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Aspectos formais da poesia épica em Aristóteles: métrica, ritmo, grandiosidade

2016, Latim Genérico IV (LEC266), FL-UFRJ

O gênero épico tinha por objetivo mais nobre a preservação de histórias contadas por gerações e nessas histórias, narradas por versos cantados – elemento antigo para memorização –, preservavam os nomes de heróis, pais fundadores, espaços míticos, cotidiano antigo, pensamentos arcaicos, buscava-se preservar o máximo de um contexto ao qual os ouvintes já não faziam mais parte ou, notavam resquícios de um tempo que não conheceram. Foi a escrita que eternizou, na melhor das hipóteses, todo esse elemento épico que estava por ameaça constante do esquecimento.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO Faculdade de Letras DLC – Departamento de Letras Clássicas Disciplina: Latim Genérico IV Professor: Luiz Pedro Barbosa Discente: Jônatas Ferreira de Lima Souza (DRE: 115044769) REFERÊNCIAS CARDOSO, Zélia de Almeida. A literatura latina. 3.ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011. MARTINS, Paulo. Literatura Latina. Curitiba: IESDE Brasil S.A., 2009. GAZONI, Fernando. A Poética de Aristóteles: tradução e comentários. 2006. 131 f. Tese – Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, USP, São Paulo, 2006. Uma breve introdução sobre o gênero épico em Roma Assim como muitos povos no mundo, os romanos também desenvolveram a poesia épica. No gênero épico implica a narrativa em verso cujo conteúdo está repleto de “fatos heroicos, vividos por personagens humanas excepcionais, manipuladas, de certa maneira, pelo poder dos deuses. A tradição grega é responsável por essa conceituação.”1 O gênero épico tinha por objetivo mais nobre a preservação de histórias contadas por gerações e nessas histórias, narradas por versos cantados – elemento antigo para memorização –, preservavam os nomes de heróis, pais fundadores, espaços míticos, cotidiano antigo, pensamentos arcaicos, buscava-se preservar o máximo de um contexto ao qual os ouvintes já não faziam mais parte ou, notavam resquícios de um tempo que não conheceram. Foi a escrita que eternizou, na melhor das hipóteses, todo esse elemento épico que estava por ameaça constante do esquecimento.2 O grande poema épico romano é a Eneida de Virgílio. Segundo os parâmetros elencados por Aristóteles, para que se tenha uma epopeia adequada, correta em sua proposição, a Eneida é típica, pois, “tem como objeto as ações superiores do herói Eneias que sai de Troia, impelido pelos deuses, para fundar Roma. Tem como meio a imitação em versos hexâmetros [essenciais para a épica] e como modo a narrativa.”3 Os poemas Ilíada e Odisseia são os principais modelos épicos para a literatura romana e não poderia deixar de ser para Virgílio. Tal semelhança pode ser identificada, também, da seguinte maneira: [...] os seis primeiros cantos da Eneida, por tratarem da viagem de Eneias para a Península Itálica, dialogam com a Odisseia, que fala da viagem de volta de Ulisses/Odisseu para Ítaca depois da Guerra de Troia. Já os seis últimos cantos, por tratarem da guerra de conquista da Península Itálica, dialogam com a Ilíada, cujo pano de fundo é a Guerra de Troia.4 Contudo, a motivação de Virgílio provavelmente foi muito mais planejada, específica e localizada, do que a ideia de uma “épica natural”5, talvez esta não sendo um forte elemento cultural da sociedade romana. O poema Eneida não é necessariamente uma compilação posterior da oralidade, como provavelmente foi com a Ilíada e com a Odisseia, mas, uma 1 CARDOSO, p. 6. CARDOSO, p. 6-7. 3 MARTINS, p. 26. 4 MARTINS, p. 27. 5 CARDOSO, p. 7. 