Dissertacao Maria Clara - Versão Final PDF

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SO PAULO

ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS


PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA

MARIA CLARA SPADA DE CASTRO

ALM DA MARCHA:
A (RE) FORMAO DA COLUNA MIGUEL COSTA - PRESTES

GUARULHOS
2016
MARIA CLARA SPADA DE CASTRO

ALM DA MARCHA:
A (RE)FORMAO DA COLUNA MIGUEL COSTA - PRESTES

Dissertao de Mestrado apresentada


Banca Examinadora do Programa de Ps-
Graduao em Histria da Escola de
Filosofia, Letras e Cincias Humanas da
Universidade Federal de So Paulo como
exigncia parcial para obteno do ttulo
de Mestra em Histria.
rea de Concentrao: Instituies, Vida
Material e Conflito

Orientadora: Profa. Dra. Edilene Teresinha


Toledo

GUARULHOS
2016
CASTRO, Maria Clara Spada.

Alm da Marcha: a (re) formao da Coluna Miguel Costa - Prestes/


Maria Clara Spada de Castro. Guarulhos, 2016.
167 f.

Dissertao de Mestrado em Histria Universidade Federal de So


Paulo, Escola de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, 2016.
Orientao: Profa. Dra. Edilene Teresinha Toledo.

1. Primeira Repblica. 2. Tenetismo. 3. Coluna Miguel Costa -


Prestes. I. TOLEDO, Edilene Teresinha. II. Alm da Marcha: a (re)
formao da Coluna Miguel Costa - Prestes.
Maria Clara Spada de Castro
Alm da Marcha:
a (re) formao da Coluna Miguel Costa - Prestes

Dissertao de Mestrado apresentada


Banca Examinadora do Programa de Ps-
Graduao em Histria da Escola de
Filosofia, Letras e Cincias Humanas da
Universidade Federal de So Paulo como
exigncia parcial para obteno do ttulo
de Mestra em Histria.
rea de Concentrao: Instituies, Vida
Material e Conflito

Aprovao: 15 de dezembro de 2016.

Profa. Dra. Edilene Teresinha Toledo


Universidade Federal de So Paulo

Prof. Dr. Denilson Botelho de Deus


Universidade Federal de So Paulo

Prof. Dr. lvaro Pereira do Nascimento


Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

Prof. Dr. Carlo Romani (Suplente Externo)


Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
Para Sanso e Monsueto Castro,
in memoriam

1
AGRADECIMENTOS

Primeiramente... agradeo Coordenao de Aperfeioamento de


Pessoal de Nvel Superior (CAPES) o financiamento deste trabalho, sem o qual
ele no teria se realizado, e ao Programa de Apoio a Planos de Reestruturao
e Expanso das Universidades Federais (REUNI) que garantiu o meu acesso e
de tantos outros brasileiros universidade pblica e de qualidade at este ano.
O futuro, infelizmente, incerto.
Agradeo minha orientadora, Edilene Toledo, por toda sua dedicao e
pacincia desde a minha graduao. Ao professor Luigi Biondi, por todos seus
valiosos apontamentos no Exame de Qualificao, assim como o professor
Clifford Welch. Quero agradecer tambm a outros que foram importantes para
esta caminhada como os professores Jaime Rodrigues, Wilma Peres Costa e
Maria Luiza Ferreira de Oliveira. Obrigada aos professores que aceitaram
compor a Banca de Defesa, em especial aos professores Denlson Botelho e
lvaro do Nascimento pela leitura cuidadosa e os apontamentos valiosos.
Sou muito grata aos funcionrios do Arquivo Edgard Leuenroth
Unicamp, do Arquivo Pblico do Estado de So Paulo, do CPDOC Centro de
Pesquisa e Documentao de Histria do Brasil e do CEDEM - Centro de
Documentao e Memria da UNESP que sempre me atenderam com muita
solicitude e permitiram a feitura deste trabalho.
Muitssimo obrigada aos amigos maravilhosos do Conselho Editorial da
Revista Hydra pelas discusses interminveis, pelas cervejas, pela irmandade,
pelas risadas, enfim, por simplesmente tudo: Gabriela Nery, Arthur Santos,
Rafael Domingos, Anita Lazarim, Larissa da Costa, Kauan Santos, Victor Figols,
Andr Rocha, Lucas Thiago, Carlos Malaguti, Paula Broda e Caio Gerbelli.
Obrigada aos amigos Giovan Nascimento, Herbert Bonomastro, Kristy
Rogerio e Mayra Bellisoni pela manuteno da minha sanidade e por ouvir (e ler)
os meus infinitos reclames.
Infinita gratido ao meu pai por sempre elogiar a minha me pelo quanto
ela era inteligente e estudiosa, por fazer questo de guardar todos os livros dela
para mim e, mesmo sem ler e escrever, sempre me incentivar a estudar, me

