educação museal - conceitos e métodos

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MUSEU E EDUCAÇÃO: conceitos e métodos1

Maria Célia T. Moura Santos2

Resumo

Este texto apresenta reflexões embasadas nos conceitos de educação e de


processo museológico, considerando-os como suporte para as sugestões que
são apresentadas no sentido de motivar e estimular as práticas museológica e
educativa, que tenham como produto a construção do conhecimento. É
destacada a importância da participação ativa dos diversos setores dos
museus, dos professores e das comunidades, bem como o estabelecimento de
parcerias, para a elaboração conjunta de projetos que tenham como referencial
o patrimônio cultural, contribuindo para que os museus e as escolas sejam
instituições integradas ao meio no qual estão inseridas, atuando como uma
grande rede de interação.

Abstract

This paper presents reflections based on the conceptions of education and the
museological process, both considered as a support for the suggestions presented here in
order to stimulate its practice with the aim of improving knowledge production. It is
pointed out the importance of the participation of all the museum staff, teachers and
community in elaborating projects together based on the cultural heritage, thus bringing
contribution for the integration of museums and schools in the environment in which
they are and should work as a big web of interaction.

Palavras-chave

Museu, escola, educação, patrimônio cultural, museologia, processo


museológico, processo educativo.

Apresentação

Para desenvolvimento do tema, achei por bem lançar um olhar para além dos
problemas cotidianos dos nossos museus e das nossas escolas, impregnados
da burocracia que sufoca e da falta de estrutura para o desenvolvimento dos

1
Artigo extraído do texto produzido para aula inaugural – 2001, do Curso de Especialização em
Museologia do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, proferida na abertura do Simpósio
Internacional “Museu e Educação: conceitos e métodos”, realizado no período de 20 a 25 de agosto.
2 *
Profa. Aposentada da Universidade Federal da Bahia – Curso de Museologia, Museóloga, Mestre e
Doutora em Educação.Atualmente ministra aulas nos Cursos de Especialização em Museologia do
MAE/USP e do Museu Antropológico da Faculdade de Ciências Humanas e Filosofia da Universidade
Federal de Goiás, no Curso de Especialização em Arte-Educação em Instituições Culturais da
Universidade Federal do Amapá e no Mestrado em Museologia Social da Universidade Lusófona de
Humanidades e Tecnologias, Lisboa-Portugal.
2

trabalhos. Não que os considere menos importantes! Ponderei que já estamos


cansados de “bater na mesma tecla”, causando até um certo esgotamento. Já
levamos um bom tempo constatando, avaliando, chorando as nossas mágoas;
agora, considero que é mais urgente do que nunca tomar como referencial os
diagnósticos já realizados e, com o embasamento necessário, buscar outras
estratégias de ação.

Optei, também, por fugir das discussões, até certo ponto já esgotadas, da
aplicação de métodos e técnicas a, b, c ou d, que em nosso campo de atuação
são denominados de educação patrimonial, visitas monitoradas, visitas de
estudo, etc., evitando realizar uma análise que se esgota na aplicação da
técnica pela técnica. Considero que os métodos e as técnicas a serem
utilizados em projetos a serem desenvolvidos pelos museus e pelas escolas,
devem ser apoiados nas concepções de educação, de museologia e de
museus adotadas pelos sujeitos sociais envolvidos no planejamento e na
execução dos mesmos, devendo, pois, ser adaptados aos diferentes contextos,
aos anseios e expectativas dos diversos grupos com os quais estejamos
atuando, sendo repensados constantemente, modificados e enriquecidos com
a nossa criatividade, com a nossa capacidade de ousar, realizando um
processo constante de ação e de reflexão, no qual teoria e prática estejam
sempre em interação.

Achei por bem, portanto, apresentar as minhas reflexões sobre o tema a partir
da abordagem dos conceitos de educação e processo museológico,
ressaltando a relação entre os dois, para, em seguida, apontar algumas
possibilidades de aplicação dos mesmos, nos museus e em outros contextos.
Por considerar que os museus são instituições que devem ser alimentadas pela
aplicação do processo museológico, portanto, como ação e reflexão, incluindo
teoria e prática, optei por centrar a nossa análise no processo que irá embasar
as ações museológicas, compreendidas como ações educativas, passíveis de
serem aplicadas no interior do museu ou fora dele, conforme salientado
anteriormente. Ressalto, entretanto, que os referencias aqui apresentados são
considerados, por mim, como “temporários”, ou seja, indicam uma constante
necessidade de adaptação e de renovação.

