UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
Faculdade de Letras
DLC – Departamento de Letras Clássicas
Disciplina: Latim Genérico IV
Professor: Luiz Pedro Barbosa
Discente: Jônatas Ferreira de Lima Souza (DRE: 115044769)
REFERÊNCIAS
CARDOSO, Zélia de Almeida. A literatura latina. 3.ed. São Paulo: WMF Martins Fontes,
2011.
MARTINS, Paulo. Literatura Latina. Curitiba: IESDE Brasil S.A., 2009.
GAZONI, Fernando. A Poética de Aristóteles: tradução e comentários. 2006. 131 f. Tese –
Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo, USP, São Paulo, 2006.
Uma breve introdução sobre o gênero épico em Roma
Assim como muitos povos no mundo, os romanos também desenvolveram a poesia
épica. No gênero épico implica a narrativa em verso cujo conteúdo está repleto de “fatos
heroicos, vividos por personagens humanas excepcionais, manipuladas, de certa maneira, pelo
poder dos deuses. A tradição grega é responsável por essa conceituação.”1
O gênero épico tinha por objetivo mais nobre a preservação de histórias contadas por
gerações e nessas histórias, narradas por versos cantados – elemento antigo para memorização
–, preservavam os nomes de heróis, pais fundadores, espaços míticos, cotidiano antigo,
pensamentos arcaicos, buscava-se preservar o máximo de um contexto ao qual os ouvintes já
não faziam mais parte ou, notavam resquícios de um tempo que não conheceram. Foi a escrita
que eternizou, na melhor das hipóteses, todo esse elemento épico que estava por ameaça
constante do esquecimento.2
O grande poema épico romano é a Eneida de Virgílio. Segundo os parâmetros elencados
por Aristóteles, para que se tenha uma epopeia adequada, correta em sua proposição, a Eneida
é típica, pois, “tem como objeto as ações superiores do herói Eneias que sai de Troia, impelido
pelos deuses, para fundar Roma. Tem como meio a imitação em versos hexâmetros [essenciais
para a épica] e como modo a narrativa.”3
Os poemas Ilíada e Odisseia são os principais modelos épicos para a literatura romana
e não poderia deixar de ser para Virgílio. Tal semelhança pode ser identificada, também, da
seguinte maneira:
[...] os seis primeiros cantos da Eneida, por tratarem da viagem de Eneias para a
Península Itálica, dialogam com a Odisseia, que fala da viagem de volta de
Ulisses/Odisseu para Ítaca depois da Guerra de Troia. Já os seis últimos cantos, por
tratarem da guerra de conquista da Península Itálica, dialogam com a Ilíada, cujo pano
de fundo é a Guerra de Troia.4
Contudo, a motivação de Virgílio provavelmente foi muito mais planejada, específica e
localizada, do que a ideia de uma “épica natural”5, talvez esta não sendo um forte elemento
cultural da sociedade romana. O poema Eneida não é necessariamente uma compilação
posterior da oralidade, como provavelmente foi com a Ilíada e com a Odisseia, mas, uma
1
CARDOSO, p. 6.
CARDOSO, p. 6-7.
3
MARTINS, p. 26.
4
MARTINS, p. 27.
5
CARDOSO, p. 7.
2
encomenda do imperador, recém intitulado Augusto, em finais do século I A.E.C., inaugurando
assim,
[...] uma nova possibilidade de constituição da épica, tendo como meio a escrita e,
ainda, tendo por trás de si uma tradição literária que inclui Homero além dos poetas
da época helenística. Constituída por 12 cantos, a épica virgiliana trata, como
argumento, da fundação de Roma [...].6
Em suma, essas foram as principais questões que optamos por levantar sobre o gênero
épico em Roma, principalmente no que refere a sua gênese com a Eneida de Virgílio, clássico
de longa data para a literatura ocidental.
