CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS, TERRITORIALIDADES E FRONTEIRAS, 2024
A motivação para o presente artigo surge a partir das provocações do pensamento decolonial (QUIJA... more A motivação para o presente artigo surge a partir das provocações do pensamento decolonial (QUIJANO, 2005; MIGNOLO, 2007; LUGONES, 2014) e da ecologia política latino-americana (ALIMONDA, 2017; ULLOA, 2020). Entendemos o direito como relação social e, por esta razão, motivamos o olhar para além das interpretações que ressaltam o individualismo, a abstração e a crença em soluções pretensamente universais na emergência do estado moderno e do paradigma liberal-burguês e que arrogou a pretensão de um único mundo possível. Concordamos com o pensamento da ecologia política na perspectiva decolonial que recorda a necessidade de tecer argumentações críticas à ordem estabelecida para a busca de interlocuções com as vozes subalternizadas. Entendemos o direito como produtor de realidade e como imaginação do mundo (GEERTZ, 2013) e, em razão disso, buscamos refletir sobre a articulação entre conhecimento e re-conhecimento de modos de vida que expandam nosso repertório político e funcionem para desarmar as violações de direitos que surgem nos conflitos socioambientais por terra e território, que é o campo de preocupações do direito socioambiental
Pai Elias, também conhecido como Golodéssi, é um axogun 1 de destaque no Ilé Asé Ojú Ogun Fumnila... more Pai Elias, também conhecido como Golodéssi, é um axogun 1 de destaque no Ilé Asé Ojú Ogun Fumnilaiyó. Com 60 anos de idade e uma habilidade ímpar nos cortes afro-brasileiros, ele é especialista nos fundamentos desta arte. Sua mão-de-faca representa sua ligação com essa prática ancestral e, ao mesmo tempo, sua obrigação para com o santo. É nesse sentido que todo cargo de candomblé é também e, talvez, sobretudo, um encargo. Odé Golodéssi é o único axogun do terreiro e o Ogan mais experiente na região da foz dos rios Iguaçu e Paraná. Com mais de 30 anos de seu caminho iniciático, ele compartilha, em suas conversas, sobre o sagrado ofício de cortar para os orixás. Este texto tem como objetivo, a partir da perspectiva de um especialista ritual, aprofundar a compreensão sobre o ato de cortar nas tradições de matriz africana, que transcende a simples ação física, tornando-se uma forma de multiplicar o cosmo. Conforme salienta Marcio Goldman, o rito de "sacrificar" no terreiro do Matamba Tombenci Neto, é denominado "cortar"; e tal qual no mito narrado por Nathan e Hounkpatin, a divindade originária se corta a si mesma a fim de introduzir a multiplicidade e a vida no mundo. O Um é, na cosmopolítica enterreirada, um grande perigo, percepção que pode ter 1 Os termos em itálico são categorias nativas dos terreiros de Angola e Ketu.
Falar de independência é sempre tratar de liberdade e de libertação.
Mas também de esperança e de... more Falar de independência é sempre tratar de liberdade e de libertação. Mas também de esperança e desespero. Neste ensaio, proponho que, afinando-nos com a voz e a vocação dos candomblés, revertamos alguns dos sentidos e afetos emaranhados em nossa imaginação política e em nossos estilos historiográficos para retesar a mitologia da nação como se retesa a corda de um arco ou a de um berimbau. Em outras palavras, sugiro que é possível lançar ou fazer vibrarem versões minoritárias da brasilidade compondo liberdade, esperança e desespero ao modo dos caboclos, marujos e boiadeiros, em uma espécie de apego à terra simultaneamente mais popular e mais cosmopolita do que os patriotismos oficiais. Essa (re)versão acaboclada da independência - como a que reverbera nas festividades do Dois de Julho baiano – dá protagonismo tanto a tradições afroatlânticas de lutas contracoloniais quanto a relações afro-indígenas que acenam para uma nação-quilombo ou nação-aldeia.
Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Dec 29, 2017
This text introduces the Brazilian public, through its translation from the original in English, ... more This text introduces the Brazilian public, through its translation from the original in English, to the discussions current in England and other countries in the world about the so called spatialization of law and to the different researches that have explored the important relationships between time, space and the production of law and of power. Professor Andreas Philippopoulos-Mihalopoulos-born in Greece, PhD by Birkbeck, and current professor at the University of Westminster-writes a text central to the debate that come from the so called critical legal geographies, up to the object ontologies, the theory of autopoiesis and the critical social-legal theories, in a profound inter and transdisciplinary approach. In the text hereby translated presents the basis of his theory of law in dialogue to the idea of spatialization and defy us to rethink the theory of justice from the standpoint of the variables introduced by these categories.
O que acontece quando orixás, ancestrais e espíritos extrapolam os muros dos terreiros e passam a... more O que acontece quando orixás, ancestrais e espíritos extrapolam os muros dos terreiros e passam assentar-se em documentos e órgãos burocráticos? Quando (ar)riscam ponto não apenas na metrópole, mas também na arquitetura das instituições? O artigo explora a contaminação recíproca entre nomos (o mundo normativo do Estado) e axé (o mundo normativo afroatlântico), a partir do processo de tombamento da Casa Branca do Engenho Velho (Salvador/BA), primeiro templo de candomblé patrimonializado em nível federal, na década de 1980. Ao longo do conflito (fundiário e ontológico) travado pela manutenção da morada dos deuses negros, imaginações contrastantes acerca da terra (e sua reconversão em chão) e da nação (na multiplicidade de seus enredos) cohabitam não apenas nos discursos e práticas do povo de santo, mas em mitologias e ritos de funcionários públicos, despossuindo os sentidos da cidade, dos direitos, das heranças e dos patrimônios.
"Afronteiras: Transes e Trânsitos do Axé" é um livro escrito por Mãe Marina Tunirê de Ogum, seu f... more "Afronteiras: Transes e Trânsitos do Axé" é um livro escrito por Mãe Marina Tunirê de Ogum, seu filho Mauricio Santos de Oxóssi e o professor Thiago Hoshino de Nkassuté Lembá. Com o prefácio de Mãe Katule Afonjesi e a capa de Maicon Rugeri, a obra mergulha no tema das fronteiras presentes nas religiões afro-brasileiras. Através de distintas versões, o livro explora a fronteira na estrutura da "família de santo", na posição liminar das comunidades diaspóricas na modernidade brasileira, na transitividade entre o domínio dos viventes e dos ancestrais, na composição de dinâmicas espaciais urbanas e rurais e de formas de segmentação política. Além disso, os "caminhos" globais da prática afrorreligiosa e seus itinerários são abordados na obra.
