TRADUÇÃO
DOI: https://www.doi.org/10.11606/issn.2176-8099.pcso.2023.196765
Como surgem sociedades divididas?*,**
How do divided societies come about?
Rudolf Stichweh, Forum für Internationale Wissenschaft,
Universidade de Bonn (Alemanha)
Traduzido por José Vitor Silva Barrosaa
Resumo O artigo analisa forças divisivas nas sociedades contemporâneas e as conecta
às esperanças incumpridas oriundas das revoluções do início da modernidade: as
esperanças por igualdade, liberdade e fraternidade/solidariedade. Antes de tudo, no
século XXI, podemos dizer que há desigualdades persistentes que emergem em todos
os sistemas funcionais da sociedade e tornam-se divisivas assim que eclode uma cisão
descontínua na distribuição de ganhos. Cisão esta que torna improvável que alguém
se movimente de um lado ao outro da distribuição. Em segundo lugar, há fortes
dependências assimétricas vinculadas a um aumento dos controles por parte de pessoas
e grupos que controlam recursos desejados por outros; essas dependências, por sua vez,
fortalecem o acréscimo dos controles dos primeiros sobre os últimos, seja sobre ações,
comunicações, opções de saída e/ou modos de perceber o mundo. Quanto maiores as
dimensões de controle presumidas numa relação social dada, mais fortes e pervasivas
as dependências assimétricas, as quais separam a sociedade entre aqueles que exercem
controles e aqueles que são objeto de controle. Há ainda, em terceiro lugar, como
estrutura de divisão, a ascensão da polarização sociocultural. Ela cria uma cisão entre
subcomunidades significantes de uma sociedade, o que possibilita que comunidades
percebam os membros de outras como perigosos e estranhos aos valores e formas de
vida considerados essenciais para a própria comunidade. O artigo explica, por fim, tais
divisões societais ao estudá-las como formas de inclusão e exclusão. Desigualdades
advêm de acumulação nas dinâmicas de inclusão dos sistemas funcionais; dependências
assimétricas emergem em instituições e grupos que absorvem pessoas excluídas de
participações relevantes em experiências e cursos de ação; polarizações baseiam-se nas
* Tradução brasileira do artigo “How Do Divided Societies Come About?” publicado originalmente
no livro The Future of the Liberal Order: The Key Questions, editado por Helmut K. Anheier em
2022 para a editora Routledge.
** Agradeço a Helmut Anheier e Rudolf Stichweh pela concessão dos direitos de tradução, a Leopoldo
Waizbort pela revisão e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP)
pelas bolsas de mestrado e para estágio de pesquisa no exterior.
a Mestrando em Sociologia (Teoria Sociológica) na Universidade de São Paulo.
PLURAL, Revista do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da USP, São Paulo, v.30.1, jan./jun., 2023, p.196-212
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exclusões recíprocas e totalizantes pelas quais comunidades definem membros de outras
comunidades como “outros” radicais.
Palavras-chave Sociedade Dividida. Desigualdade. Dependência Assimétrica. Polarização
Sociocultural. Inclusão e Exclusão. Estranhos.
Abstract The paper looks at divisive forces in contemporary societies and it links them
to the unfulfilled hopes of the revolutions at the beginning of modernity: the hopes
for equality, freedom and fraternity/solidarity. There are, first, in the 21st century
situation, persistent inequalities that emerge in all the function systems of society
and become divisive as soon as there arises a discontinuous split in the distribution
of rewards, a split that makes it improbable that someone might switch from one to
the other side of a distribution. There are, second, strong, asymmetrical dependencies
that are connected to an escalation of controls by which persons and groups control
resources wanted by others and furthermore build up controls regarding the actions,
communications, exit options and ways of perceiving the world being available to these
other ones. The more control dimensions are implied in a specific social relation, the
stronger and more pervasive asymmetrical dependencies become and then definitely
separate in society those who exercise controls from those who are objects of control.
There is, third, as a structure of division the rise of sociocultural polarization that
creates a split between significant subcommunities of a society, on the basis of which
communities perceive the members of other communities as strangers and as dangerous
for the values and life forms one regards as essential for one’s own community. The
paper finally explains these societal divisions by studying them as forms of inclusion
and exclusion. Inequalities come from cumulations in the inclusion dynamics of function
systems; asymmetrical dependencies emerge in institutions and groups that absorb
persons that are being excluded from relevant participations; polarizations are based
on reciprocal and totalizing exclusions by which communities define the members of
other communities as radical ‘others’.
Keywords Divided Society. Inequality. Asymmetrical Dependency. Sociocultural
Polarization. Inclusion and Exclusion. Strangers.