A Relação entre a Educação e o Processo Museológico

A educação, neste trabalho, está sendo considerada como um processo. O


termo processo, que também será utilizado quando da discussão da aplicação
das ações museológicas, está sendo considerado em sua origem latina, ou
seja: ação de avançar, atividade reflexiva que tem como objetivo alcançar o
conhecimento de algo3, seqüência de estados de um sistema que se
transforma. Assim, educação significa reflexão constante, pensamento crítico,
criativo e ação transformadora do sujeito e do mundo; atividade social e
cultural, historico-socialmente condicionada. A educação, portanto, está sendo
compreendida como “processo de formação da competência humana, com

3
Japiassú, Hilton. Dicionário Básico de Filosofia / Hilton Japiassú, Danilo Marcondes. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed.,1996.
3

qualidade formal e política, encontrando no conhecimento inovador a alavanca


principal da intervenção ética” (Demo, 1996, p.1).

A Museologia e a Educação, consideradas como historico-socialmente


condicionadas, assumem, em cada período histórico, características que são
resultado das ações do homem, no mundo, fazendo com que possamos
considerá-las como possibilidade e não como determinação. Daí, a
necessidade de contextualizá-las, situando-as no tempo e no espaço
compreendendo-as como ação social e cultural. A contemporaneidade não
comporta mais modelos de desenvolvimento tecnológico e científico
dissociados dos referenciais culturais de um povo. Cultura e desenvolvimento,
mais do que nunca, têm que andar de mãos dadas.

Outro aspecto que quero ressaltar, ainda relacionado à necessidade de


interação entre as diversas áreas do conhecimento e do reconhecimento a que
este está historico-socialmente condicionado, é a necessidade de abertura para
o mundo, daqueles que são responsáveis por sua produção, no sentido de
transformar a extensão em ação, acreditando que é possível construir
conhecimento na troca, na relação entre o ensino formal e o não-formal, no
respeito à experiência e à criatividade dos muitos sujeitos sociais que estão
fora das academias e que podem nos indicar caminhos e soluções muitas
vezes por nós despercebidos, os quais, também, serão enriquecidos a partir
das nossas reflexões e do conhecimento por nós produzido.

Comentando sobre a necessidade de abertura da escola ao meio, Flecha e


Tortajada,(2000, p.34), salientam que “a educação na sociedade da informação
deve basear-se na utilização de habilidades comunicativas, de tal modo que
nos permita participar mais ativamente e de forma mais crítica e reflexiva na
sociedade”. Os autores sugerem que as escolas sejam transformadas em
comunidades de aprendizagem, apoiadas nos conceitos de educação,
integrada, participativa e permanente. Ao considerar que os processos
educativos têm um caráter contínuo e permanente e que não se esgotam no
âmbito escolar, salientam que temos que reconhecer que as aprendizagens
que as pessoas realizam não se reduzem às oferecidas na escola; sendo
assim, consideram de fundamental importância a incorporação da comunidade
e do meio familiar ao trabalho diário da escola. Salientam ainda os referidos
autores que “não se deve repassar conhecimentos ‘cadêmico-formais’de
maneira exclusiva. Deve-se partir da combinação entre o prático, o acadêmico
e o comunicativo, fazendo com que a comunidade e as famílias participem
juntamente com os professores”.

A análise da educação, portanto, está sendo aqui realizada compreendendo-a


como um processo que deve ter como referencial o patrimônio cultural,
considerando que este é um suporte fundamental para que a ação educativa
seja aplicada, levando em consideração a herança cultural dos indivíduos, em
um determinado tempo e espaço, considerando que as diversas áreas do
conhecimento não funcionam como compartimentos estanques, mas são parte
de uma grande diversidade, que é resultado de uma teia de relações, em que
cultura, ciência e tecnologia em cada momento histórico, são construídas e
4

reconstruídas pela ação do homem, produtor de cultura e conhecimento. Nesse


sentido, compreendemos que a escola é uma instituição que faz parte do
patrimônio cultural e, ao mesmo tempo, é alimentada por diversos patrimônios
culturais, representados pelo conhecimento produzido e acumulado ao longo
dos anos, resultado da herança cultural construída pelos sujeitos sociais ao
longo da vida, ou seja, a tradição, que deve ser compreendida, também, como
um processo de construção e reconstrução.

Ao justificar a adoção do termo reconstrutivo para a aprendizagem, Demo


(2000,p.102) registra que aprendemos a partir daquilo que já aprendemos,
conhecemos a partir do que está conhecido, lemos a realidade dentro de certo
contexto prévio, entendemo-nos na linguagem sobre pano de fundo partilhado
e não questionado. O autor salienta que utiliza o termo reconstrutivo fazendo
uma alusão tanto à sua marca biológica de interpretação seletiva quanto à
social de formação do sujeito capaz de fazer história. A reconstrução conduz-
nos, então, a compreender a educação como projeto. Sacristán (2000, p. 49 ),
comentando sobre a compreensão da educação como projeto, destaca que
isso distingue a importância de um certo imaginário individual e coletivo que o
configure e dê força de projeção futura, tornando claro que não está falando de
um projeto de sociedade de indivíduos perfeitos, considerados como algo fixo,
o que , na verdade, destaca o autor, suprimiria qualquer pluralismo. Refere-se
a um projeto como imagem-tentativa e revisável, à medida que é construída de
forma aberta. Ao comentar que a educação se nutre da cultura conquistada,
comenta que ela atinge o seu sentido mais moderno como projeto, pois tem a
capacidade de fazer aflorar homens e mulheres e sociedades melhores, com
melhor qualidade de vida; isto é, encontra sua justificativa em transcender o
presente e tudo o que vem dado, e, concluindo, salienta que sem utopia não há
educação.