Este livro é fruto de enredos e não poderia ser diferente. A vida no santo é a rede dessas relações que amarram destino e circunstância, necessidade e contingência, caminho e vontade. Porosas como a pele, as fronteiras não são nem intransponíveis, nem completamente permeáveis. Quando Bará avança sobre Ciudad del Este ou Caboclo começa a rezar em portuñol, algo na cidade e na linguagem se reassenta. Okiriokô, aquele que está em muitas partes, informa os percursos transnacionais de seus filhos e filhas, dando conta tanto dos preceitos da lei do santé quanto da lei do direito. Fiar as teias do axé faz parte de sua vocação expansiva, (des)fazendo caminhos que afrontam os modos e distribuições do estado-nação e encruzando linhas de força, linhas de mapa e linhas de fuga.
O presente artigo trata de ações políticas como ações corporificadas, ações que (in)corporam a Co... more O presente artigo trata de ações políticas como ações corporificadas, ações que (in)corporam a Constituição num determinado modo da política e em determinados sujeitos políticos. É nessa acepção que a Constituição pode ser imaginada, operada e praticada-vivida como um dispositivo que põe em jogo e em questão o reconhecível e o irreconhecível. Também nesse sentido, aproxima-se da política dos corpos que, em sua precariedade constitutiva e em sua reunião (aliança) pode se assemelhar ao demoníaco, por parecer expressão desenfreada da soberania popular que coloca em risco o Estado. Mas também pode (para explorar outros limites do reconhecível e irreconhecível), justamente pela performatividade política dos corpos, ajudar a pensar os termos de uma constituição radical em novos elos de mediação e relação com a ação política. Democracia – como política democrática – e demonismo – como campo do abissal – portanto, andam a assombrar-se mutuamente.
O presente trabalho propõe uma análise dos núcleos de representações “jurídicas” passíveis de ide... more O presente trabalho propõe uma análise dos núcleos de representações “jurídicas” passíveis de identificação no âmbito dos mitos gregos. Acessados especialmente pelas obras de Hesíodo e Homero, abarcam o período dos séculos VIII ao VI a.C. Nossa hipótese é a de que, não surgindo o direito aí como um fenômeno dotado de autonomia, é mais fecundo observá-lo desde sua funcionalidade ritual, ensejando práticas sociais diversas de resolução de conflitos, atribuição de poderes, reconhecimento de pertencimentos, etc. Nesse sentido, se o rito atualiza e presentifica o mito, essas práticas têm um caráter performático. Dentro da tensão entre continuidade e descontinuidade, nosso objetivo foi explicitar de que maneira as transformações que conduzirão ao “milagre” democrático do século V estão associadas à tradição narrativa mitológica e a uma dialética envolvendo o estatuto ontológico da palavra, cuja laicização permite que seja publicamente apropriada por espectros cada vez mais amplos da polis...
Anais do XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico, 2022
As cidades brasileiras estão saturadas de assombrações, fantasmas e espectros, camadas de existên... more As cidades brasileiras estão saturadas de assombrações, fantasmas e espectros, camadas de existência inscritas na materialidade das violências coloniais, raciais e patriarcais. Este é o tema da presente comunicação, tomando como objeto de análise duas obras dos artistas negros baianos Ayrson Heráclito (Sacudimentos, 2015) e Tiago Sant’Ana (Casa de Purgar, 2018).
Os caboclos são espíritos e encantados afro-ameríndios que podem se manifestar por muitas formas ... more Os caboclos são espíritos e encantados afro-ameríndios que podem se manifestar por muitas formas nas religiões de matriz africana. Em comum têm a capacidade (nem sempre compartilhada por outras divindades, como os orixás) de falar. Mais do que uma capacidade, trata-se de uma habilidade codificada por meio da qual exercem sua agência sobre o mundo e sobre seus adeptos. Dentre os registros linguísticos mais notórios dos caboclos está o “sotaque”, categoria nativa que nomeia uma situação de desafio em forma de bravata que estabelece um diálogo, uma alternância entre (en)cantadores. Considerado como disputa, mais do que briga, o sotaque sempre dramatiza um conflito como alegoria e abre a possibilidade de encenar, de inovar, de versejar e de construir contextualmente sobre o texto da tradição. Por sua vez, essa enunciação depende sempre da materialidade de um “cavalo” que a vocalize, dando “passagem” ao sujeito oculto pelo racismo estrutural, epistêmico e cotidiano. O presente artigo tom...
Lo Squaderno: explorations in space and society, 2022
Phantasmagorias index a certain regime of visibility of places. Irreducible as they are, specters... more Phantasmagorias index a certain regime of visibility of places. Irreducible as they are, specters dis/constitute the materiality of cities as the eye wavers to capture it. But what about listening to ghosts? Or else singing along with them? Departing from an ethnographic scene in the kitchen of a terreiro, we follow the tra(n)ces of African-Brazilian spirits as they sing themselves inhabitants of innumerous territories through the musical repertoire of Candomblé (pontos/cantigas). The paper invites to a hauntopological cha(n/r)ting of crossroads, graveyards, squares, railways, marketplaces and cabarets, the troubling dwellings of diasporic entities who queer and blacken colonial landscapes. As Exus, Pombagiras, Eguns and Malandros irreverently wander southern metropolises – and this text - they co-lapse the rigid tablatures of identification and intelligibility composing spaces of sarcastic hospitality in the midst of hostile urbanities.
Orientadora: Profa. Dra. Vera Karam de ChueiriTese (doutorado) - Universidade Federal do Paraná, ... more Orientadora: Profa. Dra. Vera Karam de ChueiriTese (doutorado) - Universidade Federal do Paraná, Setor de Ciências Jurídicas, Programa de Pós-Graduação em Direito. Defesa : Curitiba, 12/11/2020Inclui referências: p. 350-364Área de concentração: Direito do EstadoResumo: O que acontece quando nomos e axé se ocupam um do outro? É disso que esta tese se ocupa. Situando-se no campo da antropologia do direito, ela explora e busca amplificar desterritorializações que os modos do Atlântico negro (um nomos-kalunga ou okúnico) fazem funcionar dentro do nomos da terra ou, noutras palavras, a refração dos santos (orixás, voduns, inquices, caboclos, exus, pombagiras, malandros, encantados, eguns) nos corpos (e no corpus) do direito. O direito virado no santo não é rigorosamente um outro direito, mas a explicitação da sua multiplicidade, a irrupção das suas versões simultâneas, o realce dos seus devires-menores, seus enredos. Esses são devires posse-possessão, devires assento-assentamento, devire...
Tradução do texto de Jaime Rodriguez Arocha, originalmente publicado como introdução da obra Ombl... more Tradução do texto de Jaime Rodriguez Arocha, originalmente publicado como introdução da obra Ombligados de Ananse: hilos ancestrales y modernos en el Pacífico Colombiano (Arocha, 1999). As referências bibliográficas foram deixadas no formato original empregado pelo autor e foi mantida parte dos termos nativos e estrangeiros, destacados em itálico. Quando necessário para melhor compreensão do(a) leitor(a) brasileiro(a), notas explicativas dos(as) tradutores(as) foram inseridas.
