Dossiê Games: Design,
Arte e Tecnologia
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Silvia Laurentiz *
Videogames e o
desenvolvimento
de habilidades
cognitivas
Silvia Laurentiz é livre docente pela
Resumo O objetivo deste estudo é buscar compreender como certas habilida-
USP e professora do PPG em Artes Visu-
des cognitivas podem ser exercitadas através dos games. Este propósito será
alcançado com uma pesquisa bibliográfica e uma análise do game Osu!
ais (ECA- USP). Líder do Grupo de Pesquisa Realidades – das realidades tangíveis às realidades ontológicas e seus
correlatos
Palavras chave Game, Cognição, Experiência, Habilidades, Atenção.
(http://www2.eca.usp.br/
realidades). < laurentz@ulo.com.br>
Videogames and the development of cognitive abilities
Abstract This study wants to understand how certain cognitive abilities can be exer-
cised through games. A bibliographical research and case study will be presented
through the Osu! game.
Keywords Game, Cognition, Experience, Skills, Attention.
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Introdução
1 Rafael Domingues Coppola Siqueira apresentou em sala de aula o game
Osu!, um jogo de computador desenvolvido por Dean Herbert. A proposta
de Rafael era demonstrar o desenvolvimento cognitivo mecânico-visual dos
jogadores deste game. Agradeço a Rafael pela reaproximação deste universo.
2 Neste artigo usaremos jogos, videogames e games praticamente como
sinônimos, não importando suas diferenças específicas, uma vez que elas
não serão nosso foco de análise.
Este artigo iniciou-se há algum tempo atrás quando um aluno1 apresentou em sala de aula o game Osu!. A questão era sobre a existência de
jogos2 que treinam e melhoram a performance de outros jogos. A proposta
foi demonstrar o desenvolvimento cognitivo mecânico-visual dos jogadores através daquele game (o aluno se colocava inclusive como um jogador
que teria se beneficiado com o game desta forma). Importante apresentar
também o contexto desta referência: um trabalho de final de disciplina do
curso de graduação em artes visuais (do departamento de artes plásticas ECA-USP) e, essencialmente, sobre fundamentos da linguagem visual.
A ideia de que podemos melhorar a performance em jogos também
significa dizer que é possível exercitar habilidades cognitivas que estarão
associadas à jogabilidade e que serão solicitadas em grande parte, em outros
jogos. Nos princípios de psicologia da Gestalt (KOFFKA, 1975, p. 433-537) já
encontramos estudos sobre este assunto, embora não explicitamente sobre jogos. Para a Gestalt, o desempenho de uma tarefa depende de desempenhos anteriores, e o conceito de traço de memória foi uma tentativa de
explicar esta influência do passado na condição presente. Não é simples
distinguir um processo inato de um adquirido, mas o interessante é que
“um tenista experiente não aprendeu a executar um pequeno número de
movimentos específicos, mas a bater a bola da maneira adequada, nas situações multivariadas do jogo” (KOFFKA, 1975, p. 516). O argumento apresentado foi que no processo de aprendizagem criamos sistemas de tipo particular, os consolidamos e os tornamos cada vez mais acessíveis, quer em
situações repetidas, quer em situações novas. (Ibidem, p.533). Assim, desta
forma, aprendizagem se define a partir de traços de memórias apreendidos,
consolidados e disponíveis que modificam processos e, consequentemente, comportamentos. Naquele momento se questionava o aperfeiçoamento
pela prática e o efeito da repetição (Ibidem, p. 562). Portanto, a ideia de que
podemos exercitar habilidades cognitivas e torná-las depois acessíveis para
novas funções, via processo de aprendizagem, já foi muito estudada e pode
ser aplicada perfeitamente aos jogos.
Corroborando esta proposta, no site de game Skinny, Danielle Marie
(2014) descreve cinco formas em que o game Osu! pode desenvolver habilidades de seus jogadores. Uma vez que, em games, a diferença entre ganhar
ou perder pode ser determinada pelo tempo de reação, concentração, visão
periférica, precisão, hesitação e timing, praticar estas habilidades pode oferecer vantagens na competição. A autora acredita que o game Osu! é capaz
de ser um excelente preparador para jogadores de games. Finaliza seu artigo dizendo que “you’ll see your mechanics drastically improve within 30 days, or
your money back”.