2
dando todas as condies para isso. Obrigada s mulheres da minha vida:
Leudina, Ana Paula, Patrcia, Christina, Estela, Marina, Eullia, Ftima, Alba e
Ilza.
Ao Caio Gerbelli, companheiro de todas as horas, no cabe em palavras
o quanto sou grata por tudo, alm da imensa ajuda com a dissertao, pelas
provocaes e dedicao ao ler e reler as linhas que seguem, que devo a voc,
inclusive. Obrigada pela nossa famlia.

3
- Vem c Brasil. Deixe eu ler a sua mo,
menino.
Ponha agora um tosto pra buena
dicha.
Repare esse trao forte que voc tem na
mo, menino.
a linha da vida. Voc tem o Amazonas.
Nunca lhe h de faltar nada quando voc
quiser ficar rico.
Aqui o So Francisco a linha da
inteligncia. (...)
- E esse risquinho em cruz na beira da
mo?
- No faa caso... o Iguau.
Pequenas contrariedades nos seus
amores.
(...)
- Voc est vendo esse risco fundo
Que atravessa a mo de baixo para cima?
Pois a linha do corao:
Voc ainda h de ser muito feliz, menino.
Essa linha... da marcha da Coluna
Prestes.

Buena-Dicha Geogrfica. Raul Bopp.

4
RESUMO

Este trabalho busca compreender, principalmente por meio de cartas


trocadas entre os rebeldes, como se deu a formao da chamada Coluna Miguel
Costa - Prestes a partir dos movimentos tenentistas que a antecederam, como
os levantes no Rio de Janeiro em 1922 e as revoltas de 1924 que ocorreram em
vrios estados como em So Paulo, Sergipe, Amazonas e Rio Grande do Sul. A
anlise buscou verificar uma continuidade no movimento tenentista de 1922 a
1927, ano do exlio da Coluna na Bolvia, e refletir sobre tal conceito. Para isso
investigou-se quem eram os envolvidos e quais eram as origens sociais das
principais lideranas, propondo outras interpretaes para alm das j
consolidas na historiografia.

Palavras-chave: Primeira Repblica. Tenentismo. Coluna Miguel Costa -


Prestes.

5
ABSTRACT

By using the correspondence exchanged between the rebels, this


research aims to understand how was the Miguel CostaPrestes Column formed
starting from the tenentism movements that preceded it, like the uprising in 1922
in Rio de Janeiro and the revolts in 1924 in many states, such as So Paulo,
Sergipe, Amazonas and Rio Grande do Sul. The analyses sought to verify a
continuity on the tenentism movement between 1922 to 1927, what was its social
origins and the political perspectives of the main leaders, proposing different
interpretations from the ones already consolidated by the historiography.

Key-words: First Republic. Tenentism. Miguel Costa - Prestes Column.