Dicionário de Arquitetura dos Terreiros (Caderno Maloca n. 2), 2021
Todo o material escrito pode ser reproduzido para atividades sem fins lucrativos, mediante citaçã... more Todo o material escrito pode ser reproduzido para atividades sem fins lucrativos, mediante citação da fonte.
20 anos do Estatuto da Cidade Reflexões sobre temas-chave, 2021
A impressão que tenho é de que, no curso desses vinte anos, nós (quero dizer, nós pesquisadoras e... more A impressão que tenho é de que, no curso desses vinte anos, nós (quero dizer, nós pesquisadoras e teóricas, de distintas filiações, compromissadas com o direito à cidade), por algum motivo, evitamos o tema da justiça, embora ele atravesse ininterruptamente (não saberia afirmar se sempre de modo sincero) nossas preocupações e nossa produção. Talvez isso tenha acontecido porque o imaginássemos solucionado e superado, talvez porque o considerássemos fora de moda, talvez porque nossos consórcios disciplinares se estabeleceram, por afinidades eletivas, com áreas não dedicadas particularmente a problemas como os da justiça. Porém, quando reviramos os casos concretos, quando entrevistamos autoridades e funcionários, quando trabalhamos na ou com administração pública, quando peticionamos em juízo, quando lutamos ao lado de movimentos sociais e comunidades cuja a vida está sob ameaça, não é difícil constatar que a (in)justiça está por toda a parte e, por toda parte controvertida: às vezes, como premissa (declarada ou tácita), às vezes, como promessa, como reinvindicação, como mote ou meta. Não será, então, uma de nossas tarefas – e me refiro às “tarefas”, às construções (opera) porque descobri-las ou inventá-las parece ser uma das funções de um balanço), retomar a questão da justiça e, mais precisamente, da justiça urbana, cuja exploração pode se dar, entre outros caminhos, pela interrogação sobre o que, afinal, podemos extrair de uma diretriz como a justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização? Não tenho a resposta, obviamente, mas intuo que há mais coisas a se fazer com ela do que recuperar mais-valias, sua explicação mais corriqueira. Portanto, penso que seria interessante nos determos nisso que é lexicalmente anterior aos resultados práticos dos instrumentos urbanísticos, algo menos pretensioso do que uma teoria e mais operativo do que um imaginário: quem sabe um vocabulário da justiça urbana que, ao mesmo tempo, não ignore as gramáticas do cálculo e não se renda a elas. Isso nós teremos de fazer (refiro-me, agora, a um “nós” muito mais abrangente do que o universo acadêmico) premidas por um tempo de urgências e sem nome, desafiadas pela crise (da teoria) urbana e pelo assombro (do imaginário) do estado de bem-estar social quando nem “cidade” nem “justiça” estão dadas ou podem ser localizadas sem percalços.
O presente artigo objetiva analisar o tratamento jurisdicional recebido pelos conflitos fundiário... more O presente artigo objetiva analisar o tratamento jurisdicional recebido pelos conflitos fundiários urbanos e rurais no Estado do Paraná. Para isso, foram colhidos, sistematizados e interpretados dados relativos a processos judiciais de caráter coletivo nos quais houve intervenção do Núcleo Itinerante de Questões Fundiárias e Urbanísticas da Defensoria Pública do Estado do Paraná em prol de comunidades em situação de vulnerabilidade. Os resultados da pesquisa indicam: a) a distribuição dos conflitos fundiários em diversas classes de ação e as dificuldades metodológicas que tal dispersão impõe às pesquisas, inclusive em relação às taxonomias adotadas pelos tribunais; b) a importância crescente das novas modalidades de intervenção defensorial, como o custos vulnerabilis; c) a participação expressiva de atores do Poder Público como promotores de deslocamentos involuntários; d) a utilização ainda reduzida e não padronizada das audiências de conciliação/mediação; e) a tendência judicial f...
Os terreiros, de distintas matrizes, são comunidades tradicionais nos termos da Convenção 169 da ... more Os terreiros, de distintas matrizes, são comunidades tradicionais nos termos da Convenção 169 da OIT e do Decreto 6.040/2007. Eles constituem territórios de axé que albergam saberes ancestrais, valores civilizacionais e organização social próprios na desterritorialização da diáspora negra. A litigância estratégica realizada pela Defensoria Pública em favor dessas comunidades, sobretudo no âmbito dos conflitos fundiários, passa pelo reconhecimento do patrimônio cultural afro-brasileiro e da dimensão espiritual desses espaços e seus modos de vida. Também exige uma percepção aguçada das formas de manifestação do racismo ambiental, institucional e religioso. O artigo analisa como esses direitos e fundamentos foram articulados com sucesso pela Defensoria Pública do Paraná em recente demanda judicial, na qual a intervenção como custos vulnerabilis garantiu a permanência da Cabana de Pai Tomé e Mãe Rosário, casa de umbanda situada em Curitiba (PR).
CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS, TERRITORIALIDADES E FRONTEIRAS, 2024
A motivação para o presente artigo surge a partir das provocações do pensamento decolonial (QUIJA... more A motivação para o presente artigo surge a partir das provocações do pensamento decolonial (QUIJANO, 2005; MIGNOLO, 2007; LUGONES, 2014) e da ecologia política latino-americana (ALIMONDA, 2017; ULLOA, 2020). Entendemos o direito como relação social e, por esta razão, motivamos o olhar para além das interpretações que ressaltam o individualismo, a abstração e a crença em soluções pretensamente universais na emergência do estado moderno e do paradigma liberal-burguês e que arrogou a pretensão de um único mundo possível. Concordamos com o pensamento da ecologia política na perspectiva decolonial que recorda a necessidade de tecer argumentações críticas à ordem estabelecida para a busca de interlocuções com as vozes subalternizadas. Entendemos o direito como produtor de realidade e como imaginação do mundo (GEERTZ, 2013) e, em razão disso, buscamos refletir sobre a articulação entre conhecimento e re-conhecimento de modos de vida que expandam nosso repertório político e funcionem para desarmar as violações de direitos que surgem nos conflitos socioambientais por terra e território, que é o campo de preocupações do direito socioambiental
Pai Elias, também conhecido como Golodéssi, é um axogun 1 de destaque no Ilé Asé Ojú Ogun Fumnila... more Pai Elias, também conhecido como Golodéssi, é um axogun 1 de destaque no Ilé Asé Ojú Ogun Fumnilaiyó. Com 60 anos de idade e uma habilidade ímpar nos cortes afro-brasileiros, ele é especialista nos fundamentos desta arte. Sua mão-de-faca representa sua ligação com essa prática ancestral e, ao mesmo tempo, sua obrigação para com o santo. É nesse sentido que todo cargo de candomblé é também e, talvez, sobretudo, um encargo. Odé Golodéssi é o único axogun do terreiro e o Ogan mais experiente na região da foz dos rios Iguaçu e Paraná. Com mais de 30 anos de seu caminho iniciático, ele compartilha, em suas conversas, sobre o sagrado ofício de cortar para os orixás. Este texto tem como objetivo, a partir da perspectiva de um especialista ritual, aprofundar a compreensão sobre o ato de cortar nas tradições de matriz africana, que transcende a simples ação física, tornando-se uma forma de multiplicar o cosmo. Conforme salienta Marcio Goldman, o rito de "sacrificar" no terreiro do Matamba Tombenci Neto, é denominado "cortar"; e tal qual no mito narrado por Nathan e Hounkpatin, a divindade originária se corta a si mesma a fim de introduzir a multiplicidade e a vida no mundo. O Um é, na cosmopolítica enterreirada, um grande perigo, percepção que pode ter 1 Os termos em itálico são categorias nativas dos terreiros de Angola e Ketu.
