias, alegadas adversidades logísticas relacionadas à pandemia
afetaram o fornecimento dos equipamentos pelas fábricas, bem assim a
liberação pela aduana e pelo próprio governo mandarim.

Ato contínuo, em 26 de maio de 2020 transcorreu a


equalização do ajuste (eventos 102.9 e 102.10 - TC-013441.989.20-9), com
consequente redução de quantitativos para 1.280 (um mil duzentos e
oitenta) aparelhos, e agendamento de novo cronograma, com termo final
posposto para 15 de junho de 2020, nisso computadas as cargas cujo
envio já estava em curso.

14Autorização concedida por Adhemar Dizioli Fernandes - Coordenador da Coordenadoria


Geral de Administração (evento 1.14 – TC-013441.989.20-9).
15Ratificação por Eduardo Barbin Chefe de Gabinete – Chefe de Gabinete da Secretaria de
Estado da Saúde à época (evento 1.15 – TC-013441.989.20-9).
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Naturalmente, o valor negociado retraiu para US$ 44


milhões de dólares americanos, correspondentes à quantia adiantada pelo
Governo de São Paulo, acrescida do montante pago quando da efetivação
dos primeiros embarques de equipamentos (14 e 27 de abril de 2020).

DESCRIÇÃO DATA VALOR (US$) VALOR (R$)


1º Pagamento 14/04/2020 30.000.000,00 155.490.000,00
2º Pagamento 27/04/2020 14.000.000,00 79.192.400,00
TOTAL 44.000.000,00 234.682.400,00
Fonte: evento 13.3 – TC -013562.989.20-2

Conforme constatado por ocasião da segunda avaliação


da execução contratual pela equipe técnica desta Corte, sucedida em 12
de maio de 2022, até 30 de julho de 2020, das 1.280 (um mil e duzentas
e oitenta) unidades adquiridas, já haviam sido entregues 1.250 (920 do
modelo SH-300 e 330 do AX-400), restando a entrega de 30 (trinta)
unidades do modelo AX-400, prevista para ocorrer no dia seguinte, 31 de
julho de 2020, no 24º embarque destinado ao aeroporto de Guarulhos.

Diante da conjuntura, no uso de suas atribuições


legais, o Secretário de Estado da Saúde, em 20 de janeiro de 2021,
decidiu aplicar à Hichens pena de suspensão temporária de participação
em licitação e impedimento de contratar com a Administração, pelo prazo
de 1 (um) ano, com fundamento nos artigos 58, V c/c 87, III, ambos da
Lei nº 8.666/1993.

A par da penalidade na alçada administrativa, a


decisão ainda secundou a obrigação civil de recomposição do
desequilíbrio econômico decursivo da mora.

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Em 6 de abril, o Governador do Estado, acolhendo


parecer da Assessoria Jurídica do Procurador Geral do Estado, negou
provimento ao recurso administrativo da empresa, preservada intacta a
decisão impugnada (evento 247.23 – TC-013441.989.20-9).

Pouco depois da instauração de procedimento interno


para rescisão do ajuste, em 17 de junho de 2020, ocorreu a entrega de
unidades faltantes em 24 de junho, exaurindo-se, com isso, a execução
do objeto, em prejuízo da pretensão dissolutiva e de restituição de saldo
de preço por parte da contratada, por superveniente falta de interesse na
medida (evento 217.25; p.16/31 – TC-014331.989.20-9).

Malgrado lhe tenha sido conferido prazo para


oferecimento de defesa, a empresa impetrou mandado de segurança. Em
cognição primária, a decisão judicial indeferiu o pleito liminar que
objetivava a suspensão, inaudita altera pars, do ato administrativo que,
no entender da impetrante, rescindira unilateralmente o contrato sem a
observância ao contraditório e à ampla defesa.

Interposto agravo de instrumento contra a decisão


denegatória proferida no bojo do MS, sobreveio decisão prolatada no palco
do E. Tribunal de Justiça, deferindo parcialmente o pedido de antecipação
de tutela, a fim de suspender os efeitos de eventual rescisão unilateral e
determinar à Administração a reabertura do prazo para defesa do
particular.

Finda a apuração interna e passado o bastão ao


Contencioso da Procuradoria Geral do Estado, remanescendo a
necessidade de recomposição da importância correspondente ao
descumprimento dos prazos acordados, foi proposta perante a 7ª Vara da

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Fazenda Pública da Comarca de São Paulo, em 12 de agosto de 2021,


ação de ressarcimento ao erário em face da Hichens Harrison (evento 203.21 –
TC-013441.989.20-9).

Autuada sob o nº 1049952-34.2021.8.26.0053, a


lide fixou o quantum debeatur no montante de R$ 1.358.817,30 (um
milhão trezentos e cinquenta e oito mil oitocentos e dezessete reais e
trinta centavos), com base no valor da locação diária dos aparelhos
entregues com atraso (R$ 1.358.817,30) (eventos 187.4 e 247.22 – TC-

013441.989.20-9), e atualmente cumpre fase citatória.

Indispensável, o introito municia texto e contexto ao


tema e permite a passagem à apreciação do mérito propriamente dito,
com proposição de critérios mínimos para lidar com a superabundância
de dados e separar fato e desinformação.

Mercê dessa magnitude, para fins de sistematização da


análise, o balanço processual pode ser segmentado em quatro grandes
tópicos: (i) motivação e procedimento; (ii) forma contratual; (iii) preço e
pagamento; (iv) entrega, repactuação e execução contratual.

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(I) MOTIVAÇÃO E PROCEDIMENTO

Independentemente do enredo, se natural ou imposto,


a perquirição da escorreita atuação administrativa, para se afigurar
minimamente sindicável, perpassa as vias da motivação e fundamentação,
com exposição cristalina sobre o que e como se operou, e quais os
objetivos visados a atingir-se.

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Ressalvadas situações teratológicas, a justificativa da


dispensa licitatória conduzida sob a égide da Lei n° 13.979/2020,
conforme dita o artigo 4°-B, alude à emergência presumida, necessidade
de pronto atendimento, existência de risco à segurança de pes soas e
limitação dos quantitativos à parcela necessária ao atendimento da
contingência.

Na esteira das circunstâncias que motivam


contratações da espécie, a autorização possui expresso amparo legal no
artigo 4ª da Lei n° 13.979/2020, ficando à valoração do ato priorizada a
legalidade, entre outros princípios catalogados no subsequente artigo 4°-K
(16)
.

Tal contemporização dimana do reconhecimento de


tratar-se de regime jurídico especialíssimo, dotado de regras e
procedimentos próprios, e que só deve ser complementado pelos
preceitos gerais dos artigos 24 a 26 da Lei n° 8.666/1993.

A bem da verdade, rápida pesquisa ao escólio


jurisprudencial demonstra que esta Corte já enfrentou várias contratações
diretas, tendo aquiescido com a emergência em situações certamente
mais humildes do que a que ora se examina, singularizada por momento
em que a coletividade paulista - cerca de 45 (quarenta e cinco) milhões
de habitantes, distribuídos em 645 (seiscentos e quarenta e cinco)
municípios -, premida pela extrema pressão dos meios de comunicação e

16
BRASIL. Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020.
Art. 4º-K. Os órgãos de controle interno e externo priorizarão a análise e a manifestação
quanto à legalidade, à legitimidade e à economicidade das despesas decorrentes dos
contratos ou das aquisições realizadas com fundamento nesta Lei.
Parágrafo único. Os tribunais de contas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na
aplicação das normas desta Lei, inclusive por meio de respostas a consultas.
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carente de respostas ágeis e confiáveis, abatia-se pelo terrível quadro de


óbitos que se assomava ao colapso da rede pública de saúde.

Ora, não é forçoso convir que, sob aquela tensão, a


falta dos insumos e a tardança em providenciá-los ocasionaria inúmeras
sequelas, dentre outras: afugentamento dos profissionais da área da
saúde; colapso na rede pública, inviabilizada de progressivamente
absorver os infectados, ocasionando foco de contaminações nas próprias
unidades hospitalares; aglomerações e filas de espera, em prejuízo do
atendimento aos pacientes do fluxo regular de outras doenças;
supervalorização abrupta e obtenção de equipamentos a preços
exorbitantes etc.

O pânico estava instalado entre a comunidade, ainda


mais pela similitude dos sintomas da Covid-19 com os de viroses gripais
corriqueiras, e, também, pelo aumento de ocorrências previstas para
acontecer com a chegada do outono/inverno de 2020, período em que
sabidamente as condições climáticas favorecem a proliferação viral.

Inegável, mais ainda, o potencial determinante a tal


resultado como efeito da penúria nacional e internacional pelo
fornecimento de ventiladores/respiradores.

No perímetro brasileiro, como dantes relatado, o


Ofício nº 72/2020/DLOG/SE/MS do Ministério da Saúde, por meio do
qual se requisitou aos fabricantes nacionais a totalidade de bens
produzidos e disponíveis para entrega, recrudesceu sobremaneira a
relação entre oferta e demanda de ventiladores pulmonares no mercado
interno.

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TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

Tanto houve esse deletério impacto, que o Estado de


São Paulo não logrou êxito no Chamamento Público em que sondava a
compra de ventiladores pulmonares produzidos no Brasil – instrumento
convocatório publicado em 8 de abril de 2020, sem adesão.

Enquanto isso, informações do Consulado-Geral do


Brasil em Xangai, compartilhada em 28 de abril de 2020, davam conta de
que, à época, muitos países intensificaram a compra de equipamentos
hospitalares fabricados na China, o que tornou o mercado extremamente
competitivo, e indicou a necessidade de ação rápida para concluir os
negócios, preferencialmente por meio de trading que facilitasse o
processo.

Comprovadas por tais evidências a escassez em


território nacional e as oportunidades no comércio exterior, o Executivo
paulista passou a estudar o fornecimento junto a parceiros estrangeiros.
Nem no tempo presente, no conforto da estabilidade, é plausível exigir-
lhe conduta diversa.