A ASCENSÃO DA MODERNIDADE GLOBAL
Quando Émile Durkheim publicou De la division du travail social em 1893,
a “divisão” que analisava era a “divisão do trabalho”, e a divisão do trabalho, ou
“solidariedade orgânica” – conceito central de seu livro –, não é de modo algum
“divisiva”, mas sim a mais importante força a produzir cooperação na sociedade
moderna. As transformações da sociedade moderna consolidaram as estruturas
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contemporâneas da “diferenciação funcional” a partir da solidariedade orgânica
(Stichweh, 2013), e cabe reiterar que a diferenciação funcional não é de modo
algum divisiva. Ela estabelece relações de complementaridade e texturas ricas
de interação entre sistemas funcionais. Provavelmente, a mais importante dentre
essas estruturas integrativas é a separação de indivíduos e de suas carreiras em
relação aos sistemas funcionais. Indivíduos não vivem dentro ou pertencem aos
sistemas funcionais. Em princípio, todos os indivíduos estão incluídos em todos
esses sistemas. Padrões de participação nos sistemas funcionais, no entanto, variam
de indivíduo a indivíduo, e é a diversidade desses padrões que provavelmente gera
as fortes forças integrativas da diferenciação societal [societal differentiation].
Porém, há muitos outros aspectos a se considerar. Um deles é a representação que
cada sistema funcional faz dos demais sistemas funcionais por meio de estruturas
especializadas e de mecanismos cognitivos: por exemplo, as políticas [policies] de
um sistema que regulam outro, a diferenciação dos mercados que lidam com especificidades de outros sistemas funcionais, as perspectivas cognitivas que a ciência
inventa para compreender as idiossincrasias dos demais sistemas funcionais e
daí transformar essa compreensão em disciplinas internas à ciência, os corpora
especializados do direito. Tanto a diversidade de inclusões individuais quanto a
multiplicidade de perspectivas representacionais (dos sistemas funcionais sobre
seus pares) são boas opções para compreender a integração da sociedade.
Há fortes forças divisivas na sociedade moderna, em todo caso. É o objetivo
deste artigo prover um panorama sistemático dessas forças de divisão com uma
interpretação focada na sociedade mundial do início do século XXI. Porém irei
localizar essas divisões em circunstâncias que eclodiram durante a gênese da
sociedade moderna, no fim do século XVIII, e em promessas incumpridas e valores
não praticados que podem ser vistos como constitutivos da autocompreensão da
sociedade moderna. Há três desses valores e promessas. E os três estão atados
fortemente, em sua semântica, à autodescrição da Revolução Francesa.
As três promessas que identificamos com a Revolução são igualdade, liberdade e fraternidade/solidariedade, muito embora a consolidação semântica da
fórmula tripartite só tenha ocorrido depois dos anos 1790, mais ou menos de 1848
em diante (Ozouf, 1997). Os três termos da fórmula são valores ou promessas ou,
ainda, preferências. Eles obviamente não descrevem realidades. Mas, como valores,
são indicativos da significante transformação semântica que é característica da
modernidade. Inscrevem-se num registro geral e não se limitam à França.
Na sociedade moderna, observadores não têm mais capacidade nem vontade
de admirar a desigualdade e venerar pessoas com alto status social. Em vez disso,
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preferem a igualdade. Além disso, desde o século XVIII, não há mais recursos
semânticos extensivos à disposição para possibilitar a articulação comunicativa
de preferências pela dependência face à liberdade. A educação dos jovens não é
mais percebida como treinamento para a submissão e a educação política não é
orientada para a obediência – e teses como essas podem ser formuladas para todos
os sistemas funcionais da sociedade mundial. Pode haver aspectos autoritários na
formação do estudante de medicina (Merton, Reader e Kendall, 1957) ou do futuro
pesquisador e de outros profissionais. Porém esses padrões autoritários são parciais
e percebidos como preparação para o futuro, quando a pessoa em treinamento
claramente se tornará um colega, numa situação que será caracterizada pela simetria. Nem mesmo as forças armadas instilam obediência como um traço invariável
da pessoa, mas apenas como um papel militar de comportamento. Deve-se ser
capaz de mudar de disposição, caso se passe de comandado a comandante.
O argumento pela fraternidade/solidariedade é ligeiramente mais difícil.
Porém pode ser dito com clareza que um valor central da sociedade moderna é
não vermos a maioria das outras pessoas como inimigos e competidores perigosos,
optando ao invés disso por círculos crescentes de solidariedade (Banfield, 1958;
Nelson, 1969), que podem incluir eventualmente a humanidade inteira.
Os três valores mencionados aqui, e o tipo ansiado de sociedade que eles
projetam, desembocam em uma sociedade baseada em padrões extremamente
complicados de diferenciação funcional e de outras formas de formação estrutural
que emergem juntas com o sistema social global (redes globais, organizações
mundiais, comunidades epistêmicas como formas de formação estrutural complementária à diferenciação funcional (Stichweh, 2007). Porém, trata-se de uma
sociedade não-dividida apenas conquanto ela esteja baseada na igualdade universal,
em liberdade pessoal ao invés de dependências e em solidariedades básicas que
incluam todos os outros humanos. Mas é óbvio que essa não é a sociedade em
que vivemos. As preferências valorativas básicas e as promessas da modernidade
permanecem incumpridas. Vamos olhar para algumas das principais razões disso
a seguir.