Aspectos formais da poesia épica: métrica, ritmo, grandiosidade
O que seria esse gênero épico ou, poesia épica? Vejamos como Aristóteles compreendia
o gênero épico em sua Poética:
De fato, a composição épica, bem como a composição da tragédia, e ainda a comédia,
a arte do ditirambo e a maior parte da aulética e da citarística, todas são, no geral,
mímeses. Diferem entre si de três maneiras, ou por realizar a mímese em meios
diferentes, ou por realizar a mímese de coisas diferentes, ou por realizá-la
diferentemente, isto é, não do mesmo modo.7 [...] chamam uns de poetas elegíacos,
outros de poetas épicos, declarando-os poetas não a partir da mímese realizada, mas
de acordo com o metro usado.8 [...] É necessário lembrar o que foi dito muitas vezes
e não fazer da tragédia uma composição épica – chamo de épica a composição que se
utiliza de muitos mitos – como, por exemplo, se alguém fizesse um enredo do todo da
Ilíada.9 [...] a mímese épica é menos unitária (um sinal disso é que, qualquer que seja
a épica, dela surgem numerosas tragédias), de forma que, tendo sido feito um enredo
uno, ou ele é exposto brevemente e se mostrará mesquinho, ou ele acompanha a
amplidão do metro e se mostrará ralo. Quero dizer, por exemplo, se a épica fosse
composta de muitas ações, tantas quantas são as partes tais quais tem a Ilíada ou a
Odisséia, partes que têm, elas mesmas, certa extensão. Entretanto esses poemas foram
compostos tão bem quanto se pode, e são, tanto quanto possível, mímese de uma ação
una.10
Para Aristóteles a arte poética é mimética, isto é, que representa algo, que imita algo,
que simula algo. Poeta é aquele que usa uma métrica específica, e, quando épico, bebe de muitos
mitos ao mesmo tempo. A mimese épica é de uma ação única, ou seja, de enredo único, mas, é
menos unitária podendo se extrair dela outros gêneros.
Aristóteles compreendia a mimese da epopeia como elemento do gênero épico. Na sua
Poética, diz que
6
MARTINS, p. 93.
ARISTÓTELES, I, p. 32-33 (trad. Fernando Gazoni).
8
ARISTÓTELES, I, p. 34.
9
ARISTÓTELES, XVIII, p. 106.
10
ARISTÓTELES, XXVI, p. 125-126.
7
A epopéia se assemelha à tragédia na medida em que é a mímese metrificada de
homens virtuosos: mas, por ser metrificada uniformemente e por ser recitada, difere
dela. E ainda, pela extensão: enquanto a tragédia se esforça, o mais possível, para darse dentro de um único período solar, ou pouco se distinguir disso, a epopéia é
indefinida quanto ao tempo, e por isto difere. Entretanto, no princípio procedia-se de
maneira semelhante nas tragédias e nas epopéias.11 [...] está contido na tragédia aquilo
que a epopéia tem, mas o que a tragédia tem, nem tudo está contido na epopéia. 12 [...]
Nas tragédias, os episódios são breves, mas a epopéia alonga-se por meio deles.13 [...]
a epopéia deve ter as mesmas espécies que a tragédia (de fato, ela é simples, complexa,
ética ou patética; também as partes, excetuadas o canto e o espetáculo, são as
mesmas), pois também é necessário que haja não só peripécias, como também
reconhecimentos e eventos patéticos. Além disso, deve haver beleza na elocução e
nos pensamentos. De todos esses elementos, Homero fez uso primeiro e de maneira
taxativa.14 [...] A epopéia difere na extensão da composição e no metro usado. Quanto
à extensão, é suficiente o limite que foi dito, pois é necessário poder chegar ao fim da
narrativa sem ter perdido de vista o começo. Essa seria o caso se as composições
fossem menores que as antigas e se equivalessem à quantidade de tragédias
apresentadas em uma única audição. A epopéia tem uma característica bastante
peculiar quanto à possibilidade de se alongar sua extensão, [...] na epopéia, por ser
uma narração, é possível realizar muitas partes ao mesmo tempo e por meio delas, se
são adequadas, aumenta-se a amplidão do poema, de forma que nesse o belo pode ser
levado à magnificência, faz-se possível variar o interesse do ouvinte e inserir
episódios os mais diversos.15 [...] o irracional, principal fonte do espantoso, é mais
bem admitido na epopéia, porque não se têm os olhos sobre os agentes. [...] E o
espantoso é agradável. Uma prova disso é que todos, quando narram, acrescentam
algo para agradar.16
A poesia épica, segundo Aristóteles, mimetiza e metrifica, isto é, coloca em versos, as
ações de “homens virtuosos”, ou seja, de caráter elevado. A poesia épica (epopeia) é para ser
recitada e sua narrativa é alocada numa temporalidade indefinida, além de, declarar as variadas
espécies, das quais: simples ou complexa, ética ou patética, mas, sem ser cantada ou encenada
num palco. A narrativa deve ser composta de belas elocuções e belos pensamentos. Essa
narrativa deve possuir coerência entre seu início e seu fim; também pode ser alongada,
principalmente quando o poeta pretender inserir os episódios mais diversos; aqui, também o
irracional, que gera o espanto, se torna agradável na poesia épica.