2 encomenda do imperador, recém intitulado Augusto, em finais do século I A.E.C., inaugurando assim, [...] uma nova possibilidade de constituição da épica, tendo como meio a escrita e, ainda, tendo por trás de si uma tradição literária que inclui Homero além dos poetas da época helenística. Constituída por 12 cantos, a épica virgiliana trata, como argumento, da fundação de Roma [...].6 Em suma, essas foram as principais questões que optamos por levantar sobre o gênero épico em Roma, principalmente no que refere a sua gênese com a Eneida de Virgílio, clássico de longa data para a literatura ocidental. Aspectos formais da poesia épica: métrica, ritmo, grandiosidade O que seria esse gênero épico ou, poesia épica? Vejamos como Aristóteles compreendia o gênero épico em sua Poética: De fato, a composição épica, bem como a composição da tragédia, e ainda a comédia, a arte do ditirambo e a maior parte da aulética e da citarística, todas são, no geral, mímeses. Diferem entre si de três maneiras, ou por realizar a mímese em meios diferentes, ou por realizar a mímese de coisas diferentes, ou por realizá-la diferentemente, isto é, não do mesmo modo.7 [...] chamam uns de poetas elegíacos, outros de poetas épicos, declarando-os poetas não a partir da mímese realizada, mas de acordo com o metro usado.8 [...] É necessário lembrar o que foi dito muitas vezes e não fazer da tragédia uma composição épica – chamo de épica a composição que se utiliza de muitos mitos – como, por exemplo, se alguém fizesse um enredo do todo da Ilíada.9 [...] a mímese épica é menos unitária (um sinal disso é que, qualquer que seja a épica, dela surgem numerosas tragédias), de forma que, tendo sido feito um enredo uno, ou ele é exposto brevemente e se mostrará mesquinho, ou ele acompanha a amplidão do metro e se mostrará ralo. Quero dizer, por exemplo, se a épica fosse composta de muitas ações, tantas quantas são as partes tais quais tem a Ilíada ou a Odisséia, partes que têm, elas mesmas, certa extensão. Entretanto esses poemas foram compostos tão bem quanto se pode, e são, tanto quanto possível, mímese de uma ação una.10 Para Aristóteles a arte poética é mimética, isto é, que representa algo, que imita algo, que simula algo. Poeta é aquele que usa uma métrica específica, e, quando épico, bebe de muitos mitos ao mesmo tempo. A mimese épica é de uma ação única, ou seja, de enredo único, mas, é menos unitária podendo se extrair dela outros gêneros. Aristóteles compreendia a mimese da epopeia como elemento do gênero épico. Na sua Poética, diz que 6 MARTINS, p. 93. ARISTÓTELES, I, p. 32-33 (trad. Fernando Gazoni). 8 ARISTÓTELES, I, p. 34. 9 ARISTÓTELES, XVIII, p. 106. 10 ARISTÓTELES, XXVI, p. 125-126. 7 A epopéia se assemelha à tragédia na medida em que é a mímese metrificada de homens virtuosos: mas, por ser metrificada uniformemente e por ser recitada, difere dela. E ainda, pela extensão: enquanto a tragédia se esforça, o mais possível, para darse dentro de um único período solar, ou pouco se distinguir disso, a epopéia é indefinida quanto ao tempo, e por isto difere. Entretanto, no princípio procedia-se de maneira semelhante nas tragédias e nas epopéias.11 [...] está contido na tragédia aquilo que a epopéia tem, mas o que a tragédia tem, nem tudo está contido na epopéia. 12 [...] Nas tragédias, os episódios são breves, mas a epopéia alonga-se por meio deles.13 [...] a epopéia deve ter as mesmas espécies que a tragédia (de fato, ela é simples, complexa, ética ou patética; também as partes, excetuadas o canto e o espetáculo, são as mesmas), pois também é necessário que haja não só peripécias, como também reconhecimentos e eventos patéticos. Além disso, deve haver beleza na elocução e nos pensamentos. De todos esses elementos, Homero fez uso primeiro e de maneira taxativa.14 [...] A epopéia difere na extensão da composição e no metro usado. Quanto à extensão, é suficiente o limite que foi dito, pois é necessário poder chegar ao fim da narrativa sem ter perdido de vista o começo. Essa seria o caso se as composições fossem menores que as antigas e se equivalessem à quantidade de tragédias apresentadas em uma única audição. A epopéia tem uma característica bastante peculiar quanto à possibilidade de