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REVISTA de MARINHA, no. 1035, Setembro-Outubro de 2023

2023

Tecnologia e Inovação

Tecnologia e Inovação Setembro/Outubro 2023 I Periodicidade Bimestral Diretora: Paula Marques I N.º 1035 Desde 1937 a informar todas as gerações sobre Oceanos, Mares e Rios. PUB PUB EDITORIAL FICHA TÉCNICA Fundada em 1937 | Ano: 86 Nº 1035 EDITORIAL Estimados leitores da Revista de Marinha, Hoje já ninguém duvida de que a nossa vida, em terra firme, depende do que aconteça no movimentado e agitado mar. O clima, o oxigénio, a energia, o alimento, entre outras dimensões dependem, em terra, do que vier a acontecer no mar. É curioso como, enquanto civilização, dependemos de uma realidade que é ainda uma grande incógnita. Existe um imenso mundo debaixo de água que desconhecemos por completo. Mas a verdade é que vivemos hoje tempos emocionantes que nos permitem descobrir muitos dos mistérios da vida subaquática que ainda nos falta desvendar. Editora/Diretora Paula Marques No caso da descoberta dos mares, rios e lagos do nosso planeta, a tecnologia e a inovação, têm ajudado a melhorar o nosso conhecimento e a nossa interação com o oceano, aumentando as nossas capacidades, uma vez que temos fragilidades e limitações fisiológicas que não nos Anteriores Editores/Diretores Maurício de Oliveira (Fundador); Gabriel Lobo Fialho; Alexandre da Fonseca (atual Presidente do Conselho Consultivo Editorial). permitem explorá-lo e conhecê-lo, como a nossa imaginação desejaria. Mas quantas vezes ouvimos falar de tecnologia e inovação como se fossem a mesma coisa? Nada mais errado e, quanto mais cedo percebermos a diferença entre as duas realidades, melhor saberemos aproveitar uma e outra para aumentar o nosso conhecimento, descoberta e utilização Conselho Consultivo Editorial António Balcão Reis, António Peters, Armando Marques Guedes, Artur Pires, Assunção Cristas, Augusto Alves Salgado, Carlos Seixas da Fonseca, Eduardo de Almeida Faria, Élvio Leão, Fernando Paiva Leal, Francisco Espregueira Mendes, Isabel Paiva Leal, Isabel Pereira, Jaime Leça da Veiga, Janete Gonçalves, João Paulo Delgado, João Rodrigues Gonçalves, Joaquim Bertão Saltão, Joaquim Monteiro Marques, João Brito Subtil, João Fernandes Abreu, José Ribeiro e Castro, José Rodrigues Pereira, Luís Miguel Correia, Luis Monteiro, Manuel Almeida Ribeiro, Manuel Oliveira Martins, Maria João Bebiano, Miguel Vieira de Castro, Nuno Fernandes Thomaz, Nuno Sardinha Monteiro, Orlando Temes de Oliveira, Paulo Gama Franco, Pedro Amaral Frazão, Pedro Carvalho Esteves, Reinaldo Delgado, Rui Matos, Teófilo Pires Tenreiro e Victor Gonçalves de Brito. sustentável do nosso mundo aquático. Na pré-história, por exemplo, a pedra lascada foi uma importante tecnologia. A tecnologia aparece quando usamos os conhecimentos que possuímos para criar uma ferramenta ou um processo que nos ajuda a suprir as nossas limitações físicas. A inovação aconteceu quando alguém imaginou que a pedra lascada poderia ser usada para caçar ou cortar alimentos. Podemos ter tecnologia e não existir inovação. A inovação requer criatividade e imaginação para descobrir novas formas de fazer as coisas, novas maneiras de utilizar algo e, segundo um grupo de cientistas multidisciplinares, foi o que nos salvou na complexa luta pela sobrevivência. Em 2021, estes investigadores, com a ajuda de inteligência artificial, identificaram, pela primeira vez os genes ligados à criatividade no homo sapiens como sendo os que nos deram uma vantagem seletiva face aos Neandertais e nos salvaguardaram da extinção, uma vez que nos permitiram adaptar melhor ao meio ambiente que nos rodeia. No oceano, quando falamos de tecnologia falamos de navios, submarinos, sensores, robots subaquáticos, sondas automatizadas, câmaras de vídeo submarinas, sistemas de monitorização remota, plataformas de rastreamento e identificação por DNA, entre outros, que nos permitem desde mapear novas áreas geográficas debaixo de água, monitorizar em tempo real a qualidade da água e a saúde dos ecossistemas aquáticos, combater a pesca excessiva até adicionar novas Os artigos publicados na Revista de Marinha e assinados refletem as perspetivas dos seus autores. Os artigos e fotografias incluídos nesta edição não podem ser reproduzidos sem autorização. espécies à lista de espécies da ciência. A inovação é a nossa mente criativa que não apenas criou O Estatuto Editorial pode ser consultado no site da Revista de Marinha em https://revistademarinha.com/estatuto-editorial/ ficarão a conhecer histórias maravilhosas de tecnologias que estão a suprir as nossas fragilidades essas ferramentas, mas que também imagina e pensa novas formas de as usar, novas maneiras de utilizar as informações que essas ferramentas recolhem, para resolver problemas e desafios que enfrentamos, melhorando a vida humana e a sua relação com os ecossistemas aquáticos. Esta edição da nossa revista é dedicada a estas duas realidades. Os nossos estimados leitores físicas e nos permitem explorar o oceano para além do que a nossa fisiologia humana nos permitiria fazer, bem como de inovações incríveis, isto é, de novas formas de usar essas mesmas tecnologias, Capa: para que da próxima vez que ouvirmos falar de tecnologia e inovação, saibamos reconhecer como Cortesia Pepe Brix/Okeanos-UAc são duas realidades diferentes, mas ambas vitais para o conhecimento e preservação do oceano. Para todos os assuntos relacionados com a Revista de Marinha, por favor contactar: rm1937@revistademarinha.com Vasconcelos, Professor Catedrático da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e Diretor Para além da tecnologia e inovação no meio aquático, destacamos ainda a entrevista a Vítor do CIIMAR que partilha os encantos de uma vida científica e de investigação dedicada ao meio aquático, a Conferência Internacional ICOMIA World Marinas e terminamos com as sempre fascinantes crónicas da Revista de Marinha que nos levam a viajar, em cada edição, por muitas das múltiplas facetas com que o mar sempre nos surpreende. Boas leituras! Paula Marques Revista de Marinha (ERC nº 104351): Endereço da Sede, do Proprietário, da Redação e do Editor - Rua António Graça, 97, 4490-471, Póvoa de Varzim. Propriedade da Barco à Vela Editora, Lda., NIPC 516 835 360. e-mail: rm1937@revistademarinha.com; www.revistademarinha.com; A Barco à Vela Editora, Lda. está inscrita no registo das empresas jornalísticas sob o nº 224084; o capital desta empresa está repartido por duas quotas iguais, de 50% cada, pertencentes a Paula José Martins João Maio Marques e José Miguel Dantas Maio Marques; gerente: Paula José Martins João Maio Marques. Paginação: Barco à Vela Editora, Lda. Impressão e Acabamento: Gráfica Diário do Minho - Rua de S. Brás, 1 - 4710-073 Braga - Portugal, e-mail: producao@diariodominho.pt; www.grafica.diariodominho. pt; Tiragem deste número: 2500 exemplares; Distribuição: VASP, MLP - Quinta do Grajal Venda Seca 2739-511 Agualva Cacém, Tel. 214 337 000. Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Revista de Marinha | 03 SUMÁRIO TECNOLOGIA E INOVAÇÃO IMO - Celebrações do Dia Mundial do Mar 40 Atlânticoline participa no ASAREX 2023 41 Nações Unidas preparam um novo relatório REPMUS 2023 – o maior exercício de experimentação operacional de sistemas não tripulados do mundo 04 incluindo os aspetos sócio económicos 54 42 A Segurança Marítima em Crónica 57 ‘Traversing European Coastlines’ 43 Ocean Revival, um pouco diferente… 58 Comodoro António Pires toma posse como Superintendente das Finanças 44 Levar a eólica offshore a bom porto 60 Navio-Escola “Brasil” visitou Portugal 44 Cerimónia da expedição científica no Atlântico Norte Central, 11 Cartografia náutica… atualidade e inovação 20 BIOSAMPLER integrado sobre o estado global do oceano Achados arqueológicos e naufrágios no mar de Quarteira Investigação científica oceânica em redor do Arquipélago dos Açores CRÓNICAS Memórias da Ponta de São Lourenço (1968) 62 23 Segundo-Tenente Paredes Bezerra CorPower Ocean um passo mais próximo é o novo comandante do NRP Escorpião O Oriente começa em África, 44 ou Maputo Port 64 da produção de energia renovável a partir das ondas 26 ENTREVISTA Vitor Vasconcelos 28 Marinha acompanha navios russos Transporte do petróleo por mar na Costa Portuguesa 45 e as sanções da UE à Rússia 66 32º Aniversário do NRP Dragão 46 Linguagem Marinheira: Corda e Cordões 69 Regata da ‘The Tall Ships Races’ em Lisboa 46 ESCAPARATE XIJornadas Portuguesas de engenharia costeira e portuária ATUALIDADE Evento anual ‘Interreg Atlantic Area’ Heterónimos do mar 50 ARQUIVO HISTÓRICO 35 de Viana do Castelo Porto acolheu evento internacional A Revista de Marinha há mais de oitenta anos … nº 89 72 dos Cruzeiros ‘Destination Showcase’ 2023 51 ENIDH assina memorando de entendimento com e ENSM 71 Mudança de comando na capitania e conferência ‘Atlantic Stakeholder Platform 2023’ 48 38 Conferência 2023: “ICOMIA World Marinas” 52 Inauguração do Centro de Controlo do Mar 40 Desde 1937 a informar todas as gerações sobre Oceanos, Mares e Rios. 04 | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Oceanos, Mares e Rios PUB Cortesia Marinha / AMN REPMUS 2023 – O MAIOR EXERCÍCIO DE EXPERIMENTAÇÃO OPERACIONAL DE SISTEMAS NÃO TRIPULADOS DO MUNDO D ecorreu de 11 a 22 de setembro, na Zona Livre Tecnológica (ZLT) “Infante D. Henrique”, em Tróia e Sesimbra, a décima terceira edição do REPMUS – Robotic Experimentation Prototyping Augmented by Maritime Unmanned Systems - o maior exercício de experimentação operacional de sistemas não tripulados do mundo. Este evento foi organizado pela Marinha Portuguesa, tendo como co-organizadores a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), o NATO Centre for Maritime Research and Experimentation (CMRE) e a NATO Maritime Unmanned Systems Initiative (NATO MUSI). No REPMUS 2023, um dos maiores exercícios mundiais de inovação e robótica, participaram mais de 1400 06 pessoas, militares e civis. Os participantes, englobando Marinhas, Indústrias, Universidades e Centros de Investigação, vieram maioritariamente de 15 países, sobretudo da NATO, mas também de outros países parceiros. Houve ainda cerca de 10 países que enviaram observadores para poderem beneficiar da experiência proporcionada pelo evento. Os exercícios realizados foram de grande interesse ao nível internacional, uma vez que promoveram o desenvolvimento de novas tecnologias para emprego militar e de duplo-uso, com particular realce para os sistemas não tripulados, vulgo “drones”. Os drones e tecnologias testados abrangeram os domínios marítimo, seja em superfície | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Oceanos, Mares e Rios ou em subsuperfície, aéreo, terrestre e o espectro eletromagnético. No âmbito do programa do REPMUS 23, os exercícios iniciaram-se no dia 11 de setembro e, em todos os dias do evento, foram realizados novos exercícios e apresentados protótipos de veículos não tripulados que ora descolaram da pista ora largaram no mar da ZLT. A coordenação dos vários meios envolvidos, em diferentes ambientes, promoveu a interação entre os participantes e fomentou o conhecimento técnico e operacional nas possíveis áreas de atuação. Os sistemas marítimos não tripulados testados trazem vantagens a nível operacional, podendo atuar desde a busca e salvamento marítimo, salva- TECNOLOGIA E INOVAÇÃO Cortesia Marinha / AMN Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Revista de Marinha | 07 Cortesia Vanguard Marine mento urbano, vigilância marítima, entre outras. No quarto dia do REPMUS, dia 14 de setembro, o exercício contou com a visita de uma Comitiva Colombiana, liderada pelo Segundo Comandante da Armada da Comissão Consultiva da Zona Livre Tecnológica Infante D. Henrique e da Presidente da Comissão Nacional da Proteção de Dados. No dia seguinte, o Chefe do Estado-Maior da Armada, Almirante Henrique Gouveia e Melo, visitou o REPMUS, tendo assistido a diversos exercícios de experimentação operacional de sistemas não tripulados. No dia 16 de setembro, foram realizados uma série de exercícios de apoio a um acidente com um submarino, simulado pelo NRP Arpão, tendo participado neste exercício REPMUS os navios ITS Carabiniere, da Marinha italiana, o NRP D. Carlos I, da Marinha Portuguesa, e o navio “Mar Profundo” do INESCTEC. Esta série de exercícios contou ainda com a participação das empresas Teledyne, Atlas Eletronik e Evologics apoiadas pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e o Centre for Maritime Research and Experimentation (CMRE) da NATO para estabelecer comunicações digitais submarinas de socorro com o submarino. Neste exer- 08 cício, foram empenhados três veículos submarinos não tripulados (UUV) com resultados impressionantes ao nível da discriminação do submarino assente no fundo. Foi uma oportunidade rara de treino que permitiu testar interoperabilidade, tecnologia avançada submarina e coordenação logística com sucesso. A Marinha Portuguesa com o objetivo de fomentar o desenvolvimento tecnológico, convidou diversas empresas a participarem no evento. Uma dessas empresas que participou nos exercícios REPMUS 23 foi a Vanguard Marine. Durante o exercício REPMUS, no Centro de Experimentação Operacional da Marinha (CEOM), participaram na mesma missão, dois vigilantes especiais, a cadela Misha e o robot Bobby. Estes compartilharam funções de vigilância no CEOM, constituindo a primeira equipa mista da Marinha, juntando seres de carbono e seres de silício. Nos exercícios da madrugada do dia 21 de setembro foram experimentados sistemas não tripulados aéreos, de superfície e submarinos, tendo as equipas realizado os seus testes no arco noturno, utilizando os drones no apoio a uma operação anfíbia. As várias equipas dedicadas e incansáveis que fizeram parte do REPMUS23, trabalharam em conjunto, cada uma enfrentando os seus desafios operacionais | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Oceanos, Mares e Rios e técnicos, mas cooperando para o desenvolvimento das capacidades futuras e para a sua operacionalização. No último dia do REPMUS, teve lugar o Distinguished Visitors Day (DV-day), o qual ocorreu em simultâneo com o Exercício Dynamic Messenger, da NATO, que se realizou também em Portugal e que decorreu nos dias seguintes. Foram igualmente efetuadas inúmeras demonstrações de drones aéreos, terrestres e marítimos para distintos representantes dos vários participantes no exercício. Estiveram presentes no último dia do REPMUS 2023, a Ministra da Defesa Nacional, Helena Carreiras, acompanhada pelo Secretário de Estado da Defesa Nacional, Carlos Pires, pelo Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, General José Nunes da Fonseca, pelo Chefe do Estado-Maior da Armada e Autoridade Marítima Nacional, Almirante Henrique Gouveia e Melo, entre outras entidades nacionais e internacionais, militares e civis, os quais tiveram a oportunidade de ver, em ação, as diferentes capacidades experimentadas. O exercício REPMUS 2023 foi, uma vez mais, uma oportunidade para que, no presente, se teste e experimente a evolução que se verificará no futuro. TECNOLOGIA E INOVAÇÃO Cortesia Marinha / AMN Para abastecer não vá contra a maré. Só depois de abastecido. Os nossos postos estão a postos ao longo de toda costa do país, com a melhor tecnologia de combustíveis e lubrificantes para aumentar o desempenho da sua embarcação. Tudo para deixar a sua viagem mais segura e o meio ambiente mais protegido. galp.com PUB Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Revista de Marinha | 09 Cortesia Marinha / AMN Cortesia Marinha / AMN 10 | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Oceanos, Mares e Rios TECNOLOGIA E INOVAÇÃO Cortesia Marinha / AMN www.expofishportugal.com PUB Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Revista de Marinha | 11 12 Cortesia Marinha / AMN Cortesia Marinha / AMN Cortesia Marinha / AMN Cortesia Marinha / AMN Cortesia Marinha / AMN Cortesia Marinha / AMN | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Oceanos, Mares e Rios Cortesia Pepe Brix/Okeanos-UAc INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA OCEÂNICA NO ATLÂNTICO NORTE CENTRAL, EM REDOR DO ARQUIPÉLAGO DOS AÇORES O potencial de exploração dos oceanos é enorme. O OKEANOS - Instituto de Investigação em Ciências do Mar, da Universidade dos Açores, tem como principal missão científica investigar os vastos ecossistemas oceânicos do Atlântico Norte central, em redor do arquipélago dos Açores. Neste contexto, investigadores do OKEANOS lideraram uma missão de exploração do mar profundo e do oceano aberto dos Açores a bordo do NI OceanXplorer, o navio de investigação mais sofisticado do mundo, propriedade da organização privada OceanX. Nesta expedição científica, que decorreu entre os dias 24 de agosto e 8 de setembro, participaram cerca de 20 investigadores e estudantes do OKEANOS. A expedição OceanX 2023, liderada por Jorge Fontes e Telmo Morato, teve como epicentro o Banco Princesa Alice e outras áreas do Grupo Central do Arquipélago dos Açores. A OceanX 2023 foi desenhada para explorar, em tempo real, dimensões pouco conhecidas do mar profundo e do oceano aberto dos Açores, numa abordagem integrativa e multidisciplinar, que se estendeu do leito à superfície do oceano. Produziu-se cartografia dos fundos marinhos (em parceria com o Instituto Hidrográfico da Marinha Portuguesa), caracterizaram-se comunidades de peixes, corais e esponjas com submarinos tripulados e um veículo operado remotamente (ROV) e identificaram-se novos Ecossistemas Marinhos Vulneráveis. Os sofisticados equipamentos a bordo do NI OceanXplorer permitiram também recolher amostras biológicas de organismos do mar profundo que ainda não estão identificados e que poderão ser, em alguns casos, novas espécies para a ciência. Estudou-se o comportamento de jamantas e tubarões-baleia, com marcas eletrónicas equipadas com sensores e câmaras de vídeo, enquanto se caracterizavam, em simultâneo, as comunidades mesopelágicas e as massas de água por eles atravessadas. Obtiveram-se dados inovadores para compreender a biodiversidade pelágica da região e a interdependência entre grandes predadores e as suas presas, associadas a montes submarinos dos Açores. A informação produzida será útil para determinar o estado ambiental dos fundos oceânicos dos Açores e informar o processo de expansão da Rede de Áreas Marinhas Protegidas dos Açores. A missão OceanX 2023 em números 12 dias de trabalho, quatro áreas visitadas, 3 840 km2 de fundos marinhos mapeados (dos quais 630 km2 a incluir Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Revista de Marinha | 13 submarino Dom João de Castro, é ca- são linhas de investigação prioritárias para o futuro. Numa das áreas exploradas com sondas multifeixe, foi encontrado um canhão (ou desfiladeiro) desconhecido com cerca de 15 km de comprimento, 340 m de largura e com escarpas de cerca de 100 m de altura. Os canhões ou desfiladeiros dos Açores, são habitats bastante desconhecidos e onde se poderão localizar ecossistemas únicos. A expedição OceanX 2023 permitiu identificar que grande parte das comunidades bentónicas, incluindo corais e esponjas, observadas num dos principais bancos de pesca demersal dos Açores se encontram, ainda, em bom racterizada por colónias em forma de leque cujos ramos emplumados lembram folhas de palmeira. Densas agregações das maiores espécies de esponjas que habitam o mar profundo dos Açores (por ex., Characella pachastrelloides, Haliclona magna), no banco Princesa Alice. As esponjas têm um papel estruturante no mar profundo, aumentando a produtividade do ecossistema e criando habitat para outras espécies. Um dos poucos (e pequenos) recifes de corais duros, de Lophelia e Madrepora, conhecidos nos Açores, a cerca de 850 m de profundidade, na zona dos Capelinhos, a oeste do Faial. Os recifes de corais duros possuem um papel importante nos ciclos biogeoquímicos do mar profundo, mas são muito vulneráveis à acidificação dos oceanos. Conhecer melhor a sua distribuição e a sua suscetibilidade às alterações climáticas estado ambiental e possuem um elevado valor natural e ecológico. Foram, contudo, observadas algumas colónias de corais de grande longevidade com visíveis impactos da pesca. Estas observações in loco corroboram conclusão de estudos anteriores que sugerem que pesca de profundidade bem regulamentada e baseada em artes de linha e anzol (preferencialmente linha de mão) poderá contribuir para a exploração sustentável do mar profundo. A utilização dos equipamentos sofisticados de exploração do mar profundo que o RV OceanXplorer dispõe, desde submarinos tripulados a um ROV que desce até aos 6000 m, permitiu recolher 232 amostra biológicas de organismos que vemos nas imagens, mas que ainda não estão identificados e que poderão ser mesmo novas espécies para a ciência. Em resumo, foram encontradas áreas que se enquadram na definição de Cortesia OceanX / Okeanos-UAc nas bases de dados oficiais Portuguesas); 85 horas de vídeo obtidas em 8 mergulhos em submarinos tripulados e 12 mergulhos com veículo operado remotamente (ROV), que percorreram 19 km de fundo, e recolheram 232 amostras biológicas. 