Para a epopeia, Aristóteles aconselhava que os poetas mimetizassem as ações unas, e
não um tempo único. Assim, ele ensina que
A respeito da mímese narrativa e em versos, é evidente que se devem compor os
enredos como nas tragédias: dramáticos e em torno de uma ação una, inteira e
completa que tenha começo, meio e fim, para que, como um animal uno e inteiro, ela
produza o prazer próprio do gênero, e não como na composição dos relatos históricos,
nos quais forçosamente é apresentada não uma ação una, mas um tempo único, e, nele,
11
ARISTÓTELES, V, p. 48-49.
ARISTÓTELES, V, p. 49.
13
ARISTÓTELES, XVII, p. 102.
14
ARISTÓTELES, XXIV, p. 112.
15
ARISTÓTELES, XXIV, p. 113-114.
16
ARISTÓTELES, XXIV, p. 115.
12
tudo quanto aconteceu a um indivíduo ou a vários, sendo que cada um desses eventos
se relaciona com os outros ao acaso.17
O enredo dramático é importante para a poesia épica e é necessário que possua
claramente um início, um meio e um final, para que, dessa forma, seja atingido o prazer
particular do gênero. A narrativa épica não deve parecer com a narrativa da prosa histórica que
lida com um tempo único e não com uma ação única.
No gênero épico (ou, para epopeia) a métrica ideal era a dita heroica. Eram também
chamados poetas heroicos aqueles que faziam dessa forma.18 Segundo Aristóteles,
Quanto ao metro, a experiência mostrou ser o metro heróico o mais ajustado. Se
alguém fizesse uma mímese narrativa com algum outro metro, ou com vários, isso se
revelaria inadequado. Pois o heróico é, dos metros, o mais estável e amplo (por isso
ele é o que melhor aceita termos raros e metáforas: também por isso a mímese
narrativa é, entre todas, grandiosa), ao passo que o iambo e o tetrâmetro são
movimentados, sendo este próprio à dança, aquele, adequado à ação. [...] Homero é
digno de ser elogiado por muitas outras coisas, mas principalmente porque é o único
entre os poetas a não desconhecer como o próprio poeta deve colocar-se no poema.
Pois o poeta deve ele mesmo falar o mínimo possível, pois não realiza a mímese
agindo assim.19
O metro heroico é usado tornar grandiosa a mimese narrativa da poesia épica; é estável
pois melhor aceita termos “raros” e metáforas. Essa métrica é a melhor para a recitação do
poema. O poeta, no fim das contas, deve permanecer o mais ausente possível de seu poema,
para produzir uma mimese adequada e correta.
Essas foram, segundo Aristóteles em sua Poética, as principais características do gênero
épico, primeiro aos gregos áticos, depois para os romanos e por fim para o todo mundo
ocidental. Eis aí um legado de longa duração.
17
ARISTÓTELES, XXIII, p. 108-109.
ARISTÓTELES, IV, p. 42.
19
ARISTÓTELES, XXIV, p. 114.
18