6
Sumrio

INTRODUO ................................................................................................. 10
CAPTULO I - A Hidra de Lerna: Redes de sociabilidade, movimentaes e
propaganda da revolta pelo Brasil ................................................................ 18
O incio da dcada de 1920 e o caso das Cartas Falsas .............................. 18
Revoltas de 1922 no Rio de Janeiro ............................................................. 21
Revolta de 1924 em So Paulo ..................................................................... 25
Revolta de 1923 e 1924 no Rio Grande do Sul e o surgimento da Coluna Miguel
Costa - Prestes.............................................................................................. 39
Outros apoios e algumas consideraes....................................................... 43

CAPTULO II A formao da Coluna Miguel Costa - Prestes: conflitos e


(re) construes ............................................................................................. 55
Plano poltico e reivindicaes ...................................................................... 78
Poltica de recrutamento e origem social ...................................................... 86

Alistamento, alfabetizao e ascenso social ............................................ 89

Costumes de quartis em marcha ................................................................. 93

Conflitos em geraes .............................................................................. 109

CAPTULO III Aproximaes e distanciamentos com as populaes do


campo e da cidade ....................................................................................... 112
A Coluna, o coronelismo e o caudilhismo: conflitos e aproximaes .......... 112
Tenentes e as populaes urbanas ............................................................ 120

Aproximaes com o Partido Comunista ................................................. 135


O 5 de julho e O Libertador ...................................................................... 143
Apoio na Cmara dos Deputados ............................................................ 145

CONSIDERAES FINAIS ........................................................................... 150


FONTES ......................................................................................................... 156
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .............................................................. 161

7
SIGLAS UTILIZADAS
AEL Arquivo Edgard Leuenroth - Unicamp
AESP Arquivo Pblico do Estado de So Paulo
4 B.C. 4 Batalho de Caadores (So Paulo SP)
26 B.C. 26 Batalho de Caadores (Belm PA)
27 B.C. 27 Batalho de Caadores (Manaus AM)
28 B.C. 28 Batalho de Caadores (Aracaju SE)
Bda. Brigada
3 B.E. 3 Batalho de Engenharia (Cachoeira do Sul RS)
1 B.F. 1 Batalho Ferrovirio (Santo ngelo RS)
4 B.I. 4 Batalho de Infantaria (Quitana SP)
Cap. Capito
CEDEM/UNESP - Centro de Documentao e Memria da UNESP
Cel. Coronel
CPDOC Centro de Pesquisa e Documentao de Histria do Brasil
Comte./Comt. Comandante
3 D.I. 3 Diviso de Infantaria (Porto Alegre RS)
1 D.R. 1 Diviso Revolucionria
D.S.P. Diviso So Paulo
E.F. Estrada de Ferro
EMR Escola Militar do Realengo
3 G.A.C. 3 Grupo de Artilharia a Cavalo (Alegrete RS)
4 G.A.C 4 Grupo de Artilharia da Costa (bitos PA)
Gal General
2 G.A.M. 2 Grupo de Artilharia da Montanha (Jundia SP)
PCB Partido Comunista do Brasil
PL Partido Libertador
PRD Partido Republicano Democrtico
PRR Partido Republicano Riograndense
Q.G. Quartel General
4 R.A.M. 4 Regimento de Artilharia Montada (Itu SP)
2 R.C. 2 Regimento de Cavalaria (Alegrete RS)

8
2 R.C.I 2 Regimento de Cavalaria Independente (So Borja RS)
3 R.C.I 3 Regimento de Cavalaria Independente (So Luiz Gonzaga RS)
5 R.C.I 5 Regimento de Cavalaria Independente (Uruguaiana RS)
5 R.I. 5 Regimento de Infantaria (Lorena SP)
6 R.I. 6 Regimento de Infantaria (Caapava SP)
S.L. Sem local especificado
S.D. Sem data especificada
Ten. Tenente