2 tubarões-baleia e 6 jamantas marcados e rastreados com marcas eletrónicas; 790 km de eco-sondagem da coluna de água; 27 estações para análise das massas de água, dos 0 aos 1000 m; 160 amostras para análise de ADN ambiental e de parâmetros físico-químicos. Principais descobertas da investigação No mar profundo, a missão mostrou que bancos muito explorados pela pesca demersal albergam, ainda, refúgios com um elevado valor natural e ecológico. Apesar dos dados não estarem ainda analisados com detalhe, os mergulhos de submarino e de ROV revelaram algumas descobertas surpreendentes: Grandes colónias de corais negros (Leiopathes sp.), possivelmente com mais de 1000 anos de idade, que se encontram “penduradas” em paredes íngremes do banco Princesa Alice. É possível que antes da pesca demersal explorar este banco, este corais negros arborescentes e vulneráveis à pesca fossem muito mais abundantes e de maior dimensão e idade. Estes corais possuem um crescimento muito lento e podem viver milhares de anos. Uma das maiores e mais densas florestas da gorgónia Callogorgia verticillata encontrada nos Açores. Esta floresta de gorgónias, encontrada no monte Cortesia OceanX / Okeanos-UAc 14 | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Oceanos, Mares e Rios www.lisnave.pt +351 265 799 363 comercial@lisnave.pt PORTUGAL PUB Cortesia Fred Buyle 16 | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Oceanos, Mares e Rios TECNOLOGIA E INOVAÇÃO Ecossistemas Marinhos Vulneráveis, e compilou-se informação científica valiosa para o desenvolvimento de políticas que promovam a preservação do património natural, garantindo o uso sustentável do mar profundo e minimizando os impactos negativos nestes ecossistemas tão vulneráveis. No oceano aberto, foram estudados detalhada e simultaneamente os movimentos de alguns grandes tubarões migradores e o habitat de oceano aberto por onde aqueles se movem quando visitam os Açores. Este estudo multidisciplinar permitiu obter dados inovadores para podermos compreender o como e o porquê dos movimentos daquelas espécies icónicas e ameaçadas, nomeadamente se mergulham centenas de metros para se alimentar dos vastos recursos mesopelágicos que existem no oceano aberto e em redor dos montes submarinos dos Açores. Estes dados, que irão agora ser analisados em profundidade, já revelaram preliminarmente que: As jamantas (Mobula tarapacana) e tubarões-baleia (Rhincodon typus) marcados no banco Princesa Alice, nele permaneceram vários dias, durante os quais fizeram mergulhos regulares, a maioria dos quais na zona epipelágica até aos 200 metros de profundidade. No entanto, as jamantas fizeram incursões ocasionais a profundidades mesopelágicas (300-600 m) e uma jamanta mergulhou mesmo a 1200 metros durante três horas, suportando uma temperatura de 9 graus Celsius. Estes mergulhos coincidiram com as camadas de água onde a eco-sondagem detetou ecos correspondentes a grande quantidade de potenciais presas, como pequenos peixes e cefalópodes, sobretudo na zona epipelágica durante a noite e mesopelágica durante o dia. A coroa do Princesa Alice é um local importante de agregação de jamantas, onde foram avistados diariamente até 40 indivíduos simultaneamente, revelando o papel potencial desta pequena área como Habitat Essencial desta espécie. O avistamento de tubarões-baleia nesta área, menos frequente, e de ou- Cortesia Fred Buyle tras espécies de predadores pelágicos (tubarão-azul, írio, bicuda e atuns), juntamente com as grandes migrações transatlânticas destes animais já reveladas por estudos anteriores da equipa, reforçam a importância deste habitat especial para muitas espécies diferentes, e o seu elevado valor de conservação no contexto regional e internacional. Mas também a necessidade de regulamentar urgentemente o seu uso pelas atividades humanas que ali concorrem, incluindo a pesca profissional, a pesca recreativa, o mergulho turístico e a própria ciência. Estas novas descobertas contribuíram para caracterizar os valores ambientais e definir a importância ecológica de duas áreas emblemáticas da rede de Áreas Marinhas Protegidas dos Açores, o Banco D. João de Castro e o Banco Princesa Alice. Esta informação é indispensável para suportar as entidades decisoras na definição das melhores políticas públicas, baseadas no conhecimento científico, que suportem o desenvolvimento sustentável das comunidades costeiras, garantindo a conservação da biodiversidade dos recursos e dos serviços ecossistémicos marinhos. Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Revista de Marinha | 17 Cortesia Pepe Brix/Okeanos-UAc A expedição contribuiu, também, para o programa SEAMAP 2030 (Mapeamento do Mar Português) do Instituto Hidrográfico (IH), para a iniciativa internacional Seabed 2030, e para Década das Nações Unidas da Ciência dos Oceanos para o Desenvolvimento Sustentável (2021-2030). A expedição resultou de uma parceria entre o OKEANOS – Instituto de Investigação em Ciências do Mar e a OceanX, uma organização americana que trabalha com cientistas, governos e ONGs para investigar os ecossistemas oceânicos do planeta. A par- Cortesia Pepe Brix/Okeanos-UAc 18 | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Oceanos, Mares e Rios CONSTRUINDO O COMPLEXO “PUZZLE AZUL” www. blueinfo.pt PUB Cortesia Pepe Brix/Okeanos-UAc Cortesia Pepe Brix/Okeanos-UAc 20 | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Oceanos, Mares e Rios TECNOLOGIA E INOVAÇÃO ceria com esta entidade filantrópica permitiu utilizar o NI OceanXplorer para investigar espécies e habitats que ocorrem tanto nos fundos oceânicos como na coluna de água desta região única do Atlântico Norte. O NI OceanXplorer está equipado com a melhor e mais avançada tecnologia de exploração dos oceanos, incluindo dois submarinos com capacidade de mergulho até 1000m de profundidade e um ROV até 6000m, um helicóptero, sondas e sensores de grande definição, laboratórios sofisticados, várias embarcações de apoio, e um centro de mergulho. A equipa do OKEANOS foi composta por 20 investigadores e um fotógrafo e videógrafo, que trabalharam em estreita parceria com a equipa do OceanX: Autores: Telmo Morato, Jorge Fontes e equipa científica a bordo do NI OceanXplorer * Instituto de Investigação em Ciências do Mar - Okeanos, Universidade dos Açores, Horta, Portugal Instituto do Mar - IMAR, Universidade dos Açores, Horta, Portugal Instituto Hidrográfico, Lisboa, Portugal * Bruno Macena, Bruno Saraiva, Diya Das, Filipe Porteiro, Fred Buyle, Gal.la Eredy, Guilherme Gonçalves, Jan Faktor, João Balsa, Laura-Neves de Sousa (IH), Liz Reuter, Manuela Ramos, Marina Carreiro-Silva, Pedro Afonso, Pepe Brix, Robert Priester, Sophie Prendergast, Teresa Cerqueira. Cortesia Pepe Brix/Okeanos-UAc Cortesia Pepe Brix/Okeanos-UAc Cortesia Pepe Brix/Okeanos-UAc Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Revista de Marinha | 21 CARTOGRAFIA NÁUTICA… ATUALIDADE E INOVAÇÃO Introdução rande parte do comércio mundial é realizado por via marítima, e beneficia direta ou indiretamente de produtos cartográficos atualizados. Estes produtos são considerados um dos elementos fundamentais para a promoção da navegação em segurança e que possibilitam a otimização das capacidades funcionais dos navios e das rotas por eles praticadas. Assim, como contributo para o desenvolvimento económico global, a cartografia náutica, assume elevada importância na sustentabilidade das atividades marítimas, tendo em vista a necessidade de proteger vidas humanas e bens, assim como prevenir impactos ambientais negativos. Nas últimas décadas, vários fatores têm contribuído para destacar a necessidade da produção de cartas e publicações náuticas e de uma cobertura batimétrica adequada e conforme requerido no Capítulo V da Convenção SOLAS (Safty Of Life At Sea), entre os quais se pode referir o surgimento de navios de muito grande calado; a necessidade da proteção do meio/ambiente marinho; o tipo de comércio marítimo; a importância crescente dos recursos do fundo marinho; a Convenção da Nações Unidas sobre a lei do mar. G Cartografia Náutica O Instituto Hidrográfico (IH), no âmbito das suas atribuições e competências, é a entidade nacional responsável pela produção de cartografia náutica expressa nos fólios nacional e INTernacional1, ou seja, pela construção, publicação e atualização das cartas náuticas2 em formato papel (CN) e das Cartas Eletrónicas de Navegação (CEN), das séries para navegação marítima e em águas interiores (Inland no seu acrónimo em inglês) – série Fluvial, constantes nesses fólios cartográficos, às quais acrescem as cartas destinadas ao apoio das atividades da Pesca e náutica de Recreio (Figura 1). sistema de base de dados geoespacial, que integra todo o fluxo de produção de informação necessária à produção e atualização da cartografia náutica. Os dados georeferenciados, são elemento central e fundamental no processo de construção e estão estruturados segundo as normas da Organização Hidrográfica Internacional (OHI) 3, que, após Figura 1 – Exemplos de CN e CN – fólios navegação marítima e fluvial. O Fólio Cartográfico nacional modernizou-se nas últimas décadas do século XX, fruto da evolução das tecnologias de informação e produção em ambiente digital, dos sistemas de navegação por satélite, do desenvolvimento de novos normativos internacionais e do surgimento das CEN S-57 (ENC S-57 no seu acrónimo em Inglês) como produto digital inovador para apoio à navegação marítima. Implementou-se assim uma cobertura cartográfica nacional mais adequada aos requisitos e mais eficiente face às necessidades. A produção de cartografia náutica é hoje totalmente elaborada em ambiente digital, numa plataforma assente num validação, são disponibilizados para a geração dos produtos cartográficos, CEN e CN e respetivas atualizações. Atualmente, o modelo de dados de toda a informação fonte está estabelecido segundo a norma S-57 – “IHO Transfer Standard for Digital Hydrographic Data”. As CN e as CEN são caracterizadas por ilustrar os objetos com relevância para os navegantes, dando primazia à segurança, pela representação do relevo submarino segundo um conjunto/ modelo de valores mínimos de profundidade (sondas e isóbatas) e de outros objetos como as obstruções e as ajudas à navegação, implicando que os elementos cartográficos que garantem a Carta INT – Carta Náutica da série INTernacional instituída e regulamentada pela OHI (Organização Hidrográfica Internacional), tendo como principais objetivos a normalização e a produção do menor número de cartas necessárias para cobertura do espaço marítimo mundial, garantindo a realização de uma navegação segura, cobrindo ou dando especial atenção aos portos de maior tráfego e às principais rotas marítimas. São organizadas em séries, de acordo com o tipo de navegação. 1 De acordo com a Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar (SOLAS Chapter V), Uma carta náutica consiste num mapa com propósito especial, ou numa base de dados especificamente compilada, da qual o mapa é gerado (derivado/ construído), produzido para atender as especificações e requisitos da segurança da navegação marítima, sendo publicado oficialmente por ou sob a autoridade de um Governo, Serviço Hidrográfico (SH) ou outra instituição governamental com essa competência atribuída pelo Estado. 2 OHI - Organização intergovernamental técnico-consultiva, da qual Portugal é estado membro fundador. Entre outras atividades, coordena o estabelecimento de normas para execução e utilização dos dados dos levantamentos hidrográficos e para a uniformização das cartas e publicações náuticas. 3 22 | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Oceanos, Mares e Rios TECNOLOGIA E INOVAÇÃO segurança sejam mais relevantes que o detalhe ou a sua forma. A sua representação é efetuada segundo escalas normalizadas cuja grandeza tem relação estabelecida com o tipo de navegação, em conformidade com as normas da OHI, sendo, as CN e CEN para navegação marítima, agrupadas nas séries: Geral, Oceânica, Costeira, Aproximação, Portuária e Atracação. As CN são disponibilizadas aos utilizadores através dos serviços de venda do IH e pelos revendedores autorizados e as CEN através de Centros Coordenadores Regionais (RENC no seu acrónimo em Inglês). Como entidade signatária das especificações e normas para a produção de cartografia náutica, o IH elabora todas as CN e CEN de acordo com as especificações e normas internacionais publicadas pela OHI, e em cumprimento com a legislação nacional e as normas internas da instituição validadas no âmbito do Sistema de Gestão da Qualidade (SGQ). Responsabilidades Internacionais No âmbito dos seus compromissos internacionais, o IH representa oficialmente Portugal na OHI, sendo membro da Comissão Hidrográfica do Atlântico Oriental - CHAtO (EAtHC - East Atlantic Hydrographic Commission), constituída sob proposta de Portugal em 1982, e formalmente estabelecida em 1984. É membro associado da Comissão Hidrográfica para a África Austral e Ilhas - CHAIA (SAHIC - Southern African and Islands Hydrographic Commission), constituída em 1996 (Figura 2). As Comissões Hidrográficas Regionais (RHCs no seu acrónimo em Inglês), coordenam ao nível regional, as diversas atividades hidrográficas, das quais se destaca a produção de cartografia náutica, em cada uma das regiões estabelecidas mundialmente no âmbito da OHI. Tendo presente as orientações da OHI no sentido do apoio aos países sem capacidade hidrográfica estabelecida/ edificada, Portugal tem participado ativamente nos programas de desenvolvimento e implementação de cartografia náutica do fólio INTernacional, para o qual o conhecimento das profundidades é crítico e, em muitas zonas do globo, deficiente. Assim, para além da cooperação na produção da cartografia náutica de países terceiros, tem efetuado a recolha de dados topo-batimétricos, incluindo a instalação de marégrafos e a determinação das coordenadas de vértices geodésicos, marcos e de ajudas à navegação identificadas como relevan- Figura 2 – Regiões Hidrográficas com a participação de Portugal. PUB Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Revista de Marinha | 23 tes e ainda de obstruções consideradas perigosas para a navegação. Realça-se que Portugal ainda é, através do IH, Autoridade Cartográfica Primária nos países Africanos de língua oficial Portuguesa (Figura 3). a sua contribuição direta e/ou indireta para a Economia Azul e sustentabilidade dos Oceanos. A necessária adaptação à nova era digital e em particular à era S-100 faz também antever a exploração de Figura 3 – Produção e Coprodução Portugal-PAL. Perspetivas Futuras Muitas cartas consideradas adequadas durante as últimas décadas, necessitam hoje de ser recompiladas com nova informação recolhida com um nível de precisão mais elevado fornecendo uma resolução e uma cobertura mais adequadas à realidade atual. Os próximos anos trarão diversos desenvolvimentos nos meios, técnicas e métodos. É de realçar que estas áreas da ciência estão perante uma grande transformação digital, com o desenvolvimento de normas técnicas que fornecerão a futura estrutura de dados, o S-100, para o desenvolvimento da próxima geração de produtos eletrónicos de navegação (Figura 4), com a CEN S-101 (ENC S-101 no seu acrónimo inglês) na sua base, para além de outros produtos digitais exigidos pelas comunidades, em especial pela hidrográfica e marítima, com 24 formas diferentes para produção de cartografia náutica que tem hoje uma vasta utilização para além do propósito da navegação. Antevendo-se também o progressivo abandono da obrigatoriedade da disponibilização Figura 4 – S-100 – Exemplos (Adaptado de s100.iho.int). | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Oceanos, Mares e Rios de cartas em papel e o aumento da utilização de Cartas Eletrónicas, coloca-se como desafio às entidades produtoras, na medida em que, importa avaliar e desenvolver metodologias alternativas às atuais, tendo por foco as CEN. No contexto