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Dez anos de trabalhos
arqueológicos em Alcoutim
DO NEOLÍTICO AO ROMANO
João Luís Cardoso
Professor Catedrático da Universidade Aberta.
Coordenador do Centro de Estudos Arqueológicos
do Concelho de Oeiras (Câmara Municipal de Oeiras)
Alexandra Gradim
Arqueóloga da Câmara Municipal de Alcoutim
2011
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Ficha Técnica
EXPOSIÇÃO
CATÁLOGO
Coordenação CientífiCa
autores
João Luís Cardoso
Joaõ Luís Cardoso e Alexandra Gradim
ConCepção e projeCto museográfiCo
fotografia
Alexandra Gradim
João Luís Cardoso, Alexandra Gradim
Nerve atelier de design (peças do catálogo)
equipamentos expositivos
Índice
Prefácio – Dr. Franciso Amaral _____________ pág. 7
Introdução _______________________ págs. 8 - 13
1 - Conjunto Megalítico do Lavajo _____ págs. 14 - 53
Nerve atelier de design
desenhos
restauro
Bernardo Lam Ferreira e Filipe Martins
Desenhos de campo: Alexandra Gradim,
Fernando Dias, Bernardo Lam Ferreira,
João Luís Cardoso e João Carlos Caninas
2 - Cista Megalítica do Malhão _______ págs. 54 - 69
ilustração da Capa
4 - Anta do Malhão _______________ págs. 100 - 125
Manuela Palma
montagem
Nerve atelier de design, Alexandra Gradim,
Manuela Palma
Vaso da sepultura 7 da necrópole do Bronze
Pleno das Soalheironas
design Catálogo e paginação
Nerve atelier de design
3 - Tholos do Malhanito ____________ págs. 70 - 99
5 - Necrópole das Soalheironas _____ págs. 126 - 153
6 - Necrópole do Cabeço da Vaca ____ págs. 154 - 196
isBn:
978-989-96911-7-9
impressão
Textype, Lisboa
tiragem
5oo exemplares
depósito legal:
Copyright dos Autores e da Câmara Municipal
de Alcoutim (para a 1.ª edição). Toda e qualquer
reprodução do texto e imagem é interdita, sem
prévia autorização escrita dos Autores e da
Câmara Municipal de Alcoutim, nos termos da
Lei vigente, nomeadamente o Código do Direito
de Autor e Direitos conexos.
7 - Barragem Romana do Álamo _____ págs. 198 - 203
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Prefácio
Nestes tempos difíceis que vivemos, torna-se fulcral explorar de uma maneira inteligente todas as nossas potencialidades e riquezas.
Num concelho algarvio sem litoral, situado numa região considerada rica pela União
Europeia, e como tal sem ajudas comunitárias signiicativas, torna-se particularmente
oportuno a exploração das suas riquezas endógenas. E aqui surge a Arqueologia. Somos
dos concelhos do País com maior número de sítios arqueológicos.
É importante escavar os mais signiicativos, estudá-los, protegê-los, valorizá-los e torná-los visitáveis.
Além do seu valor histórico, cultural e cientíico, urge também explorar turisticamente
estes espaços.
É o que temos vindo a fazer, não ao ritmo que pretendemos, dados os obstáculos burocráticos e inanceiros. Mas com vontade, e alguma “teimosia”, conseguiremos atingir os
objectivos.
Um agradecimento particular à Dr.ª Alexandra Gradim, ao Prof. João Luís Cardoso, à
Eng.ª Manuela Palma e ao Dr. Fernando Dias, pela dedicação e pelo trabalho desenvolvido nestes “10 Anos de Arqueologia de Alcoutim”.
o presidente
Dr. Francisco Augusto Caimoto Amaral
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Introdução
Entre 1998 e 2007, desenvolveu-se em Alcoutim um importante conjunto de iniciativas
de índole arqueológica que, realizadas em estreita colaboração entre os dois signatários, conduziu a notável acervo de informações sobre o passado mais longínquo
desta vasta e bela região da zona oriental da serra algarvia.
apresentados em relatório enviado ao Instituto Português de Arqueologia em 1999, os
quais constituíram preciosa base empírica indispensável aos trabalhos de escavação
subsequentes, que se impunha realizar, como efectivamente se veio a veriicar nos
anos subsequentes, nas estações identiicadas que os justiicassem.
O início desta colaboração começou em Setembro de 1998, com a realização de escavações no notável menir do Lavajo situado perto do monte de Afonso Vicente, o qual
recebeu a designação do topónimo mais próximo. A intervenção, sob orientação cientíica do primeiro signatário, contou com o apoio da Câmara Municipal de Alcoutim, nela
participando activamente a segunda signatária desta obra, que, pouco tempo antes,
havia sido nomeada arqueóloga da Câmara Municipal de Alcoutim.
Foi assim que, em 2000, se efectuou a exploração da cista megalítica do Malhão, em
cerro sobranceiro a Martim Longo, em resultado da sua afectação anterior pela construção de uma antena de comunicações móveis, cujos resultados foram prontamente
publicados na Revista Portuguesa de Arqueologia. Logo em 2001, na sequência dos
trabalhos realizados em 1998 no grande menir do Lavajo, realizou-se outra intervenção, do outro lado do vale do Lavajo (Lavajo 2), que permitiu conirmar um novo conjunto de quatro estelas menires, também de grauvaque, todas elas afeiçoadas por picotagem, bem como o alvéolo respectivo de fundação. Os monólitos haviam sido
partidos recentemente, e, tal como a anterior, a intervenção arqueológica revestia-se de
carácter de emergência, dada a intensa lavra dos terrenos resultantes da utilização de
maquinaria pesada.
Tão valiosa e empenhada foi a sua participação nesta escavação, que desde logo icou
assente que seria, por direito e mérito próprios, associada, como co-autora, ao trabalho
onde se viessem a publicar os resultados obtidos da intervenção. Este princípio, que se
revelou essencial para o êxito atingido pelos trabalhos arqueológicos subsequentes, foi
seguido nos sucessivos estudos publicados, icando entregue a responsabilidade da
direcção dos trabalhos de campo nas estações que se viessem a investigar, bem como
a preparação dos respectivos resultados para publicação, ao primeiro dos signatários,
cabendo ao segundo, para além da participação permanente nos trabalhos de campo,
assegurar os aspectos de natureza administrativa e logística, decorrentes do envolvimento da autarquia, que se revelaram essenciais à realização dos trabalhos.
Em Alcoutim, no que respeita à sua ocupação humana ante-histórica, muito estava
ainda por fazer, dado que as esparsas informações relativas ao território concelhio,
para além das recolhidas desde o tempo de S.P.M. Estácio da Veiga, se centravam na
época calcolítica, mercê das importantes escavações efectuadas entre 1979 e 1985 no
povoado do Cerro dos Castelos de Santa Justa, somadas às realizadas, na mesma época,
e pela mesma equipa, dirigida pelo Prof. Doutor Victor S. Gonçalves, na tholos da Eira
dos Palheiros e na anta do Curral da Castelhana, cuja construção remonta ainda ao
Neolítico.
Em 2002, a atenção recaiu sobre um monumento que havia sido identiicado na sequência do alargamento de um estradão lorestal, relacionado com projecto de relorestação: uma vez mais, impunha-se a respectiva escavação de emergência, com carácter
preventivo, dada a exposição acrescida do monumento recém-descoberto. Tratava-se
da sepultura do Cerro do Malhanito, na Freguesia de Monte da Estrada, estrutura calcolítica do tipo tholos, com átrio, corredor e câmara de planta circular, deinida por
grandes ortóstatos colocados verticalmente numa área escavada previamente no substrato geológico. Tal como anteriormente, a publicação dos resultados não se fez esperar, primeiramente de forma preliminar, no 2.º Encontro de Arqueologia do Algarve,
depois analisando em particular as características da reutilização da câmara do monumento, no Bronze Final/ inícios da Idade do Ferro contributo publicado pelo primeiro
signatário no volume de homenagem ao Doutor Jorge de Alarcão antecedendo artigo
de síntese dos resultados obtidos, publicado na revista Promontoria.
Importava, pois, retomar as prospecções de terreno, as quais se impunham devido
às extensas áreas concelhias interessadas por projectos de relorestação, as quais, por
tal motivo, foram objecto de prospecções arqueológicas preventivas prioritárias. Os
resultados desses trabalhos, de que se encarregou a segunda signatária, encontram-se
Em 2003 e em 2004, exploraram-se os dois núcleos que constituem a necrópole da
Idade do Ferro do Cabeço da Vaca, da Freguesia de Giões. Implantam-se no topo de uma
cumeada alongada, tendo sido identiicados em 1999 durante as acções de prospecção no âmbito dos projectos de relorestação da área envolvente tendo-se como
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medida preventiva criado duas áreas de salvaguarda. A necrópole é constituída por
um núcleo principal, integrando seis sepulturas, correspondentes a cistas ou a simples covachos com coberturas de lajes, com escasso espólio, destacando-se a recolha
de duas pontas de lança, de ferro, num covacho aberto no substrato geológico. Este núcleo
foi explorado em 2003, realizando-se em 2009 exploração pontual de uma área que
tinha icado por escavar. Em 2004, foi explorada uma grande cista, de aspecto megalítico, situada a cerca de 250 m para Este do primeiro núcleo sepulcral e, tal como
aquele, afectada pela relorestação de pinheiros mansos, que cortaram parte de periferia da estrutura funerária, como as escavações vieram depois evidenciar. Pelas suas
características, poderia ter sido construída em várias épocas, desde o Neolítico Final à
Idade do Ferro. Mas, aquando dos trabalhos arqueológicos, recolheu-se, assente no
fundo da mesma, em posição horizontal, um raro punhal de ferro, com guarda de
prata, reportável aos séculos VI/ V a.C., sendo coevo do núcleo explorado da necrópole
no ano transacto. Supõe-se que, quer pela sua posição de destaque no terreno, dominando visualmente o outro núcleo da necrópole, quer pela sua arquitectura imponente
composta por caixa tumular quadrangular de maior dimensão circundada por um empedrado que lhe confere evidente monumentalidade, possa ter pertencido a um elemento de elite guerreira da referida comunidade. Os resultados obtidos foram apresentados no 3.º e 5.º Encontros de Arqueologia do Algarve, encontrando-se publicados
nas respectivas actas.
Ainda em 2004, explorou-se a anta do Malhão, no topo de cerro com aproximadamente
200 m de altitude, da freguesia de Alcoutim. Embora identiicada em 1997, na sequência
de informação de um funcionário da autarquia, que em dia de caça tinha reparado na
disposição particular daquelas pedras, a escavação só ocorreu sete anos mais tarde,
como medida preventiva face à abertura de caminho junto do monumento e de áreas
de corta-fogo em redor do mesmo. A escavação revelou situação quase inédita em
Portugal, correspondendo à construção inacabada de um monumento megalítico, suspensa por motivos cuja causa se ignora. No caso, essa construção iniciou-se pela
câmara, cujo chão se encontra forrado de uma grande laje que o preenche por completo.
Em seu torno, ergueram-se diversos esteios, que deiniram aquela parte do monumento.
Quanto ao corredor, apenas foi deinida a respectiva entrada. O monumento só veio
conhecer utilização funerária cerca de mil anos depois, tendo então sido efectuada
uma única tumulação no espaço da câmara previamente deinida. O espólio indica uma
sepultura integrável no “horizonte de Ferradeira”, uma das escassas ocorrências cujo
contexto e associação estratigráica do respectivo espólio se encontram bem deinidos.
Em 2005, coube a vez à necrópole da Idade do Bronze de Soalheironas, pertencente à
freguesia de Alcoutim, a qual possui uma implantação no terreno claramente determinada
pela sua topograia: com efeito, foi evidente a selecção de uma crista rochosa, estreita
e alongada, com a altitude culminante de 133 m, constituída por alternâncias rítmicas
de xistos e grauvaques, ao longo da qual se implantou a necrópole, ocupando uma
extensão superior a 100 m. O local dista cerca de 0,5 km para Oeste, em linha recta, do
Guadiana, situando-se no limite da linha de relevos que bordeja o topo da encosta
direita em que o rio se encontra entalhado, profundamente recortada por vales de
numerosos tributários laterais.
A intervenção foi determinada pela realização de trabalhos de lorestação levados a
cabo na área da necrópole, e na sequência da abertura de um estradão, que atingiu algumas das cistas da necrópole: impunha-se, assim, uma escavação preventiva, face ao
risco iminente em que se encontrava o conjunto, conducente à delimitação do espaço
arqueológico que importaria futuramente preservar, o que foi realizado. Na verdade,
as mais de trinta sepulturas, na larga maioria correspondentes a cistas, forneceram
importante espólio, constituído por recipientes cerâmicos e artefactos metálicos, que se
integram claramente no Bronze Pleno do Sudoeste, constituindo uma das mais extensas
estações até agora exploradas no seu género.
Enim, em 2006 e em 2007, tiveram lugar duas campanhas de escavações na barragem
romana do Álamo, perto da margem direita do Guadiana. Esta notável estrutura hidráulica romana, constituída por um grosso paredão de alvenaria argamassada (opus incertum), reforçado do lado de jusante por robustos contrafortes da mesma natureza, foi
registada pela primeira vez por S. P. M. Estácio da Veiga. A intervenção arqueológica
permitiu, por um lado, reconhecer o encontro esquerdo da barragem, bem como
demonstrar a notável altura do paredão, muito superior ao que se julgava, devido ao
intenso assoreamento veriicado, de ambos os lados daquele. A escavação dos sedimentos permitiu a recolha de diversos fragmentos anfóricos, arremessados para a
albufeira então existente, comprovando-se deste modo que a conclusão do respectivo
assoreamento se veriicou ainda na época romana.
As intervenções arqueológicas efectuadas pelos signatários entre 1998 e 2007, as quais
foram anualmente apoiadas pela Câmara Municipal de Alcoutim resultaram sobretudo
da necessidade de, preventivamente, proceder à investigação, seguida da protecção
das mais importantes ocorrências arqueológicas previamente identiicadas.Tal objectivo foi atingido sem excepção, e obtiveram outros resultados, não menos importantes,
a começar pelo conhecimento cientíico das diversas épocas ante-históricas representadas no território concelhio, o qual foi proporcionado pela investigação arqueológica
realizada. Assim, o conjunto megalítico do Lavajo 1, ilustra práticas cultuais realizadas
entre inais do IV milénio e inícios do milénio seguinte: pela raridade das evidências
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arqueológicas postas a descoberto e face ao seu evidente interesse patrimonial e monumental, foi o mesmo objecto de valorização, encontrando-se devidamente protegido
e visitável. As necrópoles representadas pela tholos do Malhanito, Soalheironas e Cabeço
da Vaca 1 e 2, respectivamente do Calcolítico, da Idade do Bronze e da Idade do Ferro,
documentam assinalável diacronia, entre a primeira metade do III milénio a.C. e meados
do I milénio a.C. Após a escavação, os locais foram devidamente protegidos, tal como
o sítio arqueológico de Lavajo 2, a cista do Malhão e a anta do Malhão, enquanto não
for possível proceder à sua valorização patrimonial e consequente fruição cultural.
Enim, o notável monumento que é a barragem romana do Álamo, mercê das intervenções realizadas, ganhou uma monumentalidade até então insuspeita, justiicando que
futuramente seja objecto de trabalhos susceptíveis de o colocar totalmente à vista, por
forma a evidenciar-se as suas características ímpares, no conjunto das barragens
romanas peninsulares.
Tratou-se, pois, de uma década plenamente preenchida no concelho de Alcoutim, a
qual correspondeu a um notável acréscimo do conhecimento das comunidades que
ocuparam o respectivo território entre os inais do IV milénio a.C. e os primeiros séculos da era cristã, impossível sem apoio desde sempre concedido pela autarquia, a quem
cumpre agradecer, na pessoa do seu ilustre Presidente, o Dr. Francisco Amaral.
Esta apresentação icaria incompleta se nela se não inscrevessem os nomes de todos
os colaboradores que participaram nas sucessivas escavações, pois foram eles que,
ainal, tornaram possível a apresentação dos resultados que constituem o corpo desta
obra e da correspondente exposição. Aqui icam registados os seus nomes (por ordem
alfabética): Adelcides Correia; Ana Cristina Viegas Pereira; Dr.ª Ana Raquel Augusto
Policarpo; André Manuel Guerreiro; André Ramos da Silva; Doutor António do
Nascimento Joaquim; Bernardo L. Ferreira; Brian Thompson; Bruno Barão; Cristóvão
Manuel Pedro Custódio; Dr.ª Daniela Santos; Dr. David Pérez Gil; Dr. Diogo Filipe
Rodrigues Paiva; Mestre Esmeralda Gomes; Dr. Fernando Estêvão Dias; Dr. Filipe
Santos Martins; Dr. Filipe Cardoso Castanheira Nunes; Dr. Frederico Tátá Regala; Eng.º
Gil Alves Lopes; Indira Pina; Ivanilda Tavares ; Eng.º João Carlos Pires Caninas; João
Pereira Brandão; Luís Carlos Rodrigues Santos; Engª. Manuela Palma; Dr. Marco António
Inácio Santos; Mário Gradim Areal; Dr.ª Marta Fonseca Araújo; Mary Cambbell; Dr.ª
Patrícia Baptista; Ricardo Miguel Martins Vaz; Dr.ª Soia Isabel Domingos Carrusca;
Dr.ª Soia Isabel Monteiro de Albuquerque; Dr.ª Susana Cristina Calado Martins e Dr.ª
Vânia Machinho Mendonça.
CONCELHO DE ALCOUTIM
A consequente protecção efectiva das ocorrências assim caracterizadas – pois tratavase, na larga maioria dos casos de intervenções de carácter preventivo ou mesmo de
emergência – criou condições propícias à valorização dos sítios e à sua consequente
fruição por parte de toda a população. Tal é o objectivo já conseguido para em um
deles, e a ser concretizado logo que possível nos restantes, pois todos eles detêm potencialidades para o efeito. Assim se contribuirá para o consequente aproveitamento
turístico-cultural do território concelhio onde estas ocorrências se inserem, constituindo a presente exposição importante contributo para aquele objectivo, de evidente
interesse para toda a região.
É ainda de salientar a competência e a dedicação postos na ilustração dos sucessivos
artigos publicados pelo Sr. Bernardo L. Ferreira o qual, fora das horas e dos dias de
serviço, executou a quase totalidade dos desenhos de espólios arqueológicos agora
apresentados – com excepção dos materiais da necrópole das Soalheironas, da autoria
do Dr. Filipe Santos Martins. A colaboração daquele ilustrador incluiu a tintagem das
plantas, cortes e alçados realizados no terreno por um de nós (A. G.) com a colaboração, nalguns casos, do Dr. Fernando Dias, sem prejuízo de a execução de algumas
peças desenhadas ter requerido a sua presença em Alcoutim, em diversas ocasiões,
para realizar in loco o registo gráico de estruturas arqueológicas ora publicadas.
Ribeira do Vascão
Giões
1
4
6
Martinlongo
N
5
ALCOUTIM
Pereira
2
Rio Guadiana
Ribeira da Foupana
3
Vaqueiros
7
Ribeira de Odeleite
LEGENDA
1 Conjunto Megalítico do Lavajo
2 Cista Megalítica do Malhão
3 Tholos do Malhanito
4 Anta do Malhão
5 Necrópole das Soalheironas
6 Necrópole do Cabeço da Vaca
7 Barragem do Álamo
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Dez anos de trabalhos
arqueológicos em Alcoutim
DO NEOLÍTICO AO ROMANO
1 - Conjunto
Megalítico
do Lavajo
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Conjunto Megalítico do Lavajo
1. Placa votiva com moldura
2. Enxó
Grauvaque
Rocha anfibolítica
Neolítico Final/ Calcolítico
Finais do 4.º milénio/
inícios do 3.º milénio a.C.
Neolítico Final/ Calcolítico
Finais do 4.º milénio/
inícios do 3.º milénio a.C.
17,9 x 13,5 x 1 cm
11,2 x 6,6 x 2,1 cm
Lavajo 2
Lavajo 1
N.º Inventário: NMA.70
N.º Inventário: NMA.60
Esta peça, de características invulgares,
apresenta além de um furo de suspensão
um sulco marginal que é apenas conhecido
em escassos exemplares, de entre as centenas de placas encontradas em monumentos megalíticos, no Alentejo e Algarve.
3. Fragmento de machado polido
de secção elipsoidal
Fibrolite
Neolítico Final/ Calcolítico
Finais do 4.º milénio/
inícios do 3.º milénio a.C.
Comp. máx. 6,5 cm
Lavajo 2
N.º Inventário: NMA.127
4. Grande sacho com superfície
grosseiramente afeiçoada
por picotagem e de secção sub-circular.
Grauvaque
Neolítico Final/ Calcolítico
Finais do 4.º milénio/
inícios do 3.º milénio a.C.
14,4 x 6,7 x 5,2 cm
Lavajo 2
N.º Inventário: NMA.126
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Conjunto Megalítico do Lavajo
5. Formão finamente polido
6. Micrólito sub-triangular
Grauvaque esverdeado
Sílex castanho-avermelhado
Neolítico Final/ Calcolítico
Finais do 4.º milénio/
nícios do 3.º milénio a.C.
Neolítico Final/ Calcolítico
Finais do 4.º milénio/
inícios do 3.º milénio a.C.
19,6 x 3,5 x 1,9 cm
2,7 x 0,9 x 0,3 cm
Lavajo 2
Lavajo 2
N.º Inventário: NMA.125
N.º Inventário: NMA.132
7. Ponta de seta
Sílex cinzento claro
com manchas brancas
8. Lasca com bordo retocado
para servir como raspador
Sílex castanho-avermelhado
Neolítico Final/ Calcolítico
Finais do 4.º milénio/
inícios do 3.º milénio a.C.
Neolítico Final/ Calcolítico
Finais do 4.º milénio/
inícios do 3.º milénio a.C.
3 x 2,2 x 0,4 cm
2,7 x 2,7 x 0,8 cm
Lavajo 2
Lavajo 2
N.º Inventário: NMA.131
N.º Inventário: NMA.130
9. Fragmento de lasca
com indícios de utilização
na extremidade convexa
Quartzo leitoso
Neolítico Final/ Calcolítico
Finais do 4.º milénio/
inícios do 3.º milénio a.C.
10. Lasca de talhe
Sílex esbranquiçado
Neolítico Final/ Calcolítico
Finais do 4.º milénio/
inícios do 3.º milénio a.C.
2,8 x 2,4 x 0,7 cm
1,9 x 0,9 x 0,8 cm
Lavajo 2
Lavajo 2
N.º Inventário: NMA.129
N.º Inventário: NMA.128
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Conjunto Megalítico do Lavajo
1 - Conjunto Megalítico do Lavajo 1
RESUMO
ABSTRACT
Neste capítulo apresenta-se o resultado das escavações realizadas respectivamente em
1998 e em 2001 nos núcleos de menires de Lavajo 1 e de Lavajo 2, distanciados cerca
de 250 m na direcção NNE e separados pelo pequeno vale do Lavajo, bem como dos
trabalhos de protecção, recuperação e valorização efectuados sobretudo no núcleo
mais importante (Lavajo 1). Os locais, pelo menos actualmente, são intervisíveis, graças
à implantação destacada no terreno: o núcleo de Lavajo 1 situa-se no topo de colina
enquanto Lavajo 2 ocupa a linha de festo de uma encosta, conferindo ao local visibilidade tanto do lado sul como do lado norte. O conjunto de Lavajo 1 é constituído actualmente por três monólitos, todos de grauvaque: um, quase inteiro, de tendência fálica,
é actualmente o maior menir de grauvaque conhecido em território português, atingindo o comprimento máximo de 3,14 m; outro, quase completo, fragmentado em três
grandes blocos, possui formato estelar; o restante apresenta-se muito incompleto, dele
se conservando apenas uma lasca da sua face frontal. É crível, no entanto, que pudessem existir mais monólitos, tendo em conta os abundantes fragmentos de grauvaque
ali observados, quase todos com fracturas frescas. Todos os menires de Lavajo 1 se
apresentam decorados, com destaque para o maior deles, o qual exibe complexa decoração estreitamente relacionada com a morfologia do suporte lítico, de carácter fálico.
Apenas para este foi possível determinar o local de implantação, correspondente a um
alvéolo de planta circular e fundo aplanado, parcialmente daniicado pelos trabalhos
realizados em 1994, que conduziram ao seu reerguimento, infelizmente feito de forma
descuidada, tendo até sido colocado no terreno em posição invertida. Seja como for, na
zona culminante daquele pequeno cabeço, implantaram-se três menires decorados, os
quais não podem ser vistos isoladamente, já que se articulariam directamente com o
conjunto de Lavajo 2, que se avista ao longe, do outro lado do pequeno vale do Lavajo
e na linha de festo da encosta, da qual ocupa a parte média. Neste segundo local,
In this chapter, we present the results of excavations conducted in 1998 and 2001, and
the subsequent works of protection and rehabilitation of two loci of menhirs, Lavajo 1
and Lavajo 2, located at 250 m of distance from each other, in a NNE direction and
separated by the small valley of Lavajo (Alcoutim). Lavajo 1 is located on the top of a hill
while Lavajo 2 is located on a slope, and both presented a good visibility southwards as
well as northwards.
1 Sobre as intervenções arqueológicas desenvolvidas neste importante conjunto megalítico publicaram-se dois artigos (CARDOSO, J. L.;
CANINAS, J. C.; GRADlM, A; JOAQUIM, A. N. (2002) - Menires do Alto Algarve oriental: Lavajo I e Lavajo II (Alcoutim). Revista Portuguesa
de Arqueologia. Lisboa. 5:2, p. 99-133. e CARDOSO, João Luís, CANINAS, João Carlos, GRADIM, Alexandra, e JOAQUIM, António do
Nascimento (2003) - Resultados preliminares das escavações arqueológicas realizadas nos núcleos de Menires Lavajo I e Lavajo II
(Alcoutim), “Actas do 1.º Encontro de Arqueologia do Algarve”, Revista XELB, n.º 4, Silves, pp. 54-68), e uma brochura (CARDOSO, João
Luís, CANINAS, João Carlos, GRADIM, Alexandra, e JOAQUIM, António do Nascimento (2003) - Os Menires do Lavajo. Afonso Vicente,
Alcoutim, Câmara Municipal de Alcoutim/ Comissão de Coordenação Regional do Algarve, Alcoutim.). Este texto corresponde, no
essencial, ao estudo publicado pelos autores, na referida brochura, actualmente esgotada. Realizaram-se actualizações decorrentes dos
trabalhos de recuperação e valorização realizados ulteriormente.
Lavajo 1 has three monoliths made of greywacke: one, almost complete, of a phallic
appearance, and currently the largest greywacke menhir known in Portugal, reaching
a maximum length of 3,14 m; another, almost complete, broken in three large blocks,
with a stela-like appearance; the third, very incomplete, with only a piece of its front side
left. It is possible, however, that there were once more monoliths, considering that abundant fragments of greywacke were found at the site, all with fresh fractures. All the
menhirs of Lavajo 1 were decorated. The largest one has a prominent decoration, strictly
related to the morphology of the lithic support, and it was possible to determine its
original location, on a small pit of circular plan and lat bottom. The pit was partially
damaged by works carried out in 1994 to re-erect the menhir, but conducted without
care and placing the structure in reverse position. The three decorated menhirs were
placed in the highest zone of the small hill of Lavajo 1 that should not be seen in isolation
as they articulated directly with the group at Lavajo 2, located on the other side of the
Lavajo valley.
In this second location, four undecorated stele-menhirs, all of greywacke, were discovered,
of which only one, represented by a small fragment, was found in situ. It was, nevertheless,
possible to reconstruct the relative positions of the remaining ones, through the excavation of their respective sockets, associated with an elongated groove, oriented east-west,
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22
Conjunto Megalítico do Lavajo
identiicaram-se quatro estelas-menir não decoradas, todas de grauvaque, das quais
apenas uma, representada por fragmento de pequenas dimensões, se encontrava in
situ. Foi, no entanto, possível reconstituir a posição relativa das restantes, através da
escavação integral do respectivo alvéolo, correspondente a rasgo alongado, orientado
Este-Oeste, aberto no substrato geológico, constituído por xistos do Carbónico Superior inamente folheados. Deste modo, é de concluir que as estelas menir se dispunham em linha, constituindo um painel lítico contínuo. No interior do alvéolo, recolheram-se diversos artefactos ali ritualmente depositados aquando da fundação do
monumento, cuja tipologia indica o Neolítico Final, cronologia aliás compatível com a
do conjunto megalítico de Lavajo 1, tendo presente a iconograia patente nos menires.
Muito embora não se conheça ainda suicientemente o padrão de povoamento da região
no Neolítico Final, estes dois núcleos megalíticos podem ser interpretados como marcadores de territórios e/ou de espaços sagrados, sendo de destacar a existência, durante todo o ano, de água nas proximidades imediatas, recurso escasso e precioso, que
propiciaria a horticultura. Por outro lado, a natureza das matérias-primas utilizadas na
confecção dos artefactos encontrados (sílex, anibolito), para além de outros materiais
de circulação transregional muito mais alargada (ibrolite), evidencia a forte interacção
destas populações tanto com o interior do Baixo Alentejo (Zona de Ossa / Morena),
como com o litoral algarvio ou andaluz, compatível com estádio de desenvolvimento
económico do inal do Neolítico do sul peninsular, atingido na segunda metade do IV
milénio a. C.
Numa vasta região, correspondente a todo o sotavento algarvio, onde o megalitismo
não funerário era até agora totalmente desconhecido, os testemunhos ora estudados
constituem, doravante, uma das expressões mais interessantes e signiicativas, cuja
relevância se impõe numa área muito mais vasta, correspondente a todo o Sudoeste
peninsular.
and cut into the bedrock made up of inely foliate carboniferous schists. In this way, we
concluded that the stele-menhirs were arranged in a line and constituted a continuous
lithic panel. Within the pit-holes were recovered diverse artefacts ritually placed there
during the construction of the monument, whose typology points to the Late Neolithic
and whose chronology is compatible with that of the megalithic group at Lavajo 1, based
on the iconography of the menhirs.
Although the settlement pattern of the Late Neolithic in the region is not well-known,
these two megalithic nuclei could be interpreted as territorial markers and/ or sacred
spaces; of note is the existence of year-round water sources in their immediate proximity,
water being a scarce and precious resource which would have aided in horticulture. On
the other hand, the nature of the raw materials found (lint, amphibolite), in addition to
other material obtained through extensive transregional trade (ibrolite), is evidence for
regular interaction between populations in both the interior of the Baixo Alentejo (Ossa/
Morena Zone), as well as along the Algarve or Andalusian coast, consistent with the
level of economic development of the Late Neolithic of the southern Iberian Peninsula, in
the second half of the IV millenum BC. In a vast region, corresponding to the entire Eastern Algarve, where non-funerary megaliths were until now totally unknown, the sites of
Lavajo 1 and II are interesting and one of the most signiicant expressions of the south
western Iberian megalithism.
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Conjunto Megalítico do Lavajo
ANTECEDENTES
A visita de António do Nascimento Joaquim, no Verão de
1992, acompanhado de outros residentes ou veraneantes
no monte de Afonso Vicente (Alcoutim), a local próximo,
que conhecia de infância e onde se lembrava de ter visto
uma grande pedra tombada, levou-o a admitir a hipótese
de se tratar de um menir. Assim, tomou a iniciativa de contactar o primeiro signatário, na altura seu colega no Departamento de Ciências da Terra da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. Em visita ao local,
feita na companhia do descobridor e do Arq. M. Varela
Gomes, convidado por J. L. C., na qualidade de arqueólogo
que se vinha dedicando ao estudo dos menires do barlavento algarvio, constatou-se o efectivo interesse arqueológico do monólito: tratava-se de facto de um grande menir
de grauvaque, rocha disponível no local. O monumento
encontrava-se tombado sobre um dos lados maiores, o qual
não se apresentava decorado. Junto, observaram-se lajes
dispostas de cutelo, as quais se admitiu fazerem parte da
respectiva estrutura de ixação. A situação de se tratar do
primeiro menir identiicado em toda a vasta região do sotavento algarvio, a que acrescia o facto de ser o maior do território português talhado em grauvaque, justiicou a sua
publicação preliminar, nela se acrescentando que era propósito dos autores prosseguirem as investigações através de
escavações no local (Gomes, Cardoso e Joaquim, 1992).
convidado a dirigir a execução desta intervenção arqueológica, por ofício do Presidente da Câmara Municipal de
Alcoutim, de Julho de 1998. Face a esta situação, foi requerida e obtida nova autorização, já por parte do IPA, em
Agosto de 1998, de modo a permitir, a curto prazo, a concretização das escavações, as quais se vieram efectivamente
a realizar sob sua direcção em Setembro de 1998, seis anos
volvidos após a primeira visita ao local. Participaram na
campanha de escavações realizada no conjunto megalítico de Lavajo 1 – que envolveu, também, o levantamento
gráico da face decorada do menir, descoberta aquando do
seu reerguimento, em 1994 e a investigação do que se
admitia então ser um sepulcro megalítico cistóide, situado
muito próximo, mas que se veriicou, no decurso de curta
intervenção, não ser mais do que um abrigo de pastor – os
seguintes elementos, além do primeiro signatário: Doutor
António do Nascimento Joaquim, natural da vizinha aldeia
(“monte”, na terminologia local) de Afonso Vicente, e autor
da descoberta; Eng.º João Carlos Pires Caninas; e, na qualidade de técnicos da Câmara Municipal de Alcoutim, a Dra.
Alexandra Gradim, Técnica Superior da área da Arqueologia,
a Eng.ª Manuela da Palma Teixeira, Técnica Superior da área
de restauro de materiais arqueológicos e Fernando José
Estevão Dias, Técnico de Museograia arqueológica, além de
jovens voluntários de Alcoutim.
Entretanto, ocorreram importantes movimentações de terras no local, nos inícios de 1994, com nítido prejuízo do
monólito, então deslocado da posição anterior. Face a tal
situação, a Doutora Helena Catarino, tomou a iniciativa de
promover prontamente, com o apoio de colegas seus, a recolocação do menir na vertical, a qual, porém, não eliminava a prioridade cientíica dos autores supra citados;
em Abril de 1994, estes conirmaram o seu interesse em
prosseguirem os trabalhos, através da apresentação do
respectivo pedido de autorização, ao IPPAR, o qual foi deferido apenas em Maio de 1995. Na sequência desta autorização, foi programada uma intervenção para a escavação
da zona adjacente à da implantação do menir e solicitado
o apoio logístico e inanceiro à Câmara Municipal de
Alcoutim a qual, em Maio de 1997, respondeu favoravelmente. Entretanto, tendo o Arq. M. Varela Gomes comunicado à autarquia a sua indisponibilidade em colaborar nos
referidos trabalhos, nos termos em que estes foram deinidos na proposta apresentada, foi o primeiro signatário
Entretanto, dos contactos do primeiro signatário com a
Doutora H. Catarino, resultou a comunicação, por parte
desta, da existência, na encosta do pequeno outeiro fronteiro ao do menir, do outro lado do vale do Lavajo, de uma
estela que interessaria também investigar. Conirmada a
sua existência, considerou-se que estes dois núcleos deveriam ser objecto de estudo conjunto. Deste modo, o primeiro signatário obteve autorização para esta nova exploração arqueológica, em Novembro de 2000, a qual foi
conirmada em Maio de 2001, atendendo à impossibilidade
daquela se ter efectuado na data prevista, dado o mau tempo que se fez sentir por todo o País no Inverno de 2000. A
realização, em Junho de 2001, das escavações no segundo
núcleo megalítico, denominado Lavajo 2, contou igualmente com a colaboração da Dr.ª. Alexandra Gradim e de
Fernando Estêvão Dias, e, novamente, de jovens voluntários de Alcoutim. O levantamento gráico da superfície
insculturada do menir já conhecido, bem como dos restantes, que integram o conjunto de Lavajo 1 foi realizada
pelo primeiro signatário e por J. C. Caninas; os desenhos de
campo da área escavada em Lavajo 1 e Lavajo 2 e dos
monólitos de Lavajo 2 são da autoria de F. Dias e de A.
Gradim; as respectivas tintagens, bem como os desenhos
de todas as peças arqueológicas exumadas, devem-se a
Bernardo L. Ferreira.
Por im, importa referir os trabalhos de conservação e valorização realizados, sobretudo em Lavajo 1, em Julho de
2003. Dado que este é o núcleo megalítico de maior valor
patrimonial, efectuou-se, após autorização concedida ao
primeiro signatário, a reimplantação do grande menir na
sua posição primitiva, tendo-se aproveitado o alvéolo original, posto totalmente a descoberto no decurso da intervenção de 1998; a esta iniciativa, seguiu-se o restauro e
colocação in situ do segundo menir daquele núcleo arqueológico, acção inserida em programa mais vasto, apoiado
pela C. C. R. – Algarve, dirigido por outro dos signatários (A.
G.) que envolveu a construção de um parque de estacionamento para viaturas, arranjos pedonais e painéis sinaléticos e explicativos, para além da edição de um desdobrável de grande tiragem e de uma colecção de postais.
Agradece-se à C. C. R. – Algarve, por ter patrocinado inanceiramente o projecto de valorização patrimonial e de aproveitamento turístico-cultural do núcleo de menires do
Lavajo 1. De registar ainda a colaboração dos Bombeiros
Voluntários de Alcoutim, que cederam pessoal e equipamento no âmbito da realização de uma sessão de fotograia
nocturna no conjunto de Lavajo 1.
2 - TRABALHOS REALIZADOS
E RESULTADOS OBTIDOS EM LAVAJO 1
Quando se efectuou em 1994 o reerguimento do grande
menir de Lavajo 1 (doravante referenciado como menir n.º
1), ainda que incorrectamente – pois foi colocado em posição invertida no terreno – veriicou-se que a face até então
oculta se apresentava decorada (Fig. 1); deste modo, era prioritária a execução do respectivo registo gráico; por outro
lado, importava proceder a escavação na área de implantação do menir – que nada garantia à partida fosse a
primitiva, como depois se veriicou – tendo em vista a identiicação de estruturas anexas, ou da própria estrutura de
fundação deste, que provavelmente correspondia a algumas pedras colocadas de cutelo, observadas aquando da
primeira visita em 1992 e entretanto desaparecidas, devido aos profundos remeximentos no terreno realizados
pouco tempo antes (inais de 1993 ou inícios de 1994) pelo
seu proprietário. Mais tarde, importaria proceder à recolocação correcta do menir no terreno, o que implicava a
detecção do local de implantação primitiva e a inversão da
sua posição vertical, tarefa já efectuada e de que se dará
adiante conta.
No respeitante ao levantamento gráico da face insculturada, foi utilizado plástico cristal, sobre o qual se decalcaram os motivos nela existentes (Fig. 2); o original assim
obtido, à escala natural, foi ulteriormente reduzido e tintado,
depois de conirmado em pormenor, mediante os registos
obtidos em sessão fotográica nocturna (Fig. 3). Quanto à
escavação do terreno adjacente, a decapagem da camada
de solo supericial, feita em dois rectângulos paralelos,
abertos de ambos os lados do menir permitiu veriicar que
o substrato geológico constituído por xistos do Carbónico
Superior, inamente folheados (fácies lysch), no rectângulo
do lado Sul, era ali sub-alorante, não se veriicando a existência de qualquer depósito ou estrutura (Fig. 4), a não ser
uma quase insensível depressão, que constituiria o fundo
do alvéolo de ixação de um dos dois outros monólitos
que coroavam o topo do cabeço, adiante referidos em pormenor. No fundo dessa pequena depressão, encontrou-se
minúsculo bordo de recipiente liso, não espessado, pertencente a taça ou a pequeno esférico (Fig. 13, n.º 2).
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Conjunto Megalítico do Lavajo
Uma vez removidos da área escavada os dois fragmentos
aludidos, veriicou-se que o segundo assentava em parte
sobre o primitivo alvéolo de ixação, distanciado cerca de
um metro do local onde se implantou o menir em 1994.
O alvéolo corresponde a depressão arredondada, com cerca
de 0,70 m de diâmetro máximo e fundo aplanado, aberto
no substrato xistoso (Fig. 9). Nas Figs. 5 e 9, são bem visíveis diversos fragmentos de grauvaque, de menires partidos,
colocados de cutelo junto à base do grande menir, preenchendo o rasgo executado mecanicamente em 1994 para
a sua ixação, igualmente registados na planta da área escavada (Fig. 10).
Dos dois fragmentos de menir recolhidos na escavação, um
deles (menir n.º 2) (Figs. 6 e 7), de formato tabular, pode observar-se no núcleo arqueológico do castelo de Acoutim. O
outro fragmento, igualmente partido de fresco, pertencia a
um terceiro menir (menir n.º 3), reconstituído na sua quase
totalidade, a partir de mais dois grandes fragmentos abandonados nas proximidades (Fig. 8); conservava-se no interior da vedação mandada colocar pela Câmara Municipal de
Alcoutim em torno do menir erguido e foi objecto de trabalho de restauro e de novo ali reerguido. Trata-se de um
menir longo e aplanado, que justiica a designação de estela-menir, com uma das faces afeiçoada por picotado e coberta
de inúmeras “covinhas”, produzidas por picotado a que
se seguiu, nalguns casos, a sua regularização por abrasão
rotativa.
Fig. 1 – O grande menir do Lavajo 1 (menir n.º 1) antes da realização
das escavações de 1998. Em segundo plano, observa-se um dos três
fragmentos do menir n.º 3.
Fig. 2 – Levantamento gráfico da face insculturada do grande menir
do Lavajo 1 (menir n.º 1), no decurso da intervenção arqueológica
de 1998.
A escavação foi aprofundada do lado Norte, pois importava
averiguar se ainda se conservavam restos da possível estrutura de ixação original observada em 1992. Com risco de
provocar o tombamento do grande monólito e, com ele, um
grave acidente, o aprofundamento da escavação ultrapassou, em resultados, muito do que à partida se imaginava.
originais se desconhecem (foi designado por menir n.º 2);
com efeito, a grande quantidade de blocos de grauvaque
utilizados como calços do grande menir no local, aquando
da intervenção não autorizada de 1994, todos com fracturas frescas, conduz à hipótese de resultarem do estilhaçamento anterior de uma única peça, que teria dimensões
semelhantes à do exemplar intacto (menir n.º 1). Ao lado
deste fragmento, e disposto transversalmente à fossa executada por retroescavadora em 1994 para nela se reimplantar o menir n.º 1, encontrou-se, pouco depois, outro fragmento de menir decorado (Fig. 5 e 8), o qual pertence a um
terceiro monólito (menir n.º 3), também até então desconhecido, e que foi integralmente por nós reconstituído.
Assim, logo a pequena profundidade, deparou-se com um
grande fragmento de grauvaque decorado com um círculo
feito a picotado (Figs. 5, 6 e 7), o qual evidenciava, pela
fractura fresca, que ocupa toda a face oculta, ter sido recentemente destacado de um menir semelhante ao já conhecido; o seu aspecto tabular é compatível com a parte frontal
de um monólito, talvez uma estela-menir, cujas dimensões
No contexto descrito, avulta, naturalmente, a iconograia
patente no grande menir (menir n.º 1) (Fig. 11). O programa
decorativo é constituído por sulcos verticais, “covinhas” e
diversas formas geométricas (circunferências, “ferraduras”)
e antropomóricas, organizadas de diversos modos. A impressão geral que se tem quando se observa o conjunto é
que se pretendeu articular a morfologia do monólito com a
disposição decorativa. Com efeito, é no sentido do alongamento da peça e sobre uma espécie de toro, volumoso e
proeminente, que a percorre longitudinalmente, que se observa um sulco, largo e pouco profundo, obtido por picotado seguido de abrasão, o qual se encontra pontuado, no
seu interior, por sucessivas “covinhas”, também obtidas pela
mesma técnica (picotado seguido de abrasão). Este sulco
mediano, verdadeira “linha da vida”, ideia sublinhada pelo
aspecto fálico do menir, constitui o eixo de toda a organização decorativa, e o seu desenvolvimento encontra-se
acompanhado lateralmente de dois outros sulcos, mas de
comprimento menor, igualmente pontuados de “covinhas”.
Fig. 3 – Vistas nocturnas, com luz rasante, da parte inferior do grande
menir do Lavajo 1 (menir n.º 1), em baixo, obtida em 1998 e da sua
extremidade superior, obtida em 2003.
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Conjunto Megalítico do Lavajo
Fig. 4 – Vista parcial do sector sul da escavação de Lavajo 1, evidenciando-se a presença do substrato geológico
subaflorante, correspondente a xistos e grauvaques do Carbonífero marinho (fácies “flysh”), constituindo superfície
extensa e regular.
Fig. 5 – Pormenor do sector norte da escavação de Lavajo 1.
Do lado esquerdo, o grande menir (menir n.º 1) fixado verticalmente em 1994, com a ajuda de calços de grauvaque,
correspondentes a pedaços de outros menires. Este dispositivo foi reforçado com um grande fragmento de menir insculturado com “covinhas”, visíveis na imagem (menir n.º 3). Em segundo plano, fragmento tabular, correspondente a
porção frontal de outro menir (menir n.º 2), tal como jazia, no meio das terras remexidas.