DESIGUALDADES PERSISTENTES
Sociedades pré-modernas são em muitos aspectos baseadas em desigualdades
atribuídas de antemão. Elas são atribuídas via pertença a estamentos, castas e
estratos nos quais se nasce. No curso de vida de cada um se vive essas desigualdades. Deve-se praticar um estilo de vida que demonstre diariamente a própria
posição na hierarquia que caracteriza a sociedade. Pessoas são explicitamente
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ensinadas a viver em desigualdade e são incessantemente lembradas de sua
posição social.1
Essas desigualdades atribuídas despareceram em sua maioria com a ascensão
da sociedade moderna. Esse desaparecimento é o maior fator de legitimação para
a reivindicação da modernidade originar uma sociedade de iguais. A real mudança,
entretanto, encontra-se na passagem da desigualdade atribuída, monodimensional
e estável (no singular) para desigualdades dinâmicas (no plural). Desigualdades
reproduzem a forma de diferenciação primária da sociedade: a diferenciação
funcional. Embora, nos sistemas funcionais haja arranjos institucionais que
tentem garantir igualdade nas condições de início de seus participantes – uma
homogeneização do início (Luhmann, 1990) –, logo surgem pequenas diferenças
de resultados as quais frequentemente levam a maiores diferenças que podem
crescer continuamente. Essa é a ideia por trás do “Matthew effect” ou da teoria das
vantagens cumulativas, proposta por Robert K. Merton (Di Prete e Eirich, 2006;
Merton, 1988). Essa teoria parece ser a melhor explicação para as dinâmicas e
para a expansão das desigualdades observadas dentro dos sistemas funcionais
da sociedade mundial. Os mecanismos básicos propostos pela teoria postulam
que pessoas que atingem sucesso cedo em um contexto funcional terão maiores
retornos por sucessos posteriores, se comparadas a pessoas que não tiveram
bons resultados no início. Portanto, a partir disso, as diferenças cumulativas se
expandem, por vezes progressivamente.
Essa teoria é uma abordagem muito boa para explicar desigualdades em
sistemas funcionais. Porém, não é a única e não é em si mesma suficiente. Outra
abordagem complementar vai estudar não a escalada de performances e retornos,
mas sim a distribuição social (pré-ordenada) de retornos, prêmios e posições de
elite ou prestígio em um dado sistema social. Se há tal distribuição institucionalizada, ela claramente limitará ou expandirá os efeitos que podem ser produzidos
pelas vantagens cumulativas. Se há apenas um pequeno número de prêmios e
posições, haverá provavelmente disparidades enormes entre os participantes e
essas disparidades não podem ser explicadas por vantagens cumulativas, pois
são de alguma forma instantâneas e aparecem quando os prêmios/posições são
atribuídos (um bom exemplo seria os prêmios Nobel, que distinguem certos cien-
1 Um bom exemplo é o Mr. Dombey de Dickens. (Dickens, Charles. 1848. Dombey and Son. Oxford:
OUP, Oxford World’s Classics 2008. 65): „I am far from being friendly to what is called by persons
of levelling sentiments, general education. But it is necessary that the inferior classes should
continue to be taught to know their position, and to conduct them properly. So far I approve of
schools.”
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tistas de seus pares de estatura similar). Um caso oposto são as profissões que são
institucionalizadas ao criar um considerável número de papéis profissionais que
produzem um monopólio em um campo profissional (frequentemente dominando
um sistema funcional) (Stichweh, 2008). Esses papéis profissionais são frequentemente descritos como de estatura fundamentalmente igual entre pares (uma
igualdade de médicos, professores, advogados etc.) e essas igualdades institucionalizadas neutralizam em muitos casos as vantagens cumulativas que estavam em
ação. Esse efeito equalizador dos papéis profissionais cumpre, em muitos sistemas
sociais, o efeito de estabilizar uma relação assimétrica entre papéis profissionais
de prestação de serviço e todos os outros papéis que lhes são clientes, isto é, seu
público. Porém, essas relações são assimetrias, e não desigualdades.
Para além do efeito Matthew (i.e das vantagens cumulativas) e dos efeitos
posicionais, há um terceiro tipo de desigualdade nos sistemas funcionais. Esses são
efeitos de rede. Em redes, não se recebe retornos ou prêmios/posições. Ao invés,
adquire-se conexões [ties]. Nelas, há um “preferential attachment” [acoplamento
preferencial] que opera como mecanismo de crescimento de redes pessoais de modo
muito similar ao acúmulo de “vantagens cumulativas”. Se alguns participantes já
possuem um número significativo de “conexões”, torna-se mais e mais provável
que o próximo ator a entrar na rede estabeleça laços com aqueles que já possuem
muitos laços. Conexões de rede, assim como estruturas sociais e desigualdades
que advêm com eles – especialmente “structural holes” [buracos estruturais]
(Burt 1992) –, não são o principal retorno individual dos sistemas funcionais. Mas
eles obviamente canalizam o acesso a esses retornos principais. Do “preferential
attachment” podem surgir “vantagens cumulativas” nos termos dos retornos e
recursos principais que caracterizam um sistema.
