Múltipla escolha
De Lya Luft
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Múltipla escolha - Lya Luft
Para Vicente.
Para Susana e Álvaro com Isabela, Fabiana e Fernanda;
para André e Mana com João Pedro e José Arthur;
para Eduardo e Carina com Marco Antônio e Rodrigo.
Há muitas maneiras de encarar a nossa existência: como um trajeto, um naufrágio, um poço, uma montanha. Tantas visões quantos seres pensantes, cada um com sua disposição: cética, otimista, trágica ou indiferente.
Neste livro ela é um teatro, e um cenário com muitas portas, que estavam ali ou que nós desenhamos. Algumas só se abrem, outras só se fecham; outras ainda se escancaram sobre um nada.
Quando abrimos uma delas — nossa múltipla escolha — é que se delineia a casa que chamamos nossa existência, e começam a surgir os aposentos onde vamos colocar mobília, objetos, janelas, pessoas, um pátio que talvez leve a muitos caminhos.
Somos autores e personagens dessa cena complexa. Nos vestimos nos camarins, rimos ou choramos atrás das cortinas. Também vendemos entradas; às vezes vendemos a alma.
Este pequeno ensaio fala sobre alguns mitos da nossa cultura, que, embora criados por nós, dificultam essa tareabertura fa existencial. Fala também de audácia e fervor, e de alegria quando escapamos dessas armadilhas e nos construímos do jeito que dá.
Utopia, romantismo ou real possibilidade, as primeiras páginas de cada livro entreabrem a cortina: dos dois lados do palco, meu leitor e eu trocamos sinais.
(Gramado, O Bosque)
Roteiro
1 | Abrindo a cortina
Na sala dos pensamentos
2 | Um palco para os mitos
Viver é subir uma escada rolante
Os homens primitivos não filosofavam
A falsa liberdade e a síndrome do ter de
Medo e preconceito
Gêneros: conflito e ilusão
Porém, uma geração de profissionais competentes
O mito da gloriosa juventude
Velhice é apenas outra fase
Para que espírito jovem
?
Repositório de dados importantes
Sem ilusões
A porta que não escolhemos
São muitas as indagações neste novo século
3 | A palavra difícil
A incomunicabilidade humana
Comunicação não é invasão
Por que se calam os amantes?
O mito da família feliz
O quinto mandamento
Família: a dança dos desiguais
Parar, Olhar, Escutar
Precisamos de pai e mãe
Novos vínculos
Conceitos e valores
Pai, me ajuda a olhar!
Deslimite e desinteresse
O primeiro desenho do mundo
Educar sem estorvar
Uma educação realista
4 | Múltipla escolha
Não recebemos um mundo intocável
Como influenciamos
Ídolos e heróis
Cibernéticos e virtuais
Nesse mundo difuso
As fomes que nos movem
Fome de dignidade
Fome de segurança e fome de justiça
Vivemos numa Idade Média higiênica
Animais predadores na selva pós-moderna
Somos predadores melancólicos
Teremos paz, a maior das fomes?
A voz na sombra — por que nos drogamos
Superar qualquer adição
Drogas sutis: as frases feitas
O tempo de uma risada
A vida a gente é quem decide
Somos melhores do que pensamos ser
Escolher a prisão
5 | Cena final
Um palco é uma escada, um corredor, um poço
O boneco do começo
1 | Abrindo a cortina
Pintei o cenário
e o coloquei no prumo;
varri a plateia,
arrumei os bastidores.
No camarim, frutas e champanha:
eu seria a personagem principal.
Depois repassei minhas falas,
provei minhas fantasias,
e me pus a chorar:
numa escada invertida,
nem em cima
nem embaixo,
passavam estranhas figuras,
grandes demais para mim.
(Eu andava pelo palco,
sem sapatos nem rumo.)
Na
sala dos pensamentos, que é um grande teatro, senta-se na beira do palco, pernas curtas balançando tristemente no ar, um boneco desengonçado. Tem cabeça grande demais, cabelo ralo e espetaccdo. Quando me vê, estende umas mãozinhas patéticas de quem pede ajuda.
Inclino-me para ele, respiro de leve para não o derrubar:
— O que foi?
Ele me encara. Não parece ter medo. Sua voz é tão fraca que mal escuto.
Ele diz:
— E agora, e agora?
Não sei do que está falando, mas estendo um dedo, que ele agarra com sua patinha de rã. Não acho estranho: o estranho é tudo parecer tão natural. Pergunto, ainda controlando o tom de voz para que ele não se assuste:
— O que foi, o que você quer?
Ele aponta para o palco atrás de si:
—Faço o que posso, eu corro de lá para cá, olho essas portas, não sei o que escolher, tenho medo de que tudo dê errado — conclui quase chorando.
Sinto vontade de dizer: esse sentimento eu conheço!
, mas fico calada e olho o palco: o chão não é um assoalho comum. Parece um tabuleiro de xadrez. Então vejo o que o assusta: no cenário há várias portas, que se repetem mais atrás, e mais ainda, numa perspectiva que confunde. Entre elas deslizam, como sobre rodinhas, grandes figuras sombrias parecendo as estátuas da Ilha de Páscoa. Em vez de rostos, máscaras inexpressivas ou malignas.
Entram no palco, escondem-se outra vez: brilhos de lantejoulas no escuro.
Sento-me na primeira fila e observo. Elas se ocultam e reaparecem, trocam de posição ocupando vários lugares nos quadrados brancos e pretos do assoalho. Sem que se vejam seus braços, manipulam por cordas transparentes o pobre boneco, que corre pelo palco: tem de abrir uma das portas, mas não sabe o que fazer.