Na extremidade do menir outrora enterrada, existem alguns
motivos os quais, por tal facto, não seriam visíveis (Figs. 3,
em baixo e Fig. 11): é o caso de diversas “covinhas”, de
grandes dimensões, dispostas sem ordem aparente, de “ferraduras” e de circunferências com representação punctiforme no centro. Ainda no limiar da zona presumivelmente
enterrada, observa-se, de um dos lados, um alinhamento vertical de quatro pequeninas “covinhas”, motivo que se repete
na parte mesial do monólito, e de ambos os lados do sulco
central com respectivamente, seis e cinco “covinhas”. Pouco
acima do que se admite fosse a linha de implantação no terreno, o monólito ostenta dois símbolos antropomóricos,
ambos de características sexuais presumivelmente femininas. De um dos lados, observa-se um triângulo isósceles, cuja base, em posição horizontal, se apresenta interrompida por curto traço vertical. O vértice oposto do triângulo, por seu turno, parece corresponder ao centro de uma
circunferência radiada, a qual só muito diicilmente se observa: no caso, tal foi apenas possível evidenciá-la com luz
rasante (Fig. 12). Do lado oposto, observa-se um outro motivo a que se atribui igualmente carácter sexual: trata-se de
uma elipse interiormente septada ao longo do eixo maior,
associada a cruciforme, que se situa numa das suas extremidades (originalmente a inferior) (Fig. 11). De referir, ainda,
a existência de conjuntos radiantes de pequenos segmentos,
perpendiculares ao sulco central principal e de ambos os
lados deste, observáveis na parte média do monólito.
A extremidade superior deste menir só foi possível observar em pormenor em Julho de 2003, quando se procedeu à
sua reposição no terreno. Veriicou-se, então, que ostentava, sobre um fractura oblíqua, com aspecto mais irregular
e rugoso que a superfície lateral do monólito, um conjunto
de “covinhas” feitas por picotagem, através de ponta dura,
dispostas em torno de uma que constitui o centro de tal
circunferência (Figs. 3, em cima e Fig. 11).
Tais motivos, com excepção do sulco longitudinal e de algumas “covinhas” de maiores dimensões, produzidas por
picotado seguido de abrasão, foram obtidos exclusivamente
por picotado, sendo evidentes as marcas punctiformes dos
respectivos impactos, talvez com recurso a “picos” de
quartzo iloneano, matéria-prima que se encontra localmente disponível. Como materiais arqueológicos, para além
do pequeno fragmento cerâmico supra referido, recolheu-se apenas, nas terras de revolvimento e deste modo desprovida de contexto, uma bela enxó de anibolito com o
gume intacto, por certo relacionada com as práticas rituais
realizadas no local (Fig. 13 n.º 1).
Fig. 6 – O menir n.º 2 de Lavajo 1. Evidencia-se uma circunferência, produzida a picotado, extensivo a toda a área
conservada, assim afeiçoada.
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Conjunto Megalítico do Lavajo
Fig. 7 – Levantamento gráfico do menir n.º 2 de Lavajo 1,
correspondente a fragmento tabular, exposto no núcleo museológico
do castelo de Alcoutim.
Fig. 8 – Levantamento gráfico do menir n.º 3 de Lavajo 1,
fragmentado em três grandes pedaços, o qual foi objecto de restauro
e ulterior fixação no terreno.
Os dois monólitos fragmentados insculturados descobertos em 1998 (menires n.º 2 e 3) são os de mais simples
abordagem, em virtude da singeleza dos motivos decorativos que ostentam, o que não quer dizer que a discussão
sobre os mesmos não encerre profundas insuiciências, de
momento inultrapassáveis. Com efeito, o grande fragmento
(menir n.º 2), ostentando afeiçoamento e uma grande circunferência a picotado (Figs. 6 e 7), inscreve-se dentro da
arte esquemática do ocidente peninsular, cuja cronologia, à
falta de melhores provas, se tem situado entre o Neolítico Final e a Idade do Bronze, ou, em termos de cronologia absoluta, entre os inais do IV milénio a.C. e os meados
do II milénio a.C. Cronologias mais especíicas foram tentadas em alguns locais, como o Complexo de Arte Rupestre
do vale do Tejo, onde se observou, com base na análise estilística das respectivas manifestações artísticas, segundo os
dois autores que sobre ele mais se têm debruçado (A. M.
Baptista e M. V. Gomes), uma sequência evolutiva. No entanto, a evolução defendida por cada um deles é diferente.
Assim, para A. M. Baptista, a tipologia das iguras geométricas, como a espiral, presentes em diversas culturas cronologicamente e geograicamente muito afastadas, são
símbolos “cuja larga expansão mediterrânica e atlântica
não é passível da redução difusionista por muito tempo
defendida por velhos representados pela sua Fase III. É justamente nesta fase, claramente geométrica e esquemática,
no entender daquele arqueólogo, que pontiicam os “círculos” simples (ou antes, “circunferências”, querendo ser
rigoroso na terminologia) – presentes já na Fase II – e seus
derivados, “círculos” concêntricos com o centro assinalado
por punctiforme, além de outras iguras geométricas, admitindo-se mesmo, “que tenha, a partir de certo momento,
substituído a espiral no tipo de associação especialmente com zoomorfos” (Baptista, 1981, p. 41). Na estação
do Cachão do Algarve, a associação da circunferência a
uma igura humana, de que constitui o ventre – tendo sido
interpretada por A. M. Baptista, por essa razão, como muito
possivelmente feminina – coloca a questão do signiicado
simbólico deste motivo geométrico, tema que, naturalmente,
não será agora objecto de discussão, sem deixar, contudo,
de se referir que é frequente a sua conotação com representações astrais. O referido autor apresenta, para a fase III
da rocha F-155, onde estão presentes as circunferências,
uma cronologia já do Bronze Pleno, o que naturalmente
não implica que todas as iguras deste tipo, presentes nas
restantes rochas das diversas estações do complexo, sejam
Fig. 9 – Pormenor do sector norte da escavação de Lavajo 1.
Em primeiro plano, observa-se o alvéolo de fixação do grande menir
(menir n.º 1), de planta elipsoidal e fundo aplanado, escavado nos
xistos carboníferos sub-aflorantes. Em segundo plano, vê-se o rasgo,
feito com pá mecânica, em 1994, destinado à fixação do menir, com
a ajuda de fragmentos de outros menires (ver Fig. 5).
dessa época. Com efeito, em 1978, o mesmo autor, com
Manuela Martins, discutindo o faseamento das insculturas
da estação de São Simão, pertencente também ao complexo
do Tejo, e onde se reconheceram 562 circunferências simples, correspondentes a 37,3% das representações identiicadas, integraram-nas na Fase III, a qual, conjuntamente
com a Fase II, foi correlacionada coma cultura megalítica
alentejana, a qual, como é sabido, se inscreve essencialmente no Neolítico Médio e Final, e que os próprios autores
situam, no trabalho referido, com terminus cerca de 2500
a.C. (Baptista, Martins e Serrão, 1978). Ora, esta conclusão
encontra-se em pleno desacordo com a cronologia apontada
por M. V. Gomes para o seu período dos “círculos e linhas”
da arte do vale do Tejo, o qual se incluiria já na Idade do
Ferro, descendo a sua cronologia até à época de Cristo
(Gomes, 1990, p. 172). No entanto, a iconograia da chamada
“arte megalítica” tanto a pintada como a insculturada no
interior dos monumentos megalíticos do Centro e do Norte
de Portugal – onde abundam circunferências e linhas onduladas, a par de outros motivos, incluindo representações
antropomóricas, zoomóricas e estelares – parece dar razão
à cronologia apontada por A. M. Baptista e M. Martins para
a última fase de S. Simão, onde, como se viu, pontiicam
as circunferências simples. Tal iconograia é, com efeito,
compatível com as representações esquemáticas patentes
em diversos menires alentejanos, com destaque para a
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Conjunto Megalítico do Lavajo
Fig. 10 – Planta da área escavada em Lavajo 1. O corte A-B evidencia o perfil do alvéolo de fixação primitivo do grande menir (menir n.º 1),
enquanto o corte C-D intersecta pequena depressão, existente no sector sul da área escavada, correspondente eventualmente ao fundo do
alvéolo de fixação de um dos outros dois menires identificados.
Fig. 11 – Levantamento gráfico do grande menir
de Lavajo 1 (menir n.º 1).
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Conjunto Megalítico do Lavajo
Fig. 12 – Pormenor da superfície insculturada do grande menir de Lavajo 1 (menir n.º 1), obtido com luz artificial rasante. No alto, ao centro,
observa-se triângulo isósceles invertido, com a base intersectada por traço vertical, com aparente prolongamento radiado a partir do vértice
(ver Fig. 11).
estela-menir do Monte da Ribeira, Reguengos de Monsaraz
– que, segundo os autores que a publicaram, se situará no
último quartel do IV milénio a.C., ou na transição para o
milénio seguinte – época em que ocorrem, até com abundância, as circunferências com centro ocupado por punctiforme, para além de outros motivos geométricos (Gonçalves,
Balbín Behrmann e Bueno Ramírez, 1997). Na verdade, é
frequente a presença de circunferências gravadas em outros
monólitos alentejanos do distrito de Évora, associadas a
“covinhas” (Gomes, 1994); mais raramente, aquela igura
aparece em alto-relevo, como no menir de Vidigueiras,
associada a um “báculo”, também em alto-relevo (Gomes,
1997).
A estela-menir n.º 3 (Fig. 8), oferece uma temática também
pouco característica. Com efeito, representações de “covinhas” dispostas aleatoriamente, como as observadas no
monólito em apreço em uma das faces maiores, podem ter
sido feitas ao longo de milénios, com intuitos hoje difíceis
de vislumbrar. Crê-se, todavia, que a sua presença em certos
monumentos megalíticos esteja directamente relacionada
com a sua utilização primária. Assim, um dos dois menires
implantados na periferia do dólmen da Granja de São Pedro,
Idanha-a-Velha, possuía um dos lados profusamente insculturado com tais elementos, de várias dimensões (Almeida e
Ferreira, 1970, Est. II, ig. 1), os quais, segundo os mesmos
autores, são extensivos a alguns dos esteios do monumento.
A observação da fotograia publicada sugere que as “covinhas” se desenvolviam alinhadas segundo o próprio alongamento do monólito, tal como se veriica no menir n.º 1
do Lavajo 1. Ainda no sul da Beira Baixa, é de assinalar a existência de numerosas rochas com “covinhas”
insculturadas, as quais, por um lado, foram correlaciona-das com monumentos dolménicos e, por outro, com
ermidas, revelando, segundo diversos autores, uma imemorial tradição da utilização daqueles lugares como espaços
sagrados e simbólicos (Henriques, Caninas e Chambino,
1995). Aliás, a existência de “covinhas” foi assinalada pelos
mes-mos autores num bloco de granito, servindo de ombreira da porta a um palheiro perto da capela da Senhora da
Graça, Vila Velha de Ródão, que admitem ter sido originalmente um menir. Já na rica região megalítica do Alto
Alentejo, um dos dois menires da Charneca de Vale Sobral
(Nisa), possuía uma das faces repleta de “covinhas”, as
quais ultrapassariam o limite exposto da peça, quando
colocada verticalmente. Os autores, concluem que “houve,
portanto, a intenção de as deixar enterradas e encobertas,
pelo menos em parte, quando a peça estivesse levantada,
facto que sugere a hipótese das covinhas estarem conotadas
com a terra ou com um nível cosmológico subterrâneo onde
residiriam as forças telúricas” (Monteiro e Gomes, 1977,
p. 200). Esta observação reveste-se de muito interesse, por
vir conferir um signiicado a algumas das insculturas do
menir do Monte da Ribeira e a algumas patentes no menir
n.º 1 do Lavajo 1 que se encontrariam também ocultas,
visto se situarem na parte primitivamente enterrada dos
monólitos. Terá sido, igualmente, tal razão que explica os
casos de os esteios ou a cobertura da câmara de diversos
dólmens do Alto Alentejo se apresentarem decorados por
numerosas “covinhas”, que nada indica terem sido produzidas após a erosão do montículo tumular. A título de exemplo,
cita-se apenas as inúmeras referências que tanto Vergílio
Correia, no tocante aos dólmenes da região de Pavia (Correia,
1921), como Georg Leisner (Leisner, 1949), fazem quanto à
existência de tais insculturas. Mais recentemente, foi referida a existência de dois esteios-estela, marcando a entrada
do corredor da Anta 2 do Olival da Pega (OP 2), com centenas
de covinhas insculturadas (Gonçalves, 1999).
Outro monumento funerário que revelou ligação a um monólito decorado, foi o dólmen de falsa cúpula de Vale de
Rodrigo, Évora; onde uma estela-menir que se encontrava
tombada, junto da entrada, ostentava, entre outros motivos, várias “covinhas” insculturadas (Gonçalves, 1975,
p. 8). Esta situação encontra estreito paralelo na grande
estela-menir tombada junto ao limite da mamoa da Anta
Grande do Zambujeiro, Évora, em cuja superfície exposta
são também visíveis numerosas “covinhas” (Gomes, 1997).
Também na notável região megalítica de Reguengos de
Monsaraz se reconheceram “covinhas”, tanto em menires
como em rochas insculturadas. Sem ter a preocupação de
esgotar o tratamento deste assunto, importa, no entanto,
assinalar alguns exemplos mais directamente conotáveis com
a estela-menir n.º 3 de Lavajo 1 e, em especial, com o alinhamento de “covinhas” nela observado, ao longo de um
sulco previamente delineado. O alinhamento de “covinhas”
observado no menir n.º 3 do Lavajo 1, tem paralelo, embora
não tão nítido, no grande menir fálico da Herdade do Xarez,
Reguengos de Monsaraz, encontrado já tombado, onde J. P.
Gonçalves identiicou alinhamento de 13 “covinhas” (Gonçalves, 1972, Fig. 11, 1976, p. 44). A reapreciação deste notável menir, que ocupava a área central de ainda mais notável recinto, considerado como possuindo planta sub-quadrangular, constituído por cerca de 50 menires, foi
recentemente efectuada, no âmbito dos trabalhos arqueológicos de minimização dos impactes do projecto de Alqueva.
Deste modo, foi possível contabilizar em vinte e oito o
número de covinhas ali patentes, das quais 7 deinem o
alinhamento já identiicado por Pires Gonçalves, enquanto
outras se organizam de forma menos evidente. Tais covinhas também ocorrem em cinco dos menires periféricos,
com destaque para o menir 51, com dez, executadas no
topo, que é aplanado, cuja distribuição sugeriu a utilização
no “jogo da serpente” (Gomes, 2000, Quadro VI e Fig. 80,
81). Outro paralelo importante da mesma região é o menir
1 dos Perdigões, o qual exibe um dos lados totalmente
preenchido por “covinhas”, organizadas nitidamente segundo uma linha longitudinal que percorre, a todo o comprimento, o monólito (Gomes, 2000, Fig. 78).
No santuário exterior do Escoural, Montemor-o-Novo, cuja
cronologia remonta aos inais do IV/inícios do III milénio
a.C., uma das associações encontradas era constituída por
alinhamentos de pequenas “covinhas” (Gomes, Gomes e
Santos, 1983, Fig. 5, J), cuja disposição não se pode considerar como aleatória. Por último, e sem a preocupação de
apresentar um levantamento exaustivo das ocorrências de
“covinhas” alinhadas na arte megalítica, reira-se que o recinto do Monte Novo, nos Chãos de Sines, “inclui pequenos
35
36
Conjunto Megalítico do Lavajo
menires estelares, um deles decorado com covinhas alinhadas” (Gomes, 1997, p. 33).
Em território espanhol, devem mencionar-se alguns monólitos cujas características os aproximam das descritas.
Tal como se veriica em Portugal, situar-se-ão, genericamente, no Neolítico Final/Calcolítico. É o caso do menir de
Guadyerbas, Toledo, o qual possui, numa das faces, complexa teoria decorativa organizada longitudinalmente, cujo
centro é ocupado, tal como no exemplar de Alcoutim, por
um alinhamento de “covinhas” que, nalguns casos, se encontram ligadas por sulco, ondulado, que parte da base do
monólito (Bueno Ramírez et al., 1999, Fig. 13). Trata-se do
exemplar que maiores semelhanças exibe com o português,
conquanto seja mais pequeno, pois tem apenas 1,26 m de
comprimento, comparativamente aos 3,14 m deste último.
Ainda na província de Toledo, os referidos autores escavaram o dólmen de Navalcán, no interior de cuja câmara depararam, ainda na posição primitiva, com estela-menir
decorada; outros monólitos, igualmente decorados (um
menir e diversos esteios) foram encontrados no decurso da
escavação deste monumento funerário. É a referida estela,
claramente antropomórica (já que é munida na parte inferior de um cinturão, como o menir do Monte da Ribeira) e
de aspecto fálico, que, no contexto deste estudo mais importa referir: com uma altura acima do solo primitivo de
1,55 m, possuía uma das faces decoradas com diversas
linhas onduladas, onde avulta uma grande serpente em baixo-relevo que ocupa toda a parte central do referido lado. O
lado oposto mostra um conjunto de “covinhas” orientadas
também ao longo do comprimento do monólito; num dos
lados menores, entre outros motivos, avulta um “báculo”
em alto-relevo (Bueno Ramírez et al., 1999, Fig. 33-39). Enim, são ainda os mesmos autores a assinalar no complexo
dólmen de El Guadalperal (Cáceres), a associação de linhas
onduladas e serpentiformes a “covinhas”, em uma grande
estela-menir ali reconhecida, implantada à entrada da câmara. Aliás, a associação de linhas onduladas, para além de
“covinhas”, também se veriica a circunferências, como a
representada no menir n.º 1 de Lavajo 1; na Galiza, a
Mámoa de Braña possuía diversos esteios insculturados
com tais elementos, dos quais um evidencia também uma
organização longitudinal, acompanhando o comprimento
do monólito (Bueno Ramírez e Balbín Behrmann, 1999,
Fig. 13, n.º 2).
Serpentiformes, linhas insculturadas em zigue-zague e outras
representações esquemáticas, incluindo uma elipse associada a cruciforme, como a observada no grande menir
n.º 3 de Lavajo 1 e considerada como símbolo sexual feminino, podem observar-se em esteio do dólmen de Corao-Abamia, Astúrias, reproduzido por H. Obermaier (1924,
Fig. 11). O autor, no citado trabalho, dedicado ao estudo do
dólmen de Soto, Huelva, reproduz, deste, várias insculturas observadas em diversos esteios da galeria. Entre estas,
devem destacar-se, por possuírem paralelos directos nos
menires de Lavajo 1, os seguintes motivos:
2
1
• numerosas “covinhas”, como as do esteio 31, do lado esquerdo do monumento;
• três circunferências dispostas em linha horizontal, no esteio 15, do lado esquerdo do monumento;
• um curioso motivo, conotável com representação sexual
feminina, constituída por dois triângulos isósceles, dispostos simetricamente, com as respectivas bases paralelas, unidas ao centro por segmento vertical (Obermaier,
1924, Lám. VII, A, B, C), directamente comparável ao motivo triangular do menir n.º 3 do Lavajo 1.
3
Representações similares, de triângulos simples, intersectados por segmentos verticais, expressando claramente o
triângulo púbico feminino são, aliás, conhecidas em contextos calcolíticos da Estremadura portuguesa; entre eles,
avultam o ídolo cilíndrico de calcário, de Leceia (Cardoso,
1995) e várias placas de barro rectangulares, utilizadas como
elementos de tear (Jalhay e Paço, 1945, Fig. 11, n.º 7; Paço
e Arthur, 1952, Fig. 3, n.º 1), com diferenças menores: é
que, enquanto no triângulo simples do menir em análise
(Fig. 11) e nos duplos triângulos do dólmen onubense, o
traço vertical correspondente à abertura vaginal intersecta
a base dos triângulos, sem atingir o vértice oposto, nos
exemplares calcolíticos estremenhos, o referido traço passa,
ao contrário, pelo referido vértice, sem atingir a base. É evidente que a semelhança entre ambos os grupos é maior que
as respectivas diferenças, conferindo às iguras presentes nos megálitos referidos (dólmen de Soto e menir n.º 1
de Lavajo 1), um signiicado sexual feminino difícil de negar.
A província de Huelva, área geográica importante no âmbito
da presente discussão, visto tratar-se de região imediatamente adjacente à de Alcoutim, forneceu, igualmente, um
Fig. 14 – Localização dos núcleos de Lavajo 1 (1), Lavajo 2 (2) e da
anta do Malhão (3). Extracto da Carta Militar de Portugal (formato
digital) na escala de 1/25 000, folha n.º 575, Lisboa, Instituto
Geográfico do Exército, Secção de Fornecimento de Informação
Geográfica, 2004 (reduzida).
Fig. 13 – Materiais arqueológicos exumados em Lavajo 1: 1 – enxó
de anfibolito, intacta, recolhida nas terras de revolvimento na adjacência da área escavada; 2 – fragmento de vaso esférico, recolhido
no fundo da pequena depressão identificada no sector sul da área
escavada (ver Fig. 10).
conjunto de insculturas rupestres a céu aberto: trata-se do
sítio de Los Aulagares, Zalamea la Real, Huelva (Amo, 1971).
Identiicaram-se três conjuntos de aloramentos gravados,
onde são exclusivos os motivos geométricos representados,
quase exclusivamente por circunferências e suas variantes,
constituídas por diferentes soluções decorativas do seu interior, normalmente radiado ou compartimentado. Neste
contexto estritamente geométrico, têm pertinência os comentários anteriormente apresentados relativamente à fase
tardia da arte do Tejo, igualmente representada por iguras
37
38
Conjunto Megalítico do Lavajo
congéneres, conquanto as onubenses denotem uma maior
especiicidade local e características decorativas próprias
(que as aproximam de algumas estações da arte rupestre
galaico-portuguesa, já da Idade do Bronze, como é o caso
do Outeiro dos Riscos, Vale de Cambra). Foram designadas
por M. del Amo por “círculos com raios e pontos”, situando-as em momento que corresponderia às derradeiras construções dolménicas da região – como o supracitado dólmen
de Soto – e as primeiras sepulturas cistóides do Bronze Antigo, dos inícios da primeira metade do II milénio a.C.: na
própria região de Alcoutim, o primeiro signatário dirigiu a escavação de uma destas grandes cistas, com espólio
calcolítico, em Cerro do Malhão, Martim Longo. No grande
menir de Lavajo 1, apenas uma inscultura se aproxima das
circunferências radiadas características do conjunto rupestre
de Los Aulagares: trata-se da associação do já mencionado
triângulo isósceles invertido a uma circunferência cujo centro coincide com o vértice do triângulo (Figs. 9 a 11). Parece
claro que a arte esquemática rupestre da Idade do Bronze
do ocidente peninsular, corresponde a um continuum, com
origens imediatas na própria arte esquemática megalítica,
origem que, entre outros, já E. Mac White tinha assinalado
(Mac White, 1951, p. 37). De tal constatação decorre que a
Lavajo I
periodização apertada, feita como que em compartimentos
não comunicantes, em que a evolução se processaria “por
saltos”, segundo o modelo proposto por E. Anati, seguido
de perto por diversos autores, não pode ser mais aceite: é
nesse sentido que as pertinentes críticas de A. M. Baptista
e do próprio M. del Amo apontam. Com efeito, a evolução
artística patente na arte esquemática, além do marcado
regionalismo que a caracteriza, foi, de facto, fenómeno
complexo, que não se compadece com a mera classiicação
“por catálogo” dos motivos elementares, que não devem
interpretar-se como entidades isoladas, separando-os artiicialmente do todo de que izeram (e fazem) parte integrante. Já M. Almagro, admitiu que a arte das estelas “extremeñas” da Idade do Bronze, se deveria procurar na arte
esquemática megalítica (Almagro, 1966): e, com efeito, no
estado actual dos nossos conhecimentos, tal convicção parece mais forte do que nunca, sendo ilustrada, por exemplo,
pela clara continuidade entre as estelas-menires diademadas calcolíticas e as suas congéneres, dos inícios da
Idade do Bronze, a ponto de ser problemática a separação
entre umas e outras. No quadro da discussão que vem sendo
apresentada, importa sublinhar, a propósito da evidente
continuidade artística aludida, a estreita analogia, não
Lavajo II
Fig. 16 – Localização dos núcleos megalíticos de Lavajo 1 e Lavajo 2 na paisagem envolvente (vista de Leste-Oeste).
certamente ocasional, que se pode estabelecer entre algumas composições galaico-portuguesas e o motivo que, no
grande menir do Lavajo 1 (menir n.º 1), condicionou todo o
discurso decorativo nele patente: trata-se do sulco longitudinal rectilíneo, pontuado de “covinhas”, que também se
observa no menir de Guadyerbas (Toledo), o qual tem o seu
paralelo mais próximo, já da Idade do Bronze, na estação
rupestre galaico-portuguesa da “Laxe do Xubiño”, em Combarro (Sobrino Buhigas, 1935, Fig. 148): ali, observam-se
Fig. 15 – Localização dos núcleos megalíticos de Lavajo 1 e Lavajo 2, em esboço geomorfológico simplificado da região
envolvente (vista de Leste-Oeste).
linhas ramiicadas, materializadas em sulcos a partir de um
ponto comum, pontuadas interiormente por uma sucessão
de múltiplas “covinhas”. A este exemplo, outros se poderiam
juntar, ainda mais longínquos, como o menir irlandês de
Seskilgreen, Tyrone (Coffey, 1977, Fig. 85), no qual o espaço
decorado se encontra nitidamente separado oblíquamente,
por uma sucessão de “covinhas” cuidadosamente alinhadas.
39
40
Conjunto Megalítico do Lavajo
3 - TRABALHOS REALIZADOS E RESULTADOS OBTIDOS - LAVAJO 2
O núcleo megalítico de Lavajo 2, situa-se no cerro fronteiro
ao de Lavajo 1, apenas a 250 m a NNE, dele se encontrando
separado pelo pequeno vale do Lavajo (Fig. 14 a 16), sendo
ambos intervisíveis na actualidade (o que não signiica que
tivesse sido sempre assim, dada a provável existência na
época de cobertura arbórea mais importante). A região é
caracterizada por múltiplos cerros ondulados e regulares,
característicos do modelado dos terrenos xisto-grauváquicos
carboníferos da serra algarvia, expressivamente designados
por Orlando Ribeiro por “mar de xisto”.
Obtida, nesse mesmo ano, a autorização para ali se proceder
a trabalhos arqueológicos, foi então veriicada a existência,
por terra, de três grandes monólitos de grauvaque, removidos da sua posição primitiva e uma depressão alongada
no terreno, coberta de vegetação, seguramente resultante
do arranque mecânico dos referidos monólitos (Fig. 17). No
fundo da referida depressão, jazia, em posição quase vertical, uma bela placa de grauvaque moldurada, cuidadosamente polida (Figs. 18 e 19). Assim sendo, o sítio foi considerado provisoriamente como correspondendo a monumento megalítico funerário, muito destruído.
mostram, invariavelmente, uma das extremidades com fracturas mais ou menos recentes, correspondente à que se
encontrava exposta aos agentes meteóricos e às diversas
acções antrópicas, com destaque para a lavoura. Deste modo,
as extremidades conservadas intactas correspondem sem
dúvida às primitivamente enterradas. Em dois casos, aquelas exibem evidente afeiçoamento, apresentando-se convexas ou muito convexas (Fig. 20, n.º 1; Figs. 22 e 23).
O mau tempo que caracterizou quase todo o Outono de
2000 e o Inverno de 2001, não permitiu a realização da
escavação, a qual apenas se veio a concretizar em Junho de
2001. Os trabalhos tiveram dois objectivos: o primeiro, consistiu no levantamento cuidadoso da superfície dos monólitos, com o intuito de neles se identiicarem insculturas rupestres, à semelhança do realizado para o conjunto
precedente. Após limpeza, foram todos desenhados (Figs.
20 e 21), evidenciando-se, apenas, importante trabalho de
afeiçoamento e de regularização das superfícies, por picotagem, particularmente num deles (Figs. 21 e 22). Todos
Tornava-se, deste modo, claro, que tal rasgo, pelas suas dimensões e características, não correspondia à câmara de
um monumento megalítico, mas sim ao alvéolo de fundação
das três estelas-menir encontradas já fora das suas posições
primitivas. A conirmar esta conclusão, é de destacar a existência de um fragmento de estela-menir ainda in loco, na
extremidade oriental da escavação (Fig. 25).
Tendo em conta a geometria do referido rasgo, conclui-se
que as quatro estelas-menir teriam constituído originalmente um alinhamento contínuo, unidas topo a topo, com
orientação geral Este-Oeste, formando deste modo uma espécie de painel lítico. No decurso da escavação ocorreram
diversos artefactos ritualmente depostos na fundação das
estelas-menir, os quais se enumeram de seguida:
Fig. 18 – Lavajo 2: pormenor da depressão provocada no terreno
pelo arrancamento das estelas-menires, sendo visível ao centro a
placa de grauvaque intacta, no momento da descoberta, em posição
vertical.
Fig. 17 – Vista do conjunto megalítico de Lavajo 2 antes do início dos trabalhos arqueológicos, com três estelas-menires tombadas no terreno
e a depressão provocada pelo arrancamento daquelas. Em último plano, na linha do horizonte, observa-se o grande menir do Lavajo 1.
ou cunhas ali colocadas para a sua melhor ixação ao
terreno (Fig. 24).
Depois de limpo o terreno, iniciou-se à escavação em área,
a qual pôs a descoberto, não o que se julgava ser a câmara
de um dólmen, mas sim uma depressão alongada, repleta
de blocos de grauvaque de forma aparentemente desordenada. A prossecução da escavação veio evidenciar o modo
de construção deste dispositivo, iniciado pela abertura de
rasgo no substrato geológico, constituído, tal como no locus
anterior, por xistos inamente folheados do Carbónico.
Com o comprimento aproximado de 4 m e a largura média
de 0,60 m, não foi possível atingir a parte mais funda da
depressão, visto encontrar-se preenchida por blocos de
grauvaque de tamanho e formato diversos, os quais, nalguns
casos, assumiam aspecto tabular, conservando ainda as
posições originais entre si (Fig. 23). Em particular, merece
destaque um sector na parte média da área escavada, onde
os blocos de grauvaque, de formato tabular, se apresentam
paralelos, separados por espaço intermédio onde se ixava
a base de uma das estelas-menir, servindo assim de calços
1 – placa sub-quadrangular de grauvaque ino, cinzento-esverdeado, decorada apenas por um sulco, inciso, ao longo dos lados de uma das faces, passando pelo furo de suspensão, bicónico, existente no centro de uma das faces
menores (Fig. 19). Apresenta-se cuidadosamente polida,
mas sem indícios de qualquer representação na face esquadriada. É possível, no entanto, que aquela exibisse pintura a
vermelho, atendendo a eventuais vestígios da sua existência. Esta peça, de extrema raridade, foi recolhida antes
da realização da escavação, jazendo de cutelo, no interior do
alvéolo de ixação. A reconstituição da posição da peça na
área que veio ulteriormente a ser escavada, indica que ocuparia aproximadamente posição central (ver Fig. 23).
2 – grande sacho, de secção subcircular, de grauvaque de
grão grosseiro, esverdeado, com a superfície sumariamente
afeiçoada por picotagem. Possui marcas evidentes de percussão numa das extremidades, compatíveis com utilização
como sacho, hipótese reforçada pela concavidade de uma
das faces, de formato adequado à ixação do respectivo cabo.
A extremidade oposta apresenta-se com fractura fresca. Foi
recolhido à superfície, do lado oriental da escavação (Fig.
26, n.º 10).
3 – grande formão de gume dissimétrico, afeiçoado num seixo
alongado de rio, de grauvaque esverdeado. Toda a superfície do objecto foi polida e o gume apresenta-se intacto
(Fig. 26, n.º 6). Foi recolhido com o gume apontado para
baixo, em posição oblíqua, no lado oriental da escavação,
tal qual a placa de grauvaque anteriormente referida (Fig. 27).
41
42
Conjunto Megalítico do Lavajo
4 – fragmento de machado de secção elipsoidal, de ibrolite,
totalmente polido na parte conservada, correspondente a
cerca de um quarto do volume original, incluindo parte do
gume, que se apresenta intacto (Fig. 26, n.º 9). Foi recolhido
na parte ocidental da escavação.
de seta, ou em artefacto compósito. Provém do lado
oriental da escavação.
7 – lasca de quartzo branco semi-translúcido podendo corresponder à extremidade de uma raspadeira espessa. Tal
hipótese é sugerida pela existência de escassos levantamentos abruptos, a partir do gume, muito convexo (Fig.
26, n.º 1). Provém das terras do exterior da área escavada.
5 – ponta de seta de base côncava, intacta, de sílex zonado,
cinzento e esbranquiçado (Fig. 26, n.º 3). Provém do lado
oriental da escavação.
8 – lasca de talhe de sílex esbranquiçado, desprovida de
trabalho (Fig. 26, n.º 8). Provém das terras do exterior da
área escavada.
6 – micrólito de sílex castanho de superfície brilhante, sugerindo tratamento térmico, de contorno sub-triangular,
com um dos lados inamente trabalhado por retoques abruptos e o lado oposto por retoques marginais descontínuos,
formando uma ponta perfurante. A base, convexa e oblíqua, mostra regularização a partir de ambas as faces (Fig.
26, n.º 2). Poderia ser utilizada individualmente, como ponta
9 – lasca de sílex castanho-amarelado, com retoque contínuo
num dos bordos, dando origem a gume levemente denticulado. Raspador simples convexo denticulado (Fig. 26,
n.º 7). Provém da zona exterior da escavação, tendo sido
recolhida junto do seu extremo Oeste.
10 – recolheram-se apenas três fragmentos cerâmicos e,
destes, dois são fragmentos de bordo. Trata-se de porção
de taça de bordo “almendrado”, de pasta grosseira, com
abundantes e. n. p. de quartzo, feldspatos e ferromagnesianos (Fig. 26, n.º 4) e porção de bordo correspondente a taça
em calote (Fig. 26, n.º 5). Provêm do lado ocidental da escavação e apresentam as superfícies erodidas (particularmente o bordo “almendrado”), o que é compatível com a
fraca profundidade que aquela atingiu desse lado.
***
Fig. 19 – Lavajo 2: grande placa lisa de grauvaque, finamente polida,
com uma das faces moldurada por sulco periférico, possuindo furo
de suspensão bitroncocónico, recolhida no interior do alvéolo de fixação do conjunto megalítico de Lavajo 2, em posição vertical, antes
do início das escavações.
Fig. 20 – Estelas-menires n.º 2 e 3 de Lavajo 2, de grauvaque, com
as extremidades superiores truncadas e mutiladas pelos trabalhos
agrícolas. As superfícies de ambas mostram-se parcialmente
regularizadas por picotagem.
No conjunto, o espólio recolhido na escavação do alvéolo
de sustentação das estelas-menir de Lavajo 2 pode subdividir-se em dois grandes grupos: o primeiro, corresponde
às peças que não se podem relacionar com o ritual da fundação da estrutura: trata-se do sacho (Fig. 26, n.º 5) e do
bordo de taça “almendrado” (Fig. 26, n.º 3), para além de
diversas lascas mais ou menos trabalhadas em diversos artefactos (Fig. 26, n.º 1, 6 e 9). O sacho, feito de grauvaque,
rocha disponível no local, evoca modelo arcaico; mas trata-se de objecto grosseiro, destinado ao trabalhos dos solos
esqueléticos e pedregosos da região, pelo que a sua tipologia poderá, simplesmente, expressar uma adequada adaptação às funções pretendidas. As lascas não possuem,
igualmente, recorte tipológico suiciente para se poder optar
por qualquer época em particular. Já o mesmo não sucede
com o fragmento cerâmico, que indica época calcolítica.
Porém, o facto de se tratar de exemplar muito erodido, e a
posição sub-supericial a que foi recolhido, incompatível
com a profundidade a que jaziam os artefactos ritualmente
depositados no alvéolo de fundação das estelas menir faz
aceitável admitir que se trata de uma peça mais moderna.
De entre as peças recolhidas seguramente no alvéolo de fundação dos monólitos, avultam algumas que importa referir
em particular. Assim, o micrólito inamente retocado, executado sobre lâmina (Fig. 26, n.º 7) é uma peça que poderá
remontar ao Neolítico Final, tal como o fragmento de
machado de ibrolite (Fig. 26, n.º 2) e o grande formão totalmente polido (Fig. 26, n.º 4); o mesmo é válido para a ponta
de seta de base côncava inamente retocada, cuja tipologia
se prolonga pela época calcolítica (Fig. 26, n.º 8).
A bela placa de grauvaque (Fig. 19) possui estreitos paralelos com exemplar de arenito incompleto da Anta Grande
da Comenda da Igreja, Montemor-o-Novo, atribuível igualmente ao Neolítico Final, conquanto seja maior a espessura
e a profundidade do sulco marginal (Leisner e Leisner, 1959,
Tf. 27, n.º 76). Outro paralelo que importa referir é constituído por duas placas, igualmente de arenito, recolhidas na
necrópole do Neolítico Final da gruta do Escoural, Montemor-o-Novo (Santos, 1971, Est. 1). Numa, o contorno apresenta-se elipsoidal e o sulco que possui apenas acompanha parte do perímetro de peça, a qual é munida de um
furo de suspensão. A outra placa difere da anterior pelo
sulco periférico se encontrar substituído por cordão em
alto-relevo. Enim, na gruta natural do Correio Mor, Loures,
recolheu-se fragmento de uma placa em tudo idêntica às
anteriores, e, como estas, reportável também ao Neolítico
Final, já publicada por um de nós (J. L. C.).
O objectivo que parece transparecer nestas placas lisas foi
a criação de um espaço interior, plano e regular, que poderia ter recebido pintura: neste sentido, deve ser referida a
grande placa sub-rectangular, de bordos bombeados e totalmente regularizada, com vestígios de pintura a ocre vermelho do enterramento da Mamoa 3 de Pena Mosqueira,
Sanhoane (Sanches, 1996, Fig. 18), pese embora as suas
maiores dimensões e a ausência de furo para suspensão.
Outra placa, recolhida por José Coelho na anta do Vale de
Fachas (Viseu), possui dois furos de suspensão e pinturas a
ocre vermelho, na sua parte inferior (Coelho, 1912, Fig. II),
conquanto incompleta. Trata-se de monumento dolménico de longo corredor e câmara poligonal, inserível igualmente no Neolítico Final.
43
44
Conjunto Megalítico do Lavajo
É ainda de referir como exemplar comparável, um fragmento
de placa de xisto, de ina espessura, com um sulco gravado
esquadriado, em ambas as faces. Provém de uma sepultura
de Castro Marim, recentemente reestudada e considerada
como de câmara circular desprovida de corredor, com paralelos neolíticos andaluzes. Com efeito, a datação de uma
tíbia humana do único indivíduo nela tumulado, deu os
seguintes intervalos, para dois sigma: 3370-3030; 2970-2930 cal BC (Gomes, Cardoso e Cunha, 1994, Fig. 3, C),
cronologia compatível com o Neolítico Final regional. Das
comparações efectuadas, veriica-se que todos os exemplares
citados pertencem ao Neolítico Final; a estes, poder-se-ão,
ainda, juntar exemplares de arenito, referidos por Victor S.
Gonçalves das grutas de Alcobaça como possuindo igualmente um sulco periférico. Com efeito, o autor refere a
falta de decoração que caracteriza tais peças, chamando,
signiicativamente, a atenção, para os raros casos em que
se observavam esquadrias ou traços de delimitação do perímetro, exactamente como na placa em discussão (Gonçalves,
1978). Nas colecções portuguesas conhecem-se de há muito
placas lisas de arenito, sem sulco periférico, nalguns casos
possuindo furos de suspensão: um dos casos mais notáveis
é o da placa recolhida nas grutas do Poço Velho, Cascais
(Paço, 1941, Est. VI), com um furo de suspensão bicónico
numa das extremidades. Tais placas, frequentes em diversas
necrópoles em gruta natural do Neolítico Final da Estremadura, como a Lapa do Bugio, Sesimbra (Cardoso, 1992),
a Lapa da Galinha (J. R. Carreira, comunicação pessoal) e
também em diversas antas alentejanas, designadamente de
Montemor-o-Novo (escavações inéditas de Manuel Heleno),
nalguns casos poderiam ter funções práticas, como polidores; com efeito, mostram por vezes as faces maiores e os
lados bombeados, sugerindo tal utilização. Noutros casos, é
evidente a sua inalidade ritual ou simbólica, com representações antropomóricas mais ou menos explícitas, presentes em diversas estações estremenhas e alentejanas (por
o tema se afastar da essência da presente discussão, apenas
se apresentam algumas referências sem carácter exaustivo):
Outra peça a salientar do espólio recolhido em Lavajo 2 é o
fragmento de machado de ibrolite (Fig. 27, n.º 2). Trata-se de
rocha monominerálica, constituída sobretudo por silimanite ibrosa, de alto grau de metamorismo, cuja ocorrência, ao menos em massas susceptíveis de proporcionarem a confecção de machados como o encontrado, é desconhecida em território português. Um estudo, já antigo,
de O. da Veiga Ferreira, revelou uma distribuição por todo
• gruta do Furadouro da Rocha Forte, Cadaval que forneceu
uma placa onde tais elementos se encontram explicitados por um par de furações troco-cónicas sugerindo os
olhos (Gonçalves, 1990/92, Fig. 93, n.º 20);
• tumulus do monumento da Praia das Maçãs, cujo exemplar mostra um par de olhos ou mamilos em baixo relevo
(Gonçalves, 1982/1983, Fig. 19, n.º 6), semelhante a outro,
das grutas de Alcobaça (Gonçalves, 1978, Est. XXIII).
Fig. 21 – Estela-menir n.º 1 de Lavajo 2, de grauvaque, com a
superfície totalmente regularizada por picotagem. Os sulcos indicados são modernos e resultaram do arranque mecânico recente
do monólito.
Fig. 22 – Em cima: pormenor do afeiçoamento por picotagem da superfície de estela-menir n.º 1 de Lavajo 2; em baixo,
vista geral de uma das faces do mesmo monólito, evidenciando-se o afeiçoamento da superfície e da extremidade inferior,
intacta (ver Fig. 21).
45
46
Conjunto Megalítico do Lavajo
o Alto e Baixo Alentejo, o Algarve (especialmente o sotavento), com uma concentração na Estremadura e outra na
Beira Baixa; mais raramente, ocorrem exemplares na Beira
Alta, Beira Litoral e Minho (Ferreira, 1953). Trata-se, pois,
de um bom indicador da circulação transregional, desde
pelo menos o Neolítico Final, de matéria-prima que, pelas
suas características peculiares (textura, coloração) era propícia a artefactos polidos de inalidades essencialmente
rituais, já que raramente ocorrem com vestígios de utilização, sendo, ao contrário, frequentes as peças-miniatura,
mesmo em contextos habitacionais, cujo signiicado não
utilitário é evidente.
Também a enxó de anibolito (Fig. 13, n.º 1) recolhida
no núcleo megalítico de Lavajo 1 possui inquestionável
origem exógena à região. Trata-se de rocha cuja origem
mais provável, tendo em conta a distância, se pode situar
no Baixo Alentejo. Com efeito, na Zona de Ossa/ Morena,
conhecem--se aloramentos susceptíveis de fornecerem tal
tipo petrográico, bem representado na faixa vulcano-sedimentar de idade carbónica de Castro Verde-Grândola.
Fig. 24 – Pormenor do
sector central do alvéolo
de fixação das estelas-menires de Lavajo 2,
observando-se duas
cunhas de grauvaque
dispostas paralelamente,
para melhor ajustamento
da base do correspondente monólito. Do lado
direito, evidencia-se o
rasgo aberto no substrato geológico, constituído por xistos do
Carbonífero marinho.
Por último, as peças de sílex encontradas, que poderiam
integrar, tendo presentes as suas características, qualquer
contexto do Neolítico Final da Estremadura ou do Sul de
Portugal, possuem também origem exógena. Assim, o sílex
ocorre no concelho de Vila do Bispo, sob a forma de nódulos
nos calcários jurássicos. Trata-se de matéria-prima de coloração frequentemente acastanhada ou rosada, ocorrendo
também o sílex esbranquiçado. As peças recolhidas em Lavajo 2 poderiam, pois, ter aquela proveniência, ou outra,
mas sempre relacionada com a faixa de calcários jurássicos
que percorre longitudinalmente todo o Algarve, correspondendo ao “barrocal. Com efeito, na região de Tavira,
mais próxima de Alcoutim, foram reconhecidos diversos
níveis de calcários jurássicos com nódulos de sílex, cujas
características não, são, contudo, descritas (Manupella et
al., 1987). É de admitir ainda, eventualmente, como origem
para os artefactos de sílex, a actual Andaluzia: mas a falta
de qualquer estudo petrográico de pormenor impede o
aprofundamento desta discussão.
Em suma, a(s) comunidade(s) que erigiram os dois núcleos
megalíticos do Lavajo, no Neolítico Final, ou nos primórdios do Calcolítico, mantinham uma vasta rede de intercâmbios, tanto com a faixa litoral, como com o interior
alentejano, assegurando o abastecimento de matérias-primas diversas e complementares, certamente já manufacturadas, essenciais ao seu próprio quotidiano.