(17)
E embora o Ministério Público , em sua petição
inicial, promova indagações à prossecução dos atos da Dispensa de
Licitação n° 50/2020, o que, adiante, chegou até a gerar a desconfiança

17 Referindo-se à Dispensa de Licitação n° 50/2020, p MPC aduz que:


“Questiona-se, contudo, se tal urgência justifica a tramitação de um processo de dispensa de
licitação no aporte de aproximadamente R$ 500 milhões em apenas 1 (um) dia – incluindo
atitudes aparentemente temerárias como i) a assinatura do contrato um dia antes das
Justificativas Técnicas (que só então atestou o atendimento dos produtos adquiridos às
especificidades técnicas mínimas) e ii) o efetivo pagamento da quantia firmada a título de
antecipação um dia após a assinatura da Oferta e no mesmo dia do empenho do valor ,
antes mesmo da juntada do Parecer Jurídico específico da contratação, em 15/04/2020, e
da publicação da dispensa na Imprensa Oficial, que sobreveio somente em 23/04/2020”
(TC-016384.989.20-8; MPC; p.8; notas de rodapé suprimidas.)
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TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
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de acerto prévio e direcionamento da contratação à Hichens, tal


conclusão não se apresenta absolutamente verdadeira, ainda que
diferentes sinergias possam ser auferidas a part ir da cronologia dos
eventos.

Não se vislumbra, pois, no encadeamento registrado


no Processo Administrativo SES-PRC-2020/16884 a existência de álea
irretorquível.

Concretizar um acordo implicava procedimento


célere, não parecendo, assim, impensável, que o rito pudesse ser
cumprido dentro da exiguidade do tempo oficialmente catalogado.

Naquele contexto, no qual a Administração viu-se


compelida a lidar simultaneamente com mais de 60 (sessenta) dispensas
só na primeira quinzena de abril, não é leviano considerar que várias
decisões possam ter tomado corpo e gerado efeitos antes das datas
formalizadas nos autos de origem. Não havia, pois, dentro do sentimento
catártico reinante, tempo hábil para sujeitar-se aos grilhões da burocracia.

Isso se faz até mais crível diante dos presumíveis


gargalos materiais intrínsecos à “operação de guerra” então deflagrada
em território estadual.

Logo, justaposto o rigor processual técnico pela


rentabilidade social da atuação administrativa, tanto, ou mais
importante do que a cronologia em si é o grau de aderência das
escolhas que se adotaram. E sob o enfoque operacional, o que se observa
é o acatamento incondicionado às orientações técnicas e jurídicas,

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TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
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sobretudo àquelas oriundas dos setores médicos especializados e da PGE,


contribuidores intelectuais de magnífica monta no decorrer do processo.

Em passo inicial, dentro de suas atribuições, a CGA deu


impulso aos parâmetros técnicos definidos pelo Grupo de Equipamentos
de Saúde (GES), endossados por declaração da diretoria de Divisão de
Pneumologia do InCor/HC-FMUSP.

Reportada missiva abordava o protocolo de manejo


dos pacientes em estado de insuficiência respiratória realizado pelo
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo (HCFMUSP) em parceria com a Secretaria de Estado da Saúde,
em harmonia com orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS)
em concêntrico sentido (evento 217.12; p. 5/6 – TC-013441.989.20-9).

A partir daí, o pacote técnico levado adiante, em


grande medida baseado nas informações constantes de bancos de
dados oficiais, tais como o Catálogo de Materiais da Bolsa Eletrônica de
Compras, passou a englobar elementos essenciais, como a especificação
técnica dos aparelhos, condições de garantia e de assistência técnica
(evento 217.8 – p.16/20 – TC-013441.989.20-9).

Chegou-se, nesses termos, a Termo de Referência


singelo, de conteúdo simplificado, porém suficiente ao atendimento do
artigo 4º-E da Lei nº 13.979/2020 e para orientar a coleta de orçamentos
que viria em seguida.

Escoltando a cautela da contratação, a Agência


Paulista de Promoção de Investimentos e Competitividade (InvestSP)
emitiu parecer técnico, em 10 de abril de 2020 (evento 217.12; p.13 a evento

217.18; p.1/2 – TC-013441.989.20-9), com um checape da Hichens Harrison, de


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suas aptidões, qualidades, reputação, fins institucionais, tempo de


existência, campos de atuação e, notadamente, a experiência com o
mercado chinês – que, registre-se, arrebata 20% da capacidade
(18)
mundial de produção de respiradores .

Do universo de orçamentos à disposição, a proposta


comercial da Hichens, representante nos Estados Unidos e Brasil das
empresas chinesas Shenzhen Cornen e Beijing Eternity Eletronics
Technology Co Ltd., fabricantes dos equipamentos respiradores AX-400
e SH-300 respectivamente, era a única que atendia não apenas ao
descritivo do objeto, segundo parâmetros técnicos formulados pelas
instâncias competentes, como também ao prazo de entrega necessário
para que fossem equipados novos leitos de UTI.

E como dito à exaustão ao longo das justificativas,


esse foi o binômio (adequação/prazo de entrega) em torno do qual
gravitou a escolha administrativa, até mesmo com predileção às cifras.

A propósito, convém afastar uma confusão muito


grande que ganhou corpo durante a instrução, relativa à eventual
exclusividade da Hichens para comercialização dos produtos, que, haja
vista a irradiação das disposições da Lei nº 13.979/2020, não configura,
na hipótese, conditio sine qua non para o aperfeiçoamento do negócio.

Para tanto, indispensável era a confirmação de que o


distribuidor tivesse de fato acesso formal aos fabricantes para realizar a

18 SPIGARIOL, André. CNN Brasil. China afirma que EUA retiveram respiradores
comprados por estados do Nordeste. 10/04/2020 às 17:02. Disponível em:
https://www.cnnbrasil.com.br/saude/china-afirma-que-eua-retiveram-respiradores-
comprados-por-estados-do-nordeste/
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venda. Quota da PFE inserida no evento 260 do TC-013441.989.20-9 é


de todo elucidativa a respeito:

Com a devida vênia do parecer precedente, esta PFE


reitera sua manifestação lançada no Evento 260 do
TC 12647.989.20-1 integralmente, pois no parece
suficiente reproduzir que a contratação direta ora
analisada foi fundamentada na Lei federal n.º
13.979/2020 e não nas hipóteses previstas
excludentes da lic itação previstas nos art. 24 ou 25
da Lei federal 8.666/93. A cont ratação direta
prevista no art. 4º da Lei federal n.º 13.979/2020 é
regra excepcional e temporária que passou a
coexistir, com grau de especialidade, sobre as
hipóteses gerais de dispensa e inexigibilidade de
licitação, como medida de urgência para o
enfrentamento da pandemia COVID-19. Trata-se de
regime jurídico dotado de regras e procedimentos
próprios e que só deve ser complementado pelas
regras gerais da Lei federal 8.666/93 nas hipóteses
de suplementação.
Logo, perquirir a existência de exclusividade ou não
no fornecimento do equipamento de indiscutível
necessidade internacional para o enfrentamento das
internações é medida desnecessária porque ausente
do rol dos requisitos previstos no artigo 4 e 4-E da
Lei federal n.º 13.979/2020. Não bastasse, o artigo
3º inciso VIII da lei em comento conferiu autorização
excepcional e temporária para a importação e
distribuição de quaisquer materiais, medicamentos,
equipamentos e insumos da área de saúde sujeitos à
vigilância sanitária sem registro na Anvisa
considerados essenciais para auxiliar no combate à
pandemia do coronavírus, de tal forma que a
questão do certificado de exclusividade sequer seria
necessária para justificar a escolha do fornecedor.

A informação preponderante, pela relevância que


encerra, é que, em fevereiro de 2020, a Hichens estabeleceu acordos
comerciais com a Shenzen Comen e com a Shenzen Keqi, distribuidora
chinesa da Beijing Eternity, para atuar como distribuidora internacional
dessas empresas para a venda de equipamentos médicos, especialmente
ventiladores pulmonares.

82
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

E no que se refere à possibilidade de aquisição direta


junto à Beijing Eternity, produtora dos equipamentos, conforme
elucidado no decorrer da instrução a empresa é uma estatal chinesa,
que somente negocia com o exterior mediante traders previamente
qualificados – como a Shenzhen Keqi Technology Electronic Trade Co.,
Ltd, de quem a Hichens é parceira.

Isto posto, derivando o debate para temas


relacionados ao procedimento negocial, quanto ao elenco de
personalidades públicas e privadas que atuou no acordo, várias são as
interpretações possíveis, devendo-se ter em mente que não se pode
condenar com base em valores abstratos (art. 20, LINDB) e que o
cenário probatório é turvo, dele não se podendo extrair conclusões
seguras.

Não obstante as declarações públicas contraditórias de


um, de outro, de vários interlocutores, fato inexpugnável a essa altura é
(19)
que a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Quarteirizaçõe s
instaurada pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP)
trouxe valiosos esclarecimentos.

A CPI deixou evidente a participação de Basile Pantazis


ao menos na qualidade de “mediador de interesses” da empresa Hichens.

Ouvido pela comissão em reunião virtual realizada


em 28 de outubro de 2020, ele próprio relatou contatos com
representantes da InvestSP envolvidos no planejamento das compras
estaduais. Mensagens eletrônicas mostraram que o empresário esteve

19 Relatório Final disponível em:


https://www.al.sp.gov.br/repositorio/arquivoWeb/com/com6992.pdf
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TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
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envolvido em pelo menos duas ocasiões: na negociação inicial do


contrato e depois na repactuação (evento 217.7; p.7).

O episódio, aliás, foi narrado no laudo de perícia


criminal de nº 817/2021-NUCRIM/SETEC/SR/PF/SP, da Polícia Federal,
que apontava ao direcionamento da contratação em comento.

Apesar dos indicativos iniciais, ao final dos trabalhos


de investigação nos autos do IP nº 5003584-17.2021.4.03.6181,
concluiu-se pela inexistência de indícios de materialidade del itiva, que
permaneceu no campo da mera suspicácia sobre os investigados.

Na visão da autoridade policial, os elementos de prova,


compostos até mesmo por relatórios de registros telemáticos e bancários,
não foram suficientes para indicar a ocorrência dos tipos penais cogitados,
nem haveria outras diligências possíveis de serem realizadas que trariam
elementos robustos depois de mais de dois anos dos acontecimentos.

Assim é que, dentro da margem de valoração


propiciada pelos limites objetivos do processo jurisdicional desta Corte,
cuja essência e/ou amplitude instrumental não se confunde com a
natureza inquisitória doutros procedimentos apuratórios, à míngua de
indícios verossímeis de desvio de conduta de agentes públicos, conforme,
aliás, apurado no procedimento correcional SEGOV-PRC2020/02395, da
Controladoria Geral do Estado, por ora, resta somente reconhecer a ação
do empresário em referência como expressão do direito que os grupos de
interesse legítimos têm de levar seus argumentos aos tomadores de
decisão.