9
INTRODUO

Este trabalho busca compreender, principalmente por meio de cartas


trocadas entre os rebeldes, como se deu a formao da chamada Coluna Miguel
Costa - Prestes a partir dos movimentos tenentistas que a antecederam, como
os levantes ocorridos no ano de 1922 no Rio de Janeiro e as revoltas de 1924
em So Paulo, Sergipe, Amazonas e Rio Grande do Sul.
Empenhamo-nos em entender as pessoas envolvidas nestes movimentos
a partir de suas individualidades, e associamos componentes das trajetrias das
principais lideranas com informaes contidas em cartas e memrias, a fim de
aprofundarmos o entendimento de quem eram os agentes do tenentismo para
ento refletirmos sobre este conceito. Como argumenta Vavy Pacheco Borges
" preciso se reexaminar todas as manifestaes que foram vistas como
"tenentismo", para uma explicao mais satisfatria sobre esse momento"1.
Nossa proposta de anlise busca iluminar a diversidade que compunha
esse(s) movimento(s), presentes, por exemplo, nas principais lideranas: em
uma posio mais conservadora, com Juarez Tvora que inclusive chegou a ser
Ministro dos Transportes nos primeiros governos da Ditadura Militar brasileira, e
outras mais populares, como Luiz Carlos Prestes, que posteriormente foi filiado
ao Partido Comunista do Brasil. Esta constatao contribui para a identificao
de continuidades e rupturas de ideias e para a reflexo acerca do conceito
"tenentismo" tido como fato histrico unificado, pelo menos neste perodo de
1922 a 1927.
Tal conceito surgiu como "categoria sociolgica"2 com a obra de Virgnio
Santa Rosa O sentido do tenentismo3, publicada em 1932. Tendo em vista a
presena militar crescente na poltica brasileira do perodo, o autor aponta os
tenentes como representantes da revolta de setores mdios urbanos, colocada

1 BORGES, Vavy Pacheco. Tenentes, tenentismo, tenentismo versus oligarquia: reflexes para
uma reviso historiogrfica. In Anaes do Museu Paulista, tomo XXXIV. So Paulo: USP, 1985,
p. 142.
2 BORGES, Vavy Pacheco. Tenentismo e Revoluo Brasileira. So Paulo: Brasiliense, 1992, p.

23.
3 SANTA ROSA, Virgnio. O Sentido do Tenentismo. Rio de Janeiro: Civilizao, 1932.

10
por ele como classe mdia, desejosa de instaurar no pas um regime liberal-
democrtico efetivo e contrrio poltica oligrquica.
A problematizao em reduzir os "tenentes" categoria de classe mdia
se faz presente na historiografia brasileira desde a dcada de 1960 4. Todavia,
em meio a ela, os "tenentes" foram pensados apenas como membros de
corporaes militares, predominantemente o Exrcito, cuja viso de mundo e
objetivos se relacionavam com sua socializao apenas naquele mbito, dando
a impresso de que os soldados, ao adentrarem a instituio, incorporavam o
discurso imposto e passavam a ter sua personalidade definida pelo militarismo,
deixando de lado suas experincias anteriores e sua origem social. Alm disso,
sabido que nem todos os integrantes do tenentismo possuam envolvimento
militar ou eram de fato detentores da patente de tenente.
Em paralelo, uma segunda interpretao se aproximou de uma anlise
mais global. Para Paulo Srgio Pinheiro, a anlise do papel dos tenentes deve
ser feita atravs das seguintes dimenses:

a) a situao atual ou recente, na poca considerada, dos tenentes no


aparelho militar do Estado; b) a relao entre os tenentes e as classes
mdias (...). Reduzi-lo a uma nica das dimenses indicadas seria
atribuir um peso exagerado a caractersticas que a anlise concreta
das manifestaes do tenentismo poderiam tornar menos significativas
do que parece.5

Segundo Maria Ceclia Spina Forjaz, "o comportamento poltico-


ideolgico dos tenentes s pode ser explicado pela conjugao de duas
dimenses: sua situao institucional como membros do aparelho militar do
Estado e sua composio social como membros das camadas mdias urbanas."6