As desigualdades em sistemas funcionais que discutimos até aqui são as
desigualdades dominantes na sociedade mundial do presente e não trazem em si
mesmas uma sociedade dividida. Conquanto as desigualdades produzam gradações
contínuas na distribuição de recursos, pode-se ter a ideia e a esperança de que
indivíduos possam, em princípio, conseguir obter mobilidade ascendente, o que,
de alguma forma, preveniria descontinuidades que posicionem indivíduos em uma
distribuição extrema, sem chances de passagem de um lado a outro. Tão logo essas
descontinuidades apareçam e sejam percebidas como tal, temos provavelmente
uma sociedade dividida. Um bom exemplo dessa descontinuidade é o fenômeno do
1% nos sistemas econômicos. Se nos dedicamos a compreender a presente distribuição global de renda, percebemos que de 1988 a 2008, o 1% dessa distribuição
conseguiu um aumento cumulativo de renda global de 65%. O grupo do 1% consiste
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em 70 milhões de pessoas, metade das quais vive nos Estados Unidos, e a maioria
dos demais na Europa, Canadá e alguns poucos países asiáticos (Milanovic, 2016;
Autor, 2014). As classes médias baixas dos países europeus e norte-americanos,
junto às do Japão, posicionam-se no 80º percentual da distribuição mundial de
renda – isto é, podem ser consideradas “ricas” para fins de comparação global.
Mas seu real ganho cumulativo de renda nos mesmos vinte anos foi perto de 0%
e, nesse período, está entre os mais baixos de todos os grupos de renda do Planeta.
A diferença entre 65% e 0% de ganhos reais de renda parece ser um exemplo plausível de uma descontinuidade ou de um gap que surge em um número de países, o
que produz uma sociedade dividida. As consequências de tais desenvolvimentos
são facilmente percebidas em termos de níveis de conflito, polarização política,
ascensão do populismo e apoio a Trump e ao Brexit.
Para além de descontinuidades surgindo em sistemas funcionais específicos,
há outra possibilidade: descontinuidades surgindo em um sistema funcional específico que se tornam causalmente relevantes para desigualdades em outros sistemas
funcionais da sociedade. O caso atual mais importante é a educação, especialmente
a educação superior. Por centenas de anos, os participantes da educação superior
consistiam em um pequeno segmento de elite das populações que, nos países que
criaram instituições de ensino superior entre 1200 e 1945, incluía somente 1-5%
da população masculina e, em alguns casos, uma fração ínfima da população feminina. Isso se alterou dramaticamente no século XX, especialmente após 1945. Se
comparamos os anos 1980 e 2010, a média de jovens – incluindo homens e mulheres
– que obtêm um diploma de ensino superior nos países da OCDE e do G20 cresceu
de 20% para 40% da população (OCDE, 2011). Do ponto de vista da diferenciação
funcional, isso significa sobretudo que o conhecimento adquirido pela educação
superior não é mais uma forma ou fonte de conhecimento tão contrastante se
comparado aos demais. Torna-se conhecimento universal e relevante para todos
os sistemas funcionais da sociedade e, desse modo, se torna mais ou menos um
pré-requisito para o acesso a posições de elite em todos eles. Isso deixa visível que
a educação superior pode converter-se em uma fonte de desigualdade societal que
transcende as fronteiras dos sistemas funcionais e que implica uma possibilidade
de divisão da sociedade, separando aqueles com educação superior aos demais.
Há outros indicadores econômicos fortes que apontam para essa direção. A média
da OCDE para ganhos de pessoas com nível educacional superior, em 2011, era
55% maior se comparada à média de indivíduos com nível educacional inferior.
Nesse quesito, há uma variação de 15 a 160% entre os países. Aqueles com as
menores vantagens de renda atreladas à educação superior são – com exceção da
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Nova Zelândia – os três países escandinavos, Suécia, Dinamarca e Noruega que,
em outros aspectos, são também os países mais igualitários do mundo. Parece
ser o caso, nos sistemas contemporâneos de estratificação, que haja uma linha
divisória separando os estratos inferiores dos superiores, a qual está principalmente conectada à educação. Esse é um desenvolvimento bastante dinâmico com
diferenças que aumentam rapidamente. Se olhamos para os Estados Unidos, esse
país certamente é um dos mais desiguais do mundo (ao medir-se a desigualdade
por ganhos salariais adicionais atrelados à educação superior) (Autor, 2014): os
ganhos de renda para pessoas com diploma universitário aumentaram, de 1979 a
2012, com atualização monetária, de 13 para 23 mil dólares no caso das mulheres
e de 17 para 35 mil no caso dos homens. Em um período ligeiramente mais longo
(1964 a 2012), o ganho salarial adicional – novamente, se comparado com a média
das pessoas apenas com ensino médio completo – cresceu de 45% para 95%. Isso
é impressionante, dado que nos mesmos 48 anos a participação de graduados
com ensino superior no número total de horas trabalhadas na economia dos EUA
cresceu de 18% para 52%. (Autor, 2014).