Mais prudente, por ora, é contemplar a boa-fé e a


prática da conduta administrativa vinculada ao interesse público, sem
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TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
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embargo da perspectiva de que tais dimensões sejam analisadas e


soberanamente avaliadas na instância judicial competente.

No que concerne à subordinação dos atos aos


requisitos da Transparência, bem captou o MPC a inobservância ao
ditame do artigo 4°, § 2°, da Lei n° 13.979/2020.

Neste ponto em particular procede a assertiva da


Folha de São Paulo (20) que, em 21 de abril de 2020, já havia veiculado
matéria noticiando que o estado paulista estava entre os estados menos
transparentes quanto à disponibilização de informações concernentes às
compras emergenciais para combate à pandemia.

Com efeito, a publicação da contratação deu-se na


Imprensa Oficial em 1° de maio de 2020, bem depois da assinatura da
Proforma Invoice (14 e 23/04/2020) e do efetivo pagamento de 30% do
ajuste (14/04/2020), sem notícia de divulgação em outros sítios ou
plataformas do Governo Estadual.

Considerando, no entanto, que a pretensão negocial da


Administração já era de conhecimento público desde a publicação do ato
de ratificação (23/04/2020) (evento 1.17 – TC-013441.989.20-9), contendo a
identificação das partes contratantes, do objeto e dos valores envolvidos,
o atraso pode ser contemporizado e convertido em recomendação à
Origem para observância dos prazos legais de divulgação de atos oficiais
(art. 61, parágrafo único, L.F. n° 8.666/1993; art. 94, L.F. n°
14.133/2021).

20 ZANINI, Fábio; NOGUEIRA, Italo. Estados mais afetados, como SP e RJ, são menos
transparentes em gastos com pandemia. 21/04/2020 às 12h13. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/04/estados-mais-afetados-como-sp-e-rj-sao-
menos-transparentes-em-gastos-com-pandemia.shtml
85
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Aproveitando o trajeto pelos campos formais do


procedimento, fundamental, mais ainda, atentar à utilidade genuína do
Decreto Estadual n° 41.165/96 (atualizado pelo Decreto Estadual nº
64.070/19), que procura tão somente aquilatar a viabilidade da
contratação sob os prismas orçamentário e financeiro.

E nesse esquadro, informação lançada à fl. 120 dos


autos do processo administrativo, oriunda do Núcleo de Compras da CGA,
seguida do documento encartado à fl. 123, interno à Coordenadoria de
Gestão Orçamentária e Financeira/CGOF, serve como subsídio
comprobatório da reserva dos recursos necessários ao atendimento da
respectiva despesa, merecendo destaque a observação ali contida, sobre a
“[...] existência de adequação orçamentária e financeira com o Orçamento
Anual [...]” (na UGE 090102, na natureza de despesa 449052), tudo a
denotar que fora respeitado o rito procedimental da norma regulamentar.

(II) FORMA CONTRATUAL

Matéria transversa da estratégia comercial do


Governo de São Paulo é a natureza do liame entabulado com a Hichens
Harrison. Seguro dizer, de antemão, que não se está diante de contrato
administrativo típico.

Na espécie em julgamento aborda-se negócio de jaez


(21)
transfronteiriço, com respaldo no artigo 9º da LINDB c/c artigo 185

21BRASIL. Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução às


Normas do Direito Brasileiro (LINDB).
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da Convenção de Havana de Direito Internacional Privado (Código


Bustamante), internalizada pelo Decreto Federal nº 5.647, de 8 de
janeiro de 1929, e promulgada pelo Decreto Federal nº 18.871, de 13
de agosto de 1929.

Substancializado em uma Proforma Invoice, que tem


como proponente a Hichens e aderente o Governo do Estado de São Paulo,
compulsar do sucinto documento revela a existência de cláusula CIF que
descreve: o objeto; as quantidades negociadas, com registro dos
respectivos preços; série de obrigações relacionadas ao transporte
internacional de mercadorias e responsabilidades dos agentes envolvidos;
a utilização de moeda estrangeira etc (evento 1.20 – TC- 013441.989.20-9).

Similar a um contrato em boa e devida forma, o título,


comum no âmbito do Direito Internacional Privado, indicou os principais
termos da operação, necessários ao cumprimento de requisitos formais
para tramitação e desembaraço alfandegário na origem e no destino.

Acima de tudo, o documento atingiu a finalidade de


consumar o animus sinalagmático declarado pelos partícipes, gerando a
ambos o dever de confiança e de preservar a fé jurada.

É que fora da hermeticidade ínsita ao regime dos


contratos administrativos, não há olvidar da existência de certa margem

Art. 9o Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se


constituírem.
§ 1o Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma
essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos
requisitos extrínsecos do ato.
§ 2o A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o
proponente.
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de flexibilização que garante a aplicabilidade da práxis do comércio


internacional, desde que tais regras se amoldem ao ordenamento.

Diametralmente nessa linha caminha o artigo 54 da Lei


n° 8.666/1993 ao prever aplicação supletiva das regras e princípios do
Direito Privado e da Teoria Geral dos Contratos.

Art. 54. Os contratos administrativos de que trata esta


Lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos
de direito público, aplicando-se-lhes, supletivamente,
os princ ípios da teoria geral dos contratos e as
disposições de direito privado.

Interpretação mais elástica do texto legal, sem


prejuízo da manutenção da coerência jurídica suso mencionada, é capaz
de autenticar a incidência de cláusulas do Direito Internacional Privado no
presente caso, em virtude da extraterritorialidade do ajuste e da origem
da empresa contratada, regida por sistema jurídico distinto.

Mesmo se assim não fosse, o conjunto normativo


temporário e excepcional autorizador da contratação, protagonizado pela
Lei n° 13.979/20, trouxe embutido em si argumento de dupla hierarquia:
a noção de que os atos administrativos se convalidariam de formas
atípicas e flexíveis, desde que conciliáveis com a ordem vigorante,
sancionando, pontualmente, a superioridade dos meios a partir da
primazia dos fins.

Para uma compreensão ampliativa dos


desmembramentos da condução administrativa, numa reportação
abstrata, há considerar que nenhum dispositivo inferior poderia obstar a
efetivação de dever de diligência constitucionalmente imposto ao Poder
Público (art. 196, CRFB/88).

88
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É axiomático que prevalecem os comandos


constitucionais sobre os legais, na condição de tais providências
anômalas e excepcionais potencialmente assegurarem a continuidade
de funções estatais imprescindíveis.

Um contrato rigorosamente alinhado à legislação


brasileira, para que tivesse garantida a validade dos seus termos,
levaria um sem tempo para ser concretizado, sobretudo em função dos
trâmites consulares (p. ex: traduções juramentadas, apostilamento de
Haia etc).

Daí a possibilidade, consagrada na doutrina de


contratos internacionais, de, em diferentes graus e amplitude, aplicarem-
se normas de mais de um sistema legal ao ajuste conectado a mais de
uma jurisdição, fenômeno que, de forma patente, representa o que
atualmente são as disposições do artigo 9° da LINDB para o direito
aplicável à capacidade e substância de acordos firmados sob condições
que tais.

Já a conjugação da procedência da pessoa jurídica


Contratante (lex patriae) com o local de execução da prestação principal
(ex loci executionis), de acordo com as regras de conexão do Direito
Internacional Privado, faz inclinar para o Brasil, no caso, o eixo de maior
irradiação de efeitos da relação jurídica e, via reflexa, aplicação imediata
da Lei nº 8.666/1993 às matérias de ordem pública, como o são aquelas
relativas à execução contratual e ao sancionamento administrativo.

Aliás, fora justamente a antiga Lei Geral de Licitações


que forneceu as bases legais à Secretaria de Estado da Saúde quando
da penalização da Hichens Harrison, combinando o procedimento dos

89
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seus artigos 86 e 87 e os critérios da Resolução SS nº 92/2016 para


fixação da multa moratória.

(III) PREÇO E
PAGAMENTO

O vetor preço acabou assumindo protagonismo ao


longo da instrução, como era de se esperar diante da ênfase dada ao
tema nas iniciais representatórias, a respeito de possíveis deficiências na
cotação prévia e da existência de opções mais favoráveis à Administração.

Deveras, as circunstâncias vivenciadas à época


apartam a aquisição sob escrutínio daquelas regulares, efetuadas com
planejamento a médio/longo prazo e pelos requisitos da Lei n°
8.666/1993.

Hodiernamente, a melhor doutrina administrativista


propõe uma exploração prospectiva, sistemática e ampliada da
contratação e dos impactos dela esperados, com o objetivo mor sempre
orientado à adequação e satisfação do interesse coletivo.

E se, por um lado, a presunção de legitimidade é juris


tantum, por outro, a contradita deve ser robusta e parametrizada para
que ao inquinar a ação administrativa se franqueiem perorações
plausíveis.

Nas circunstâncias, de tão assimétrica tornou-se a


relação oferta/demanda, que se desencadeou uma verdadeira corrida

90
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
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sobrevivencialista. Houve semanas entre março e abril de 2020 em que os


(22)
preços dos respiradores e ventiladores subiram mais de 211% .

E não obstante essa realidade vivenciada à época da


coleta de preços, mesmo respaldada pelas franquias do §2º do artigo 4º-E
da Lei nº 13.979/2020, que admitia a possibilidade de que a estimativa
fosse dispensada se faticamente inviável, a Secretaria de Estado
apressou-se a ultimar procedimento de estimação dos valores de
mercado, tendo elegido a relação custo/benefício como critério
fundamental.

Não se utilizou a Pasta de consulta ao “Preços SP”, é


verdade, porém sequer havia tal obrigação. Leitura ainda perfunctória do
(23)
Decreto n° 63.316/2018, até pelo menos seu artigo 2°, § 1° , é o que
basta para infirmar aventada compulsoriedade.