4 Crticas presentes em FAUSTO, Boris. Pequenos Ensaios de Histria da Repblica. So Paulo:


Cadernos Cebrap, n 10, 1972, p. 31; FAUSTO, Boris. Paulo Duarte: convico e polmica in
Apresentao de DUARTE, Paulo. Agora Ns! Crnica da Revoluo Paulista So Paulo. So
Paulo: Imprensa Oficial do Estado de So Paulo, 2007, p. XIII e XIV, nota de rodap; COELHO,
Edmundo Campos. Em busca de identidade: o Exrcito e a poltica na sociedade brasileira. Rio
de Janeiro: Forense-Universitria, 1976; CARVALHO, Jos Murilo. As foras armadas na
Primeira Repblica: o poder desestabilizador. In PINHEIRO, Paulo Sergio (Org.). Histria Geral
da Civilizao Brasileira. Tomo 3 - O Brasil Republicano, Vol. 9 Sociedade e instituies (1889-
1930). So Paulo: Bertrand Brasil, 2006; DRUMMOND, Jos Augusto. O Movimento Tenentista:
a interveno poltica dos oficiais jovens (1922-1935). Rio de Janeiro: Graal, 1986.
5 PINHEIRO, Paulo Srgio. Poltica e trabalho no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977, p.

53.
6 FORJAZ, Maria Ceclia Spina. Tenentismo e poltica. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977, p. 28.

11
Por outro lado, nos parece bastante complexo definir o que seriam essas
"camadas mdias urbanas" e, recorrendo aos estudos acerca do recrutamento
no perodo em questo, havia grandes possibilidades de boa parte destes
"tenentes" terem suas origens nas camadas mais baixas da sociedade. Como
afirma McCann, "A taxa de cmbio flutuante e a inflao de preos tornavam o
salrio dos oficiais insuficientes para manter a famlia, (...) os oficiais com
patentes inferiores de coronel [como os tenentes] viviam margem da classe
mdia"7.
Vavy Pacheco Borges8 foi bastante crtica com relao historiografia que
a antecedeu, acerca da Primeira Repblica, por no refletir sobre o uso dos
termos "tenentismo" e "oligarquia", muitas vezes homogeneizando diferentes
agentes histricos e colocando-os de maneira simplista um contra o outro.
Todavia, como veremos adiante, as fronteiras entre um e outro, por vezes, no
eram to claras e confluam.
A autora ainda critica as delimitaes temporais dadas ao "tenentismo" e
as tentativas de simplificar as suas mltiplas faces:

em geral, de [19]22 at [19]33, mas por vezes levando a continuidade


de sua ao at [19]64 - como se existisse um mesmo e nico tipo de
interveno poltica de militares, ou seja, um mesmo "tenentismo". (...)
So-lhe atribudas diferentes balizas e fases: alguns vem o
"tenentismo" comear com a proclamao da Repblica, embora a
maioria veja seu incio em [19]22. O movimento no parece ter
unidade, sendo apontadas duas fases distintas, uma "liberal-
democrtica" at 1930 e uma "autoritria", depois de 30. Contm
tambm dentro de si "esquerda" e "direita"9.

Essa pesquisa, por sua vez, tem como objetivo compreender a formao
da Coluna Miguel Costa Prestes e, portanto, tem como incio de seu recorte
temporal 1924, s vezes retrocedendo at 1922 j que muito dos envolvidos nos
levantes de 22 continuaram nas conspiraes militares, e se encerrando em

7 MACCANN, Frank D. Soldados da Ptria: histria do exrcito brasileiro, 1889-1937. Trad. Laura
Teixeira Motta. - So Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 312 e 313.
8 BORGES, Vavy Pacheco. Tenentismo e Revoluo Brasileira. So Paulo: Brasiliense, 1992.

Tenentes, tenentismo, tenentismo versus oligarquia: reflexes para uma reviso historiogrfica
in Anaes do Museu Paulista, tomo XXXIV. So Paulo: USP, 1985.
9 BORGES, Vavy Pacheco. Tenentismo e Revoluo Brasileira. So Paulo: Brasiliense, 1992, p.