Falar de independência é sempre tratar de liberdade e de libertação.
Mas também de esperança e de... more Falar de independência é sempre tratar de liberdade e de libertação. Mas também de esperança e desespero. Neste ensaio, proponho que, afinando-nos com a voz e a vocação dos candomblés, revertamos alguns dos sentidos e afetos emaranhados em nossa imaginação política e em nossos estilos historiográficos para retesar a mitologia da nação como se retesa a corda de um arco ou a de um berimbau. Em outras palavras, sugiro que é possível lançar ou fazer vibrarem versões minoritárias da brasilidade compondo liberdade, esperança e desespero ao modo dos caboclos, marujos e boiadeiros, em uma espécie de apego à terra simultaneamente mais popular e mais cosmopolita do que os patriotismos oficiais. Essa (re)versão acaboclada da independência - como a que reverbera nas festividades do Dois de Julho baiano – dá protagonismo tanto a tradições afroatlânticas de lutas contracoloniais quanto a relações afro-indígenas que acenam para uma nação-quilombo ou nação-aldeia.
Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Dec 29, 2017
This text introduces the Brazilian public, through its translation from the original in English, ... more This text introduces the Brazilian public, through its translation from the original in English, to the discussions current in England and other countries in the world about the so called spatialization of law and to the different researches that have explored the important relationships between time, space and the production of law and of power. Professor Andreas Philippopoulos-Mihalopoulos-born in Greece, PhD by Birkbeck, and current professor at the University of Westminster-writes a text central to the debate that come from the so called critical legal geographies, up to the object ontologies, the theory of autopoiesis and the critical social-legal theories, in a profound inter and transdisciplinary approach. In the text hereby translated presents the basis of his theory of law in dialogue to the idea of spatialization and defy us to rethink the theory of justice from the standpoint of the variables introduced by these categories.
O que acontece quando orixás, ancestrais e espíritos extrapolam os muros dos terreiros e passam a... more O que acontece quando orixás, ancestrais e espíritos extrapolam os muros dos terreiros e passam assentar-se em documentos e órgãos burocráticos? Quando (ar)riscam ponto não apenas na metrópole, mas também na arquitetura das instituições? O artigo explora a contaminação recíproca entre nomos (o mundo normativo do Estado) e axé (o mundo normativo afroatlântico), a partir do processo de tombamento da Casa Branca do Engenho Velho (Salvador/BA), primeiro templo de candomblé patrimonializado em nível federal, na década de 1980. Ao longo do conflito (fundiário e ontológico) travado pela manutenção da morada dos deuses negros, imaginações contrastantes acerca da terra (e sua reconversão em chão) e da nação (na multiplicidade de seus enredos) cohabitam não apenas nos discursos e práticas do povo de santo, mas em mitologias e ritos de funcionários públicos, despossuindo os sentidos da cidade, dos direitos, das heranças e dos patrimônios.
"Afronteiras: Transes e Trânsitos do Axé" é um livro escrito por Mãe Marina Tunirê de Ogum, seu f... more "Afronteiras: Transes e Trânsitos do Axé" é um livro escrito por Mãe Marina Tunirê de Ogum, seu filho Mauricio Santos de Oxóssi e o professor Thiago Hoshino de Nkassuté Lembá. Com o prefácio de Mãe Katule Afonjesi e a capa de Maicon Rugeri, a obra mergulha no tema das fronteiras presentes nas religiões afro-brasileiras. Através de distintas versões, o livro explora a fronteira na estrutura da "família de santo", na posição liminar das comunidades diaspóricas na modernidade brasileira, na transitividade entre o domínio dos viventes e dos ancestrais, na composição de dinâmicas espaciais urbanas e rurais e de formas de segmentação política. Além disso, os "caminhos" globais da prática afrorreligiosa e seus itinerários são abordados na obra.
Este livro é fruto de enredos e não poderia ser diferente. A vida no santo é a rede dessas relações que amarram destino e circunstância, necessidade e contingência, caminho e vontade. Porosas como a pele, as fronteiras não são nem intransponíveis, nem completamente permeáveis. Quando Bará avança sobre Ciudad del Este ou Caboclo começa a rezar em portuñol, algo na cidade e na linguagem se reassenta. Okiriokô, aquele que está em muitas partes, informa os percursos transnacionais de seus filhos e filhas, dando conta tanto dos preceitos da lei do santé quanto da lei do direito. Fiar as teias do axé faz parte de sua vocação expansiva, (des)fazendo caminhos que afrontam os modos e distribuições do estado-nação e encruzando linhas de força, linhas de mapa e linhas de fuga.
O presente artigo trata de ações políticas como ações corporificadas, ações que (in)corporam a Co... more O presente artigo trata de ações políticas como ações corporificadas, ações que (in)corporam a Constituição num determinado modo da política e em determinados sujeitos políticos. É nessa acepção que a Constituição pode ser imaginada, operada e praticada-vivida como um dispositivo que põe em jogo e em questão o reconhecível e o irreconhecível. Também nesse sentido, aproxima-se da política dos corpos que, em sua precariedade constitutiva e em sua reunião (aliança) pode se assemelhar ao demoníaco, por parecer expressão desenfreada da soberania popular que coloca em risco o Estado. Mas também pode (para explorar outros limites do reconhecível e irreconhecível), justamente pela performatividade política dos corpos, ajudar a pensar os termos de uma constituição radical em novos elos de mediação e relação com a ação política. Democracia – como política democrática – e demonismo – como campo do abissal – portanto, andam a assombrar-se mutuamente.