Por sinal, nem se fosse o caso haveria margem para


extrair-se muito proveito, haja vista que a base informacional do banco
eletrônico da Secretaria de Estado da Fazenda reúne dados retroativos aos
últimos 180 (cento e oitenta) dias (art. 1°, § 1°), diminuto intervalo para

22 LANDIM, Raquel. CNN Brasil. Preço de respiradores sobe mais de 200% na China em
uma semana. Raquel Landim. 07/04/2020 às 15h:33min. Disponível em:
https://www.cnnbrasil.com.br/economia/preco-de-respiradores-sobe-mais-de-200-na-china-
em-uma-semana/

23 SÃO PAULO (Estado). Decreto nº 63.316, de 26 de março de 2018.


Artigo 2º - Os órgãos e entidades da Administração Pública direta, autárquica e fundacional
do Estado deverão realizar pesquisa de preços previamente às aquisições de bens e
contratações de serviços mediante a utilização dos seguintes parâmetros:[...]
§ 1º - A critério da Unidade Compradora, os parâmetros de pesquisa previstos nos incisos
deste artigo poderão ser utilizados de forma combinada ou não, devendo ser dada
preferência ao previsto no inciso I e demonstrada no processo administrativo a metodologia
utilizada para obtenção do preço de referência.
91
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
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retratar a oscilação de preços nos mercados globais e/ou traduzir as


circunstâncias atípicas de mercado representativas do ínterim pandêmico.

Disparados em 12 de março de 2020, os pedidos de


cotação tiveram de ser endossados e repetidos conforme as oscilações da
demanda interna, as avaliações de riscos e as estatísticas que mudavam
abruptamente, instabilidade que, não é novidade, demorou a assentar,
mesmo ultrapassado um bom tempo desde a deflagração da crise
epidemiológica.

Eventuais falhas em que pudessem incorrer os


policitantes nessa fase de cotação prévia não podem ser transferidas à
Pasta, pois, com vidas em jogo, impunha-se trabalhar com o que se tinha
em mãos para decidir com a maior brevidade possível.

Também por esse motivo, integraram a tomada de


decisão até mesmo orçamentos que forneciam bases minimamente
compatíveis de análise comparativa, e que poderiam em alguma medida
colaborar para mitigar o problema.

Isto é, as ofertas eram consideradas ainda que


contivessem especificações dissonantes daquelas adotadas pelo Grupo
Executivo para Atuação Conjunta da Secretaria de Governo e da
Secretaria da Saúde, criado pela Resolução editada em 3 de abril de
2020 (evento 217.9; p.44 – TC-013441.989-20-9), dando-se, assim, o cumprimento,
tanto quanto possível, da diretriz determinada na Nota Técnica SUBG nº
6/2020, da PGE.

No que tange ao aparelho de anestesia com ventilador


Comen AX-400, este foi recomendado como terapia alternativa para a

92
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
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insuficiência respiratória, em 4 de abril de 2020, segundo parâmetros


técnico-científicos veiculados pela Associação de Medicina Brasileira
(AMB), Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) e Sociedade
Brasileira de Anestesiologia (SBA), acolhidos pelo Ministério da Saúde e
pela Anvisa.

Ante à dificuldade de aquisição dos denominados


"ventiladores pulmonares", portanto, houve por bem a Secretaria da
Saúde considerar a aquisição dos assim chamados "ventiladores para
anestesia", "equipamentos para anestesia com ventilador", ou mesmo
“ventilador do aparelho de anestesia como ventilador em terapia
intensiva”, cuja eficácia no combate às complicações respiratórias fora
inequívoca e publicamente reconhecida por autoridades médicas.

Por força meramente das circunstâncias, e nenhum


indício desponta dos autos que milite em sentido contrário, na data de 5
de abril de 2020, uma empresa privada (a Hichens), ciente da abertura
desse novo cenário e munida dos meios para ofertar equipamentos que
tais, apresentou proposta levando em consideração tal possibilidade.

Valorado o contexto, adstrito ao teor dos autos, a


conclusão natural é de que, em princípio, não há nada de errado nessa
sucessão, que inclusive ajuda a explicar o porquê de os preços para a AX-
400, compatível com as condições técnicas mínimas exigidas para o
combate à pandemia do Coronavírus, serem disponibilizados em
conjunto com as demais cotações realizadas.

A propósito, a utilização do equipamento AX-400 foi


objeto de parecer técnico específico, expedido no âmbito de área técnica
da Secretaria de Estado da Saúde, na mesma justificativa técnica que

93
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
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cuidou da análise do equipamento SH-300, em relação ao qual levantou-


se que não teria registro junto à Anvisa, e, por isso, não poderia ser
comercializado no Brasil.

Ocorre que, por meio da Resolução de Diretoria


Colegiada – RDC n° 356, de 23 de março de 2020, que dispõe, de
forma extraordinária e temporária, sobre os requisitos para a
fabricação, importação e aquisição de dispositivos médicos identificados
como prioritários para uso em serviços de saúde, a Anvisa liberou as
importações do ventilador pulmonar. Segundo o caput do artigo 9°:

Art. 9° Fica permitida a aquisic ão de equipamentos


de proteção individual, ventiladores pulmonares,
circuitos, conexões e válvulas respirat rios,
monitores paramétricos e outros dispositivos
médicos, essenciais para o combate à C VI -19,
novos e não regularizados pela Anvisa, desde que
regularizados e comercializados em urisdic ão
membro do International Medical Device Regulators
Forum (IMDRF), por órgãos e entidades públicas e
privadas, bem como servic os de saúde, quando não
disponíveis para o comércio dispositivos semelhantes
regularizados na Anvisa.

Sem contar o conteúdo de discricionariedade técnica


que a escolha revela, o dispositivo autoriza a aquisição de ventiladores
mesmo que não regularizados pela Anvisa, desde que regularizados e
comercializados por país integrante da International Medical Device
Regulators Forum (IMDRF), como no caso da China, o que simboliza o
absoluto ineditismo da situação enfrentada e consequente necessidade
de facilitação de respostas rápidas.

A título de reforço de fundamentação, vem a calhar


remissão à expressa anuência da Agência aposta na Licença de

94
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(24)
Exportação n° 20/1814060-6 , tendo por objeto 50 (cinquenta)
Ventiladores SH-300.

Nesse insólito estado de coisas, não causa sobressalto


informação transmitida pela defesa da Pasta de que as cotações deram-se
por intermédio de diversos canais e o e-mail era apenas um deles.

De tão notória a carência estatal por parâmetros de


mercado, alguns orçamentos chegaram até sem qualquer contato prévio,
sendo comum, ademais, a sondagem informal por parte de
intermediadores – a aproximação da Hichens parece ter sucedido nestes
termos.

Vindicadas ou advindas por obra do “acaso”, a


conduta padrão compreendeu a formalização das propostas via canais
oficiais, o que verdadeiramente ocorreu, está documentado nos autos, e
pode ser aceito em face das circunstâncias.

24

95
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
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Estas, aliás, fizeram com que o prazo assumisse papel


de fator multiplicador no valor do produto, eis que a entrega tardia de um
item de menor valor poderia revelar-se inútil aos fins colimados pelo
interesse público, além do que empresas com preços mais baixos não
dispunham de tempo hábil para a entrega eficiente.

Feitas essas considerações, em que pese o notável


afinco investigativo, por motivo de rigor metodológico, os levantamentos
empreendidos pelos órgãos de instrução, feitos em momento bem
posterior, não logram demonstrar que, na época da contratação, os preços
apresentados pela Hichens não seriam competitivos.

Antes de tudo, rareiam subsídios satisfatórios que


correlacionem as especificações dos aparelhos referenciados às dos que
foram fornecidos, de modo que possibilite comparação intrínseca entre
os paradigmas, legando-se à diligência, com isso, feição eminentemente
especulativa.

Ademais, além do problemático aproveitamento de


anúncios em sites estrangeiros de e-commerce, não são disponibilizadas
informações relativas aos quantitativos disponíveis para entrega, nem a
respeito dos prazos de fornecimento no atacado.

Sem apresentar um marco temporal objetivamente


expresso que permita a contextualização dos valores em relação ao
estágio da pandemia (só há indicação à data da pesquisa no nome dos
documentos – evento 20.3 a 20.5 – TC-013441.989.20-9), a pesquisa da
Fiscalização no Portal de Business Intelligence, que teve por base
contratações efetivadas entre 23 e 31 de março de 2020, descortina uma
dinâmica em que o inventário de valores referenciais não se conduziu de

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maneira coeva, ao menos a ponto de retratar as variações


mercadológicas.

Para agravar, as pesquisas fazem referência ao preço


FOB (Free on Board).

Por essa modalidade logística, supõe-se adimplida a


obrigação quando do transbordo da mercadoria para a aeronave no
aeroporto de origem. Valores referentes ao frete e ao seguro internacional
e que encarecem sobremaneira o preço dos produtos incidem
exclusivamente sobre o adquirente.

Já a proposta da Hichens baseia-se em cláusula CIF


(Cost, Insurance and Freight), em que mencionados ingredientes estão
todos incluídos no preço final do vendedor.

Mutatis mutandis, o mesmo pode ser dito da diligência


empreendida pelo Ministério Público de Contas junto ao sistema Audesp,
que considerou orçamentos elaborados a partir de 24 de abril de 2020.

A deferência ao benefício da dúvida reside nas


entrelinhas da mensagem do MPC, quando ele mesmo timidamente
reconhece a impossibilidade de alinhar as variáveis “tempo” e
“quantidade”:

Em livre consulta à internet, foi também identificada


grande variação de preços para os dois modelos de
respiradores, havendo desde valores inferiores, até
valores acima dos pactuados pelo Estado para os
mesmos aparelhos. De todo modo, é necessário
consignar que, na grande parte dos casos, não era
possível saber a quantidade de máquinas disponíveis e
os prazos de entrega, o que pode ter sido
determinante para o elevado preço pago pelo Estado.

97
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

Salienta-se, ainda, que o fato de a pesquisa ter sido


realizada em junho pode ter impactado nos preços
levantados. (TC-016384.989.20-8; MPC; evento
1.1; p.23)

Também a análise trazida por ATJ, comparativa com


o ventilador pulmonar para UTI da fabricante Biosys Biyomedical
Muhendhislik Da. Vetic. Ltda, adquirido pela Fundação Butantan e junto
à Shayra M Edikal Saglik Kozetik Ticaret Ltda (TCs 015254.989.20-5 e
015582.989.20-8), em 13 de maio de 2020, não se mostra tão
consentânea como sugerido a princípio, mormente em face da
discrepância de quantidades, prazos, modalidade de frete (FOB),
características e funcionalidades do aparelho.

