resenha bibliográfica*
book review
Reginaldo Teixeira Perez **
Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS, Brasil
NASAR, Sylvia. A imaginação econômica: gênios que criaram a Economia
Moderna e mudaram a História.Tradução de Carlos Eugênio Marcondes de Moura. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. 577 p.
A alternância entre a prosperidade e a quebradeira é a forma que o desenvolvimento econômico assume na era do capitalismo. (SCHUMPETER,
1961: 215, apud NASAR, 2012: 285).
À Ciência Econômica deve ser creditado papel decisivo no equacionamento e na solução dos problemas materiais da humanidade nos
últimos dois séculos. Essa é, em suma, a tese central de A imaginação
econômica: gênios que criaram a Economia Moderna e mudaram a História, de
Sylvia Nasar. Dois eixos temáticos destacam-se no entrecho produzido
pela historiadora econômica de origem alemã, mas radicada há muito
nos Estados Unidos: o primeiro reconhece na dinâmica propiciada pelo
mercado um fator importante ao desenvolvimento econômico; o segundo envolve a secular controvérsia entre os profissionais da Economia
sobre o quanto de intervenção do poder público é recomendável tendo-se em vista boas taxas de crescimento.
*
Submetido: 6 de novembro de 2013; aceito: 12 de dezembro de 2013.
** Professor Associado do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal
de Santa Maria/RS. Doutor em Ciência Política pela UCAM/Iuperj.
história econômica & história de empresas vol. 16 no 2 (2013), 379-388 | 379
Adote-se a prudência ao se denunciar Nasar como uma ideóloga do
modelo de produção capitalista. Mobilizando vasta erudição, a autora
tece seus argumentos sine ira et studium, e pode ser situada naquele restrito clube de intelectuais que concilia biografias, fatos históricos e reflexões sobre o mundo, mormente, sobre a sua dimensão substantiva. À
semelhança de Wilson (1986), a escritora parte de pequenos episódios
(ou, em alguns casos, mais do que isso) da vida das figuras apreciadas na
obra e identifica alguns dos motivos as suas (importantes) operações
intelectuais, traçando, ao final, uma esclarecedora conexão entre limites
contextuais e avanços cognitivos. Trata-se de uma história das ideias
econômicas que possui o condão de iluminar o tempo contemporâneo.
Nos 18 capítulos que compõem A imaginação econômica – aos quais
devem-sesomar três prólogos e o epílogo –, Nasar nomeia menos de
duas dezenas de pensadores merecedores de distinção na área. Entretanto, mais do que associar figuras particulares a detalhes (ou mesmo ao
todo) de suas formulações, o que a escritora escancara são provas fartas
de que as operações mentais dos economistas de escol podem ser resumidas, grosso modo, a duas perspectivas ideológicas francamente hegemônicas: quanto à primeira, poder-se-ia definir como fautora do intervencionismo público (de corte keynesiano); a segunda, crítica àquele
instituto, seria caracterizada por sua moldura liberal. Nesse sentido,
sugere a autora, não teria havido avanços na Ciência Econômica há
cinco décadas1; não obstante possuam ampliadas variações, as teias argumentativas contemporâneas, incluindo os seus mais ou menos sofisticados modelos, ainda responderiam àquelas orientações valorativas.
Nasar inicia a sua obra retratando o ambiente europeu – notadamente, da sua classe trabalhadora – no decorrer dos primeiros decênios
da Revolução Industrial. Para tanto, recupera a obra de Charles Dickens
(com a sua ênfase nas condições sociais dos pobres ingleses) e o dilema
oferecido pelo demógrafo e economista Thomas Malthus (1766-1834):
o aumento da população era significativamente maior do que a produção de alimentos. Ao revés, um diagnóstico feito pelo economista inglês
Alfred Marshal (1842-1924) sobre a dinamização das forças produtivas
1
A esse respeito, um comentador da obra foi irônico:“ouvindo os debates econômicos
nos dois últimos anos, é tentador concluir que nenhum progresso tem sido feito no
campo em mais de meio século”. (FOX, 2011).
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no decorrer do século XIX é que desmontará a bomba de efeito retardado denunciada por Malthus: a produtividade estava aumentando – e as
consequências já se observavam no plano social: alguns trabalhadores – ou
melhor, alguns tipos de trabalhadores – já percebiam melhores salários
por força de uma melhor capacitação (educação). Tratava-se, aqui, de
uma intervenção racional sobre “o árido território dos fatos”, e uma
das primeiras tentativas (com pleno êxito) de situar a Economia em um
“patamar científico mais consistente” (NASAR, 2012: 107).