se alongar sua extensão, [...] na epopéia, por ser uma narração, é possível realizar muitas partes ao mesmo tempo e por meio delas, se são adequadas, aumenta-se a amplidão do poema, de forma que nesse o belo pode ser levado à magnificência, faz-se possível variar o interesse do ouvinte e inserir episódios os mais diversos.15 [...] o irracional, principal fonte do espantoso, é mais bem admitido na epopéia, porque não se têm os olhos sobre os agentes. [...] E o espantoso é agradável. Uma prova disso é que todos, quando narram, acrescentam algo para agradar.16 A poesia épica, segundo Aristóteles, mimetiza e metrifica, isto é, coloca em versos, as ações de “homens virtuosos”, ou seja, de caráter elevado. A poesia épica (epopeia) é para ser recitada e sua narrativa é alocada numa temporalidade indefinida, além de, declarar as variadas espécies, das quais: simples ou complexa, ética ou patética, mas, sem ser cantada ou encenada num palco. A narrativa deve ser composta de belas elocuções e belos pensamentos. Essa narrativa deve possuir coerência entre seu início e seu fim; também pode ser alongada, principalmente quando o poeta pretender inserir os episódios mais diversos; aqui, também o irracional, que gera o espanto, se torna agradável na poesia épica. Para a epopeia, Aristóteles aconselhava que os poetas mimetizassem as ações unas, e não um tempo único. Assim, ele ensina que A respeito da mímese narrativa e em versos, é evidente que se devem compor os enredos como nas tragédias: dramáticos e em torno de uma ação una, inteira e completa que tenha começo, meio e fim, para que, como um animal uno e inteiro, ela produza o prazer próprio do gênero, e não como na composição dos relatos históricos, nos quais forçosamente é apresentada não uma ação una, mas um tempo único, e, nele, 11 ARISTÓTELES, V, p. 48-49. ARISTÓTELES, V, p. 49. 13 ARISTÓTELES, XVII, p. 102. 14 ARISTÓTELES, XXIV, p. 112. 15 ARISTÓTELES, XXIV, p. 113-114. 16 ARISTÓTELES, XXIV, p. 115. 12 tudo quanto aconteceu a um indivíduo ou a vários, sendo que cada um desses eventos se relaciona com os outros ao acaso.17 O enredo dramático é importante para a poesia épica e é necessário que possua claramente um início, um meio e um final, para que, dessa forma, seja atingido o prazer particular do gênero. A narrativa épica não deve parecer com a narrativa da prosa histórica que lida com um tempo único e não com uma ação única. No gênero épico (ou, para epopeia) a métrica ideal era a dita heroica. Eram também chamados poetas heroicos aqueles que faziam dessa forma.18 Segundo Aristóteles, Quanto ao metro, a experiência mostrou ser o metro heróico o mais ajustado. Se alguém fizesse uma mímese narrativa com algum outro metro, ou com vários, isso se revelaria inadequado. Pois o heróico é, dos metros, o mais estável e amplo (por isso ele é o que melhor aceita termos raros e metáforas: também por isso a mímese narrativa é, entre todas, grandiosa), ao passo que o iambo e o tetrâmetro são movimentados, sendo este próprio à dança, aquele, adequado à ação. [...] Homero é digno de ser elogiado por muitas outras coisas, mas principalmente porque é o único entre os poetas a não desconhecer como o próprio poeta deve colocar-se no poema. Pois o poeta deve ele mesmo falar o mínimo possível, pois não realiza a mímese agindo assim.19 O metro heroico é usado tornar grandiosa a mimese narrativa da poesia épica; é estável pois melhor aceita termos “raros” e metáforas. Essa métrica é a melhor para a recitação do poema. O poeta, no fim das contas, deve permanecer o mais ausente possível de seu poema, para produzir uma mimese adequada e correta. Essas foram, segundo Aristóteles em sua Poética, as principais características do gênero épico, primeiro aos gregos áticos, depois para os romanos e por fim para o todo mundo ocidental. Eis aí um legado de longa duração. 17 ARISTÓTELES, XXIII, p. 108-109. ARISTÓTELES, IV, p. 42. 19 ARISTÓTELES, XXIV, p. 114. 18