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Objetivo
Evidentemente o interesse deste estudo não é vencer competições
de games. O objetivo é buscar compreender como e quais habilidades podem ser adquiridas, fazendo um levantamento de referências bibliográficas
sobre o tema. Este trabalho encontra-se ainda em estágio inicial e se baseia em modelo de pesquisa exploratória, pois seu propósito é proporcionar
maior familiaridade com o assunto, envolvendo levantamento bibliográfico
e análise de exemplos. O game Osu! será apresentado como estudo de caso.
O método utilizado foi de revisão sistemática da literatura através do MedLine, SciELO, Google Scholar e busca livre na internet - para encontrar
referências específicas sobre games, não apenas acadêmicas -, usando-se
como parâmetro os termos: “videogame”, “cognitive tasks”, “attentional”,
em português e inglês.
Referencial Teórico
Inicialmente podemos citar o artigo “Enhanced functional connectivity and increased gray matter volume of insula related to action video
game playing”, da Scientific Reports de 2015, onde os autores Diankun
Gong, Hui He, Dongbo Liu, Weiyi Ma, Li Dong, Cheng Luo & Dezhong Yao
afirmam que jogadores experientes de games de ação têm maior conectividade funcional e volume de matéria cinzenta em sub-regiões insulares do
cérebro. Os videogames de ação (AVG) requerem um alto nível de atenção e
coordenação olho-mão.
For example, compared to amateurs, AVG experts exhibited improved
selective attention on tasks of flanker compatibility, enumeration, useful
field of view, and attentional blink; furthermore, AVG training improved
participants’ performance on the above tasks, thereby demonstrating
the attentional effects of AVG playing. Furthermore, AVG playing enhanced the spatial distribution of attention and attentional capture, cognitive control, and emotional regulation. In addition, research on sensorimotor functions indicated that compared to amateurs, AVG experts had
improved spatial resolution of vision, multisensory temporal processing
abilities, hand-eye motor coordination, contrast sensitivity, oculomotor
performance, and body movement (GONG et al., 2015, p. 1).
Além disso, os jogadores especialistas, diferentemente dos amadores, apresentam um aprimoramento relacionado à experiência predominantemente evidente na ínsula esquerda, uma área cerebral ainda pouco
estudada. Argumentam que games de ação podem melhorar a integração
funcional das sub-regiões insulares e suas respectivas redes (GONG et al.,
2015, p. 2). Ora, a ínsula tem sido considerada a responsável pelas emoções
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e sentimentos humanos (GOMES DA SILVA, 2014, p. 100-101). E, ainda, a
superativação da ínsula está relacionada a diversos distúrbios como fobias
e transtorno obsessivo-compulsivo (BUCHALLA, A. P., 2007, apud GOMES
DA SILVA, 2014, p. 101), o que pode ser um sinal preocupante, uma vez que
foram encontradas alterações significativas nesta área e vizinhanças.
E, conforme o neurocientista António DAMÁSIO (2001), respostas
emocionais são um modo de reação do cérebro para responder a certas classes de objetos e eventos com um certo repertório de ação (DAMÁSIO, 2001,
p. 781, apud GOMES SILVA, 2014, p. 105). Importante destacar que cada pessoa produz uma imagem do corpo a partir de suas funções emocionais e
viscerais (GOMES DA SILVA, 2014, p.120-121) e que as emoções estruturam a
representação ou regulação do estado do organismo e desempenham papel
central na cognição social e tomada de decisão (GOMES SILVA, 2014, p. 105).
Portanto, se games – especialmente os de ação - aumentam nossa
habilidade de distribuição espacial da atenção e captação atencional, controle cognitivo e regulação emocional, logo, estarão contribuindo para a
formação de nosso pensamento simbólico, aprendizagem e conhecimento;
pois, ainda conforme DAMÁSIO (1996), razão e emoção não estão separados
e dependem um do outro numa relação intrínseca.
As pesquisas sobre as funções sensório-motoras indicam também
que, em comparação com os amadores, os especialistas de videogames de
ação têm melhorado a resolução espacial da visão, as habilidades de processamento temporal multissensorial, a coordenação motora manual, a sensibilidade ao contraste, o desempenho oculomotor e o movimento corporal
(GONG et al., 2015). Sendo assim, não apenas razão e emoção são inseparáveis, como também nossas práticas e experiências carregam em si todos
os sentidos do corpo para participarem destes processos. Desta forma, o
princípio de enação (VARELA et al., 1993) e dimensão tácita do conhecimento (POLANYI, 1983) também são importantes para nossas análises e serão
adiante apresentados.