Já a proposta comercial da Hichens era a única que


atendia não apenas ao objeto pretendido, como também ao prazo de
entrega necessário para que fossem equipados novos leitos de UTI. A
composição da oferta abarcou os seguintes elementos:

(i) Preço da tabela da fábrica e do distribuidor para


equipamento completo, incluindo-se: kit de
consumíveis, célula de oxigênio, bateria de lítio
de alta capacidade e kit elétrico tropicalizados;
(ii) Custo do frete internacional (Qatar Airways,
Emirates, Air Ethiopian);
(iii) Seguro Internacional;
(iv) Custos de despachante e taxas alfandegárias na
China;
(v) Serviços de instalação, montagem, calibragem e
de emissão de laudo técnico, com aprovação da
ABNT;

98
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

(vi) Suporte técnico de pós-venda pelo período de 12


(doze) meses, sem custos adicionais para o
comprador, serviço prestado pelo grupo
brasileiro Equipamed;
(vii) Pagamento de taxa de pós-venda para o
fabricante, para uso de garantia com reposição
de peças, sem custo adicional ao comprador
final.

Registram os autos que os termos comerciais


praticados pela Hichens junto ao Estado de São Paulo não destoam
daqueles ofertados pela empresa a compradores também situados no
continente americano, em datas circunvizinhas e para a compra dos
mesmos equipamentos [eventos 216.1 (p.16); 216.2 a 216.5 –TC-013441.989.20-9].

RELAÇÃO ESTIMADA:
CUSTOS DISTÂNCIA ENTRE A CHINA E
VALOR MODALIDADE
DESTINO EQUIPAMENTO DE O DESTINO X DISTÂNCIA
(US$) DE FRETE
ENTREGA ENTRE A CHINA E SÃO PAULO
(17.589 km)*
Bogotá
SH-300 38,000.00 C IF Vendedor Menor (14.930 km)
(C olômbia)
Nova
Iorque SH-300 32,000.00 FOB C omprador Menor (10.982 km)
(EUA)
Nova
Iorque AX-400 17,500.00 FOB C omprador Menor (10.982 km)
(EUA)
C alifórnia
AX-400 17.500.00 C IF Vendedor Menor (9.753 km)
(EUA)
*Fonte: Google Earth

Logicamente, há de se situar pequenas variações,


fruto de oscilações cambiais, da longitude entre a China e os
destinatários finais, modalidade de frete (se CIF ou FOB) praticada,
entre outros coeficientes com insofismável repercussão na formação do
preço, sobretudo a volatilidade quase que instantânea do mercado
mundial, conforme já explorado alhures.

99
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

Tudo indica que o apelo à Hichens lastreou-se em


critérios objetivos e consistentes, e não em mera escolha voluntariosa do
Executivo paulista.

O resultado de embates travados, seja em


procedimentos inquisitórios, seja na arena judicial, ou mesmo antes disso,
reforça a imparcialidade objetiva na análise do caso concreto.

Assim é que o Ministério Público Federal requereu o


arquivamento do Inquérito Policial nº 5003584-17.2021.4.03.6181, em
que se investigava a potencial prática, por agentes públicos do Estado
de São Paulo e pelos representantes da empresa Hichens Harrison
Capital Partners LLC, do crime de lavagem de dinheiro e ocultação de
bens/valores, tipificado no artigo 1º da Lei Federal nº 9.613/98.

Pleito terminativo do Parquet federal fundamentou-se


precisamente na constatação de ausência de ilicitude na aquisição dos
ventiladores pulmonares, seja por meio de direcionamento, seja pela
prática de sobrepreço.

Na decisão de arquivamento, a 10ª Vara Criminal


Federal de São Paulo, da Justiça Federal da 3° Região, afastou as
hipóteses de corrupção passiva, crimes de ocultação de bens, direitos ou
valores, crimes da lei de licitações e corrupção ativa (evento 203.14 – TC-

013441.989.20-9).

Na mesma direção, decisões exaradas no bojo de


ações populares conexas ajuizadas não identificaram ilegalidade ou
(25)
lesividade ao patrimônio público , tendo a improcedência decretada

25

100
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

em primeiro grau de jurisdição, com negativa de provimento ao


reexame necessário pelo E. Tribunal de Justiça.

Quanto ao preço praticado, a Informação


n°243/2020/GES da Coordenadoria Geral de
Administração indica que a oferta da empresa Hichens
Harrison foi a mais vantajosa dentre as demais que
foram apresentadas, sendo que foram contatados 11
fornecedores, nacionais e internacionais em duas
pesquisas de preço para aparelhos de respiração
mecânica, com o seguinte resultado de preços,
condições de pagamento e de entrega na referida
Informação n° 243/2020/GES (fls. 458/ 459).
Referida informação também seria possível verificarem
consulta ao site
(https://www.saopaulo.sp.gov.br/coronavirus/transpar
ência), e pela leitura de fls. 458/459 é possível
identificar que apenas a empresa Hichens Harrison
Capital Partner LLC apresentava proposta de iniciarem
7 dias a entrega de 500 respiradores a cada semana, e
o valor praticado (US$ 20 mil pelo modeloAX-400 e
US$ 40 mil pelo modelo SH-300).
Reitera-se, que foi realizada ampla pesquisa de preço
entre fornecedores, após se ver fracassada a aquisição
em território nacional, sendo que a opção da
Administração Pública foi pelo fornecedor que ofereceu
o preço mais barato, atendidas as exigências técnicas
mínimas e também ao prazo a ser fornecido, o que
evidencia a ausência de lesividade ao patrimônio
público e observância do princípio da moralidade.
Outra informações a se considerar, consiste no fato de
que a contratação da empresa Hichens contava com
cláusula Incoterm CIFGRU (Cost, Insurance ande
Freight) no aeroporto de Guarulhos (GRU), isto é,
ovendedor ainda estava cobrindo os custos de
transporte do produto, desembaraços da mercadoria e
seguros até a sua entrega no aeroporto de Guarulhos
(posteriormente contratando a Dux Forwarding
Corporation e a Azul Linhas Aéreas)19, sendo mais
vantajosa do que de outras importadoras que
entregariam o produto na China, por preço superior,
cabendo ao Estado de São Paulo cuidar do transporte,

PROCESSO TRAMITAÇÃO REQUERENTE REQUERIDOS

João Agripino da C osta Doria Junior


15ª Vara da C leiton de Melo
1023928-03.2020.8.26.0053
Fazenda Pública Souza
Fazenda Pública do Estado de São Paulo

15ª Vara da
1015262-24.2020.8.26.0114 Fábio Garibe Fazenda Pública do Estado de São Paulo
Fazenda Pública

101
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

além do risco de perecimento da mercadoria, até o


destino final. (Ação Popular, 15ª Vara da Fazenda
Pública de São Paulo; Juíza de Direito Gilsa Elena
Rios, Julgado em 28/11/2022)

No caso vertente, além de o requerente não ter


logrado êxito em provar quaisquer das alegações
ventiladas na peça inaugural, não se verificou a
existência de ilegalidade ou lesividade aptas a ensejar
a reforma do julgado visto que a compra dos aparelhos
respiradores da empresa estrangeira, em que pese o
expressivo valor, restou justificada pelo contexto
emergencial em que se operou a contratação.
(Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, 9ª
Câmara de Direito Público, Relator
Desembargador Ponte Neto, Julgado em 26 /07/
2023)

Quer parecer, portanto, os valores praticados pela


Hichens, à época e perante outros parceiros comerciais, representam a
melhor informação disponível para fins de cotejo da compatibilidade
mercadológica dos preços.

E considerada a regra geral do ônus de distribuição da


prova (art. 373, CPC) como consectária do princípio da paridade de
armas, ressalvadas, obviamente, as particularidades dos feitos
jurisdicionais em trâmite neste Tribunal, tem-se uma situação que não
configura um conflito genuíno, mas aparente dilema, solúvel pela
presunção de legitimidade do ato administrativo e que passa pela
assunção da transigência que sobressai das prescrições do artigo 4º-E, §
2º, da Lei nº 13.979/2020.

Mais que isso, deve ser acatada a discricionariedade


técnica e a especialização da Secretaria de Estado da Saúde, organismo
de estado comparativamente mais bem adaptado para valorar as opções,
quer pela natureza da sua atuação diuturna, quer em razão do seu maior
aparelhamento institucional para lidar com questões.

102
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

Ponto veementemente objurgado pela instrução


remete à previsão de pagamento antecipado, prática corrente no comércio
internacional (Down Payment).

Embora no direito interno privado o sinal seja


ferramenta prevista entre os artigos 417 a 420 do Código Civil, destinada
a conferir a segurança de que um acordo, geralmente uma promessa,
venha a ser concretizado, quando o foco é à Administração Pública e os
negócios jurídicos por ela havidos, o pagamento antecipado é prática
vedada em circunstâncias normais.

Considerando o que dispõem os artigos 62 e 63 da Lei


nº 4.320/1964, a conclusão, num primeiro lanço, seri a de que o
pagamento do contrato administrativo ou de parcela dele só poderia ser
realizado após a regular liquidação, o que pressuporia não só o empenho
da despesa, como também, a entrega definitiva do bem ou a realização do
serviço.

Tal diretriz teria sido espelhada no artigo 40, XIV, “d”,


quando interpretado em conjunto com o subsequente artigo 65, II, “c”,
ambos da Lei nº 8.666/1993, confirmando que o pagamento apenas pode
acontecer se respeitado o cronograma inicialmente previsto e, sempre, só
após a correspondente realização do serviço ou entrega dos bens.

Forçoso reconhecer, no entanto, que a forma de


transacionar segundo o pagamento antecipado, embora reúna, de fato,
aura de excepcionalidade, não é vedada pelo ordenamento.

Situação análoga verifica-se recorrentemente quando


da compra de helicópteros e material rodante para o sist ema metroviário

103
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

pela Administração paulista, o que permite assumir que a prática, ao


menos em tese, não é estranha em contratações da espécie .

A controvérsia maior, quer parecer, orbita em torno do


significado de “antecipado”, e demanda temperamento, para que se
evitem equívocos puramente terminológicos.

Essa abordagem mais cautelosa alicerça-se na ideia de


que a adoção do sinal, em determinadas circunstâncias, vai ao encontro
dos princípios da racionalidade administrativa, economia processual e
eficiência da atividade estatal.

Embora inegável a finalidade ostentada nos artigos 62


e 63 da Lei n° 4.320/1964 ao determinar que a liquidação da despesa por
fornecimentos feitos ou serviços prestados deverá ter por base a
comprovação da entrega do material ou da prestação efetiva do serviço,
obviamente a exigência refere-se aos pagamentos devidos em virtude da
execução da prestação.