O presente trabalho propõe uma análise dos núcleos de representações “jurídicas” passíveis de ide... more O presente trabalho propõe uma análise dos núcleos de representações “jurídicas” passíveis de identificação no âmbito dos mitos gregos. Acessados especialmente pelas obras de Hesíodo e Homero, abarcam o período dos séculos VIII ao VI a.C. Nossa hipótese é a de que, não surgindo o direito aí como um fenômeno dotado de autonomia, é mais fecundo observá-lo desde sua funcionalidade ritual, ensejando práticas sociais diversas de resolução de conflitos, atribuição de poderes, reconhecimento de pertencimentos, etc. Nesse sentido, se o rito atualiza e presentifica o mito, essas práticas têm um caráter performático. Dentro da tensão entre continuidade e descontinuidade, nosso objetivo foi explicitar de que maneira as transformações que conduzirão ao “milagre” democrático do século V estão associadas à tradição narrativa mitológica e a uma dialética envolvendo o estatuto ontológico da palavra, cuja laicização permite que seja publicamente apropriada por espectros cada vez mais amplos da polis...
Anais do XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico, 2022
As cidades brasileiras estão saturadas de assombrações, fantasmas e espectros, camadas de existên... more As cidades brasileiras estão saturadas de assombrações, fantasmas e espectros, camadas de existência inscritas na materialidade das violências coloniais, raciais e patriarcais. Este é o tema da presente comunicação, tomando como objeto de análise duas obras dos artistas negros baianos Ayrson Heráclito (Sacudimentos, 2015) e Tiago Sant’Ana (Casa de Purgar, 2018).
Os caboclos são espíritos e encantados afro-ameríndios que podem se manifestar por muitas formas ... more Os caboclos são espíritos e encantados afro-ameríndios que podem se manifestar por muitas formas nas religiões de matriz africana. Em comum têm a capacidade (nem sempre compartilhada por outras divindades, como os orixás) de falar. Mais do que uma capacidade, trata-se de uma habilidade codificada por meio da qual exercem sua agência sobre o mundo e sobre seus adeptos. Dentre os registros linguísticos mais notórios dos caboclos está o “sotaque”, categoria nativa que nomeia uma situação de desafio em forma de bravata que estabelece um diálogo, uma alternância entre (en)cantadores. Considerado como disputa, mais do que briga, o sotaque sempre dramatiza um conflito como alegoria e abre a possibilidade de encenar, de inovar, de versejar e de construir contextualmente sobre o texto da tradição. Por sua vez, essa enunciação depende sempre da materialidade de um “cavalo” que a vocalize, dando “passagem” ao sujeito oculto pelo racismo estrutural, epistêmico e cotidiano. O presente artigo tom...
Lo Squaderno: explorations in space and society, 2022
Phantasmagorias index a certain regime of visibility of places. Irreducible as they are, specters... more Phantasmagorias index a certain regime of visibility of places. Irreducible as they are, specters dis/constitute the materiality of cities as the eye wavers to capture it. But what about listening to ghosts? Or else singing along with them? Departing from an ethnographic scene in the kitchen of a terreiro, we follow the tra(n)ces of African-Brazilian spirits as they sing themselves inhabitants of innumerous territories through the musical repertoire of Candomblé (pontos/cantigas). The paper invites to a hauntopological cha(n/r)ting of crossroads, graveyards, squares, railways, marketplaces and cabarets, the troubling dwellings of diasporic entities who queer and blacken colonial landscapes. As Exus, Pombagiras, Eguns and Malandros irreverently wander southern metropolises – and this text - they co-lapse the rigid tablatures of identification and intelligibility composing spaces of sarcastic hospitality in the midst of hostile urbanities.
Orientadora: Profa. Dra. Vera Karam de ChueiriTese (doutorado) - Universidade Federal do Paraná, ... more Orientadora: Profa. Dra. Vera Karam de ChueiriTese (doutorado) - Universidade Federal do Paraná, Setor de Ciências Jurídicas, Programa de Pós-Graduação em Direito. Defesa : Curitiba, 12/11/2020Inclui referências: p. 350-364Área de concentração: Direito do EstadoResumo: O que acontece quando nomos e axé se ocupam um do outro? É disso que esta tese se ocupa. Situando-se no campo da antropologia do direito, ela explora e busca amplificar desterritorializações que os modos do Atlântico negro (um nomos-kalunga ou okúnico) fazem funcionar dentro do nomos da terra ou, noutras palavras, a refração dos santos (orixás, voduns, inquices, caboclos, exus, pombagiras, malandros, encantados, eguns) nos corpos (e no corpus) do direito. O direito virado no santo não é rigorosamente um outro direito, mas a explicitação da sua multiplicidade, a irrupção das suas versões simultâneas, o realce dos seus devires-menores, seus enredos. Esses são devires posse-possessão, devires assento-assentamento, devire...
Tradução do texto de Jaime Rodriguez Arocha, originalmente publicado como introdução da obra Ombl... more Tradução do texto de Jaime Rodriguez Arocha, originalmente publicado como introdução da obra Ombligados de Ananse: hilos ancestrales y modernos en el Pacífico Colombiano (Arocha, 1999). As referências bibliográficas foram deixadas no formato original empregado pelo autor e foi mantida parte dos termos nativos e estrangeiros, destacados em itálico. Quando necessário para melhor compreensão do(a) leitor(a) brasileiro(a), notas explicativas dos(as) tradutores(as) foram inseridas.
Dicionário de Arquitetura dos Terreiros (Caderno Maloca n. 2), 2021
Todo o material escrito pode ser reproduzido para atividades sem fins lucrativos, mediante citaçã... more Todo o material escrito pode ser reproduzido para atividades sem fins lucrativos, mediante citação da fonte.