O Game Osu!
Osu! (https://osu.ppy.sh/) não é um videogame de ação (AVG), mas
é utilizado para desenvolver habilidades para outros jogos, inclusive os de
ação. Isto justifica a escolha deste game para análise, pois não nos interessa
o conteúdo ou narrativa específicos dos games de ação, mas as habilidades
cognitivas envolvidas. Além de Danielle Marie (2014), já mencionada anteriormente, Biro ZICA (2016) em “Como melhorar seu reflexo no League of
Legends”, destaca que o game LOL exige reflexos com mecânicas distintas
durante uma partida, entre elas: acertar habilidades (acertar skills), desviar
de objetos, precisão com o mouse e tempo de reação. O autor indica o game
Osu! para melhorar a performance, rapidez e precisão de seus jogadores.
Osu! é um jogo eletrônico de ritmo (lançamento oficial em 2007),
baseado no gameplay de uma variedade de games de ritmo populares, tais
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como Guitar Hero, Ouendan e Elite Beat Agents. Seu desenvolvedor, Dean
Herbert, mantém em seu website oficial (https://ppy.sh/) inúmeras informações importantes para se entender o game. A jogabilidade é baseada em
uma variedade de ritmos e músicas. Embora mantenha alguns elementos
específicos, o jogo pode ser ampliado via skins / beatmaps / storyboards,
rankings on-line, multiplayer, além de possuir uma comunidade com mais
de 500.000 usuários ativos. O atrativo é que se pode jogar com a sua própria
música, e ainda compartilhar suas criações com os demais jogadores. Quando
o jogo começa, pode-se facilmente procurar por um beatmap numa lista, que
são “níveis/mapas” ou “pacotes de mapas” com diferentes “ritmos/batidas”.
O game é simples: o jogador deve tocar em figuras que correspondem às batidas da música que foi escolhida, em uma mecânica precisa,
durante sua execução. Não perder uma única nota faz sua pontuação aumentar. A explicação do site é de que um jogador com 99% de precisão que
perdeu uma nota em algum lugar no meio da música pode ser superado
por um jogador com uma precisão de 80% que não perdeu nota nenhuma.
Precisão é outra coisa importante, assim como o tempo, por isso deve-se
tocar as figuras perfeitamente em suas respectivas batidas. Há ainda outras
conquistas durante o jogo e algumas missões escondidas.
O game foi feito para ser jogado com mouse. Mas, para músicas mais
difíceis é necessário usar o teclado junto ao mouse, associando-se múltiplas
ações e tarefas. Desta forma, a perfeita coordenação entre duas atividades
diferentes sendo realizadas simultaneamente, com precisão e tempo exato, testando reflexos e agilidade, começa a exigir dos jogadores habilidades
descoordenadas. Para atingir resultados satisfatórios, não se deve apenas
depender da visão para calcular o momento certo de clicar nas figuras. A estratégia requer entender o ritmo do beatmap seguindo também a audição.
O desafio é prever a próxima batida a tempo de conseguir tocá-la, desconsiderando atrasos naturais da percepção e o tempo de reação aos estímulos
visuais e sonoros.
Importante destacar que não se controla o movimento das figuras,
mas segue-se o seu movimento e ritmo. Clicar, manter o mouse pressionado, teclar, prever os movimentos futuros pela visualidade e sonoridade,
deslizar barras de rolagem, utilizar as duas mãos fazendo movimentos independentes e tentar sempre prever o próximo passo. Ter precisão nos movimentos e manter o timing da música, com boa coordenação entre mão, olho
e ouvido. Tudo isso respondendo em alta velocidade e atingindo as figuras
por toda a tela, mantendo um bom ritmo e o controle do mouse e teclado.
Tempo de Resposta
A psicologia já desenvolveu mecanismos de avaliação neuropsicológica das funções executivas, de atenção, de percepção e memória da mente.