Isso pode ser visto como um forte indicador de uma cisão na economia e na
sociedade dos EUA. Metade da força de trabalho do país é composta por egressos
universitários e, por esse trabalho, eles são pagos 100% a mais por hora se em
comparação aos demais trabalhadores (os 95% mencionados acima referia-se
apenas à comparação de diplomados por universidades com graduados do ensino
médio; face a níveis educacionais inferiores, os ganhos relativos dos bacharéis são
ainda maiores).
DEPENDÊNCIAS ASSIMÉTRICAS E PERVASIVAS
A segunda promessa da modernidade foi a liberdade como desaparecimento
de dependências assimétricas. Em uma fórmula famosa, ela foi batizada de “esclarecimento” como a “saída do homem de sua imaturidade autoinfligida” (Kant, 1783,
p. 51). Postulados tais quais “liberdade” e “esclarecimento” jamais podem significar a ausência de dependências. A vida social consiste delas, e uma sociedade
complexa e diferenciada é um sistema que multiplica e diversifica dependências.
Especialmente em termos de conhecimento, há mais e mais sistemas epistêmicos
que quase ninguém entende plenamente e que, por isso, estabelecem dependências
generalizadas de especialistas e profissionais. Porém os próprios especialistas e
profissionais são tão dependentes quanto todos. O escopo da sua expertise é altamente limitado e sua necessidade por mediação é tão forte quanto a dos demais.
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O que é realmente problemático são dependências assimétricas pervasivas que
impactam em todo o escopo de práticas da vida de uma pessoa. Proponho uma
hierarquia de cinco condições que sequencialmente definem sobre o que são as
dependências assimétricas. Como primeira condição, há o controle que uma pessoa
exerce sobre os recursos que outra pessoa quer possuir ou utilizar. A situação é
próxima de uma relação comercial; enquanto houver mercados efetivos, é improvável que dependências significativas venham a emergir nessa base. A segunda
condição postula a existência de direitos de controle (às vezes, apenas a facticidade
do controle) que uma pessoa exerce sobre as ações de outra (Coleman, 1990). Essa
segunda condição implica a possibilidade de direitos de controle pervasivos sobre
praticamente todas as ações da outra pessoa, o que estabeleceria uma dependência
assimétrica muito forte entre as duas partes. Em algumas sociedades, as relações
entre pais e crianças/adolescentes chegam perto desse controle pervasivo sobre
potencialmente todas as ações do infante. A escravidão é obviamente mais um caso
de controle completo sobre as ações de outra pessoa. Nesse contexto, o controle de
ações passa, em muitos casos, pelo controle de recursos que uma pessoa possui,
assim como pelo controle do uso desses recursos, muito embora nem sempre a
pessoa controladora seja a dona dos recursos.
Entretanto, embora outra pessoa controle minhas ações e o acesso aos recursos
que necessito, é possível que haja a possibilidade de vocalizar discordância e
protestar contra o controle. Neste cenário, seria possível iniciar conflitos sobre o
controle. Isso aponta para uma terceira condição para dependências assimétricas.
Essa condição surge quando a possibilidade de comunicação conflitiva (Luhmann,
1984) ou, em outras palavras, a possibilidade de ter “voz” (Hirschman, 1970) é
interditada. Na medida em que se possa protestar abertamente, há esperança de,
com o tempo, transformar dependências assimétricas por meio da argumentação
consistente. Se não há possibilidade de ter “voz”, uma quarta condição deve ser
levada em consideração. Essa é a possibilidade da “saída” (Hirschman, 1970). Para
dependências assimétricas pervasivas e estáveis, essa é a “ultima ratio”, caso se
deseje escapar da dependência. Deve-se apenas deixar o sistema – e o efeito dessa
opção pode ser tão pervasivo quanto as dependências assimétricas. Porém, se
há estratégias que efetivamente inibem a saída, isso estabelece a mais completa
dependência que se pode conceber. No entanto, mesmo nessa condição de dependência quase total, há uma última opção e uma última liberdade, da qual advém
a quinta e última condição a ser mencionada aqui. Essa é a possibilidade do retiro
a uma forma privada de vivenciar o mundo (Luhmann, 1978). É difícil controlar
o modo como alguém vivencia o mundo e essa é a razão por que esse pode ser
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compreendido como o último domínio da liberdade. É provavelmente característico de sociedades totalitárias que tentem invadir até esse domínio. Campos de
reeducação são uma das instituições sociais por meio das quais se tenta estabelecer
esse tipo improvável de controle.