4 - TRABALHOS DE PROTECÇÃO E DE VALORIZAÇÃO
4.1 - LAVAJO 1
Como atrás se referiu, é o conjunto de Lavajo 1 que encerra
maior interesse patrimonial; deste modo, as acções de valorização deste espaço arqueológico – que se inserem numa
envolvente agora não abordada, incluindo a execução de
um parque de estacionamento automóvel, de um caminho
pedonal, e a implantação no terreno de um painel de localização e explicativo – tiveram como principais objectivos
os seguintes: reposição do grande menir (menir n.º 1) na
sua posição correcta, aproveitando-se o alvéolo de ixação
posto a descoberto nas escavações de Setembro de 1998 e
ulterior modelação do terreno (Fig. 28); consolidação e restauro do menir n.º 3, fragmentado em três porções de grandes dimensões, e ulterior ixação no terreno. O primeiro
destes objectivos foi concretizado sob direcção do primeiro
dos signatários em Julho de 2003, o segundo sob direcção
de outro dos signatários (A. G.) teve a sua concretização em
Abril de 2004. Assim, o reposicionamento do menir implicou a modelação do terreno envolvente: dado que o alvéolo
de fundação se encontrava profundamente escavado no
substrato geológico, duas hipóteses se aiguraram possíveis:
ou o terreno em torno do menir era originalmente plano,
o que implicava que uma parte signiicativa deste se
Fig. 23 – Planta do alvéolo de fixação das estelas-menires de Lavajo 2 e respectivos perfis transversal e longitudinal.
encontrasse enterrada, incluindo alguns motivos insculturados mais importantes; ou, em alternativa, existiria uma
depressão a toda a volta e na adjacência do monólito, dando-lhe desta forma um destaque acrescido no terreno; foi esta
última alternativa que se adoptou, na modelação do terreno
executada, pelas razões expostas (Fig. 30).
Fig. 25 – Vista geral
da escavação do alvéolo
de fixação das estelas-menires de Lavajo 2.
Em primeiro plano, o
único fragmento de
estela ainda in situ.
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Conjunto Megalítico do Lavajo
1
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Fig. 27 – Pormenor da escavação do alvéolo de fixação das estelas-menires de Lavajo 2, observando-se, ao centro, o grande formão,
em posição vertical, na altura da descoberta, com o gume para baixo.
Posição idêntica era da placa de grauvaque, igualmente com a extremidade distal para baixo (Fig. 18).
4.2 - LAVAJO 2
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Fig. 26 – Materiais arqueológicos recolhidos em Lavajo 2. Com asterisco indicam-se aqueles que provêm do alvéolo de fixação do conjunto
megalítico, relacionando-se directamente com o ritual de fundação do monumento:
n.º 1 – fragmento de lasca de quartzo leitoso, com indícios de utilização como raspadeira na extremidade convexa; n.º 2* –micrólito sub-triangular, de sílex castanho-avermelhado, finamente retocado; n.º 3* – ponta de seta de base côncava, de sílex zonado cinzento esbranquiçado, finamente retocada em ambas as faces; n.º 4 – fragmento de taça de bordo almendrado; n.º 5 – fragmento de bordo de pequena
taça em calote; n.º 6* – grande formão, finamente polido, afeiçoado em seixo rolado alongado de grauvaque esverdeado de grão fino;
n.º 7 – raspador simples denticulado sobre lasca de sílex; n.º 8 – lasca de talhe, de sílex esbranquiçado; n.º 9* – fragmento de machado
de secção elipsoidal, de gume intacto, totalmente polido, de fibrolite; n.º10 - grande sacho de secção sub-circular, de grauvaque, afeiçoado
por picotagem e com intensas marcas de utilização.
Após os trabalhos arqueológicos decorridos em 2001, procedeu-se à cobertura dos vestígios detectados, como forma
de os proteger, visto ter sido este o compromisso assumido
com o proprietário do terreno, por um lado e, por outro,
não se justiicar de momento a musealisação do local. As estruturas descobertas na escavação, encontravam-se incluídas numa depressão do terreno correspondente ao alvéolo
de ixação de quatro estelas menires, das quais três já removidas da sua posição original. Tal depressão constituía,
ainda, zona de conservação das águas pluviais, com empoçamentos prolongados, dada a natureza impermeável do
substrato geológico, que não eram benéicos para a conservação das estruturas.
A protecção da área escavada iniciou-se com a colocação
de geotêxtil em toda a sua extensão, seguida do preenchimento com ina camada de gravilha, permitindo a drenagem
lateral das águas da precipitação (Fig.29) e, por último, com
enchimento com terras da própria escavação, conferindo
um aspecto natural à superfície do terreno.
Fig. 28 – Em cima: o grande menir de Lavajo 1 (menir n.º 1) no
decurso da sua recolocação no terreno (Julho de 2003); em baixo:
pormenor do travamento da extremidade inferior do menir no
alvéolo de fixação primitivo (Julho de 2003).
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Conjunto Megalítico do Lavajo
5 - CONCLUSÕES
Os dois núcleos megalíticos escavados, conquanto de características diferentes, relacionavam-se, por certo, entre si.
Distanciados cerca de 250 m, ocupando o topo de outeiro
(Lavajo 1) ou a parte média da crista de elevação fronteira
(Lavajo 2), encontravam-se em posição visual de destaque,
apresentando-se intervisíveis (ao menos na actualidade).
O primeiro núcleo (Lavajo 1), é constituído actualmente por
três menires ou estelas-menir (dois completos ou quase, um
apenas representado por uma grande porção da sua
parte frontal), todos eles decorados. Avulta a decoração
do maior, com diversos paralelos em monumentos homólogos de Neolítico Final do sul do território português.
Dado o estado de remobilização sofrido pelas três peças,
foi apenas possível, no decurso da escavação, conhecer a
posição primitiva de apenas uma delas, impedindo a reconstituição das relações relativas que entre si evidenciavam no terreno. Já o mesmo não sucede com o segundo
núcleo explorado (Lavajo 2). Aqui, embora três dos quatro
monólitos – todos com formato estelar e desprovidos de
decoração, já estivessem deslocados das suas posições
primitivas, à data da escavação, esta permitiu reconstituir,
tendo em conta a morfologia do alvéolo de ixação respectivo, a sua posição original no terreno. Veriicou-se, deste
modo, que deiniam um alinhamento contínuo, com os lados
menores colocados topo a topo, formando uma espécie de
“painel” orientado na direcção de Este-Oeste.
Fig. 29 – Pormenor da conservação executada em Lavajo 2.
As referências a alinhamentos simples de menires no território português são extremamente escassas e imprecisas.
Embora se conheçam na bibliograia alusões a dois possíveis conjuntos, do barlavento algarvio, em Padrão, Vila do
Bispo (Gomes, 1997, p. 147, 148), apenas se encontram
documentadas, com alguma segurança, duas ocorrências,
uma vez que o alinhamento de Tera, Montemor-o-Novo, em
curso de exploração por Leonor Rocha, se inscreverá já na
Idade do Ferro. Uma delas é o monumento de Cerro das
Pedras, Loulé, escavado por Estácio da Veiga. O conjunto é
constituído por, pelo menos, três monólitos, alguns de aspecto estelar (Veiga, 1886, Est. XI), junto dos quais aquele
arqueólogo recolheu um fragmento de placa de xisto, uma
conta discóide, também de xisto, e um trapézio, de sílex,
espólio que, pela natureza, é comparável ao recolhido no
conjunto de Lavajo 2 integrando-se, de igual modo, no
Neolítico Final. De referir que um desses menires, foi identiicado por M. V. Gomes com o exemplar hoje guardado
no Museu de Loulé, de aspecto sub-piramidal, com uma das
faces repleta de “covinhas”, como o menir n.º 3 de Lavajo 1
(Gomes, 1997, Fig. 17, B). No centro do País, foi referenciado um outro alinhamento de pequenos monólitos, integrando o grande menir de Caparrosa, Viseu (Gomes e
Monteiro, 1974/1977).
Os dois núcleos megalíticos em apreço, Lavajo 1 e 2, relacionar-se-iam certamente entre si. Porém, não é possível
caracterizar a natureza das actividades rituais ali realizadas entre os inais do IV milénio a.C. e os inícios do milénio
seguinte (não repugna aceitar para ambos uma cronologia
dos inícios do Calcolítico), até por constituírem um conjunto (melhor, complexo megalítico) sem paralelo no território português. A possibilidade de se tratar de marcos
simbólicos na paisagem, relacionados com a posse/ delimitação de terrenos agrícolas particularmente produtivos
face à pobreza agrícola dos solos xistosos dominantes é de
reter; tais terrenos, de facto, existem localmente, no barranco da Lapa, colmatado de solos onde a horticultura é
possível graças à existência de um poço no qual a água
nunca seca, situado a menos de 100 m do conjunto de
Lavajo 2. “Os menires marcam efectivamente territórios e a
sua visibilidade e impacto simbólico é uma componente
indispensável do processo da sua construção” (Gonçalves,
Balbín Behrmann e Bueno Ramírez, 1997, p. 250). Porém, a
extensão desta evidência – aplicada pelos autores à região
megalítica de Reguengos de Monsaraz – à região do Alto
Algarve oriental, depara com as diiculdades de esta última
ainda estar quase por explorar em tal domínio. Com efeito,
na área em apreço, apenas se encontram registados ténues
vestígios de povoamento coevo: é o caso da ocorrência de
escassos dormentes e moventes de mós manuais, para além
de um sepulcro megalítico cerca de 1,8 km para SSW do
conjunto de Lavajo 1, localizado por A. Gradim (Fig. 14).
Assim sendo, resta por esclarecer cabalmente os motivos
que estiveram na origem da monumentalização da paisagem,
feita ainda no decurso do Neolítico Final, testemunhada
pela construção deste complexo megalítico. Não existem,
no entanto, dúvidas quanto ao estádio de desenvolvimento
económico destas populações do Neolítico Final ou dos inícios do Calcolítico. Muito embora os testemunhos de povoamento sedentário sejam, por ora, quase desconhecidos
na área adjacente, a presença, por um lado, da enxó de
rocha anibolítica, oriunda do Baixo Alentejo (Zona de Ossa/
Morena) a par de outras peças, de origem ainda mais longínqua, como a ibrolite e, por outro, de artefactos de sílex,
oriundos do barrocal algarvio ou da Andaluzia, mostra a
interacção estabelecida com regiões díspares e afastadas,
tendo em vista a obtenção de recursos essenciais à actividade quotidiana destas populações. Tal evidência é mais
uma prova, a par de outras (tipologia dos artefactos e características comparadas da morfologia e da decoração dos
megálitos), para situar este complexo megalítico numa
época já tardia do fenómeno megalítico do sul peninsular
do qual constitui, doravante, uma das suas expressões
mais interessantes e signiicativas.
Fig. 30 – O conjunto de Lavajo 1, após os trabalhos de valorização
realizados em Julho de 2003.
51
52
Conjunto Megalítico do Lavajo
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55
Dez anos de trabalhos
arqueológicos em Alcoutim
DO NEOLÍTICO AO ROMANO
2 - A cista
megalítica
do Cerro
do Malhão
56
A cista megalítica do Cerro do Malhão
11. Fragmento de amoladeira
12. Machado
Grauvaque
Anfibolito
Neolítico Final/ Calcolítico
Finais do 4.º milénio/
inícios do 3.º milénio a.C.
Neolítico Final/ Calcolítico
Finais do 4.º milénio/
inícios do 3.º milénio a.C.
12 x 7,1 x 3,4 cm
14,5 x 5,4 x 3,6 cm
Cista do Cerro do Malhão
Cista do Cerro do Malhão
N.º Inventário: NMA.270
N.º Inventário: NMA.269
13. Pequeno fragmento de placa
de xisto com vestígios de
decoração geométrica
14. Lasca com “encoches”
15. Ponta de seta
Sílex
Sílex
Neolítico Final/ Calcolítico
Finais do 4.º milénio/
inícios do 3.º milénio a.C.
Neolítico Final/ Calcolítico
Finais do 4.º milénio/
inícios do 3.º milénio a.C.
1,2 x 0,80 x 0,2 cm
2,1 x 1,4 x 0,3 cm
2,1x 1,7 x 0,5 cm
Cista do Cerro do Malhão
Cista do Cerro do Malhão
Cista do Cerro do Malhão
N.º Inventário: NMA.268
N.º Inventário: NMA.265
Xisto
Neolítico Final/ Calcolítico
Finais do 4.º milénio/
inícios do 3.º milénio a.C.
N.º Inventário: NMA.266
57
58
A cista megalítica do Cerro do Malhão
2 - A cista megalítica
do Cerro do Malhão 2
RESUMO
ABSTRACT
Neste capítulo dão-se a conhecer os resultados da escavação de emergência realizada
em Abril e Maio de 2000 na cista megalítica do Cerro do Malhão (Alcoutim), pouco
tempo antes parcialmente destruída pela construção de uma antena de telecomunicações da TMN, empresa que suportou parcialmente os encargos da escavação. Esta, desenvolveu-se em extensão, numa área alargada em torno do monumento, o que permitiu pôr
à vista um vasto lajeado, constituído por elementos de grauvaque e de xisto, de planta
subcircular, tendo por centro a cista megalítica.
In this chapter, results are presented from an emergency archaeological excavation performed during April and May 2000 on the megalithic cist of Cerro do Malhão (Alcoutim).
This site was partially destroyed during the installation of a telecommunication antenna.
Tendo em consideração que aquele lageado, regular e extenso, bem delimitado na sua
periferia, estaria a descoberto - pois de outra forma não se entenderia a sua existência
– conclui-se que a cista, cujos topos atingem cerca de 0,5 m acima daquele, se encontraria também a descoberto, constituindo uma espécie de sarcófago a céu aberto, no
centro do referido lajeado.
Trata-se da primeira vez que, numa cista megalítica, se reconheceram tais características arquitectónicas. O exemplo mais próximo no território português corresponde à
cista megalítica de Castelejo (Vila Nova de Paiva), publicada por G. Leisner, a qual possui, na base de um dos esteios menores, uma abertura, sugerido que, tal como a de
Cerro do Malhão, fosse desprovida de cobertura.
Embora violada de há muito, a cista estudada, pela técnica construtiva, de carácter
megalítico, pelo tamanho e pelo espólio, situar-se-á entre o Neolítico Final e o Calcolítico, sendo porém anterior às cistas do Calcolítico Final regional, pertencentes ao
chamado "Horizonte de Ferradeira".
2 O presente texto corresponde, no essencial, ao estudo publicado em 2003, pelos autores (CARDOSO, João Luís e GRADIM, Alexandra,
2003, A cista megalítica do Cerro do Malhão (Alcoutim), in “Revista Portuguesa de Arqueologia”, n.º2, vol.6, pp. 167-179).
The full excavation of the monument showed a circular slab covering made of greywacke
blocks, surrounding the cist, in its central part. This secondary structure was likely nor
covered, therefore the upper part of the cista is about 0,5 m above this surface and
highly evident.
It's the irst time that in a megalithic cist such architectonic features are recognized. The
closest example in Portuguese territory belongs to the megalithic cist of Castelejo (Vila
Nova de Paiva) published by G. Leisner, which presents in the base of one of the minor
monoliths a hole suggesting that it could be originally uncovered, like the AIgarvian
monument.
The megalithic cist of Cerro do Malhão can be time framed between the Late Neolithic
and the Chalcolithic, and is likely older than the cists from regional Late Chalcolithic
such as Horizonte de Ferradeira, deined by H. Schubart.
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A cista megalítica do Cerro do Malhão
1 - INTRODUÇÃO
No âmbito das acções de cartograia arqueológica e de acompanhamento dos planos de lorestação do concelho de Alcoutim, realizadas pela Dr.ª Alexandra Gradim, Arqueóloga
da Câmara Municipal de Alcoutim, foi localizado pela mesma, no Cerro do Malhão (freguesia de Martim Longo, concelho de Alcoutim), monumento funerário pré-histórico
ainda inédito, correspondendo a uma cista megalítica.
Do ponto de vista geomorfológico, trata-se de uma elevação
suave, isolada na paisagem, a partir da qual se descortinam
vastos horizontes em todas as direcções. As suas coordenadas geográicas são as seguintes:(ver Fig. 1):
37o 26' 01" Lat. Norte
7o 46' 25" Long. Oeste de Greenwich
Na altura da sua identiicação, a exploração arqueológica
do referido monumento não se aigurava prioritária. Porém,
em inícios de 2000, a implantação de uma antena de telecomunicações móveis da TMN, de cujo projecto não existia
conhecimento prévio no Gabinete de Arqueologia da Câmara
Municipal de Alcoutim, provocou estragos na periferia da
estrutura, razão pela qual se encarou a necessidade de ali
se realizar uma escavação urgente, no sentido de garantir a
salvaguarda da parte ainda intacta do monumento. Tal intervenção viabilizaria, por outro lado, a recuperação e valorização do monumento, acção em que a Câmara Municipal
de Alcoutim se encontrava e encontra empenhada, até pela
proximidade do local da importante povoação de Martim
Longo, de onde é facilmente acessível.
Deste modo, foi organizada uma campanha de escavações,
enquadrada na Categoria D - “acções de emergência a realizar em sítios arqueológicos que, por efeitos da acção humana ou acção natural, se encontrem em perigo iminente de
destruição parcial ou total”. Tal campanha, inanciada pela
TMN e com o apoio da Câmara Municipal de Alcoutim, foi
dirigida pelo primeiro signatário, tendo-se desenvolvido
em duas fases: a primeira, em Abril de 2000, teve de ser
suspensa devida às fortes chuvadas então veriicadas; a segunda, em inícios de Maio, totalizando oito dias úteis de
trabalho. Contou-se com a participação, activa, permanente
Fig. 2 – Cista megalítica do Cerro do Malhão. Planta geral da área escavada.
Fig. 1 – Cista megalítica do Cerro do Malhão. Localização do monumento na Carta Militar de Portugal na escala de 1/25 000, folha n.º
572 – Santa Cruz, Lisboa: Serviços Cartográficos do Exército, edição
de 1978 (em baixo) e na Carta Geographica do Reino, publicada pelo
Instituto Geographico, na escala de 1/500 000 reproduzida em 1866
por Carlos Ribeiro (em cima).
e empenhada, de Fernando José Estêvão Dias, Assistente de
Arqueólogo da Câmara Municipal de Alcoutim, para além
da colaboração de diversos jovens estudantes que, na altura,
colaboravam com o Gabinete de Arqueologia da CMA. Os desenhos de campo e de gabinete estiveram a cargo de Bernardo
L. Ferreira.
2 - TRABALHOS REALIZADOS
Os trabalhos de campo iniciaram-se pelo reconhecimento
do terreno na zona atingida pela construção da antena da
TMN; com efeito, o murete de fundação da vedação de protecção, uma sapata contínua de cimento e tijolo, tinha cortado, a todo o comprimento, zona adjacente à cista, a qual
se aigurava, vista em secção, constituída por uma superfície regular, constituída por lajes de grauvaque e de xisto,
assentes no substrato geológico, por vezes regularizado
com terra, localmente representado por aloramentos de
xisto inamente folheados, pertencentes ao Carbonífero
marinho (Paleozóico Superior). Uma vez delimitada, em toda
a extensão, a área atingida pela destruição, foi implantada
no terreno uma quadrícula deinida por eixos ortogonais,
orientados Norte-Sul e Este-Oeste, subordinados à própria
orientação do referido murete. O espaço assim deinido,
com o contorno de um rectângulo com o comprimento de
10,5 m e a largura de 6,0 m foi quase totalmente escavado,
exceptuando duas pequenas zonas situadas nos cantos
meridionais da área correspondente (Fig. 2). Tratou-se, pois
de uma escavação em extensão, com o objectivo de delimitar o referido lageado, construído no exterior da caixa tumular propriamente dita, para além da escavação desta.
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A cista megalítica do Cerro do Malhão
Fig. 3 – Cista megalítica do Cerro do Malhão. Planta da estrutura e respectivo alçado.
2.1 - A CAIXA TUMULAR
2.2 - O LAJEADO EXTERIOR
A cista megalítica, correspondente à caixa tumular propriamente dita, é constituída por grandes blocos de grauvaque,
muito irregulares, sem vestígios de afeiçoamento, e de tamanhos diferentes. Antes da realização dos trabalhos, quase
todos eles – com excepção dos mais pequenos – já aloravam francamente no terreno. O espaço assim delimitado,
apresentava-se fechado e de contorno sub-rectangular, orientado Este-Oeste. Os topos do recinto seriam arredondados, faltando os respectivos elementos; conservaram-se
apenas pequenos fragmentos, a oriente, enquanto que, do
lado oposto, para além de dois pequenos calços, observados de ambos os lados, salientava-se um degrau, correspondente à implantação dos esteios em falta e que fechavam
desse lado o monumento. Do lado norte, a parede lateral da
cista é constituída essencialmente por um grande bloco
alongado e sub-rectangular, enquanto que a parede lateral
meridional se encontra deinida por dois blocos alinhados,
ainda que de diferentes dimensões (Fig. 3).
Desenvolve-se a toda a volta da caixa tumular, sendo constituído maioritariamente por lajes de grauvaque, muito irregulares e, em menor quantidade, de xisto (Figs. 5, 6).
A superfície assim organizada possuía originalmente contorno subcircular, ocupando a caixa tumular a zona central
e um diâmetro aproximado de 9,0 m; como se disse, assentava directamente no substrato geológico, por vezes regularizado através de uma camada terrosa estéril. O lajeado
assim organizado, foi destruído a todo o comprimento do
lado Norte, em resultado da implantação do murete atrás
referido, correspondente tal destruição a cerca de 40% da
sua área total inicial. Seja como for, a parte conservada permite ainda, nalguns sectores, veriicar o cuidado com que
tal superfície foi construída, sendo a respectiva periferia,
de contorno curvilíneo, delimitada por alguns elementos
dispostos de cutelo (visíveis em primeiro plano na Fig. 5).
Trata-se, pois, de uma cista megalítica de grandes dimensões,
com o comprimento de 2,0 m e a largura máxima exterior
de 1,5 m, atingindo os blocos maiores a altura de 0,8 a 0,9
m. Não se encontraram quaisquer fragmentos da tampa,
que seria, naturalmente, constituída pelo menos por uma
grande laje de grauvaque (Fig. 4).
A existência desta superfície lajeada, a qual primitivamente
se encontraria a descoberto – de outra forma não se entende
a razão da sua existência – circundante da caixa tumular, a
qual se encontra cerca de 0,5 m mais alta do que aquela,
mostra que originalmente, a cista seria desprovida de cobertura (tumulus), encontrando-se mesmo saliente no terreno,
à maneira de um sarcófago, desprovida de tumulus. Nestas
condições, a superfície lajeada, teria as funções de delimitar
e proteger a estrutura sepulcral propriamente dita (Fig. 6).
Fig. 4 – Cista megalítica do Cerro do Malhão. Vista parcial da cista e do lajeado exterior.
3 - ESPÓLIO
Fig. 5 – Cista megalítica do Cerro do Malhão. Vista da cista e do lajeado exterior, observando-se em primeiro plano o limite do mesmo,
assente no substrato geológico.
O monumento, pela sua exposição evidente, pela sua fácil
acessibilidade e, até, por se encontrar nas proximidades de
um núcleo urbano antigo – a povoação de Martim Longo –
fora há muito violado e saqueado. Com efeito, o espólio
recolhido foi escasso e, nalguns casos, muito fragmentado,
o que não é sinónimo de menos interesse ou signiicado.
Prova dessas antigas violações é o facto da maioria dos materiais provir do exterior da cista, em resultado das terras dela extraídas. A excepção é um machado de aniboloxisto, encontrado ainda in situ, em posição ritual, junto à
base do monólito oriental do lado setentrional da cista,
paralelo ao corpo nela originalmente depositado (Fig. 7),
provavelmente, como em outros casos, em decúbito dorsal.
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A cista megalítica do Cerro do Malhão
Fig. 6 – Cista megalítica do Cerro do Malhão. Vista da estrutura tumular e do lajeado envolvente.
3.1 - PEDRA LASCADA
3.2 - PEDRA POLIDA
1 - Ponta de seta curta, de bordos convexos e base profundamente cavada, de sílex cinzento, de má qualidade. Apresenta-se com fractura de impacto na extremidade, indicando
uma provável utilização anterior (Fig. 8, n.º 4). Crivo, lado
ocidental do lajeado exterior à cista.
3 - Grande machado de aniboloxisto, de secção subrectangular com os lados menores bombeados e mal polidos. Lados
maiores igualmente mal polidos, à excepção da zona do
bisel, cuidadosamente polida. Gume de contorno fortemente assimétrico, intacto e cuidadosamente acabado por
polimento. Talão em forma de cunha, com vestígios de
percussão (Fig. 8, n.º 1). Como se disse, foi a única peça
encontrada no interior da cista, ainda na posição primitiva.
2 - Lasca fragmentada de sílex castanho-acinzentado, com
duas "encoches" opostas junto à extremidade proximal,
talvez destinadas a encabamento (Fig. 8, n.º 5). Crivo, lajeado
exterior à cista.
Fig. 7 – Cista megalítica do Cerro do Malhão. Vista parcial da estrutura tumular, observando-se,
no interior da mesma, à esquerda, machado de pedra polida in situ.
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A cista megalítica do Cerro do Malhão
3.3 - PEDRA AFEIÇOADA
4 - Pequeno fragmento de amoladeira ou polidor de grauvaque micáceo, recolhido no exterior da cista, entre os
elementos do lajeado circundante, do qual faria parte
integrante (Fig. 8, n.º 2).
3.4 - OBJECTOS MÁGICO-SIMBÓLICOS
5 - Fragmento de pequeníssimas dimensões de placa de
xisto, com vestígios de decoração geométrica, por gravação
(Fig. 8, n.º 3). Crivo, lajeado exterior à cista. O diminuto tamanho deste fragmento evidencia uma atitude intencional,
de reduzir ao máximo o espólio arqueológico, na esperança
de este poder corresponder a tesouros encantados, convicção que se encontrava muito generalizada em épocas
ainda não muito distantes.
Com efeito, o sepulcro, pela sua fácil identiicação e visibilidade, despertaria a atenção das populações da região,
encontrando-se de há muito violado.
tidas de lajes calcárias, o qual nada tem a ver com as cistas
megalíticas, mais antigas (Franco e Viana, 1949; Ferreira,
1955).
A presença do sílex é exógena; esta rocha provirá, muito
provavelmente, do litoral de Tavira, por ser a zona mais
próxima onde tal matéria-prima é conhecida (Manupella et
al., 1987). Quanto ao aniboloxisto de que é feito o machado,
a zona mais próxima de onde poderia provir situa-se na
faixa piritosa, Zona de Ossa/ Morena, a cerca de 50 km de
distância em linha recta. Deste modo, conigura-se a existência de uma rede transregional de circulação de matérias-primas (ou, mais provavelmente, neste caso, de produtos
já manufacturados), realidade que tinha sido já identiicada
no Neolítico Final regional (Cardoso et al., 2002).
Existem ainda outras cistas algarvias cuja cronologia, tendo
presente o respectivo espólio, pode ser coeva da do Cerro
do Malhão: é o caso de duas cistas sob tumulus, com cerca
de 3 m de comprimento de Vale de Carro, Faro, consideradas de características megalíticas, as quais encerravam cerâmicas e cerca de uma dezena de instrumentos: machados
e enxós de pedra polida e instrumentos líticos, porém sem
qualquer ponta de seta (Ferreira e Castro, 1948).
Aliás, a existência de cistas megalíticas estende-se a todas
as regiões do País, não sendo, seguramente, integráveis
numa única etapa cultural.
4 - DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS
A discussão da integração cronológico-cultural da cista do
Cerro do Malhão deverá atender, simultaneamente, às suas
características arquitectónicas e ao respectivo espólio. Do
ponto de vista arquitectónico, esta sepultura possui aspectos até agora desconhecidos em monumentos congéneres.
Com efeito, a presença de um lajeado exterior, envolvendo
a cista, a qual se apresenta sobrelevada cerca de 0,5 m acima
daquela superfície, aigura-se inédita. Deste modo, a caixa
tumular, constituída pela cista, apresentar-se-ia originalmente a descoberto no terreno, sendo desprovida de tumulus. O lajeado teria, assim, uma dupla função: a de sublinhar o espaço funerário, servindo, ao mesmo tempo, como
elemento protector do núcleo sepulcral.
Cistas megalíticas como esta, sempre individuais ou, no
limite, destinadas à tumulação de um escasso número de
indivíduos, são frequentes no sul de Portugal e, de uma
forma mais geral, no megalitismo do ocidente peninsular,
embora a sua integração cronológico-cultural nem sempre
seja fácil, até pela raridade dos espólios recolhidos.
Interessa, consequentemente, valorizar as características
das peças exumadas. Tendo presente as respectivas tipologias, parecem estar representados dois momentos na utilização do monumento: um, mais antigo, do Neolítico Final,
correspondente ao fragmento da placa de xisto; outro, já
Algumas cistas megalíticas de Monchique, detêm maiores
analogias com a sepultura agora estudada; mas neste
caso tais sepulturas encontravam-se cobertas por tumuli
(Formosinho, Ferreira e Viana, 1953/1954).
do Calcolítico, representado pela ponta de seta. Mas a verdade é que ambos os artefactos não são de coexistência
incompatível, visto conhecerem-se diversas sepulturas,
plenamente calcolíticas, com abundantes placas de xisto
decoradas e, ao contrário, ser frequente a ocorrência de
pontas de seta de base côncava em numerosos contextos
do Neolítico Final, tanto de carácter habitacional como funerário. No entanto, o presente exemplar exibe aspecto nitidamente calcolítico, por possuir a base profundamente cavada, sendo comparável a pontas de seta recolhidas nas
tholoi alcalarenses (Veiga, 1886, Est. l). Deste modo, é lícito
admitir para a construção e ocupação da cista do Cerro do
Malhão, uma cronologia do Neolítico Final, ou já do Calcolítico, em todo o caso anterior à das cistas do inal do Calcolítico algarvia, como as que correspondem ao chamado
"horizonte de Ferradeira", deinido a partir da sepultura individual, do tipo cista, do sítio epónimo, do concelho de
Faro (Schubart, 1971). Com efeito, aquela sepultura continha
materiais que em nada tinham de comum com qualquer
das peças exumadas no presente sepulcro; a sepultura de
Ferradeira também não possui ao contrário desta, características megalíticas, dada a pequena dimensão dos elementos
que a deinem, bem como o seu modo de implantação no
terreno, correspondente à abertura de covacho, até um
metro abaixo do nível do solo, cujas paredes foram reves-
Ainda no Algarve, e muito mais próximo do monumento
em apreço, merece destaque, até pela semelhante implantação no terreno - um alto isolado - a cista megalítica de
planta naviforme do Cerro do Castelo (freguesia de Azinhal,
concelho de Castro Marim), com o comprimento máximo
interno de 2,20 m. Segundo o seu explorador, apareceram
escassos materiais que não deixam dúvidas quanto à sua
integração no Neolítico ou no Calcolítico (Veiga, 1886, p.
292, 293). Esta é, pois, a ocorrência com maiores semelhanças com o monumento em apreço, sendo também a geograicamente mais próxima.
Importa sublinhar que esta é a primeira cista megalítica a
ser escavada no Alto Algarve oriental onde, em contrapartida, se conhecem e exploraram diversas antas de grandes
dimensões, providas de câmara e de corredor, também recorrendo ao grauvaque para a feitura dos esteios, pertencentes ao Neolítico Final: é o caso das antas do Curral das
Castelhanas e das Pedras Altas (Gonçalves, 1989).
Deve valorizar-se a particularidade de a cista do Cerro do
Malhão não se encontrar primitivamente coberta por tumulus
e, ao contrário, emergir do terreno envolvente, sem outro
paralelo no território português. Quanto à eventualidade de
algumas cistas megalíticas do território português não se
encontrarem enterradas, nem sequer cobertas por tumuli,
importa salientar a existência da cista de “Castillejo” (sic), ou
melhor, do “Castelejo”, do concelho de Vila Nova de Paiva
(Leisner e Leisner, 1956, Tf. 28, 63; Leisner, 1998, p. 38,
Tf. 135 a, Karte I-16,17)1. Trata-se de uma cista (“antela”, na
designação utilizada aquando da sua primeira publicação,
cf Leisner, s/d, p. 150), de planta quadrada, de assinaláveis
dimensões, desprovida de espólio, a qual possui a particularidade de conservar, no centro da base do esteio voltado a
Sudoeste, uma abertura de contorno semi-elíptico, comunicando com o interior. Aquando da sua exploração, a passagem encontrava-se obstruída, do lado externo, por dois
blocos (Leisner, s/d, Tf. 63, 1). A presença desta abertura, sem dúvida de carácter ritual, pressupõe que, pelo
menos, a face correspondente da cista se encontrava originalmente a descoberto; a ser assim, tratar-se-ia do paralelo
mais próximo para a situação detectada no Cerro do Malhão.
A propósito da existência de aberturas afeiçoadas em antas
portuguesas, e descontando a anta da Candieira (serra de
Ossa)2, cuja abertura, de pequena dimensões situada na
parte superior de um dos esteios poderá ser mais recente
(Cartailhac, 1886, p. 171), é de referir a existência de porta
talhada no esteio de um monumento de espólio “neolítico”,
explorado por Manuel Heleno na região do Ciborro, concelho de Montemor-o-Novo: trata-se do dólmen do Freixo,
da Herdade do Paço, de câmara poligonal alongada mas de
pequenas dimensões (2,75 m por 1,50 m), cuja porta, aberta
num dos esteios com cerca de 2 m, tanto de largura como
de altura, é arredondada e irregular com 1,0 m de altura
por 0,50 m de largura (Leisner, s/d, p. 150).
Pelos exemplos apresentados, conclui-se que, embora a cista
do Cerro do Malhão seja desprovida de qualquer abertura,
os raros monumentos megalíticos que a ostentam e, particularmente a cista do Castelejo - podem ser invocados a
favor da ausência de cobertura tumular no monumento
em apreço.
A terminar, é de referir que, no concelho de Alcoutim, existem outras cistas megalíticas, também localizadas pela Dr.ª
Alexandra Gradim. Crê-se que a sua exploração, que se pretende levar a cabo num futuro próximo, muito contribuirá
para um melhor conhecimento deste tipo de monumentos
funerários, ainda muito mal conhecidos, cujo interesse é
reforçado pela presença de particularismos arquitectónicos,
como os identiicados no caso presente.
1 Ou cista de Lenteiros (Cruz, 1998).
2 A anta da Candieira foi reproduzida numa colecção de litografias executadas antes de 1867 por ordem de F. Pereira da Costa, as quais se mantiveram até ao
presente inéditas. Foi, pois, este ilustre investigador o autor da primeira referência ao monumento e não Gabriel Pereira, como supôs J. Leite de Vasconcellos,
que fez o levantamento dos autores e publicações que, entretanto, o mencionaram ou dele se ocuparam (Vasconcellos, 1897, p. 320).
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A cista megalítica do Cerro do Malhão
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71
Dez anos de trabalhos
arqueológicos em Alcoutim
DO NEOLÍTICO AO ROMANO
3 - Tholos
do Malhanito
72
Tholos do Malhanito
20. Conta de colar
21. Fragmento de enxó/sacho
Cerâmica
Xisto
Idade do Ferro – séc. VI a. C. (?)
Calcolítico
3.º milénio a.C.
Ø 2,4 cm x 1,8 cm
3 cm x 2,8 cm x 1 cm
Tholos do Malhanito
N.º Inventário: NMA.284
Tholos do Malhanito
N.º Inventário: NMA.291
16. Fíbula anular Hispânica (?)
17. Anel/Argola
Bronze
Bronze
Idade do Ferro – séc. VI a.C. (?)
Bronze Final – séc. VIII a. C.
Ø 5 cm
Ø 2,6 cm
Tholos do Malhanito
Tholos do Malhanito
N.º Inventário: NMA.283
N.º Inventário: NMA.292
19. Conta
18. Fragmento de alfinete
Bronze
Bronze Final – séc. VIII a. C.
Ø 0,4 cm x 2,3 cm; cabeça Ø 0,8 cm
Tholos do Malhanito
N.º Inventário: NMA.293
Grauvaque
Bronze Final/ Idade do Ferro
– sécs. VIII/VI a.C.
Ø 3 cm
Tholos do Malhanito
N.º Inventário: NMA.286
22. Pequeno escopro
23. Ídolo antropomórfico
Anfibolito
Grauvaque
Calcolítico
3.º milénio a.C.
Calcolítico
3.º milénio a.C.
5 cm x 2,2 cm x 1,8 cm
6,7 cm x 3,8 cm x 1 cm
Tholos do Malhanito
Tholos do Malhanito
N.º Inventário: NMA.290
N.º Inventário: NMA.289
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74
Tholos do Malhanito
24. Taça de carena alta
Cerâmica
Bronze Final/ Idade do Ferro
– sécs. VIII/VI a. C.
Ø 12,9 cm
Tholos do Malhanito
N.º Inventário: NMA.287
27. Pote de carena média com mamilos
Cerâmica
Bronze Final/ Idade do Ferro – sécs. VIII/ VI a. C.
Ø 12,3 cm e Ø 15 cm (zona da carena)
Tholos do Malhanito
N.º Inventário: NMA.295
25. Taça de carena baixa
com mamilos
Cerâmica
Bronze Final/ Idade do Ferro
– sécs. VIII/ VI a. C.
Ø 15,7 cm
Tholos do Malhanito
N.º Inventário: NMA.288
28. Fundo em “omphalus”
Cerâmica
Bronze Final/ Idade do Ferro – sécs. VII/ VI a. C.
Tholos do Malhanito
N.º Inventário: NMA.285
26. Taça de carena baixa
com mamilos
Cerâmica
Bronze Final/ Idade do Ferro
– sécs. VIII/ VI a. C.
Ø 14,5 cm
Tholos do Malhanito
N.º Inventário: NMA.294
75
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Tholos do Malhanito
3 - Tholos do Malhanito
3
RESUMO
Este capítulo dá a conhecer, os resultados da exploração arqueológica da tholos do
Cerro do Malhanito (Alcoutim), realizada em Agosto e Setembro de 2002, sob a orientação do primeiro signatário (J.L.C.). Caracteriza-se a arquitectura do monumento, mencionando-se o espólio exumado, tanto o arqueológico como o antropológico.
Por último, estabelecem-se comparações com outros monumentos congéneres do sul
do País,referindo-se, em particular, aqueles que evidenciam reutilizações da Idade do
Bronze ou da Idade do Ferro, como a que foi veriicada no monumento em apreço.
1 - INTRODUÇÃO. CONDIÇÕES DA DESCOBERTA, CARACTERÍSTICAS GEOMORFOLÓGICAS
A tholos do Cerro do Malhanito, perto do lugar do Monte
da Estrada, da Freguesia de Martim Longo, concelho de
Alcoutim, foi identiicada por um de nós (A. G.), no decurso
do acompanhamento de acções de repovoamento lorestal,
constando do respectivo Relatório apresentado ao Instituto
Português de Arqueologia com o número de inventário
A-225 (Gradim, 1999). Possui as seguintes coordenadas:
37º 22' 49" lat. N; 7º 31' 24" long. W.
Do ponto de vista geomorfológico, o monumento implanta-se no topo de elevação da encosta esquerda da ribeira da
Foupana, isolada por dois profundos meandros nela existentes, escavados em rochas do Carbonífero marinho, constituídas por alternâncias de xistos e grauvaques ("fácies
lysh") (Fig. 1).
Tal cabeço constitui pequena rechã de um relevo mais importante, ao qual se encontra ligado através de pequeno
istmo e de que constitui o seu prolongamento oriental.
A sua localização parece, pois, ter sido determinada pelo
marcado isolamento que o referido relevo possuía, dominando, ao mesmo tempo, vasto trecho da ribeira, bem como
vastos horizontes, excepto do lado meridional (Fig. 2).
A recente violação parcial que o monumento evidenciava,
aquando da sua identiicação, a que se somava o potencial
aumento das probabilidades da sua destruição, decorrente
do alargamento de um caminho rural, que lhe passa a poucos metros, determinaram a realização de escavações, de
carácter preventivo.
ABSTRACT
This study shows the results of the excavations on the tholos of Cerro do Malhanito
(Alcoutim) performed in August and September 2002, under the supervision of the irst
author (J.L.C.). We characterize the architecture of the monument and the archaeological and anthropological indings. Comparisons are made with similar monuments from
southern Portugal, namely those that show reutilization in the Bronze or lron Age, as was
the studied monument.
3 Sobre os resultados das escavações deste importante monumento calcolítico, publicaram-se três trabalhos: o primeiro, destinou-se a
dar a conhecer os principais resultados obtidos, incidindo especialmente sobre a arquitectura do sepulcro e considerações genéricas
sobre a natureza de pelo menos uma inumação nele realizada, no Bronze Final / I Idade do Ferro, apresentado em 2003 ao 2º Encontro
de Arqueologia do Algarve. (CARDOSO, João Luís e GRADIM, Alexandra, 2005, A Tholos do Cerro do Malhanito (Alcoutim). Resultados
preliminares das escavações efectuadas”, Revista XELB, n.º 5, pp.28-40). Este último aspecto, incluindo a publicação do espólio cerâmico
que àquela ou àquelas pôde ser reportado, foi desenvolvido em estudo próprio, publicado por um de nós (J. L. C.) no volume de homenagem ao Professor Jorge de Alarcão (Cardoso, J. L. (2005) – Uma tumulação do final do Bronze Final / inícios da Idade do Ferro no sul
de Portugal: a tholos do Cerro do Malhanito (Alcoutim). O Passado em cena: narrativas e fragmentos. Miscelânea oferecida a Jorge de
Alarcão (M. C. Lopes & R. Vilaça, coord.). Coimbra: Instituto de Arqueologia, p. 193-223.). O terceiro e último artigo teve como objectivo,
publicar o espólio calcolítico exumado, que se encontrava inédito, bem como concluir a publicação dos materiais relacionados com a
ocupação mais moderna do monumento. Este texto corresponde, no essencial, a este estudo publicado em 2007 pelos autores (CARDOSO,
João Luís e GRADIM, Alexandra, 2007, A tholos do Cerro do Malhanito (Alcoutim). Resultados das escavações arqueológicas efectuadas,
in “Promontoria”, Revista do Departamento de História, Arqueologia e Património da Universidade do Algarve, Ano 5, n.º 5, Faro,
pp.199-226), por se tratar daquele que conjuga um maior número de dados a par de uma actualizada discussão e conclusões de tudo
quanto até agora dele se publicou. Foram no entanto incluídos todos os dados pertinentes dos artigos anteriores.
Fig. 1 – Localização da Tholos do Malhanito.
Extracto da Carta Militar de Portugal (formato
digital) na escala de 1/25 000, folha n.º 581,
Lisboa, Instituto Geográfico do Exército, Secção
de Fornecimento de Informação Geográfica,
2004 (reduzida).
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Tholos do Malhanito
Fig. 2 – Levantamento topográfico da área envolvente , à escala original de 1/200 (GAT).
2 - TRABALHOS REALIZADOS, RESULTADOS OBTIDOS
Os trabalhos de campo decorreram de 19 de Agosto a 31 de
Agosto de 2002, sob orientação do primeiro signatário.
envolvente sido topografada, pelo GAT de Tavira, à escala
de 1/200.
Exceptuando a presença, do início ao im dos trabalhos de
campo, da Arqueóloga da Autarquia e co-autora da presente
publicação e a colaboração do referido técnico de Arqueologia, cujos meios de transporte foram proporcionados
pela autarquia, os trabalhos de campo decorrerem sem
outros quaisquer apoios, tanto oiciais como particulares.
Os desenhos de estruturas, realizados no decurso e após
as escavações, são da autoria de Alexandra Gradim e de
Fernando Dias, tendo sido passados a limpo, em versão
deinitiva, por Bernardo Ferreira, que também se encarregou dos desenhos dos materiais arqueológicos que ilustram
o presente trabalho.
No inal da escavação, o monumento posto a descoberto
– que, em profundidade, se aigurou em muito bom estado
de conservação – foi devidamente preservado, tendo a área
O monumento, antes de se iniciar a escavação, apenas evidenciado pelos topos de alguns dos esteios da câmara,
encontrava-se coberto de vegetação arbustiva e de inúmeros
Fig. 3 – Planta do monumento e da área escavada envolvente, com a localização dos principais materiais arqueológicos exumados.
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Tholos do Malhanito
blocos soltos, resultantes da “despedrega” dos campos
agrícolas envolventes, de que resultou o microtopónimo
“Malhanito”, equivalente de pequeno montículo de pedras.
No inal das escavações, veriicou-se a existência de uma
câmara de planta sub-circular, com 2,5 m de diâmetro médio, ligada a um corredor, mais baixo, orientado, como é
usual neste tipo de monumentos, para Sudeste (Fig. 3), do
qual se encontrava separado por uma laje de selagem, colocada transversalmente, reforçada do lado externo por duas
outras, postas de cutelo (Fig. 4; Fig. 5; Fig. 7). Desta forma,
pode concluir-se que a violação tardia do monumento, associada à sua reutilização, não foi efectuada ao longo do
corredor – aliás mantido intacto, desde a última tumulação
calcolítica – mas directamente, através da escavação da
própria câmara.
O estreito e curto corredor, que não ultrapassava 0,80 m
de largura, por 1,40 m de comprimento, apresentava-se
apenas bem deinido no sector mais próximo da câmara,
através de pequenos esteios colocados verticalmente, de
ambos os lados; em direcção à entrada, o tamanho dos esteios diminuía, e a sua posição no terreno aigurava-se mais
irregular, dando a impressão que delimitavam pequeno
átrio, a céu aberto (Fig. 3; Fig. 4).