Isto é, o fim último daqueles dispositivos legais, reside


em submeter a quitação a controle documental adequado e exigir que o
fundamento normativo e contratual para a realização de pagamento seja
apurado objetivamente por quem designado para tanto.

Não há indicação de quais seriam tais documentos


comprobatórios, embora seja fundamental o aperfeiçoamento da condição
necessária ao pagamento. Isso não implica, necessariamente, na prévia
prestação da atividade pactuada pelo contratado.

Até porque os artigos 62 e 63 não disciplinaram o tema


específico ora examinado, da hipótese em que o estipêndio seja devido
104
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

em decorrência de previsão contratual autorizadora de pagamento


antecipado.

A rigor, a remuneração da contratada exige prévia


liquidação. Todavia, como leva a crer o próprio texto legal, essa fase da
despesa pública não necessita se dar apenas depois da execução ou do
fornecimento.

Antes disso, o pagamento, nos termos do caput do


artigo 63, pressupõe lastro em documentos comprobatórios do
respectivo crédito, como pode ser uma cláusula de antecipação aposta
no instrumento de contrato, tendo em vista que as hipóteses do artigo
53 são exemplificativas, e não numerus clausus.

Lidos sob outra perspectiva, citados dispositivos da Lei


n° 4.320/1964 impõem apenas que o pagamento deve observar as
condições convencionadas segundo a autodeterminação das partes, sem
proscrever que o dispêndio a cargo da Administração possa realizar-se
total ou parcialmente em momento anterior à execução imposta à
contratada.

Tanto é assim que, coexistindo no campo do Direito


Financeiro, jaz há muito no espectro normativo de âmbito federal o
fundamento da hipótese hospedada no artigo 38 do Decreto nº 93.872, de
(26)
23 de dezembro de 1986 , cuja parte final alude à licitude de
pagamento segundo as condições estabelecidas no instrumento
contratual:

26 Dispõe sobre a unificação dos recursos de caixa do Tesouro Nacional, atualiza e


consolida a legislação pertinente e dá outras providências.
105
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

Art . 38. Não será permitido o pagamento antecipado


de fornecimento de materiais, execução de obra, ou
prestação de serviço, inclusive de utilidade pública,
admitindo-se, todavia, mediante as indispensáveis
cautelas ou garantias, o pagamento de parcela
contratual na vigência do respectivo contrato,
convênio, acordo ou ajuste, segundo a forma de
pagamento nele estabelecida, prevista no edital de
licitação ou nos instrumentos formais de adjudicação
direta.

Demais disso, estudo qualificado da legislação


extravagante deve perpassar obrigatoriamente pelo artigo 15, III, da Lei
n° 8.666/1993, que previu, antes uma diretriz do que possibilidade, ao
estabelecer que compras deverão submeter-se, preferencialmente, às
condições de aquisição e pagamento semelhantes às do setor privado.
Este é aqui o caso, por excelência.

A regra geral continua sendo a de que a Administração


opte pelo pagamento a posteriori, pois com ele, pode mitigar riscos de
inadimplemento contratual. Inviável, porém, é admitir a imposição
absoluta deste modelo, notadamente quando ele diverge sobremaneira do
formato adotado por mercados peculiares, obstando a eficiência da
compra pública.

Propensa a essa linha de coerência veio a Lei n°


14.133/2021.

Num primeiro contato, o novel diploma veda a


realização de pagamento antecipado sem justificativa do interesse público
na sua adoção, sem previsão no edital de licitação e sem as devidas
garantias que assegurem o pleno cumprimento do objeto pactuado.

Depois, agregando convergência jurisprudencial dos


órgãos de controle externo, estipula nos artigos 92, VI e XII c/c 145, § 1º
106
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

que a antecipação será possível quando propiciar sensível economia ou


represente condição indispensável para a obtenção do bem ou para a
prestação do serviço, hipótese que deverá ser previamente justificada no
processo licitatório e expressamente prevista no edital de licitação ou
instrumento formal de contratação direta.

Leitura sistemática do ordenamento e da evolução


legislativa deixa claro que incumbe ao contrato determinar as condições
do pagamento, que devem ser respeitadas de modo rigoroso, inclusive
prevendo, se for o caso, sua ocorrência em momento anterior à execução
da prestação pelo particular. Defeso é que seja efetivado em momento
anterior àquele previsto no contrato.

Conjuntamente com o método da interpretação


sistemática recém abordado, convém utilizar o princípio da concordância
prática ou da harmonização.

Assim é que a legislação advinda com a pandemia (Lei


Federal nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020 e alterações), a reboque do
estado de calamidade legalmente reconhecido pelo Decreto Legislativo nº
6, de 20 de março de 2020, só veio a reforçar a exegese da corrente
doutrinária que já abordava a questão sob esse beni gno enfoque.

Apesar da superveniente caducidade, aquela


legislação temporária serviu para mostrar quão despreveni do estava o
aparato normativo para lidar com a circunstância atípica, marcada por
disputas de magnitude cosmopolita pelos escassos produtos necessários
ao combate da disseminação viral.

No microcosmo estadual, o § 2º do artigo 1º do


Decreto nº 64.928/2020 estabeleceu que o pagamento de aquisições de
107
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

bens necessários ao enfrentamento da pandemia decorrente da Covid-


19 estaria dispensado da observância do disposto no caput do artigo 2º
do Decreto nº 32.117/1990, alterado pelo Decreto nº 43.914/1999,
admitindo-se o pagamento à vista, mediante assinatura do termo de
contrato, com manifestação técnica específica e parecer do Gabinete do
Procurador Geral do Estado para o caso concreto.

Inquestionável que a disciplina legal, ao positivar o


emprego do pagamento antecipado, priorizou a segurança jurídica do
gestor quando optasse por essa sistemática, justamente em decorrência
do contexto experimentado, no qual o alto valor do interesse público em
jogo (vida e saúde) autoriza que a Administração corra maiores riscos
com a antecipação do pagamento (arts. 5º, caput, e 6º, caput,
CRFB/88).

A condescendência, entretanto, não vem


incondicionada. Como visto, ademais de autorizar expressamente o
pagamento antecipado, a norma conduziu sua realização ao
estabelecimento de cautelas obrigatórias em decorrência do grau de risco
alocado para a Administração, requerendo a adoção de garantias
adicionais.

É ressabida, no âmbito do cenário pandêmico, a


periclitância que levou à impossibilidade de exigência de garantia e que
não poderia ser vaticinada com facilidade pelo legislador, a exemplo da
escassez de produtos/insumos e/ou da concentração de tecnologia.

Sobejam relatos de severa retração no mercado de


crédito e no securitário, em razão do receio do agravamento da situação
macroeconômica, a impossibilitar a obtenção, em tempo hábil, de

108
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GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

garantias contratuais, dentre as previstas no artigo 56 da Lei nº


8.666/1993.

Tudo considerado, vê-se que as regras negociais não


comportavam a exigência de garantia, que, caso imposta, fatalmente
comprometeria a obtenção dos respiradores. A condução desse modus
operandi não derivou em medida alguma do talante da Administração.

De acordo com relatórios oficiais, em 23 de abril de


2020, no curso do processo de contratação, o mundo computava
2.544.792 (dois milhões, quinhentos e quarenta e quatro mil, setecentos e
noventa e dois) casos e 175.694 (cento e setenta e cinco mil, seiscentos e
noventa e quatro) mortes, ao passo que o Estado de São Paulo já contava
com 1.345 (um mil, trezentos e quarenta e cinco) óbitos e 16.740
(27) (28)
(dezesseis mil, setecentos e quarenta) casos .

27

109
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Organização Mundial de Saúde. Coronavirus disease 2019 (COVID-19) Situation Report –


94. Disponível em: https://www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/situation-
reports/20200423-sitrep-94-covid-19.pdf?sfvrsn=b8304bf0_4
28

SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Saúde. Novo Coronavírus (COVID-19) Situação


Epidemiológica – 57. Disponível em: http://www.saude.sp.gov.br/resources/cve-centro-de-
vigilancia-epidemiologica/areas-de-vigilancia/doencas-de-transmissao-
respiratoria/coronavirus/2020/abril/coronavirus230420_57situacao_epidemiologica.pdf
110
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

Não fosse adimplido o valor referente ao sinal, ao


Estado de São Paulo não teria sido assegurado: (i) o preço final praticado
para cada um dos modelos adquiridos - inflacionado pouco depois desse
pagamento; e (ii) a inclusão do pedido no processo produtivo das
fabricantes chinesas, que passariam ao próximo na “fila”.

Tais considerações, aplicadas a contexto premente por


flexibilização de amarras que pudessem vir a prejudicar o plano de
combate à pandemia, afastam também a premissa de que não restaram
justificadas as liquidações e as emissões de ordens bancárias n.º
2020OB00118 e 2020OB00126, amparadas pela Nota Técnica SUBG n.º
8/2020 (evento 145.5 – TC-013441.989.20-9) e Parecer SUBG-CONS n.º 23/2020
(evento 145.6 – TC-013441.989.20-9), ambos oriundos da PGE.

Pródigos, neste roteiro, são os esclarecimentos


prestados pela CGA para justificar a diferença de R$ 7.565.100,00 (sete
milhões, quinhentos e sessenta e cinco mil e cem reais) apurada entre o
montante das OBs (R$ 242.247.500,00) e o total verificado nos
correspondentes contratos de operação de câmbio (R$ 234.682.400,00)
(evento 143.1; p. 11/12 – TC-013441.989.20-9):

111
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

2.10.1. É de se registrar, quanto a esse tópico, o


recolhimento do montante de R$ 7.408.983,87 ao
tesouro estadual (doc. 04), resultando na diferença
de R$ 156.116,13 (R$ 7.565.100,00 - 7.408.983,87)
que, somada aos R$ 8.578,27 de rendimentos
oriundos de aplicação financeira (doc. 05), atinge R$
164.694,40. Este último valor, por sua vez,
destinou-se à quitação, por parte da Administração
estadual, das seguintes despesas: (i) R$ 5.148,00,
relativos a taxas pagas ao Sistema Integrado de
Comércio Exterior, administrado pela Secretaria da
Receita Federal do Brasil - SISCOMEX, referentes a
24 (vinte e quatro) declarações de importação, no
valor unitário R$ 214,50 (docs. 6.1 a 6.24); (ii) R$
145.634,40, relativos a pagamento de armazenagem
no Aeroporto de Guarulhos (doc. 7); (iii) R$
13.362,00, relativos ao atendimento de decisão
judicial determinando o bloqueio desse montante,
nos autos de ação promovida por Ana Lais Socorro
de Lima, em trâmite perante o d. Juízo da 3a Vara
de Santa Fé do Sul (Proc. 4888320208260541) (doc.
8); (iv) R$ 550,00, relativos ao pagamento de duas
taxas de fechamento de câmbio (docs. 9 e 10). A
soma dos sobreditos valores (R$ 5.148,00 + R$
145.634,40 + R$ 13.362,00 + R$ 550,00) coincide
com a diferença acima mencionada de R$
164.694,40.