deste artigo, dos vários produtos S-100, destaca-se o S-101 cuja implementação é já uma realidade próxima e relativamente ao qual o IH tem vindo a preparar-se para o desenvolvimento e produção da futura geração de CEN (ENC S-101), que, como produto digital oficial, substituirá progressivamente as atuais CEN S-57. A transição completa está estabelecida para 2030, e traz a espectativa de conteúdos cartográficos modernizados e de cibersegurança através de encriptação atual, apresentando-se as CEN S-101 como componente de base e essencial do conceito e-navigation, cuja implementação será possível através da interoperabilidade com os vários produtos e/ou serviços S-100. Assim, é provável que dentro de 10 anos a navegação a bordo dos navios possa vir a ter um apoio geoespacial muito diferente dos dias de hoje, com recurso a soluções de navegação diversas das implementadas atualmente, com a integração de produtos em tempo real, permitindo uma maior eficiência às atividades marítimas em geral e ao transporte marítimo em particular. Engenheira Paula Sanches Instituto Hidrográfico A equipa do INESC TEC: Pedro André Silva, Carlos Almeida, Paula Lima, Francisco Carneiro, José Almeida, Alfredo Martins Cortesia INESC TEC BIOSAMPLER O eDNA autonomous biosampler é o resultado de uma linha de investigação tendo em vista o desenvolvimento de sistemas de amostragem e recolha de dados biológicos marinhos e em particular de recolha de ADN ambiental. Esta linha tem por objetivo não só desenvolver sistemas inovadores capazes de recolher, de forma muito mais eficiente e com menores custos, informação de DNA em meio subaquático, mas também de desenvolver novas capacidades sensoriais para sistemas robóticos subaquáticos (na linha da atividade do Centro de Robótica e Sistemas Autónomos do INESC). O sistema tem vindo a ser desenvolvido numa parceria entre as equipas de investigação do INESC TEC e do CIIMAR, tendo já concretizado um pedido de patente internacional. Na sua versão atual o sistema é capaz de concentrar as células/tecidos dos organismos aquáticos em filtros com uma porosidade de 0.2 mm (Sterivex TM) replicando in loco o processo standard manual de recolha das comunidades planctónicas atra- vés da utilização de garrafas de Niskin e posterior filtração em laboratório. O método autónomo reduz grandemente o tempo necessário para a colheita deste tipo de amostras, diminuindo ainda a sua suscetibilidade a contaminações. O sistema, ao ser capaz de ser programado para amostrar autonomamente, permite uma redução efetiva de custos de operação. Esta capacidade pode ser complementada pela integração do amostrador num robot submarino quer ROV ou AUV. Esta linha de desenvolvimento tem em vista, por um lado, obter sistemas cada vez mais evoluídos do ponto de vista funcional, com incremento de fiabilidade, facilidade de operação, tamanho reduzido e maior profundidade de operação e, por outro, inovar e caminhar em direção à análise e sequenciação in loco do ADN tendo em vista a sua integração em sistemas robóticos autónomos. O ADN ambiental é uma ferramenta que tem vindo a ser cada vez mais utilizada na monitorização biológica dos ambientes aquáticos, por ser um método não invasivo e com resultados muito prometedores no que diz respeito à avaliação da diversidade biológica. Neste sentido, a automação deste método terá potencial para aumentar grandemente a resolução temporal e espacial dos programas atuais de monitorização biológica em ambientes aquáticos. Estes sistemas têm sido desenvolvidos no contexto de múltiplos projetos e contractos de I&D, tendo tido a sua génese no projeto MarinEYE financiado pela EEAGrants. Neste foi desenvolvida uma prova de conceito em condições laboratoriais e um primeiro protótipo. Posteriormente, projetos nacionais de estudo biológico marinho e, em particular, em ambiente polar (Connect2oceans e N-MicroArtic financiados pela FCT) deram continuidade à utilização e desenvolvimento destes sistemas. Destaca-se também o projeto eDNAuto, financiado pela agência ambiental norueguesa com parceiros internacionais onde o sistema e conceito previamente desenvolvido foi adaptado à monitorização ambiental de Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Revista de Marinha | 25 espécies invasoras em ambiente fluvial e uma versão do sistema foi desenvolvido para integrar um sistema robótico de superfície. Para além dos projetos nacionais atrás referidos, é de referir a colaboração com a ILVO (instituição de investigação belga) no sentido de desenvolver e utilizar múltiplos sistemas de amostragem em aquacultura e atividades de pesca com o incremento das suas capacidades operacionais. O sistema já foi testado em múltiplos cenários operacionais dos quais se destaca o Ártico mais precisamente em Ny-Alesund, Svalbard com recolha de amostras para processamento de informação integrada no projecto Connect2Oceans e N-MicroArctic. O sistema atual é constituído por um cilindro de 150mm de diâmetro, capaz de operar até 90m de profundidade, dividido em duas partes, uma contendo O AUV IRIS no Kongsfjorde, Svalbard um carrossel de 15 filtros sterivex que se pode trocar no terreno e uma com os sistemas micro hidráulicos e eletrónica de controlo do sistema. O sistema possui um reservatório de fluido preservante (ethanol ou RNALater) que também permite a limpeza prévia do circuito hidráulico com um fluido de esterilização. Alfredo Martins (INESC TEC), Paula Lima (INESC TEC) Catarina Magalhães (CIIMAR) Cortesia INESC TEC Cortesia INESC TEC 26 | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Oceanos, Mares e Rios TECNOLOGIA E INOVAÇÃO AUV IRIS a navegar no Kongsfjorden Cortesia INESC TEC PUB Cortesia INESC TEC Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Revista de Marinha | 27 CORPOWER OCEAN UM PASSO MAIS PRÓXIMO DA PRODUÇÃO DE ENERGIA RENOVÁVEL A PARTIR DAS ONDAS A transição energética e a economia azul são expressões que, nos dias de hoje, dominam a atualidade e sublinham o contributo decisivo dos oceanos para a geração de energia renovável e para que se estabeleçam um conjunto de atividades, que vão muito para além da pesca, e que também contribuem para o crescimento económico do país. O recurso à energia renovável de fonte ou localização oceânica é parte da estratégia nacional para que esta transição se torne uma realidade e os objetivos de neutralidade carbónica da indústria possam ser concretizados. A energia de fonte oceânica é um recurso virtualmente ilimitado e, a procura de uma solução ganhadora que permita capturar este potencial, traz consigo um desafio implícito às tecnologias que pretendem tirar partido deste recurso. A CorPower Ocean (CPO) tem sido um dos principais tecnólogos a investir sistematicamente e de forma estruturada no desenvolvimento de um conversor de energia ondas (WEC), com o propósito de aceder com sucesso, pela primeira vez e em larga escala à energia acumulada em cada onda dos nossos oceanos e que pode suprir cerca de 10% das atuais necessidades mundiais de energia (500GW-2300TWh). O conversor de elevada eficiência desenvolvido pela CPO oferece uma clara melhoria na quantidade de energia capturada, com um conceito que se baseia no princípio do bombeamento do coração humano e com uma capacidade de geração de cerca de cinco vezes mais energia anual por tonelada de dispositivo, em comparação com toda a tecnologia concorrente. O seu desenvolvimento assenta numa vasta panóplia de estudos hidrodinâmicos que culminaram num dispositivo com características diferenciadoras, que concorrem para a maximização da sua capacidade de geração e para a redução de peso e custo. No âmbito do projeto HiWave-5, que prevê a instalação de um sistema composto por quatro WECs cuja potência 28 combinada totaliza 1.2MW a cerca de 6Km da costa da Aguçadora (Póvoa de Varzim, Portugal), a CPO tem concretizada a instalação da primeira das quatro unidades à escala real. A utilização de um conversor à escala real para a realização de várias manobras de instalação contribui para a melhor compreensão do sistema, permitindo atuar na resolução de problemas e completar o ciclo característico a qualquer projeto de investigação e desenvolvimento. Cortesia Corpower Cortesia Corpower WEC C4 Cortesia Corpower Já com a âncora instalada na área reservada ao projeto, a CPO no último ano desenvolveu, testou e implementou um conjunto de procedimentos inovadores para a instalação do conversor. Devido à especificidade do dispositivo, e o facto da captura bem-sucedida deste tipo de energia ainda se encontrar em franco desenvolvimento, a implementação dos novos procedimentos de instalação alavancou a criação de novas funções e atividades, que terão impacto na futura intensa atividade ligada à produção de energia offshore em Portugal. | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Oceanos, Mares e Rios O conversor C4 é um dispositivo constituído por três segmentos, configurado para a batimetria da Aguçadoura, isto é, com comprimento de aproximadamente 43 metros desde a linha do fundo do mar até à linha de água. Com a âncora instalada no leito marinho segue-se o primeiro segmento que é responsável por manter o equador do casco na posição ótima executando o seguimento da linha de maré, depois tem-se o segundo segmento em material compósito que introduz a flexibilidade necessária num momento em que as ondas ultrapassam limites, finalmente temos a “boia” ou casco responsável pela flutuabilidade e proteção dos elementos responsáveis pela conversão da energia. Assim tem-se uma ligação rígida desde a âncora até à unidade de geração. Perante esta particularidade construtiva e as condições habitualmente agressivas do oceano Atlântico no Norte de Portugal, os procedimentos de instalação do conversor contam com várias etapas como a mobilização/elevação do dispositivo em porto para colocação na água, mobilização/reboque do dispositi- TECNOLOGIA E INOVAÇÃO vo em mar aberto desde o porto até ao local de instalação, tracionamento para verticalização do dispositivo, conexão mecânica à âncora e conexão elétrica e de comunicação com a rede. Conexão do SRP do conversor à âncora UMACK Movimentação do conversor para a água Cortesia Corpower A operação de instalação deste conversor só pode ter início quando é observada uma janela de operação favorável, ou seja, quando as condições de mar se encontram dentro dos limites estabelecidos no procedimento. Reunidas as condições iniciais, o conversor foi rebocado desde o Porto Comercial de Viana do Castelo até à área de instalação na zona da Aguçadoura. Operação que leva cerca de 4h, para garantir a integridade do dispositivo ao longo de todo o percurso, uma vez que este é mobilizado na horizontal. Reboque do conversor para a área reservada para instalação Cortesia Corpower Já no local de instalação, um cabo guia instalado na âncora, responsável pela colocação do conversor na sua posição final, é resgatado. Na posse deste cabo, uma das suas extremidades é fixa ao conversor e a outra fixa ao rebocador que efetuará o tracionamento, obrigando o conversor a tomar a sua posição vertical. Na sequência desta ação e garantida a correta posição relativa entre o conversor e a âncora, o SRP, componente responsável pela fixação mecânica entre o conversor e a âncora, é atuado, deixando o rebocador de estar em esforço sobre o sistema quando se verifique que o SRP se encontra completamente estendido. Cortesia Corpower Esta operação é realizada com recurso a meios locais, sendo eles três rebocadores e uma equipa especializada de mergulho. Ao longo da operação, um ROV (veículo submarino operado remotamente) também é utilizado para suporte à monitorização das condições existentes junto à âncora, posicionada a uma profundidade de 43 metros, aproximadamente. Durante este percurso de aprendizagem da CPO, o oceano Atlântico tem demonstrado a sua natureza trazendo constantes desafios. Por exemplo, uma das mobilizações de instalação do conversor foi abortada por se observar um dano na âncora, verificando-se a ausência da junction box, componente responsável pela passagem de energia elétrica e comunicação de dados por fibra ótica. A reparação deste componente obrigou à paragem das manobras de instalação do conversor e criar procedimentos para intervenção neste componente em mar. A concretização desta operação contou com a reparação da âncora na posição de instalação da junction box, recuperação e reparação da junction box em deck de uma embarcação e posterior instalação. Com a instalação do conversor bem-sucedida, que significa o acoplamento mecânico à âncora e a verificação de conexão de potência e de comunicações, a CPO tem garantidas as condições de acesso remoto ao dispositivo e condições para manter os sistemas de suporte em funcionamento. Com o controlo remoto do conversor, vários procedimentos de verificação e validação dos subsistemas e sistemas de operação e controlo da máquina podem ser realizados, para avaliar se estão reunidas todas as condições para comissionamento e posterior manutenção. Em suma, a instalação e ligação à rede eléctrica nacional do primeiro con- versor à escala real, ao largo da Aguçadoura, permitiu um contributo relevante na geração de quadros especializados que ainda não estão disponíveis no mercado por se tratar de uma tecnologia inovadora com capacidade de gerar energia através das ondas, onde a especificidade versus tecnologias existentes no mercado obrigam a ajustes às necessidades do atual produto. Em complemento, a CPO também promoveu a transferência deste conhecimento para empresas locais, através da qualificação das tripulações dos rebocadores utilizados para as tarefas específicas destes procedimentos, contribuindo para o aumento da competitividade nacional num contexto internacional. O projeto descrito neste artigo foi desenvolvido no âmbito do NORTE-01-0247-FEDER-040231, cofinanciado pelo Programa Operacional Regional do Norte (NORTE 2020), através do Portugal 2020 e do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER). Miguel Silva CorPower Ocean Cortesia Corpower Reparação da Junction Box Cortesia Corpower Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Revista de Marinha | 29 Cortesia Vitor Vasconcelos Cortesia Vitor Vasconcelos ENTREVISTA VITOR VASCONCELOS A Revista de Marinha entrevistou o Diretor do CIIMAR – Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental, Investigador Científico e Professor Catedrático da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto Vitor Vasconcelos. Como surgiu a vontade de estudar Biologia? Desde pequeno tinha fascínio pelo mundo vivo, pelas plantas, por estudar o comportamento das formigas, por entender que macerando com álcool plantas e flores poderia fazer cromatografias em papel e separar os seus pigmentos. As melhores prendas de natal que tive, a pedido, foram sempre ligadas à Ciência, um pequeno microscópio, um kit de experiências de química, uma coleção de minerais. Em que escolas estudou e que professores / disciplinas tiveram mais impacto em si? Sendo vimaranse estudei na Escola Egas Moniz até á 4ª classe tendo depois 30 passado pela Escola Preparatória João Meira, Escola Secundária da Veiga e Liceu de Guimarães onde tive aulas de acompanhamento durante a 1ª edição do ano propedêutico, que viria depois a transformar-se no 12º ano. Depois vim estudar Biologia, a minha paixão, para a Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Antes de chegar á universidade as ciências sempre me interessaram, em especial a Biologia e a Química, mas também gostava muito de História e Geografia. As civilizações antigas dos vários continentes (incas, maias, astecas, fenícios, gregos, egípcios) que hoje em dia tenho a felicidade de conhecer ao vivo nas viagens que faço, seja em trabalho seja em lazer. Os vários professores de Biologia que tive foram sem dúvida marcantes no meu percurso e nas minhas decisões. Isso fez-me também gostar de ser professor. Quando e por que é que decidiu fazer uma carreira na Investigação Científica? O meu curso de licenciatura em Biologia na época (1980-85) tinha 5 anos, | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Oceanos, Mares e Rios sendo 3 anos de bacharelato e depois dois anos mais para concluir a licenciatura. Quando terminei o bacharelato havia que decidir ou ir para o ramo educacional, onde teria depois a formação de professor do ensino básico e secundário como fizeram 95% dos meus colegas, ou iria para o ramo científico de botânica ou zoologia. Decidi por este ultimo e fui para zoologia, apesar de gostar muito de plantas e de microbiologia, não gostava assim tanto dos professores da área da botânica, eram mais afastados dos estudantes comparados com os da zoologia. Nestes dois anos que terminaram com a licenciatura éramos uma turma pequena de seis colegas e foram dois anos fantásticos, não só pelo convívio mais personalizado, mas também porque tive contacto com o fazer ciência dado que no 5º ano tínhamos um projeto cientifico individual tal como hoje em dia acontece com um mestrado. Fui estudar a ecologia das salinas de Aveiro, em especial o plâncton e isso foi fantástico pois permitiu fazer trabalho de campo intenso, mas também de laboratório, es- ENTREVISTA A VITOR VASCONCELOS crever uma tese, trabalhar e apresentar resultados. Mostrou-me que o trabalho científico era fascinante pois permitia ser criativo na elaboração de hipóteses que depois testaria em laboratório ou no campo, ser muito observador e rigoroso na análise de resultados. Desde cedo percebi que a Ciência, e em especial a Biologia, eram fundamentais para resolver problemas da sociedade e isso interessou-me muito. Quais as matérias que investiga? Neste momento, trabalho essencialmente em duas áreas: no estudo de toxinas naturais produzidas por cianobactérias e microalgas e no seu impacto em termos de saúde ambiental e saúde humana, o que foi a temática com que iniciei a minha atividade científica à séria e na utilização dessas mesmas microalgas e cianobactérias na biotecnologia. É incrível como organismos tão antigos com mais de 3,5 mil milhões de anos como as cianobactérias, são capazes de serem tão nocivas para nós, produzindo toxinas que nos podem matar e, ao mesmo tempo, tão importantes pois foram responsáveis pela produção inicial de oxigénio no nosso planeta e ainda hoje em dia produzem no mar cerca de metade do oxigénio da Terra, podendo ainda produzir moléculas importantes para a cura do cancro, no combate à obesidade ou para produzir tintas anti vegetativas para navio. Desde 1991, comecei a constituir uma coleção de cianobactérias – a