A câmara encontra-se quase totalmente escavada no substrato geológico, pois apenas o topo dos esteios respectivos
ultrapassam a superfície rochosa, que alora a escassa profundidade (Fig. 4; Fig. 9). Com efeito, o substrato geológico,
localmente constituído por xistos inamente folheados, do
lado meridional, e grauvaques, do lado setentrional (Fig. 3),
foi previamente escavado, segundo contorno correspondente à planta do monumento a construir, tarefa particularmente evidente na área meridional da câmara, a que se
apresenta melhor conservada; do lado oriental, o topo dos
esteios encontrava-se quase sempre partido, dando a falsa
impressão que seriam de menores dimensões que os do
lado oposto da câmara. Na verdade, originalmente, todos os
esteios teriam alturas idênticas, cerca de 1,30 m (Fig. 6; Fig. 7).
O tombamento, para o interior da câmara, do esteio n.º 2,
veio permitir duas veriicações: a primeira, é que o tal fenómeno, devido a pressões externas, se veriicou ainda com a
câmara livre de depósitos, o que só seria possível numa
altura em que a falsa cúpula ainda se mantivesse de pé;
a segunda observação, corresponde ao modo como os grandes ortóstatos de grauvaque se colocaram, mediante a abertura de um roço no substrato geológico, o qual, internamente, seria regularizado por enchimento de terra e blocos,
Fig. 5 – Aspecto geral da câmara do monumento, observando-se o substrato geológico regularizado, no seu interior, a laje de fecho da passagem do corredor e, no local onde se encontra o quadro, a lacuna correspondente ao tombamento, para o interior, do esteio n.º 2. Note-se a fixação dos esteios de grauvaque ao substrato geológico, através do roço nele executado.
Fig. 4 – Vista geral do monumento, no final das escavações.
Observe-se a diferença de litologia do substrato geológico, xistoso
e finamente folheado, do lado esquerdo da figura; correspondente
a assentadas de grauvaque, do lado direito da mesma. Em primeiro
plano, observa-se o átrio, seguido do curto corredor e, em último
plano, da câmara sub-circular e ligeiramente assimétrica, do
monumento.
permitindo o encosto do monólito à referida superfície, contribuindo para a sua estabilidade. Esta técnica construtiva
pode observar-se na Fig. 5, no espaço em falta entre os esteios n.º 1 e n.º 3, bem como no alçado das Fig. 6 e Fig. 7.
Nestas duas últimas iguras, evidencia-se, também, o declive
do substrato geológico, para Sudeste, o que terá favorecido
a orientação da abertura do monumento para esse lado,
por corresponder àquele onde seria necessário uma menor
escavação do substrato.
No decurso da escavação da câmara do monumento, que
ocupava a parte mais alta da elevação, observou-se a existência, disseminados ao longo de todo o enchimento, em
profundidade, de inúmeros blocos de grauvaque, por vezes
fortemente engrenados entre si, dando a impressão que
teriam sido intencionalmente ali redepositados; com efeito,
caso fossem o resultado do abatimento da falsa cúpula que
cobriria a câmara, seria natural encontrá-los imbricados
uns nos outros. E, com efeito, tais observações estavam
correctas, porque, na camada basal desta parte do monumento, foi encontrada uma tumulação muito mais recente,
como adiante se verá; desta forma, o rápido entulhamento
da câmara deve reportar-se aos reutilizadores desta parte
do monumento, após a inumação ali efectuada.
A continuação da escavação da câmara foi levada até se
atingir o substrato geológico, inteiramente regularizado e
aplanado (Fig. 3, Fig. 4). Desta forma, foi possível deinir,
em todo o seu comprimento, os dezassete esteios de grauvaque, de contorno subrectangular, estreitos e alongados,
que a deiniam. Estes esteios destinavam-se, simplesmente,
a regularizar a parede da câmara do monumento, e não a
conferir-lhe estabilidade, já que esta era assegurada pelo
próprio substrato geológico onde aquela se encontrava
escavada. O revestimento das câmaras de monumentos em
falsa cúpula com ortóstatos alongados, é uma técnica reconhecida em muitos dos monumentos congéneres do Baixo
Alentejo, nisso se diferenciando, por um lado, dos célebres
monumentos alcalarenses, em que a parede das câmaras
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Tholos do Malhanito
era constituída por pequenas lajes colocadas horizontalmente, prolongando-se até à cúpula e, por outro, dos monumentos da Estremadura do mesmo tipo, mas onde as câmaras eram deinidas por grandes elementos pétreos,
dispostos horizontalmente.
O corredor, como é frequente neste tipo de monumentos,
encontrava-se deinido por ortóstatos de menor altura;
porém, ao contrário da câmara, que apesar das anteriores
violações e reutilizações, se apresentava muito bem conservada, aigurava-se ainda intacto, não tendo fornecido quaisquer elementos associados à reutilização tardia do monumento. O chão desta parte do monumento apresentava-se
parcialmente forrado por lajes irregulares, que terminavam
no sector mais externo, correspondente ao provável átrio, a
céu aberto. No decurso da escavação, observaram-se alguns
elementos de grauvaque, estreitos e alongados, inclinados
transversalmente, que poderiam corresponder à antiga cobertura do corredor, por sua vez tapada, conjuntamente
com a câmara, pelo tumulus, que não se conservou, o qual
seria, certamente, de pequena altura.
Fig. 9 – Vista de Oeste. Note-se a existência, no interior da câmara, em curso de escavação, de abundantes blocos de
grauvaque dispersos desordenadamente.
Fig. 6 – Alçados (ver Fig. 3).
Fig. 7 – Alçado do corredor e da câmara do monumento (ver Fig. 3).
Fig. 8 – Vista de Sudoeste, evidenciando-se a altura do montículo
natural, onde se escavou parcialmente o monumento.
Fig. 10 – Vista do conjunto de ossos longos humanos, alguns deles
ainda em conexão anatómica, assentes sobre o chão primitivo da
câmara, cujos esteios laterais se observam em segundo plano, fixados
ao substrato geológico por meio de roços nele abertos (ver Fig. 3, para
localização do conjunto osteológico no interior da câmara).
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Tholos do Malhanito
3 - ESPÓLIO ARQUEOLÓGICO
O espólio arqueológico exumado na tholos do Cerro do
Malhanito evidencia uma única ocupação coeva da construção do monumento, muito pobre e esporádica, e uma
outra ocupação, muito mais tardia e intrusiva, limitada à
reutilização da câmara.
4 - ANÁLISE TIPOLÓGICA DO ESPÓLIO.
SEU ENQUADRAMENTO CRONOLÓGICO-CULTURAL.
4.1 - A conta
Como se disse, trata-se de exemplar que, tanto do ponto de
vista tipológico, como de textura e coloração da pasta, desaconselha a sua inclusão no Calcolítico. Não parece, por
outro lado, tratar-se de cossoiro, dado o pequeno diâmetro
do furo, incompatível com aquela utilização. Terá sido,
aliás, este o critério que determinou a classiicação diferenciada de dois exemplares do sítio metalúrgico tartéssico de
San Bartolomé de Almonte (Huelva): um, com larga perfuração, foi classiicado no grupo daquelas peças (Ruiz Mata
& Fernández Jurado, 1986, Lam. XIV, n.º 235); outro, com
estreita perfuração cilíndrica, tal como a do presente exemplar, embora de maiores dimensões, foi incluído dentro
dos objectos indeterminados. Solução parecida foi a adoptada por Caetano Beirão, ao ter separado pelo tamanho – e
consequentemente pela dimensão da perfuração mediana
– dois exemplares cerâmicos recolhidos à superfície no
núcleo habitacional de Fernão Vaz, o maior classiicado
como cossoiro, o menor como conta de colar (Beirão, 1973,
Fig. 9). Tomada isoladamente, não deixaria dúvidas a integração tipológica desta conta na Idade do Ferro, a que
acresce a pasta muito ina e de cozedura vermelho-tijolo,
contrastando com as cozeduras predominantemente redutoras das cerâmicas da Idade do Bronze.
4.2 - Os recipientes
possuindo ou não mamilos perfurados verticalmente (Fig.
8, n.º 2, 3; Fig. 9, n.º 1); taças baixas, munidas igualmente
de mamilos perfurados, tanto horizontalmente (Fig. 8, n.º
4) como verticalmente (Fig. 9, n.º 2). A uma grande taça
baixa (carenada ou não) pertence o fragmento da Fig. 9, n.º
3, com a particularidade da base ser ocupada por pequeno
"omphalus", também presente em outros recipientes (Fig. 8,
n.º 2; Fig. 10, n.º 2).
Ainda dentro das formas abertas se inscrevem os vasos de
carena baixa e paredes verticais, com fundo suavemente convexo, que evocam os "copos" do calcolítico da Estremadura
(Fig. 10, n.º 1 e 6). De referir que esta forma foi identiicada no povoado dos inícios do Bronze Final da Tapada
da Ajuda, Lisboa, correspondendo aos designados "potes
de paredes subverticais (Cardoso & Silva, 2004, Fig. 33, n.º 3
a 5). Também no Bronze Pleno do Sudoeste se conhecem
alguns paralelos (Schubart, 1965, Fig. 17, i, j).
Enim, o fragmento de taça de carena média externa, de
dimensões superiores às anteriores, tem, igualmente, ampla
representação em contextos do Bronze Final (Fig. 10, n.º 3).
No grupo das formas fechadas, reconheceram-se potes de
carena média e parede reentrante, com ou sem mamilos
sobre a carena, perfurados verticalmente (Fig. 8, n.º 1; Fig.
10, n.º 5).
Na sua quase totalidade, os recipientes reproduzidos correspondem a formas comuns no Bronze Final, de excelente
acabamento, colorações castanho-chocolate com zonas mais
anegradas devido a variações da cozedura, superfícies lisas,
fortemente brunidas e com brilho e de toque macio, com
pastas inas, duras e depuradas e núcleos mais escurecidos.
Nenhum se apresenta decorado, embora num caso (Fig. 10,
n.º 2) se observem ténues nervuras radiais, a partir da parte
central do fundo do recipiente, com "omphalus". Neste
aspecto, não pode deixar de evocar as decorações plásticas
(nervuras ou gomos), observadas em recipientes fechados
(designados por alguns autores como "garrafas"), do Bronze
do Sudoeste, como o exemplar representado por H. Schubart
(1975, Fig. 33, n.º 391).
O número de recipientes cerâmicos é elevado, ascendendo
a cerca de dez as peças reconstituíveis (Fig. 8 a 10), a que se
somarão algumas outras, posteriormente apresentadas.
A cronologia deste conjunto marcadamente homogéneo,
correspondendo a fabricos de luxo, aliás em consonância
com o seu carácter funerário, será objecto de discussão a
seguir apresentada.
No grupo das formas abertas, identiicaram-se taças de carena alta ou baixa, de peril interno e externo suave,
As taças de peril suave com "omphalus", representadas no
conjunto em apreço, tal como as taças em calote, ocorrem,
em fase avançada do período tartéssico do vale do Guadalquivir, tendencialmente lisas, e já não decoradas com ornatos brunidos, como anteriormente, ainda que se assinale
uma degradação da qualidade das produções, contrariada
pelos exemplares em estudo (Ruiz Mata, 2001, p. 109).
Tendo presente, no entanto, que formas decoradas coexistiram, naturalmente, com as suas equivalentes lisas, é de
mencionar a sequência estratigráica estudada em Huelva
por M. Fernández-Miranda, na calle de Onesimo Redondo,
onde se observou a distribuição de tais produções cerâmicas entre inais do século IX e os inícios do século VI
a. C. (Lopez Roa, 1978, p. 151).
Nas escavações realizadas ulteriormente no Cabezo de S.
Pedra, também dentro da cidade de Huelva, foi possível registar diversos cortes estratigraicos, os quais consubstanciam diversas fases culturais; assim, na Fase III, apenas
representada no corte A.2.2, da encosta ocidental, veriica-se que "La decoración brunida, tan característica de la Fase
I, es muy escasa. Las cerámicas a torno fenicio-púnicas
aparecen en un mayor porcentage que en la fase precedente.
Esta fase corresponde a la época de los enterramientos de
La Joya de la misma localidad" (Ruiz Mata, Blázquez
Martínez & Martín de la Cruz, 1981, p. 195). A cronologia
desta fase cultural foi ixada entre 650 e 550 a.C., correspondendo à fase Huelva II, deinida na encosta oriental do
cabeço, a qual é equivalente da Fase III da encosta ocidental
(Belén, Amo & Fernández-Miranda, 1982, p. 22). Neste lado
do Cabezo de S. Pedro, no decurso do estudo dos fragmentos de cerâmicas inas manuais dali provenientes (designadas por cerâmicas alisadas, com ou sem decoração de ornatos brunidos) e oriundas sobretudo do Corte M, veriicou-se
que o maior número de ocorrências se concentrava no nível
X, correspondente à fase cultural Huelva III, cuja cronologia
abarca seguramente o século VI a.C. (Belén; Fernández-Miranda & Garrido, 1977, p. 356, 370).
Assim, a zona residencial do Cabezo de S Pedro (Huelva II
ou Fase III, respectivamente deinidas na encosta oriental e
ocidental), teria equivalência na necrópole de La Joya, cujos
materiais sugerem utilização entre meados do século VII e a
primeira metade do século VI a.C., com maior intensidade entre 625 e 600 a.C. (Belén; Amo & Fernández-Miranda,
1982, p. 27). Com efeito, da referida necrópole provêm diversos recipientes comparáveis aos exemplares em estudo: é
o caso da taça de carena alta e lisa da sepultura 2 (incineração) (Garrido Roiz, 1970, Fig. 7, n.º 1); das duas taças em
calote, com "omphalus" e bordo extrovertido (não observado na taça em calote do nosso conjunto, mas presente
nas taças carenadas do mesmo), ambas decoradas por ornatos brunidos na face interna (Garrido Roiz, 1970, Fig.
40), oriundas da sepultura dupla de inumação e incineração n.º 9), a que se junta um belo conjunto de taças manuais com superfície brunida, lisas, em calote e fundo convexo ou parabolóide (Fig. 42, 43 e 44). A ocorrência destes
recipientes inos foi atribuída pelo autor a tradições anteriores, que persistiram a par das novas produções cerâmicas de origem fenícia, encontradas na necrópole. J. P.
Garrido Roiz, apresentou ulteriormente, com E. M. Orta
García, a publicação dos resultados das 3.ª, 4.ª e 5.ª campanhas de escavação efectuadas na referida necrópole.
Assim, na sepultura 12 (incineração), recolheram quatro
recipientes produzidos com molde (apesar do estado muito
fragmentário e a má conservação das superfícies, como é
salientado pelos autores), alguns com vestígios de decoração, de ina manufactura: são quatro taças, das quais duas
com carena, comparáveis aos exemplares em estudo (Garrido
Roiz & Horta García, 1978, Fig. 14, n.º 2 e 3), a que se juntam outras taças feitas à mão em calote, de fundo por vezes
aplanado, em geral mais grosseiras, oriundas de outras
sepulturas (sepulturas 16, 17).
De referir, ainda, as cerâmicas recolhidas no sítio metalúrgico tartéssico de San Bartolomé de Almonte, perto de
Huelva, cuja ocupação, distribuída por vários fundos de cabanas, com um único nível de ocupação, corresponde globalmente a um período curto, dos séculos VIII e VII a.C.,
distribuído por três fases, caracterizadas pela evolução tipológica das formas cerâmicas. Procurando estabelecer comparações de maior pormenor entre as cerâmicas manuais
ali recolhidas – aliás suportadas pela sua quantidade e
minúcia dos elementos estratigráicos disponíveis, já que
cada fundo doméstico correspondia claramente a um conjunto "fechado" – veriica-se que as taças carenadas mais
antigas possuem um bordo engrossado e uma carena em
aresta, bem marcada na face externa (forma A. I. a), características que não se encontram no conjunto em apreço.
Com efeito, as três taças carenadas agora publicadas (Fig. 8,
n.º 2 e 3; Fig. 9, n.º 1) possuem carenas de peril suave, de
paredes abertas para o exterior e lábios convexos, formando
pequena aba extrovertida, que raramente se observam nos
conjuntos domésticos de San Bartolomé. Nos mais modernos
de tais conjuntos, encontram-se presentes taças em que a
carena se apresenta pouco marcada (forma A. 1-11), com
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Tholos do Malhanito
parte superior de peril côncavo (forma A. 11. a), correspondentes a paredes mais inas e a bordos menos engrossados
(Ruiz Mata & Fernandez Jurado, 1986, p. 186), características que persistem na Fase III. Tendo presente esta evolução,
das carenas angulosas para as suaves e para os peris côncavos e rectos, é com o grupo mais moderno que as taças
do Cerro do Malhanito mais se assemelham, visto não ter
sido identiicada qualquer taça de carena angulosa. No entanto, das largas dezenas de exemplares reproduzidos no
estudo dedicado ao sítio de San Bartolomé, apenas uma
taça se aproxima particularmente das características presentes no conjunto português: trata-se do exemplar
n.º 519, oriundo do fundo XIV – A, da Fase intermédia
(1-11) da ocupação do sítio.
Em suma: na área de Huelva, as cerâmicas inas manuais,
representadas sobretudo por taças, carenadas ou não e com
ou sem ornatos brunidos, sobreviveram, na Andaluzia ocidental, até ao século VI a.C. sendo no século VIII/II a. C. que
se encontram os melhores paralelos (além das referências
anteriores, ver Belén, Escacena & Bozzino, 1991, p. 237),
tendo mesmo atingido, ainda que de forma residual, o século V a. C. (Garrido Roiz & Orta García, 1978, p. 195, nota
133). Esta realidade não é de desprezar, dada a proximidade do local em apreço da referida região, com a qual
teriam, por certo, de existir contactos, veiculados ao longo
do baixo Guadiana e do litoral adjacente.
Importa, igualmente, ter presente a sequência estratigráica
encontrada em Mesa de Seteilla, Sevilha e respectivo registo
arqueológico; com efeito, tanto na Fase II a (de meados do
II milénio a.C. aos séculos IX-VIII, como na Fase II b, do
século VIII a.C. se encontraram paralelos para as formas
carenadas (taças e vaso baixo) do Cerro do Malhanito (Aubet-Semmler et al., 1983, Fig. 22, n.º 41, 42, 44 pertencentes à
Fase II a; Fig. 29, n.º 123, da Fase II b).
Em Portugal, as produções datadas mais tardias de taças
lisas inas, manuais e desprovidas de decoração, tendo presente a área mais próxima da que se encontra em estudo,
provêm da necrópole sidérica da Herdade do Pego, Ourique.
Assim, na sepultura II (provavelmente de inumação, a ser
de facto uma sepultura, d. Beirão, 1986, p. 61), recolheram-se diversos recipientes, repartidos tipologicamente por
diversas formas (Dias, Beirão & Coelho, 1970, p. 185), das
quais uma se aproxima dos dois exemplares carenados em
estudo: trata-se de duas taças baixas, com carena pouco
acentuada e "omphalus", observado no exemplar completo
(op. cit., p. 204). A cronologia desta necrópole, onde foi encontrada uma lápide epigrafada, pertencente à sepultura
111 (de incineração), foi situada na segunda metade a inais
do século VII a.C. (Correia, 1996, p. 55).
Face a tais considerandos, o limite cronológico mais recente
do conjunto exumado no Cerro do Malhanito poderia atingir
os inais do século VII/inícios do século VI a.C. Em tal caso,
estaríamos perante populações que não deteriam contactos
directos com os colonizadores fenícios, de há muito sediados no litoral atlântico adjacente, o que é estranho, tendo
presente a interacção que resultaria da presença da mineração, especialmente do cobre, que constituiria a principal
razão da presença destas populações. Crê-se, em consequência, mais aceitável admitir uma época anterior, não só
pelo motivo apresentado, mas também porque tais produções tardias são residuais na área tartéssica, nelas se veriicando nítida degradação da qualidade do fabrico, contrastando com a realidade evidenciada pelas peças em estudo:
com efeito, os recipientes de superfícies lisas brunidas e
brilhantes constituem não só a totalidade do conjunto cerâmica recolhido, como a excelente qualidade da sua produção
o situa numa época de apogeu, a qual se terá veriicado, na
área tartéssica, entre os séculos VIII e inícios do século VI
a.C. É, pois, esta a cronologia que se pode atribuir a este
belo conjunto cerâmico.
Tal cronologia corresponde, na Andaluzia ocidental, ao
Orientalizante antíguo/ Transição para o Orientalizante
pleno; este último abarcaria todo o século VII e inícios do
seguinte (Pellicer, 1979/1980, p. 328, 329). É de referir, a
terminar a discussão da cronologia, que, na submeseta sul,
é também nos séculos VIII e VII a.C. que se increvem as produções de recipientes análogos (García Huerta & Rodriguez,
2000, p. 62), fazendo a transição para o mundo ibérico.
4.3 - As peças metálicas
O anel ou argola de bronze tem inúmeros paralelos em estações do Bronze Final do território português, os quais
poderiam ser utilizados como elementos de artefactos compósitos, ou isoladamente (como verdadeiros anéis).
O fragmento de alinete com cabeça em calote esférica, ao
contrário, é assinalavelmente raro para a referida época:
os dois paralelos publicados mais próximos do território
português correspondem a exemplares auríferos, com cabeça em botão, aplanada ou levemente convexa; um deles,
foi recolhido no povoado calcolítico da Penha Verde, Sintra
(Zbyszewski & Ferreira, 1958, Est. IV, n.º 13); o outro, corresponde ao achado descontextualizado de Areia, Mealhada
(Armbruster & Parreira, coord., 1993, p. 152). No primeiro
caso, afastada a hipótese de ser peça calcolítica, a alternativa mais provável é que se integre no Bronze Final, também
representado na estação, e não no Bronze Antigo, cronologia que foi atribuída ao exemplar homólogo de Areia,
Mealhada pelos autores citados. No entanto, o exemplar
que mais se aproxima do recolhido provém do povoado do
Bronze Final da Tapada da Ajuda, Lisboa (inédito, escavações dirigidas pelo signatário – J.L.C.), também de bronze
e, tal como o agora estudado, possui cabeça em forma de
calote esférica pronunciada.
Em abono de uma cronologia adrede o Bronze Final para
aquelas raras produções auríferas, pode invocar-se a sua
semelhança com exemplares de alinetes do Bronze Final,
de bronze, como o da Tapada da Ajuda, para além da evidente analogia entre a morfologia das suas cabeças, e a dos
remates de diversas braceletes do Bronze Final recolhidas
em território português.
Enim, o fragmento de aro de cobre ou bronze merece análise mais extensa. Não cremos que existam razões indiscutíveis para o fazer corresponder a fragmento de fíbula anular hispânica, dado o seu estado fragmentário e deformado.
Com efeito, desde o Calcolítico que ocorrem aros de cobre
de morfologia idêntica; é de registar, também, o achado de
argola idêntica, com o diâmetro de 4,5 cm, portanto próxima do exemplar em causa, na sepultura IV E da necrópole
de Atalaia, Ourique, pertencente ao Bronze do Sudoeste
(Schubart, 1965 b, Fig. 7).
Mesmo em estações de épocas próximas, como o sítio metalúrgico de San Bartolomé de Almonte, Huelva (Ruiz Mata
& Fernández Jurado, 1986), onde se recolheram fragmentos
de morfologia e tamanho idênticos, estes foram simplesmente classiicados como fragmentos de aro ou de "Iezna"
(Lám. XIV, n.º 238; Lám. XXXVI, n.º 507).
No entanto, a assinalável diacronia representada pelas produções cerâmicas merecia que se discutisse com algum detalhe a eventualidade de poder corresponder a uma fíbula
anular hispânica, cujos protótipos mais antigos, com raízes
andaluzas, remontam, precisamente, ao século VI a.C.,
ou mesmo à segunda metade do século VII a.C. (Ponte,
2004), de acordo com a estratigraia do Castillo de Dª.
Blanca, Cádiz (Ruíz Delgado, 1989, p. 205). Já muito antes,
M. Pellicer, na sua inovadora e ainda hoje útil síntese sobre
a periodização do mundo tartéssico e turdetano, declarava,
ao referir-se às transformações veriicadas na área tartéssica no século VI a.C.: "La metalistería y orfebrería de
matriz orientalizante prosigue su esplendor, introduciéndose elementos nuevos, como las grandes fíbulas anulares
hispánicas tan características dei mundo ibérico-turdetano"
(Pellicer, 1979/1980, p. 331). Não deixa, todavia, de se
estranhar, admitindo tal cronologia para a reutilização
funerária desta tholos, o contraste evidenciado entre o conservadorismo dos recipientes cerâmicos, todos de fabrico
manual, face à ocorrência de um dos primeiros exemplares
deste novo adereço metálico.
Relembre-se que, em Portugal, Caetano Beirão, já na década
de 1980, tinha situado no século VI a.C. a grande fíbula
anular da necrópole de Chada, Ourique, segundo comparações tipológicas e as características do material acompanhante (Beirão, 1986, p. 86). Não parecem, deste modo,
lícitas as reservas a esta cronologia apresentada mais recentemente, e, por extensão, à cronologia dos séculos VII e
VI a.C. das necrópoles baixo-alentejanas escavadas por aquele
arqueólogo (Jiménez Ávila, 2004). Caetano Beirão diz, a propósito desta bela peça, o seguinte (Beirão, 1986, p. 86):
"Quant à la détermination de la date (da necrópole), nous
devons ixer une époque reculée, compte tenu de la date de
la ibule dont la forme et les dimensions, selon nous, se rapprochent le plus de celle-ci, à savoir, celle qui a été recueillie
dans les fouilles de Cerro Macareno (Séville), d'une stratigraphie sûre qui permet de I'attribuer à la in du VI siécle av.
J.C. Ceci nous conduit donc à attribuer notre ibule à la
même époque – VI siécle av. J.C., ce qui, nous semblet-il, est
en accord avec les dates possibles du reste du matériel de
la nécropole". Esta opinião é precisada por V. H. Correia
(mas não "corrigida", ao contrário do que o próprio declara), ao situá-la nos inícios do século VI a. C. (Correia,
1993, p. 359) O aro de bronze recolhido no Cerro do
Malhanito, no caso de corresponder a uma fíbula anular
hispânica, pode, face ao que icou dito, ascender sem diiculdade aos primórdios do século VI a.C., se não mesmo
aos inais do século anterior, o que é compatível com as
suas signiicativas dimensões, sendo coevo das belas peças
cerâmicas ali também recolhidas, as quais se inscreveriam
nas derradeiras produções indígenas do mundo de inluência
tartéssica, ao qual, por critérios geográicos, não deixariam
de pertencer.
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Tholos do Malhanito
Com efeito, enquanto que, no corredor, os únicos materiais
recolhidos remontam ao Calcolítico, já os níveis mais profundos da câmara forneceram um conjunto importante de
fragmentos de recipientes muito inos, intensamente fracturados, reportáveis ao Bronze Final/ inícios da Idade do
Ferro (Cardoso, 2004). Tal realidade indica que, em tal
época, o local foi reutilizado como local de enterramento,
tendo-se, então, escavado o interior daquela parte do monumento, até ao fundo, sobre o qual se depositou pelo menos
um corpo, cujos restos ósseos, muito incompletos, foram
recolhidos, alguns deles ainda em posição anatómica (Fig.
10; Fig. 11; Fig. 12). Embora a sua datação pelo radiocarbono não tenha sido possível, por falta de colagéneo, a tipologia dos materiais arqueológicos – designadamente os
cerâmicos – indica a integração cronológico-cultural referida.
Fragmentos destes recipientes, embora concentrando-se nos
níveis inferiores do enchimento da câmara (Fig. 3), espalhavam-se verticalmente, abarcando boa parte do enchimento,
denunciando a intensidade dos remeximentos que, ulteriormente, mas em época recuada, ali foram praticados.
Tais remeximentos estiveram, também, na origem da assinalável dispersão dos ossos humanos, muito incompletos e
inclassiicáveis, que, igualmente, se concentravam nos níveis
inferiores do enchimento da câmara (Fig. 3).
Os mais representativos materiais arqueológicos conotáveis com a reutilização tardia da tholos do Malhanito foram
já aqui referidos e publicados (Cardoso, 2004); trata-se dos
recipientes cerâmicos das Fig. 13, Fig. 14 e Fig. 15, cuja análise tipológica permitiu atribuir a reocupação funerária da
câmara do monumento ao Bronze Final/ inícios da Idade do
Ferro, com estreitas analogias ao mundo tartéssico inicial;
por tal facto, dispensam novas descrições e comparações.
Os fragmentos de recipientes cerâmicos reportáveis ao aludido episódio de reutilização agora publicados pela primeira
vez (Fig. 16), integram-se, sem diiculdade, no conjunto já
conhecido; predominam, igualmente, as produções muito
inas, as pastas duras e depuradas, sendo evidente o cuidado dispensado ao acabamento das superfícies dos recipientes, de coloração castanha anegrada, muito lisas, de
toque quase metálico e brilho acetinado. Exceptua-se um
recipiente mais grosseiro (Fig. 16, n.º 5), pertencente a um
vaso de colo fechado, que, contudo, se insere sem diiculdade no conjunto das produções da referida época.
Os restantes artefactos pertencentes à reutilização do monumento, foram já publicados, apresentando-se, agora, a
sua localização e respectiva profundidade, no interior da
câmara do monumento (Fig. 3). Assim, associados ao conjunto de ossos longos em melhor estado de conservação
exumado no nível basal da câmara do monumento, recolheram-se três artefactos: trata-se de uma conta de cerâmica
de cor de tijolo, de pasta muito ina e homogénea (Fig. 17,
n.º 4), a qual se encontrava por baixo do conjunto osteológico (Fig. 11); de uma conta em seixo de grauvaque cinzento, com polimento em ambos os topos e perfuração assimétrica natural (Fig. 17, n.º 5), visível, junto a vários ossos
longos, na Fig. 11; e de um arame curvilíneo de bronze, associado a um segmento de menor dimensão, atribuível eventualmente a uma fíbula anular hispânica (Fig. 17, n.º 6). Os
outros dois artefactos recolheram-se perto um do outro,
mas já longe do conjunto anterior: trata-se de uma argola
(ou anel) de bronze (Fig. 17, n.º 7) e de um alinete, com
cabeça em calote de esfera, incompleto (Fig. 17, n.º 8).
A dispersão, registada na Fig. 3, dos artefactos aludidos,
pelos níveis mais profundos da câmara do monumento,
nada nos diz sobre a sua primitiva posição, tendo presente
os intensos remeximentos que conduziram à redução dos
recipientes cerâmicos a fragmentos minúsculos. Importa registar que a conta com perfuração natural de grauvaque
(Fig. 17, n.º 5), tem o seu único paralelo conhecido em exemplar recolhido no monumento megalítico n.º 3 do Lousal,
Grândola (Ferreira & Cavaco, 1955/1957, p. 198), exposta
no Museu do ex-Instituto Geológico e Mineiro. A presença
desta conta, no referido monumento megalítico, faz crer
numa reutilização deste, aliás sugerida por outros artefactos claramente do Bronze Final, ou já da Idade do Ferro,
no conjunto daqueles monumentos (Cardoso, 2004).
Fig. 11 – Pormenor do conjunto osteológico humano, associado a
uma conta escura, de grauvaque, representada na Fig. 17, n.º5.
Fig. 12 – Desenho do conjunto osteológico humano representado
na fig.11.
A assinalável quantidade e diversidade dos recipientes reportáveis a esta reutilização, faz crer que correspondam a
mais de uma deposição funerária, no nível basal da câmara,
assim se explicando a sua escavação integral, com o respectivo enchimento retirado e espalhado no exterior, até se ter
atingido o substrato geológico, sobre o qual assentava o
chão primitivo do monumento, constituído por camada argilosa compactada, amassada com pequenos fragmentos de
xisto e de grauvaque.
Fig. 13 – Recipientes do Bronze Final/inícios da Idade do Ferro.
Os artefactos calcolíticos primitivamente existentes no interior do monumento, conheceram dois processos distintos:
os que se encontravam na câmara, foram completamente
removidos para o exterior, aquando da reutilização daquele
sector do monumento; destes, apenas uma parte foi de novo
introduzida no seu interior; apenas os materiais que se encontravam no corredor não conheceram assinaláveis perturbações, tendo em conta que aquele sector da tholos não
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Tholos do Malhanito
deste sector do monumento, sugerida pela recolha de fragmento de cerâmica lisa calcolítica, incaracterística (Fig. 3).
sofreu remeximentos ulteriores. Seja como for, a escassez
dos materiais atribuíveis ao Calcolítico, sublinha o diminuto
número de tumulações efectuadas no monumento, mesmo
tendo em conta as fortes perturbações de origem antrópica
referidas.
Apesar de se tratar de um monumento, onde a ocorrência
de artefactos ideotécnicos seria esperável, apenas se recolheu um objecto pertencente a esta categoria, o que reforça
a sua escassa utilização funerária. Trata-se de um pequeno
seixo achatado de grauvaque, de contorno piriforme, com o
comprimento máximo de 6,8 centímetros possuindo, de
ambos os lados, dois entalhes opostos, feitos com uma
ponta dura (Fig. 17, n.º 3); jazia a 0,44 m de profundidade,
numa posição não muito distinta da original, encostado, à
entrada do corredor, e do seu lado direito (Fig. 3). Este
objecto assumiu, deste modo, com notável economia de
gestos, forma marcadamente antropomórica, já que as
duas concavidades assim obtidas serviram para separar a
base, larga e arredondada, da parte superior, de contorno
sub-triangular. É evidente a analogia formal do ídolo assim
Com efeito, da área da câmara provém apenas um pequeno
escopro de anibolito, totalmente polido, com excepção do
talão, provavelmente destinado a encabamento (Fig. 17, n.º 1),
e sem sinais de utilização. Esta peça provém dos entulhos que
colmataram a câmara do monumento, tendo sido recolhida
em um nível superior aos que correspondem às deposições
do Bronze Final/inícios da Idade do Ferro (Fig. 3).
As restantes três peças calcolíticas provêm da área do átrio
e do corredor. À entrada do átrio, jazia, a pequena profundidade, fragmento de enxó (ou de pequeno sacho), totalmente polida, de rocha ina (grupo dos xistos verdes), de
que se conservou apenas a parte correspondente ao gume.
Este, que apresenta intensos sinais de utilização, por percussão directa, na face ventral, indica que a peça foi depositada já utilizada, e, eventualmente, partida intencionalmente, acto que resultou na pequena porção recolhida (Fig.
17, n.º 2). Com efeito, embora a maioria dos exemplares de
pedra polida recolhidos em sepulcros neolíticos e calcolíticos do sul do actual território português se encontrem inteiros e, muitas vezes, intactos, prontos a usar, alguns outros
ostentam fracturas que só poderiam ter resultado de choques violentos, levantando a questão da intenção de se
depositarem nos sepulcros já sob a forma de fragmentos
inutilizáveis, claramente contraditória com o princípio anterior. No caso presente, ter-se-ia uma destas situações: ao
artefacto intacto depositado na câmara, contra-por-se-ia
este exemplar, com evidentes marcas de uso e, eventualmente, partido intencionalmente (uma pequena esquírola
destacou-se da sua face dorsal, no decurso da sua descoberta e extracção do terreno, não se confundindo com a
fractura pré-existente, que o secciona transversalmente).
Enim, a posição desta peça, à entrada do átrio do monumento reforça a existência de oferendas depositadas a céu
aberto, no exterior dos monumentos, cuja existência só
começou a ser conhecida, em muitas regiões do actual território português, a partir do momento em que se passaram a explorar a totalidade dos montículos funerários, e
não apenas a sua estrutura interna: é o caso de alguns dos
megálitos do sul da Beira Interior, recentemente investigados (Cardoso, Caninas & Henriques, 2003). Contudo, não se
pode rejeitar deinitivamente a hipótese de violação antiga
Fig. 14 – Recipientes do Bronze Final/inícios da Idade do Ferro.
Fig. 15 – Recipientes do Bronze Final/inícios da Idade do Ferro.
obtido a exemplares homólogos do Sudeste, ditos de “tipo
EI Garcel” (Almagro-Gorbea, 1973), que já anteriormente
foram paralelizáveis com uma grande conta de variscite
recolhida na tholos da Tituaria, Mafra (Cardoso, Leitão &
Ferreira, 1987), a qual se pode integrar no mesmo grupo
tipológico. Tais ídolos são, por outro lado, formalmente semelhantes a exemplares de mármore recolhidos em Tróia
por H. Schliemann desde a primeira ocupação pré-histórica
ali reconhecida (Schliemann, 1880, p. 232). Naturalmente
com estes últimos, poderá simplesmente tratar-se de convergência estritamente formal, veriicada entre objectos sem
quaisquer relações culturais entre si, facilmente explicável
pela simplicidade da representação estilizada da igura humana que se pretendia com eles representar. A presente
peça valeria, estritamente, pelo que representava, e não pelo
seu valor intrínseco, decorrente da raridade ou beleza da
matéria-prima em que é afeiçoada: um simples seixo de rio.
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Tholos do Malhanito
Importa valorizar a sua posição ritual, depositada de lado,
à direita da entrada do corredor, com a cabeça voltada para
a entrada do monumento: poderá simbolizar um espírito
protector ou corporizar mesmo a alma de um dos escassos
indivíduos ali sepultados, tendo, a tal propósito, paralelo
nos conjuntos de pequenos bétilos agrupados no lado externo de algumas tholoi de Los Millares (Almagro & Arribas,
1963), os quais poderiam representar, de igual modo, o espírito ou as divindades protectoras de cada um dos ali tumulados. Trata-se, deste modo, de uma interessante manifestação do sagrado e, que se saiba, única, no seu género,
no território actualmente português.
Findas as escavações, o monumento, apesar do seu excelente estado de conservação em profundidade, contrariando as assinaláveis destruições recentes, que supericialmente evidenciava, possuía fragilidades estruturais, que
punham em risco a sua conservação. Deste modo, para precaver danos evitáveis, devido à acção dos agentes meteóricos, procedeu-se à protecção da estrutura posta a descoberta, seguindo metodologia já anteriormente descrita
(Cardoso & Gradim, 2005), tendo em vista a sua valorização
turístico-cultural, no quadro da constituição de diversos
circuitos de visita, da iniciativa da Câmara Municipal de
Alcoutim.
Fig. 17 – Materiais calcolíticos e do Bronze Final/inícios da Idade do Ferro (para a localização de algumas das principais peças ver Fig.3.
Fig. 16 – Recipientes do Bronze Final/inícios da Idade do Ferro.
1- pequeno escopro de anfibolito; 2- pequena enxó (ou sacho) de rocha de grão fino (xisto verde), com intensas marcas de utilização,
por impacto, na face ventral e fracturada intencionalmente (?); 3- pequeno ídolo antropomórfico executado em seixo rolado de ribeira;
4- conta de barro de grão muito fino, recolhida sob o conjunto osteológico humano; 5- conta de grauvaque, com perfuração natural
associada ao conjunto osteológico humano; 6- fusilhão curvo, de bronze, atribuível a fíbula anular, com o respectivo; 7- argola ou anel,
de bronze; 8- alfinete incompleto, de bronze, com cabeça hemisférica.
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5 - DISCUSSÃO E CONCLUSÕES
Neste último capítulo, revêem-se e actualizam-se as conclusões apresentadas em trabalho anteriormente publicado
(Cardoso & Gradim, 2005).
A tholos do Cerro do Malhanito corresponde ao segundo
monumento no seu género identiicado e explorado, depois
de, nos inais da década de 1980, se ter publicado a tholos
da Eira dos Palheiros (Gonçalves, 1989, Fig. 6.5), distanciada
cerca de 16 km para ESE e não a que, no trabalho dos autores de 2005 se indicou. Tal como este monumento foi
relacionado com o povoado fortiicado do Cerro do Castelo
de Santa Justa (Gonçalves, 1989, p. 346), também o presente
sepulcro poderá relacionar-se com o povoado do Cerro do
Castelo das Mestras, dado a conhecer por V. S. Gonçalves,
situado num cabeço cerca de 2,5 km para ENE. As semelhanças com a tholos da Eira dos Palheiros estendem-se, ainda,
às características da implantação topográica: também este
sepulcro se localiza "na extremidade de um cerro, dominando um meandro da ribeira da Foupana" (Gonçalves,
1989, p. 342). Porém, ao contrário do ali observado, bem
como na generalidade das tholoi do Baixo Alentejo, o corredor do monumento do Cerro do Malhanito é curto, terminando em um possível átrio, mal conservado e, por isso
mesmo, apenas plausível. O pequeno comprimento do corredor tem, porém, paralelo mais próximo no monumento
de Marcela, no litoral algarvio (freguesia de Cacela, concelho
de Tavira). Com efeito, a planta que dele publicou o seu
explorador (Veiga, 1886, Est. XII, n.º 2), sugere um monumento complexo, constituído por uma tholos de corredor
curto, idêntica à agora estudada, a cuja entrada se encostou a cabeceira de um monumento megalítico de planta
subtrapezoidal, do tipo "galeria coberta", que tem no megálito vizinho de Nora, o seu melhor paralelo. Esta hipótese,
recentemente admitida (Gonçalves, 2003), que faria com
que a tholos fosse mais antiga que o megálito a ela geminado, carece de conirmação, diicultada pelo facto de ambos
os monumentos terem, entretanto, desaparecido. As escavações, actualmente em curso, em notável monumento megalítico, perto de Santa Rita, descoberto por David Calado, e
por este gentilmente mostrado em Agosto de 2007, poderão
contribuir para a clariicação da relação cronológico-cultural
entre as duas estruturas funerárias identiicadas no vizinho sítio da Nora. Seja como for, o complexo monumento
da Nora representa paralelo que deverá ser registado. Outro
paralelo, mais sugestivo, corresponde à tholos de Cerro do
Gatão, Ourique (Viana, Ferreira & Andrade, 1961 a). Trata-se, igualmente, de monumento com corredor curto, deinido
apenas por um ortóstato colocado de cada lado, antecedido
por um átrio exterior, ao ar livre, como poderia observar-se
no presente sepulcro.
Outra é a realidade expressa pelo monumento de câmara
circular escavado perto de Castro Marim, no século XIX por
António Mendes, colector da então Secção dos Trabalhos
Geológicos de Portugal. Tal monumento era fechado, desprovido de corredor, como em estudo anteriormente publicado se teve oportunidade de demonstrar, em presença do
original de António Mendes (Gomes; Cardoso & Cunha, 1994).
Trata-se, isso sim, de um sepulcro semelhante a alguns dos
identiicados por G. e V. Leisner no Sudeste, e atribuídos,
no âmbito da Cultura de Almería, a uma época anterior às
tholoi daquela região (Leisner, 1945); e, com efeito, a datação de radiocarbono realizada sobre um das duas tíbias do
provavelmente único indivíduo nele tumulado, indica a atribuição cronológica do sepulcro ao Neolítico Final.
A estrutura de selagem identiicada no corredor, próximo
da passagem para a câmara, tem, igualmente, paralelo em
algumas tholoi do sul de Portugal, como a do Monte das
Pereiras (Serralheiro & Andrade, 1961), que, a meio do corredor, e em estreita articulação com dois "batentes" laterais,
possuía uma "porta" feita num ortóstato, que se encontrou
tombada no interior do mesmo.
Ainda no concernente à arquitectura do monumento, assinala-se que a solução construtiva mais comum entre os
cerca de vinte e seis monumentos inventariados seus congéneres explorados tanto no Baixo Alentejo e no Algarve,
como no Alto Alentejo (Cardoso, 2002a), corresponde ao
uso sistemático de elementos ortostáticos para delimitar
as câmaras e os corredores, tal como o observado no caso
em apreço; ao contrário, em alguns monumentos algarvios
da necrópole de Alcalar, as estruturas foram deinidas por
elementos dispostos horizontalmente, técnica que parece
ser exclusiva dos escassos monumentos calcolíticos estremenhos de falsa cúpula, embora os elementos líticos sejam
de signiicativas dimensões, devido, em parte, à natureza
da matéria prima disponível (blocos de calcário).
No respeitante ao espólio arqueológico, regista-se a sua evidente exiguidade, aliás já conhecida em outros monumentos
do sul de Portugal, a começar pela vizinha tholos da Eira dos
Palheiros, a cerca de 16 Km de distância; monumentos há
que, apesar do seu excelente estado de conservação, como
a já mencionada tholos do Cerro do Gatão, Ourique (Viana,
Ferreira & Andrade, 1961 a), quase se encontravam desprovidas de espólio (este apenas deu um fragmento cerâmico
e uma pequena lâmina de sílex, muito fruste), contrastando
nitidamente com a abundância de materiais arqueológicos
recuperados noutros monumentos análogos da mesma região, como a tholos de Monte Velho, Ourique (Viana, Andrade
& Ferreira, 1961); a razão de tal realidade prende-se, antes
de mais, com a escassa utilização funerária dada à maioria
das tholoi meridionais (com algumas excepções, particularmente evidentes em Alcalar, apesar de aqui a utilização do
espaço funerário se encontrar muito aquém do potencialmente disponível, como é indicado pela monumentalidade
dos sepulcros): tal como no monumento em apreço, também na tholos da Eira dos Palheiros, apenas um máximo de
duas deposições terão sido efectuadas (Gonçalves, 1989,
p. 346). Enim, na tholos do Monte do Outeiro, Aljustrel
(Viana, Ferreira & Andrade, 1961 b), apenas se identiicou
uma tumulação calcolítica. Tal escassez, pode estar relacionada com o estatuto dos indivíduos tumulados: por outras
palavras, nem todos os elementos pertencentes a uma dada
comunidade teriam direito a serem sepultados nestes monumentos, os quais seriam reservados para o segmento dominante: esta situação explicaria, segundo R. Parreira (comunicação verbal, 2007), a escassez de restos humanos nos
sepulcros alcalarenses, contrastando, por um lado, com a
importância do povoado correspondente e, por outro, com
o carácter verdadeiramente colectivo identiicado no hipogeu de Monte Canelas, situado nas proximidades e pertencente à época imediatamente anterior (Neolítico Final).