É de se notar que, curiosamente, Nasar arbitra a aurora do século
XIX como o momento em que a Economia inicia o seu suplício por
um estatuto científico. Com efeito, se tomarmos a Ciência Econômica
em sua feição hard – bem compreendido, uma Ciência (com “C” maiúsculo) que tem como objeto as interações entre seres humanos e as
coisas a sua volta pelo sentido de escassez, parece ser aceitável a apreciação da autora. No entanto, se incorporarmos os radicais filosóficos
daquela disciplina, talvez devêssemos alcançar o século XVII, na Inglaterra, e considerar os seus gigantes Thomas Hobbes e John Locke, respectivamente, com as suas teorias da miséria existencial e da ordem
social constitutivamente precária, como seus mais legítimos precursores.
Ademais, não parece ser forçoso reconhecer nas ideias de pensadores
escoceses e/ou ingleses do século posterior (XVIII), tais como David
Ricardo e Adam Smith, sejam filósofos e/ou moralistas, incrementos
teóricos dotados de riqueza suficiente ao robustecimento daquela que
viria a ser conhecida como a ciência do mundo material2.
No capítulo 1 de sua obra, Nasar examina as ideias de Karl Marx
(1818-1883), bem como as de seu associado Engels, e as critica incisivamente. Elementar: segundo a autora, as teorizações do pensador alemão
estavam erradas. Similarmente a outras críticas feitas a Marx a partir de
quadros ideológicos exógenos ao campo da esquerda (SCHUMPETER,
1961; OLSON, 1968; ARON, 1987) – e também de parte das esquerdas
(BERNSTEIN, 1899, apud BON, 1993) –, o intelectual alemão teria
cometido um grave engano de avaliação: as tensões materiais observadas
no modelo de mercado (as chamadas “contradições do modo de produção capitalista”) não conduziriam “necessariamente”a uma ruptura
sistêmica, implicando em “revoluções”, mas seriam suportadas pela
2
Ver, por todos, Carneiro (1997).
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própria animação ínsita ao processo. Em síntese: o incremento da riqueza da sociedade europeia naquela época encontrava-se, de alguma forma,
sob distribuição. Definitivamente, no approach adotado por Nasar, a persona intelectual de Marx não figura entre as mais sobrelevadas3.
O esforço dos economistas para fazer de seu mister uma atividade
respeitável cientificamente foi diuturna. Personificando exemplarmente o “economista contemporâneo”, o inglês Alfred Marshal – apresentado no capítulo 2 da obra em comento – observou a pobreza sob uma
nova perspectiva, vinculando-a à “baixa produtividade”. Relevando a
educação e a competição, o pensador inglês mitigou o peso da “natureza das coisas” na definição da vida social e ampliou os caminhos à sua
racionalização. Nessa mesma linha, é retratada, no capítulo 3, Beatrice
Webb (1858-1943), que, subvertendo os padrões limitadores de gênero
à época, produziu uma obra original, em que as informações retiradas
do mundo empírico têm papel terminante nas formulações de (inovadoras) políticas para a área social. Reconhecendo que “problemas sociais
têm origem econômica”, Webb estabelece sólidos fundamentos para o
que viria a ser chamado depois de “Estado de bem-estar” (“welfare-state”)4.
Não menos importante foi a percepção da autora inglesa sobre o novo
papel dos tecnólogos do mundo material no ambiente democrático:
premidas pela competição, as elites políticas passaram a vislumbrar naqueles uma fonte de ideias para os seus programas de governo – e talvez
mais ainda para os seus projetos eleitorais. Definitivamente, as intersecções entre a política e a economia se consolidavam.
Não obstante os EUA não tivessem alcançado, ainda, a soberba simbólica do grande império inglês na virada do século XIX para o XX, já
rivalizavam com ele no que concerne ao crescimento material. Personificando no plano reflexivo esse vertiginoso crescimento, destaca-se o
primeiro “grande economista americano” – Irving Fisher (1867-1947).
Contemplado no capítulo 4 da obra de Nasar, Fisher auxiliará catego3
4
É evidente que nem todos concordam com a avaliação de Nasar: “O alcance das
questões abordadas por Marx, visível na sua atualidade, torna indiscutível sua relevância como teórico do capitalismo, o que lhe reserva um lugar inquestionável
entre os clássicos da economia” (2012: 9).