20 anos do Estatuto da Cidade Reflexões sobre temas-chave, 2021
A impressão que tenho é de que, no curso desses vinte anos, nós (quero dizer, nós pesquisadoras e... more A impressão que tenho é de que, no curso desses vinte anos, nós (quero dizer, nós pesquisadoras e teóricas, de distintas filiações, compromissadas com o direito à cidade), por algum motivo, evitamos o tema da justiça, embora ele atravesse ininterruptamente (não saberia afirmar se sempre de modo sincero) nossas preocupações e nossa produção. Talvez isso tenha acontecido porque o imaginássemos solucionado e superado, talvez porque o considerássemos fora de moda, talvez porque nossos consórcios disciplinares se estabeleceram, por afinidades eletivas, com áreas não dedicadas particularmente a problemas como os da justiça. Porém, quando reviramos os casos concretos, quando entrevistamos autoridades e funcionários, quando trabalhamos na ou com administração pública, quando peticionamos em juízo, quando lutamos ao lado de movimentos sociais e comunidades cuja a vida está sob ameaça, não é difícil constatar que a (in)justiça está por toda a parte e, por toda parte controvertida: às vezes, como premissa (declarada ou tácita), às vezes, como promessa, como reinvindicação, como mote ou meta. Não será, então, uma de nossas tarefas – e me refiro às “tarefas”, às construções (opera) porque descobri-las ou inventá-las parece ser uma das funções de um balanço), retomar a questão da justiça e, mais precisamente, da justiça urbana, cuja exploração pode se dar, entre outros caminhos, pela interrogação sobre o que, afinal, podemos extrair de uma diretriz como a justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização? Não tenho a resposta, obviamente, mas intuo que há mais coisas a se fazer com ela do que recuperar mais-valias, sua explicação mais corriqueira. Portanto, penso que seria interessante nos determos nisso que é lexicalmente anterior aos resultados práticos dos instrumentos urbanísticos, algo menos pretensioso do que uma teoria e mais operativo do que um imaginário: quem sabe um vocabulário da justiça urbana que, ao mesmo tempo, não ignore as gramáticas do cálculo e não se renda a elas. Isso nós teremos de fazer (refiro-me, agora, a um “nós” muito mais abrangente do que o universo acadêmico) premidas por um tempo de urgências e sem nome, desafiadas pela crise (da teoria) urbana e pelo assombro (do imaginário) do estado de bem-estar social quando nem “cidade” nem “justiça” estão dadas ou podem ser localizadas sem percalços.
O presente artigo objetiva analisar o tratamento jurisdicional recebido pelos conflitos fundiário... more O presente artigo objetiva analisar o tratamento jurisdicional recebido pelos conflitos fundiários urbanos e rurais no Estado do Paraná. Para isso, foram colhidos, sistematizados e interpretados dados relativos a processos judiciais de caráter coletivo nos quais houve intervenção do Núcleo Itinerante de Questões Fundiárias e Urbanísticas da Defensoria Pública do Estado do Paraná em prol de comunidades em situação de vulnerabilidade. Os resultados da pesquisa indicam: a) a distribuição dos conflitos fundiários em diversas classes de ação e as dificuldades metodológicas que tal dispersão impõe às pesquisas, inclusive em relação às taxonomias adotadas pelos tribunais; b) a importância crescente das novas modalidades de intervenção defensorial, como o custos vulnerabilis; c) a participação expressiva de atores do Poder Público como promotores de deslocamentos involuntários; d) a utilização ainda reduzida e não padronizada das audiências de conciliação/mediação; e) a tendência judicial f...
Os terreiros, de distintas matrizes, são comunidades tradicionais nos termos da Convenção 169 da ... more Os terreiros, de distintas matrizes, são comunidades tradicionais nos termos da Convenção 169 da OIT e do Decreto 6.040/2007. Eles constituem territórios de axé que albergam saberes ancestrais, valores civilizacionais e organização social próprios na desterritorialização da diáspora negra. A litigância estratégica realizada pela Defensoria Pública em favor dessas comunidades, sobretudo no âmbito dos conflitos fundiários, passa pelo reconhecimento do patrimônio cultural afro-brasileiro e da dimensão espiritual desses espaços e seus modos de vida. Também exige uma percepção aguçada das formas de manifestação do racismo ambiental, institucional e religioso. O artigo analisa como esses direitos e fundamentos foram articulados com sucesso pela Defensoria Pública do Paraná em recente demanda judicial, na qual a intervenção como custos vulnerabilis garantiu a permanência da Cabana de Pai Tomé e Mãe Rosário, casa de umbanda situada em Curitiba (PR).
Porosas como a pele, fronteiras não são nem intransponíveis, nem completamente permeáveis. Quando... more Porosas como a pele, fronteiras não são nem intransponíveis, nem completamente permeáveis. Quando Bará avança sobre Ciudad del Este ou caboclo como a rezar em portuñol, algo na cidade e na linguagem se reassenta. Okiriokô, aquele que está em muitas partes, informa os percursos transnacionais de seus filhos e filhas dando conta tanto dos preceitos da lei do santé quanto da lei do direito. Fiar as teias do axé faz parte de sua vocação expansiva, (des)fazendo caminhos que afrontam os modos e distribuições do Estado-nação e encruzando linhas de força, linhas de mapa e linhas de fuga na vida do e no santo.
O livro "Afronteiras: Transes e Trânsitos do Axé", de Mãe Marina, Mauricio Santos e Thiago Hoshino, aborda as trajetórias transnacionais de Orixás, Exus, Caboclos e outras entidades afro-brasileiras. A partir de uma etnografia multissituada, os autores exploram como esses santos desafiam a ordem territorial do Estado-nação e rasuram os mapas como parte da vocação caminhante da vida no axé. Trata-se de referência essencial a pesquisadores, atores políticos e afrorreligiosos interessados em compreender as dinâmicas contemporâneas das tradições de matriz africana e seu papel na formação na Tríplice-Fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina.
A obra reúne trabalhos que, a partir de diferentes perspectivas
críticas, abordam a relação entre... more A obra reúne trabalhos que, a partir de diferentes perspectivas críticas, abordam a relação entre o( s) direito( s) e os povos de terreiro, com vistas ao reconhecimento das comunidades tradicionais de matriz africana em sua diversidade sociocultural. O diálogo entre o universo das religiões afro-brasileiras e a gramática das instituições estatais, marcado por históricos silenciamentos, injustiças e malentendidos, precisa ser restabelecido em termos não de autoridade, mas de alteridade, num contexto pluralista. Para além de salvaguarda dos direitos à identidade, à igualdade na diferença, ao território, ao patrimônio cultural e ambiental, à liberdade e à vida, todos temas que atravessam as discussões deste livro, estão em jogo, hoje, acima de tudo, o sentido e o futuro de nossa democracia.
O segundo volume de Direitos dos Povos de Terreiro surge
do mesmo impulso do primeiro: abrir cami... more O segundo volume de Direitos dos Povos de Terreiro surge do mesmo impulso do primeiro: abrir caminhos para as lutas do povo de santo e fechar corpos contra o racismo religioso. Dedicada a três valorosas autoridades religiosas de matriz africana – Beatriz Moreira Costa (Mãe Beata de Iemanjá), Stella de Azevedo Santos (Mãe Stella de Oxóssi) e Valdina de Oliveira Pinto (Makota Valdina) –, a obra apresenta 12 (doze) capítulos, em alusão aos 12 (doze) quiabos do amalá de Xangô e a seus 12 (doze) ministros, guardiões da justiça afro-brasileira. Ainda estampa, em sua capa, a Bandeira Mulamba, fl âmula de um Brasil em releitura diaspórica, sob o signo do vermelho e do preto de Exu, tradutor dessas demandas históricas, e o búzio, que veicula o saber e a vontade dos orixás e ancestrais. Que estas páginas possam traduzir, veicular e demandar, mas, mais do que tudo, contribuir para fazer o que é preciso: justiça!