Seja como for, não obstante a pobreza do espólio, deve ser
devidamente valorizada a presença do ídolo antropomórico depositado ritualmente à entrada do corredor, o qual,
sendo único no seu género em Portugal, possui paralelos
estreitos com exemplares do Sudeste peninsular; aliás, a presença, no decurso do Calcolítico, na região algarvia, de
peças verdadeiramente importadas daquela região – ou, em
alternativa, dos artíices que as confeccionaram – foi recentemente comprovada pelo estudo do notável conjunto de
ídolos de Pêra, Silves (Cardoso, 2002b).
Não deixa de ser singular a falta absoluta, no Cerro do
Malhanito, de artefactos de pedra lascada (lâminas e, sobretudo, pontas de seta), bem como de materiais cerâmicos calcolíticos, que constituem geralmente parte signiicativa dos
espólios funerários destes monumentos, embora a relação
entre os dois grupos de matérias-primas não seja sempre
proporcional; com efeito, alguns monumentos baixo-alentejanos possuem reportório cerâmico signiicativo, sem que
tal seja acompanhado pela indústria lítica, como é o caso da
tholos do Monte das Pereiras (Serralheiro & Andrade, 1961).
Talvez, em parte, no caso em apreço, esta falta seja mais
aparente que real, tendo presente o completo esvaziamento
da câmara do monumento aquando da sua reutilização, com a fractura das peças cerâmicas, mais frágeis, e o
fácil extravio dos artefactos líticos, por serem de menores
dimensões.
Tal reutilização deu-se no Bronze Final / inícios da Idade do
Ferro, nas condições já descritas. Também para este fenómeno, são vários os paralelos encontrados, tanto no Bronze
Final, como na Idade do Ferro do sul de Portugal, inventariados em estudo anterior (Cardoso, 2004): os exemplos
mais expressivos são os das tholoi do Barranco da Nora
Velha, Ourique (Viana, 1962) e do Monte do Outeiro, Aljustrel
(Schubart, 1965); mas outros se poderiam citar, como o
achado de uma ivela do tipo Acébuchal, segundo a classiicação de E. Quadrado, no exterior da tholos do Cerro do
Gatão (Almeida & Ferreira, 1967), ou as duas reutilizações
no Bronze Final e na II Idade do Ferro da cista megalítica do
Cerro das Antas, Almodôvar (Viana, Ferreira & Andrade,
1957). Tais situações têm, no vizinho território andaluz,
estreitas analogias. Com efeito, também nesta vasta região
do sueste peninsular se identiicaram abundantes reutilizações de sepulturas colectivas calcolíticas (Lorrio & Montero
Ruiz, 2004).
Contudo, os exemplos anteriores correspondem mais a
adições de materiais aos primitivamente existentes, não requerendo limpezas e muito menos esvaziamentos de espaços sepulcrais anteriormente ocupados. É neste aspecto
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que ganha particular relevância o paralelo oferecido pela
tholos da Roça do Casal do Meio, Sesimbra, onde, na câmara,
foram identiicados pelos escavadores, indícios de limpezas
imediatamente antecedentes das duas inumações ali efectuadas no Bronze Final (Spindler et al., 1973/ 1974, p. 117).
Com efeito, após a discussão das diversas hipóteses que
têm sido apresentadas para explicar a ocorrência deste monumento de arquitectura única, no contexto peninsular, para
a época a que tem sido atribuído, e veriicadas que as próprias características desta são substancialmente mais simples que as indicadas pelos seus escavadores, ganha corpo a
possibilidade mais lógica, a de se tratar de uma tholos calcolítica reutilizada (Cardoso, 2004), tal como o caso em apreço,
dele constituindo o paralelo mais próximo.
Os remeximentos no interior da câmara continuaram em
épocas ulteriores, como se veriicou noutros sepulcros megalíticos da região, realidade comprovada pela intensa fracturação dos recipientes do Bronze Final / inícios da Idade
do Ferro. Com efeito, na vizinha povoação do Monte da
Estrada, os escassos habitantes permanentes associavam a
existência da tholos a uma antiga sepultura, sendo plausível que tal ideia tenha motivado alguma "exploração" em
tempos pouco distantes, antecedendo os danos veriicados
na parte superior de alguns dos ortóstatos da câmara do
monumento, que estiveram, aliás, na origem desta intervenção arqueológica.
É de assinalar que, provavelmente, terá sido apenas tumulado, no Bronze Final / inícios da Idade do Ferro, um indivíduo no monumento, cujo corpo foi depositado directamente sobre o chão primitivo da câmara; os restos atropológicos recolhidos, conquanto em muito mau estado de
conservação, circunscrevem-se a algumas diáises de ossos
longos, mais resistentes, alguns ainda em conexão anatómica;
apesar do seu mau estado, são, até ao presente, o único conjunto antropológico recolhido em sepulturas do tipo tholoi,
tanto na serra algarvia, como em toda a vasta região coninante baixo-alentejana.
A terminar, crê-se que o cuidado dispensado à conservação
da estrutura posta a descoberto, através das acções efectuadas (Fig.18), deve ser salientado, não apenas por se tratar
de condição indispensável à manutenção da sua integridade,
como ainda por viabilizar o seu aproveitamento turístico-cultural, no âmbito da constituição de diversos circuitos
de visita, de iniciativa da Câmara Municipal de Alcoutim.
Enim, importa referir que o difícil restauro dos materiais
cerâmicos, indispensável para a reconstituição das formas
originais, foi competentemente realizado no Laboratório
de Arqueologia da Câmara Municipal de Alcoutim pela Eng.ª
Manuela da Palma Teixeira, a quem se agradece. A totalidade do espólio arqueológico recolhido encontra-se no
Depósito de Arqueologia da Autarquia.
Fig. 18 – Aspecto final da consolidação executada com colocação de blocos de grauvaque sobre geotêxtil estendido
em todo o seu interior e embalado em matriz terrosa, posteriormente coberta por camada de gravilha miúda.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Dez anos de trabalhos
arqueológicos em Alcoutim
DO NEOLÍTICO AO ROMANO
4 - A Anta
do Malhão
102
A Anta do Malhão
29. Punhal
Cobre
Calcolítico Final
(último quartel III milénio a. C.)
31. Taça em calote
26,5 x 3,5 x 0,5 cm
Cerâmica
Anta do Malhão
Calcolítico Final
(último quartel III milénio a. C.)
N.º Inventário: NMA.182
Ø 12 cm e 5,1 cm alt.
Anta do Malhão
N.º Inventário: NMA.174
30. Ponta Palmela
Cobre
Calcolítico Final
(último quartel III milénio a. C.)
6,7 x 1,5 x 0,4 cm
Anta do Malhão
N.º Inventário: NMA.183
32. Vaso de carena alta
Cerâmica
Calcolítico Final
(último quartel III milénio a. C.)
Ø 17 cm e 12,8 cm alt.
Anta do Malhão
N.º Inventário: NMA.175
103
104
A Anta do Malhão
4 - A Anta do Malhão4
RESUMO
A anta do Malhão é um pequeno monumento megalítico integralmente constituído por
esteios de grauvaque cuja construção se reporta aos inais do IV milénio a.C., situado
no topo de um cerro xistoso, culminante dos relevos da região, próximo da povoação
de Afonso Vicente.
Possui câmara poligonal e corredor, do qual apenas a entrada foi deinida, por dois
esteios ixados verticalmente. O restante espaço do corredor não foi afeiçoado, mantendo-se o aloramento xistoso primitivo no lugar onde deveriam ter sido ixados os
restantes esteios laterais. Deste modo, veriica-se que a construção do sepulcro não foi
concluída, apesar de o espaço correspondente ao interior da câmara se encontrar inteiramente ocupado por uma laje de grandes dimensões, o que obrigou a um elevado investimento. A colocação desta grande laje antecedeu a delimitação da câmara pelos
respectivos esteios, os quais se encontram ixados por cunhas, encaixadas entre aquela
e o lado interno destes.
A primeira e única tumulação, efectuada na câmara e em parte do corredor, corresponde a época integrada em fase tardia do Horizonte de Ferradeira, dos inais do III
milénio a.C. Sobre uma camada estéril, com cerca de 10 cm de potência, entretanto
acumulada no interior da câmara, identiicou-se um vaso liso, de carena alta, acompanhado de uma pequena taça em calote, também lisa, sob a qual jazia uma ponta Palmela
de tipologia evoluída. No corredor, junto à câmara, recolheu-se um longo e estreito
punhal, correspondendo a modelo de transição entre as produções calcolíticas e as
argáricas. Trata-se, pois, de um conjunto funerário, selado e homogéneo, um dos poucos que, nestas circunstâncias têm sido claramente identiicados no âmbito do Horizonte de Ferradeira, deinido por H. Schubat em 1971, abrangendo o Baixo-Alentejo e
o Algarve, com prolongamentos pela Andaluzia Ocidental.
A única tumulação efectuada no monumento, correspondente a uma reutilização deste,
foi acompanhada da erecção, no exterior do recinto, e do lado direito da entrada do
mesmo, de uma estela, ostentando duas pequenas “fossettes” numa das faces, cuja fundação se fez ao nível deinido por um empedrado com planta em ferradura, constituído
por lajes alongadas de grauvaque, que circundam exteriormente a câmara do monumento. A disposição cuidada dos elementos deste empedrado indica que o monumento
não possuía tumulus, à semelhança do veriicado em outros monumentos funerários
4 O presente texto corresponde, no essencial, ao estudo publicado em 2010, pelos autores (CARDOSO, João Luís e GRADIM, Alexandra,
2010, A Anta do Malhão (Alcoutim) e o “Horizonte de Ferradeira”, “Actas do 7º Encontro de Arqueologia do Algarve”, Revista XELB,
n.º 10, Silves, pp.55-72).
da região, de tipo cistóide, pertencentes a diversas épocas, do Neolítico Final/ Calcolítico
à Idade do Ferro, explorados anteriormente pelos autores desta comunicação no concelho
de Alcoutim.
ABSTRACT
The dolmen of Malhão is a small megalithic monument totally constituted by orthostats
of graywacke whose construction dates from the late IV Millenium BC, located on the top
of a schist-graywacke hill, dominating the regional reliefs close to the village of Afonso
Vicente. It has a polygonal chamber and corridor, of which only the entrance was deined, by two orthostats ixed vertically. The remaining space of the corridor was not
shaped maintaining the schistgreywacke rocky levelling in the place where the other
lateral orthostats should have been. In this way, we can see that the construction of the
sepulchre was not concluded though the corresponding space of the interior of the chamber is entirely occupied by a slate greywacke stone of large dimensions, which has
obliged to a huge investment. The placing of this element has preceded the delimitation
of the chamber by the respective orthostats, that if ixed by wedges, between it and the
inner side of each orthostat. The irst and unique tumulation performed in the chamber
and part of the corridor, corresponds to an epoch integrated in the late phase of the
Horizon of Ferradeira, in the inal of the III millennium BC. Over a sterile layer with
about 10/15 cm of thickness, meanwhile accumulated in the inner part of the chamber,
we have identiied a smooth carinated vase, accompanied by a small spherical callote
cup, under which laid a Palmela point of evolved typology. In the corridor, next to the
chamber, we have collected a long and narrow dagger corresponding to a model of
transition between the chalcolithic and argaric metallurgic productions. It is a group of
funerary pieces sealed and homogeneous, one of the few that in these circunstances
have been clearly identiied as belonging to the Horizon of Ferradeira deined by H
Schubart in 1971, including the Baixo Alentejo and Algarve regions, with extensions to
the Western Andaluzia. The sole deposition identiied in the monument corresponds to a
reutilization of it, and it was accompanied by the erection in the outside part of the precinct, and to the right side of it, of a stele showing one or two small fossettes in one of its
faces. Its foundation was done at the level deined by a stone surface with a plant in
horseshoe, constituted by elongated elements of graywacke, which surround in the exterior the chamber of the monument. The attentive disposition of that elements indicates
that the monument did not possess tumulus, similarly to what was veriied in other funerary monuments in the region, of the cist type, belonging to several epochs, from the
Late Neolithic/Calcolithic to the Iron age, exploited previously by the authors in the municipality of Alcoutim.
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A Anta do Malhão
1 - INTRODUÇÃO
A Anta do Malhão (substantivo que signiica amontoado de
pedras intencionalmente constituído, em geral relacionado
com a limpeza dos terrenos para a agricultura cerealífera),
foi identiicada em 1997 por um de nós (A. G.), na sequência de informação recebida de um funcionário da Câmara
Municipal de Alcoutim que, no decurso das suas actividades cinegéticas, reparou no estranho conjunto formado
por várias pedras incadas ao alto, no topo do cabeço do
mesmo nome. O monumento manteve-se inédito, apesar de,
já naquele ano, o então Instituto Português de Arqueologia
ter tomado conhecimento da sua existência, através da
visita que técnicos da delegação de Silves do IPA ali efectuaram e, depois, por via do relatório não publicado apresentado pela referida Arqueóloga (Gradim, 1999).
2 - LOCALIZAÇÃO E GEOMORFOLOGIA
A intervenção arqueológica, efectuada em Setembro de
2004 e inscrita na categoria C (acções preventivas a realizar no âmbito de trabalhos de minimização de impactos
devidos a empreendimentos públicos ou privados, em meio
rural, urbano ou subaquático), foi motivada pela existência
de um caminho lorestal, aberto com maquinaria pesada,
que atingiu a estrutura periférica do monumento, até então
preservado, o qual, apesar de se encontrar num ponto destacado da paisagem e facilmente acessível, se manteve quase
intacto por se encontrar dissimulado pela densa cobertura
arbustiva de estevas (Cistus ladaniferus L.). A abertura do
referido acesso veio alterar tal situação, aumentando a visibilidade do monumento, a qual, somada à evidente fragilidade deste, prenunciava a sua potencial destruição, a prazo,
até por se integrar em zona de caça muito frequentada.
Fig. 1 – A localização da Anta do Malhão. Extracto
da Carta Militar de Portugal (formato digital) na
escala de 1/25 000, folha n.º 575, Lisboa, Instituto
Geográfico do Exército, Secção de Fornecimento de
Informação Geográfica, 2004 (reduzida). Cada lado
da quadrícula corresponde a 1 Km.
As coordenadas do monumento são as seguintes: 37 º 29’
01” Latitude Norte; 7º 32’ 30” Longitude Oeste de Greewich
(Fig. 1).
Trata-se de cabeço de contorno suave, atingindo cerca de
200 m de altitude, constituído por xistos do Carbonífero
superior (Culm), integrando o conjunto dos pequenos relevos característicos daquela litologia, que Orlando Ribeiro
designou sugestivamente por “mar de xisto”, por se assemelharem, pelo seu aspecto uniforme e monótono e, ao mesmo
Fig. 2 – O cerro do Malhão, ponto culminante da paisagem envolvente,
no topo do qual se localiza o megálito.
tempo, variado e movimentado, à superfície de um vasto lençol de água. A referida elevação, no topo da qual se implanta o monumento (Fig. 2), corresponde a um dos relevos
culminantes da região, dali se desfrutando uma magníica
paisagem panorâmica de 360º em redor. O local distancia
cerca de 1 Km para Sul da povoação de Afonso Vicente
(Monte, na terminologia da região), que é sede de freguesia,
a onde se acede pela estrada municipal 507, que passa no
sopé da elevação.
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A Anta do Malhão
3 - TRABALHOS EFECTUADOS
Assim, depois de desmatado o terreno, estabeleceu-se quadrícula, com vista à escavação do monumento e da sua área
circundante (Fig. 4), por decapagens sucessivas, até se pôr
a descoberto, na íntegra, toda a estrutura tumular e respectiva envolvência, que jazia a muito pequena profundidade
(Fig. 5), registando-se a posição em planta dos materiais
exumados, os quais deram entrada no Gabinete de Arqueologia da Câmara Municipal de Alcoutim.
Os trabalhos realizaram-se entre os dias 6 e 10 de Setembro
de 2004, tendo sido dirigidos pelo primeiro signatário,
depois de obtida, a 2 de Julho desse ano, a respectiva autorização, por parte do IPA, e contaram com o apoio permanente do segundo signatário, que, na qualidade de Arqueóloga da Câmara Municipal de Alcoutim, providenciou
a disponibilização dos meios logísticos e materiais indispensáveis à realização dos trabalhos de campo.
Os registos de campo foram executados por Alexandra
Gradim, com o apoio de Fernando Dias, sendo a respectiva
tintagem da autoria de Bernardo L. Ferreira, que também se
encarregou dos desenhos dos materiais arqueológicos, exceptuando o vaso da Fig. 9, desenhado por F. Martins.
Antes da intervenção, o monumento encontrava-se envolto
em estevas (Fig. 3) e, à sua volta, acumulavam-se blocos de
grauvaque, cuja presença estará na origem do topónimo.
Fig. 4 – Anta do Malhão. Vista do monumento em curso de escavação.
Fig. 3 – Anta do
Malhão. Vista do
monumento envolto em estevas,
e parcialmente
coberto por amontoado de blocos
de grauvaque
(“malhão”) antes
da escavação.
Fig. 5 – Anta do Malhão. Vista parcial da área escavada, no final dos trabalhos, obtida do lado posterior do monumento,
de pequenas dimensões. Note-se a existência de um empedrado, constituído por blocos alongados de grauvaque dispostos externamente, em torno da câmara, indício de que esta não seria coberta por tumulus.
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A Anta do Malhão
4 - RESULTADOS OBTIDOS
4.1 - Arquitectura
Trata-se de monumento integralmente constituído por ortóstatos de grauvaque de dimensões modestas, rocha disponível localmente, integrando-se no conjunto dos pequenos
dólmenes com câmara poligonal e corredor, comuns em
outras regiões do país, como o sul da Beira Interior, recorrendo, também, ao mesmo tipo de matéria-prima (Cardoso,
2008). Tal não signiica, contudo, que não existam grandes
monumentos dolménicos – ainda que escassos – na região,
com esteios de grauvaque, de grandes dimensões: é o caso
das antas das Pedras Altas (Tavira) e da anta do Curral da
Castelhana (Alcoutim) (Gonçalves, 1989). Assim, o comprimento total da estrutura funerária propriamente dita, correspondente apenas à sua câmara e corredor, é de 3,6 m e
a largura máxima da mesma, observada na câmara é de
apenas 1,5 m, medidos do lado externo (Fig. 9).
Da câmara, subsistem aparentemente todos os cinco esteios
que originalmente a integravam, cuja altura máxima não
ultrapassa 1,0 m (Fig. 10), dos quais três ainda se encontram in situ, um tombado para o lado externo e o último
como tal considerado, embora de menores dimensões,
atravessado do lado esquerdo da câmara (Fig. 6). Esta encontra-se com a abertura voltada aproximadamente para
ESE, orientação que, na generalidade, não sendo a mais comum aos monumentos da região de Reguengos de Monsaraz,
é, ainda assim, neles frequente (Gonçalves, 1992, Fig. 2).
A câmara comunica com corredor inacabado, cuja entrada
se encontra deinida, de ambos os lados, por dois esteios
de grauvaque, de menor tamanho e, sobretudo, de muito
menor altura do que os da câmara.
O processo de ixação dos esteios ao substrato geológico,
tanto os da câmara, como do corredor, foi garantido pela
abertura de roços, reforçando-se a estabilidade através de
grosseiras lascas de grauvaque funcionando como cunhas.
Aspecto a realçar é a grande laje de grauvaque que ocupa
integralmente o chão da câmara do monumento. Trata-se
de um elemento de contorno natural aproximadamente
hexagonal, tendo tal geometria condicionado a planta da
câmara, uma vez que os esteios que a constituem se encostaram às faces laterais desta grande laje, sendo perfeitamentevisíveis as cunhas de pedra que se ixaram entre esta e
aqueles, por forma a assegurar a sua estabilidade (Fig.7 e 8).
Face à orientação que foi dada ao corredor, veriica-se que
este monumento não possui esteio de cabeceira, já que a
zona da câmara directamente oposta à sua entrada corresponde à reunião de dois esteios (Fig. 9). Esta situação pode
icar a dever-se à prévia orientação do corredor, determinada pelos dois esteios que marcam a sua entrada, podendo
tal facto, eventualmente, estar na origem do abandono do
monumento, quando dele já estava construída a câmara.
Outra particularidade notável deste monumento observase na área do corredor. Com efeito, as duas lajes cravadas
no substrato geológico, que delimitam de ambos os lados a
sua entrada, não foram prolongadas por outras, encontrando-se o espaço intermédio, até à entrada da câmara,
por regularizar e desprovido de esteios (que nunca ali foram colocados), ocupado pelo substrato geológico em bruto
(Fig. 6 e 7). Esta realidade encontrasse particularmente evidenciada pela existência de uma bancada de grauvaque
proeminente, no interior do espaço correspondente ao
corredor e a uma cota mais elevada que a da câmara (Fig. 7),
que seria forçoso rebaixar para regularizar o interior do
monumento. Em conclusão, veriica-se que o corredor deste
monumento, cuja construção se iniciou pela entrada, deinindo desde logo a sua orientação, icou inacabado, contrastando com o cuidado dispensado à câmara, pela colocação
da grande laje que preenche integralmente o seu interior,
aspecto que se aigura inédito no quadro do megalitismo
do território português.
O exterior do monumento encontra-se envolvido por um
empedrado constituído por lajes de grauvaque, em geral
alongadas, dispostas em torno da câmara do monumento,
deinindo espaço em forma de ferradura (Figs. 5, 6 e 9).
Este cuidado revestimento do terreno supõe que o monumento era, aquando da sua utilização funerária, desprovido
de tumulus. Com efeito, esta estrutura periférica encontra-se directamente relacionada com a existência de uma estela,
a seguir descrita, cuja implantação no terreno se efectuava
ao mesmo nível, icando no entanto por esclarecer se o empedrado é reportável à fase de construção do dólmen, ou
já à sua reutilização, conotável com a erecção da estela,
alternativa que se aigura mais provável.
Fig. 6 – Anta do Malhão. Vista total
da área escavada, no final dos trabalhos, obtida do lado frontal do
monumento. Evidencia-se, em primeiro plano, o substrato geológico,
quase aflorante e os dois primeiros
esteios do corredor, cravados naquele, em orientação discordante
à da estratificação, o que, tornando
muito mais difícil a sua implantação,
é prova de que a orientação adoptada fora previamente definida.
Fig.7 – Anta do Malhão. Aspecto
geral da câmara do monumento,
integralmente ocupada por uma
grande laje de grauvaque, à volta
da qual se ajustaram os diversos
esteios, através de cunhas, bem
visíveis na imagem. Em primeiro
plano, aflora uma proeminente
bancada de grauvaque, a qual
teria de ser rebaixada para a
ligação do corredor à câmara
do monumento, não concluída.
111
112
A Anta do Malhão
A estela possui formato tabular e contorno sub-rectangular
(Fig. 11), é de grauvaque, com o comprimento máximo de
1,23 m e a largura máxima, atingida a meia-altura, de 0,57
m, e jazia tombada no exterior da câmara e do seu lado
direito, local onde, originalmente, se devia erguer (Fig. 9).
Encontra-se decorada na face frontal por uma “covinha” de
pequenas dimensões, no centro da metade superior daquela, com o diâmetro de 0,03 m, produzida por picotagem
e aparentemente com acabamento obtido por abrasão,
como sugere a superfície regular do seu interior. A esta
“covinha”, junta-se provavelmente uma outra, de menores
dimensões, menos evidente, situada a meio da mesma face
do monumento. A erecção da estela, de carácter funerário,
relaciona-se sem dúvida com a utilização funerária do monumento, no inal do Calcolítico. É a esta mesma época que
remontará a totalidade do espólio arqueológico, correspondente a uma tumulação ali realizada. Deste modo, a estela
estaria associada à sua primeira e única utilização. Tal conclusão é de grande relevância, por remeter para a época
daquela tumulação a génese das estelas ditas de “tipo alentejano”, que, logo depois, se irão multiplicar nas necrópoles de cistas do Bronze do Sudoeste.
Esta estela assume ainda um interesse adicional, correspondente à representação de uma ou duas covinhas, elemento
que, sem poder ser atribuído a nenhuma época em particular, se aigura possuir aqui carácter funerário, à semelhança do conjunto de covinhas observadas no esteio do
lado direito da entrada do corredor da tholos de Tituaria
(Mafra) (Cardoso et al., 1996, Figs. 12, 13).
Fig. 9 – Anta do Malhão. Planta da área escavada, com a localização dos cortes e dos espólios exumados.
Fig. 8 – Anta do Malhão. Vista da grande laje de grauvaque que ocupa integralmente a câmara do monumento.
Fig. 10 – Anta do Malhão. Cortes longitudinais (AA`) e transversais (BB´ e CC´).
113
114
A Anta do Malhão
4.2 - Espólio arqueológico
Condições de jazida
O espólio arqueológico encontrava-se depositado a escassa
profundidade, a partir da superfície do terreno depois de
limpo, que não ultrapassava os 20 a 25 cm. Dispunha-se
sobre uma camada terrosa amarelada, com cerca de 10 a
15 cm de potência, que se acumulou na câmara do monumento, sobre a laje que constitui o seu embasamento primitivo, e no corredor. A formação desta camada pode ser,
deste modo, conotável com o intervalo de tempo que mediou entre a construção do dólmen, no Neolítico Final convencional, nos últimos séculos do IV milénio a.C., e a sua
reutilização, cerca de mil anos depois, na transição do Calcolítico para a Idade do Bronze. É provável que a deposição
funerária então ali efectuada, corresponda a rearranjos localizados do pequeno megálito pré-existente, como sugere a
existência de uma laje disposta horizontalmente, próximo
do local onde se recolheu um punhal, que pode corresponder
à cobertura da sepultura (Fig. 16).
No conjunto, o espólio exumado conigura uma situação
considerada à partida pouco provável: com efeito, não obstante o monumento se situar em local de grande visibilidade e ser facilmente acessível, o seu interior revelou uma
inumação intacta, conservando-se os materiais a ela associados ainda nas posições em que primitivamente foram
colocados, não obstante a pouca profundidade a que jaziam.
Este aspecto faz com que os materiais exumados assumam
relevante importância na discussão do signiicado cronológico e cultural do Horizonte de Ferradeira, nos quais se
inserem, como se verá.
Vaso de bojo reentrante, de carena alta (Fig. 12). Recipiente
liso, completo e encontrado in situ, no espaço constituído
pela reunião dos dois esteios do lado direito da câmara
(Fig. 9), ligeiramente inclinado sobre um dos lados, com a
altura máxima de 12,8 cm e o diâmetro máximo, veriicado
no bojo, junto à carena, de 18,5 cm. Trata-se de forma que
evoca recipientes do Bronze do Sudoeste, dos quais se admite ter sido o precursor.
Fig. 11 – Anta do Malhão. Vista da estela identificada do lado direito do monumento (ver Fig. 9)
e respectivo desenho, evidenciando-se uma ou duas covinhas, na sua face anterior.
Taça em calote (Fig. 13). Recipiente liso, completo e também
recolhido in situ, do lado esquerdo da câmara e perto da
entrada desta (Fig. 9). Pela sua posição, conteria seguramente alguma substância, utilizada como oferenda. Possui
a altura máxima de 5,4 cm e o diâmetro máximo de 12,0
cm. Trata-se de forma de ampla distribuição cronológica e
Fig. 12 – Anta do Malhão. Desenho do vaso de carena alta recolhido
e sua localização na câmara do monumento (ver Fig. 9).
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A Anta do Malhão
geográica, estando representada em contextos homólogos
(caso das próprias sepulturas de Ferradeira) e, logo depois,
nas necrópoles de cistas do Bronze do Sudoeste.
Ponta Palmela (Fig. 14). Sob a taça em calote, foi recolhida
uma ponta Palmela, de cobre arsenical, com a ponta orientada para Noroeste, ou seja, para o interior da câmara funerária. A posição deste projéctil, tal como foi encontrado,
leva a concluir que não esteve ixado à haste aquando da
sua deposição, de cunho evidentemente ritual. Do ponto de
vista tipológico, trata-se de exemplar evoluído, no quadro das
pontas Palmela, de contorno lanceolado e pedúnculo largo
e pouco diferenciado da folha, distinguindo-se dos exemplares mais antigos, em que esta, larga e de contorno rombóide mais acentuado, se encontra claramente diferenciada do estreito pedúnculo (Garrido-Pena, 2000, p.179).
Naturalmente, esta conclusão baseia-se numa tendência estatística observada por aquele autor, já que é certo, como
bem assinala, terem os diversos tipos coexistido num mesmo conjunto funerário fechado, como o de Fuente Olmedo.
A referida evolução pode ser seguida até às pontas de javalina, cujo melhor conjunto peninsular corresponde ao depósito secundário encontrado no dólmen de La Pastora
(Sevilha) (Almagro, 1961), e que possui no exemplar do
Outeiro de São Bernardo (Moura) (Cardoso, Soares & Araújo,
2002) o seu equivalente português mais notável, por via do
estreitamento da folha e do aumento do comprimento do
pedúnculo. As dimensões do presente exemplar são as
seguintes: comprimento máximo: 6,2 cm; largura máxima,
observada na parte central da folha: 1,3 cm.
Punhal (Figs. 9, 15 e 16). No lado esquerdo do exterior da
câmara (Fig. 9), recolheu-se um belo punhal, disposto transversalmente ao eixo do corredor (incompleto) do monumento, com a ponta orientada para Sul (Fig. 15). Aparentemente, esta peça jazia em posição remexida; mas tal hipótese
Fig. 13 – Desenho da taça em calote (em cima) e sua localização na câmara do monumento (ver Fig. 9).
parece contrariada pela sua posição no terreno, rigorosamente horizontal, além de ser artefacto que, pelas suas dimensões, não passaria despercebido a qualquer pesquisador de tesouros, contrariando, por tal facto, aquela hipótese. A sua posição deverá antes relacionar-se com a
deposição de um corpo que ocuparia parte da câmara e
o espaço a ela imediatamente adjacente. As suas dimensões actuais (pois falta-lhe a ponta), são as seguintes:
Comprimento máximo: 26,2 cm; largura máxima, correspondente à zona do encabamento: 3,3 cm.
Trata-se de um punhal de duplo gume de secção lenticular,
de cobre arsenical, de características muito invulgares, no
quadro das produções dos inais do Calcolítico e dos inícios da Idade do Bronze do sul peninsular. Com efeito, apesar de possuir uma folha de tipologia muito evoluída, estreita e acentuadamente longa, a tal ponto que os bordos
laterais apresentam contorno ligeiramente côncavo, sublinhando a elegância da peça, com paralelos próximos
nas produções argáricas, o encabamento, ao contrário do
Fig. 14 – Desenho da ponta Palmela e sua localização sob a taça em calote da Fig. anterior (ver Fig. 9).
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A Anta do Malhão
veriicado no conjunto dos exemplares compulsados daquela época (Brandherm, 2003), não é assegurado por rebitagem, distinguindo-se, por seu turno, dos exemplares
calcolíticos, por apresentar um talão batido e de contorno
convexo, desprovido, ao contrário daqueles, da característica
lingueta ou do pedúnculo de encabamento, ou ainda de
chanfros ou entalhes laterais destinados ao mesmo im.
Trata-se, pois, de uma produção híbrida, tipologicamente
evoluída, claramente aim dos punhais argáricos, mas
conservando a tradição calcolítica de encabamento sem recurso a rebitagem, ao contrário do observado na generalidade daqueles.
Tanto a ponta Palmela como o punhal já foram analisados,
no âmbito do Projecto de Investigação sobre Arqueometalurgia do território português, aprovado pela Fundação
para a Ciência e a Tecnologia (Projecto PTDC / HIS-ARQ /
110 442 / 2008).
5 - DISCUSSÃO E INTEGRAÇÃO CRONOLÓGICO-CULTURAL
5.1 - Arquitectura
Os aspectos peculiares de carácter construtivo observados
neste monumento, quase não têm paralelos em outros monumentos congéneres portugueses. Assim, parece ser a segunda vez que se documenta a existência de monumento
não concluído, fornecendo, pelos pormenores observados,
interessantes elementos sobre a sequência construtiva
adoptada. A primeira vez que se identiicou no território
português um monumento dolménico nestas mesmas circunstâncias, com base em escavações inéditas de Victor
S. Gonçalves, corresponde à anta 1 da Cegonha (Alvito), a
qual, dos sete esteios que originalmente deveriam constituir a câmara, só seis foram erigidos, não tendo a fundação
do último sido sequer preparada, tal como todo o corredor.
O referido monumento vem conirmar, por outro lado, a sequência construtiva evidenciada na anta do Malhão, a qual se
iniciaria pela câmara, seguindo-se o corredor.
Logo que construída a câmara, a posição e orientação do
corredor foi determinada pela ixação dos dois primeiros
esteios, incados de cada lado da futura entrada do monumento. Mas a construção do corredor não chegou a concluir-se. As razões para essa situação poderão residir no facto
de, prolongada a orientação do corredor para o interior da
câmara, esta não intersectava nenhum esteio, correspondendo antes à junção de dois deles, conduzindo assim a um
monumento desprovido de cabeceira. Deste modo, apesar
do elevado esforço já investido, especialmente na obtenção
e colocação da grande laje que ocupa integralmente o chão
da câmara, o monumento, não reunindo condições para ser
concluído, foi abandonado.
A situação descrita leva a concluir que a orientação do corredor era a única correcta, a tal ponto que não podia sofrer
alterações, apesar de ser muito mais fácil de alterar que a
posição da câmara. Não podendo aquela ser alterada, por
prescrições que desconhecemos – para o que bastaria colocar os dois esteios de entrada numa outra posição – e estando já integralmente construída a câmara, para que esta
tivesse um esteio de cabeceira, como exigiriam os cânones
da época, os construtores seriam obrigados a desmontá-la
integralmente, o que preferiram não fazer, ao menos naquela
Fig. 15 – Vista obtida do lado esquerdo do corredor do monumento, assinalando-se com uma circunferência a localização do punhal,
disposto horizontalmente e em posição transversal ao corredor. Em segundo plano, ao fundo, observa-se a povoação de Afonso Vicente,
cerca de 1 km para Norte.
altura. Desconhecem-se as razões que levaram a que tal iniciativa não tenha sido tomada, talvez porque o sepulcro
não tivesse necessidade de ser utilizado de imediato, à semelhança do veriicado em dólmen explorado por Jorge de
Oliveira no Nordeste alentejano, entretanto derruído por
causas sismológicas, que concluiu também não ter sido objecto de utilização funerária, dada a absoluta ausência de
espólio. Esta observação leva a admitir que a ausência de
espólios em outros monumentos dolménicos espalhados
pelo território nacional possa, entre outras, possuir esta
explicação.
Por outro lado, a prática de revestir integralmente o chão
da câmara do monumento dolménico com uma grande laje,
não encontra paralelo, que se saiba, em nenhum outro monumento similar do actual território português, muito embora, ainda de acordo com informações prestadas por aquele
arqueólogo, se conheçam antas cuja câmara foi forrada por
empedrado de lajes, como é o caso da anta da Joaninha
(Cedillo) e, em território português da anta da Horta, em
terrenos da Coudelaria Nacional (Alter do Chão). Situação
idêntica registou-se na Anta 6 do Couto da Espanhola
(Idanha-a-Nova), onde, no interior da espaçosa câmara poligonal deste monumento, foi colocada uma grande laje de
xisto, muito regular, sobre a qual se terá depositado um
corpo, acompanhado de oferendas (Cardoso, 2008).
Já no respeitante às tholoi, existem mais informações a tal
respeito: assim, a câmara do monumento de Monte Velho
(Ourique), encontrava- se totalmente forrada de lajes (Viana,
Andrade & Ferreira, 1961). No Algarve, o interior de diversas
tholoi da nedrópole de Alcalar, exploradas por Estácio da
Veiga, encontravam-se também total ou parcialmente forradas por lajes, destacando-se o notável monumento 7 da
necrópole de Alcalar, cujo corredor e câmara foram totalmente revestidos por lajeado, observando-se, nesta última,
uma enorme laje que preenche a maior parte do respectivo
piso (Morán e Parreira, 2004:95). No próprio concelho de
Alcoutim, é de mencionar a tholos da Eira dos Palheiros,
cuja câmara também se encontrava integralmente forrada
de lajes (Gonçalves, 1989).
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A Anta do Malhão
5.2 - Espólio arqueológico
A fase representada pela construção do monumento, atribuível a inais do IV milénio a.C., não tem equivalente no
registo arqueológico móvel, dado que aquele, tendo icado
inacabado, não foi utilizado. Assim, o espólio exumado pertence integralmente a uma única reutilização, veriicada
cerca de mil anos depois, quando, no interior da câmara, já
se tinha acumulado uma ina camada amarelada, fortemente argilosa, com cerca de 10 a 15 cm de espessura. Foi
sobre esta camada que se efectuou a deposição de um corpo,
do qual nada se conseguiu recolher.
O conjunto arqueológico exumado revela a sepultura de um
personagem pertencente à superstrutura social que exercia
o poder. Com efeito, além da ponta Palmela, artefacto comum em conjuntos similares, assume particular importância o belo punhal, cuja existência, por si só, denuncia o nível
social do inumado no seio da comunidade a que pertencia.
Infelizmente, como é normal nestes casos, desconhecem-se
os locais habitados na região por estas comunidades dos
inais do Calcolítico/inícios da Idade do Bronze, sendo natural que, antecedendo a situação veriicada logo a seguir,
no decurso do Bronze do Sudoeste, correspondessem a
pequenos aglomerados onde se praticava, além de uma
economia agropastoril de subsistência, a exploração das mineralizações cupríferas disseminadas pela região.
As características tipológicas do punhal, sem dúvida a peça
mais relevante do espólio exumado, são condizentes com a
tipologia do vaso liso recuperado e com as características
evoluídas da ponta Palmela, remetendo a tumulação para o
período de transição entre o Calcolítico e a Idade do Bronze.
Tal período encontra-se representado, na área do Sudoeste
peninsular, pelo “Horizonte de Ferradeira”, designação proposta por H. Schubart (Schubart, 1971), a partir do espólio
exumado numa sepultura cistóide individual, que fazia
parte de um conjunto de três, identiicadas no sítio epónimo, do concelho de Faro (Franco & Viana, 1948). As cistas
ains à de Ferradeira, cujas características e espólios foram
comparados por H. Schubart a outras, do Algarve e do Baixo
Alentejo (Vila Nova de Milfontes, Odemira, Aljezur e Aljustrel), por vezes com base apenas em semelhanças tipológicas, consubstanciariam uma realidade material, a que
Schubart atribuiu signiicado cronológico-cultural próprio.
Fig. 16 – Desenho do punhal e sua localização na zona do corredor do monumento
Deinido com base em um conjunto artefactual cuja coerência
interna não se encontrava à época cabalmente demonstrada,
de carácter exclusivamente funerário, o referido termo passou a designar as associações artefactuais de ainidades
campaniformes, mas das quais os vasos campaniformes
decorados já não faziam parte integrante, mas apenas os
seus equivalentes lisos, abarcando todo o sul do território
português e parte da Andaluzia ocidental. A sepultura
epónima correspondia a uma cista que continha uma taça
de carena baixa lisa (aim das da Idade do Bronze), um braçal de arqueiro e uma ponta Palmela de cobre, de tipologia evoluída, tal como a do exemplar exumado na anta do
Malhão, a que se juntava, oriundo de outra sepultura do
mesmo local, uma pequena taça em calote, igualmente com
paralelo na taça recuperada no monumento em estudo. A este
conjunto associar-se-iam outras produções campaniformes
características, como os punhais de lingueta, que na verdade
ocorrem em outros conjuntos supostamente isolados.
Estas cistas têm provavelmente antecedentes locais. Porém,
a única até ao presente objecto de escavação, foi a cista do
Cerro do Malhão, Alcoutim, a qual se encontrava, tal como
o monumento em apreço, circundada por empedrado de
lajes de grauvaque, o que indica a ausência de tumulus;
embora violada, forneceu um machado intacto de anibolito e uma ponta de seta curta, de base cavada, de tipologia
claramente calcolítica, além de um pequeníssimo fragmento
de placa de xisto gravada (Cardoso e Gradim, 2003).
Porém, aparte a informação fornecida pelas sepulturas de
Ferradeira, que de facto correspondem a contextos homogéneos e fechados, o suporte material daquela realidade
arqueológica aigurava-se pouco consistente, já que se baseava, essencialmente, em escavações antigas de que resultaram peças cujas associações contextuais nem sempre se
aiguram claras. É o caso do conjunto atribuído a uma sepultura secundária efectuada na tholos do Monte do Outeiro
(Aljustrel), a qual continha dois vasos campaniformes lisos,
dois vasos de carena alta de peril suave, com ainidades ao
exemplar exumado na sepultura em apreço, uma ponta
Palmela igualmente de tipo evoluído e um conjunto de taças
em calote ou de esféricos baixos (Schubart, 1965), também
lisos, alguns deles idênticos à taça do monumento em estudo.
Face ao exposto, assume particular interesse a presente
ocorrência, já que, na região algarvia, é a primeira, depois
da sepultura de Ferradeira a poder ser invocada em apoio
daquela proposta. O paralelo mais directo e sugestivo
corresponde à inumação secundária, também de carácter
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122
A Anta do Malhão
individual, recentemente identiicada no monumento calcolítico de Monte da Velha (Serpa) (Soares, 2008; Soares et al.,
2009), à qual se associaram três recipientes lisos, colocados
uns dentro dos outros: uma taça em calote, um esférico
baixo e um vaso campaniforme. Pela primeira vez, foi possível obter datação absoluta para uma inumação pertencente a este horizonte cultural:
Beta-194027 – 3900 ± 40 BP,
a qual, depois de calibrada, fazendo uso do programa CALIB
Rev 5.0.1 e da curva INTCAL04, para dois sigma, deu o
seguinte intervalo:
2479-2280 cal BC (0,97096 em 1,00000).
Pode, pois, concluir-se, que a tumulação secundária individual do monumento de Monte da Velha, se situará no terceiro quartel do III milénio a.C., época que corresponderá,
no sul de Portugal, no entender de A. M. Monge Soares, à
transição do Calcolítico para a Idade do Bronze. Crê-se, no
entanto, que tal transição se prolongou pelo último quartel
do III milénio a.C., aceitando-se, tanto por questões de carácter económico-social – com antecedentes no decurso do
Calcolítico, como é o caso da emergência e generalização
da prática do sepultamento individual, que substituiu o
colectivo – como de carácter temporal, que a tal período
se inclua no Bronze Inicial, na sequência das propostas
apresentadas por diversos autores (Mataloto, 2006), o qual
seria sinónimo, no sul do país, do chamado Horizonte de
Ferradeira.
Com efeito, a emergência do Bronze do Sudoeste, equivalente do Bronze Pleno, neste espaço geográico, só se terá
veriicado, de acordo com as datações conhecidas, tanto de
sítios habitacionais como funerários da Estremadura portuguesa e da região do Sudoeste, incluindo a Extremadura
espanhola (caso do Castelo de Alanje, Badajoz), no primeiro
quartel do II milénio a.C. (ver síntese em Mataloto, 2006),
pelo que o último quartel do III milénio a.C. deve integrar-se ainda naquele período de transição.
Por outro lado, a tumulação em apreço, pela tipologia do
espólio, sugere época mais recente que as associações fechadas até agora publicadas e atribuídas ao Horizonte de
Ferradeira. Com efeito, ao contrário do veriicado com a
generalidade daquelas, não ocorre nenhum vaso campaniforme liso, aigurando-se o recipiente de carena alta como
um elemento de transição entre as produções campaniformes (vasos campaniformes, e, sobretudo, caçoilas de diversos tipos) e os recipientes carenados do Bronze do Sudoeste.
Nesse mesmo sentido concorre a tipologia do punhal, que,
como se referiu, corresponde a forma de transição entre as
panóplias calcolíticas e as da Idade do Bronze, sendo claramente mais próximo destas últimas produções. Deste
modo, crê-se que a cronologia a atribuir à tumulação da
anta do Malhão se deve incluir nos inais do III milénio a.C.,
imediatamente antes da emergência do Bronze do Sudoeste
na região, no primeiro quartel do milénio seguinte. Note-se
que este processo de transição não foi uniforme nem conheceu as mesmas balizas cronológicas em outras áreas do sul
peninsular. No Baixo Guadalquivir, a necrópole de Guadajira
(Badajoz), atribuída a esse curto período de transição para
a Idade do Bronze, corresponderá às últimas expressões
das sepulturas colectivas. Na sepultura 3, a par de um fragmento de vaso campaniforme inciso, foram recolhidos
fragmento de punhal de lingueta, cinco pontas Palmela e
assinalável conjunto de cerâmicas lisas, entre as quais formas típicas do Bronze do Sudoeste (Hurtado Pérez & Garcia
Sanjuán, 1994, Figs. 7 a 13). Admitindo, como os autores
referidos, que as produções de tipologia mais moderna, claramente integráveis no Bronze do Sudoeste, sejam de facto
coevas das produções campaniformes decoradas – veja-se,
por oposição, a situação descrita por Schubart, em 1971, na
sepultura megalítica calcolítica do Colado de Monte Nuevo,
Olivenza, onde se identiicou reutilização funerária no
Bronze do Sudoeste, cf. Schubart, 1973, o que justiica cuidados redobrados na interpretação da realidade material –
tal obrigaria a considerar uma sobrevivência das produções
campaniformes no decurso da primeira metade do II milénio
a.C., o que, em Portugal, não se terá certamente veriicado.