(IV) ENTREGAS, REPACTUAÇÃO E EXECUÇÃO


CONTRATUAL

Posto em breves termos, o contrato previa,


inicialmente, a aquisição de 3.000 (três mil) equipamentos, no valor de
US$ 100 milhões de dólares, equivalente a R$ 550.825.000,00
(quinhentos e cinquenta milhões, oitocentos e vinte e cinco mil reais).

Entretanto, a Contratada solicitou a repactuação dos


quantitativos somente na data de 8 de maio de 2020, em momento
posterior aos dois pagamentos realizados em 14 e 27 de abril.

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TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO CONSELHEIRO EDGARD CAMARGO RODRIGUES

DESCRIÇÃO DATA VALOR (US$) VALOR (R$)


1° Pagamento 14/04/2020 30,000,000.00 155.490.000,00
2° Pagamento 27/04/2020 14,000,000.00 79.192.400,00
TOTAL 44,000,000.00 234.682.400,00

Com a renegociação, a Hichens assumiu o


compromisso de fornecer somente 1.280 (um mil e duzentos e oitenta)
equipamentos, pelo mesmo valor unitário negociado a princípio,
equivalente, na verdade, ao montante que já havia sido pago pela
Contratante.

Nesse encadeamento, somando o valor total pago à


Contratada às despesas de importação, esse o estado final dos valores
totais empenhado, liquidado e pago:

DESPESAS VALOR (R$)

Taxas Siscomex R$ 5.148,00


Despesas Armazenamento Aeroporto R$ 145.634,40
Atendimento Decisão Judicial – Bloqueio R$ 13.362,00
Taxas Câmbio R$ 550,00
TOTAL DESPESAS COM IMPORTAÇÃO R$ 164.694,40
VALOR PAGO À CONTRATADA R$ 234.682.673,00

VALOR TOTAL EMPENHADO, LIQUIDADO E PAGO


R$ 234.847.094,40
(NEs 2020NE00561 e 2020NE00584)

VALOR RECOLHIDO AO TESOURO ESTADUAL PELA CONTRATADA R$ 7.408.983,87

Apesar de não terem sido formalizados instrumentos


aditivos, tais alterações contratuais para as diminuições quantitativas
do objeto e prorrogações de prazos arrimaram-se no artigo 4º-H da Lei
nº 13.979/2020, e supletivamente nos artigos 57 e 65 da Le i nº
8.666/1993.

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O lastro legal, entretanto, não é suficiente para


infirmar uma importante conclusão viabilizada pela instrução processual: a
inexequibilidade da proposta da Contratada.

Enquanto ato bilateral combinado entre o Executivo


paulista e o particular estrangeiro, a Proforma Invoice em questão
dimanou da livre manifestação das partes, entre as quais acomodou
obrigações e direitos recíprocos, prestações mútuas e equivalentes em
encargos e vantagens.

Pois bem. Sob o ponto de vista da legalidade e


dentro das ações privativas a cargo da Administração contratante, os
requisitos afeiçoados à forma e demais condições do negócio jurídico
não manifestaram óbices que desabonassem a higidez da empreit ada.

Invertido o foco de análise, entretanto, o compêndio


denuncia que a inexecução por descumprimento das obrigações
contratuais resultou de atos ou omissões da Contratada, que desde o
início das tratativas parece ter agido senão por dolo (arts. 145 e ss . do
Código Civil), com culpa, seja por negligência ou imperícia.

Com efeito, se é que os prazos indicados na oferta


comercial eram realmente estimados, esta qualidade contingente não
foi assim transmitida à Administração, que se dela tivesse inequívoco
conhecimento, não teria arrematado o negócio.

Equivalendo o tempo de entrega ao fator


preponderante da escolha administrativa, e disso a todo tempo ciente a
Contratada, não é forçoso concluir ter havido aí o silêncio intencional do
particular a respeito do fato.

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Bastou esse tanto para que fosse rompida a fidúcia que


se poderia extrair da palavra dada, do dever de consciência imposto ao
devedor e da confiança do credor na promessa feita.

Obedecidos os requisitos legais para a existência e


validade, a avença se torna obrigatória entre as partes, que não se
podem desligar da relação jurídica senão por outro pacto análogo. Ainda
assim, sequer fora cumprido o cronograma resultante da repactuação
havida.

Invertido o ônus da prova, a empresa inadimplente,


para se desincumbir da obrigação, deveria ter provado a existência de
excludentes de sua responsabilidade, o que, no entanto, não ocorreu para
além de divagações etéreas que comprovassem a inevitabilidade da mora.

De imperar, ao invés da narrativa capciosa da Hichens,


o fecundo levantamento empreendido por ATJ, que, ao compulsar o
extenso volume de documentos insertos nos autos, foi capaz de fechar o
cerco a vício até então recôndito: a inexequibilidade da proposta da
Hichens.

Quanto às críticas por n s dirigidas ao “prazo de


entrega” de 07 dias da data do pagamento
antecipado (14/04/20), fator decisivo para a escolha
da HICHENS, os interessados sustentam que o prazo
seria factível, entretanto não elucidam de que modo
pretendiam atender à aludida condição se o
“contrato de vendas” celebrado entre a SHENZHEN
KEQI e a HICHENS, em 10/04/20, previa o primeiro
fornecimento (liberação da fábrica) do Eternity ICU
SH 300 somente em 23/04/20 (500 un.). Só a
liberação dos equipamentos da fábrica já consumiria
09 dias, fora o prazo para o despacho e o embarque
da mercadoria.

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Saliente-se que existe uma enorme diferença entre


atribuir às circunstâncias logísticas no período da
pandemia como a causa pelo atraso na entrega dos
equipamentos e já se ter a prévia ciência de que o
prazo de entrega não seria cumprido em decorrência
do prazo estabelecido pelo fabricante. A HICHENS
possuía a certeza de que não seria capaz de cumprir
o prazo de entrega, mas, a despeito disso, ofereceu
como se tivesse condições de cumpri-lo.
[...]
Sobre a real possibilidade do envio do 1º lote do
equipamento ETERNITY SH300 em 27/04/20, os
interessados silenciaram-se sobre o nosso
questionamento envolvendo a carta expedida, em
06/05/20, pela fabricante BEIJING YISHIENG e a
SHENZHEN KEQI ao Governo de São Paulo e à
HICHENS exigindo o compromisso de que as
empresas chinesas não seriam responsabilizadas
pela comercializaç ão de produto sem registro no
Brasil. Tendo em vista que a resposta do Governo
Estadual ocorreu em 10/05/20, reafirmamos que
seria mínima a probabilidade de o primeiro
embarque, para o aeroporto de Guarulhos/SP/Brasil,
ter ocorrido de fato naquela data. De igual modo, a
alegação de que a causa do atraso de 24 dias para a
primeira remessa do aparelho de anestesia com
ventilador COMEN AX-400, cujo lote deveria ter sido
entregue em 21/04/20 (7 dias após o pagamento
adiantado, efetuado em 14/04/2020), nos termos da
Proforma Invoice, foi ocasionada por problemas na
logística do transporte internacional, a nosso ver,
não prospera, posto que o conhecimento de
embarque aéreo foi emitido apenas em 15/05/20, o
que significa que o fabricante liberou o lote apenas
nesse período. Ora, se a HICHENS insiste que o 1º
lote do SH-300 foi remetido em 27/04/20 não
haveria motivo para não ter feio o mesmo em
relação ao Comen AX-400. (TC-013441.989.20-9;
ATJ; evento 227.1; p.20/25)

Sendo caso de responsabilidade contratual por


excelência, com o descumprimento de cláusula essencial, presume-se a
culpa pelo inadimplemento, a qual impõe, por conseguinte, a reparação
(29)
do dano causado [art. 475, CC ].

29 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).


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No que lhe competia, a Administração, imbuída de


boa-fé, seguiu as normas pertinentes, os preceitos e os princípios do
direito, sempre com arrimo nos laudos opinativos da Procuradoria Geral
do Estado.

Se erro houve, é escusável, pois foi induzido pela


Contratada; e por não configurar erro grosseiro, merece proteção [art. 28,
(30)
LINDB ].

Afigurar-se-ia inoportuno, em mira dos artigos 20 e


22 da LINDB, impor ao gestor público de área tão peculiar quanto a da
saúde conhecimentos profundos a respeito de trâmites alfandegários,
ou que pudesse prever com exatidão os prazos de entrega e transporte
dos equipamentos em meio ao caos instaurado.

No mais, como bem ponderado por ATJ, a execução


contratual deve ser examinada sob duas perspectivas: a primeira, da
Hichens Harrison para com o Governo Estadual, e, a segunda, do
Governo Estadual para com as unidades de saúde.

Nessa primeira abordagem, na esteira de tudo


quanto já mencionado, tida a execução da avença como resultado
imediato do cumprimento das cláusulas contratuais por ambas as
partes, divisa-se esvaziada a chance de a ela conferir chancela.

Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir
exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.
30BRASIL. Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução às
Normas do Direito Brasileiro (LINDB).
Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas
em caso de dolo ou erro grosseiro .
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Diz-se isso não só pela inverossimilhança dos prazos


lançados na Proforma Invoice, ou pela mora ex re factualmente
verificada (oriunda de obrigação positiva, líquida, certa quanto à
existência, determinada quanto ao valor, e com data fixada para
adimplemento).

Remanescem inexplicadas periclitantes


intercorrências, cuja relegação a segundo plano denota imperdoável
achincalhe à relevância social da iniciativa governamental em exame.

Manifestação mais expressiva do errático itinerário


contratual, sem dúvida, remete ao perdimento, supostamente por
extravio, do 1º lote de 500 (quinhentos) ventiladores Eternity SH-300.