Comentando sobre a importância da tradição para o processo educativo, o


mesmo autor ressalta que só se pode pensar a partir do que foi pensado por
outros.Destaca,ainda,que só temos o que os outros conquistaram, valorizações
do que foi feito, mais os desejos de continuar de uma determinada maneira o
processo de continuar conquistando. A educação, portanto, alimenta-se da
tradição, sendo esta o suporte essencial que lhe dá sentido, fornecendo a base
necessária para a construção e reconstrução do conhecimento.

Sacristán (2000, p.49) ainda nos chama a atenção para a necessidade de


manter e estimular, a partir das primeiras experiências de aprendizagem de
materiais herdados, a liberdade, a independência pessoal, o valor da
expressão de cada um e da autonomia4 como sementes das quais poderá
nascer uma atitude crítica para a reconstrução da tradição:

4
O grifo foi por mim acrescentado com o objetivo de chamar a atenção para a necessidade de
compreender a tradição como um conceito dinâmico, resultado da ação do homem, em um determinado
tempo e espaço, portanto, historico-socialmente condicionada.
5

“O herdado” compreende os âmbitos mais diversos


da experiência constituída em saber codificado: a
ciência, a tecnologia, o conhecimento social, as
artes, a literatura, etc. Em todos eles, refletem-se as
lutas da humanidade para dominar o mundo, para
melhorá-lo, para vivê-lo de maneiras diferentes.
Nesses saberes, também se encontram os
instrumentos e as imagens que denunciam os erros
cometidos, as injustiças e as necessidades
insatisfeitas. Uma seleção adequada de tudo isso
preenche-nos o programa de uma ilustração
ponderada para continuar reflexivamente e refazer o
progresso, que deve ser material e espiritual,
instrumental e moral.

É interessante registrar, entretanto, que os conteúdos transmitidos pelas


escolas, ao longo dos anos, têm privilegiado padrões de cultura importados,
aplicados, sem a devida redução social, em currículos com conteúdos impostos
de cima para baixo, dissociados da realidade dos alunos, em escolas
burocratizadas e distantes das comunidades na qual estão inseridas. Tema por
mim já discutido (Santos, 1993), realizando uma reflexão sobre a atuação dos
museus e das escolas, no Brasil. No contexto da escola burocratizada, cuja
análise-diagnóstico foi ali apresentada e que, até certo ponto, ainda pode ser
considerada atualizada, há a adoção do conceito de patrimônio cultural como a
“acumulação de bens, produzidos no passado e representativos da produção
cultural de determinadas camadas da sociedade”, patrimônio este, preservado
e depositado nos museus, para deleite de um determinado grupo da sociedade.
O conceito de museu, para a grande maioria de professores e alunos, ainda
permanece como “um local onde se guarda coisas antigas”, sendo que o
patrimônio cultural é compreendido como algo que se esgota no passado,
cabendo aos sujeitos sociais, contemplá-lo, de maneira passiva, sem nenhuma
relação com a vida, no presente. Cultura, patrimônio e tradição são produtos
dissociados do cotidiano do professor e da vida dos seus alunos.

Repensar a tradição e reconstruí-la é missão primordial da escola; o legado


cultural deve ser a base, o referencial básico para a apresentação de novos
problemas e de novas abordagens, o que só poderá ser conseguido por meio
da pesquisa, considerada como princípio educativo. Demo (1996, p.7 ) chama
a atenção para o fato de que é essencial desenvolver a face educativa da
pesquisa, pois, caso contrário iríamos restringi-la a mera acumulação de
dados, experimentos, leituras, que não passam de insumos preliminares,
enquanto a pesquisa inclui sempre a percepção emancipatória do sujeito que
busca fazer e fazer-se oportunidade, à medida que começa e se reconstitui
pelo questionamento sistemático da realidade. Incluindo a prática como
componente necessário da teoria e vice-versa, englobando a ética dos fins e
dos valores. A pesquisa, como princípio educativo, deveria ser, então, o
caminho a ser percorrido, no sentido de estabelecer uma relação efetiva entre
educação e cultura, visando à apropriação, à reapropriação e à criação de
novos patrimônios culturais.

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