Veja-se que o Plano Beveridge, de 1942, referência a toda estrutura de assistência
produzida no Ocidente do pós-Segunda Guerra Mundial, inspirou-se, também, nas
ideias de Webb.
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ricamente os seus pares ingleses na consolidação da linguagem da Economia5. De um lado, terá importante papel no lançamento das bases da
Sociologia da academia americana; de outro, fez uso massivo da matemática no tratamento dos objetos afeitos ao mercado, documentando a
então recente profusão das “ciências técnicas” em substituição às Artes
e às Letras. À semelhança de Beatrice Webb, o economista americano
irá problematizar alguns dos postulados da Economia Clássica, até então
francamente hegemônicos. Precedida por dados fidedignos e por elaborados exercícios de racionalidade, a tese da defesa da intervenção
pública – seja porque responsiva às demandas sociais, seja porque utilitária à retórica política e eleitoral – adquiria crescente credibilidade nos
meios acadêmicos e políticos.
Acompanhem-se os próprios termos de Nasar, em uma síntese de
sua exposição que abarca 60 anos de pensamento econômico:
Charles Dickens, Henry Mayhew e Karl Marx descreveram um mundo
no qual as condições materiais que haviam condenado o homem à pobreza desde tempos imemoriais tornavam-se menos fixas e mais maleáveis. Em
1848, Karl Marx mostrou como a competição levou a produzir mais com
os mesmos recursos, argumentando, porém, que não havia de modo algum
meios de converter os aumentos da produção em salários maiores e em
melhor padrão de vida.
Então, na década de 1880,Alfred Marshal descobriu que um mecanismo
de competição inteligente encorajava os proprietários de negócios a introduzir melhorias constantes na produtividade, que se acumulavam ao longo
do tempo e, simultaneamente, os obrigavam a distribuir os ganhos na forma de salários mais altos ou de preços menores, também ao longo do
tempo. Enquanto a produtividade determinasse os salários e os padrões de
vida, as pessoas poderiam alterar as condições materiais no plano individual
e coletivo, ao se tornarem mais produtivas.
Beatrice Webb inventou o Estado do bem-estar social. [...] [E] mostrou
que a miséria era evitável e que, ao se proporcionar educação, saneamento
básico, alimentos, atendimento médico e outras formas de assistência aos
pobres, a produtividade do setor privado e dos salários aumentaria, em
nível mais elevado do que o resultante da cobrança de impostos. Em outras
palavras, ajudar os pobres a se tornarem mais instruídos, mais bem alimen5
Ver Sartori (1981), quando nomeia como critério de cientificidade o quão consolidada se encontra a linguagem de determinado campo de conhecimento.
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tados e menos sujeitos a doenças muito provavelmente elevaria o crescimento econômico, e não o travaria.
Irving Fisher foi o primeiro a se dar conta de quão poderosamente o
dinheiro afetou a economia real, e defendeu a ideia de que o governo poderia aumentar a estabilidade econômica administrando melhor o dinheiro. Ao apontar com precisão um motivo para os males aparentemente
opostos da inflação e da deflação, ele identificou um instrumento em potencial – o controle da oferta do dinheiro – que o governo poderia usar
para moderar ou mesmo evitar explosões inflacionárias ou depressões deflacionárias (NASAR, 2012: 189-190).
Os estudos sobre a economia forneceram alguns dos instrumentos
mais importantes ao desiderato humano – potencializado a partir da
modernidade – de assumir as rédeas do seu destino. Compreensível que
na obra de Nasar, em face de sua particular abordagem, tenham sido
privilegiados pensadores iliberais, mas não se deve subestimar o caráter
interventivo6 do ideário liberal. Atenta a isso, a autora inicia o seu desfile
de pensadores liberais explicitando os traços dramáticos da personalidade
de Joseph Alois Schumpeter (1883-1950) – e do quanto os percalços de
sua existência intervieram em sua copiosa produção acadêmica7. As
contribuições desse cosmopolita europeu – tanto à Economia quanto
às Ciências Sociais em geral – foram notáveis. E Nasar não deixa de
homenagear, de um lado, a virtuose retóricae, de outro, o apuro técnico
desse autor que fabricou conceitos – e os definiu – de forma original.