LEGE_CC – sediada no CIIMAR que, hoje em dia, contém quase 2000 estirpes de microalgas e cianobactérias que constituem a base de muitos dos nossos trabalhos científicos. Quais os projetos científicos mais marcantes? Poderei escolher três, um a nível regional, outro a nível nacional e outro a nível europeu. A nível regional saliento o projeto ATLANTIDA financiado pelo programa Norte 2020 que está a terminar, mas que juntou as três Universidades do Norte, a Universidade do Porto que coordenou o projeto mais a Universidade do Minho e a Universidade de Trás-os-Montes e Alto-Douro mais o CIIMAR. Foi um projeto que mostrou cla- Cortesia Vitor Vasconcelos ramente o potencial de investigação no Mar que existe na região Norte de Portugal, não só porque temos um recurso natural fantástico, mas porque temos recursos humanos e materiais de excelência e uma enorme capacidade de trabalhar em equipas multidisciplinares. Neste projeto, desenvolvemos uma plataforma para a monitoração do Oceano Atlântico Norte e ferramentas para a exploração sustentável dos recursos marinhos. O ATLANTIDA forneceu novos dados, informações e produtos, tais como ameaças à biodiversidade, mudanças climáticas, gestão sustentável de recursos e energia renovável. O projeto concentrou-se em espécies e ecossistemas emergentes e pouco estudados no Oceano Atlântico Norte-Português, bem como monitorizou os impactos de plásticos e outros contaminantes. Fornecemos ainda ferramentas para o crescimento sustentável da aquacultura. O ATLANTIDA implementou bancos biológicos de organismos marinhos e valorizou a biomassa marinha, explorando-os em termos de aplicações biotecnológicas, tais como a farmacêutica, a industrial e ambiental-bioremediação. A nível nacional saliento o Pacto da Bioeconomia Azul, um projeto financiado pelo Programa de Recuperação e Resiliência e que junta 83 instituições nacionais, desde startups a empresas de grande dimensão, centros de investigação e universidades. As linhas produtivas deste consórcio organizam-se em 7 verticais industriais, que abrangem, de forma transversal, vários setores de economia nacional: têxteis, alimentar, biomateriais, algas, bivalves, rações, piscicultura e ainda três transversais: biobanco azul português, plataforma para valorização de co-produtos marinhos e programa de capacitação para o crescimento e internacionalização. O Consórcio, liderado pela Empresa Inovamar, está focado em estruturar, capacitar, especializar e dinamizar toda a cadeia de criação de valor (para cada vertical / área de atuação considerado) – desde end-users (PME e NPME tomadoras dos produtos e processos resultantes do Consórcio), novas empresas (entidades inovadoras especializadas) e entidades nacionais não empresariais do sistema de I&I (CoLabs, CIT, Universidades, etc.), reunindo, assim, as competências necessárias para a constituição e melhoria de múltiplas cadeias de valor (consórcio completo), garantindo a execução rápida e sólida dos produtos/processos contemplados. O CIIMAR está envolvido em 5 dos verticais e dois dos transversais, mostrando não só a nossa interdisciplinaridade como também o nosso grande empenho em contribuir para a biotecnologia azul e a sua valorização económica. Estamos a coordenar a transversal – Biobanco Azul Português, esperando no final do projeto ter instalado e digitalizada a rede de biobancos nacionais marinhos de forma a colocar Portugal na dianteira da regulamentação e acesso a recursos biológicos marinhos. A nível europeu saliento o projeto EMERTOX, um projeto financiado pelo programa Horizonte 2020, coordenado pelo CIIMAR e que está a terminar Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Revista de Marinha | 31 emergentes que têm vindo a ser detetadas e publicadas pelo CIIMAR como a tetrodotoxina, a palitoxina e a ciguatoxina. Estas toxinas estão associadas a países tropicais, mas os seus registos em águas mais frias do Atlântico são crescentes. Os dados recolhidos pelos membros deste projeto serão um importante instrumento de decisão para a EFSA (Agência Europeia de Segurança Alimentar) relativamente à necessidade de legislar e monitorizar algumas destas toxinas no futuro em águas europeias. Cortesia Vitor Vasconcelos neste ano. O projeto EMERTOX – Toxinas marinhas emergentes no Atlântico Norte e Mediterrâneo-Novas abordagens para avaliar a sua ocorrência e cenários futuros decorrentes das alterações globais, além do CIIMAR conta com a participação de outras 14 instituições de países europeus (Espanha, França, Reino Unido, Itália, República Checa), africanos (Cabo Verde, Marrocos e Tunísia) e das Caraíbas (Republica Dominicana). O EMERTOX junta os maiores especialistas europeus na área das comummente conhecidas marés vermelhas, explosões populacionais de micro-organismos marinhos (dinoflagelados, diatomáceas, bactérias) produtores de toxinas que se podem acumular em bivalves, mas também em outros invertebrados e em peixes. Além das toxinas já monitorizadas em Portugal pelo Instituto Português do Mar e Atmosfera (IPMA), este projeto visa estudar as toxinas PUB 32 | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Oceanos, Mares e Rios Que ecossistemas lhe causam maior fascínio? Neste momento, além de locais fantásticos para fazer mergulho e que já tive oportunidade de conhecer como o Mar Vermelho, a Grande Barreira de Corais na Austrália, o Atlântico nos Açores, o mar das Caraíbas, o Indico nas Seichelles ou Maurícia ou o Golfo da Califórnia no Pacífico, interessam-me muito os ecossistemas extremos. Ultimamente tenho estado envolvido com um grupo internacional de colegas de Espanha, Eslovénia, México e Bolívia e todos os anos vamos trabalhar num ecossistema extremo como este ano o Salar de Uyuni na Bolívia, o maior deserto salgado do mundo e lagos com química extrema na Reserva Nacional de Fauna Andina Eduardo Avaroa também na Bolívia. Também temos trabalhado em zonas termais e em lagos vulcânicos do México (Chichonal em Chiapas), em ecossistemas muito alcalinos na Bolívia ou em lagos ENTREVISTA A VITOR VASCONCELOS com contaminação química e eutrofização nos Andes no Peru. Nestes ecossistemas estou muito interessado nas algas e cianobactérias que resistem a estes ambientes em que podem conter moléculas de grande interesse biotecnológico. Há um grande interesse em conhecer estes ambientes para conservar a sua biodiversidade e uma das formas é isolar os organismos e mantê-los em coleções vivas como é o caso da nossa LEGE_CC. Depois, em laboratório, poderemos conhecer o seu genoma, o seu DNA e procurar genes que possam produzir moléculas ainda não conhecidas e que possam ter utilização industrial. Na qualidade de Diretor do CIIMAR, como descreve a recente evolução do Centro e as suas perspetivas futuras? O CIIMAR cresceu muito nos últimos 10 anos, sendo uma instituição jovem de apenas 23 anos. Crescemos não só em número, tendo hoje mais de 560 colaboradores dos quais 230 são doutorados, mas também na produção científica, na produção de patentes, na formação avançada e na captação de fundos regionais, nacionais e euro- TRANSPORTE DE CARGA Cortesia Vitor Vasconcelos peus. Damos ainda um forte suporte às políticas públicas na área do mar e do ambiente e temos um grande programa de divulgação científica que anualmente impacta mais de 150 mil pessoas. Esta evolução e as perspetivas futuras de financiamento na área da economia azul potenciam uma evolução futura muito positiva, com um impacto cada vez maior a nível económico e social. Portugal esteve muitos anos de costas voltadas para o mar, apesar de termos este recurso incrível ao nosso dispor, mas agora creio que estamos em condições de o conhecer e explorar de forma sustentável. E isto só pode ser feito se tivermos escala, sendo que a colaboração interinstitucional é fundamen- ENERGIA TRANSPORTE MARÍTIMO DE PASSAGEIROS GASODUTO VIRTUAL DE GÁS NATURAL TRANSPORTE MARÍTIMO LOGÍSTICA INTEGRADA • SHIPOWNER • PLATAFORMAS LOGÍSTICAS NAVIO FERRY UNIDADE AUTÓNOMA DE GÁS (UAG) • OPERAÇÃO PORTUÁRIA • TRANSITÁRIOS UNIDADES HOTELEIRAS PARQUE EÓLICO • SERVIÇOS DE REBOQUE • TRANSPORTE TERRESTRE AGÊNCIA DE VIAGEM PARQUES FOTOVOLTAICOS • AGENTES DE NAVEGAÇÃO • MANUTENÇÃO TERMINAL DE CRUZEIROS • SHIPMANAGEMENT WE PROMISE. WE DELIVER. www.gruposousa.pt PUB Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Revista de Marinha | 33 tal. Acho que o Pacto da Bioeconomia Azul foi a estrutura que precisávamos para nos organizar e mostrar o potencial que temos em Portugal. Que sugestões tem para partilhar com jovens investigadores em início de carreira? Têm que ter paixão pelo que fazem e paixão pela produção de conhecimento. A carreira científica não é fácil nem muito estável ainda mas tem evoluído muito desde que eu me iniciei nestas lides. Um investigador tem de ser um bom Cortesia Vitor Vasconcelos Cortesia Vitor Vasconcelos 34 | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Oceanos, Mares e Rios ENTREVISTA A VITOR VASCONCELOS Cortesia Vitor Vasconcelos observador, tem de ter curiosidade pelo mundo que o rodeia e querer entendê-lo. Tem de ser persistente, não desistir ao primeiro, segundo ou terceiro Não. É uma carreira apaixonante, mas exigente e desafiadora. Não é uma carreira para alguém que queira ganhar muito dinheiro rápido mas tem uma liberdade que não tem preço e, além disso, permiti-nos viajar e conhecer gentes e lugares incríveis e perceber que todos, em todo o lado, apenas queremos ser felizes. Cortesia Vitor Vasconcelos Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Revista de Marinha | 35 Cortesia Vitor Vasconcelos Cortesia Vitor Vasconcelos 36 | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Oceanos, Mares e Rios ATUALIDADE EVENTO ANUAL ‘INTERREG ATLANTIC AREA’ E CONFERÊNCIA ‘ATLANTIC STAKEHOLDER PLATFORM 2023’ Nos dias 18 e 19 de outubro, no Terminal de Cruzeiros de Leixões, em Matosinhos, tiveram lugar o Evento anual “INTERREG ATLANTIC AREA” e a 10ª Conferência “ATLANTIC STAKEHOLDER PLATFORM” (ASPC), dois eventos no âmbito das “Sinergias Azuis”. Evento “INTERREG ATLANTIC AREA” A abertura deste evento foi realizada pela representante da presidência espanhola do programa de 2023, Maria del Carmen Hernández, e pelo presidente da Autoridade Gestora do ‘INTERREG ATLANTIC AREA’, também presidente da CCDR-Norte, António Cunha. A comunidade marítima reuniu-se uma vez mais para conhecer as oportunidades de financiamento existentes e os projetos financiados pelo INTERREG ESPAÇO ATLÂNTICO. Na sequência da aprovação dos primeiros projetos, os parceiros e potenciais parceiros tiveram a oportunidade de aprofundar os temas do programa e de continuarem a trabalhar na construção de parcerias fortes, bem como de colocar novas ideias em prática. Este evento contou com a participação de um membro do grupo de especialistas sobre o futuro da Política de Coesão, Joaquim Oliveira Martins, como orador principal, com a participação do Secretário de Estado do Mar de Portugal, José Maria Costa, bem como com a participação da Diretora-Geral de Política do Mar e presidente do Comité da Estratégia do Atlântico, Marisa Lameiras da Silva. Conferência “ATLANTIC STAKEHOLDER PLATFORM” A Conferência ASPC 2023 foi realizada três anos após o lançamento do ‘Atlantic Plan Action 2.0’ - Plano de Ação Atlântico 2.0 (‘PAA 2.0’) – uma nova abordagem à estratégia marítima atlântica. A Conferência proporcionou, tal como em anos anteriores, a todas as partes interessadas da Comunidade Atlântica, a oportunidade de analisar os progressos e as conquistas alcançadas até agora em relação aos objetivos do ‘PAA 2.0’ e aos desafios da Economia Azul na Bacia do Mar Atlântico. Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Revista de Marinha | 37 38 | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Oceanos, Mares e Rios ATUALIDADE O ‘PAA 2.0’ tem uma forte dimensão internacional, através da participação na ‘All-Atlantic Ocean Research Alliance’, que envolve a participação de diversos países, entre outros, os EUA, o Canadá, o Brasil e a África do Sul. Este foi o ponto de partida para reforçar a cooperação através do Atlântico, uma vez que os pilares do ‘PAA 2.0’ se centram em problemas que uma região costeira e um único Estado não podem nem conseguem resolver sozinhos, sendo mais eficiente a atuação em conjunto, procurando dar resposta aos desafios que importam à vida quotidiana das pessoas que vivem nas zonas costeiras. A conferência deste ano proporcionou a oportunidade de reunir os habituais ‘stakeholders’, bem como novos ‘stakeholders’, de diferentes geografias, para discutirem a cooperação futura em matéria de Economia Azul, do investimento, da inovação e da sustentabilidade. PUB Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Revista de Marinha | 39 ENIDH ASSINA MEMORANDO DE ENTENDIMENTO COM A ENSM Cortesia ENIDH No dia 4 de outubro, o Secretário de Estado do Mar, José Maria Costa, reuniu com o seu homólogo francês, Hervé Berville, à margem da 2ª edição do Sustainable Blue Economy Investment Forum, que se realizou no mesmo dia, no Centro de Congressos do Estoril e onde o governante francês interveio na qualidade de keynote speaker. A troca de experiências e informações úteis entre o anfitrião da última edição da 40 Conferência dos Oceanos das Nações Unidas, Portugal, e o país que, com a Costa Rica, a França, coorganizará a próxima foi um dos temas em destaque no encontro. A reunião permitiu ainda relevar a posição convergente de ambos os países numa ação internacional em prol da proteção do Oceano e do desenvolvimento de uma economia azul sustentável, tendo sido identificadas várias oportunidades de possível reforço | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Oceanos, Mares e Rios da cooperação bilateral neste domínio. No final da reunião, os dois governantes outorgaram a assinatura de um Memorando de Entendimento entre a Escola Superior Náutica Infante D. Henrique e a École Nationale Supérieure Maritime, o qual vai contribuir para a aproximação de Portugal e França em matéria marítima e que internacionaliza a formação de quadros para os setores marítimo e portuário, de ambos os países. PUB INAUGURAÇÃO DO CENTRO DE CONTROLO DO MAR O novo Centro de Controlo do Mar (CMAR) foi inaugurado no dia 17 de setembro pela DGRM, numa cerimónia que foi presidida pelo Ministro da Economia e do Mar, António Costa Silva, e pela Ministra da Agricultura e Alimentação, Maria do Céu Antunes, acompanhados do Secretário de Estado do Mar, José Maria Costa, e pela Secretária de Estado das Pescas, Teresa Coelho. O CMAR que representa um investimento de cerca de 2,5 milhões de euros, é um grande centro de controlo que vem robustecer a capacidade nacional ao nível da vigilância e monitorização da navegação e das diferentes atividades da economia azul, bem como do apoio à frota de bandeira portuguesa e à supervisão e controlo das áreas marinhas protegidas. IMO - CELEBRAÇÕES DO DIA MUNDIAL DO MAR As celebrações do Dia Mundial do Mar, dia 28 de setembro, no âmbito da Organização Marítima Internacional (IMO), tiveram lugar em Londres, na sede da IMO, e foi dado destaque à proteção do ambiente marinho. Este ano, no mesmo dia, celebrou-se ainda o 50º aniversário da adoção da Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios (MARPOL), o principal tratado global para a prevenção da poluição do ambiente marinho por navios, por causas 42 intencionais, operacionais ou acidentais. Para assinalar a dedicação da IMO aos objetivos deste tratado histórico, o tema do Dia Mundial do Mar de 2023 é “MARPOL aos 50 – O nosso compromisso continua”. A IMO apelou aos Estados-Membros e a todos os intervenientes na indústria marítima para celebrarem o dia e se inspirarem para aproveitar os impactos positivos que a MARPOL trouxe. O trabalho da IMO em prol de um futuro sustentável com maior proteção do | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Oceanos, Mares e Rios nosso planeta e dos oceanos continua. No Dia Mundial do Mar, teve lugar também o Fórum de Inovação IMO-PNUMA-Noruega 2023. Este Fórum promove a inovação para acelerar a transição do setor marinho para um futuro com zero ou baixas emissões. Os tópicos abordados através de painéis de discussão de alto nível incluíram: o desempenho ambiental; a redução do lixo plástico proveniente dos navios; o apoio à inovação na produção de combustíveis navais, e a descarbonização do setor marítimo. ATUALIDADE ATLÂNTICOLINE PARTICIPA NO ASAREX 2023 No dia 14 de setembro, a Atlânticoline, empresa de transporte marítimo de passageiros e viaturas no arquipélago dos Açores, participou novamente no exercício Advanced Search and Rescue Exercise (ASAREX), promovido em conjunto pela Força Aérea e Marinha portuguesas. O ASAREX é um exercício de Busca e Salvamento que envolve diversas entidades bem como meios técnicos e humanos especializados. Este ano, o exercício em contexto real foi realizado a norte da ilha de São Jorge. Neste âmbito, entre outras atividades, foi treinado o exercício de abandono da embarcação, com a evacuação de um tripulante na balsa. Para a participação da Atlânticoline foi empenhado o navio Cruzeiro de Canal, e respetiva tripulação. Depois de largada a balsa, foi con- tactado o Centro de Coordenação de Busca e Salvamento Marítimo de Ponta Delgada (MRCC Delgada), que enviou um avião para reconhecimento, largando dois paramédicos de paraquedas, sendo posteriormente recolhido o náufrago de helicóptero. Neste contexto, foi possível testar as comunicações MAR-TERRA, MAR-AR e MAR-MAR, com as diversas entidades envolvidas, nomeadamente com a Corveta António Enes, que prestou auxílio durante a simulação. Para a Atlânticoline, esta foi uma experiência enriquecedora, considerando-se este tipo de exercícios como fundamentais para garantir que os procedimentos e as metodologias a adotar a bordo em caso de emergência são adequados e estão devidamente treinados. Cortesia Atlânticoline PUB Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Revista de Marinha | 43 ACHADOS ARQUEOLÓGICOS E NAUFRÁGIOS NO MAR DE QUARTEIRA Cortesia Isabel Pereira Este foi o tema de uma conferência que teve lugar, no dia 23 de Setembro, no Centro Autárquico de Quarteira. Com o título “Entre marcas de pesca e o património cultural subaquático: a arqueologia no mar de Quarteira”, o orador Pedro Barros iniciou a primeira parte da conferência sobre os achados arqueológicos e naufrágios no mar ao largo da actual cidade de Quarteira. À sua apresentação seguiu-se uma visita comentada à exposição “Com os Pés na Terra e as Mãos no Mar – 6000 anos de História de Quarteira”. Pedro Barros, arqueólogo no Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática para a Direção Geral do Património Cultural (DGPC), sistematizou 44 toda a informação arqueológica, desde a época romana até aos dias de hoje. Como orador, esteve também presente, Felizardo Pinto, mergulhador profissional, que complementou a apresentação, partilhando informações sobre a sua experiência ligada à arqueologia subaquática. Foram abordados os relatos de achados isolados recolhidos nas redes de pesca e ainda sítios arqueológicos de naufrágios de embarcações e acidentes aéreos. A importância da comunidade marítima de Quarteira, pescadores e mergulhadores, partilhando com a comunidade científica e académica, as suas memórias e conhecimento sobre as marcas de cascos ou doando peças arqueológicas, foi outra nota a destacar na apresentação. | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Oceanos, Mares e Rios A audiência que encheu o auditório, constituída por pessoas interessadas em História e Arqueologia, deslocou-se, então, às instalações da antiga lota de Quarteira, onde o arqueólogo guiou os presentes, centrando os seus comentários na temática da “Actividade no Mar”, (testemunhos do comércio marítimo e questões sobre os naufrágios) fazendo a ponte entre o espólio exposto e as informações transmitidas. Uma nota de solenidade foi dada ao evento com a presença dos senhores presidentes da Câmara Municipal de Loulé e da Junta de Freguesia de Quarteira, acompanhados de membros das suas respectivas equipas executivas. NOTA: A autora não segue o novo A.O. Isabel Pereira ATUALIDADE CERIMÓNIA DA EXPEDIÇÃO CIENTÍFICA ‘TRAVERSING EUROPEAN COASTLINES’ Realizou-se no passado dia 27 de outubro, no Terminal de Cruzeiros do Porto de Leixões e sede do CIIMAR (Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental) a “Cerimónia Oficial da Expedição TREC – paragem CIIMAR”. O projeto TREC (Traversing European Coastlines) é uma iniciativa do Laboratório Europeu de Biologia Molecular (EMBL), em colaboração com a ‘Tara Ocean Foundation’ e o Centro Europeu de Recursos Marinhos Biológicos (EMBRC), e tem como objetivo fortalecer o conhecimento científico sobre dois importantes ecossistemas do nosso planeta - o oceano e a terra. Os resultados deste projeto, permitirão informar políticas que visam desafios globais prementes, como as alterações climáticas, poluição, resistência a antibióticos e perda de biodiversidade. A expedição criará, não só uma imagem única dos ecossistemas costeiros, mas também ligações de longo prazo entre investigadores, áreas de investigação e nações de toda a Europa. Assim, este projeto é para Portugal, e em particular para a nossa comunidade científica, de suma importância. A Cerimónia teve como tema “Expedição Científica TREC - um projeto emblemático para a cooperação transfronteiriça: a ciência em benefício das sociedades” e contou com a presença e participação de Isabel Sousa-Pinto, da Direção do CIIMAR, André Abreu, da ‘TARA Ocean Foundation’ e Detlev Arendt, do EMBL, bem como com a participação das entidades locais. O evento terminou com a visita às várias infraestruturas da Expedição - a escuna Tara de 36 metros e os Laboratórios Móveis de alta tecnologia da EMBL. Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Revista de Marinha | 45 COMODORO ANTÓNIO PIRES TOMA POSSE COMO SUPERINTENDENTE DAS FINANÇAS No dia 19 de outubro, nas Instalações Centrais de Marinha, tomou posse como Superintendente das Finanças o comodoro Paulo António Pires, rendendo no cargo o contra-almirante António Dias Gonçalves. A cerimónia foi presidida pelo Chefe do Estado-Maior da Armada, Almirante Henrique Gouveia e Melo. Cortesia Marinha/AMN NAVIO-ESCOLA “BRASIL” VISITOU PORTUGAL Cortesia Marinha/AMN O Navio-Escola “Brasil” esteve de visita a Portugal, de 17 a 21 de outubro, para celebrar a cooperação com a Marinha Portuguesa, tendo possibilitado a realização de visitas diárias, na Gare Marítima da Rocha Conde de Óbidos. Este Navio-Escola, à chegada ao porto de Lisboa, junto à Torre de Belém, efetuou 21 tiros de salva, tendo estes sido retribuídos através de 3 peças de artilharia do Exército português. O evento marcou também o desembarque do Guarda-marinha Ramos da Silva, Oficial da Marinha Portuguesa, que teve a oportunidade de participar na viagem do navio e visitar portos nos Estados Unidos da América, Colômbia, Reino Unido, Alemanha e França. SEGUNDO-TENENTE PAREDES BEZERRA É O NOVO COMANDANTE DO NRP ESCORPIÃO No dia 16 de outubro, no Palácio do Alfeite, realizou-se a cerimónia de entrega de comando do NRP Escorpião ao Segundo-Tenente Paredes Bezerra, a qual foi presidida pelo Comandante Naval, Vice-Almirante Nuno Chaves Ferreira. Nesta Cerimónia, o Comandante Naval congratulou o Segundo-Tenente Góis Dionísio, comandante cessante, pela dedicação e forma empenhada como sempre exerceu o seu cargo e desejou um excelente comando ao Segundo-Tenente Paredes Bezerra. Cortesia Marinha/AMN 46 | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Oceanos, Mares e Rios CRÓNICA Cortesia Marinha/AMN MARINHA ACOMPANHA NAVIOS RUSSOS NA COSTA PORTUGUESA A Marinha Portuguesa, através da monitorização diária do Centro de Operações Marítimas da Marinha e do empenhamento de meios navais, efetuou no dia 15 de outubro, o acompanhamen- to de dois navios russos, o rebocador ATS SERGEY BALK e o submarino da classe Kilo II KRASNODAR, durante a sua passagem pela Zona Económica Exclusiva Portuguesa. Estes meios navais da Federação Russa, provenientes do mar Mediterrâneo, foram acompanhados pelo navio NRP Sines. COMPETÊNCIA CONHECIMENTO E EXPERIÊNCIA PUB Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Revista de Marinha | 47 32º ANIVERSÁRIO DO NRP DRAGÃO No dia 18 de outubro, celebrou-se o 32º Aniversário do NRP Dragão, ao serviço da Marinha Portuguesa. O navio, que atualmente se encontra numa missão na Zona Marítima do Sul, está envolvido em operações de busca e salvamento, de patrulha e vigilância e de combate ao narcotráfico. Cortesia Marinha/AMN REGATA DA ‘THE TALL SHIPS RACES’ EM LISBOA Cortesia: Marinha / AMN A regata da ‘The Tall Ships Races’, uma das maiores concentrações de grandes veleiros na Europa, celebrou este ano a primeira circum-navegação do mundo realizada por Fernão Magalhães e Sebastián Elcano efetuada há mais de 500 anos. A ‘The Tall Ships Races’ deste ano, realizou-se em três etapas, com uma distância de 1.900 milhas náuticas, aproximadamente 3.500 km, teve início 48 de 15 a 18 de agosto em Falmouth, em Inglaterra, e rumou em direção à Corunha, Espanha, de 24 a 27 de agosto, tendo prosseguido depois em direção a Lisboa. A etapa em Portugal teve a duração de quatro dias, de 31 de agosto a 3 de setembro. Neste último dia, os participantes fizeram um desfile náutico, e saíram do Cais da Rocha Conde d’Óbidos para a terceira e última etapa, que terminou em Cádiz, Espanha. | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Oceanos, Mares e Rios A edição deste ano contou com 12 embarcações, incluindo o navio-escola Sagres e a caravela Vera Cruz. Da Marinha Portuguesa, para além da NRP Sagres, estiveram presentes no evento o NRP Polar e o NRP Zarco. A regata ‘The Tall Ships Races’ é organizada pela ‘Sail Training International’ e tem como missão promover a educação e o desenvolvimento de jovens de todas as nacionalidades, através da formação em vela e mar. ATUALIDADE Cortesia: Marinha / AMN PUB Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Revista de Marinha | 49 Cortesia XI Jornadas XI JORNADAS PORTUGUESAS DE ENGENHARIA COSTEIRA E PORTUÁRIA A 3 e 4 de outubro 2023 decorreram as XI Jornadas Portuguesas de Engenharia Costeira e Portuária, organizadas pela Delegação Portuguesa da PIANC. O evento regressou ao porto de Leixões, 24 anos depois da 1ª edição e desta vez teve lugar no Terminal de Cruzeiros. A abertura do evento contou com a presença do Presidente da PIANC, Francisco Esteban e do Presidente da APDL João Neves a que se seguiu uma sessão especial a cargo do Ex-Ministro do Ambiente e também antigo Presidente da APDL, João Pedro Matos Fernandes. Foram 2 dias intensos que reuniram um número recorde de 233 especialistas, entre engenheiros, investigadores e académicos que assistiram e discutiram mais de 65 trabalhos, selecionados pela Comissão Científica e conduzidos pelos Moderadores, e que culminaram com a visita à obra do prolongamento do quebra-mar exterior do porto de Leixões e ao simulador 3D da APDL. Na edição deste ano os 3 grandes temas abordados foram as Infraestruturas e Obras Marítimas e Portuárias; o Ambiente, Descarbonização e Transição Cortesia XI Jornadas 50 | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Oceanos, Mares e Rios Energética; a Modelação e Gestão Costeira e Portuária. O evento contou com o apoio 7 entidades, como A DGRM, o IH, o LNEC, a APRH, a OERN, o CIIMAR e a UPTEC, bem como com o patrocínio de 18 empresas. Durante as jornadas foi ainda entregue o Prémio Fernando Abecasis ao Prof. Jubilado Fernando Veloso Gomes e anunciado o Porto da Figueira da Foz como anfitrião da próxima edição, em 2025, das XII Jornadas de Engenharia Costeira e Portuária da PIANC. Cortesia XI Jornadas ATUALIDADE Cortesia XI Jornadas Cortesia XI Jornadas Cortesia XI Jornadas Cortesia XI Jornadas PUB Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Revista de Marinha | 51 Cortesia Marinha/AMN MUDANÇA DE COMANDO NA CAPITANIA DE VIANA DO CASTELO No dia 29 de setembro, teve lugar na área fronteiriça ao edifício da Capitania de Viana do Castelo, a cerimónia da mudança de comando, presidida pelo 2º Comandante-Geral da Polícia Marítima, C/Almirante Vizinha Mirones, na qual foi acompanhado pelo Comandante da Zona Marítima Norte, e capitão dos portos do Douro e Leixões, CMG Silva Rocha. Após cumpridos dois anos de serviço nesta Capitania, o CMG Rui Silva Lampreia, desempenhou cabalmente as missões que lhe foram confiadas. O seu substituto recém-empossado no comando da Capitania e por inerência na chefia local da Autoridade e Polícia Marítima, foi o CFG Serrano da Paz. Estiveram presentes na cerimónia além de largo número de oficiais de Marinha, os capitães dos portos de Caminha, Póvoa de Varzim/ Vila do Conde, Aveiro e Figueira da Foz, autoridades civis e militares, representantes dos municípios vizinhos e ainda um agradável número de convidados. Cortesia Marinha/AMN 52 | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Oceanos, Mares e Rios ATUALIDADE PORTO ACOLHEU EVENTO INTERNACIONAL DOS CRUZEIROS ‘DESTINATION SHOWCASE’ 2023 Durante três dias, de 6 a 8 de outubro, o ma, Andy Harmer, Diretor-Geral da CLIA roteiro ao longo das margens do Porto e Porto de Leixões e o Terminal de Cruzeiros para o Reino Unido e Irlanda. de Vila Nova de Gaia, enquanto porta de acolheram com a Cruise Lines Internatio- O Auditório Infante D. Henrique foi ainda entrada para ambas tipologias de embar- nal Association (CLIA), o prestigiado even- palco da ‘Trade Fair’, onde os participan- cação. Os delegados das embarcações to internacional dos cruzeiros ‘Destination tes tiveram a oportunidade de fazer novos marítimas tiveram ainda a oportunidade de Showcase’ 2023. contactos e de promover os seus negó- embarcar numa experiência única no ul- A Cruise Lines International Association cios. Tiveram ainda a oportunidade de co- traluxuoso Seabourn Ovation, que esteve escolheu o destino Porto e o Porto de Lei- nhecer o ‘Full Mission Bridge Simulator’ e o atracado no Terminal de Cruzeiros do Por- xões para realizar este evento intitulado Terminal de Cruzeiros, local escolhido para to de Leixões enquanto os das embarca- ‘Destination Showcase’, o qual contou com o Jantar de Gala do evento. ções fluviais puderam descobrir o Emerald a presença de mais de 100 delegados de Os delegados que participaram no ‘Desti- Radiance, operado pela Emerald Cruises, e toda a Europa, especialistas em destinos nation Showcase’ tiveram a oportunidade o SS São Gabriel, operado pela Uniworld de cruzeiros marítimos e fluviais. de realizar passeios e excursões locais que Boutique River Cruises. No ‘Destination Showcase’ 2023, a Confe- integraram o ‘Porto Histórico e Moderno’, A captação deste evento para o Porto jun- rência principal do evento realizou-se no de visitar e passear em embarcações ma- to da CLIA só foi possível com o empenho Auditório Infante D. Henrique, no Porto de rítimas ou fluviais, que contemplou a pas- e dedicação da APDL, do Turismo Porto e Leixões, e teve como moderador da mes- sagem sob as seis pontes da cidade e um Norte e do Turismo de Portugal. DESDE 1989 A PRESTAR SERVIÇOS DE REBOQUE E ASSISTÊNCIA NAVAL OPERAÇÕES PORTUÁRIAS NACIONAIS OPERAÇÕES REBOQUE OCEÂNICO INTERNACIONAIS Certificação ISO9001 – OSO14001 – OSHAS18000. Qualidade / Ambiente / Segurança Follow us: www.rebonave.pt | REBONAVE Email: rebonave.sa@rebonave.pt 0 by © Copyright and all rights therein are maintained REBONAVE - Reboques e Assistência Naval, SA. PUB Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Revista de Marinha | 53 CONFERÊNCIA 2023: “ICOMIA WORLD MARINAS” A Conferência Mundial das Marinas do “International Council of Marine Industry” (ICOMIA) realizou-se pela primeira vez em Portugal, no Centro de Congressos do Algarve, na Marina de Vilamoura, de 9 a 11 de outubro, onde reuniu profissionais do setor das marinas de todo o mundo. A Conferência deste ano, organizada pela Associação Portuguesa de Portos de Recreio (APPR), foi dedicada ao tema “Grandes Desafios, Grandes Decisões”, na qual, durante três dias, foram abordados alguns dos maiores desafios que a indústria enfrenta hoje, como a energia alternativa, as alterações climáticas, a sustentabilidade, a importância da tecnologia para experiência do cliente nauta, a estabilidade económica e política, as operações e as ações que precisam de ser tomadas. A abertura do evento foi realizada pela presidente da APPR – Marinas de Portugal, Isolete Correia, pelo Presidente da Direção do ‘ICOMIA Marinas Group’, Martinho Fortunato, e pela Ministra da Agricultura e Alimentação, Maria do Céu Antunes. Nesta Conferência, foram apresentadas as conclusões do estudo “Marinas e Portos de Recreio Inquérito 2023”, realizado pela empresa Skipper & Wool. Algumas das conclusões apresentadas foram as seguintes: Portugal tem um 54 posicionamento geográfico, condições climatéricas e uma história secular ligada ao mar, que representam condições excecionais para o desenvolvimento das Marinas e da Náutica de Recreio. Com cerca de 12.800 lugares de amarração, os resultados do inquérito realizado e da pesquisa de informação relevante sinalizam elevadas taxas de ocupação das Marinas e dos Portos de Recreio e crescimento das receitas das entidades gestoras superiores a 10%, fazendo com que o global das entidades gestoras de Marinas e Portos de Recreio possam vir a ultrapassar, brevemente, os 70 milhões de euros de faturação. Para poder maximizar todas as oportunidades para o país resultantes deste | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Oceanos, Mares e Rios crescimento, é fundamental aumentar o número de lugares de amarração e o número de lugares de parqueamento a seco, bem como simplificar a burocracia e mitigar todos os riscos associados à navegação. Informação quantitativa sobre este setor não abunda. Só com a adesão de muitas Marinas foi possível efetuar estimativas quantificadas da evolução do setor, em Portugal. É recomendável que existam análises quantitativas com maior regularidade sobre este setor, para que a tomada de decisão sobre este setor seja eficaz e atempada. A próxima edição da Conferência Mundial de Marinas realizar-se-á em 2025 e terá lugar em Veneza, Itália. ATUALIDADE Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Revista de Marinha | 55 NAÇÕES UNIDAS PREPARAM UM NOVO RELATÓRIO INTEGRADO SOBRE O ESTADO GLOBAL DO OCEANO INCLUINDO OS ASPETOS SÓCIO ECONÓMICOS A vida na terra depende fortemente do oceano e este produz alimento, recursos e emprego para a população mundial. Por outro lado, a saúde das sociedades, o bem-estar e a economia beneficiam dos recursos biológicos e não biológicos que o oceano fornece. Além disso, o oceano tem sido sempre o estabilizador do clima da terra sendo um importante fator de modelação em muitos casos superior ao do sistema terrestre dos efeitos das alterações climáticas. Grande parte dos recursos, particularmente os recursos biológicos, presentes no oceano têm sido utilizados em excesso e tem havido importantes pressões de origem terrestre que têm modificado a saúde do oceano sendo por isso necessário tomar medidas urgentes para reverter esta situação. 