Estes poderiam indicar, entre outras coisas, melhoria no desempenho. Apenas para exemplificar, apresentaremos dois deles que serão importantes
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3 Veja estes e outros testes em http://
cognitivefun.net/
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para nossas análises. O efeito Stroop é uma demonstração de interferência
no tempo de reação de uma tarefa. Quando o nome de uma cor (por exemplo, ‘azul’) for impresso em uma cor que não seja a denotada pelo nome (por
exemplo, escrita com a cor vermelha), nomear a cor da palavra impressa dessa forma leva mais tempo e é mais propenso a erros do que quando a cor da
tinta corresponde ao nome da cor. Este efeito foi estudado por John Ridley
Stroop, e tem sido usado em um teste que leva seu nome, que basicamente
avalia a atenção seletiva, a capacidade de manter o foco numa atividade, e
inibe a tendência de se fornecer respostas impulsivas. No caso do game apresentado, não temos palavras escritas. Mas, um fator interessante é que na
presença de um objeto (que possua uma carga cultural como uma cor, um
número, figuras e setas) associado a uma forma, movimento e ritmo, e sendo
exigido tomadas de decisão em curtíssimo espaço de tempo, haverá interferência na condução de tarefas quando relacionadas a hábitos e pensamentos
que anteriormente forma mantidos com estes objetos. Em Osu!, o jogador tem
que clicar nos botões e tem que saber a cor, o número, a ordem, a direção, o
ritmo, seguir setas, movimentos. Tem que distinguir alvos de não-alvos para
permitir uma resposta rápida evitando erros, e assim, coloca uma exigência
ao jogador que terá que distinguir baseado em diferenças sutis (por exemplo,
através da distinção de características visuais tais como cor e contraste, ressonâncias no campo visual e reconhecimento de padrões).
Algumas situações do game podem levar a uma maior interferência,
como, por exemplo, se o sentido do movimento for abruptamente invertido
(horário para anti-horário), ou ocorrer uma mudança de cor na figura em
tempos intermediários (figura não focada que, pela alteração de sua cor,
passou a entrar em foco), ou se uma seta indicar um movimento inesperado.
Flanker é um outro teste de psicologia, criado por Charles Eiksen, para
medir o tempo de reação, baseado em respostas que são dadas no menor tempo possível, evitando-se erros. O exemplo básico é uma sequência de flechas
voltadas para uma mesma direção, e o objetivo é perceber uma situação congruente – uma nova flecha é acrescentada à sequência anterior na mesma
direção das demais - e uma incongruente, mais difícil – a nova flecha está na
direção contrária das demais. Registram-se os tempos de reação médios ao
longo do teste e o número total dos erros cometidos. Percebeu-se, por exemplo, que as reações aos estímulos incongruentes (onde as flechas estão na
direção oposta da nova flecha) são mais lentas do que a dos estímulos congruentes (onde a nova flecha e as demais estão todas orientadas na mesma
direção). A tarefa parece ser muito simples, mas deve ser realizada no menor
tempo possível. Assim, a direção do estímulo, o local na tela, e a referência de
leitura podem alterar o tempo de resposta também3, e exercitar todas estas
possibilidades pode resultar num tempo de resposta reduzido.
Além disso, comparações entre jogadores regulares e não-jogadores
mostraram que o primeiro grupo exibiu capacidade superior para detectar
alvos em áreas periféricas da visão, demonstrando maior acuidade visual e
melhor resolução espacial da visão (OIE et al., 2014, p. 3).