Um deles, o de “destruição criativa”, ilumina a figura e a conduta do
empresário empreendedor – não mais visto a partir da impessoalidade
do conceito de “classe” de Marx, mas aqui considerado em sua dimensão agônica. Impossível deixar de ver, nas ideações schumpeterianas,
radicais teóricos paretianos8 – em especial, a composição dos resíduos e
das derivações na sua teoria das elites.
Schumpeter encabeça quatro capítulos de A imaginação econômica. Só
fica atrás de Keynes, que participa da titulação de cinco capítulos. A teo6
7
8
Admita-se que a tese liberal da não intervenção do poder público na atividade
econômica – mesmo em sua perspectiva clássica (e assemelhados posteriores), pré1929, portanto – jamais foi apolítica.
A título de comparação, cita-se o trabalho de Starobinski (1991), em que a produção
do genebrino Rousseau é conectada a sua conturbada existência.
Vilfredo Pareto (1848-1923) não é referido por Nasar.
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ria do desenvolvimento econômico elaborada por Schumpeter (1982) –
processo subordinado à ação de uma individualidade muito particular, o
empresário e/ou empreendedor9 – remanescerá como referência na
Economia. Mais uma vez de modo distinto de Marx, cuja Sociologia
tinha como objeto preferencial corpora associados por interesses (as classes), Schumpeter elege, a la Hobbes, o indivíduo singular como prius do
mundo. Coerente com postulados do liberalismo econômico, para o
qual liberdade de iniciativa e acumulação latente ilimitada são fatores
constitutivos, o economista austríaco também se nutria do conservadorismo político – por certo, resultado da combinação de suas preferências
pelo realismo como método e submissão ao pessimismo pelas circunstâncias. Daqui emerge o seu conceito de crise – ilustrado pelo teor da
epígrafe desta resenha: o realismo não permite que superemos a máxima
de que ela é a regra (e não a exceção). Resultado: a ordem social, nessa
moldura axiológica, só pode ser representada como uma quimera.
Segundo Nasar, mais dois corifeus liberais merecem figurar na galeria dos grandes pensadores econômicos. Ludwig von Mises (1881-1973)
e Friedrich Hayek (1899-1992) constituem o mainstream da Escola Austríaca. No que respeita ao primeiro, encorpou as críticas liberais ao
“coletivismo” da Economia – crescentemente administrada pelo poder
público, o que esconderia o que considerava ser uma falha cognitiva
grave, a (suposta ou efetiva) “falta de informações” de um sistema centralizado. Para Mises, a miríade de informações a serem consideradas em
decisões coletivas racionais exigia o respeito a sua infinitude e a sua
dinâmica, só encontráveis no mercado. Hayek, o terceiro a intitular
capítulos na obra de Nasar, deu sequência às teorias misesianas e as qualificou, podendo ser considerado (o que a autora não afirma), como o
mais importante ideólogo liberal do século XX.
Dotado de erudição incomum, Hayek foi um intelectual cosmopolita em um tempo já marcado pela especialização. Produziu em diversas
áreas – Direito, Filosofia, Economia, Ciências Sociais – e em todas foi
prolífico. Suas descobertas no campo econômico, que lhe renderam um
Prêmio Nobel em 1974, associam competição à descoberta (HAYEK,
1981). Não menos importante do que a sua função de cientista foi a sua
9
Lembre-se de Weber (1987), notadamente, em seu Aética protestante e o espírito do
capitalismo (Cap. 2).
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posição de ideólogo: Hayek ousou enfrentar o socialismo (HAYEK, 1979)
e a socialdemocracia (HAYEK, 1960, 1973), em momentos em que tanto
o primeiro quanto a segunda desfrutavam de significativos apoios públicos. Se fosse mais receptiva ao bordão “um grande economista jamais é
somente um economista”, Nasar teria elevado ainda mais a figura de
Hayek. Resguardando firmemente as trincheiras liberais em momentos
difíceis para tal ideologia, esse pensador exerceu papel decisivo na formação e produção de scholars das principais universidades americanas do
pós-II Guerra10 – destacadamente, na Universidade de Chicago.