Note-se que H. Schubart integrou fragmento de taça Palmela
com decoração a pontilhado recolhida em Aljustrel – então
o único exemplar publicado no Baixo Alentejo – entre os
“itens” do seu Horizonte de Ferradeira, o que se aigura contraditório à sua própria deinição (Schubart, 1971, Fig. 3 a).
Em suma: o Horizonte de Ferradeira, corresponderá, globalmente, no sul do País, à segunda metade do III milénio
a.C. Num primeiro momento, reportável ao terceiro quartel
do III milénio a.C., assistiu-se à realização de tumulações
individuais, aproveitando, para o efeito, monumentos anteriores, como é o caso de Monte do Outeiro e de Monte
da Velha, com a presença de vasos campaniformes lisos.
Tal prática vem na sequência da tradição campaniforme
plenamente airmada no período imediatamente anterior,
de que são exemplo as tumulações secundárias com materiais campaniformes decorados incisos, associados ou não a
vasos campaniformes lisos, observadas em diversos monumentos dolménicos alto-alentejanos (Mataloto, 2006).
Num segundo momento do Horizonte de Ferradeira, já do
último quartel do III milénio a.C., corporizado de momento
apenas pelo caso em apreço e talvez pela necrópole de Ferradeira, parece veriicar-se a ausência de vasos campaniformes, substituídos por produções cerâmicas ains das
do Bronze do Sudoeste, mantendo-se as pontas Palmela, e
desaparecendo os punhais de lingueta, por sua vez substituídos por exemplares ains de alguns modelos argáricos,
como é o caso em apreço. Traço comum aos dois momentos,
foi a manutenção da prática de tumulações individuais,
aproveitando estruturas pré-existentes, como é o caso da
anta do Malhão, ou construídas de novo, como a cista de
Ferradeira, com antecedentes locais, evocando continuidade
no campo das práticas funerárias: é o caso da cista megalítica do Cerro do Malhão (Alcoutim), atribuída ao Neolítico
Final ou ao Calcolítico a qual, tal como a anta do Malhão,
era provida de um lageado periférico à estrutura tumular
(Cardoso e Gradim, 2003), à semelhança do veriicado em
cistas muito mais modernas, já da Idade do Ferro, como as
dos núcleos I e II da necrópole do Cabeço da Vaca (Alcoutim)
(Cardoso e Gradim, 2006, 2007), o que parece conigurar
particularidade regional de carácter transcultural.
6 - Conclusões
A escavação da anta do Malhão, realizada com carácter preventivo, tendo presentes os factores que poderiam conduzir, a breve trecho, à sua destruição, permitiu identiicar
diversas realidades que importa sublinhar, dada a sua relevância, tanto para o conhecimento do megalitismo do sul
peninsular, como para o reforço da plena legitimidade do
“Horizonte de Ferradeira”, de que passa a constituir uma
das ocorrências mais expressivas. Assim:
1 – Documentou-se a existência de um pequeno monumento
megalítico, integralmente construído com monólitos de
grauvaque, situável nos inais do IV milénio a.C., provido
câmara poligonal e corredor, de pequeno tamanho, cuja
construção não foi concluída, não tendo, por conseguinte,
utilização primária como sepulcro, realidade que tem apenas
um elemento de comparação compulsado em território português, ainda inédito: trata-se da anta 1 da Cegonha (Alvito).
Tal situação permitiu, assim, comprovar, pela primeira vez,
a sequência construtiva adoptada:
• em primeiro lugar, posicionou-se no terreno, depois de
convenientemente regularizado o substrato xisto-grauváquico na área da câmara do monumento, a grande laje
que ocupa a totalidade do interior daquela;
• seguidamente, ajustaram-se aos lados daquela grande
laje, de contorno sub-hexagonal, por meio de cunhas
constituídas por lascas de grauvaque, os cinco esteios,
também de grauvaque, que a delimitaram lateralmente;
• à construção da câmara, sucedeu-se a do corredor, encetando-se esta pela entrada, previamente deinida pelos
dois esteios que o delimitariam de ambos os lados, mas
que não foi continuada: faltou regularizar, por rebaixamento, o substrato geológico no espaço entre a entrada e
a câmara, o qual também não foi delimitado por outros
esteios, para além dos dois já referidos. Tanto quanto
é do conhecimento dos signatários, trata-se da primeira
vez que tal situação se publica no território português;
é interessante notar que os estratos, quase verticais, que
aloram no local, constituídos por xistos inamente folheados, com intercalações de bancadas de grauvaques,
possuem uma orientação discordante da que se pretendeu dar ao corredor (Fig. 6) o que diicultou a sua construção; esta situação reforça a convicção que a orientação deste obedeceu a um critério rigoroso e objectivo,
que desconhecemos;
2 – Apesar de inacabado, e das suas pequenas dimensões,
o megálito mereceu cuidados construtivos especiais: assim,
o interior da câmara encontra-se integralmente ocupado
pela grande laje de grauvaque acima mencionada, conferindo ao piso uma robustez e regularidade assinaláveis.
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124
A Anta do Malhão
Note- se que é a primeira vez que se documenta em um
monumento dolménico do território português tal solução
arquitectónica, a qual, contudo, veio a ser ulteriormente
adoptada em algumas tholoi, embora através de empedrados, e não por via de uma única laje, como é o caso.
3 – O exterior da câmara do monumento encontra-se envolvido por um empedrado com planta em ferradura, constituído por lajes de grauvaque alongadas. A regularidade da
superfície assim construída, mostra que se destinava a ser
vista e utilizada, o que obrigaria à ausência de cobertura
tumular do monumento, à semelhança do veriicado em diversas sepulturas cistóides da região, desde o Neolítico Final/ Calcolítico, até à I Idade do Ferro. Esta estrutura periférica pode ter sido construída na primeira fase do monumento, mas é mais provável que remonte à reutilização
do mesmo. Com efeito, uma estela, encontrada tombada, do
lado direito da câmara, sem dúvida relacionada com a única tumulação nele efectuada, implantava-se no terreno ao
mesmo nível do lageado, pelo que é admissível que este
constituísse elemento arquitectónico adicionado ulteriormente e integrado no espaço cénico que se pretendeu então
construir.
4 – A estela erguia-se do lado direito da câmara do monumento e marcaria a única tumulação nele realizada. Pode,
assim, considerar-se como antecedente imediata – e até
agora única – das numerosas estelas do Bronze do Sudoeste, ditas de “tipo alentejano”, implantadas nas respectivas
necrópoles de cistas. Apresenta-se, ao contrário destas,
quase sem decoração, visto possuir apenas uma (ou duas)
pequenas covinhas, que poderiam simbolizar a personagem
tumulada.
5 – Pela natureza dos artefactos, trata-se de tumulação de
personagem masculina, que pertencia à elite guerreira de
uma das pequenas comunidades que, nos inais do III milénio a.C. viviam na região, conhecidas até agora, exclusivamente, pelos respectivos testemunhos funerários e, ainda
assim, de forma muito truncada e incompleta.
6 – A tipologia do vaso cerâmico, e, sobretudo, a do longo
e estreito punhal, a par da ponta Palmela, indicam época
avançada do Horizonte de Ferradeira, do qual constituem
até o presente, o único testemunho iável na região algarvia,
desde a publicação da própria necrópole de cistas epónima,
do concelho de Faro, em 1948. Trata- se, com efeito, de um
conjunto arqueológico fechado e completo, e que, por tal
facto, assume grande relevância para a discussão do conceito proposto por Schubart, cuja legitimidade vem conirmar, permitindo mesmo a consideração de um faseamento
interno em duas fases: uma fase mais antiga, com vasos
campaniformes lisos e punhais de lingueta de tradição campaniforme, datada do terceiro quartel do III milénio a.C.,
pela sepultura secundária do Monte da Velha (Serpa); e uma
fase mais recente, representada por ora, apenas pela presente ocorrência e, eventualmente, pela própria necrópole
do sítio epónimo de Ferradeira, do último quartel do III
milénio a.C.
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125
126
127
Dez anos de trabalhos
arqueológicos em Alcoutim
DO NEOLÍTICO AO ROMANO
5 - Necrópole
das Soalheironas
128
Necrópole das Soalheironas
34. Vaso de carene média
Cerâmica
Bronze do Sudoeste (2000-1300/1200 a.C.)
Ø 11,5 cm e 6 cm alt.
Sepultura 7 Necrópole das Soalheironas
N.º Inventário: NMA.262
35. Vaso globular baixo
Cerâmica
Bronze do Sudoeste (2000-1300/1200 a.C.)
Ø 14 cm e 7 cm alt.
Sepultura 28 Necrópole das Soalheironas
N.º Inventário: NMA.259
36. Vaso de carena média
Cerâmica
Bronze do Sudoeste (2000-1300/1200 a.C.)
33. Vaso globular de colo alto
Cerâmica
Bronze do Sudoeste (2000-1300/1200 a.C.)
Ø 16,5 cm e 20,5 cm alt.
Sepultura 7 Necrópole das Soalheironas
N.º Inventário: NMA.264
Ø 13 cm e 6,5 cm alt.
Sepultura 6 Necrópole das Soalheironas
N.º Inventário: NMA.263
129
130
Necrópole das Soalheironas
37. Taça de carena baixa
39. Taça de carena baixa
Cerâmica
Cerâmica
Bronze do Sudoeste (2000-1300/1200 a.C.)
Bronze do Sudoeste (2000-1300/1200 a.C.)
Ø 10 cm e 4,5 cm alt.
Ø 16cm e 6 cm alt.
Sepultura 6 Necrópole das Soalheironas
Sepultura 10 Necrópole das Soalheironas
N.º Inventário: NMA.258
N.º Inventário: NMA.261
38. Taça de carena baixa
40 - Vaso de carena média
Cerâmica
Cerâmica
Bronze do Sudoeste (2000-1300/1200 a.C.)
Bronze do Sudoeste (2000-1300/1200 a.C.)
Ø 12 cm e 4,5 cm alt.
Ø 15 cm
Sepultura 24 Necrópole das Soalheironas
Sepultura 1 Necrópole Soalheironas
N.º Inventário: NMA.257
N.º Inventário: NMA.256
131
132
Necrópole das Soalheironas
43. Punhal
Cobre
Bronze do Sudoeste (2000-1300/1200 a.C.)
11,6 x 3,8 x 0,4 cm
Sepultura 4 Necrópole das Soalheironas
N.º Inventário: NMA.296
41. Vaso de carena média
Cerâmica
Bronze do Sudoeste (2000-1300/1200 a.C.)
Sepultura 4 Necrópole Soalheironas
Med. Ø 16 cm e 6,5 cm
N.º Inventário: NMA.255
42. Taça de carena baixa
Cerâmica
Bronze do Sudoeste (2000-1300/1200 a.C.)
Sepultura 4 Necrópole das Soalheironas
Ø 10,8 cm e 3,9 cm alt.
N.º Inventário: NMA.260
44. Ponta de seta
Cobre
Bronze do Sudoeste
(2000-1300/1200 a.C.)
4,2 x1,2 x 0,2 cm
Sepultura 1 Necrópole das Soalheironas
N.º Inventário: NMA.297
133
134
Necrópole das Soalheironas
5 - Necrópole das Soalheironas5
RESUMO
1 - LOCALIZAÇÃO E CARACTERÍSTICAS GEOGRÁFICAS DO SÍTIO
A escavação realizada em 2005 na necrópole das Soalheironas, permitiu identiicar
cerca de trinta sepulturas, maioritariamente do tipo cista, distribuídas por uma estreita e longa crista de xistos e grauvaques do carbonífero. Tanto a tipologia dos sepulcros, como o espólio que alguns deles conservava, conduziu à sua inclusão no
Bronze do Sudoeste, passando a constituir uma das mais importantes ocorrências desta cultura arqueológica.
A identiicação da necrópole da Idade do Bronze de Soalheironas, pertencente à freguesia e concelho de Alcoutim,
deve-se a Helena Catarino, que, no entanto, se limita a apresentar a sua localização cartográica, e a indicar-lhe o nome,
“Cerro das Soalheironas”, sem qualquer outro elemento
(Catarino, 1997/1998, 3: 1222-1223).
ABSTRACT
The excavation performed in 2005 in the necropolis of Soalheironas enabled us to identify about thirty graves, mainly cist-type, distributed along a narrow and long rocky
ridge. Their typology, as well as the characteristics of the remains collected in some of
them, lead to its inclusion in the “Bronze of the Southwest”, constituing one of the most
important occurrences of this archeological culture.
5 O presente texto corresponde, no essencial, ao estudo publicado em 2008, pelos autores (CARDOSO, João Luís e GRADIM, Alexandra,
2008, A necrópole de cistas da Idade do Bronze das Soalheironas (Alcoutim). Primeira notícia dos trabalhos realizados e dos resultados obtidos, in “Promontoria”, Revista do Departamento de História, Arqueologia e Património da Universidade do Algarve, Ano 6,
n.º 6, Faro, pp. 223-248).
As coordenadas do sítio são as seguintes: 7º 29’ 59” Long.
W; 37º 30’ 27” Lat. N. (Fig. 1).
A necrópole possui uma implantação no terreno claramente
determinada pela sua topograia: com efeito, foi evidente a
selecção de uma crista rochosa, estreita e alongada, com a
altitude culminante de 133 m, constituída por alternâncias
rítmicas de xistos e grauvaques do Carbonífero superior
(fácies “lysh”) ao longo da qual se implantou a necrópole,
ocupando uma extensão superior a 100 m (Figs. 2, 3). O local dista cerca de 0,5 km para Oeste, em linha recta, do
Guadiana, situando-se no limite da linha de relevos que bordeja o topo da encosta direita em que o rio se encontra entalhado, sendo profundamente recortada por vales de numerosos tributários laterais.
Neste trabalho, pretende-se dar a conhecer os principais
resultados obtidos, bem como a totalidade das peças do
espólio, sem contudo se desenvolverem comparações tanto
com necrópoles homólogas, como com os respectivos espólios, que se reservarão para um estudo de maior fôlego, a
ser realizado ulteriormente pelos autores.
Fig. 1 – Localização da Necrópole das Soalheironas. Extracto da Carta Militar de Portugal (formato digital) na escala de
1/25 000, folha n.º 567, Lisboa, Instituto Geográfico do Exército, Secção de Fornecimento de Informação Geográfica,
2004 (reduzida).
135
136
Necrópole das Soalheironas
2 - OBJECTIVOS
No decurso de trabalhos de lorestação levados a cabo na
área da necrópole, já depois da sua identiicação, foi aberto
um estradão, que passa a escassos metros de algumas das
cistas da necrópole, executado sem o conhecimento de um
de nós (A.G.), na qualidade de Arqueóloga da Câmara Municipal de Alcoutim. Esta acção atingiu directamente a necrópole: a passagem de máquinas com lagartas sobre os topos
de algumas sepulturas, teve como consequência o seu esmagamento, aspecto particularmente evidente depois da limpeza do terreno e da escavação das mesmas (Fig. 4).
3 - TRABALHOS REALIZADOS
Impunha-se, assim, uma escavação preventiva, face ao risco
iminente em que se encontrava a necrópole, conducente à
delimitação do espaço arqueológico que importaria preservar, tendo em vista a sua ulterior integração em roteiros de
visita de carácter temático, à semelhança do já veriicado
para outros sítios arqueológicos do concelho de Alcoutim
anteriormente intervencionados pelos autores.
Os trabalhos foram autorizados pelo Instituto Português
de Arqueologia, depois de obtida a concordância da Doutora
Helena Catarino, na qualidade de autora da identiicação do
sítio, quanto à intenção de se proceder à investigação da
necrópole. As escavações, iniciadas a 22 de Agosto, viriam
a terminar a 16 de Setembro de 2005, num total de vinte
dias úteis de trabalho. No inal da campanha, a necrópole
foi dada como explorada na sua totalidade.
Os trabalhos, nas duas primeiras semanas, corresponderam
essencialmente à desmatação da densa cobertura de giestas,
abrangendo a extensa área ocupada pela necrópole, tendo-se iniciado a escavação das duas primeiras sepulturas.
Colaboraram nesta primeira fase dos trabalhos dois jovens
integrados em programa OTL, organizado pela Câmara Municipal de Alcoutim, bem como outros colaboradores benévolos: Mário Areal, Gil Lopes e Patrícia Baptista.
A segunda fase dos trabalhos, correspondeu às duas últimas
semanas da presença da equipa, agora constituída por estudantes pré-universitários, ou já universitários.
Nesta segunda fase dos trabalhos prolongou-se a área desmatada para poente, para abarcar a totalidade do espaço
abrangido pela necrópole, ao mesmo tempo que prosseguiu
a escavação sistemática das sepulturas entretanto postas a
descoberto, com o registo tridimensional e fotográico sistemático dos artefactos que nelas se conservavam. Desta
forma, foi possível reunir um abundante corpus documental,
que fará parte integrante de futuro trabalho monográico
sobre a estação.
Após a conclusão da escavação, os trabalhos de campo
prosseguiram, com o levantamento topográico da necrópole e respectiva ligação à rede geodésica nacional (trabalho
a cargo do GAT de Tavira), a par do desenho de pormenor
de cada uma das sepulturas e respectivos cortes, trabalho
de que se encarregou o técnico da Câmara Municipal de
Alcoutim Dr. Fernando Estêvão Dias e a segunda signatária
desta obra. Estes desenhos foram ulteriormente tratados
graicamente por Bernardo Ferreira, após revisão do primeiro
signatário, tendo-se optado pela introdução de alguns destes
elementos, para não sobrecarregar demasiadamente esta
primeira contribuição com elementos gráicos.
Os trabalhos de gabinete consistiram ainda no desenho integral de todos os artefactos recolhidos, os quais serão adiante apresentados, tarefa de que se encarregou, sob orientação do primeiro autor., os seus colaboradores Dr. Filipe
Martins (cerâmicas) e Bernardo Ferreira (objectos metálicos).
Fig. 3 – Enquadramento paisagístico da necrópole, ao centro,
evidenciando-se o rio Guadiana, que corre 0,5 Km a Oeste
4 - RESULTADOS OBTIDOS
Fig. 2 – Planta da necrópole com indicação das sepulturas que a
integram. Levantamento topográfico (GAT - modificado).
Fig. 4 – A sepultura 12, depois de escavada, quase totalmente arrasada pela anterior passagem de máquinas de lagartas, que provocaram
o esmagamento dos esteios de xisto que a definiam, até à base.
Descrever-se-ão de seguida, de forma sucinta, os aspectos
mais relevantes que foram observados no decurso da
escavação.
lado, ainda que se não tenham recolhido quaisquer restos
humanos, a posição dos corpos, no interior das cistas, pôde
ser, nalguns casos, reconstituída, graças à distribuição dos
espólios recuperados.
4.1 - Rituais funerários
A pequenez de algumas sepulturas sugere a tumulação de
crianças, tal como já se tinha observado numa das sepulturas (sepultura 4) da necrópole de cistas da Idade do Ferro
do Cabeço da Vaca 1 (Cardoso & Gradim, 2006). É o caso da
sepultura 5 (Fig. 5), a qual, com um dos esteios de topo
deslocado para o interior do espaço funerário, mostra que
o mesmo, inicialmente, se encontrava desprovido de terras.
Noutros casos, são os esteios laterais que cederam para o
interior. Deste modo, pode concluir-se que os corpos, tal
A acidez dos solos impediu a conservação de qualquer resto
humano. Ficam, pois, por esclarecer os aspectos relacionados com a posição ocupada pelos corpos, a distribuição
etária ou a repartição por sexos. Contudo, nos casos em que
tais restos se conservaram, é usual a deposição em decúbito lateral, com braços e pernas lectidos, pois a tanto
obrigava a exiguidade dos espaços disponíveis. Por outro
137
138
Necrópole das Soalheironas
como o observado em outras necrópoles, como é o caso das
necrópoles da Provença e da Quitéria (Silva & Soares, 1981:
145), seriam depositados no interior das câmaras que, ulteriormente, viriam a ser preenchidas de terras, por percolação através das juntas dos esteios, processo acelerado
logo que as lajes de cobertura se fracturassem ou fossem
removidas da sua posição primitiva.
Fig. 5 – Vista parcial e respectiva planta (total) do sector 2 – núcleo 1 da necrópole. Na foto, em primeiro plano, a sepultura 5, de pequenas
dimensões, atribuível a criança, conservando de um dos lados parte da laje de cobertura, cuja cabeceira se encontra marcada por uma
possível estela de grauvaque. Em segundo plano, entre esta sepultura e a sepultura 4, observa-se empedrado de planta sub-rectangular (ver
planta), assente no substrato geológico, constituído sobretudo por blocos de grauvaque.
139
140
Necrópole das Soalheironas
4.2 - ORIENTAÇÃO DAS SEPULTURAS E ORGANIZAÇÃO DA NECRÓPOLE
A coniguração linear da necrópole, determinada pela morfologia do local para a sua implantação – até agora sem
paralelo nas necrópoles coevas do sul de Portugal – explica,
também a orientação geral (com pequenas variações) das
sepulturas, de ESE para WNW. Desta forma, pode concluir-se que, durante a utilização da necrópole, não se terão observado alterações ao nível do ritual funerário.
Por outro lado, aquando da realização da escavação, que
também progrediu de nascente para poente, foi-se tornando cada vez mais evidente a organização interna da
mesma em diversos núcleos sepulcrais, constituídos por
agrupamentos de sepulturas mais próximas (Figs. 5, 6). No
conjunto, podem considerar-se seis sectores, constituídos,
respectivamente pelas seguintes sepulturas (Fig. 2):
sector 1 - sepulturas 1 a 5 e 32 (sectores 1 e 2);
sector 2 - sepulturas 6 a 9 (sector 3);
sector 3 - sepulturas 10 a 12 (sector 4);
sector 4 - sepulturas 13 a 20 (sector 5 a 7);
sector 5 - sepulturas 21 a 28 (sector 8);
sector 6 - sepulturas 29 a 31 (sector 9).
Estes sectores poderiam possuir carácter familiar, conforme
foi sugerido em outros casos, identiicados em necrópoles da mesma época, como a de Atalaia, Ourique (Schubart,
1965), em que a uma sepultura central, a do "fundador", se
associaram, radialmente, muitas outras, constituindo uma
estrutura em "favo". Esta hipótese deve, por outro lado, compaginar-se com outra realidade observada, a evidente concentração de sepulturas com espólio na parte mais oriental
da necrópole. Com efeito, a contabilização da distribuição
dos materiais arqueológicos exumados, é a seguinte:
sector 1 - 6 sepulturas, com 2 peças metálicas
e 4 recipientes;
sector 2 - 4 sepulturas, 5 recipientes;
sector 3 - 3 sepulturas, 1 recipiente;
sector 4 - 8 sepulturas, 1 recipiente;
sector 5 - 8 sepulturas, 2 recipientes;
sector 6 - 3 sepulturas, desprovidas de espólio.
Fig. 6 – Vista parcial e respectiva planta (total) do sector 5 – núcleo 4 da necrópole, correspondente a um sector do cerro onde se construíram
sepulturas lado a lado, mas sempre com a mesma orientação geral, de ESSE-WSW.
Assim, poder-se-ia admitir a constituição da necrópole,
através da adição simultânea de sepulturas aos diversos
núcleos que a integram, correspondendo os núcleos mais
ricos aos elementos de um determinado segmento social,
com maior destaque na comundade. Com efeito, o primeiro
núcleo ocupa a posição de maior visibilidade na necrópole,
enquanto o núcleo oposto, correspondente ao outro extremo
do cerro, ocupa claramente posição de menor importância.
Outra hipótese para a explicação destes núcleos poderá
corresponder à progressão diacrónica da ocupação do cerro
de nascente para poente, a partir da zona de maior visibilidade, que foi, deste modo, a primeira a ser ocupada; neste
caso, a diferença de espólios observada poder-se-ia explicar
pela existência de uma comunidade progressivamente mais
empobrecida.
Deixar-se-á para trabalho de maior fôlego a análise mais
aprofundada desta interessante questão.
141
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Necrópole das Soalheironas
4.3 - ASPECTOS ESTRUTURAIS E CONSTRUTIVOS MAIS RELEVANTES
Um dos aspectos mais evidentes no conjunto das 32 sepulturas que integram a necrópole, é a sua abertura de acordo
com a direcção das bancadas de xistos e de grauvaques,
situação claramente evidenciada na Fig. 7.
Enquanto os xistos se apresentam inamente folheados, os
grauvaques, mais grosseiros, mostram bancadas mais espessas e salientes no terreno, por serem rochas mais resistentes à erosão. Assim, a primeira fase da construção de
qualquer sepultura, correspondeu ao escavamento de um
covacho, preferencialmente aproveitando uma camada xistosa do terreno. Tal covacho apresenta usualmente os topos
verticais, devido à existência de uma família de diáclases
verticais, perpendiculares à direcção de estratiicação; contrariamente, os lados maiores do referido covacho são tendencialmente assimétricos, condicionados pela direcção de
inclinação das camadas, que não se apresentam verticais,
mas inclinadas para NE. Assim, o aprofundamento do covacho, iria encontrar, a maior ou menor profundidade, a superfície de uma bancada de grauvaque, subjacente à camada
xistosa onde se efectuou cada covacho. Tal situação explica
a geometria e simplicidade de algumas sepulturas, cujo
fundo, inclinado, se confunde muitas vezes com a parede
lateral do lado sul, constituíndo um todo rampeado: assim
sendo, bastaria que, na parede lateral do lado norte, normalmente vertical, fosse colocado um esteio de cutelo, para
que icasse delimitado o espaço sepulcral. Fosse como fosse,
a irregularidade das bancadas de grauvaque, correspondentes ao interior da maioria das sepulturas, mesmo daquelas que mostram maior qualidade construtiva, tornava
necessária a regularização do fundo por uma camada argilosa amassada e pisada, a qual foi identiicada, especialmente nos casos da existência de oferendas, directamente
depositadas sobre a mesma.
Do ponto de vista arquitectónico, a forma de sepultura mais
usual é a que corresponde a um recinto de contorno rectangular, mais ou menos alongado, por vezes quase quadrangular, deinido por quatro ou mais esteios colocados verticalmente, os quais, maioritariamente, são de xisto, em
detrimento do grauvaque, mais grosseiro e que não fornecia lajes tão regulares. Os esteios encontram-se incados
verticalmente, sendo quase sempre reforçados por calços,
ou lajes, tanto do lado externo, como, mais raramente, do
lado interno, sendo ixados através de roças ao substrato
geológico. Tal dispositivo é também usual noutras necrópoles desta época.
A colocação dos esteios respeitou, frequentemente, uma
regra já assinalada na necrópole de Alfarrobeira, Silves
(Gomes, 1994), e que é frequente em muitas outras necrópoles coevas, segundo a qual os esteios maiores seriam travados pelos que ocupam os topos, de menores dimensões,
evitando-se assim o deslocamento dos primeiros para o interior do espaço sepulcral, devido à pressão externa, exercida pelos terrenos. Os processos construtivos observados
em cada uma das sepulturas serão objecto de análise mais
desenvolvida, a efectuar oportunamente.
A cobertura das cistas era assegurada por uma ou mais
lajes, colocadas horizontalmente, servindo de tampas. Destas, porém, apenas em alguns casos se recolheram fragmentos, dispostos horizontalmente, a pequena profundidade, ou mesmo próximo da superfície do terreno, em posição adjacente à cista, como é o caso da sepultura 5 (Fig. 5).
Nenhuma das sepulturas conservava a cobertura na sua
primitiva posição. Para tal, terá concorrido a lavra do topo
do cerro, que, apesar de actualmente desprovido de solo
arável, terá sido cultivado em passado próximo, como mostram as marcas do ferro do arado em alguns dos esteios
alorantes.
Dada a concentração de espólios funerários nas sepulturas
situadas do lado nascente da necrópole, importava averiguar
a eventual relação entre tal realidade e a qualidade construtiva dos correspondentes sepulcros. Neste aspecto, embora
as sepulturas com espólio mais importante, respectivamente
as sepulturas 4 (Figs. 8, 9), 6 (Figs. 11, 12) e 7 (Figs. 13, 14)
exibam assinalável qualidade construtiva, existem sepulturas igualmente bem conservadas e de boa qualidade desprovidas de espólio, como é o caso das sepulturas 14, 15,
16, 18, 22 e 26. Em suma: não parece evidenciar-se qualquer relação entre a qualidade construtiva e a maior ou
menor riqueza do espólio respectivo, embora se possa admitir que o mau estado de conservação de algumas sepulturas,
possa ter provocado a dispersão dos espólios.
Fig. 7 – Vista parcial do sector 7 – núcleo 4 da necrópole, evidenciando-se a forte imposição da estrutura geológica
(camadas subverticais alternantes de xistos e grauvaques) na orientação das sepulturas.
143
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Necrópole das Soalheironas
Fig. 8 – Vista dos materiais exumados no interior da sepultura 4.
As sepulturas mantiveram, do princípio ao im da utilização
do espaço funerário em que se integram, as mesmas características genéricas, independentemente da sua localização,
desde os simples covachos, até aos recintos melhor construídos, que se podem encontrar em qualquer dos seis núcleos considerados. Com efeito, mesmo as sepulturas de
melhor qualidade são de tipologia muito simples, integrando-se nas características dominantes das observadas nas
necrópoles algarvias do Bronze do Sudoeste do vale do
Guadiana, desde o tempo de Estácio da Veiga. Com efeito,
nestas necrópoles não se encontram assinalados recintos
periféricos, envolventes das cistas, existentes tanto nas
necrópoles do Baixo Alentejo como em algumas do barlavento algarvio, como é o caso da necrópole de Alfarrobeira,
Silves (Gomes, 1994). Contudo, nalguns casos, por se tratar
de escavações antigas, é possível admitir a hipótese de tais
estruturas externas não terem sido devidamente identiicadas, até porque estas se reconheceram em necrópoles de
cistas da Idade do Ferro do concelho de Alcoutim, como é o
caso da necrópole do Cabeço da Vaca 1 (Cardoso & Gradim,
2006), atestando que tal tradição perdurou (em continuidade?) na Idade do Ferro.
A sepultura 5, situada no sector 1 da necrópole (Fig. 2),
poderá possuir uma pequena estela de grauvaque, ixada
junto de um dos topos (Fig. 5). A posição desta hipotética
estela sugere que a cabeceira da sepultura se encontraria
desse lado, ou seja, ocupando o topo WNW da cista, situação que, provavelmente, se repetiria nas restantes cistas
da necrópole.
Em posição adjacente a essa possível esteja, desenvolvia-se
um empedrado, de contorno sub-rectangular, constituído
por blocos de grauvaque, preenchendo o espaço até à sepultura 4 (Fig. 5), o qual, depois de removido, se veriicou
assentar directamente no substrato geológico. Desconhece-se qual a função deste empedrado, mas importa salientar
que, na necrópole da Quitéria, se encontraram também empedrados no exterior das sepulturas e na sua adjacência
(Silva & Soares, 1981: 147).
Fig. 9 – Desenho dos materiais cerâmicos e metálicos da sepultura 4.
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Necrópole das Soalheironas
4.4 - ESPÓLIO
Neste contributo, será apenas inventariado o espólio arqueológico exumado, deixando-se para trabalho de maior
fôlego uma análise mais detalhada do mesmo, incluindo
o respectivo estudo comparativo. De momento, apenas se
apresenta a inventariação dos materiais recolhidos, por
sepulturas:
sepultura 1 - associada a uma taça de carena média, incompleta (Fig. 10, n.º 2), recolheu-se uma ponta de arremesso,
de cobre, muito corroída, mas com a base conservada, evidenciando ixação por rebitagem (Fig. 10, n.º 1).
sepultura 4 - ocupando a metade poente da sepultura (Fig.
8), identiicaram-se, ao centro, um recipiente baixo de paredes reentrantes (Fig. 9, n.º 3); uma pequena taça de carena baixa, do “tipo Atalaia” (Fig. 9, n.º 1) e, entra as duas,
um punhal de talão convexo, desprovido de rebites (Fig. 9,
n.º 2). A posição destas três peças no interior da sepultura
sugere que o indivíduo, em posição de decúbito lateral com
pernas e braços lectidos, poderia ter o recipiente de maiores
dimensões junto às mãos, enquanto o de menores dimensões e o punhal se situariam junto à cabeça, que ocuparia o
topo de NW da sepultura, voltada para sul.
sepultura 5 - forneceu uma taça de carena média, incompleta
(Fig. 10, n.º 3).
sepultura 6 - forneceu dois recipientes, encontrados em
lados opostos da sepultura (Fig. 11): um recipiente baixo,
de paredes reentrantes e fundo convexo, idêntico a um dos
recolhidos na sepultura 4 (Fig. 9, n.º 3), no topo nascente; e
uma taça carenada, de menores dimensões (Fig. 12, n.º 2),
também ela comparável à recolhida naquela sepultura
(Fig. 9, n.º 1), no topo poente. Veriica-se, pois, que, salvo a
ausência do punhal, os espólios destas duas sepulturas
se aiguram idênticos. A posição que teriam relativamente
à inumação, sugere que o recipiente de maiores dimensões
poderia situar-se junto do crânio, enquanto a pequena taça
carenada teria sido depositada junto dos pés do cadáver.
sepultura 7 - no seu interior recolheram-se dois recipientes
(Fig. 13), correspondentes a um vaso globular de colo alto,
em forma de saco (Fig. 14, n.º 2), tombado ulteriormente
sobre um dos lados, ao lado do qual jazia um recipiente de
carena baixa (Fig. 14, n.º 1), do mesmo tipo dos recolhidos
nas sepulturas 4 (Fig. 9, n.º 3) e 6 (Fig. 12, n.º 1). Originalmente, o grande vaso deveria ocupar o canto SW da
Fig. 11 – Vista dos materiais exumados no interior da sepultura 6.
Fig. 10 – Materiais cerâmicos e metálicos de cobre. 1 e 2 – sepultura 1; 3 – sepultura 5.
Fig. 12 – Materiais da sepultura 6. O vaso de maiores dimensões corresponde ao observado na fig. 11, do lado esquerdo da foto.
147
148
Necrópole das Soalheironas
sepultura, enquanto o recipiente menor conservou a sua
posição primitiva. Desta forma, é provável que o cadáver,
em decúbito lateral, com braços e pernas lectidos, estivesse voltado com a cabeça para poente, ocupando o topo
NW da sepultura (tal como se veriicava nas sepulturas 4 e
6), defronte da qual se colocou o vaso maior, enquanto o
mais pequeno foi depositado junto das mãos.
É interessante referir a ocorrência de diversos casos em que
se observou a associação artefactual, numa mesma sepultura, de um vaso globular de colo alto a um recipiente do
tipo taça ou vaso baixo: é o caso da sepultura 7 da necrópole de AIfarrobeira (Gomes, 1994, Fig. 68) e de diversas
necrópoles da Andaluzia, por este autor mencionadas.
justiicou a hipótese de ser considerado como alabarda
(Gomes, 1994, Fig. 75, N). Deve ainda mencionar-se outro
exemplar, mais próximo, mas aparentemente muito corroído, também representado por Estácio da Veiga, recolhido
numa sepultura do Curral da Pedra, Odeleite, concelho de
Castro Marim (Veiga, 1891, XII, n.º 7; Est. XV, n.º 6).
A pequena ponta de arremesso, ou de projéctil, recolhida
na sepultura 1 (Fig. 7, n.º 1), a qual conserva a base, com
um pequeno rebite incompleto é, igualmente, muito rara
nos inventários das necrópoles do Bronze do Sudoeste,
avultando o exemplar recolhido na necrópole de Atalaia,
Ourique (Schubart, 1975, Tf. 29, n.º 296).
sepultura 9, 10, 13, 24 e 32 - cada uma destas sepulturas
forneceu uma taça ou vaso de carena baixa (Fig. 15, n.os 1
a 3; Fig. 16, n.os 1 e 3), apenas em dois casos encontrados
completos (sepulturas 10 e 24).
sepultura 28 - nesta sepultura recolheu-se um esférico baixo
(Fig. 16, n.º 2), o único exemplar com esta tipologia identiicado na necrópole, mas com paralelos em outras necrópoles coevas, tanto baixo-alentejanas (caso de Atalaia, Ourique),
como algarvias.
A análise do espólio cerâmico mostrou que são quatro as
formas essenciais presentes, todas elas características e comuns no Bronze do Sudoeste, especialmente nas necrópoles consideradas mais antigas desta Cultura:
• vasos globulares de colo alto, em forma de saco - um
exemplar;
• vasos globulares baixos (próximos das taças em calote) um exemplar;
• vasos de carena média e parede reentrante direita - quatro
exemplares;
• vasos de carena baixa ou média e parede reentrante côncava - oito exemplares.
Fig. 13 – Vista dos materiais exumados no interior da sepultura 7.
No tocante ao espólio metálico, o pequeno punhal de talão
convexo simples, recolhido na sepultura 4 (Fig. 9, n.º 2) desprovido de chanfros ou de rebitagem para encabamento, é,
pelo contrário, forma extremamente rara nos contextos do
Bronze do Sudoeste; apenas um exemplar, desenhado por
Estácio da Veiga, oriundo da antiga colecção de Júdice dos
Santos se lhe pode comparar (Veiga, 1891, Est. VII), mas é de
maiores dimensões e possui um espessamento central que
Fig. 14 – Materiais da sepultura 7.
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150
Necrópole das Soalheironas
5 - CONCLUSÕES
O estudo preliminar da necrópole das Soalheironas, agora
efectuado, conduziu às seguintes conclusões gerais:
mas desprovidas de espólio. Desta forma, duas alternativas
se aiguram merecedoras de futura discussão:
1. A localização geográica da necrópole, muito perto da
A primeira alternativa para explicar a realidade observada,
corresponde à hipótese de os diversos núcleos observados
na necrópole serem organizados em simultâneo, mas de
forma hierarquizada, explicando-se a maior abundância de
espólios observada nos dois núcleos mais orientais, que são
também os que ocupam uma posição de maior visibilidade na necrópole, pela maior importância social dos ali
tumulados, independentemente de a sociedade da época,
na região, já se encontrar, ou não, organizada em linhagens.
Note-se, a propósito, que as duas únicas peças metálicas
exumadas provêm do núcleo mais oriental e que nove dos
quatorze recipientes foram recolhidos nesses dois núcleos,
os quais, no conjunto, integram apenas 11 das 32 sepulturas identiicadas.
margem direita do Guadiana, e, portanto, do território espanhol, mostra, a par de outras necrópoles conhecidas na
região, que a distribuição das mesmas se terá efectuado,
sem soluções de continuidade, até às regiões setentrionais
da província de Huelva, onde se reconheceram necrópoles
com características arquitectónicas e espólios semelhantes.
Os espaços ainda vazios do território espanhol, ao longo da
margem esquerda do Guadiana, podem, assim, atribuir-se
mais à ausência de prospecções, do que ao efectivo despovoamento da região, no decurso da Idade do Bronze. Por
outro lado, a concentração de necrópoles ao longo do Guadiana, algumas das quais conhecidas desde o tempo de
Estácio da Veiga, e por ele publicadas, gere a importância
económica que o grande rio teria já então. Com efeito, sendo esta uma área pouco propícia à prática da agricultura, a
exploração das minas de cobre disseminadas pela região,
com a consequente circulação dos produtos respectivos,
constituiria, por certo, o mais importante factor de ixação
e povoamento desta região do baixo Guadiana.
2. A selecção de um cerro, estreito e alongado, de orienta-
Fig. 15 – Materiais cerâmicos.
1 - sepultura 9;
2 - sepultura 10;
3 - sepultura 13.
ção geral ESE-WNW, para a implantação da necrópole, foi
determinante para a conferir a esta características peculiares, onde as sepulturas se sucedem, alinhadas, umas às
outras. Trata-se de uma situação que ainda não tinha sido
identiicada em necrópoles do Bronze do Sudoeste, muito
embora nalguns casos, como em Alcaria (Monchique), a orientação preferencial das cistas que constituem a necrópole
seja evidente, não assumindo, contudo, a disposição unilinear que caracteriza o caso em apreço;
3. A organização interna da necrópole mostrou a existên-
Fig. 16 – Materiais cerâmicos.
1-sepultura 24;
2-sepultura 28;
3-sepultura 32.
cia de seis núcleos, concentrando-se os espólios nos dois
núcleos mais orientais. Veriica-se que esta situação não
pode ser correlacionada, nem com o eventual melhor estado
de conservação das cistas desses dois grupos – que não se
veriica – nem com uma melhor qualidade construtiva das
mesmas; com efeito, nos núcleos central e ocidental, reconheceram-se sepulturas de qualidade construtiva idêntica à patenteada em exemplares dos dois núcleos mais
orientais, e igualmente em bom estado de conservação,
A segunda alternativa corresponde à possibilidade de a
necrópole ter sido construída progressivamente de oriente
para ocidente: nestes termos, as sepulturas mais antigas,
que ocupariam a parte mais destacada do cerro, pertencentes aos dois primeiros núcleos, seriam também as mais
ricas; o declínio observado nas oferendas fúnebres icaria,
deste modo, explicado, quer por corresponder a prática
caída em desuso, no decurso da utilização da necrópole –
que poderia ter durado apenas duas ou três dezenas de
anos – quer pelo crescente empobrecimento da comunidade respectiva, pese embora a humildade das oferendas.
4. Do ponto de vista tipológico, o conjunto cerâmico integra formas comuns ao Bronze do Sudoeste, genericamente
reportáveis à sua fase mais antiga (produções do Grupo
Atalaia), as quais são comuns nas necrópoles do vale do
baixo Guadiana, contrastando com a ausência de produções
cerâmicas consideradas mais tardias, que, embora conhecidas no Algarve, se encontram representadas no barlavento
(Schubart, 1975, Karte 16, 18). Ao contrário, o espólio metálico, constituído por uma pequena ponta de arremesso
(ou de projéctil) de cobre, e por um punhal de talão convexo, desprovido de chanfros de encabamento ou de rebites, também de cobre, constituem tipos raros no quadro
das produções metálicas do Bronze do Sudoeste.
151
152
Necrópole das Soalheironas
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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do Ferro de Cabeço da Vaca 1 (Alcoutim). Actas do 3.º
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pp. 201-226. Silves: Câmara Municipal de Silves (Xelb, 6).
CATARINO, H. (1997/1998) - O Algarve Oriental durante a
ocupação islâmica. Povoamento rural e recintos fortiicados,
Volume 3 - Anexos, pp. 1222-1223. Loulé (AI-'Ulyã, 6).
GOMES, M. Varela (1994) - A necrópole de Alfarrobeira
(S. Bartolomeu de Messines) e a Idade do Bronze no concelho
de Silves. Silves: Câmara Municipal de Silves (Xelb, 2).
SCHUBART, H. (1965) - Atalaia. Uma necrópole da Idade do
Bronze no Baixo Alentejo. Arquivo de Beja, 22: 7-136. Beja.
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Südwesten der Iberischen Halbinsel. Tafeln. Berlin:
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VEIGA, S. P. M. Estácio da (1891) - Antiguidades Monumentaes do Algarve. Tempos prehistoricos, Volume IV.
Lisboa: Imprensa Nacional.
Fig. 17 – Sepultura 7: reconstituição da deposição funerária, em decúbito lateral com braços e pernas flectidos,
acompanhada de duas oferendas.
153
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Dez anos de trabalhos
arqueológicos em Alcoutim
DO NEOLÍTICO AO ROMANO
6 - Necrópole
do Cabeço
da Vaca
156
Necrópole do Cabeço da Vaca
45. e 46. Pontas de Lança
47. Punhal com guarda de prata
Ferro
Ferro e Prata
Idade do Ferro – séculos VI / V a.C.
Idade do Ferro – séc. VI/ V a.C.
51,5 cm Ø 3,2 cm e 50 cm Ø 4,1 cm
Comp. Máx. 28 cm / Lâmina 26,5 x 3,5 x 1,8 cm
Sepultura 6 Necrópole do Cabeço
da Vaca – núcleo I
Necrópole do Cabeço da Vaca – núcleo II
N.º Inventário: NMA.180 / NMA.181
N.º Inventário: NMA.179
157
158
Necrópole do Cabeço da Vaca
52. Pingente de cornalina em forma de bago de romã
Cornalina
Idade do Ferro – séculos VI / V a.C.
1,1 x 0,7 x 0,5 cm
49. Brunidor de cerâmica
Sepultura 1 Necrópole do Cabeço da Vaca – núcleo I
Seixo de xisto
N.º Inventário: NMA.281
Idade do Bronze (?)
6 cm x 2,4 cm x 0,7 cm
(Superfície) Necrópole do Cabeço da Vaca – núcleo I
N.º Inventário: NMA.272
48. Fragmento de movente, com indícios
de utilização como percutor
Seixo de grauvaque
Idade do Bronze (?)
8 cm x 7,5 cm x 3,5 cm
(Superfície) Necrópole do Cabeço da Vaca – núcleo I
50. Fragmento de alisador
Seixo de Xisto
Idade do Bronze (?)
53. Fragmento de cerâmica
55. Fragmento de cerâmica
Idade do Bronze (?)
Idade do Bronze (?)
4,5 x 3 cm
3,7 x 3,2 cm
Exterior da Sepultura 4 Necrópole do Cabeço da Vaca
– núcleo I
(Superfície) Necrópole do Cabeço da Vaca – núcleo I
N.º Inventário: NMA.275
N.º Inventário: NMA.277
3,8 cm x 2 cm x 0,7 cm
Sepultura 1 Necrópole do Cabeço da Vaca – núcleo I
N.º Inventário: NMA.271
N.º Inventário: NMA.274
51. Núcleo de lamelas (?)
54. Fragmento de cerâmica
56. Fragmento de cerâmica
Idade do Bronze (?)