56 Reconhecendo a necessidade de avaliar o estado do oceano, incluindo os aspetos socioeconómicos, e de tomar medidas que apoiassem o desenvolvimento sustentável do oceano baseadas no conhecimento científico, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou uma resolução (resolucão 57/141), em 2002, durante a Cimeira Mundial do Desenvolvimento Sutentável, em Joanesburgo na África do Sul, que cria o Processo Regular de reporte e avaliação do estado do oceano, incluindo os aspetos socioeconómicos, conhecido por Avaliação Global Mundial do Estado do Oceano (WOA). O Processo Regular é um mecanismo que depende diretamente da Assembleia Geral das Nações Unidas e é gerido pela Divisão dos Assuntos do Oceano e do Direitor do Mar (DOALOS) das Nações. O Processo Regular é responsável pela | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Oceanos, Mares e Rios única avaliação integrada mundial global do oceano que tem por objetivo transmitir o melhor conhecimento científico e as ferramentas necessárias existentes para uma adequada gestão do oceano aos governos e decisores que lhes permitam tomar as melhores decisões para se atingir a sustentabilidade do oceano. Para fazer essa avaliação, têm-se realizado vários Workshops multidisciplinares durante cada ciclo de avaliação, cobrindo todas as regiões do oceano e permitindo a cientistas de várias áreas interagirem para se obterem perspectivas e informações com base nacional e regional que permitam um melhor conhecimento integrado do estado do oceano a nível global. No final de cada ciclo, os Estados Membros das Nações Unidas pronunciam-se, emitindo parecer sobre o relatório. CRÓNICA O relatório (WOAI), aprovado em 2016, foi o primeiro relatório integrado sobre o estado do oceano que cobre os aspetos ambientais, económicos e sociais e é considerado como traduzindo a linha da base do oceano nesse período. Foca a utilização dos dados de observação do oceano e a investigação mais avançada, que permitiu o conhecimento das componentes física, química, biológica, económica, social e cultural do ambiente marinho e dos impactos e riscos que afetam as zonas costeiras e o ambiente marinho bem como necessidades de gestão e diferentes escalas (local, regional e global). Este relatório evidencia que muitos dos serviços dos ecossistemas estão seriamente afetados e que é urgente atuar para impedir a contínua degradação da saúde do oceano. Se se pretender que o oceano continue a providenciar serviços vitais, será necessário coordenar e integrar o melhor conhecimento científico disponível com a gestão do oceano. O segundo relatório aprovado em 2021, que cobre o período 2016-2021, baseou-se na metodologia Drivers- Pres- sões- Impacto- Resposta (DPISR) e atualiza a informação existente no WOAI e avalia as tendências e identifica lacunas do conhecimento existentes. As conclusões do relatório estão relacionadas com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14: Conservação e uso sustentável do oceano, mares e recursos marinhos para o Desenvolvimento Sustentável e com os desafios societais da Década da Ciência do Oceano para o Desenvolvimento Sustentável – A ciência que precisamos para um oceano que queremos - (um oceano limpo, um oceano saudável e resiliente, um oceano produtivo, um oceano seguro, um oceano acessível e um oceano inspirador e envolvente). De referir que este objetivo de desenvolvimento sustentável foi o que teve menor apoio financeiro dos dezasete objetivos de desenvolvimento sustentável estabelecidos na Agenda 2030 das Nações Unidas. Apesar do enorme progresso sobre o conhecimento do oceano nos últimos anos sobre a observação do oceano, o desenvolvimento de capacitação e na modelação, continua a existir um conhecimento limitado dos processos à escala espacial e temporal que ocorrem no oceano. Uma das principais conclusões baseia-se nas soluções aplicadas para reduzir algumas das pressões antropogénicas no oceano bem como o estabelecimento de áreas marinhas protegidas e as ferramentas para uma melhor governação do oceano. Tendo por base uma melhoria contínua da divulgação do conhecimento científico para os governos e decisores políticos, o terceiro Relatório do Estado do Oceano (WOAIII), agora em elaboração relativo ao período 2021-2025, pretende apresentar a informação do estado do oceano de uma forma mais integrada. O conteúdo deste relatório irá incidir sobre lacunas identificadas nos relatórios anteriores, focando-se nas componentes social e económica e socioecológica do oceano, particularmente no que se refere à economia do oceano e ao conceito One Health que estabelece a ligação entre a saúde humana, animal e ambiental. Esta abordagem multidisciplinar é necessária para identifcar os desafios complexos da saúde do oceano e dos seus recursos, identificando dados, informação e fer- Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Revista de Marinha | 57 ramentas disponíveis para os governos e os decisores políticos que permitam o desenvolvimento sustentável dos vários setores do oceano. Pretende ainda este relatório atualizar alguns dos componentes do WOAII relacionados com o conhecimento e compreensão do oceano, considerando abordagens de múltiplas fontes. Para o efeito, irá existir uma melhor coordenação e um maior diálogo entre os membros do Grupo de Peritos do Processo Regular e as diferentes organizações das Nações Unidas. O objetivo deste artigo é dar a conhecer à comunidade do oceano, a realização deste relatório e aumentar o envolvimento da comunidade científica nacional no processo, bem como informar os decisores políticos desta importante iniciativa. Durante o período de conceção deste terceiro relatório, foram realizados um conjunto de workshops regionais, em diferentes áreas do oceano, com representação geográfica mais ampla e uma gama de conhecimentos especializados para reforçar a capacidade dos Estados em participarem neste processo e reforçar a interface ciência-política. Paralela- 58 mente serão realizados seminários regionais sobre o reforço da capacitação para reforçar a interface ciência-política dos oceanos. Os objetivos e resultados desejados destes workshops serão desenvolvidos de acordo com as necessidades regionais em consulta com organizações internacionais parceiras. O âmbito deste relatório foi aprovado, no passado mês de março, pela Assembleia Geral das Nações Unidas. A segunda ronda de workshops regionais está em curso para aumentar a sensibilização da comunidade científica e dos decisores políticos e fornecer informações sobre o Processo Regular, recolher informações e dados a nível regional para proporcionar uma oportunidade às equipas de redação se reunirem e discutirem a redação dos seus capítulos. Um desses workshops foi organizado pelo Governo português e terá lugar no Oceanário de Lisboa de 25 a 27 de setembro e analisou os problemas relacionados o Oceano Atlântico Norte, o Mar Báltico, o Mar Mediterrâneo e a região do Mar Negro. O terceiro relatório integrado do Estado do Oceano, presentemente em elaboração, está planeado para ter um | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Oceanos, Mares e Rios formato totalmente digital que permita aos interessados um rápido e fácil acesso ao seu conteúdo em múltiplos idiomas para além das línguas oficiais das Nações Unidas e em formatos que permitam o acesso a deficientes visuais ou auditivos. O WOAIII, para além de corresponder a metade do período atribuído para a Década da Ciência para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, está também alinhado com a terceira Conferência das Nações Unidas que apoia a implementação do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14: Conservação e uso sustentável do oceano, mares e recursos marinhos para o Desenvolvimento Sustentável que terá lugar em Nice em 2025 organizada pelos governos Francês e da Costa Rica. Maria João Bebianno Membro do Grupo de Peritos do Processo Regular das Nações Unidas CIMA, Centro de Investigação Marinha e Ambiental\ARNET – Rede de Infraestrutura em Investigação Aquática, University of Algarve, Campus de Gambelas, 8000-139 Faro, Portugal CRÓNICA A SEGURANÇA MARÍTIMA EM CRÓNICA Ao longo dos textos desta Crónica tem vindo o signatário, por várias vezes, a levantar a questão de ser dada a confiança, quase como absoluta, aos equipamentos e sistemas de navegação electrónicos utilizados a bordo garantindo por si a segurança marítima e que tal justifica a redução de elementos de serviço na ponte dos navios e assim como ajuda a justificar a redução das tripulações dos navios e embarcações. É inerente ao ser humano que qualquer um de nós fica bastante satisfeito, e também ufano, quando se verifica que as suas ideias, afinal, não estão isoladas e que a realidade as vem comprovar. Mas no caso presente, e que a seguir se descreve, claro que a satisfação não existe uma vez que a consequência foi a ocorrência de mais acidentes no mar, com graves consequências. E tal vem a propósito do acidente que resultou da colisão ocorrida no passado dia 08 de Agosto de 2022, na costa norte da ilha de Porto Rico, entre um navio da Coast Guard dos USA e uma pequena embarcação de actividade costeira de Porto Rico. A colisão teve como consequência a morte de um tripulante e de um ferido grave a bordo da pequena embarcação assim como a perda total desta. Como é usual naquelas paragens a “National Transportation Safety Board” (NTSB) procedeu ao inquérito e averiguações ao acidente e divulgou as respectivas conclusões. Nesse contexto consideram que a causa principal para a ocorrência da colisão resultou do facto de que, em ambos os navios, não estava mantida a função de pessoal de vigia visual ao exterior. Tal facto originou que as tripulações não tivessem tido a percepção da situação e da posição relativa do outro navio, muito embora tivesse havido oportunidade para tal. No decurso do seu trabalho os investigadores concluíram que a bordo do navio da Coast Guard houve falha por não terem sido tomadas as medidas adequadas para fazer face à necessária informação sobre o conhecimento da situação prevalecente, nomeadamente navegando a alta velocidade, e que nem sequer se aperceberam do impacto e só dele tenham tomado conhecimento quando viram os restos da embarcação costeira junto ao seu bordo. A bordo da pequena embarcação também terá havido falha de atenção à situação da segurança para a navegação, uma vez que todos a bordo estariam focados no trabalho da pesca. E sobre esta questão não deixa de ser importante os investigadores reafirmarem que estabelecer um adequado sistema de vigilância é regra imprescindível para evitar abalroamentos no mar. E adiantam que, fruto das várias investigações de casos semelhantes, a bordo de qualquer navio ou embarcação a detecção, em tempo, do comportamento de outro navio ou embarcação a navegar nas proximidades é uma condição indispensável para evitar uma colisão. Daí a recomendação de que nas pequenas embarcações, para facilitarem a sua detecção, estejam montados reflectores radares e, se possível, a instalação sistemas simplificados de AIS. Igualmente recomendam que a Coast Guard instale nos seus navios sistemas de gravação de informação da navegação, nomeadamente de áudio, que facilite posterior análise das situações vividas e melhoria futura da segurança da navegação, comparando tal procedimento com a existência das “caixas negras” das aeronaves. Mas não deixa de ser preocupante que as colisões continuem a acontecer debalde todas as recomendações e equipamentos que são postas á disposição do navegante a bordo dos navios. E mais uma colisão ocorreu neste mês de Outubro, a cerca de 12 milhas a sudoeste da ilha Helgoland (Alemanha) entre navios de carga. A colisão deu-se entre o navio inglês “Verity”, de 100m de comprimento e o navio de bandeira das Bahamas “Polesie” com cerca do dobro de comprimento e com capacidade de carga dez vezes maior à do inglês. Do acidente resultou o afundamento do navio “Verity” tendo sido possível o salvamento de 2 tripulantes, a recolha de outro já sem vida e o desaparecimento dos restantes 4 membros da tripulação. No navio maior, os 22 elementos da sua tripulação nada sofreram. Assim parece lícito concluir que, na responsabilidade da ocorrência deste tipo de acidentes que, para além da questão de tripulações reduzidas, poderá existir igualmente algum problema na formação actual dos marítimos na qual não será salvaguardada, de forma adequada, a ideia de que a segurança no Mar não fica totalmente resolvida lá porque os navios estão dotados de equipamentos de alta sofisticação. NOTA: O autor não segue o novo A.O. OTO PUB Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Revista de Marinha | 59 OCEAN REVIVAL, UM POUCO DIFERENTE… partes do navio que ficam, mas ao qual são retirados todos os elementos que possam atrapalhar e colocar em perigo os mergulhadores que irão visitar o navio naufragado (chaminé e a ponte), corrigir situações fruto da modernização da Capelo no início dos anos 90 (remoção do morteiro AS e da Torre 2), fazendo os decalques em Adobe Illustrator e muito mais pequenos pormenores de partes do navio que são removidas mas que ficam visíveis as suas localizações (reduto da Torre 3 e acesso ao seu paiol de munições) e também a base e a representação do Mar Algarvio, o que Um dos meus amigos pediu-me para fazer um “trabalho por encomenda”, que não faço, pois, sendo o modelismo para mim um passatempo, não gosto de ter prazos difíceis de cumprir e a pressão acrescida que implica estar a fazer algo para outrem. Mas a amizade tem destas coisas, e não pude dizer que não! Simultaneamente, o desafio era bastante interessante, permitindo-me trabalhar num modelo que tenho há décadas na minha pilha de modelos que serão feitos um dia. O desafio seria fazer à escala 1/400 a ex-NRP Hermenegildo Capelo no Projecto Ocean Revival (http://www.oceanrevival.org/pt/). Após discussão, visionamento de vá- 60 rios vídeos e imagens, optei por me inspirar num fotograma de um dos vídeos onde se vê a Equipa que estava a colocar as camaras GoPro em vários pontos da fragata a largar da amura – e assim ficou definido como ficaria a minha representação da Capelo. O kit base a utilizar foi o velhinho (lançado em 1971!) modelo da Heller à escala 1/400 Aviso-Escorteur Victor Schoelcher/Commandant Riviere (https://www.heller.fr/en/81015-victor-schoelcher-commandant-riviere-1000810150) que por norma está disponível nas nossas lojas de modelismo. Dado que o modelo é um pouco fraquinho para os standards dos dias de hoje, o acrescento de balaustradas e escadas em latão, foi imperativo – o resto foi muito trabalho e algumas peripécias! Além da documentação fornecida e da que faz parte da minha biblioteca, comecei por fazer um diagrama de todas as aberturas que foram efetuadas no casco e superestruturas para a saída das eventuais bolsas de ar, permitindo o navio afundar-se como pretendido. Essas aberturas foram, para mim, a fase mais trabalhosa do projeto, dada a espessura das peças do modelo, a sua variada dimensão e não haver “magia” para a realizar (apenas brocas, limas, bisturis). Paralelamente e para “desenjoar” das furações no casco e superestruturas, fui fazendo alterações a certas | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Oceanos, Mares e Rios funcionou como um segundo projeto. Comparando sempre com os vídeos, apercebo-me que na tolda e no castelo estão porções de amarra para criar lastro… o modelo traz uma “espécie” de amarra em metal, que para além de estar fora de escala, está completamente errada na sua forma! Pedi ajuda aos meus amigos e consegui que um deles me fizesse uma porção razoável de amarra correta em impressão 3D! Impecável! Acabado o calvário de fazer os buracos, pude começar a fase da pintura, aplicando o primário e posteriormente as cores dos navios da nossa Marinha de Guerra, disponíveis na Fire ScaleModeler (https://www.firescalemodeler. com/pt/). Após a sua secagem efetiva (cerca de uma semana) pude finalmente atacar o que para mim foi o motivo de ter aceitado este projeto: reproduzir a aparência do navio naquele momento, com a tinta comida pelo sol, com ferrugens e desgaste, com os efeitos dos cortes a acetileno nas chapas e com pinturas à pressa dos seus números de amura e do painel de popa! Creio ter conseguido fazê-lo de forma bastante convincente e que me agradou bastante, tudo com tintas de óleo Winsor & Newton e terebentina, novamente tendo as imagens como referência. Gostaria de voltar ao início desta crónica: prazos. Como o prazo foi curto, se estivesse a fazer este modelo para mim, teria feito o mastro de raiz em latão, em vez de usar as peças do kit (mas será algo que ainda irei fazer) pois é algo que, no meu enten- CRÓNICA der, destoa no modelo, pela negativa. O modelo foi entregue ao meu amigo, que por sua vez o ofereceu ao destinatário (entregue como uma recordação daque- le momento há dez anos, à escala 1/1, claro!) e sei à posteriori que o destinatário ficou bastante agradado pelo presente! Agora, ficou o “bichinho” de querer fazer esta mesma cena, mas na “minha” escala… a 1/700! Bons Modelos. Rui Matos PUB Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Revista de Marinha | 61 LEVAR A EÓLICA OFFSHORE A BOM PORTO À semelhança de muitas outras nações europeias, com até menor recurso eólico e território marinho, Portugal anunciou metas ambiciosas para a instalação de energia eólica em alto mar (offshore) para a próxima década: dez Gigawatts (10 GW), um valor que para referência, aos dias de hoje, é quase o dobro de toda a capacidade instalada de eólica onshore em Portugal. Devido às elevadas profundidades das águas costeiras portuguesas, a grande maioria da energia eólica offshore em Portugal será flutuante. Tal consiste em instalar enormes aerogeradores em cima de plataformas flutuantes que estão ancoradas ao fundo do mar. Instalar turbinas eólicas em alto mar tem várias vantagens, nomeadamente o acesso a um melhor recurso eólico, tal como menores restrições espaciais, ambientais e sociais, que impossibilitam muitos projetos em terra. Em projetos eólicos offshore flutuantes, os portos e estaleiros navais têm um papel central no armazenamento, construção e montagem dos flutuadores e aerogeradores. A localização dos portos e a proximidade ao local de instalação são aspetos essenciais que têm grande impacto nos tempos e custos do projeto. Uma vez montadas, as plataformas são rebocadas por navios rebocadores desde o porto até ao local de instalação final em alto mar. As enormes e pesadas plataformas em aço ou betão (que facilmente atingirão as 17,000 toneladas, sem turbina), requerem cais e/ou docas secas de grandes dimensões e com grandes capacidades de carga dos solos. A integração das turbinas - com alturas próximas da torre Eiffel - nas plataformas, requer gruas especializadas e de grande capacidade de carga e de elevação. O calado das plataformas requer águas com profundidade suficiente nos portos, junto aos cais e nos canais de navegação, que por sua vez devem ser desprovidos de quaisquer pontes ou obstáculos que impeçam a passagem das grandes torres e respetivas turbinas. Para grandes projetos, a necessidade de produzir estas plataformas em série exige cais compridos e grandes áreas de armazenamento seco e húmido (quando montadas, as plataformas podem ser armazenadas dentro de água). Enquanto pioneiros no eólico offshore flutuante, com dois projetos demonstradores, o WindFloat 1 e o WindFloat Atlantic, Portugal demonstrou a sua capacidade de engenharia e de construção naval destas plataformas em território nacional. Contudo, aos dias de hoje, não existe nenhum porto em Portugal ou na Península Ibérica que reúna todos os requisitos para dar resposta imediata à construção dos futuros projetos comerciais de energia eólica offshore flutuante, onde as turbinas e flutuadores serão consideravelmente maiores e em maior número. Estes novos projetos irão requerer terminais e cais em regime de exclusividade, o que torna impossível ou improvável a utilização de infraestrutura portuária já existente e destinada a outros fins comerciais, tais como o transporte de contentores e mercadorias. O investimento na capacitação dos portos nacionais será necessário para acolher os novos projetos, construindo novos terminais dedicados e recorrendo a dragagens quando possível e necessário para aumentar as profundidades das águas no porto. A fase de cons- Figure 1: As três turbinas do projeto eólico offshore flutuante Windfloat Atlantic, instaladas e em operação ao largo de Viana do Castelo, em Portugal. Fotografia de Francisco