A grande estrela de A imaginação econômica é John Maynard Keynes
(1883-1946). Justifica-se tal destaque.Tanto técnica como politicamente,
a sua obra econômica pode e deve ser considerada monumental. Das
diversas inovações teóricas promovidas por Keynes, uma se sobressai: a
do necessário equilíbrio nas participações do empreendimento privado
e do poder público na busca do desenvolvimento. Desde as suas primeiras funções na condição de funcionário graduado do tesouro inglês – a
partir da qual, por exemplo, antecipou as dificuldades da Alemanha em
cumprir as reparações exigidas pelo Tratado de Versalhes – até a sua
maturidade acadêmica, o que ocorreria nas décadas de 1920 e 1930, esse
economista inglês foi um dínamo de criatividade. Ademais, situou-se
(ideologicamente) em um lugar intermediário entre as críticas sistêmicas marxistas e a positividade conferida pelos liberais neoclássicos ao
mercado. Keynes buscou alternativas ao fomento da economia de mercado pregando um intervencionismo seletivo do Estado – e, nessa posição, seu pensamento transformou-se em um divisor de águas.
A narrativa de Nasar sobre as atividades públicas e privadas de Keynes
iluminam o contexto europeu da primeira metade do século XX – especialmente, o do entreguerras. Ali, misturam-se ações diplomáticas de
Estado com debates acadêmicos – e vão sendo gestados os marcos da
Pax Americana do pós-Segunda Guerra. Quanto ao ideário de Keynes,
vastamente explorado pela autora, sobram ensinamentos sobre a sua tentativa de conciliar medidas fiscais e monetárias para o arrefecimento dos
efeitos adversos dos ciclos econômicos – recessão, depressão e booms. Se
as lições econômicas daquele autor foram vitoriosas a partir dos anos
10
Para uma erudita resenha da produção acadêmica norte-americana no terceiro
quartel do século XX – notadamente, a que se situa nas intersecções da Economia,
Administração e Ciências Sociais –, ver Santos (1988), capítulo 3.
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1930, obteve sucesso, igualmente, quando viu se consolidar a tese de que
a Economia seria o espaço, par excellence, da racionalidade social; a administração do conflito distributivo poderia ser encaminhada em termos
técnicos. Nasar não afirma, mas sugere: Keynes – que foi um crítico
incisivo da política – foi um dos principais responsáveis teóricos pela
(complexa e instável) conciliação entre democracia e mercado.
O pensamento de Keynes reinou soberano até o início da década de
1970. Naquele momento, diante de fatores diversos – entre eles, a crise
energética derivada da insurgência de países produtores de petróleo –,
o grande pacto socialdemocrata que propiciou o Estado de bem-estar
no Ocidente desenvolvido foi questionado. Naquele ambiente, alimentadas por robusta produção acadêmica, sobrevieram teses liberais advogadas do produtivismo e de uma hiper-racionalidade sistêmica. A partir
de então, clivava-se o mundo público, sobretudo, em face de dois posicionamentos consolidados definitivamente a partir do início dos anos
1990, com a perda de densidade política do marxismo: liberais (e assemelhados) versus keynesianos (em suas diversas matizes).
A trajetória intelectual estampada por Nasar limita-se a alcançar, com
uma exceção a ser observada adiante, os meados do século XX – e, é
evidente, produz importantes reflexos sobre o tempo contemporâneo.
Nesse entremeio, são comentadas as edificações intelectuais de Joan
Robinson (1903-1983), Milton Friedman (1912-2006) – que era keynesiano nos primórdios de sua vida acadêmica – e de Paul Samuelson
(1915-2009), todos com salientes contribuições à Ciência Econômica. No
entanto, é nos capítulos finais de A imaginação econômica, quando a autora analisa o pensamento de Amartya Sen (1933-), vencedor do Prêmio
Nobel em 1998, que se encontra a maior beleza do texto. E, não por
acaso, diante da proposição deste genial indiano de restaurar a “dimensão ética na discussão dos problemas econômicos” (NASAR, 2012: 480),
retomam-se algumas das raízes filosóficas da Economia no reencontro
de sua dimensão social: a liberdade é um alimento para a vida.
A leitura de A imaginação econômica é obrigatória para todos aqueles
que reconhecem que a complexidade da interação social pode ser organizada – racionalmente disciplinada, portanto – pelo veio de suas
motivações materiais. Contudo, quando se auscultam formações sociais,
impõe-se a dilemática fronteira entre os interesses (supostamente calculáveis) e os valores (efetivamente imponderáveis). Constata-se, dessa
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forma, na obra, o apoio ao enfrentamento a uma impossibilidade decorrente do agon humano: continuaremos incrementando a nossa capacidade de compreender o mundo social e de nele intervir, mas não
parece haver sinais alentadores de que conseguiremos conduzi-lo à
plena harmonia.
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