OPINIAO
10 de maio 2022 às 16:23
Portugalidade : A essência de ser
português
Após a Revolução dos Cravos a palavra perdeu popularidade como instrumento
de orgulho nacional, mas recentemente foi revivida em discursos proferidos pelo
Presidente Marcelo Rebelo de Sousa e ministros do governo com uma aparente
nuance semiótica de significado pós-colonial para incluir tudo o que pode ser
valorizado patrioticamente como sendo tipicamente de carácter português
por Roberto Knight Cavaleiro
Durante o ano de 2021 foi realizado um animado debate entre académicos sobre
uma tese publicada pelo lexicólogo Dr. Vitor de Sousa que procurava uma
tradução e interpretação mais clara do substantivo descritivo “Portugalidade”
cujo primeiro uso registado data do período pós II Guerra Mundial no Estado
Novo. A ostentação de Portugal como líder mundial, tanto pela extensão dos
territórios sob seu controle, quanto pelo número de cidadãos que falavam
português como primeira língua, era um traço essencial da propaganda do
regime, na medida em que o conceito de identidade nacional com uma psicologia
social e uma cultura que se estende do Minho a Timor no leste (e ao estado
independente do Brasil no oeste) foi considerado um fenómeno mundial. Jamais
serão esquecidos os dias do império e a prosperidade que trouxe à pátria; se não
aos territórios vassalos.
Após a Revolução dos Cravos a palavra perdeu popularidade como instrumento
de orgulho nacional, mas recentemente foi revivida em discursos proferidos pelo
Presidente Marcelo Rebelo de Sousa e ministros do governo com uma aparente
nuance semiótica de significado pós-colonial para incluir tudo o que pode ser
valorizado patrioticamente como sendo tipicamente de carácter português.
A versão inglesa publicada do ensaio do Dr. de Sousa intitula-se
enigmaticamente “Portugality : a nothingness that is nothing” (um nada que não
é nada) o que parece sugerir que a diversidade étnica e cultural que se encontra
no Portugal moderno não constitui um denominador comum nem aqui nem
globalmente. Uma resposta surpreendentemente grande a isso veio do público
internacional que se inscreve no Academia.org. Inevitavelmente alguns
comentários foram irreverentes com referências a pastéis de nata, Benfica e os
retractos emblemáticos de Uncle Sam e John Bull comparados ao gentil Zé
Povinho. As invocações do fado, da arte de Paula Rego e da literatura de
Camões, Pessoa e Saramago eram frequentes e indicam como os forasteiros
vêem o Portugal moderno.
O ensaio fotográfico de Michael Teague “In the Wake of the Portuguese
Navigators” (Na esteira dos navegadores portugueses) é um excelente exemplo
de como a arquitectura de fortes, igrejas, palácios e habitações humildes pode ser
reconhecida como inconfundivelmente portuguesa nas muitas povoações que
foram fundadas em África, espalhados pelos Oceanos Índico e Pacífico e no
Brasil durante a grande Era dos Descobrimentos. Foi publicado em 1988, que foi
o ano em que solicitei como migrante a autorização para me tornar cidadão
residente permanente em Portugal e recomendo a leitura a todos os estrangeiros
que agora pretendam fazer o mesmo percurso. A sua odisseia de estima pelo
modo histórico de vida português começou em 1957 com uma expedição de
diplomados da Universidade de Oxford a Angola. Seguiram-se três anos de
ensino de inglês no Rio de Janeiro, onde concebeu a ideia de criar pictoricamente
a atmosfera encontrada durante os séculos XV a XVII pelos intrépidos
exploradores portugueses liderados por Vasco de Gama, Fernão de Magalhães e
Bartolomeu Dias. Auxiliado por pequenas doações da Gulbenkian e de outras
Fundações, partiu com mochila, máquina fotográfica e cadernos numa viagem de
três anos de comboio, autocarro, barco, cavalo e burro seguindo literalmente o
rasto dos Navegadores de Marrocos ao Japão. Isso produziu mais de mil
fotografias e uma narrativa lírica que permitiu a uma exposição de Portugalidade
Global a viajar internacionalmente.
Mesmo neste curto espaço de cinquenta anos, muitos dos edifícios
cuidadosamente registados desapareceram enquanto algumas das ruínas
românticas foram “restauradas” no estilo de um parque temático da Disney
repleto de guias fantasiados para proporcionar uma “experiência” aos turistas.
Mas a magnífica homenagem de Michael Teague a Portugal atrai
inevitavelmente comparações com a homogénea ideologia do Império criada
pelas nações do norte da Europa e como as idiossincrasias alternativas
portuguesas deixaram a sua marca indelével numa parte substancial do nosso
mundo.
Tomar
10 Maio 2022
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https://sol.sapo.pt/artigo/770750/portugalidade-a-ess-ncia-de-ser-portugu-s