Correia da Fonseca 62 | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Oceanos, Mares e Rios CRÓNICA trução de um projeto de energia eólica offshore flutuante requer uma utilização intensiva das instalações portuárias, o que pode corresponder a uma janela de 3-4 anos dependendo da dimensão do parque. Uma vez que se espera que a grande fatia de projetos seja construída e instalada nas próximas duas décadas, o período de retorno do investimento é mais curto do que os típicos investimentos em infraestruturas portuárias, o que dificulta o business case. Para ultrapassar os desafios inerentes à modernização dos portos nacionais, várias soluções deverão ser consideradas. O investimento em infraestrutura portuária versátil será fundamental para que esta sirva outros mercados, mas também outros tipos de carga e operações em fases posteriores ao eólico offshore (a contribuição dos portos durante a fase de operação do projeto será necessária, mas espera-se que tenha um papel muito menos expressivo). Espera-se que em certos casos, parcerias público-privadas entre promotores dos projetos e autoridades portuárias, sejam importantes, garantindo a partilha dos custos e do risco. Incentivos, subsídios e financiamento público nacional e europeu poderão ter o seu lugar para acelerar o processo, uma vez que a janela de oportunidade para firmar Portugal como hub de construção eólico offshore flutuante é curta. Uma vez que os trabalhos de modernização da infraestrutura portuária podem facilmente exceder os 5 anos, uma estratégia de investimento faseada e coordenada a nível nacional deverá ser privilegiada. Alguns portos estarão mais bem posicionados para se especializarem em diferentes etapas da construção, nomeadamente i) construção da plataforma flutuante e ii) montagem da turbina na plataforma, pelo que a colaboração entre portos é uma opção a considerar, sobretudo no período de transição. Os portos nacionais serão uma peça-chave na transição energética, contribuindo para a segurança energética nacional, através do aproveitamento a grande escala do enorme recurso eólico offshore nacional. Contudo, a modernização dos portos nacionais surge como uma necessidade, mas sobretudo, como uma enorme oportunidade. Para os portos, representa uma oportunidade para atrair investimento e diversificar as suas fontes de rendimento em Portugal e na Europa. Para o país, surge como uma oportunidade única para atrair e estabelecer toda a cadeia de valor desta indústria emergente em Portugal, revitalizando a herança da construção naval portuguesa. No entanto, de forma a dar uma resposta compatível com o horizonte temporal dos projetos eólicos offshore flutuantes em Portugal e na Europa, é urgente dar um sinal claro à indústria, nomeadamente através do cumprimento escrupuloso do calendário anunciado. Francisco Correia Fonseca Coordenador de Área de Engenharia & Operações do WavEC Offshore Renewables) Praia Les Deveses, Denia ICOMIA, VILAMOURA OUTUBRO 2023 SALÓN NÁUTICO BARCELONA OUTUBRO 2023 METS, AMSTERDAM NOVEMBRO 2023 Cascais, PORTUGAL +351 214 692 024 Barcelona, ESPANHA +34 933 601 101 Rio de Janeiro, BRASIL +55 21 3942 8828 Vigo, ESPANHA +34 986 906 770 www.lindley.pt PUB Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Revista de Marinha | 63 A vigia na parede de uma das casas de banho (ASalgado) MEMÓRIAS DA PONTA DE SÃO LOURENÇO (1968) Foi no início da Primavera quando tocou o meu telemóvel com um número desconhecido. Do outro lado ouvi uma voz que denotava alguma idade (vim a saber depois que tinha cerca de 80 anos) e um ligeiro sotaque madeirense, que se identificou como Fernando Lemos Gomes. Membro da Academia de Marinha, pintor e leitor da nossa Revista de Marinha, tinha acompanhado com entusiasmo os nossos artigos sobre as campanhas na Ponta de São Lourenço, na ilha da Madeira (RM1010 e 1024) e precisava de falar connosco sobre o assunto. É que, em sua casa, o assunto não despertava interesse mas, em 1968, sim há quase 50 anos, tinha participado numas operações de salvados nos destroços existentes na Ponta de São Lourenço. E, em sua casa, não só tinha algumas peças, como também algumas fotografias tiradas na época dos trabalhos realizados. Foi então que confirmei, precisávamos mesmo falar. Por razões diversas, só conseguimos realizar a tão ansiada visita nos inícios do Verão, que incluiu a gravação do seu depoimento (áudio e vídeo) e a digitalização 3D das peças que ainda se encontravam em sua posse, e que tinham sido retiradas daquelas águas cristalinas da Madeira, no longínquo ano de 1968. Madeirense de nascença, cedo veio para Lisboa com os pais, mas continuou a passar férias na Madeira, sempre que possível. Essas visitas permitiram-lhe continuar a mergulhar nas águas da ilha, inicialmente de apneia e, depois, com recurso a garrafas de mergulho. 64 Foi numa dessas estadias na ilha, que foi convidado, ele e um amigo, a colaborarem na operação de salvados, num destroço, que se sabia existir na Ponta de São Lourenço. A partir de uma draga, e cada um apenas com uma garrafa (o que lhes daria cerca de 40 minutos de mergulho por dia), os dois, durante vários dias, ajudaram a içar diversas peças do destroço até à superfície. Deste modo, foram retirados o condensador, uma parte do motor e diverso material de menores dimensões. Tentaram ainda içar o veio do navio e o hélice. Contudo, o comprimento total era superior à altura da lança do guindaste que equipava a barcaça, acabando este por escorregar e voltar para o fundo. É esta a razão porque o veio e o hélice não se encontram na posição original, ou seja, fora da chumaceira na zona do leme. Algo que, desde o início, nos levantava muitas questões. De entre o material retirado, Fernando Gomes guardou algumas pequenas peças como, por exemplo, duas peças de loiça inteiras, uma delas com a mesma decoração do fragmento recuperado durante os trabalhos de prospeção e registo por nós realizados. Recuperou também uma vigia intacta e a funcionar que,desde há muitos anos, realiza a função para a qual foi concebida, mas agora numa casa de banho de sua casa. Segundo nos afirmou, foi com imensa emoção que voltou a procurar os objetos nos recantos da sua garagem e a recordar-se deste episódio, pois há | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Oceanos, Mares e Rios muitos anos que não eram mais que memórias quase esquecidas. Julgo que os académicos não precisam de mais provas de que é fundamental, ou antes mesmo, mandatório, que os nossos projectos tenham ampla divulgação, incluindo junto do público em geral. Até porque, através do nosso entrevistado, obtivemos o contacto do filho do seu companheiro de aventuras, que também terá mais algum material em sua casa. Naturalmente que pretendemos aprofundar melhor mais esta pista. Por fim, e não sendo uma pista material, deu-nos uma outra informação preciosa que nos ajudou a confirmar que era o “nosso” SS Newton. Na época, a população do Caniçal, então uma simples aldeia de pescadores, e cuja ligação por terra a Machico só recentemente tinha sido estabelecida através de um “furado” (túnel), referiu que, na época, o navio tinha permanecido sobre a laje onde tinha encalhado, o que tinha permitido à população recuperar parte da carga de café do navio. Café esse que foi colocado a secar nas áridas encostas que caracterizam essa extremidade da ilha. O forte cheiro a café tinha ficado bem marcado na memória desses mesmos habitantes. A informação recolhida e a sensação que sentimos ao estarmos a fazer o nosso entrevistado recordar aqueles momentos, não tem preço, e também não aparece nos documentos oficiais... Augusto Salgado Oficial da Armada (CH-UL e CINAV) CRÓNICA Uma travessa com decoração diferente, mas com o símbolo da companhia de navegação proprietária do SS Newton (ASalgado) Um aspecto dos trabalhos de fotografia 3D dos objectos (ASalgado) Fernando Lemos em sua casa com algumas das peças recuperadas (ASalgado) PUB Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Revista de Marinha | 65 O ORIENTE COMEÇA EM ÁFRICA, OU MAPUTO PORT O Oriente começa em África, para depois fluir para as longitudes longínquas, ao encontro do Sol, espraiando-se ao longo do Índico e do Pacífico, em sucessivas graduações – próximo, médio, extremo – até à última partícula da Ásia. Valparaíso e S. Francisco, ficam no Oriente? Dificilmente podemos considerar que sim, apesar da elegância dos dois nomes. O Oriente não pode se não começar em portos que se chamam Zanzibar, Mombaça, Pemba – que outrora exibiu o nome belíssimo, e também oriental, de Porto Amélia – ou Dar Es Salaam, que literalmente significa lugar de paz. 66 E o Oriente retribui, com o encanto de uns tantos nomes dos seus portos, sejam eles Aqaba, Xangai (por acaso o maior porto do mundo) ou Bombaim. Isto apesar da sonoridade de nomes como Vladivostoque, que ninguém imagina que possa movimentar outra coisa para além de bigornas. Nos finais do século XIX, um dos portos mais importantes do globo, não necessariamente pelo volume do seu tráfego, ficava situado na foz do Rio Maputo, em Moçambique, no lado Oriental de África. Os portugueses chamavam-lhe Lourenço Marques, os ingleses Delagoa Bay, e os moçambicanos, Maputo. | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Oceanos, Mares e Rios Faltava-lhe apenas o nome definitivo, que hoje ostenta aos olhos de todo o mundo. Maputo Port. Maputo desempenha no Índico, um papel semelhante ao que desempenha o Porto do Lobito no Atlântico. Os dois portos permitem o acesso ao mar a um conjunto de países, cujo desenho fronteiriço aprisionou no interior da massa continental africana. No caso de Maputo, trata-se especificamente de colocar em contacto com o Índico o Maláui, o Zimbabué, o Botsuana e a Zâmbia, sendo que este último país também utiliza o Lobito no aceso ao Atlântico. Esta particularidade de serem ambos portos ao serviço de territórios interiores, traduz a sua relevante ligação com o caminho de ferro. O relacionamento dos portos moçambicanos com os Caminhos de Ferro de Moçambique, que era integral ainda não há muito tempo, é hoje, no caso de Maputo, balanceado pela presença da iniciativa privada, como acontece na Maputo Port Development Company (MPDC), que uns poucos também conhecem como Sociedade de Desenvolvimento do Porto de Maputo, uma empresa privada moçambicana, constituída em torno da parceria dos Caminhos de Ferro de Moçambique, detentora de 49% do capital, com a Portus Indico, esta por sua vez, uma aglomeração de empresas multinacionais com empresas locais. A MPDC, é assim o rosto atual do Porto de Maputo, a quem este foi concessionado em 2003, com opções de extensão que podem ultrapassar 2033. O facto de o acrónimo em inglês ser mais conhecido do que em português, é sintomático da localização de Moçambique na zona de influência britânica, que apesar de recente – o que é que é o século XIX, para um continente que assistiu ao nascimento do primeiro homem? – é suportado pelo ambicioso projeto inglês do Cairo ao Cabo, e traduzido em coisas tão importantes como a língua, ou, mais prosaicas, como guiar à esquerda, quando quase todo o restante continente guia pelo outro lado. CRÓNICA Deste fenómeno cultural da inclusão de Moçambique na esfera britânica, o país conseguiu extrair vantagens através da sua dupla e simultânea inserção na Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) e na Commonwealth, o que parece ainda ferir algumas suscetibilidades, mas talvez seja responsável pelo fato de a maior exportação portuária de Maputo tenha a ver, depois do Oriente, com o Reino Unido. O Porto de Maputo está localizado a Sudoeste de Moçambique, nas imediações do Rio Maputo, e na margem esquerda do Rio Matola, sendo estes dois rios responsáveis por outras tantas grandes áreas, observáveis no porto: o Porto Comercial de Maputo e o Complexo Industrial da Matola. O primeiro possui cais dedicados à pesca, cabotagem, carga geral, contentores, carvão e aço, fruta e açucar. O segundo, possui terminais dedicados ao minério, combustíveis de origem fóssil e ao alumínio, com a intrusão dos cereais. As principais importações vêm da China, Índia, e Emirados Árabes Unidos. O Porto de Maputo movimentou, em 2022, quase 27 milhões de toneladas, sensivelmente metade do total dos portos moçambicanos. Dos produtos movimentados, destacam-se os de origem mineral, sejam oriundos de Moçambique, sejam de países vizinhos. Julgo que esta situação não deve ser observada com demasiado rigor, em virtude do desenvolvimento ainda reduzido que a economia destes países exibe noutros setores de atividade, e na expetativa de que aquela atividade mineira seja feita de forma segura, com uma lavra sustentável, e concluída com planos de recuperação ambiental fiáveis. E não é por ter os seus cais virados a Oriente, que Maputo deve ficar refém das linhas ali operadas. Pelo contrário, o seu negócio será tanto mais pujante, e fértil em alternativas, quanto mais expressiva for a sua integração no comércio africano e mundial. No que respeita a África, o comércio interno do continente expandiu-se em quase 21% em 2022, sobretudo em função da produção de matérias-primas e do aumento da procura da ener- gia africana por parte da Europa, a qual num processo hipócrita, aproveita ali as oportunidades que a sua legislação ambiental não lhe permite. Isto sem perder de vista, que do Oriente, de onde antes vinham em camelos o ouro, o incenso e a mirra, vêm agora em navios, grandes como acidentes geográficos, cidades inteiras, prontas a montar e viver. E creio que estas cidades trazem já incorporados os seus problemas de trânsito. Tanto este se faça à direita, como à esquerda. Artur Manuel Pires Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Revista de Marinha | 67 Cortesia Marinha/AMN TRANSPORTE DO PETRÓLEO POR MAR E AS SANÇÕES DA UE À RÚSSIA Pouco tempo após a invasão da Ucrânia a UE encerrou os seus portos a toda a frota mercante russa. Este encerramento excluiu criteriosamente os navios envolvidos no transporte de um conjunto de bens estrategicamente essenciais, tais como combustível nuclear, carvão e outros itens necessários ao funcionamento das centrais elétricas, incluindo as centrais nucleares, parte importante do sistema elétrico da Ucrânia. Foram igualmente excluídos os transportes de “produtos farmacêuticos, médicos, agrícolas e alimentares e ajuda humanitária em geral.” Como é normal, mas é bom destacar que o bom senso se manteve,“a medida também não se aplicava aos navios que necessitassem de assistência e procurassem um local de refúgio, nem aos navios que necessitassem de entrar de emergência num porto por razões de segurança marítima ou para salvar vidas no mar.” Desde logo se considerou necessário alargar a proibição aos navios que tentassem iludir as sanções mudando o pavilhão russo e o seu registo para o de um outro Estado (mudança de bandeira) ou alterassem fraudulentamente o número de identificação único atribuído pela Organização Marítima Internacional, OMI (International Maritime Organization, IMO), que identifica cada embarcação de forma única e universal, acompanhando-a ao longo da sua existência, 68 independentemente da mudança de bandeira, proprietário, armador ou registo. Seria ainda de abranger os navios que efetuassem transbordo (ou transfega) de navio a navio (ship to ship, STS, no acrónimo em inglês) em alto mar de forma que o petróleo originariamente embarcado em navios russos chegasse aos portos da UE em navios isentos dos embargos. Como será de recordar, sucederam-se os pacotes de restrições, com o objetivo de colocar dificuldades logísticas à Rússia e reduzir quanto possível as suas receitas decorrentes das correspondentes exportações, com as quais vai financiando a invasão da Ucrânia. Assim, já em Junho de 2022, pelo sexto pacote de sanções, tinha sido prevista a proibição da aquisição, importação ou transferência de petróleo bruto (e outros produtos petrolíferos), transportado por mar, da Rússia para a UE. Esta proibição não teria aplicação se o petróleo bruto ou os produtos petrolíferos fossem comprados a preços iguais ou inferiores aos valores definidos pela UE, assim se mantendo fornecimentos à UE mas limitando as receitas da Rùssia e o seu financiamento da guerra. De igual passo previu-se a proibição de prestação de assistência técnica, serviços de corretagem, financiamento e assistência financeira. Em relação aos Estados-Membros da UE, geograficamente dependentes das | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Oceanos, Mares e Rios importações de petróleo russo, e sem outras alternativas viáveis, foi considerado excluído da proibição o transporte por oleoduto. Os produtores russos foram assim obrigados a procurar destinos alternativos, sujeitos a rotas bem mais longas como a Índia ou a China ou a arriscar outros expedientes menos ortodoxos, como o STS, já referido. No décimo primeiro pacote de sanções, decretado pela UE no passado dia 21 de Junho, foram excluídos dos portos da Comunidade os navios suspeitos de envolvimento em operações STS já referidas, com frequência executadas com a agravante de protegerem a manobra com a inativação do sistema AIS (Automatic Identification System) nos navios envolvidos, assim transformados em navios fantasmas, ocultando a identidade do destinatário comprador. Antecipando o previsível embargo, consciente da insuficiência da sua frota para ultrapassar as dificuldades colocadas pela UE e manter o máximo de exportações, a Rússia adquiriu centenas de navios, a maioria com muitos anos de vida, com manutenção reduzida aos mínimos, com consequentes condições precárias de segurança, que deu lugar à designada frota sombra (shadow fleet), por alguns avaliada em 200 a 300 navios, mas que segundo outras estimativas poderia somar mais CRÓNICA de 600 navios. A enorme discrepância entre as estimativas poderá resultar de, na segunda, estar incluído um número muito apreciável de navios sob propriedade de companhias sediadas em paraísos fiscais, registados em bandeiras de conveniência com regimes laxistas com cumprimento mínimo ou mesmo incumprimento das convenções e normas internacionais, designadamente no âmbito da área da segurança e dos direitos dos trabalhadores. A frota sombra constitui um risco adicional para a navegação com particular incidência em riscos de poluição por deficiências e erros de condução e possibilidades acrescidas de acidentes. a que se seguiram várias outras. A Marinha colocou na área o NRP Douro e NRP Mondego e, em Agosto, terá impedido a transferência de petróleo entre dois navios ao largo da Madeira. que devem ser feitas