Idade do Bronze (?)
4,7 x 2,5 cm
3 x 3 cm
(Superfície) Necrópole do Cabeço da Vaca – núcleo I
(Superfície) Necrópole do Cabeço da Vaca – núcleo I
N.º Inventário: NMA.276
N.º Inventário: NMA.278
Cristal de quartzo leitoso
Idade do Bronze (?)
57. Fragmento de cerâmica
1,7 cm x 1,2 cm x 0,7 cm
Idade do Bronze (?)
(Superfície) Necrópole do Cabeço da Vaca – núcleo I
(Superfície) Necrópole do Cabeço da Vaca – núcleo I
N.º Inventário: NMA.273
N.º Inventário: NMA.298
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Necrópole do Cabeço da Vaca
6 - Necrópole do Cabeço da Vaca6
RESUMO
ABSTRACT
Neste capítulo serão analisados sucessivamente os seguintes aspectos do núcleo I, da
necrópole da Idade do Ferro, escavados em 2003:
In this chapter, the following aspects will be analysed of do locus I, of the necropolis of
the Iron Age, excavated on 2003:
1 - antecedentes dos trabalhos arqueológicos realizados, localização da necrópole e
respectiva metodologia de intervenção; 2 - resultados obtidos: aspectos arquitectónicos e construtivos; o faseamento interno da construção da necrópole; 3 - inventário
dos materiais arqueológicos recolhidos e respectivo estudo comparado; 4 - discussão:
integração cronológico-cultural da necrópole; 5 - aspectos rituais; 6 - conclusões: a
necrópole do Cabeço da Vaca 1 no quadro das arquitecturas funerárias da I Idade do
Ferro do sul do actual território português.
1 - the former archaeological studies performed on the site, the location of the necropolis and the methodology used in the excavation; 2 - the results obtained, including the
archaeological and architectonic aspects as well as the successive internal phases of the
necropolis; 3 - the inventory of the archeological materials collected and their comparative study; 4 - the discussion, including the chronological and cultural itting of the necropolis and the correlative ritual aspects: 5 - the conclusions, namely the necropolis of
Cabeço da Vaca within the framework of the funerary architectures of the Early Iron
Age of the south of the present Portuguese territory.
A escavação do núcleo II realizou-se no ano seguinte e é constituído por uma única
sepultura, a qual dista das anteriores seis detectadas cerca de 250 m para Este.
Os resultados obtidos da escavação, vieram conirmar que se tratava de uma cista da
Idade do Ferro, de maiores dimensões que as suas homólogas do núcleo I, as quais
corporizam a fase mais antiga da necrópole. Fora já alvo de violação, a qual, porém,
não atingiu o nível basal, onde se recolheu um raro punhal de ferro, munido de guarda
de prata no encabamento, cuja tipologia indica cronologia anterior ao séc. V a. C. claramente compatível com a fase mais antiga da necrópole. As características excepcionais
desta peça, rememtem para um indivíduo destacado no seio da comunidade, merecendo, por isso, a sua sepultura adequada individualização, tanto no tamanho, como,
sobretudo, no local seleccionado para a sua construção, isolando-a em uma pequena
elevação, dominando visualmente o outro núcleo da necrópole, onde foram inumados
os restantes elementos desta pequena comunidade da I Idade do Ferro da serra algarvia.
6 Sobre os resultados das escavações realizadas em 2003 e 2004 nos dois núcleos que compõem a necrópole publicaram-se dois artigos em 2006 e 2008 respectivamente (CARDOSO, João Luís e GRADIM, Alexandra, 2006, A Necrópole da I Idade do Ferro de Cabeço da
Vaca 1 (Alcoutim). “Actas do 3.º Encontro de Arqueologia do Algarve”, Revista XELB, n.º 6, Silves, pp. 201-226) e CARDOSO, João Luís
e GRADIM, Alexandra, 2008, O Núcleo II da Necrópole da Idade do Ferro do Cabeço da Vaca (Alcoutim), Actas do 5.º Encontro de
Arqueologia do Algarve, Revista XELB, n.º 8, 1, Silves, pp. 103-116. Encontrava-se inédita a pontual intervenção realizada em 2009 e
destinada a concluir a escavação da sepultura n.º 5, situação detectada aquando dos trabalhos de conservação da necrópole. O presente texto corresponde, à compilação dos dados existentes nos dois trabalhos publicados pelos autores, actualizando-se as conclusões nelas inseridas.
The excavation of de locus II, one single grave distant 250 m to the East, took place on
the following year.
The results obtained conirmed the existence of a cist from the Iron Age, with larger dimensions than the previously locus I, corresponding to the most ancient phase of the
locus 1. The cist had already been violated but not on the basal level, where a rare iron
dagger was found with a silver guard, between the blade and the hilt, whose typology
indicates a chronology previous to the middle of the middle of the V century BC and
clearly compatible with the occupation phase of the locus I of the same necropolis. The
exceptional characteristics of this artifact indicate an individual high in social ranks
deserving a special grave, either in size and in location, isolated in a small elevation.
Visually dominating the other locus of the necropolis, where the common elements of
this little community from Iron Age of inland Algarve were buried.
161
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Necrópole do Cabeço da Vaca
privados, em meio rural, urbano ou subaquático': Obtidas as
necessárias autorizações, os trabalhos foram programados
para a primeira quinzena de Setembro de 2003, tendo sido de
facto realizados entre os dias 1 e 13 daquele mês, e retomados no ano seguinte entre 30 de Agosto e 10 de Setembro
de 2004.
Os trabalhos foram dirigidos pelo signatário (J.L.C.), na qualidade de arqueólogo responsável primeiro e contaram com
a colaboração permanente da segunda signatária.
A Câmara Municipal de Alcoutim concedeu o indispensável
apoio inanceiro, sem o qual a realização dos trabalhos não
seria possível. Os desenhos de campo são da autoria de
Alexandra Gradim e de Fernando Dias, sendo a versão deinitiva da autoria de Bernardo Ferreira, que também se encarregou dos desenhos das peças arqueológicas que ilustram
este artigo. Todas as fotos apresentadas são da autoria de
João Luís Cardoso.
No decurso dos trabalhos de 2003, foi a escavação visitada
pelo Dr. Pedra Barros, arqueólogo da extensão do IPA de
Silves.
Em 2009 a sepultura 5 do núcleo I, foi alvo de uma nova intervenção decorrente da acção de manutenção e conservação
do sítio arqueológico. Com efeito, no decorrer dos referidos
trabalhos veriicou-se que a sepultura 5 se estendia numa
orientação NW-SE, tal como a maioria do conjunto arquitectónico funerário (com excepção da sepultura número 3),
contrariando as evidências da investigação realizada em
2003 e 2004.
A equipa dirigida pela segunda signatária foi constituída
por três alunos do último ano do curso de Assistente de
arqueólogo que se encontravam a realizar um estágio em
ambiente de trabalho, solicitado à autarquia pela Escola
Proissional de Mértola, ALSUD.
Os desenhos de campo foram executados pela segunda signatária com a colaboração da estagiária Ivanilda Tavares,
sendo a versão deinitiva de Bernardo Ferreira, o qual já
tinha, de igual modo, realizado os referentes às campanhas
de 2003/ 2004.
Fig.1 – Vista da escavação do núcleo I da necrópole do Cabeço da Vaca.
1 - INTRODUÇÃO
No âmbito do acompanhamento das acções de lorestação
de pinheiros mansos, em curso no ano de 1999 no concelho
de Alcoutim, foi identiicada por um de nós (A.G.) o que se
presumia constituir uma cista megalítica (Gradim, 1999),
denunciada pela existência de diversos monólitos incados
no terreno, num local que, por acordo com o proprietário,
se manteve incólume (Fig. 1), conservando-se ali a densa
cobertura arbustiva que outrora cobria toda a crista da elevação. Contudo, a abertura recente de um caminho lorestal,
imediatamente adjacente ao monumento, tornava imperiosa
a sua exploração, até para justiicar, perante o proprietário,
as medidas de protecção anteriormente indicadas e por
este cumpridas.
No caso do segundo núcleo, o monumento, desde logo identiicado como uma grande cista, constituída por longos ortóstatos de grauvaque, foi igualmente alvo de um espaço de
protecção por se integrar numa área de expansão do refe-
rido projecto de lorestação. O local foi posteriormente
atingido pela remobilização mecânica dos terrenos, que destruiu parte da periferia da estrutura secundária que envolvia
a cista. Entretanto, o terreno foi adquirido por outro proprietário, impondo-se a cabal escavação do monumento,
para, por esta via e uma vez demonstrada a importância
desta ocorrência arqueológica, garantir para a sua conservação e integração em circuito de visita de carácter arqueológico, à semelhança do que já foi concretizado, em outros
casos, por iniciativa da Câmara Municipal de Alcoutim, como
os menires do Lavajo, também explorados e musealizados
pelos signatários.
Estava-se, deste modo, em condições de solicitar ao Instituto
Português de Arqueologia autorização para a realização de
trabalhos arqueológicos ao abrigo da Categoria C, "acções
preventivas a realizar no âmbito de trabalhos de minimização de impactos devidos a empreendimentos públicos ou
Fig. 2 – Vista da escavação do núcleo II da necrópole do Cabeço da Vaca, correspondente a uma cista de grandes
dimensões.
163
164
Necrópole do Cabeço da Vaca
2 - LOCALIZAÇÃO E METODOLOGIA DAS INTERVENÇÕES
O sítio arqueológico implanta-se na parte mais alta de um
extenso relevo alongado a cerca de 240 m de altitude, constituído por formações do Carbonífero marinho de fácies
lysch (alternâncias de xistos azulanegrados e de grauvaques
acinzentados, que por alteração dão origem a colorações
castanho-amareladas), com orientação Nor-Noroeste-Sul-Sueste, que se desenvolve a Este da povoação de Giões, a
cuja freguesia pertence. As suas coordenadas são as seguintes (Fig. 3):
37º 28’ 04” Latitude N;
7º 41’ 04” longitude W.
Do local divisa-se uma vasta paisagem para sul, o mesmo
sucedendo do lado oposto, a partir do topo da crista, a escassos metros de distância do local escavado.
A metodologia da escavação previa, como é usual, pós a
limpeza prévia do terreno, a implantação de sistema de referenciação na área interessada pela escavação, com o registo
tridimensional de todos os objectos encontrados e, por último, o registo gráico da área interessada pelos trabalhos,
incluindo as estruturas que se viessem a identiicar, bem
como os respectivos cortes e alçados. Ver-se-á que este propósito teve de ser adaptado à realidade evidenciada pela
escavação, a qual era signiicativamente diferente daquela
que, inicialmente, se previa, obrigando a ajustamentos na
metodologia adoptada.
Por último, aplicaram-se as medidas de protecção e conservação aos dois núcleos da necrópole.
1
3 - TRABALHOS REALIZADOS
3.1 - Cabeço da Vaca I (2003/ 2004 e 2009)
Antes da realização dos trabalhos, o terreno encontrava-se
densamente coberto por giestas e estevas (ig. 4), permitindo
apenas a observação, como se referiu, de três elementos
colocados verticalmente, considerados por isso como ortóstatos de uma sepultura cistóide, semelhante à explorada
anteriormente, também sob orientação do primeiro signatário (J.L.C.), em elevação da mesma região, o cerro do Malhão, da freguesia de Martim Longo (Cardoso & Gradim,
2003), atribuível ao Neolítico Final ou ao Calcolítico.
Contudo, logo que a desmatação atingiu a superfície do terreno na área imediatamente adjacente aos supostos ortóstatos, se evidenciou uma caixa rectangular, cujo comprimento
máximo não excedia 1,3 m (Sepultura 1), Estava-se, pois,
perante uma cista cujas características a aproximavam de
exemplares da Idade do Bronze ou da Idade do Ferro, mais
do que de cista megalítica, como inicialmente se supunha.
O alargamento da área escavada em seu torno permitiu,
logo a seguir, a identiicação de outra sepultura do mesmo
tipo e com a mesma orientação (Sepultura 2), implantadas
na parte mais alta de um micro-relevo existente na crista da
elevação (igs. 5 e 6), encontrando-se a Sepultura 1 cercada de
um lajeado de contorno circular, delimitado do lado melhor conservado por alinhamento de elementos de xisto colocados de cutelo, evidenciados pela escavação (Fig, 7).
2
Fig. 3 – Localização da necrópole do Cabeço da Vaca. Extracto da Carta Militar de Portugal (formato digital) na escala de 1/25 000,
folha n.º 574, Lisboa, Instituto Geográfico do Exército, Secção de Fornecimento de Informação Geográfica, 2004 (reduzida).
Fig. 4 – Aspecto da fase inicial da escavação, com a desmatação do terreno. Observe-se astrês lajes de cobertura da
Sepultura 1, os únicos elementos então visíveis, por entre a densa cobertura de estevas existente.
165
166
Necrópole do Cabeço da Vaca
visível nas igs. 6 e 11, a qual evidenciou, a pequena profundidade, o substrato xisto-grauváquico. Do lado sul, a Sepultura 5, adjacente ao limite da escavação (Figs. 11 e 12), determinou o alargamento para Sul da área investigada,
escavando-se, a partir do referido limite, uma área com 4 m
por 5 m, sem que se tenha identiicado alguma outra ocorrência de interesse arqueológico; enim, a observação., do
lado oriental da escavação, próximo da referida sepultura,
de duas lajes inclinadas, parcialmente postas a descoberto
no corte, que poderiam corresponder elementos de tampa
de outra sepultura (Fig. 11), determinou que, desse lado se
procedesse de forma idêntica; deste modo, foi aberta nova
área com 4 m por 4,5 m, conirmando-se, de facto, a existência de uma sexta sepultura, coberta pelas duas lajes referidas, ainda que ligeiramente deslocadas da sua posição
original. Esta sepultura, contudo, diferia totalmente das quatro primeiras, por constituir um simples covacho, aberto
no substrato rochoso e aproveitando em parte o sistema
de diaclases ortogonais nele existente, aproximando-se da
Sepultura 5.
No inal, a área escavada, com as seis sepulturas identiicadas, de marcada heterogeneidade tipológica, atingia a superfície de 78 metros quadrados, correspondente à planta
apresentada na Fig. 15. No concernente à sua integração
cultural, o aparecimento de duas lanças de ferro na última
sepultura a ser identiicada e escavada (a Sepultura 6), ainda
que deva corresponder à mais recente de todas, permite
integrar a necrópole na Idade do Ferro, a par de outras evidências que, a seu tempo, serão apresentadas.
Fig. 5 – Vista parcial das duas sepulturas mais antigas do núcleo I, evidenciando-se a Sepultura 1 (à direita) e a Sepultura 2, à esquerda da
primeira, ambas com orientação NW-SE. Em segundo plano, à direita, observa-se pequena cista correspondente à Sepultura 4. Note-se, em
torno da Sepultura 1, o lajeado de planta circular, particularmente bem conservado entre esta e a Sepultura 2.
Deste modo, encontrava-se demonstrada a existência; no
local, não de uma cista pré-histórica isolada, mas de uma
necrópole de cistas, da Idade do Bronze ou da Idade do
Ferro, cuja verdadeira extensão importava averiguar, Assim,
os trabalhos foram orientados para uma escavação em extensão, interessando uma área muito superior à inicialmente prevista, Foram, assim sucessivamente identiicadas
as sepulturas n.º 3, 4 e 5 (Fig. 8), cuja ordem, indicada na
planta da área escavada (Fig. 16), respeitou a sequência do
descobrimento. Deve dizer-se que nenhuma destas sepulturas evidenciou de início qualquer indício de já ter sido
violada; ao contrário: o interior de todas elas encontrava-se colmatado por um sedimento uniforme, muito ino, duro
e compacto, tal como o que preenchia a Sepultura 4 (Fig. 9).
Esta sepultura - cujo comprimento máximo é apenas de
0,80 m, indicando pertencer a criança – era a única consstituída por esteios de xisto, cuidadosamente encaixados
no covacho previamente aberto no substrato geológico,
evidenciando um deles trabalho de desbaste da laje original, com o intuito de a adelgaçar, através de um formão de
bronze ou de ferro, cujas marcas se conservaram (Fig. 10).
A área de distribuição no terreno destas cinco sepulturas
inscrevia-se em rectângulo com de 5 m de largura por 7 m
de comprimento, mas nada garantia que, fora desses limites,
não houvessem ainda outras sepulturas por identiicar. Deste
modo, foi com tal objectivo, que do lado poente, se abriu
uma sanja com 1 m de largura por 5 m de comprimento,
Fig. 6 – Vista de NW para SE do núcleo I, observando-se, em primeiro plano, as Sepulturas 1 e 2 e, em segundo plano, a paisagem
envolvente. Do lado esquerdo é visível a sanja aberta que permitiu delimitar o desenvolvimento da necrópole desse lado.
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Necrópole do Cabeço da Vaca
Fig. 7 – Pormenor do lado sul do lajeado de contorno circular que delimita externamente a Sepultura 1, evidenciando-se
em primeiro plano alguns elementos colocados de cutelo, que contornam a referida área, de carácter ritual.
Fig. 8 – Vista parcial da área escavada, obtida de SE, correspondente ao núcleo mais antigo da necrópole, constituído
pelas Sepulturas 1, 2 e 3. É também visível o lajeado envolvente da Sepultura 1 e, em primeiro plano, do lado esquerdo,
a pequena cista correspondente à Sepultura 4, totalmente escavada no substrato geológico. Note-se o fraco recobrimento
pedológico de toda a área escavada. Em primeiro plano, a sepultura 4, mais recente que as anteriores
Fig. 9 – A Sepultura 4 aquando da sua identificação, correspondendo a pequena cista constituída por esteios de xisto, totalmente escavada
no substrato geológico. Note-se a compacidade do respectivo enchimento. Em segundo plano, observa-se o limite do lajeado circular
envolvente da Sepultura 1, situada a Norte (ver fig.7).
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Necrópole do Cabeço da Vaca
Fig. 10 – A Sepultura 4 em curso de escavação.
Fig. 11 – Vista parcial da área escavada, de SE para NW. Em primeiro plano, junto do limite daquela, observa-se a
Sepultura 5 ainda por escavar.
Fig. 12 – A Sepultura 5, ainda por escavar, observando-se as respectivas tampas (ver Fig.11).
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Necrópole do Cabeço da Vaca
3.2 - Cabeço da Vaca II (2004)
A metodologia seguida na intervenção, após a limpeza prévia do terreno e depois de implantado o sistema de georreferenciação, foi o da decapagem da área interessada pelo
monumento, por forma a colocá-lo integralmente à vista.
A escassa profundidade a que se encontravam os elementos construtivos periféricos da cista, era, aliás, condizente
com o facto de todos os esteios desta serem bem visíveis no
terreno, antes da escavação, exceptuando a desaparecida
laje ou lajes de cobertura, indicando violação anterior do
monumento. Observou-se, também, a parcial destruição
da periferia da estrutura envolvente, realizada por meios
mecânicos, em época ainda mais recente, no âmbito das
acções de lorestação realizadas antes dos trabalhos arqueológicos (Fig. 13, 14).
Fig. 14 – Vista, tomada de Sudoeste, da cista do núcleo II da necrópole do Cabeço da Vaca, depois de concluída a escavação. Observe se o
grande bloco de grauvaque que prolonga, para sul, o lado oriental da cista.
4 - RESULTADOS OBTIDOS
4.1 - Aspectos arquitectónicos e construtivos das sepulturas:
o faseamento interno da necrópole no núcleo I.
As seis sepulturas que constituem a necrópole do Cabeço
da Vaca 1 apresentam características diferentes, merecendo,
por isso, ser descritas separadamente; os cortes mais signiicativos encontram-se assinalados na planta geral (Fig. 15)
e apresentam-se na Fig. 16.
Fig. 13 – Vista, tomada de Oeste, da cista do núcleo II da necrópole do Cabeço da Vaca, depois de concluída a escavação. Note-se, em primeiro
plano, o rasgo produzido pela maquinaria, no âmbito da preparaçãodo terreno para florestação, destruindo a periferia da estrutura envolvente
da cista.
Importa desde já referir que a orientação da estratiicação
dos xistos e grauvaques, que constitui o substrato geológico
local, aproximadamente NW-SE, condicionou a abertura da
maioria das sepulturas: com efeito, sendo invariavelmente
escavadas no substrato geológico, o respectivo alongamento
respeitou em geral aquela direcção, com excepção de um
caso, em que a área escavada, exibindo forte alteração do
substrato geológico (Sepultura 3), não foi determinante na
imposição daquela orientação.
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Necrópole do Cabeço da Vaca
A sepultura 1 corresponde a uma caixa rectangular constituída por quatro esteios de grauvaque assentes no substrato
geológico, orientada NW-SE. A respectiva cobertura era constituída por três lajes de xisto e grauvaque, originalmente colocadas transversalmente. Tais lajes, em época indeterminada, foram colocadas ao alto, aquando da violação da
sepultura. O fundo, a cerca de 0,40 m de profundidade,
contado a partir do topo dos esteios laterais (ver Fig. 16,
Corte AB e Corte CD) encontra-se totalmente regularizado
e aplanado.
Importa referir que o espaço envolvente desta sepultura se
encontra lajeado, formando superfície de contorno sub-circular, melhor conservada na zona entre esta sepultura e
a Sepultura 2. Do lado oposto, é ainda visível a existência de
alguns elementos colocados de cutelo, servindo como delimitadores periféricos daquele espaço, já antes mencionados (Fig. 7).
A sepultura 2 possui planta, dimensões e orientação idênticas às da anterior. Integra, no entanto, dois esteios mais
inos, de xisto, o da cabeceira, correspondente ao lado norte
e o lateral à esquerda da cabeceira. Esta encontra-se, curiosamente, evidenciada por um apoio para a cabeça do inumado,
constituído por uma laje de xisto, colocada transversalmente
no fundo da sepultura, formando um ressalto com cerca de
7 cm de altura relativamente ao fundo daquela, correspondente, tal como a anterior, à regularização do substrato geológico (Fig. 16, Corte EF). Não se trata de um reforço interno, como foi considerada uma laje disposta de forma
análoga no topo sul e sobre o fundo da Sepultura 9 da
necrópole do Bronze do Sudoeste de Alfarrobeira, Silves
(Gomes, 1994, Fig. 33).
A sepultura 3 situa-se na adjacência imediata da anterior.
Porém, ao contrário daquela, trata-se apenas de um covacho
aberto no substrato geológico, com orientação orthogonal
às anteriores, aproximadamente NE-SW, encontrando-se o seu
limite marcado com pequenas e delgadas lajes de xisto apenas nos dois topos; a sua profundidade (Fig. 16, Corte G-H)
e dimensões são, também, menores que as duas anteriores.
Fig. 15 – Planta geral do núcleo I da necrópole do Cabeço da Vaca 1, assinalando-se os cortes realizados em cada uma das estruturas tumulares.
A sepultura 4 é uma pequena sepultura infantil, sendo a
única constituída por uma caixa onde todos os esteios são
de xisto, cuidadosamente ajustada à escavação previamente
executada no substrato geológico (Fig. 9). Com 1,0 m de comprimento máximo e a profundidade de 0,30 m, o fundo, tal
como o das anteriores, corresponde à regularização do substrato geológico (Fig. 16, Corte I-J). Relembre-se que o esteio
Fig. 16 – Cortes realizados nas estruturas tumulares (ver Fig.15)
lateral do lado poente conserva múltiplas marcas oblíquas
de desbaste por escopro de bronze ou de ferro, cujo gume
teria cerca de 2 em de largura (Fig. 10).
A sepultura 5 localiza-se já em zona periférica do núcleo
constituído pelas quatro anteriores. A sua tipologia é muito
diferente das anteriores. Trata-se de um covacho de contorno irregular aberto no substrato geológico, cuja profundidade não ultrapassa 0,50 m (Fig. 16, Cortes P-Q e R-S).
Escavado nos grauvaques alterados de coloração amarelada,
foi condicionado, pela estratiicação das duas famílias de
diáclases verticais, cuja orientação é NW-SE, situação análoga à observada nas Sepulturas 1, 2 e 4. A continuação da
escavação conduziu à identiicação de duas tampas que delimitavam as extremidades Noroeste e Sudeste através de
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Necrópole do Cabeço da Vaca
dois blocos de xisto grauvacóide alongados. Estas lages de
xisto, uma com cerca de 0,80 m de comprimento máximo e
outra com 1,20 m, cobriam a sepultura e estavam dispostas de forma transversal existindo entre elas e na periferia,
diversos blocos irregulares, entre aloramentos mais resistentes do substrato geológico (Fig. 12 e 17). Após remoção
das lages veriicou-se o apoio em rebordo do substrato
geológico, cobrindo uma ténue depressão, nele existente.
Existe, pois, a certeza de corresponder a uma sepultura intacta, de planta sub-pentagonal irregular cujo comprimento
máximo é de 1,5 m e largura 0,70 m.
no tocante à qualidade construtiva, por comparação com as
anteriores, situando-se, por seu turno, progressivamente
mais afastadas e dispersas do núcleo original. Assim, a Sepultura 3, que ainda faz parte integrante do núcleo mais antigo,
já só possui esteios nos topos menores, de xisto, tal como
se veriica na Sepultura 4, sendo os dois lados maiores
deinidos pela escavação realizada no substrato geológico,
de contorno rectangular. A simplicidade é ainda maior nas
A sequência descrita parece, deste modo, corresponder a
um continuum na utilização da necrópole, que poderá ter-se
prolongado, deste modo, por dezenas de anos, servindo a
uma pequena comunidade rural da Idade do Ferro que habitaria nas imediações, conforme as indicações fornecidas
pelo escasso espólio arqueológico recuperado.
A sepultura 6, a última a ser escavada, possui planta, dimensões e orientação em tudo semelhante à anterior. Esta
sepultura encontrava-se também intacta, apresentando-se
ainda parcialmente coberta por uma grande laje alongada,
a qual, se não estivesse já ligeiramente deslocada da sua
posição inicial, chegaria para a tapar completamente; uma
segunda laje, mais pequena que a anterior e disposta transversalmente, cobria a extremidade Norte, sendo ambas de
xisto grauvacóide. O covacho apresenta paredes e fundo de
grande irregularidade, como se evidencia nos cortes longitudinal e transversal efectuados (Fig.16, Cortes L-M e
N-O), apresentando a profundidade máxima de 0,60 m, o
comprimento máximo de 1,5 m e a largura máxima de pouco
mais de 0,50 m.
No conjunto, veriica-se que a progressão da escavação, e a
sequência da descoberta das sucessivas sepulturas, coincidiu quase em absoluto com o faseamento proposto para
a construção da própria necrópole: assim, a Sepultura 1,
que é também a mais evidente de todas e a única que se
conhecia antes da escavação, terá sido a primeira a ser construída. Implantada na parte mais alta de um leve declive
da crista da elevação, voltado para Sul, é a única sepultura
que possui um lajeado circular envolvente, sacralizando
assim o referido espaço. A segunda sepultura a ser construída, foi a Sepultura 2, implantada na adjacência da primeira, em contacto com a periferia do referido lajeado,
mas não nele englobado; a proximidade cronológica é evidenciada até pelo facto de ser grande a semelhança arquitectónica entre elas. A terceira sepultura a implantar-se no
terreno foi a Sepultura 4, de qualidade construtiva idêntica
às anteriores, situada na periferia da considerada mais
antiga, apenas a cerca de 1 m de distância; como se disse,
trata-se de uma sepultura infantil, sendo evidente o cuidado
com que foi construída. As restantes três sepulturas que
integram a necrópole denotam uma marcada degradação
duas únicas sepulturas que se mantiveram intactas da
necrópole, que são também as mais afastadas do núcleo
original. Ambas conservam as respectivas tampas, de grauvaque ou de xisto grauvacóide, tendo certamente passado
despercebidas aos saqueadores por se apresentarem a cotas inferiores face ao núcleo da necrópole, muito mais visível e proeminente. Assim, a Sepultura 5 é um simples
covacho, de contorno sub-pentagonal, o mesmo se veriicando na Sepultura 6, de planta sub-rectangular irregular.
Importa salientar que, fora as duas sepulturas intactas –
Sepultura 5 e Sepultura 6 - das quatro sepulturas restantes,
pelo menos três atestam indícios de violações antigas: tratase das Sepulturas 1, 2 e 4. Na primeira, tais indícios eram
sugeridos pela própria posição das tampas que a cobriam, as quais foram levantadas mas não removidas do
local, mantendo-se inclinadas sobre o espaço que inicialmente cobriam, indicando remoção cuidadosa, evitando
qualquer destruição gratuita. O seu interior encontrava-se
completamente preenchido por um sedimento ino, argiloso,
de coloração amarelada e muito compacto, de mistura com
blocos heterométricos de xisto grauvacóide de dimensões
medianas. O mesmo tipo de enchimento foi observado nas
Sepulturas 2 e 4. Deste modo, crê-se que o seu interior foi
sendo progressivamente preenchido com sedimentos inos
oriundos das áreas circundantes, para ali transportados
pelas águas das chuvas, o que explica a sua elevada compacidade, a par de blocos de maiores dimensões resultantes
da fragmentação das tampas ou dos esteios laterais.
A falta de marcas de choques violentos nos esteios laterais
das sepulturas, situação incompatível com o uso de picaretas e de pás, sugere que as caixas tumulares ainda se
encontravam isentas de terras, aquando da violação, o que
remete estas para uma época muito recuada, conirmada
pela natureza dos respectivos enchimentos, de onde estão
ausentes materiais modernos.
Em abono da grande antiguidade destas violações, deve referir-se que não há memória de qualquer exploração arqueológica aqui realizada, desde os tempos pioneiros de
Estácio da Veiga, cuja passagem pelo concelho de Alcoutim
Fig. 17 – Planta da sepultura 5, onde se evidenciam as duas tampas.
em 1877 foi objecto de estudo recente (Cardoso & Gradim,
2004).
A existência nestas sepulturas de violações antigas, remontando mesmo a épocas não muito distintas da sua construção e utilização foi, aliás, veriicada em numerosas necrópoles da Idade do Ferro do Baixo Alentejo, como as de
Fernão Vaz, Pêgo, Fonte Santa e Pardieiro (Correia, 1993, p.
354). Tais situações foram devidamente valorizadas por C.
Beirão, admitindo que os sepulcros, à data de tais acções
estivessem isentos de terras, ao contrário do actualmente
ali observado (Beirão, 1986, p. 50).
No entanto, note-se que a ausência de espólio não resultará,
necessariamente, na maioria das situações, de antigas ou
modernas violações: tal como em outras necrópoles, tanto
da Idade do Bronze como da Idade do Ferro, também a Sepultura 5, que se encontrava intacta, não forneceu qualquer espólio, o que se explica pela efectiva pobreza das
gentes que habitavam, na Idade do Ferro, estas paragens,
só minorada pelo interesse mineiro de algumas ocorrências
de cobre e de ferro então exploradas. Aliás, a existência de
sepulturas intactas, mas desprovidas de espólio, foi uma
realidade já identiicada por Caetano Beirão, e depois sublinhada por outros (Jiménez Ávila, 2004) a qual agora se vê
plenamente conirmada.
4.2 - Arquitectura funerária do núcleo II
4.2.1 - A cista
A escavação revelou tratar-se de uma cista de planta quadrangular, orientada Norte-Sul (orientação do norte magnético de 2004), em que cada um dos seus lados eram constituídos por esteios de grauvaque, exceptuando o lado poente,
formado por dois esteios, um longo, estreito e regular, outro curto e espesso, visível na Fig. 20.
O seu comprimento máximo atinge cerca de 1,50 m, enquanto a largura é cerca de três vezes menor. O fundo da
cista corresponde ao substrato geológico, regularizado e,
aparentemente, recoberto por ino leito de argila. Os cortes
apresentados na Fig. 19 evidenciam que a profundidade
máxima da cista, determinada pela diferença entre o esteio
mais proeminente e o fundo, não ultrapassaria 0,80 m; na
actualidade, o desnível máximo entre o terreno exterior adjacente e o fundo da cista, é muito menor, cerca de 0,40 m.
Tal signiica que houve erosão do lado externo da caixa
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Necrópole do Cabeço da Vaca
tumular, a menos que os topos dos esteios da cista já se
encontrassem, primitivamente, destacados no terreno, aspecto que será adiante discutido.
4.2.2 - A estrutura tumular envolvente
A cista encontra-se implantada em pequena elevação bem
marcada na microtopograia local, contribuindo, no contexto
imediatamente envolvente, para a sua maior visibilidade.
Apresenta-se circundada por empedrado cujo contorno
original se encontra claramente cortado do lado noroeste,
por um rasgo aproximadamente rectilíneo, produzido mecanicamente, no decurso das acções anteriores de lorestação, bem evidenciado na Fig. 13 e na planta (Fig. 19). Na
parte restante, o empedrado parece não ter sofrido assinaláveis prejuízos, estimando-se em cerca de 5 m o seu diâmetro original. A opção por esta designação será adiante
discutida.
Do lado oriental e na direcção Sul, a cista encontra-se prolongada por grande bloco de grauvaque (Fig. 13; Fig. 14),
colocado no alinhamento do longo esteio que delimita a
cista daquele lado. Desconhece-se qual seria a função de
tão notável elemento construtivo, o qual, em qualquer caso,
serviria de sólido reforço externo à cista propriamente dita;
com efeito, é essa a função atribuída ao conjunto de blocos
de grauvaque dispostos em torno da caixa tumular, nalguns
casos com tendência radial (Fig. 18), realidade que se encontra bem evidenciada na planta (Fig. 19). Estes blocos
correspondem à estrutura envolvente da cista, sendo o espaço entre eles, regularizado e colmatado por elementos
angulosos de menores dimensões, também de grauvaque,
formando como que um empedrado periférico.
Merece destaque a existência de duas lajes no lado oriental
da cista, de contorno sub-rectangular alongado, as quais
não ostentam nenhum trabalho de afeiçoamento. Pelo seu
diminuto peso, não poderiam contribuir para a estabilidade
da estrutura tumular. Afastada a possibilidade de corresponderem a duas estelas, pela regularidade com que se encontram colocadas no terreno a níveis distintos, é crível
que constituíssem dois degraus (Fig. 18), dispostos paralelamente e a cotas distintas. Assim sendo, estar-se-ia perante uma situação em. que a área empedrada envolvente não
cobriria a cista, como se veriicaria caso fosse um “cairn”,
mas antes a circundava, a uma cota ligeiramente inferior.
Naturalmente, a cobertura da cista seria assegurada por
uma ou mais lajes, das quais, porém, não se recolheu
nenhum indício.
Nestes termos, o monumento apresenta assinaláveis semelhanças com a cista megalítica do Cerro do Malhão (Alcoutim), de época calcolítica, na qual também se identiicou
um lajeado que envolvia a caixa tumular, bem destacada,
no seu centro (Cardoso & Gradim, 2003). De igual modo, o
lajeado identiicado em torno da sepultura mais antiga da
necrópole do Cabeço da Vaca I, encontrava-se delimitado,
na sua periferia, por elementos colocados de cutelo, a uma
cota inferior ao topo dos esteios da respectiva cista (Cardoso
& Gradim, 2006, Fig. 6), indício de que se pretendia, igualmente, assegurar a individualidade do espaço funerário,
mantendo a cista posição bem visível no terreno, a cota superior à da delimitação referida.
4.2.3 - Estratigrafia
Os esteios que constituem a cista assentam directamente
no substrato geológico, sem que neste, ao contrário do observado noutros casos, tenha sido previamente aberto qualquer roço, para melhor garantir a respectiva ixação, tal
como se pode observar na Fig. 20. Também o empedrado
periférico foi assente directamente no substrato geológico,
localmente constituído por xistos e grauvaques que, por
alteração, deram origem a sedimento argiloso, de coloração
castanho-amarelada. Esta realidade observa-se claramente
no corte que seccionou parte do empedrado, já atrás aludido
(Fig. 13). Assim, a única informação estratigráica, embora
de interesse limitado, corresponde ao enchimento do interior da cista; trata-se de depósito pouco consolidado, constituído por blocos heterométricos de grauvaque, ali acumulados em época recente, na sequência da violação do interior
do monumento (Fig. 20). As características do enchimento
sugerem que o monumento foi esvaziado e logo depois
rapidamente entulhado. Contudo, o saque não chegou ao
fundo da sepultura, porque, assente no chão primitivo desta, recolheu-se a única peça arqueológica relacionada com
a inumação ali efectuada.
Fig. 18 – Vista, tomada de Noroeste, da cista do núcleo II da necrópole do Cabeço da Vaca, depois de concluída a escavação. Observa-se,
em primeiro plano, vários blocos colocados radialmente, para reforçar externamente a estrutura, para além de outros, envolvendo a cista.
Do lado esquerdo, jazem dois monólitos, também de grauvaque, sem afeiçoamento, atribuíveis a degraus, dada a sua morfologia
e disposição no terreno.
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Necrópole do Cabeço da Vaca
Fig. 19 – Planta e cortes da císta do núcleo II da necrópole do Cabeço da Vaca.
Fig. 20 – Vista do enchimento, pouco consolidado, constituído por blocos heterométricos de grauvaque, do interior da cista do núcleo II do Cabeça da Vaca. Assente no chão primitivo da sepultura,
e disposto longitudinalmente, observa-se punhal de ferro, que se situaria junto ao peito do inumado.
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Necrópole do Cabeço da Vaca
4.3 - O espólio recuperado no núcleo I
sepultura 1
Provêm das terras crivadas oriundas do interior desta sepultura as seguintes peças:
1 - uma pequena conta de cornalina zonada, com coloração
laranja-avermelhada e translúcida, com passagens esbranquiçadas, em forma de bago de romã, com pequeníssima furação realizada a partir de ambos os lados, na
extremidade mais apontada, transformando assim o objecto em minúsculo pingente (Fig. 21, n.º 1; Fig. 22, n.º 1).
A extremidade mais larga, correspondente à base da
peça, exibe, logo acima do bordo, um sulco periférico
que deverá corresponder a uma primeira tentativa de
seccionamento do objecto.
2 - uma placa aproveitando seixo achatado de xisto, de grão
muito ino, com marcas de ino desgaste em uma das
faces, devido á sua utilização como afagador, ou brunidor
de cerâmica (Fig. 22, n.º 3);
sepultura 2
O interior desta sepultura forneceu dois fragmentos cerâmicos minúsculos de recipientes distintos. O primeiro corresponde fragmento de vaso, com paredes bem alisadas de
coloração anegrada e acastanhada, respectivamente nas superfícies interna e externa, correspondendo provavelmente
a uma taça. Outro fragmento de recipiente mais grosseiro,
de coloração avermelhada, pertence a exemplar indeterminado de maiores dimensões. A pequenez destes fragmentos evidencia bem o estado de profunda fracturação
recipientes sofreram, depois de terem sido removidos do
interior do sepulcro. Com efeito, apenas dois, das dezenas
de fragmentos assim produzidos foram de novo remobilizados, pelas águas das chuvas, para o interior da sepultura.
sepultura 3
Uma pequena lasca de chert, proveniente do interior da
sepultura, com bolbo e plano de percussão conservado,
fracturada na parte distal, oposta ao talão, pode corresponder a vestígios de uma antiga ocupação pré-histórica
estabelecida no topo da crista de relevos onde a necrópole
ulteriormente se implantou. Trata-se, pois, de mais uma
evidência do acarreio de materiais, pelas águas de escorrência, da zona adjacente a cada cavidade tumular. Desta
sepultura provém ainda um minúsculo fragmento cerâmico de recipiente de forma indeterminada, de coloração
anegrada e textura média a grosseira.
de ambos os lados da forte nervura central, de secção aparentemente circular, após o excelente trabalho de restauro
efectuado (Fig. 24). Devido a esse facto, não se tem a certeza
de um desses objectos não poder corresponder ao conto da
primitiva lança. De qualquer modo, o assinalável comprimento actual de ambos os exemplares, respectivamente de
51,5 cm (que originalmente atingia, pelo menos, 52,0 cm) e
49,5 cm (que ultrapassaria os 50,0 cm no estado de uso),
bem como a secção, de contorno aparentemente circular,
inscrevem estas pontas de lança no tipo mais frequente do
sul do actual território português, pertencentes a contextos
dos séculos VI/ V a.C., designadas por W. Schüle por “tipo
Alcácer” (Schüle,1969).
sepultura 4
No exterior desta sepultura recolheram-se os seguintes
objectos:
1 - três fragmentos cerâmicos, dois pertencentes eventualmente ao mesmo recipiente – um vaso grande de fundo
plano – e outro a um pequeno recipiente indeterminado.
A pasta deste último é anegrada e de textura média,
enquanto a dos dois outros exemplares é castanho-avermelhada com núcleo negro e de textura média.
Pelas dimensões desta sepultura, não parece aceitável
que um recipiente de dimensões assinaláveis, como o
correspondente aos dois exemplares recolhidos, estivesse depositado originalmente no seu interior; é mais
provável que se trate de materiais arrastados para o local em que foram recolhidos.
2 - fragmento de pequena taça de carena baixa, bem marcada
(Fig. 22 n.º 4), de pasta de textura média, com ambas as
superfícies erodidas, de coloração castanho-escura, e interior de fractura da mesma cor.
sepultura 5
Por baixo da tampa Noroeste desta sepultura recolheu-se
minúsculo fragmento cerâmico possuindo, como alguns dos
anteriores, o núcleo negro e as superfícies interna e externa
castanho-avermelhadas.
sepultura 6
Esta sepultura continha, do lado poente e provavelmente
ao lado da perna direita do inumado, duas pontas de lança,
sobrepostas, orientadas para o mesmo lado, com as pontas
(boleadas, em ambos os casos) em contacto com o topo distal da sepultura (Fig. 23) As duas peças encontravam-se em
péssimo estado de conservação, o que explica as assinaláveis faltas veriicadas na asas da folha, que se desenvolveria
Fig. 21 – Espólios recuperados:
1- pingente de cornalina zonada, recolhido na crivagem das terras oriundas do interior da Sepultura 1 do núcleo I;
2- pequeno seixo de xisto, recolhido à superfície no núcleo I, com marcas de utilização e um dos lados menores
desgastado e aplanado, em resultado da sua utilização como brunidor. Escalas em mm.
183
184
Necrópole do Cabeço da Vaca
1.
2.
3.
Fig. 23 – Vista da Sepultura 6 depois de escavada, observando- se, no canto SW, as duas pontas de lança, de ferro, depositadas ritualmente, com as extremidades distais em contacto com o limite do covacho aberto no substrato geológico.
4.
exterior das sepulturas
5.
6.
Fig. 22 – Espólios recuperados:
1- pingente de cornalina, com furo de contorno sub-cilindrico numa das extremidades e indícios de corte na extremidade oposta (Sepultura 1);
2- pequeno seixo achatado de xisto utilizado como brunidor (recolha de superfície);
3- seixo fracturado de xisto, com uma das faces desgastada, utilizado como alisador (Sepultura 1);
4 a 6- fragmentos de pequenas taças de carena baixa,bem marcada, recolhidos na Sepultura 4 (n.º 4) e à superfície (n.º 5 e 6);
No espaço envolvente das sepulturas interessado pela escavação recolheu-se ainda, aquando da decapagem da superfície do terreno, o seguinte espólio:
3 - três fragmentos de recipientes de tamanho médio, de
pastas de textura média, com núcleo anegrado e superfícies externa e interna acastanhadas;
1 - um seixo incompleto de grauvaque, com vestígios de
polimento nas duas faces, talvez devido ao seu aproveitamento como movente de moinho manual e possuindo uma das extremidades com intensos sinais de
percussão. Trata-se, pois, de um artefacto de características domésticas que reforça a hipótese de ter existido,
no mesmo espaço da necrópole, uma anterior ocupação
pré-histórica, talvez da Idade do Bronze, denunciada
pela maioria das cerâmicas recolhidas;
4 - dois fragmentos de vasos de pequenas dimensões, um
de pasta de textura ina, outro de textura média, ambos
com paredes de ina espessura e com bom acabamento
em ambas as superfícies, de coloração castanho-anegrada,
e interior de fractura negra;
2 - um brunidor de cerâmica, aproveitando um seixo achado
de xisto de grão muito ino, de contorno elipsoidal, desgastado em ambas as faces e ao longo de um bordo
menor, aplanadado, utilizado como brunidor (Fig. 21,
n.º 2; Fig. 22, n.º 2);
5 - dois bordos de recipientes de ina espessura, com pastas
de textura média a ina, um de paredes quase direitas,
erodido à superfície, de coloração acastanhada e interior
de fractura negro; o outro, exteriormente espessado, de
superfícies anegradas e brunidas, possui também o interior de fractura negro;
6 - dois fragmentos de taças de carena baixa e acentuada
(Fig. 23, n.º 5 e 6), de pequenas dimensões, com pastas
185
186
Necrópole do Cabeço da Vaca
de textura média a ina, com superfícies castanho anegra
das e interior de fractura negro;
7 - um fragmento de cristal de quartzo leitoso, de superfície de fractura irregular, translúcido, aparentemente
utilizado como núcleo de lamelas.