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Enação e Conhecimento Tácito
Enação é um termo usado pelos biólogos chilenos Humberto MATURANA e Francisco VARELA (VARELA et al., 1993). A enação pode ser compreendida sob dois aspectos complementares: a) o primeiro, quando uma ação
é guiada pela percepção, ou seja, compreender a percepção é compreender
a forma pela qual o sujeito que pratica a ação toma decisões em situações
locais. Aplicando ao caso de nosso game, a estrutura sensório-motora do
jogador estaria conduzindo tomadas de decisões na medida que as situações
locais vão se transformando constantemente (VARELA et al., 1993, p. 235). O
conhecimento que o jogador acessa nessas condições situa-se numa dimensão tácita (POLANYI, 1983), o que significa dizer que ele terá que lidar com
aquele conhecimento adquirido pela experiência, com imprevisibilidades e
as variações dos acontecimentos. Este saber não é integralmente traduzível
em conhecimento explícito, não pode ser dito em palavras em sua totalidade, ser transmitido, formalizado, simbolizado, sistematizado ou traduzido
para linguagem formal. Abordar a experiência na cognição, pode ser interessante sob dois aspectos: a sua questão representacional e a enativa - esta
última, uma dimensão não-representacional da experiência. Para Jorge Albuquerque Vieira, o conhecimento tácito seria uma estratégia para mapear a diversidade em nossos cérebros e mentes, uma forma para conseguir
acessar a complexidade dos acontecimentos (VIEIRA, 2006); b) Francisco
VARELA define o segundo aspecto do conceito de enação como complementar ao primeiro, onde a cognição emerge dos esquemas sensório-motores
vivenciados e permite à ação ser construída e guiada pela percepção. É a
estrutura vivencial sensório-motora contextualizada, “a maneira pela qual
o sujeito que percebe está inscrito num corpo, [...] que determina como o
sujeito pode agir e ser modulado pelos acontecimentos do meio” (VARELA
et al., 1993, p. 235).
Cognição incorporada, cognição como ação corporalizada e enação
nos interessam particularmente pois tratamos sobre Sensoriality and Conformed Thought em estudo anterior (LAURENTIZ, 2015). Naquele trabalho
estabelecemos relações entre as experiências dos sentidos e os aspectos representacionais das experiências. E ainda sobre a intrínseca relação entre
experiência, sensações e pensamento. Pensamento conformado como códigos, padrões, representações culturais, dispositivos, interfaces, imagens
técnicas são resultados de conceitos, modelos de conhecimento de uma
cultura ou grupo. O pensamento conformado não é apenas uma característica formal, não se restringe às aparências, expressões de padrões, configurações, mas, mais do que isso, é ação determinada por padrões, atitudes,
práticas culturais que conformam o pensamento. A tensão entre sensações
e pensamento conformado cria um ambiente fértil de conflitos, interferências, correspondências, configurações e misturas de informação; e esta
complexidade faz emergir padrões estéticos. Em outras palavras, há elementos sensoriais no pensamento conformado, de tal forma que sensações
e pensamento conformado dependem um do outro.
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Capacidade Atencional
A atenção pode ser definida de forma ampla como:
[...] o fenômeno que administra a grande quantidade de informações
disponibilizadas ao organismo por meio dos sentidos, da memória e de
outros processos cognitivos. Ela se origina de uma predisposição do cérebro de responder a determinados estímulos em detrimento de outros
(BRANDÃO, 1995; GAZZANIGA, Ivry, & Mangun, 2006; Sternberg, 2000,
apud RUEDA, 2010, p.573-574).
Fabián RUEDA (RUEDA, 2010, p. 574) determina 4 tipos de atenção:
¶ atenção seletiva – que é diretamente relacionada à inibição de
distrações, representa a capacidade de focar em algum estímulo,
ao mesmo tempo permanecendo insensível a outros. No caso
deste estudo, a atenção dedicada ao game Osu! é totalmente
guiada, pois há uma música que conduz a experiência e as
figuras na tela aparecem de maneira ritmicamente organizada
e sequencial;
¶ atenção sustentada - refere-se à capacidade de se manter
o esforço atencional, sustentando o foco em uma mesma
atividade ou estímulo por um período mais longo. Concentração
significa um esforço para a sustentação da atenção seletiva,
inibindo distrações, e por tempo prolongado. Devemos dizer
que, para alguém inexperiente, poucos minutos jogando Osu!
são suficientes para a exaustão. Chegar ao final da música pode
parecer tarefa impossível;
¶ atenção alternada - corresponde à capacidade de alternar o foco
de atenção, dependendo das necessidades do contexto, bem
como retomar o foco da atenção após alguma interferência.
No caso em análise, se algo distrair a atenção do jogador pode
significar perder muitos pontos ao final. Uma nota que não
se atinja é um evento de alto significado, faz muita diferença
e o esforço é intensamente exigido para se continuar em foco,
sem desvios. É interessante verificar que em alguns momentos
várias ações ‘pipocam’ na tela, e um esforço para não se desviar
ou alternar a atenção é exigido;
¶ atenção dividida - corresponde à capacidade de focar
simultaneamente dois ou mais contextos. Este caso é às vezes
exigido no game, principalmente em níveis mais avançados.