O Direito Achado na Rua: Introdução crítica ao Direito Urbanístico, 2019
Os textos que se inscrevem nesta obra, procedentes de pesquisadores e pesquisadoras dos dois cole... more Os textos que se inscrevem nesta obra, procedentes de pesquisadores e pesquisadoras dos dois coletivos que a conceberam e foram convocados por chamada geral para a edição, abordam o Direito Urbanístico a partir de uma perspectiva crítica, como um campo do pensamento e da prática jurídica vocacionado às transformações sociais e urbanas necessárias para a efetivação dos direitos reivindicados pelo povo e pelos movimentos sociais, sejam eles reconhecidos pelo Estado e pelos organismos internacionais, sejam eles direitos formulados na vida social e ainda em processo de legitimação e de reconhecimento pelas diferentes institucionalidades. Na parte I, busca-se apresentar a relação entre a teoria de O Direito Achado na Rua e o conjunto de princípios, normas e fundamentos históricos e sociais do Direito Urbanístico no Brasil. Os textos aqui reunidos buscam fazer uma interface entre os fundamentos teóricos que lastreiam o Direito Urbanístico e O Direito Achado na Rua. Na parte II, estão concentrados textos que aportam reflexão e análise sobre o direito à cidade em seu aspecto teórico e prático, como núcleo fundante e paradigma do Direito Urbanístico. Os textos reunidos nesta parte II são aqueles que, de forma mais aprofundada, propõem uma reflexão sobre esse direito, seja a partir da matriz lefebvriana, seja a partir da crítica de outros autores e também da práxis dos movimentos sociais. Na parte III, os textos reunidos abordam formas concretas de lutas e experiências sociopolíticas que buscam efetivar o direito à cidade a partir das mais diversas óticas. Na parte IV, estão reunidos textos que avaliam criticamente a experiência da construção e efetivação do marco jurídico-urbanístico no Brasil, a partir da Constituição de 1988 e do Estatuto da Cidade. A parte V reúne alguns documentos históricos de difícil acesso. Assim, além dos documentos produzidos na escala nacional e internacional que refletem o processo social e político de construção do Direito Urbanístico no Brasil e no mundo, selecionamos, a título exemplificativo, documentos produzidos na escala local, a fim de demonstrar a interconexão e influência recíproca entre diferentes escalas de produção de direitos.
Uploads
Papers by Thiago Hoshino
Mas também de esperança e desespero. Neste ensaio, proponho
que, afinando-nos com a voz e a vocação dos candomblés,
revertamos alguns dos sentidos e afetos emaranhados em nossa
imaginação política e em nossos estilos historiográficos para
retesar a mitologia da nação como se retesa a corda de um arco ou
a de um berimbau. Em outras palavras, sugiro que é possível lançar
ou fazer vibrarem versões minoritárias da brasilidade compondo
liberdade, esperança e desespero ao modo dos caboclos, marujos e
boiadeiros, em uma espécie de apego à terra simultaneamente mais
popular e mais cosmopolita do que os patriotismos oficiais. Essa
(re)versão acaboclada da independência - como a que reverbera
nas festividades do Dois de Julho baiano – dá protagonismo
tanto a tradições afroatlânticas de lutas contracoloniais quanto
a relações afro-indígenas que acenam para uma nação-quilombo
ou nação-aldeia.
Este livro é fruto de enredos e não poderia ser diferente. A vida no santo é a rede dessas relações que amarram destino e circunstância, necessidade e contingência, caminho e vontade. Porosas como a pele, as fronteiras não são nem intransponíveis, nem completamente permeáveis. Quando Bará avança sobre Ciudad del Este ou Caboclo começa a rezar em portuñol, algo na cidade e na linguagem se reassenta. Okiriokô, aquele que está em muitas partes, informa os percursos transnacionais de seus filhos e filhas, dando conta tanto dos preceitos da lei do santé quanto da lei do direito. Fiar as teias do axé faz parte de sua vocação expansiva, (des)fazendo caminhos que afrontam os modos e distribuições do estado-nação e encruzando linhas de força, linhas de mapa e linhas de fuga.
afirmar se sempre de modo sincero) nossas preocupações e nossa produção. Talvez isso tenha acontecido porque o imaginássemos solucionado e superado, talvez porque o considerássemos fora de moda, talvez porque nossos consórcios disciplinares se estabeleceram, por afinidades eletivas, com áreas não dedicadas particularmente a problemas como os da justiça. Porém, quando reviramos os casos concretos, quando entrevistamos autoridades e funcionários, quando trabalhamos na ou com administração pública, quando peticionamos em juízo, quando lutamos ao lado de movimentos sociais e comunidades cuja a vida está sob ameaça, não é difícil constatar que a (in)justiça está por toda a parte e, por toda parte controvertida: às vezes, como premissa (declarada ou tácita), às vezes, como promessa, como
reinvindicação, como mote ou meta. Não será, então, uma de nossas tarefas – e me refiro às “tarefas”, às construções (opera) porque descobri-las ou inventá-las parece ser uma das funções de um balanço),
retomar a questão da justiça e, mais precisamente, da justiça urbana, cuja exploração pode se dar, entre outros caminhos, pela interrogação sobre o que, afinal, podemos extrair de uma diretriz como a justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização? Não tenho a resposta, obviamente, mas intuo que há mais coisas a se fazer com ela do que recuperar mais-valias, sua explicação mais corriqueira. Portanto, penso que seria interessante nos determos nisso que é lexicalmente anterior aos resultados práticos dos instrumentos urbanísticos, algo menos pretensioso do que uma teoria e mais operativo do que um imaginário: quem sabe um vocabulário da justiça urbana que, ao mesmo tempo, não ignore as gramáticas do cálculo e não se renda a elas. Isso nós teremos de fazer (refiro-me, agora, a um “nós” muito mais abrangente do que o universo acadêmico) premidas por um tempo de urgências e sem nome, desafiadas pela crise (da teoria) urbana e pelo assombro (do imaginário) do estado de bem-estar social quando nem “cidade” nem “justiça” estão dadas ou podem ser localizadas sem percalços.
dessas comunidades, sobretudo no âmbito dos conflitos fundiários, passa pelo reconhecimento do patrimônio cultural afro-brasileiro e da dimensão espiritual desses espaços e seus modos de vida. Também exige uma percepção aguçada das formas de manifestação do racismo ambiental, institucional e religioso. O artigo analisa como esses direitos e fundamentos foram articulados com sucesso pela Defensoria Pública do Paraná em recente demanda judicial, na qual a intervenção como custos vulnerabilis garantiu a permanência da Cabana de Pai Tomé e Mãe Rosário, casa de umbanda situada em Curitiba (PR).