Como os equipamentos não foram entregues, esses


valores foram considerados para a repactuação, afinal, a cláusula CIF
(Cost, Insurance and Freight) desonera o adquirente de falhas ocorridas
previamente à entrega das mercadorias no aeroporto de destino – como
ocorrido no presente caso.

Porém, as hipóteses que ajudariam a explicar o


sucedido vão do imponderável ao terrível, desde motivos de força
maior, retenção pelos EUA, conforme reportado pelos meios de
(31)
comunicação, até a atuação de atravessadores , ou, inclusive, como
ventilado por ATJ, tratar-se de encomenda direcionada a outro
comprador.

31 VASSALLO, Luiz; LEITE, Fábio. Crusoé. Os atravessadores. 05/06/2020. Disponível em:


https://crusoe.com.br/edicoes/110/os-atravessadores/
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Mesmo trabalhando técnica de cenários alternativos,


nenhuma das possibilidades se confirmou. De concreto há somente o
conhecimento de transporte aéreo Air Waybill (AWB nº 999-74795803),
de 24 de abril de 2020, instrumento que comprovaria o embarque do 1º
lote, trazido pelo Ex-Coordenador da CGA (evento 217.13, p.12 – TC-

013441.989.20-9).

O que chama a atenção é que diferentemente dos


outros conhecimentos de transporte aéreo carreados aos autos do
acompanhamento da execução (TC-013562.989.20-2), que indicam
corretamente como aeroporto de destino “Guarulhos”, essa AWB traz
como “Airport of Destination: New York, USA”.

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Afora o descumprimento dos prazos originais, para


entrega dos equipamentos em abril/início de maio, o remédio da
repactuação partiu de forma consciente da própria empresa, o que
autorizava supor a insuspeição da nova proposta e capacidade de
atender ao planejamento de remessas entre 30 de maio e 15 de junho.

Bem mais do que entrelinhas, as tratativas de


repactuação explicitam o consenso atingido quanto à inadiabilidade do
cronograma, tendo a empresa aderido às datas assinaladas pela
Secretaria como aquelas que atenderiam às suas necessidades .

Cumpre novamente recordar que o negócio celebrado


tinha como pressuposto justamente a celeridade, fator essencial para o
combate à pandemia, e a respeito do qual a empresa tinha amplo
conhecimento.

Antecipando avanços à sua esfera patrimonial, a


Hichens tenta eximir-se da culpa. Principal argumento é o de que
mesmo o cronograma elaborado por ela mesma, em atenção às
necessidades da Secretaria de Estado da Saúde, seria meramente
estimativo.

Porém, admitir que os prazos não eram definitivos


vai de encontro à própria função social do contrato firmado [arts 421 e
(32)
422, CC/2002 ], o qual buscava atender, em menor prazo, à saúde

32 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).


Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato.
Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da
intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.
[...]
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da sociedade paulista, em momento no qual a proporção das


adversidades não admitia erros e poderia custar o perecimento de vidas
humanas.

O que se viu foi uma organização incapaz de honrar


com seus compromissos e que reciclava sempre os mesmos
argumentos na tentativa de justificar os reiterados atrasos, num total
de 50 (cinquenta) dias, tendo em vista que a última entrega ocorreu
apenas em 29 de julho de 2020, consubstanciando-se conduta bem
distante daquela esperada de quem clamava possuir experiência de
mais de 20 (vinte) anos transacionando junto ao mercado chinês.

Noutro giro, imperioso separar o resultado da conduta


dos agentes públicos.

O Estado de São Paulo cumpriu com a sua parte no


ajuste. Empreendeu a troca constante de comunicações com a Contratada
e, ao final, exerceu sua autotutela a contento, tanto assim que, em
decorrência dos atrasos, abriu e concluiu processo administrativo
sancionador, bem como deu início à disputa judicial (processo nº
1030052-02.2020.8.26.0053), tudo a comprovar que, a todo momento, a
Administração permanecia atenta e diligente.

Além disso, adstrito única e exclusivamente à entrega


dos 1.280 (um mil, duzentos e oitenta) equipamentos (920 ventiladores
pulmonares SH-300 e 360 aparelhos de anestesia com ventilador Comen
AX-300), quantidade final acertada entre a SES e a Hichens, trouxe a
defesa farta documentação a sinalizar adequada fiscalização da avença,

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como
em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
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em especial a relação das entregas realizadas e da alocação dos


equipamentos (evento 130.3 – TC-013441.989.20-9).

EMBARQUE AX-400 SH-300 CHEGADA LICENÇA DE IMPORTAÇÃO AWB DATA AWB

1° 50 - 19/05/2020 20/1456391-0 C AN2005029 15/05/2020

2° - 133 26/05/2020 20/1474750-6 SIN20050581 24/05/2020

3° 50 - 02/06/2020 20/1515076-7 C AN2005074 29/05/2020

4° 50 - 02/06/2020 20/1515076-7 C AN2005075 26/05/2020

5° 68 - 09/06/2020 20/1630407-5 C AN2006025 -

6° - 50 13/06/2020 20/1652079-7 SIN06693326 09/06/2020

7° 32 - 13/06/2020 20/1654840-3 C AN2006045 10/06/2020

8° - 66 18/06/2020 20/1688276-1 SIN55254544 16/06/2020

9° - 34 17/06/2020 20/1688544-2 SIN59366591 16/06/2020

10° 25 - 20/06/2020 20/1683632-8 C AN2006058 14/06/2020

11° 25 - 22/06/2020 20/1728370-5 C AN2006070 18/06/2020

12° - 66 25/06/2020 20/1760036-0 SIN55254802 16/06/2020

13° - 34 13/07/2020 20/1760102-2 SIN37475933 18/06/2020

14° - 100 02/07/2020 20/1773663-7 SIN55254975 26/06/2020

15° - 50 02/07/2020 20/1814060-6 SIN55255130 29/06/2020

16° - 50 05/07/2020 20/1814659-0 SIN55255115 29/06/2020

17° 30 - 10/07/2020 20/1829700-9 C AN2006107 06/07/2020

18° - 50 13/07/2020 20/1830435-8 SIN59365143 03/07/2020

19° - 50 13/07/2020 20/1830708-0 SIN59365132 03/07/2020

20° - 50 12/07/2020 20/1867398-1 SIN57900172 08/07/2020

21° - 17 14/07/2020 20/1867490-2 SIN57900194 08/07/2020

21° - 33 14/07/2020 20/1867490-2 SIN57900194 08/07/2020

22° - 92 14/07/2020 20/1905093-7 SIN57900323 10/07/2020

23° - 45 17/07/2020 20/1940089-0 SIN57900275 13/07/2020

24° 30 - 31/07/2020 20/1980357-9 C AN2007020 17/07/2020

360 920
TOTAL
1280
Fonte: Adaptado de evento 130.2 – TC -013441.989.20-9.

Quanto ao mais, trazer ao debate a problemática da


alocação, distribuição e uso dos respiradores, quer parecer, não é
providência que se afiniza ao desiderato processual, aqui precipuamente

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voltado à identificação do grau de cumprimento das cláusulas pactuadas


entre as partes contratantes.

Versando conteúdo essencialmente ligado à


formulação e execução das políticas públicas de saúde, tópico de
magnânima amplitude e cuja avaliação demanda instrução probatória
mais aprofundada e especializada, a gestão do aparato estatal vinculado
à área da Saúde já constituiu objeto pontual de apreciação sob classes
processuais específicas, sobretudo nas Contas do Governador relativas
ao exercício de 2020 (TC-005866.989.20-5) e nas contas anuais da
Secretaria de Estado da Saúde e de suas 88 (oitenta e oito) UGEs,
referentes ao mesmo período financeiro (TC-004009.989.20-3).

Antes de concluir, insta registrar que, no vértice


formal, as notificações exaradas lograram alcançar interessados e
responsáveis de ambas as partes contratantes, servindo, assim, ao
propósito de ampliar subjetivamente a relação processual, estabilizando-a
e aperfeiçoando-a.

Mesmo antes de preenchido esse pressuposto de


validade, já aportavam pleitos de habilitação nos feitos eletrônicos, que se
fizeram seguir do comparecimento desembaraçado e assíduo dos sujeitos
processuais no curso da instrução.

Basta, a rigor, a afluência entre a regularidade dos


atos de convocação e a presença de quem de direito para suprir a
ausência inicial de assinaturas no Termo de Ciência e de Notificação.

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TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
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Cabe, todavia, recomendar à Origem que


providencie o documento completo, doravante, nos termos e condições
impostos pelas Instruções TCESP vigentes.

Tais razões de decidir, resguardada a deferência


pelas opiniões contrárias manifestadas nos autos, encaminham o juízo
para voto que decreta a regularidade da Dispensa de Licitação nº
50/2020, da Proforma Invoice e da Oferta Comercial emitidas pela
empresa HICHENS HARRISON CAPIT AL PARTNER LLC em nome da
COORDENADORIA GERAL DE ADMINISTRAÇÃO - CGA - SECRETARIA DE
ESTADO DA SAÚDE DE SÃO PAULO.

Solução antagônica confere-se à execução


contratual, a qual, acometida por atrasos e desinteligências, deve ser
reconhecida como irregular, aplicando-se-lhe as disposições dos
incisos XV e XXVII do artigo 2° da Lei Complementar Estadual n°
709/1993.

Relativamente às Representações de trâmite


vinculado, propõe-se a declaração da improcedência da pretensão
formulada por Sérgio Olímpio Gomes (TC-012647.989.20-1) e
procedência parcial da intentada pelo Ministério Público de Contas
(TC-016384.989.20-8).

Transcorrido o prazo para interposição de eventuais


recursos, proceda-se à certificação do trânsito em julgado.

Cumpridas as demais providências cabíveis, arquive-


se o conjunto processual, não sem antes encaminhar-se cópia da
presente decisão: (i) ao Ministério Público Federal (Exp. TC-

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TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
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016798.989.20-8); (ii) ao Departamento de Polícia de Proteção à


Cidadania, da Secretaria da Segurança Pública (Exp. TC-017483.989.20-
8); (iii) ao Ministério Público do Estado, para que decida sobre a
providências de sua alçada, tendo em vista a perspectiva de que a
inexecução possa consubstanciar crime contra a Administração Pública e
obtenção de lucros ilegítimos pela Contratada (Exp. TC-007207.989.22-
9).

GCECR
DMC

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