A hierarquia de cinco condições determinantes do nível de pervasividade das
dependências assimétricas é formulada aqui como um quadro de compreensão
geral para todos os tipos de sistemas sociais. Mas e a sociedade moderna? Em
muitas de suas estruturas e valores estão embutidos fortes vieses contra dependências assimétricas. Olhemos primeiro para a socialização e a educação: ambas
são entendidas como treinamento para autonomia e independência, e de modo
algum como treinamento para a submissão. A sociedade baseia-se em indivíduos
autônomos produzidos pela educação, e o sistema político da sociedade é entendido
como uma democracia auto-organizada que inclui todos por si mesma, e não como
uma perspectiva relacional que concebe possibilidades de participação a partir
de relações e dependências sociais (Ahlers et al, 2021). É impressionante, nessa
seara, o quão tarde os sistemas políticos do século XIX começaram a proteger
o ato de votar contra influências potenciais de terceiros. Com o tempo, “votar”
redefiniu-se como um ato completamente individual. Pressões e influências não
são permitidas nem desejadas (Mares, 2015). Por fim, deve-se olhar para a cultura.
Transcendendo os contextos mencionados há pouco, não parece haver valores
atrelados à dependência na sociedade moderna, mas sim preferências muito fortes
pela liberdade e pela igualdade.
Porém há significativas dependências assimétricas e é importante analisar as
circunstâncias em que elas surgem. De algum modo, elas parecem sempre estar
vinculadas às “exclusões”. Ser fortemente dependente de indivíduos particulares,
de várias pessoas ou de instituições de dependência parece estar relacionado a
formas de exclusão social. Vamos distinguir as duas principais formas de dependências assimétricas institucionalizadas na sociedade contemporânea.
A primeira dessas formas é o que foi denominado “exclusão inclusiva” por
diversos autores (Bohn, 2006; Stichweh, 1997; Stichweh, 2016). O ponto inicial da
“exclusão inclusiva” é o diagnóstico ou atribuição de incapacidades, deficiências
e desvios a pessoas, diagnóstico que é de praxe feito por um dos muitos especialistas funcionais da sociedade moderna. Se a limitação é significativa, exclusões
podem resultar dela: é muito difícil encontrar trabalho em alguns casos, como
sabem pessoas seriamente doentes, com deficiência ou que tenham cometido um
crime. Para a modernidade, é característico que essas exclusões tomem a forma de
inclusão: seja na forma de usuário do sistema de seguridade pública, de paciente
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em um hospital ou em uma casa de repouso, de uma aluna com deficiência em uma
escola especial ou de um criminoso na cadeia. Essas organizações são contextos
bastante restritivos que criam fortes assimetrias e dependências. Elas frequentemente podem ser descritas como “instituições totais” no sentido de Goffman (1961).
As relações pervasivas de dependência assimétrica que surgem desse modo alegam
impor limites a si mesmas. A intenção declarada da maioria dessas instituições
é conduzir as pessoas de volta à sociedade convencional [mainstream society].
Porém, se elas falham em cumprir suas intenções institucionais – e elas não raro
falham –, podem contribuir para a ascensão de uma “outer class” [classe excluída]
(Ifill, 1993), um dos indicadores de uma sociedade dividida.
A segunda forma de exclusão social de enorme relevância local e global deveria
ser chamada de “inclusão exclusiva” (Stichweh, 2009). As pessoas, grupos e populações envolvidas são parcialmente as mesmas que são objeto da exclusão inclusiva.
Nessa segunda forma de exclusão social, os processos não começam com um
evento possivelmente avaliado como negativo (perda do emprego, doença séria ou
deficiência) ou com uma sanção negativa (sentença penal). Ao contrário, começam
com uma sanção aparentemente positiva que oferece às pessoas em situações limítrofes pertença a um estilo holístico de vida. Isso pode ser a participação em uma
gangue, uma seita religiosa total, um grupo terrorista, um partido ultrarradical,
uma profissão insuspeita em um país distante, uma posição de muitos anos em um
navio. Porém em todos esses casos, os novos contextos de pertença podem provar-se totais e totalizantes, bloqueando a possibilidade de outras pertenças atuais e
futuras na sociedade. Frequentemente, não há saída. A organização nunca quer e
nunca permite que as pessoas saiam dali. Já há um corpo significativo de literatura
descritiva (e de ativismo social) sobre o tema da “Escravidão Moderna” (O’Connel
Davidson, 2015; Roberts, 2015). Mas a nível conceitual, ainda estamos bem nos
primórdios. Nossa hipótese é que a maioria dos casos de “escravidão moderna” tem
a ver com estruturas da inclusão exclusiva. No começo, frequentemente há uma
oferta de inclusão, uma esperança e uma promessa de saída potencial da marginalidade. Mas essa oferta enganosa oferece resultados de exclusão permanente,
com poucas chances de retorno à “normalidade” societal.