Mas também de esperança e desespero. Neste ensaio, proponho
que, afinando-nos com a voz e a vocação dos candomblés,
revertamos alguns dos sentidos e afetos emaranhados em nossa
imaginação política e em nossos estilos historiográficos para
retesar a mitologia da nação como se retesa a corda de um arco ou
a de um berimbau. Em outras palavras, sugiro que é possível lançar
ou fazer vibrarem versões minoritárias da brasilidade compondo
liberdade, esperança e desespero ao modo dos caboclos, marujos e
boiadeiros, em uma espécie de apego à terra simultaneamente mais
popular e mais cosmopolita do que os patriotismos oficiais. Essa
(re)versão acaboclada da independência - como a que reverbera
nas festividades do Dois de Julho baiano – dá protagonismo
tanto a tradições afroatlânticas de lutas contracoloniais quanto
a relações afro-indígenas que acenam para uma nação-quilombo
ou nação-aldeia.
Este livro é fruto de enredos e não poderia ser diferente. A vida no santo é a rede dessas relações que amarram destino e circunstância, necessidade e contingência, caminho e vontade. Porosas como a pele, as fronteiras não são nem intransponíveis, nem completamente permeáveis. Quando Bará avança sobre Ciudad del Este ou Caboclo começa a rezar em portuñol, algo na cidade e na linguagem se reassenta. Okiriokô, aquele que está em muitas partes, informa os percursos transnacionais de seus filhos e filhas, dando conta tanto dos preceitos da lei do santé quanto da lei do direito. Fiar as teias do axé faz parte de sua vocação expansiva, (des)fazendo caminhos que afrontam os modos e distribuições do estado-nação e encruzando linhas de força, linhas de mapa e linhas de fuga.
afirmar se sempre de modo sincero) nossas preocupações e nossa produção. Talvez isso tenha acontecido porque o imaginássemos solucionado e superado, talvez porque o considerássemos fora de moda, talvez porque nossos consórcios disciplinares se estabeleceram, por afinidades eletivas, com áreas não dedicadas particularmente a problemas como os da justiça. Porém, quando reviramos os casos concretos, quando entrevistamos autoridades e funcionários, quando trabalhamos na ou com administração pública, quando peticionamos em juízo, quando lutamos ao lado de movimentos sociais e comunidades cuja a vida está sob ameaça, não é difícil constatar que a (in)justiça está por toda a parte e, por toda parte controvertida: às vezes, como premissa (declarada ou tácita), às vezes, como promessa, como
reinvindicação, como mote ou meta. Não será, então, uma de nossas tarefas – e me refiro às “tarefas”, às construções (opera) porque descobri-las ou inventá-las parece ser uma das funções de um balanço),
retomar a questão da justiça e, mais precisamente, da justiça urbana, cuja exploração pode se dar, entre outros caminhos, pela interrogação sobre o que, afinal, podemos extrair de uma diretriz como a justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização? Não tenho a resposta, obviamente, mas intuo que há mais coisas a se fazer com ela do que recuperar mais-valias, sua explicação mais corriqueira. Portanto, penso que seria interessante nos determos nisso que é lexicalmente anterior aos resultados práticos dos instrumentos urbanísticos, algo menos pretensioso do que uma teoria e mais operativo do que um imaginário: quem sabe um vocabulário da justiça urbana que, ao mesmo tempo, não ignore as gramáticas do cálculo e não se renda a elas. Isso nós teremos de fazer (refiro-me, agora, a um “nós” muito mais abrangente do que o universo acadêmico) premidas por um tempo de urgências e sem nome, desafiadas pela crise (da teoria) urbana e pelo assombro (do imaginário) do estado de bem-estar social quando nem “cidade” nem “justiça” estão dadas ou podem ser localizadas sem percalços.
dessas comunidades, sobretudo no âmbito dos conflitos fundiários, passa pelo reconhecimento do patrimônio cultural afro-brasileiro e da dimensão espiritual desses espaços e seus modos de vida. Também exige uma percepção aguçada das formas de manifestação do racismo ambiental, institucional e religioso. O artigo analisa como esses direitos e fundamentos foram articulados com sucesso pela Defensoria Pública do Paraná em recente demanda judicial, na qual a intervenção como custos vulnerabilis garantiu a permanência da Cabana de Pai Tomé e Mãe Rosário, casa de umbanda situada em Curitiba (PR).
O livro "Afronteiras: Transes e Trânsitos do Axé", de Mãe Marina, Mauricio Santos e Thiago Hoshino, aborda as trajetórias transnacionais de Orixás, Exus, Caboclos e outras entidades afro-brasileiras. A partir de uma etnografia multissituada, os autores exploram como esses santos desafiam a ordem territorial do Estado-nação e rasuram os mapas como parte da vocação caminhante da vida no axé. Trata-se de referência essencial a pesquisadores, atores políticos e afrorreligiosos interessados em compreender as dinâmicas contemporâneas das tradições de matriz africana e seu papel na formação na Tríplice-Fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina.
críticas, abordam a relação entre o( s) direito( s) e os povos de
terreiro, com vistas ao reconhecimento das comunidades
tradicionais de matriz africana em sua diversidade sociocultural.
O diálogo entre o universo das religiões afro-brasileiras e a
gramática das instituições estatais, marcado por históricos
silenciamentos, injustiças e malentendidos, precisa ser restabelecido em termos não de autoridade, mas de alteridade, num contexto pluralista. Para além de salvaguarda dos direitos à identidade, à igualdade na diferença, ao território, ao patrimônio cultural e ambiental, à liberdade e à vida, todos temas que atravessam as discussões deste livro, estão em jogo, hoje, acima de tudo, o sentido e o futuro de nossa democracia.
do mesmo impulso do primeiro: abrir caminhos para as lutas do
povo de santo e fechar corpos contra o racismo religioso.
Dedicada a três valorosas autoridades religiosas de matriz africana
– Beatriz Moreira Costa (Mãe Beata de Iemanjá), Stella de Azevedo
Santos (Mãe Stella de Oxóssi) e Valdina de Oliveira Pinto (Makota
Valdina) –, a obra apresenta 12 (doze) capítulos, em alusão aos 12 (doze)
quiabos do amalá de Xangô e a seus 12 (doze) ministros, guardiões
da justiça afro-brasileira. Ainda estampa, em sua capa, a Bandeira
Mulamba, fl âmula de um Brasil em releitura diaspórica, sob o signo
do vermelho e do preto de Exu, tradutor dessas demandas históricas,
e o búzio, que veicula o saber e a vontade dos orixás e ancestrais.
Que estas páginas possam traduzir, veicular e demandar, mas,
mais do que tudo, contribuir para fazer o que é preciso: justiça!