4.3.1 - Estudo comparado do espólio exumado
4.3.1.1 - O pingente em forma de bago de romã
(Fig. 21, n.o 1, Fig. 22, n.o 1)
Trata-se de exemplar sem equivalente nas necrópoles de
cistas da Idade do Bronze do sul de Portugal. Com efeito, o
paralelo mais próximo registou-se na necrópole do Monte de
A-do-Mealha-Nova, Ourique, encontrado na crivagem das
terras supericiais da sondagem realizada na área da necrópole, assim desrita (Dias, Beirão & Coelho, 1910, p. 178):
“Uma pedra de colar, de cornalina, talhada em forma de
bago de romã com o orifício de suspensão de perfuração
bicónica e cujo único paralelo que conhecemos se encontra
na vitrine 46 do Museu de Sines sem indicação de proveniência – o restante material desta vitrina é romano”:
Com efeito, a descrição ajusta-se claramente à morfologia e
matéria-prima do presente exemplar, o qual possui outro
paralelo, ulteriormente publicado: trata-se também de pingente em cornalina, recolhido na Sepultura 1 da necrópole
da Idade do Ferro de Pardieiro, Odemira, embora de maiores
dimensões, pois atinge o comprimento de 37 mm (Beirão,
1990, p. 111, Fig. 8). No entanto, a furação, de pequeníssimo
diâmetro, apesar da dureza do material, realizada a partir
de ambos os lados, corresponde à situação observada no
exemplar em estudo.
Por último, deve ser mencionada que na necrópole de Fonte
Santa (Ourique) se recolheram duas contas de cornalina,
sendo uma delas oblonga, mas que nada faz supôr tratar-se de um pingente (Beirão, 1986, p. 71).
4.3.1.2 - As pontas de lança de ferro (Figs. 24, 25)
É frequente o achado de pontas de lança de ferro em
necrópoles da Idade do Ferro do Baixo Alentejo e Algarve.
Como atrás se referiu, trata-se, na maioria dos casos, de
exemplares muito longos, de nervura central bem marcada e
robusta, com diversos tipos de secção, como os exemplares
em estudo, e ombros também bem assinalados na base,
baptizados por W. Schüle como “AIcácer-Lanzen”. Contudo,
exemplares bem conservados e completos são raros; entre
eles, destacam-se as duas pontas de lança provenientes da
sepultura 22 da necrópole de Alcácer do Sal (Paixão, 1983),
cujos comprimentos actuais são, respectivamente, de 48,6
cm (originalmente pelo menos 49,5 cm) e 51,3 cm (originalmente pelo menos 53,0 cm). Estas elevadas dimensões têm
paralelo na ponta exumada na cista dos Gregórios, Silves
(Barros et al., 2005), com 47,7 cm (originalmente pelo
menos 48,5 cm). Estas dimensões são, pois, idênticas às
dos exemplares da necrópole do Cabeço da Vaca 1.
O estudo comparativo que se desenvolveu, permitiu identiicar as seguintes ocorrências de lanças de ferro em necrópoles do sul do actual território português:
- necrópole de Pardieiro (Odemira): em um pequeno nicho
intacto anexo à Sepultura 6 recolheram-se, sob um recipiente cerâmico, duas pontas e dois contos de lanças juntamente com alguns ossos; não foram dadas informações
sobre o tamanho das lanças, bem como a natureza (humana
ou animal, dos ossos. Também a Sepultura 8 forneceu um
conto de lança, achado nas terras revolvidas pelos saqueadores. Enim, a Sepultura 10 forneceu três pontas de lança
e dois contos, também sem outras indicações adicionais,
ainda que se declare serem semelhantes a outras encontradas em necrópoles da mesma região escavadas pelo autor
(Beirão, 1990, p. 116). O autor atribui globalmente à necrópole, que conigura marcada coerência interna, cronologia
recuada. Da Sepultura 3 provém um cossoiro, que “revela
com toda a probabilidade, uma sepultura feminina” (op. cit.,
p. 117). Seguindo o mesmo critério, as pontas e contos de
lança revelariam sepulturas masculinas. Aliás, é interessante
notar que os contextos de recolha deste tipo de objectos,
bem como de facas de ferro, não continham contas de pasta
vítrea ou de âmbar, o que coloca a possibilidade destas últimas pertencerem a sepulturas femininas.
- necrópole de Chada (Ourique): esta necrópole repartia-se
por dois sectores. Na Sepultura 1 do sector A recolheram-se dois fragmentos de lanças de ferro, muito alongadas,
com nervura de secção sub-trapezoidal; da Sepultura 2 do
mesmo sector provém uma lança dobrada em U invertido,
bem como dois contos, conservando o alvado. Por seu
turno, a Sepultura 1 do Sector B forneceu duas pontas de
lança, ambas recurvadas, e um conto (Beirão, 1986, Figs. 23,
24, 25, 27 e 28). Uma vez mais, apenas a Sepultura 2 do
Sector B forneceu duas contas de pasta vítrea oculadas, não
se misturando com as armas aludidas. Estas, apesar de
mal conservadas, correspondem a exemplares muito longos e, quando as secções o permitem, de contorno sub-trapezoidal a sub-circular.
- necrópole de Fonte Santa (Ourique): a análise do espólio
recolhido nas dezassete sepulturas exploradas (Beirão, 1986,
p. 71, 73, 74) conirma a dicotomia, mutuamente exclusiva,
entre armas e contas de colar: com efeito, apenas a Sepultura 1 continha três contas de vidro e armas, mas as primeiras, segundo o escavador, provêm da violação da Sepultura
4 (Beirão, 1986, p. 71). Esta sepultura continha duas pontas
e dois contos de lanças ou javalinas, encostados à parede
do recinto; mas a diferenciação não é apresentada pelo
autor, que também não indica as dimensões dos exemplares. Na Sepultura 6, recolheram-se dois outros exemplares, encostados à parede sul do recinto, possuindo ambas as pontas orientadas para Oeste e, em posição oposta,
dois contos, com a extremidade distal apontada a Leste, e
distanciados cinquenta centímetros das primeiras. Esta particularidade levou Caetano Beirão a considerar que, originalmente, as extremidades estivessem em conexão, constituindo de facto duas javalinas. Esta conclusão é, aliás, apoiada
pela realidade observada pelo próprio: não possuindo a
sepultura mais de 80 cm de largura máxima e encontrando-se as peças de cada conjunto afastadas 50 cm, sobram
30 cm para o comprimento conjunto de cada uma das pontas e respectivo conto, dimensões incompatíveis com o
grande comprimento das pontas das verdadeiras lanças.
Por último, na Sepultura 14 encontrou-se, sobre o fundo, uma
ponta de lança com lâmina mais larga e curta que as restantes recolhidas na necrópole. Infelizmente, não se apresentam quaisquer desenhos dos exemplares mencionados.
- necrópole de Alcácer do Sal (Alcácer do Sal): a notável
panóplia guerreira recolhida na necróple de Alcácer do Sal
desde o século XIX foi já objecto de inventário (Schüle,
1969), faltando, contudo, dar a conhecer de forma adequada
outros espólios ulteriormente exumados por A. Cavaleiro
Paixão. Na sua classiicação tipológica, o autor alemão reproduz as lanças e contos conservados no Museu Nacional de
Arqueologia (Tf. 102, 103 e 104). As primeiras, correspondem em geral a exemplares muito longos, munidos
ou não de nervura central, a qual, quando existe, conferem
aos exemplares secção variável: bicôncava, ou com crista
central aguda ou boleada; as que possuem nervura de secção
sub-rectangular, sub-quadrangular, sub-triangular ou ainda
sub-circular exibem, em geral, ombros mais salientes na
base que as restantes; dois exemplares deste tipo, com nervura de secção sub-quadrangular a sub-trapezoidal, acompanhados dos respectivos contos, foram recolhidas no decurso das escavações dirigidas por A. Cavaleiro Paixão na
sepultura 22/80 (Paixão, 1983, p. 282). Os exemplares surgiram aos pés da sepultura, e não exibem quaisquer deformações intencionais (op. cit. Fig. 5), atingindo os 50 cm de
comprimento máximo.
- tholos do Monte do Outeiro (Aljustrel): a reutilização na
Idade do Ferro deste monumento funerário calcolítico encontra-se corporizada, pelo menos, por duas extremidades de lanças de ferro, coladas uma à outra pela forte oxidação existente à superfície. Apresentam o comprimento
de 14,5 cm e 13,6 cm, possuindo uma nervura longitudinal
de secção sub-circular (Schubart, 1965, Est. II, f). O facto de
se encontrarem fracturadas pode dever-se a uma intenção de as inutilizar aquando da deposição funerária que
acompanhavam. A reutilização de sepulcros calcolíticos,
no sul do actual território português, tanto na Idade do
Bronze como na Idade do Ferro foi objecto de recente inventariação (Cardoso, 2005), conhecendo-se no território
andaluz, muitas outras situações semelhantes (Lorrio &
Montero-Ruiz, 2004).
- necrópole da Herdade do Pego (Ourique): o Monumento
IV, o melhor e mais completo túmulo da necrópole, forneceu abundante espólio, veriicando-se, ao contrário dos exemplos anteriores, a presença de uma lança de ferro e de uma
conta de vidro. A lança, que jazia encostada à parte média
da parede nascente do recinto tumular, possui o comprimento actual de 22,5 cm, tem nervura longitudinal de secção sub-rectangular a sub-trapezoidal e ombros bem marcados, sendo assim idêntica a alguns dos exemplares de
Alcácer do Sal. Partida na metade inferior da folha, o seu
comprimento original seria próximo dos 50 cm; por não
se terem evidenciado quaisquer testemunhos da parte em
falta, e por ser igual na zona fracturada a oxidação observada na parte restante da peça, concluiu-se que “a fractura
da lança é propositada, e evidentemente contemporânea da
tumulação” (Dias, Beirão & Coelho, 1970, p. 189).
- necrópole do Monte de A-do-Mealha-Nova (Ourique): o
Monumento i1i possui, tal como o anterior, planta rectangular; no seu interior recolheu-se um recipiente cerâmico e
restos muito oxidados de uma lança, representada pela
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188
Necrópole do Cabeço da Vaca
ponta e respectivo conto, cuja posição dentro da sepultura
era também idêntica à observada naquele. O comprimento
actual da folha é de 22 cm e a sua secção inscreve-o no
tipo representado pelas lanças de Alcácer (Dias, Beirão &
Coelho, 1970, p. 202). Tal como a ponta de lança anterior,
é provável que a fractura da folha observada neste exemplar, se deva a preceitos rituais.
- necrópole dos Gregórios (Silves): constituída por, pelo
menos duas cistas escavadas nos xistos e grauvaques do
Carbonífero, a intervenção realizada apenas incidiu sobre a
que se encontrava em perigo de destruição, evidenciada à
superfície do terreno pelos topos de três esteios de arenito de
Silves; deiniam uma caixa sub-rectangular, com uma dimensão interna de 1,10 por 0,60 m, a qual se encontraria
orientada Este-Oeste (Barros et al., 2005, p. 46). Contudo, a
foto publicada da mesma (Fig. 2), indica que a real orientação era a de NE-SW. No interior, foi identiicado restos de
um esqueleto depositado sobre o lado direito, em posição
lectida, atribuível a mulher jovem, com base em algumas
características anatómicas. Esta determinação está em aparente contradição com o achado de uma ponta de lança,
acompanhada do respectivo conto, colocados lado a lado
sob a cabeça do inumado, do lado SW, dispostos paralelamente ao esteio de cabeceira. O restante espólio integra 17
contas de pasta vítrea, ainda na posição original, constituindo um colar em torno do pescoço e um pote de cerâmica
manual/ torno lento, encontrado no meio dos fragmentos
da laje de cobertura.
A tipologia da lança, que se encontra deformada em arco
e afectada pela corrosão, integra-se no grupo das pontas
de lança de Alcácer, extremamente longas, com nervura
central e folha com ombros marcados na base (op. cit., Fig. 4).
O comprimento actual é de 47,7 cm e o conto atinge
48,5 cm. A ocorrência de uma arma com estas características em uma sepultura feminina (a conirmar-se esta atribuição), aparentemente realçada pela presença do colar, merece
ser aprofundada, no quadro dos preceitos funerários dos
séculos VI/V a.C., de acordo com a cronologia atribuída
aesta sepultura.
- necrópole de Fonte Velha de Bensafrim (Lagos) e outras
necrópoles de cistas do Algarve: a necrópole de Fonte
Velha é a mais emblemática necrópole de cistas da Idade
do Ferro do sul do actual território português, tornada célebre por Estácio da Veiga, que a publicou (Veiga, 1891). A
respectiva planta (op. cit., Est. XXVII), complementada por
outra existente no Museu Municipal Dr. Santos Rocha, na
4.3.1.3 - Os recipientes cerâmicos
Figueira da Foz e realizada aquando das escavações ali
efectuadas pelo referido arqueólogo (Correia, 1997 a, Fig. 4),
indicam uma orientação geral das sepulturas NNW-ESW.
Os espólios eram em geral pobres, avultando contas de colar de vidro e alguns adereços de bronze; nota-se a quase
ausência de armas: Estácio da Veiga atribuiu a pontas de
lança dois objectos de aspecto informe, por si reproduzidos (Veiga, 1891, Est. XXIX, n.º 17, 19), cada um deles recolhido em sua sepultura. A cronologia atribuída a esta
necrópole não é anterior ao século VI a.C., correspondendo
as lápides epigrafadas da Idade do Ferro ali encontradas
a reaproveitamentos ocasionais.
Os três recipientes recolhidos e que se apresentam tipolagicamente deinidos – dois obtidos na limpeza supericial
do terreno (Fig. 23, n.º 5, 6) e outro no interior da Sepultura
4 (Fig. 23, n.º 4) – não se integram no quadro das produções
cerâmicas usuais das necrópoles da Idade do Ferro do sul
do actual território português. Pequenos recipientes como
os exumados, possuindo carenas baixas e bem marcadas, e
paredes de espessura média, diferem dos escassos exemplares carenados assinalados da Idade do Ferro que se conhecem, como os recolhidos na Sepultura II da Herdade do Pego
(Dias, Beirão & Coelho, 1970, p. 204). Com efeito, os exemplares em causa são vasos de paredes inas, de carenas médias pouco marcadas ou de peril suave, semelhantes aos
exemplares do Bronze Final recolhidos na tholos do Malhanito, Alcoutim (Cardoso, 2005), associados à tumulação realizada nessa época na câmara do monumento. Recipientes
idênticos foram encontrados recentemente em estratigraia no Castro dos Ratinhos (Moura), nas camadas de uso,
destruição e abandono da Fase 1, situada entre os séculos
VII e VI a.C. (Silva & Berrocal-Rangel, 2005, Figs. 7 e 9).
São esporádicas e incompletas as referências a outras necrópoles algarvias desta época; é o caso da cista de Corte
de Pére Jacques (Aljezur), onde se recolheu uma epígrafe,
igualmente resultante de reaproveitamento, cujo espólio
era constituído exclusivamente por contas de colar de
vidro (Correia 1997 a, p. 268); da necrópole de cistas de
Câmaras da Portela (Silves), escavada por Estácio da Veiga;
e da cista de Alagoas (Loulé), com uma lápide epigrafada
marcando a cabeceira.
As formas carenadas identiicadas em Cabeço da Vaca I
são, ao contrário, características do Bronze do Sudoeste.
Esta situação merece discussão, adiante apresentada.
- necrópole de Corte Margarida (Aljustrel): a intervenção de
emergência realizada junto a talude da E.N.2, entre Aljustrel
e Ervidel, permitiu evidenciar uma necrópole constituída
pelo menos por duas cistas, formadas por caixas deinidas
por esteios de xisto, implantadas em substrato xistoso da
mesma natureza (Deus & Correia, 2005). No conjunto, recolheu-se um notável espólio, com a presença de materiais
orientalizantes, como um escaravelho com inscrição do
faraó Pedubaste (817-763 a.C.), de provável produção de
Naucrátis, atribuída ao século VI a. C. (Arruda, 2001, p. 247).
Exemplar idêntico, de faiança verde-clara, montado em
anel com moldura giratória provém da necrópole do monte
de A-Mealha Nova, Ourique (Dias, Beirão & Coelho, 1970,
p. 181, 182).
Outros fragmentos integram-se no Bronze Final ou já na
Idade do Ferro: é o caso de dois pequenos exemplares com
paredes de ina espessura e bom acabamento supericial,
um dos quais conservando cuidado brunimento, recolhidos
à superfície, conservando ambos com parte do bordo (Fig.
23, n.º 7 e 8).
4.4 – Espólio da cista do núcleo II
Apenas se identiicou um punhal de ferro, disposto longitudinalmente no fundo primitivo da cista, a cerca de um
terço do seu comprimento, no sentido Norte-Sul, com a extremidade distal apontando para sul (Fig. 20). Assim, é
provável que a sua posição original no corpo do inumado
se situasse pouco acima da cintura, na hipótese de o corpo
se apresentar colocado em decúbito dorsal, com a cabeça
do lado norte.
Apesar de não ter fornecido qualquer lança de ferro, nem
por isso deixa de ser relevante a menção a Corte Margarida,
na óptica do exercício comparativo que se tem vindo a desenvolver, dada a importância desta necrópole de cistas da
I Idade do Ferro para a discussão que adiante se apresentará. Com efeito, trata-se da ocorrência mais setentrional deste tipo de sepulturas até ao presente conhecido
no território português, sem contar com as sepulturas cistóides de inumação já da II Idade do Ferro, de Casalão,
Sesimbra (Serrão, 1964).
Fig. 24 – Pontas de lança, de ferro, recolhidas na Sepultura 6
(ver Fig. 23).
Trata-se de uma lâmina aparentemente rectilínea, terminando
por uma guarda lisa, de prata, de contorno losânguico (Fig.
25). Falta-lhe a empunhadura, que aparentemente possuía a
189
190
Necrópole do Cabeço da Vaca
5 - DISCUSSÃO
forma de um espigão, destinado à ixação do cabo, da qual se
conserva o arranque. As dimensões actuais da peça são as
seguintes:
5.1 - Integração cronológico-cultural
da necrópole
Comprimento total- 28,5 cm
Comprimento aproximado da lâmina - 26,5 cm
Largura máxima da lâmina - 3,0 cm
Espessura máxima da lâmina - 1,0 cm
Largura máxima da guarda, de prata - 3,0 cm
Altura máxima da guarda, de prata - 1,3 cm.
O mau estado de conservação do ferro impede que, não
só, se conheçam as verdadeiras dimensões da peça, mas
também a sua própria morfologia, conducente a uma classiicação mais segura. Com efeito, a opinião do Prof.
Fernando Quesada Sanz, da Universidade Autónoma de
Madrid, consultado a tal respeito, em Setembro de 2007, foi
a seguinte:
Muchas gracias por su carta y su amabilidad. Lamentablemente, no puedo corresponder a su conianza con una respuesta precisa. Tipologicamente el punal no tiene paralelos
cercanos, y sólo puedo hacer unas consideraciones que me
temo son bastante imprecisas. EI pésimo estado de conservación de la hoja impide además saber si tuvo estrías o
acanaladuras, o incluso cual era la sección original. Como
también falta el pomo, los dos elementos críticos para clasiicar están ausentes en este arma.
En principio, las características dei arma permitirían descartar su correspondencia a cualquier momento posterior a
mediados dei s. V a. C. Desde el 450 a.C. en Iberia los
punales adoptan unas características tipológicas deinidas,
y este punal no corresponde a ninguna de las variantes
conocidas en lo que a grandes rasgos podríamos considerar
‘Segunda Edad dei Hierro’. Precisamentedurante el ‘Hierro /’
en términos genéricos, entre digamos el 700 y el 500 a. c., el
rasgo característico dei reducido numero de armas de hierro que conocemos es su variedad formal, simplicidad de las
hojas, ilos rectos... y empleo de plata en remaches de
cuchillos afalcatados de los siglos VII-VI a.C. Así que una fecha en ese marco cronológico sería posible, pero no puedo
proporcionarle un paralelo cercano ni ai tamano ni a la
guarda forrada de plata, porque no conozco ninguno.
Lamento no poder ser más útil, pero si Ilego a conocer alguna pieza similar; se lo haré saber de inmediato.
Fig. 25 – Desenho do punhal de ferro, com a guarda de prata
recolhido na cista do núcleo II.
O aparecimento de recipientes característicos do Bronze do
Sudoeste na área ocupada pela necrópole de cistas do
Cabeço da Vaca I, tendo um desses recipientes sido recolhido no interior de uma delas (Sepultura 4), leva a
admitir a hipótese de as sepulturas mais antigas da necrópole poderem ser ainda do Bronze do Sudoeste e não da
Idade do Ferro pois, do ponto de vista estritamente arquitectónico, uma e outras não exibem caracteres diferenciadores. A ser assim, as Sepulturas 1 a 4 poderiam pertencer
a essa fase mais antiga da necrópole, a que somaria, mais
tarde a Sepultura 6 e a Sepultura 5, embora esta não possua
espólio. Tal sucessão está, aliás, de acordo com a sequência
construtiva interna proposta, face à distribuição espacial
dos monumentos e constituiria um reforço para o reconhecido potencial simbólico detido pelos espaços sepulcrais
pré-existentes, para as populações da Idade do Ferro, como
se conclui pelas frequentes reutilizações de tais espaços
nesta época (Correia, 1997 b, p. 67; Cardoso, 2005).
domésticos como funerários. Acresce que não seria normal
a deposição, na pequena sepultura infantil (Sepultura 4)
de um grande recipiente, que, se nela coubesse, a ocuparia
quase totalmente, sendo mais aceitável a hipótese de os
fragmentos que ali jaziam tenham provindo do exterior,
por acarreios das águas pluviais. Acresce que os dois polidores de cerâmica encontrados, um na limpeza da superfície do terreno (Fig. 22, n.º 2), outro no interior as Sepultura 1 (Fig. 22, n.º 3) são, também, peças características
de contextos habitacionais, não se encontrando registadas
ocorrências similares em contextos funerários. Por im, a
ocorrência de um pequeno cristal de quartzo com indícios
de levantamentos de lamelas de um dos seus lados proveniente da limpeza do terreno, corrobora uma ocupação pré-histórica do local, juntando-se ao movente de mó manual,
com indícios de utilização como percutor também recolhido à superfície e à lasca de chert com bolbo e talão de percussão proveniente do interior da Sepultura 3.
Contudo, existem argumentos que suportam alternativa a
este modelo, talvez demasiado simplista. Com efeito, a recolha de um pingente de cornalina, oriunda do interior da
Sepultura 1 (Fig. 22, n.º 1), com a forma típica de bago de
romã, idêntica à recolhida na necrópole de Monte de A-do-Mealha-Nova – forma desconhecida na Idade do Bronze do
sul do actual território português – deve ser valorizada.
Assim, em alternativa ao modelo anterior, poder-se-á admitir a existência de um pequeno sítio habitado do Bronze do
Sudoeste, no mesmo local da crista da elevação onde, mais
tarde, se implantou a necrópole da Idade do Ferro. A ter
sido assim, os fragmentos de materiais cerâmicos recolhidos não teriam resultado de destruições do espólio existente no interior das sepulturas, ocorridas aquando do esvaziamento destas, com ulterior espalhamento pela área
envolvente, mas sim de testemunhos da primitiva ocupação doméstica do sítio. Parece mais legítima esta perspectiva, atendendo, por um lado, à tipologia da conta recolhida
na sepultura considerada justamente a mais antiga da necrópole e, por outro, à sua mais evidente conexão com um
espólio funerário, comparativamente à dos fragmentos cerâmicos exumados, que tanto são característicos de contextos
Em conclusão: existem argumentos favoráveis a admitir
uma ocupação de carácter habitacional do sítio no decurso
do Bronze do Sudoeste, explicada pela extraordinária visibilidade que dele se detém, tanto para Norte como para Sul,
correspondendo-Ihe uma pequena comunidade cujos sepulcros, organizados em necrópoles de importância variável, são frequentes na região. Basta referir a necrópole
de Soalheironas, explorada sob orientação dos signatários,
em 2005. Aliás, esta realidade é idêntica à observada em
geral nas restantes áreas do Bronze do Sudoeste, onde
a evidência das necrópoles contrasta com a "penumbra';
característica dos correspondentes povoados, só por acaso
localizados no terreno, como como a presente situação.
Com efeito, na área do Bronze do Sudoeste, apenas se encontra explorado o povoado do Pessegueiro, na área de
Sines, situado em zona anexa à necrópole do mesmo nome
(Silva & Soares, 1981) contrastanto com a abundância das
necrópoles.
Face ao exposto, considera-se muito mais signiicante para
a ixação da idade do núcleo mais antigo da necrópole, a
presença do pingente de cornalina, oriundo da Sepultura 1,
191
192
Necrópole do Cabeço da Vaca
repita-se, a mais antiga da necrópole, que a ocorrência das
referidas cerâmicas, no estado em que foram encontradas.
Aliás, entre estas ocorrem dois fragmentos que, pela ina
confecção e acabamento, são compatíveis com a Idade do
Ferro, ambos recolhidos na área exterior das sepulturas seriam os únicos testemunhos dos espólios funerários, vindo
a misturar-se depois de saqueadas as sepulturas onde
jaziam, com os fragmentos mais antigos do Bronze do
Sudoeste, pré-existentes no local.
Do ponto de vista cronológico e de integração cultural, a
construção desta necrópole deve ter mediado, como outras,
com pontas de lança comparáveis, entre o século VI e o
século V a.C., sem prejuízo de ter funcionado algumas dezenas de anos, como se deduz da diversidade das respectivas arquitecturas tumulares.
No caso da Cista do núcleo II, embora limitado pelo mau
estado de conservação do punhal, a opinião do reputado
especialista em armamento antigo peninsular conduz
a situar esta rara peça entre o armamento da I Idade do
Ferro, conclusão que é compatível com a cronologia da
sepultura, situável no século VI a.C.
5.2 - Aspectos rituais do núcleo I
As duas pontas de lança encontradas no interior da Sepultura 6 em posição ritual (ou, em alternativa a ponta e o
conto de lança), são os elementos mais relevantes do espólio
encontrado. Pelas ocorrências acima referidas, veriica-se
ser frequente a deposição sepulcral de pares de pontas de
lança, por vezes acompanhados dos respectivos contos,
embora também ocorram exemplares isolados. A deposição
de pares deste tipo de peças pode ter signiicado ritual, já
sublinhado por Caetano Beirão, ao encontrar as duas javalinas atravessadas num dos topos da Sepultura 6 da necrópole de Fonte Santa, mencionando que, em cemitério ateniense, tal era uma prática frequente (Beirão, 1986, p. 73,
nota 1).
Também a mutilação intencional de pontas de lança deve
ser assim entendida. Tal mutilação poderia passar pela
fractura das peças, com a deposição apenas de fragmentos,
explicitamente indicada por alguns autores, a propósito do
fragmento recuperado no Monumento IV da necrópole de
Fonte Santa, Ourique (Dias, Beirão & Coelho, 1970, p. 189),
correspondente a porção da metade superior da folha. É
também dessa forma que se explica a presença dos dois
fragmentos correspondentes à metade superior da folha,
conservando as pontas e colocados lado a lado, oriundos
da tholos do Monte do Outeiro, Aljustrel (Schubart, 1965,
Est. II, f). A mutilação poderia envolver apenas a deformação
dos objectos, por dobramento, observada em diversos
casos, como na ponta de lança de ferro da necrópole de
Chada, Ourique (Beirão, 1986, Fig. 24) ou na cista dos
Gregórios, Silves (Barros et al., 2005, Fig. 4). Contudo, noutros casos não se observaram deformações de monta: na
sepultura 22 da necrópole do Olival do Senhor do Mártires,
Alcácer do Sal, as duas lanças recolhidas apresentam-se
intactas, apenas com falta das extremidades, explicáveis
por simples corrosão (Paixão, 1983, Fig. 5), apesar da frequência das deformações observadas em inúmeras armas de
ferro dali provenientes. Tal é também o caso dos dois exemplares em apreço: embora profundamente atacados pela
corrosão, apresentam-se completos e não deformados.
5.3 - Rituais funerários da cista
do núcleo II
As assinaláveis dimensões da cista, com um comprimento
interno de cerca de 1,50 m, permitia a deposição de um
corpo em decúbito lateral com braços e pernas lectidos.
É provável que fosse essa a posição adoptada na única inumação que a cista terá recebido, hipótese reforçada não só
pelos exemplos coevos conhecidos localmente, mas também
pelas restantes cistas algarvias da I Idade do Ferro, como
as da célebre necrópole de Bensafrim (Cardoso & Gradim,
2006). O maior tamanho da cista em apreço pode, pois, explicar-se, não por ter sido diferente o ritual funerário nela
utilizado, mas pela maior importância da personagem
no seio da comunidade que utilizaria o núcleo funerário
adjacente.
6 - CONCLUSÕES: A NECRÓPOLE DE CABEÇO DA VACA NO QUADRO DAS ARQUITECTURAS
FUNERÁRIAS DA IDADE DOFERRO DO SUL DO ACTUAL TERRITÓRIO PORTUGUÊS
6.1 - O núcleo I
Tem sido airmada repetidamente, por diversos autores, a
existência de diferenças arquitectónicas nítidas entre as
necrópoles algarvias da Idade do Ferro e as que, a partir da
encosta nordeste da serra do Caldeirão, se desenvolvem
para norte, já no Baixo Alentejo (Correia, 1997 a, p. 272).
Assim, as primeiras, constituídas por cistas simples, aparentemente desprovidas de tumuli, paradigmaticamente
representadas pela necrópole de Fonte Velha (Loulé), contrastam, na sua simplicidade, com as necrópoles da Idade
do Ferro do sul do Baixo Alentejo, cujo faseamento interno
foi proposto por Caetano Beirão e ulteriormente sistematizado por Vergílio Hipólito Correia (Correia, 1993, p. 360).
Tais necrópoles seriam caracterizadas por monumentos
que se foram adossando sucessivamente uns aos outros,
sendo os mais antigos os de planta circular, a que se sucedem outros, de planta rectangular, sem prejuízo de existirem monumentos isolados, constituídos por tumuli rectangulares, e, enim, monumentos em π, que são os mais
modernos da série. Um destes últimos monumentos foi escavado por Caetano Beirão, junto á povoação de Mestras,
também no concelho e Alcoutim (Beirão, 1986, Fig. 7), indício
da coexistência, no espaço, mas não no tempo, de soluções
arquitectónicas funerárias distintas, ao longo da Idade do
Ferro nesta região do Alto Algarve oriental, sendo naturalmente mais antigas as necróloles de cistas, como a agora
estudada.
A aparente dicotomia registada na arquitectura funerária
da Idade do Ferro teria antecedentes directos na Idade do
Bronze. Com efeito, enquanto as necrópoles algarvias se
apresentam sob a forma de cistas, desprovidas aparentemente de tumuli, como é o caso das de Alcaria (Monchique),
Pereira (Monchique), Vinha do Casão (Loulé), Corte do
Guadiana (Castro Marim) Cerro da Eira da Estrada (Castro
Marim) (Gomes, 1994, Fig. 64), já as cistas que integram as
necrópoles baixo alentejanas se apresentam frequentemente
integradas em recintos, que se vão complexiicando à medida que se sucederam os enterramentos, assumindo o conjunto o aspecto de favo. Exemplo paradigmático desta organização funerária é fornecido pela necrópole de Atalaia
(Ourique); em alternativa, as sepulturas, de tipo cistóide,
integram-se em recintos de planta circular, como a necrópole de Panóias, Ourique, ou ainda em recintos de planta
rectangular, adossados uns aos outros, como é o caso da
necrópole de Provença, Sines.
Contudo, a organização interna observada na necrópole da
Alfarrobeira, Silves, na qual foi possível a elaboração de
proposta para o desenvolvimento arquitectónico nela observado (Gomes, 1994, Fig. 50), idêntica à das necrópoles do
litoral baixo alentejano da região de Sines (Silva & Soares,
1981), veio provar que, no Algarve, também existiam os
dois tipos de situações: necrópoles de cistas simples, desprovidas aparentemente de tumuli; e necrópoles de cistas
integradas em recintos, e providas de tumuli.
O panorama na Idade do Ferro é, também, mais complexo
daquele que se julgava como adquirido há bem pouco tempo
(Correia, 1997 a, p. 272) e tão taxativamente expresso pela
frase "a diferença entre estas duas arquitecturas funerárias
é evidente e parece estar no seguimento do mesmo fenómeno observado durante a Idade do Bronze" (Arruda, 2000,
p. 102). Com efeito, a descoberta da necrópole de Corte
Margarida, da qual infelizmente só se escavaram duas cistas,
em pleno Baixo Alentejo (Deus & Correia, 2005), veio mostrar
que a referida dicotomia não é tão generalizada e evidente
como se supunha. Aliás, a própria localização geográica
da necrópole de Cabeço da Vaca 1, dominando um vasto
horizonte para norte, que penetra francamente na região
baixo alentejana, faz pressupor outras ocorrências já neste
último espaço geográico, sem embargo de se implantar em
zona de transição.
As mais antigas necrópoles da região de Ourique, constituídas por monumentos de planta circular, foram reportadas
ao século VIII a.C. pleno, "pela necessidade de considerar
esta arquitectura como absolutamente posterior à sua origem óbvia, as necrópoles Tipo Atalaia, de que a epónima
está datada pelo C14, numa fase avançada do seu desenvolvimento, de 1105-800 a.C. (...)" (Correia, 1997 b, p. 360,
nota 3). Contudo, a validade deste raciocínio encontra-se prejudicada pela própria validade da data em que
directamente se apoiou. Na verdade, como bem assinalou
193
194
Necrópole do Cabeço da Vaca
A. M. Arruda, sem colocar reservas explícitas à data mencionada, embora as similitudes arquitectónicas entre os
dois grupos de monumentos funerários sejam evidentes,
não permitem "airmar, taxativamente, que estes últimos se
seguem, de imediato, aos primeiros" (Arruda, 2001, p. 283).
Registe-se, porém, que esta mesma autora, no ano imediatamente anterior, havia defendido hipótese contrária, ao
declarar, a propósito das necrópoles algarvias e baixo alentejanas da Idade do Ferro que "A distinção entre as duas
arquitecturas funerárias é evidente e parece estar no seguimento do mesmo fenómeno observado durante a Idade
do Bronze" (Arruda, 2000, p. 102).
Mas a data obtida em Atalaia, não pode, na verdade, até por
ter sido obtida sobre madeira carbonizada, material que,
como é sabido, enferma de severas limitações, ser conectada a qualquer fase de construção da necrópole referida.
Com efeito, H. Schubart publicou três datas, todas elas obtidas sobre amostras de madeira incarbonizada, mas apenas uma (KN – I 201) se aproxima da cronologia outrora
atribuída ao inal do Bronze II do Sudoeste, a qual, calibrada
para anos de calendário deu o resultado de 1105-800
cal BC (Soares & Cabral, 1984, p. 194). As restantes datas
correspondem a cronologia calcolítica, remontando ao II
milénio a.C. (KN – I 200), ou já aos tempos históricos (KN - I
204) (Schubart,1975, p. 170, 171). Conclui-se, deste modo,
que houve uma selecção apriorística, optando-se por uma
determinada data, supostamente adequada, de acordo com
enquadramento cronológico que ao tempo se atribuía ao
Bronze do Sudoeste, fazendo corresponder o seu inal aos
inais do II milénio/inícios do I milénio a.C., realidade que
o tempo veio desmentir (Schubart, 1975, Abb. 25). Com
efeito, o inal das necrópoles de cistas do Bronze do Sudoeste não ultrapassa, na melhor das hipóteses a data de
1100 anos a.C., coincidindo com a emergência do Bronze
Final II (Torres Ruiz, 2002, p. 352) sendo as contas de pasta
vítrea encontradas na sepultura 22 do monumento V compatíveis com tal cronologia: H. Schubart (1975, p. 100) admitiu para tais exemplares cronologia abarcando toda a segunda metade do II milénio a.C., o que é compatível com o
achado de contas idênticas no povoado do Bronze Final do
Passo Alto, Serpa (comunicação pessoal do Eng. A. M. Monge
Soares,que se agradece).
Fica, deste modo, por preencher, uma lacuna de vários séculos, entre as últimas tumulações efectuadas na necrópole de Atalaia e as mais antigas tumulações sidéricas da
mesma região, mesmo admitindo queestas se tenham de
facto iniciado no século VIII a.C., conforme a proposta de C.
Beirão e de V. H. Correia, actualmente contestada por vários autores, apontando cronologia muito mais recente, em
torno ao século V a.C. (Jiménez Ávila, 2004, p. 107, 108).
Nestas condições, não será possível continuar a aceitar a iliação directa das necrópoles da Idade do Ferro do Baixo
Alentejo, naquelas que, na mesma região, se encontram
documentadas na Idade do Bronze.
E, no que concerne mais directamente ao presente trabalho: será viável admitir a iliação directa das cistas algarvias e baixo-alentejanas das necrópoles da Idade do Ferro
nas suas antecessoras do Bronze do Sudoeste? Também
neste caso a resposta, no estado actual dos nossos conhecimentos, só pode ser negativa, dada a existência de lacuna,
de vários séculos, que mediou entre as primeiras e as segundas, as mais antigas das quais não devem ser mais antigas que o início do século VI a.C., por muito aliciante que,
à primeira vista possa parecer a hipótese contrária, admitida por A. M. Arruda (Arruda, 2000, p. 102).
Na região de Alcoutim, a necrópole de cistas do Cabeço da
Vaca 1 poderia pertencer ao século VI a.C., enquanto que,
logo no século seguinte, a tradição se teria perdido, como
parece evidenciar-se pelo túmulo de Mestras, já anteriormente referido, construção tipicamente em π, pertencente
já à tradição de incineração em urna, atribuída por Caetano
Beirão e Virgílio Hipólito Correia ao século V a.C. Neste contexto, ganham renovado interesse as duas inscrições da I
Idade do Ferro recolhidas no concelho de Alcoutim, uma
delas aparentemente, associada ao referido túmulo (Beirão,
1986, n.º 35 e n.º 20, p. 48).
A interpretação, naturalmente complexa, da arquitectura
funerária, suas modalidades e rituais associados na área
em apreço encontra-se ainda diicultada pelas lacunas
que, unanimemente, são reconhecidas e ainda persistem,
tendo ainda presente a existência, não de continuidades –
sempre difíceis de comprovar – mas, mais plausivelmente,
de situações recorrentes: é o caso da Sepultura 1 da necrópole em estudo, que se encontrava envolvida por uma
estrutura pétrea, mas que não correspondia a cobertura
tumular, como a identiicada nas cistas do Bronze do
Sudoeste, como a do Talho do Chaparrinho, Serpa (Soares,
1994) e da necrópole de Atalaia, Ourique. Na verdade, esta
superfície lajeada tinha a função essencial de envolver
a cista, criando um espaço sacralizado em todo o seu redor,
cuja função é muito parecida à identiicada na cista
Fig. 26 – Vista geral do núcleo I da necrópole após as acções de preservação e consolidação.
megalítica do Cerro do Malhão, Alcoutim, do Neolítico Final
ou já do Calcolítico (Cardoso & Gradim, 2003). Assim a aparente excepção que constituía tal descoberta no monumento
em apreço, encontra-se, agora, completada pela descoberta
de uma sua homóloga, num monumento de época e integração cultural completamente distintas.
A terminar, é de referir que no que concerne à área escavada, nenhuma das estruturas corre risco de danos naturais, dado que se encontram invariavelmente encastradas
ou mesmo escavadas no substrato geológico, pelo que se
optou por manter o espaço por cobrir tendo-se realizado a
sua preservação através da colocação de geotêxtil em toda
a extensão interior das sepulturas, seguida do preenchimento de uma camada de gravilha suiciente para consolidar os esteios e permitir a drenagem lateral das águas
da precipitação (Fig. 26).
6.2 – A cista do Núcleo II
A escavação, em 2004, da única sepultura que representa o
núcleo II da necrópole da I Idade do Ferro do Cabeço da
Vaca (Alcoutim), a qual, conjuntamente com o núcleo do
Cabeço da Vaca I, integra necrópole da Idade do Ferro da
serra algarvia, conduziu às seguintes conclusões gerais:
1 - Do ponto de vista arquitectónico, trata-se de uma cista
de assinaláveis dimensões, implantada em micro-elevação, fazendo parte integrante da crista de relevos xistograuváquicos onde também se situa, cerca de 250 m a
Oeste, o núcleo do Cabeço da Vaca I, explorado em 2003.
De sublinhar a existência de uma estrutura envolvente
da cista, a qual teria funções de reforço e protecção
desta, criando, ao mesmo tempo, um espaço sacralizado
ao seu redor. As características desta estrutura secundária são compatíveis com um empedrado, talvez
195
196
Necrópole do Cabeço da Vaca
munido de dois degraus de um dos lados, que circundaria a cista, sem a cobrir; não se trataria, pois, de um
tumulus, mesmo que plano. Esta mesma solução arquitectónica foi reconhecida pelos autores na região, desde
o Calcolítico, na cista do Cerro do Malhão, da vizinha
freguesia de Martim Longo.
2 - A construção desta sepultura deve ter-se veriicado no
século VI a.C., sendo, assim, coeva do núcleo mais antigo da necrópole, com cujas sepulturas evidencia estreitas ainidades. Com efeito, este núcleo evidencia
nítida evolução arquitectónica, remontando ao século
VI a.C., terminando, talvez algumas dezenas de anos depois, já no século V a.C. Esta conclusão é reforçada
pelas informações fornecidas pelo estudo do punhal,
inserível nas escassas produções da I Idade do Ferro
com que pode ser comparado, já que, da segunda metade século V a.C. em diante, se desconhecem exemplares com tais características, de acordo com a informação prestada pelo Prof. Fernando Quesada Sanz. A presença desta arma permite, por outro lado, atribuir a
sepultura a um indivíduo adulto, do sexo masculino,
certamente o único que ali teria sido tumulado.
3 - A maior monumentalidade desta sepultura, comparativamente às suas homólogas, que integram o outro núcleo da necrópole, distanciado cerca de 250 m para
Oeste, bem como o facto de se apresentar isolada, em
local de onde se domina visualmente as outras, sugere
que pertenceria a indivíduo destacado no seio do grupo,
cujos restantes elementos seriam tumulados no espaço
adjacente. Esta conclusão é, também, reforçada pela natureza da arma, cuja excepcional idade é ainda sublinhada pela aplicação de prata, que mais evidência a
distinção social conferida ao inumado. Esta não deve,
no entanto, ser exagerada, por se estar, naturalmente,
perante grupos de pequenas dimensões, dispersos pela
serra algarvia, de limitado poder económico. Tal realidade está, aliás, em consonância com os parcos recursos
naturais localmente disponíveis, só contrariados pela
existência de pequenas explorações mineiras de cobre,
disseminadas pela região, e pela proximidade do rio
Guadiana, poderoso motor económico da região que
atravessa, graças às possibilidades oferecidas de transporte e circulação de mercadorias e de pessoas, desde,
pelo menos, o Calcolítico.
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197
198
199
Dez anos de trabalhos
arqueológicos em Alcoutim
DO NEOLÍTICO AO ROMANO
7 - Barragem
do Álamo
200
Barragem do Álamo
7 - Barragem do Álamo
Em 2006 e 2007 realizaram-se trabalhos arqueológicos no
âmbito do projecto de valorização deste importante empreendimento hidráulico da época romana sob direcção do
primeiro signatário. Estes ocorreram 129 anos após os primeiros registos gráicos realizados em 1877 pelo arqueólogo algarvio Estácio da Veiga com a ajuda de A. de Serpa.
Os trabalhos arqueológicos realizados junto ao paramento
de montante da barragem permitiram evidenciar a assinalável altura da obra, actualmente em boa parte enterrada
nos sedimentos acumulados no fundo da antiga albufeira.
Aqueles, continham diversos espólios cerâmicos, cuja caracterização tipológica, actualmente em curso, irá contribuir para o conhecimento da cronologia da sua ediicação
bem como da duração do seu funcionamento. Neste aspecto,
importa sublinhar que será o primeiro trabalho desta índole
realizado em Portugal.
A existência desta barragem encontrava-se associada a uma
villa com a respectiva necrópole, existentes nas imediações,
Esta barragem permitia armazenar cerca de 2100 m3 de
água proveniente do Barranco da Fornalha e a sua albufeira
atingiria os 90 m de comprimento.
a jusante, também assinaladas por Estácio da Veiga, e destinar-se-ia essencialmente à irrigação e, eventualmente, ao
abastecimento doméstico.
A barragem consiste num muro de planta rectilínea com o
comprimento de cerca de 40 m, e cuja altura seria superior
a 8 m (tendo em consideração a profundidade atingida nas
sondagens realizadas em 2006/ 2007). A espessura é de
2,80 m, sendo reforçada por 7 contrafortes visíveis com 1,5
m de comprimento, do lado de jusante. Do lado Norte, na
continuidade de um curto troço, com um contraforte, que
se separou e basculou por falta de apoio na fundação,
identiicou-se o respectivo encontro com a encosta, o qual
também se desconhecia. O afastamento dos contrafortes é
de cerca de 3 m. Toda a construção, incluindo os contrafortes, foi executada em alvenaria de blocos argamassados
de grauvaque, dispostos em camadas horizontais (opus
incertum).
Fig.1 – Aspecto da escavação da sondagem 1, em 2006, após limpeza do paredão da barragem.
Fig.2 – Pormenor construtivo da face interna da Barragem Romana e corte evidenciando os sedimentos acumulados.
201
202
Barragem do Álamo
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Fig.3 – Aspecto Planta geral da Barragem com localização das áreas intervencionadas em 2006 e 2007.
Fig. 4 – (à esquerda): Reconstituição 3D da barragem, vista de jusante.
(à direita): Reconstituição 3D da barragem, vista de montante, com indicação das sondagens arqueológicas.
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