Essas figuras que o controlam são mitos que inventamos, que assumiram o poder, e agora nos dominam. Quando éramos seres mais primitivos, esses mitos, invenções nossas, deveriam abrandar nossas dúvidas e temores, explicando o que não conseguíamos entender: fenômenos da natureza, nascimento e morte, nossos impulsos de destruição ou sexo, o giro dos astros, o desejo de segurança e de imortalidade.
Hoje, essas solenes figuras foram substituídas pela sua descendência medíocre: os nossos enganos, modernos mitos criados para abafar nossa angústia e disfarçar nossa futilidade. Seu pai é o medo, suas ajudantes são as mentiras, que atrás das máscaras de papelão riem da nossa desventura de subir pelo lado errado de uma escada rolante.
Com disposição e coragem de olhar melhor veremos que todas escondem os mesmos narizes de palhaço com que nós, do lado de cá, as contemplávamos.
Então começaremos a fazer nossas escolhas: nessa casa, que é a vida, que é um palco, onde, atrás de cada porta que abrimos, estaremos fundando a sociedade e os indivíduos que podemos ser.
2 | Um palco para os mitos
Alguém me chama, bem atrás
na plateia:
um aceno, uma voz sumida
parece dizer meu nome.
(É alguém de óculos,
pois as lentes refletem a luz
do teto.)
Posso responder, devo
acenar de volta?
Atrás de mim
alguém veste os bonecos da vida
e as estátuas da morte.
Euforia e medo,
é com eles que vou contracenar
(ou é comigo mesmo?).
Por cima do nariz de palhaço
ajeito os meus óculos para ver melhor.
Viver é subir uma escada rolante pelo lado que desce
, disse alguém. Nunca esqueci: é sobre esse esforço de viver que eu escrevo há tantos anos.
Humanos, portanto ambíguos, a imagem nos serve bem: para cima nos atraem novidades sempre renovadas, caminhos inimagináveis anos atrás, desafios que estimulam e assustam. Para baixo nos puxam as sombras do desencanto e da depressão, da acomodação, dos receios e do esquecimento na futilidade ou nas drogas, no álcool, nos medicamentos.
A visão não é necessariamente derrotista: crianças sobem por esse lado invertido das escadas rolantes, e nós, mesmo não sendo crianças brincando (ou brigando), tentamos vencer os degraus do que chamamos existência.
Mas a contradição faz parte de nós. Desejamos permanência, e destruímos a natureza. Nos consideramos modernos, e sufocamos debaixo dos preconceitos. Politicamente corretos, perdemos a naturalidade e o brilho. Onerados por crenças infundadas, carregamos na mala da culpa as pedras do medo.
Entre opostos tão diferentes como desejo de alegria e o peso de crenças sombrias (a quem Deus ama ele faz sofrer
), entre ânsia de autonomia e o conforto da prisão, entre o desejo de progredir e a carência de líderes confiáveis, busca de saúde e lento suicídio nas drogas, nem sempre sabemos o que decidir, e muitas vezes nos deixamos levar.
Medicados (a pressão, o peso, a fadiga, a insônia, o sono, a depressão e a euforia, a solidão e o medo tratados a remédio), exasperados e indecisos, cedo recorremos a expedientes até para amar, porque nossa libido, quimicamente cerceada, falha; e a alegria, de tanta tensão, nos escapa.
Nosso olhar é turvado por lentes que deformam. Comer e cozinhar tornaram-se um must, mas sentamos diante dos melhores pratos recitando os prejuízos da comida: os quilos a mais, o colesterol, o açúcar no sangue. Alardeia-se o sexo como nunca antes, e nos julgamos liberadíssimos, mas as lendas sobre desempenhos nos causam medo. Cheios de remédios como vivemos, precisamos ressuscitar a libido com mais medicamentos.
Moramos em edifícios e condomínios de luxo, os miseráveis morrendo de fome e frio ou drogas na noite das nossas ruas. Há muitas novas distrações lá fora, mas estamos encerrados atrás de altos muros, vigiados por câmeras de segurança, grades nas janelas.
Vivemos no interior almejando a vida interessante na cidade grande, onde o narcotráfico impera e a violência nos desorganiza; na cidade grande, sonhamos com a plácida rotina das aldeias. Nem numa nem em outra encontramos paz, porque as pequenas cidades já são procuradas pelos criminosos que ali esperam vítimas mais despreparadas.
Violência doméstica e urbana nos tornam prisioneiros em casa, violência no campo desanima produtores, direitos humanos privilegiam os criminosos e abandonam as vítimas. A justiça se trava e confunde com uma teia de leis caducas ou não aplicadas.
Queremos afeto, mas família vai ficando complicado demais: como filhos, queremos fugir dos pais, que nos irritam e parecem nada ter a ver com a nossa realidade; como pais, nos intimidam filhos que não conseguimos entender. As mudanças rápidas nas relações pessoais nos enchem de desconfiança. Além disso, não sabemos nos comunicar: confundimos palavra e grito, silêncio e frieza.
Funcionamos como solidões em grupo, embalados pelo sonho de uma fusão impossível que aliviasse nossas inquietações e nos desse significado.
O olho do outro está grudado em mim e me sinto permanentemente avaliado, nem sempre aprovado: se eu não for como sugerem ou exigem meu grupo, família, sociedade, se não atender às propagandas, aos modelos e ideais sugeridos, serei considerado diferente. Como adolescentes queremos ser iguais à turma, como adultos queremos ser aceitos pela tribo: a pressão social é um fato inegável. Não controlada, ela nos anulará.
Carentes de orientação e autonomia, com informação insuficiente ou distorcida, não estamos muito interessados em analisar, quem sabe mudar. No esforço de sobreviver cumprindo mil tarefas, a gente passa correndo, lê os cartazes de propaganda, assiste à tevê, critica os políticos,