com boas condições de mar e junto à costa e não em pleno mar alto, no que estas transferências ao largo da Madeira constituem uma perigosa exceção, com acrescido Mar português e soberania nacional Recordamos que em finais de Maio, do passado ano de 2022, foi notícia a transferência de carga do petroleiro Zhen I para o superpetroleiro Lauren II, com uma capacidade tripla do Zhen I, a cerca de 300 milhas a oeste da Madeira, Cabrita Neves no “Jornal Económico”, citando a “Bloomberg”, refere como sendo uma prática estabelecida, a transferências de petróleo entre navios, ao largo da Madeira, no contexto do embargo imposto pela UE. A opção pelo STS é preocupante porque as transferências entre navios são manobras delicadas risco de derrames, que a verificarem-se serão seguramente ignorados pelos seus autores. O pessoal envolvido nas operações necessita de ser altamente qualificado e com muito treino. Há que considerar, entre outros, os riscos de reciproco abalroamento entre os navios que rea- Cortesia Marinha/AMN PUB Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Revista de Marinha | 69 Cortesia Marinha/AMN lizam a transferência e o rebentar das mangueiras com elevado risco para o pessoal envolvido, com ferimentos e possibilidade acrescida de homem ao mar, na difícil situação dos navios altamente condicionados, no seu comando e movimentos, pelas ligações de cabos e mangueiras estabelecidas entre eles. As transferências tipo são de navios mais pequenos para navios de maior capacidade, capazes de recolher carga de mais de um navio, para fazerem o transporte a maiores distâncias, rentabilizando uma operação com riscos ambientais e implicações jurídicas e alfandegárias. Agosto de 2022 foi fértil em notícias sobre transferências de petróleo nas costas portuguesas, continentais (ao largo de Portimão) e insulares (ZEE da Madeira). Mais genericamente, navios chineses estariam a receber petróleo de navios russos ao largo da costa portuguesa, a que se associou a notícia do “Lloyd’s List”, citada por Paulo Curado no “Público”, da aquisição de 13 navios-tanque por uma anónima empresa chinesa para receberem petróleo de navios russos em águas internacionais, a mais de 800 milhas a oeste da costa portuguesa. Esta frota de 13 navios constituiria “o núcleo de um novo centro de transbordo de alto risco de crude russo no meio do oceano Atlântico”. A Marinha sentiu a necessidade de informar que estava atenta à situação e que, desde o início do conflito na Ucrânia, incrementara a recolha e tratamento de informação, designadamente a atividade de transfega de combustíveis. Sem que nunca tenha sido claramente assumido como tal, o infeliz episódio de má memória, protagonizado por um grupo de elementos da guarnição do NRP Mondego, ocorreu neste caldo envenenado. Sem entrar na análise e discussão da ocorrência, aliás entregue à Justiça, limito-me a fazer votos que a Marinha cumpra com zelo e eficácia a sua missão, a soberania portuguesa no Mar Português seja defendida com honra e proveito e todos tenhamos motivo para nos orgulharmos do nosso Mar e da nossa Marinha. António Balcão Reis C/ Alm. Eng. Const Naval, ref Membro da Secção de Transportes da SGL Cortesia Marinha/AMN 70 | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Oceanos, Mares e Rios Linguagem Marinheira LINGUAGEM MARINHEIRA: CORDA E CORDÕES Corda e cordões A “corda” é o produto obtido pela torção de “cordões” feitos de “fios de palomba” por sua vez torcidos sobre si, em tensão, a partir da torção de fios e fibras, sobre si mesmos. Este produto é feito em fábricas denominadas “Cordoarias”, utilizando fibras de diversas origens vegetais, como o linho, o sisal, cairo, cânhamo e algodão, ou de origem sintética utilizando o nylon, o polyester e outros polímeros e também fibras de carbono como o kevlar. As cordoarias, em Portugal, existiram junto aos arsenais e estaleiros de construção naval, aos quais proviam do “maçame” ou “cordame” necessário para o “aparelho” e “armamento” dos navios. Foram notórias as fábricas da cidade do Porto, em número de cinco, e a da cidade de Lisboa, a Fábrica Nacional de Cordoaria, sita à Junqueira, em Lisboa. Esta unidade fabril da Marinha Portuguesa já não produz nem cordões nem cabos, porque foi desativada, em consequência da evolução mecânica da navegação que levou ao desaparecimento do uso dos navios de vela no comércio e na pesca, bem como nas marinhas de guerra. Tal como foram desativadas as cordoarias do Porto, onde já só resta o jardim da Cordoaria, lá para os lados dos “Mártires da Pátria,” onde existiu uma árvore centenária, um ulmeiro, que foi chamada de, perdoem-me, “árvore da forca”, por perto dela, e não nela, terem sido enforcados os liberais revoltosos, que deram nome ao “Campo dos Mártires da Pátria”. A bordo só há três cordas! Na linguagem marinheira de bordo, diz-se que “só há três cordas a bordo”: “ A corda do sino, a corda do relógio e ‘acorda que está na hora´...” A corda do sino É um “fiel”1 ligado ao badalo do sino do navio, feito normalmente em cordão de algodão, denominado normalmente por “filaça”2, trabalhado como a “arte de marinheiro”3 o manda, a qual permite, também, que, com “voltas”4, “nós”5, “gachetas”6 e “pinhas”7, todos eles, se façam os mais belos e completos enfeites da marinharia. A “corda do sino”, a “cordoalha”, ligada ao badalo do sino como foi dito atrás, permite ao “moço de convés”8, bater os toques que marcam as horas a navegar, como segue: “Uma batida singela para a primeira meia-hora, uma batida dobrada, ou dupla, para a primeira hora, uma batida dobrada seguida de uma singela para a hora e meia seguinte, duas batidas dobradas para a segunda hora, duas dobradas mais uma singela para a segunda hora e meia, três dobradas para 1 O “fiel” é um cordão ligado a qualquer peça ou ferramenta com a intenção de impedir a sua perda em caso de queda, nomeadamente se caírem ao mar. 2 “Filaça” é cada um dos cordões utilizados na feitura das “gachetas”, “pinhas”, “cochins”, etc., in “Dicionário da Linguagem Marinheira...” de H. Leitão e V Lopes. 3 É o conjunto de todos os trabalhos que os marinheiros fazem, ou podem fazer a bordo, ou para obterem o bom funcionamento ou bom estado do aparelho, ou para enfeitarem os espaços do navio. Não é mencionado no “Dicionário da Linguagem Marinheira...”, dos Com.tes H. Leitão e V. Lopes, que refere e define a “Marinharia” como “a arte ou profissão do marinheiro”, ou, também, “os conhecimentos náuticos utilizados pelos navegadores portugueses desde o tempo do Infante D. Henrique...” 4 “Qualquer das modalidades da arte de marinheiro usadas para dar um cabo a um mastro ou uma antena; para o ligar a uma âncora; ligar duas antenas, etc.”, in Dicionário da Linguagem de Marinha... de H. Leitão e V. Lopes. 5 “Trabalho da arte de marinheiro empregado quando se pretende ligar um cabo a outro, ligar os chicotes do mesmo cabo, ou fixar um cabo a um qualquer objeto. É grande a variedade de nós, e pormenores a respeito deles podem ser vistos em obras da especialidade...”, in “Dicionário da Linguagem de Marinha...” de H. Leitão e V. Lopes. 6 “Entrançado feito com merlim, fio, mealhar, etc, que tem várias aplicações a bordo. Há muitas variedades de gachetas...”, em “Dicionário da Linguagem de Marinha...” de H Leitão e V. Lopes. 7 “Trabalho de arte de marinheiro, que consiste em fazer nos cabos – geralmente nos chicotes – uma espécie de cabeça de cordões devidamente entrançados, ou uma espécie de anel em torno de cabos ou varões. Há uma grande variedade de pinhas...” in “Dicionário da Linguagem de Marinha...” de H. Leitão e V. Lopes. 8 “Moço de convés” é qualquer “grumete” sem encargo especificado, detalhado, que pode ser utilizado em qualquer tarefa. PUB Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Revista de Marinha | 71 a terceira hora seguindo-se-lhe três dobradas mais uma singela para as três horas e meia, finalizando o quarto com quatro batidas dobradas. Recomeçando, então, o ciclo para um novo quarto”. ”Esta rotina do “bater as horas”, corresponde a uma “guarda-do-tempo”9, fundamental para o cálculo da posição em alto mar. Se o “moço-de-convés” batia o sino, o “cabo-de-quarto10”, ou o “contra-mestre de quarto11”, monitorizava e garantia que o fazia corretamente à hora certa, ao mesmo tempo que virava a ampulheta exatamente no momento em que a areia acabava em cima, para continuar a correr e contar o tempo. Ai de quem falhasse! Que algumas marinhas consideravam um crime tão grande como a cobardia e a traição, castigando-o da mesma forma. A corda do relógio Terá sido durante o século XIV que se desenvolveram os primeiros relógios mecânicos, movidos por um sistema de pesos, diferentes, presos nos “chicotes” de uma corda enrolada num tambor que dava o movimento ao conjunto de transmissão, semelhante às atuais rodas dentadas, que fornecia movimento aos ponteiros e outros indicadores, incluindo astronómicos. Nesses primeiros relógios é necessário puxar a corda para que o peso possa cair e dar movimento ao tambor, que dará, depois, movimento aos ponteiros. Este ato de puxar a corda deu então origem ao termo que ainda hoje usamos de “dar corda ao relógio”, mesmo depois de os relógios mecânicos terem passado a usar molas para obterem o movimento do seu sistema de engrenagens, e, afinal, este ato ser o de enrolar molas. Hoje, a bordo dos navios, dá-se corda aos “cronómetros”12. A bordo não se diz “corda” É verdade! A bordo dos navios de guerra é proíbido usar o termo corda, devendo em seu lugar ser utilizado o termo “cabo”, que não tem nada a ver com o “cabo de quarto”, nem com o cabo da frigideira ou da colher, nem com o Cabo Espartel, ou o Cabo Espichel ou mesmo o Raso ou o da Roca. A bordo, apenas “cordões”, “cordoaria”, “maçame”, “cabos”. O porquê desta exclusão nunca é explicado, nem aos jovens e novos mancebos e grumetes13, nem aos marinheiros já antigos. A explicação poderá, porém, residir no uso de termos parecidos com “Cabo”, tais como “cape”, por exemplo, o qual significa para os bretões e franceses “linha” ou “rumo”. “Faire le cap pour...” Assim se justificaria a utilização do termo “cabo” em vez de “corda”. Mas a razão poderá ser outra, infelizmente, ligada às punições praticadas a bordo e em terra, de que os homens do mar não gostavam, nomeadamente a … forca, que era chamada de “a corda”. Era pena aplicada aos crimes mais ignóbeis, sendo por isso natural que os homens do mar não a quisessem referir. cordas e usadas também para fazer as cordas dos arcos e dos instrumentos musicais como os violinos e violoncelos, cordas de tripa de carneiro. Cordões Os “cordões” são o resultado obtido na torção de “fios” feitos de “fibras”, naturais ou artificiais, também torcidos previamente, por forma a ficarem unidos por ação da elasticidade das “cochas14” assim conseguidas. Os “cordões”, uma vez obtidos são, por sua vez, torcidos e assim ganharem força para fazerem as “cochas” dos “cabos”. Calabroteados São os “cabos” grossos obtidos pela torção de três ou mais “cordas” e destinados a serem usados como “amarras15” de “fundear”, ou “lançantes” para “amarração” do navio. A origem deste termo está na Calábria, em Itália, onde estes cabos eram fabricados. João Subtil Corda, origem filológica A origem filológica do termo poderá ser atribuída à língua grega na qual se chamava “kordhe” “ a tripa do gato”, e dos outros animais, “kordhe”, que deu “chorda” em latim e daí “corda”. Tão simples, parece, mas não é, nem poderia ser, pois que estas “kordhe” foram utilizadas nos instrumentos de 9 Diz-se de manter a contagem das horas, minutos e segundos, como se nos mantivéssemos num mesmo local, fixo na superfície da Terra, e.g. em Greenwich, para efeitos do cálculo da posição. 10 “Cabo de quarto” é o cabo, uma praça mais antiga que os marinheiros, ou marinheiro escalado para chefiar as praças num quarto de serviço. 11 “Contra-mestre” é o elemento da guarnição, ou tripulação, cabo ou sargento mais moderno que o Mestre, escalado para chefiar o serviço da marinhagem. 12 Instrumento mecânico chamado relógio destinado a contar as horas, minutos e segundos, com uma marcha regular, utilizado a bordo para guardar o tempo em relação a Greenwich, necessário para o cálculo da posição geográfica dos navios. 13 “Designação das praças da marinhagem desde que tenham entrado na Armada até que tenham sido promovidos a marinheiros...”, in “Dicionário da Linguagem de Marinha...”, de H. Leitão e V. Lopes; terá origem no inglês “groom” (que está a ser preparado). 14 “Cocha” é a torção do cordão, do fio, da linha. É também o enrolamento do cabo. 15 “Amarras” são cabos grossos destinados a ligar a âncora ao navio, ou embarcação, para fundear. É também usada para designar as correntes destinadas ao mesmo. 72 | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Oceanos, Mares e Rios ESCAPARATE HETERÓNIMOS DO MAR Até meados do século XX, homens e mulheres recolhiam o sargaço que era atirado pelo mar contra as praias do centro e do norte de Portugal, através de um ritual único, que foi imortalizado em muitos filmes e documentários. A apanha do sargaço foi uma atividade importantíssima para as comunidades costeiras, não apenas porque melhorou a fertilização das culturas agrícolas, mas também por igualar o trabalho de homens e mulheres, no mesmo rito de recolha desta dádiva do mar, sendo que as mulheres, em muitas localizações, eram mesmo a maioria do grupo que se dedicava à apanha do sargaço. Esta atividade sazonal, criava igualmente uma fonte de rendimento extra, contribuindo para a sustentabilidade económica das famílias que viviam perto do mar. Ainda hoje, em Portugal como em muitas outras regiões e comunidades costeiras do planeta, conseguimos observar homens e mulheres a transportar o sargaço para uma área longe do mar, onde o oceano não possa vir reclamar de novo o que antes deu, a organizá-lo em pequenos montes nas dunas, a estendê-lo na areia para secar, no mesmo ritual ancestral de apanha destas algas. Os sargaceiros têm um papel vital nas economias das regiões costeiras, e contribuem de forma discreta para o desenvolvimento da agricultura, da indústria alimentar, cosmética e farmacêutica, entre outras. Até mesmo o turismo beneficia da sua atividade, porque ajudam a limpar as praias do excesso de sargaço libertado pelo mar. Sendo o sargaço fonte de alimento e habitat de várias espécies marinhas, a apanha sustentável desta alga, ajuda igualmente a preservar os ecossistemas marinhos, um pouco por todo o mundo. Estando em permanente contacto com a areia e o mar, procurando a melhor maré para maximizarem o benefício do seu trabalho, os sargaceiros e as sargaceiras são grandes conhecedores de tudo o que se passa na orla costeira, como são as alterações provocadas por cheias, por desassoreamentos, por assoreamentos, bem como do impacto dos rios e do que transportam quando chegam à foz. Esta missão única destes grandes vigilantes e guardiões dos ecossistemas costeiros faz com que sejam verdadeiros heterónimos do mar. Miguel Marques EDIÇÕES REVISTA DE MARINHA SUGESTÕES PARA AS SUAS LEITURAS Acrescem os portes de correio na importância de 3,5€; a versão cartonada tem um valor adicional. Os livros poderão ser solicitados através do e-mail rm1937@revistademarinha.com Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1035 Setembro/Outubro 2023 | Revista de Marinha | 73 A REVISTA DE MARINHA HÁ MAIS DE OITENTA ANOS … Nº 89 O exemplar da vossa revista que hoje comentamos, referida a 31 de julho de 1940, faz capa com o couraçado REVENGE, da Royal Navy, a navegar em frente a Gibraltar. A abrir, um texto intitulado “Boatos”, assinado por Mauricio de Oliveira, chamando a atenção para a necessidade de combater os rumores e os boatos e de a sociedade portuguesa se manter unida, serena e confiante em torno de Salazar, do chefe do Governo. Um artigo ilustrado refere-se à proclamação do Almirante Muselier, Comandante das Forças Navais Livres da França, acerca do recente ataque britânico aos navios de guerra franceses surtos em Oran (Mers el Kebir) e aos milhares de baixas que causou. Embora se compreenda pela lógica da guerra, não deixou de ser uma ação que criou durante muito tempo más vontades, e que dificultou mesmo uma cooperação aberta e franca das Forças Francesas Livres com os britânicos. Dois artigos de divulgação referem-se à luta antissubmarina; A bomba de profundidade – inimigo nº 1 dos submarinos e A granada Giraud contra submarinos. Não esquecer que os submarinos eram, na II Grande Guerra Mundial, a maior ameaça alemã às linhas de comunicação marítimas aliadas. A página de aeronáutica é dedicada a Italo Balbo, abatido recentemente em combate aéreo sobre Tobruk. O piloto italiano, morto aos 44 anos, ficou famoso com os raides aéreos que organizou, designadamente em 1930, com 14 hidroaviões no trajeto Roma – Rio de Janeiro, com escala em Bolama, na Guiné-Bissau. Um texto ilustrado relativo a Gibraltar, de caráter histórico, refere a sua conquista em agosto de 1704, pelo Almirante George Rooke, durante a guerra da sucessão de Espanha. A montanha, designada carinhosamente pelos britânicos de rock, tem uma altura de 425 metros e foi fortificada, tendo sido alvo de numerosos cercos, a que sempre galhardamente resistiu. Diversas notícias ilustradas referem a presença no Tejo da Esquadra Americana da Europa, a inauguração da grande doca do porto de Leixões pelo Aviso de 1ª classe BARTOLOMEU DIAS, a escala nas Ilhas Canarias da Esquadra Espanhola em manobras no Atlântico, as últimas cerimónias no Mosteiro dos Jerónimos com a presença do Duque de Kent e da deputação do Reino Unido, e a inauguração pelo Cte. Henrique Tenreiro da Casa dos Pescadores da Costa da Caparica. Na rubrica “A guerra no mar – os acontecimentos enumerados e resumidos dia a dia”, relativa ao curto período de 5 a 7 de julho, relatam-se diversos afundamentos de navios mercantes aliados devido a torpedos e minas, e o bombardeamento de Gibraltar em 6 de julho, por aeronaves francesas, como retaliação ao ataque britânico a Oran. A revista tinha nesta altura um custo de 2$50 e saia 3 vezes por mês; os escassos sete anúncios deste número sugerem a existência então de algumas dificuldades financeiras… Alexandre da Fonseca FICHA DE ASSINATURA REVISTA DE MARINHA Assinando a Revista de Marinha, recebe o seu exemplar comodamente em sua casa, de dois em dois meses, a um preço mais económico. Envie-nos a ficha de assinatura, acompanhada do comprovativo da transferência bancária para a nossa conta no BPI, IBAN PT50 0010 0000 6023 9030 0015 4. 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