POLARIZAÇÃO SOCIOCULTURAL
Pela maior parte da história humana, sociedades estruturavam-se em torno
da coleta e da caça. Elas eram pequenos sistemas sociais – quase sempre incluindo
algumas centenas de pessoas – nos quais todo mundo conhecia todo mundo e
em que o controle social e a solidariedade obrigatória tinham sua base em uma
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“sociedade da presença” formada pelas interações entre os membros (Schlögl,
2014). Para a maior parte desses sistemas sociais pequenos, todos os outros seres
humanos vivendo na terra eram “estranhos” e seus membros tinham boas razões
para considerar estranhos como inimigos (Stichweh, 2010, 2017). Estranhos que
se encontrassem acidentalmente não saberiam nada uns dos outros. Esse é o caso
mais puro de “dupla contingência” (Luhmann, 1984).2 Nesse contexto, parece ser
um caminho razoável de mitigação de riscos atribuir a esses estranhos desconhecidos as intenções mais hostis possíveis e, portanto, considerá-los inimigos.
A evolução sociocultural e ascensão dos amplos sistemas territoriais e, finalmente, da sociedade global amplia o círculo daqueles sobre quem sabemos o
suficiente para não os considerar como inimigos. A terceira promessa e esperança
da modernidade global é a antecipação da fraternidade e da solidariedade a todos
os humanos vivendo na Terra. Essa ideia está presente no Esclarecimento e na
Revolução Francesa, assim como em muitos outros movimentos sociais e intelectuais que lhes sucederam.
A terceira esperança se torna a terceira frustração da sociedade moderna.
“Irmandade tribal” não se torna “irmandade universal” (Nelson, 1969). Benjamin
Nelson propõe, como alternativa, uma “alteridade universal” [universal otherhood]
como descrição adequada da sociedade moderna. Essa é uma boa proposta, uma vez
que leva em consideração a institucionalização da individualidade como invenção-chave da sociedade moderna. “Alteridade” é mais compatível com diversidade e
diferenciação como registros da sociedade mundial. A grande frustração, entretanto, vem do “outro como inimigo” retornar na forma da polarização sociocultural.
Há, para isso, muitas formas e variantes.
A primeira dessas formas é o medo e a prática da violência (Elias, 1976), seguida
pelo medo da criminalidade (Merry, 1981) e, então, pelo medo do terrorismo. Todas
as três formas são temas que produzem e simbolizam divisões da sociedade, uma
cisão societal entre aqueles que são vistos como ameaça à ordem social, e aqueles
que reivindicam defendê-la. A violência física descontrolada pode ser vista como
uma forma própria ao início da modernidade. Ela é praticada por aqueles que
são violentos e, também, pelos defensores da ordem, que punem os violadores de
maneiras extremamente violentas.
2 Apenas encontros entre civilizações no espaço são ainda mais incertos. Cixin Liu construiu uma
“sociologia cósmica” extraordinariamente inventiva na base de uma interpretação cósmica da
dupla contingência. Liu, Cixin. 2015 - 2017. The Three-Body Problem (Vol. 1-3). London: Head
of Zeus.)
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A criminalidade é o equivalente moderno da violência pré-moderna. O
comportamento criminoso é frequentemente orientado a fins, racional e pode ser
visto como parte do disciplinamento social da sociedade (Oestreich, 1980). Mas
ele nega normas constitutivas e valores, de modo que o criminoso é, para muitos,
a figura que representa o outro como inimigo. Não é uma surpresa que aqueles
que enxergam imigrantes e refugiados como outros perigosos não raro gastem
muita energia tentando provar que a maioria dos criminosos vêm de um grupo
de imigrantes e refugiados. Há uma contradição óbvia nas disposições modernas
para com os criminosos: de um lado, há a tradição de Beccaria e outros autores do
Esclarecimento que veem a punição como forma de ressocializar os criminosos. Por
outro lado, o medo dos criminosos e os estereótipos negativos atribuídos a eles são
muito fortes. É característico que a primeira campanha presidencial inteiramente
negativa e destrutiva da história norte-americana recente, a disputa entre George
Bush e Michael Dukakis em 1998, tenha terminado com uma vitória de Bush (em
40 estados), embora ele tenha iniciado a corrida eleitoral 17 pontos percentuais
atrás do seu opositor nas pesquisas. Nessa campanha, o tema mais proeminente
se tornou a história de um criminoso afro-americano que estuprou e agrediu
uma mulher durante uma saída temporária. O fato do perpetrador ser preto não
foi mencionado explicitamente pela campanha de Bush (Nagourney, 2020). Mas
havia uma mensagem potente e implícita que combinava a alteridade sociocultural
das pessoas pretas com o desvio radical de atos criminosos atribuídos a elas. Esse
acoplamento forte de diferentes identidades, fortalecido pela comunicação implícita, é frequentemente o material por meio do qual polarizações socioculturais são
construídas (Mendelberg, 2001).