Quando se trabalha com mouse – movimento e clique - e teclado,
simultaneamente, cada uma dessas ações é independente e o
esforço acontece para se manter atenção em cada uma delas.
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Luciana ALVES (2010) escreve sobre Videogame e sua Influência em
teste de atenção, e cita que “pesquisadores como Dubar, Hill e Lewis (2001)
descobriram que a habilidade de trocar o foco da atenção está voltada para
o desempenho de tarefas complexas, e que quanto maior esta habilidade,
melhor o desempenho” (ALVES, 2010, p. 520).
Conforme ALVES (idem, ibidem), a atenção é requerida para que
se executem funções mantendo o estado de alerta ou vigilância, com sua
sustentação por um determinado período de tempo, além de inibição de estímulos irrelevantes, com consequente focalização nos estímulos de maior
interesse. Isto nos permite dizer que os games também desempenham importante papel no aprimoramento de habilidades de atenção e foco.
Em uma primeira análise, os jogadores experientes parecem menos
suscetíveis a distrações do que os amadores. Entretanto, Adam OEI (2014)
questiona se a vantagem aparente dos experientes sobre os amadores não
se trata de uma casualidade. Não há evidências claras que atestem este ponto (OEI et al., 2014, p. 3).
Além disso, há que se notar que, na presença de estímulos consecutivos, dependendo do intervalo entre eles, a atenção ao primeiro pode prejudicar a percepção do segundo. A este fenômeno chamou-se “piscar atencional”.
Considerações Finais
Conforme apresentado, muitas são as habilidades desenvolvidas
pelos jogadores de games. Relembrando: melhora no tempo de reação, concentração, aperfeiçoamento de visão periférica, precisão, controle em hesitação e timing, na resolução espacial da visão, na atenção, no controle
cognitivo e regulação emocional, nas habilidades de processamento temporal multissensorial, na coordenação motora manual, na sensibilidade ao
contraste, no desempenho oculomotor e movimento corporal, na atenção
seletiva, e no piscar atencional. Se concordamos com isso, e apoiados nas
imagens cerebrais que demonstram alterações significativas, os games estarão promovendo mudanças ao nosso pensamento simbólico, aprendizagem e conhecimento.
Como dissemos no início, este é um estudo inicial, não levamos
ainda em conta fatores químicos e fisiológicos, como a produção de neurotransmissores (em especial a dopamina) e alterações físicas, como as de
frequência cardíacas ou letargias, durante o jogo. Mas, existem pesquisas
que atestam que jogar pode treinar o cérebro para diversas atividades cognitivas, e isso seria já um efeito positivo, desde que bem aproveitado. O problema é que “ao contrário de algumas outras ferramentas de treinamento
do cérebro, os videogames ativam os centros de recompensa, tornando o
cérebro mais receptivo à mudança” (PATUREL, 2014, p. 35). Procurar entender as consequências disso será um próximo passo.
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Temos ainda que questionar se as pessoas desenvolvem habilidades
cognitivas porque jogaram os games ou se as pessoas com certas habilidades cognitivas se tornam gamers (OEI, 2014). E, se as pessoas recrutadas
para as experiências com jogos são mais motivadas e por isso se dispõem e
apresentam um melhor desempenho, ou se isto não chega a influenciar os
resultados. Não podemos deixar de mencionar que o game que analisamos
neste artigo e outros usados em pesquisas similares, não foram projetados
especificamente para treinar a cognição e a percepção humana, pois são games projetados para entretenimento. O que significa que, apoiados nestes
resultados, poderíamos criar game específico para treinar as habilidades
apresentadas, e isto resultaria em novas análises. E, apesar do número crescente de pesquisas já realizadas sobre o tema, o campo ainda é iniciante e
avanços certamente ainda estão por vir.
Por último, dissemos no início que somos da área de artes visuais, e
que em trabalho anterior estabelecemos relações entre as experiências dos
sentidos e os aspectos representacionais das experiências. Resta então saber como estas habilidades cognitivas demarcariam padrões e pensamentos
conformados, e como isso refletiria na experiência estética, dada a condição
intrínseca da relação entre experiência, sensações e pensamento.
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acessado em abril de 2017.
Recebido: 24 de Abril de 2017
Aprovado: 22 de Maio de 2017
DATJournal v.2 n.1 2017