Outra questão central é a “negatividade”. Não se argumenta em prol das formas
de vida e políticas [policies] que se prefere. Ao contrário, pinta-se um quadro
complexo do outro como radicalmente diferente e, portanto, como inimigo. Ao olhar
para a política norte-americana, Ezra Klein fala de “partidarismo negativo”: “um
comportamento partidário que é movido, não por sentimentos positivos em relação
ao partido que se apoia, mas sim por sentimentos negativos para com o partido que
se opõe” (Klein, 2020, p. 9-10) – e ele ainda explica a maior disposição para votar
ao longo do tempo pela prevalência de sentimentos negativos no eleitorado: “nos
tornamos mais fieis ao partido em que votamos não porque passamos a gostar mais
dele... mas porque passamos a desgostar ainda mais do partido opositor” (Klein,
2020, p. 10). Isso é conectado a uma mudança de assuntos para identidades. Klein
faz um argumento interessante ao pontuar que não há “divergência na diversidade”
[diversity divergence] na política dos Estados Unidos. A crescente diversidade
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demográfica da sociedade americana se movimenta sobretudo em prol do Partido
Democrata, o que leva a um aumento ainda maior da diferença demográfica entre
os dois partidos. Em 1952, dos eleitores que se identificavam como democratas, 6%
não eram brancos; enquanto para os republicanos, a porcentagem era de 2%. Em
2012, a porcentagem de não-brancos com identificação democrata saltou para 43%
em oposição a 9% de não-brancos republicanos. Como migrantes vivem primariamente em cidades, a “divergência na diversidade” produz ademais uma “divergência
na densidade”. Pode-se prever a orientação política de uma comunidade com base
em sua densidade populacional. E, finalmente, surge a conexão com identidades.
Eleitores que possuem engajamento político fraco olham para questões políticas
e políticas públicas tendo em vista os próprios interesses materiais. No entanto,
quanto mais forte o engajamento político dos eleitores se torna, mais eles passam
a olhar para questões em termos de identidade: “o que esta decisão política específica diz sobre mim?” (Klein, 2020, p. 63).
Uma última dimensão central é a educação. A divisão entre bacharéis/não-bacharéis, outrossim central para a desigualdade, é fortemente conectada à
polarização sociocultural. Como já pontuamos acima, nos EUA, a cisão educacional
divide o país em duas metades aproximadamente iguais. Hillary Clinton, que ganhou
o voto popular, mas perdeu a eleição de 2016, argumentou de um modo relativamente
excessivo em prol das elites urbanas e instruídas dois anos depois: “eu ganhei em
lugares que representam dois terços do PIB da América. Ganhei em lugares que são
otimistas, diversos, dinâmicos, progressistas” (Klein, 2020, p. 41). O que se torna
claro aqui é como os lados de uma situação de polarização sociocultural se excluem
reciprocamente. E eles o fazem por temer serem excluídos pelo outro lado, eles
reciprocamente temem se tornar “estranhos na própria terra” (Hochschild, 2016).
INCLUSÃO E EXCLUSÃO
Olhando para as três dimensões de divisão societal examinadas neste artigo,
surge a questão se há uma forma de diferenciação societal que permita entender
a ascensão e a interconectividade dessas divisões. Minha proposta é olhar para os
dois aspectos primários da diferenciação da sociedade que definem a modernidade
global: a diferenciação funcional e inclusão/exclusão.
Os sistemas funcionais da sociedade moderna são mais ou menos baseados em
inclusão universal (de indivíduos). Pode-se postular que eles partem da premissa (e
da promessa) de igualdade na inclusão para todos. A desigualdade que observamos
não é uma contradição, mas o resultado de processos extremamente dinâmicos
que surgem em todos os sistemas funcionais a partir de milhões e, finalmente,
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bilhões de endereços de inclusão individual. A desigualdade não é a desigualdade
tradicional. Ela vem das revoluções inclusivas da modernidade.
Algo diferente ocorre com a gênese de dependências assimétricas pervasivas e
fortes. Elas não estão conectadas ao lado “inclusão” da forma “inclusão/exclusão”.
Ao contrário, se referem a exclusões. Isso é verdade nas duas principais formas de
exclusão: por um lado, exclusões que emergem de deficiências e desvios e que são
administradas por organizações inclusivas que constroem dependências fortes;
por outro, as inclusões sedutoras de organizações marginais, das quais é possível
que nunca se consiga sair.
A terceira força divisiva é a polarização sociocultural. Ela é, mais uma vez,
referente ao lado “exclusão”, mas de um modo completamente diferente. A polarização sociocultural introduz uma divisão em uma população, uma divisão que
é baseada em medo de ser excluído da sociedade pela preponderância de um
grupo opositor. Esse medo de exclusão é compartilhado por ambos os lados da
distribuição polar. Em outras palavras, o medo recíproco da exclusão ou o medo
recíproco de ser tornado um estranho cria um tipo de dupla contingência negativa, na qual a construção da confiança não se firma e, ao invés, a desconfiança é
intensificada em ambos os polos.
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Recebido: 19/04/2022 | Aprovado: 26/05/2022
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