230.
12
1927 com o exlio da Coluna na Bolvia. Dessa maneira, buscou-se refletir acerca
das movimentaes polticas tidas como tenentistas dentro deste recorte.
Nossa inteno inicial era verificar as relaes da chamada Revoluo de
1924, que foi nosso objeto de estudo em trabalho anterior10, com a Coluna
Prestes, devido a um contato inicial com o Manifesto de Santo ngelo, no qual
Luiz Carlos Prestes afirmava que:

Hoje, 29 de Outubro, por ordem do General lzidoro Dias Lopes,


levantam-se todas as tropas do Exercito das guarnies de Santo
Angelo, So Luiz, So Borja, ltaquy, Uruguayana, Sant'Anna, Alegrete,
Don Pedrito, Jaguaro e Bag, hoje irmanados pela mesma causa e
pelos mesmos ideaes levantam-se as foras revolucionrias gauchas
da Palmeira, de Nova Wutemberg, ljuhy, So Nicolau, So Luiz, So
Borja, Santiago e de toda a fronteira at Pelotas e, hoje entram no
nosso Estado os chefes revolucionarios Honorio Lemos e Zeca Netto,
tudo de accordo com o grande plano j organizado.
E, desta mescla, desta comunho do Exercito e do Povo, com
nacionaes e estrageiros, resultar a rpida terminao da luta armada
no Brasil, para honra nossa e glria dos nosso ideaes e de nossos foros
de povo civilizado e altivo.
De acordo com o plano geral, as tropas de Santo Angelo talvez pouco
demorem aqui, mas durante este tempo a ordem, o respeito a
propriedade e a familia sero mantidos rigorosamente e para isso o
governo revolucionario provisrio conta com o auxilio da prpria
populao.
No queremos perturbar a vida da populao, porque amamos e
queremos a ordem com base do progresso. Podem pois estar todos
calmos que nada acontecer de anormal.
So convocados todos os reservistas do Exercito a se apresentarem
ao quartel do 1 Batalho Ferroviario, e fica aberto o voluntariado. 11

A partir desta leitura, ficamos curiosos em saber como se dava essa


ligao entre So Paulo e Rio Grande do Sul, e como fora feito o grande plano.
Embora seja vasta a bibliografia sobre a Coluna, achamos que muito se tem a
pesquisar sobre ela, uma vez que as temticas no se esgotam em si mesmas,
dada a diversidade de fontes, questionamentos e mtodos.
Paralelamente, no momento de fazer o projeto da monografia de
concluso de curso da graduao em Histria, na busca por fontes, encontramos

10 CASTRO, Maria Clara Spada de. Tenentismo em 1924: a participao civil na Revoluo
Esquecida. Guarulhos, Monografia de concluso de curso, 2013. (Orientao de Edilene Toledo)
11 PRESTES, Luiz Carlos. Manifesto de Santo ngelo. Santo ngelo, 29 de outubro de 1924.

Disponvel em: https://www.marxists.org/portugues/prestes/1924/10/29.htm Acesso em


27/09/2016.
13
um conjunto de cartas sobre 1924 no Arquivo do Estado de So Paulo. Quando
comeamos sua leitura, vimos que por mais que o conjunto documental tivesse
este nome, poucas eram as cartas trocadas em 1924. Boa parte delas eram de
1925 e 1926, momento em que a Revoluo de 1924 j tinha se unido a tropas
vindas do Sul e se transformado na Coluna Prestes.
Essas cartas foram deixadas de lado, momentaneamente, e a monografia
foi feita com outras fontes. No mestrado, as cartas retornaram. Neste segundo
momento, dado o pouco tempo destinado para a feitura da dissertao, notamos
ser bastante complicado transcrever e trabalhar com todo o conjunto de cartas,
j que elas abordavam mais da logstica da marcha, com solicitaes de pessoal,
armamento, munio, requisies de informaes acerca do terreno, dentre
outras questes, do que propriamente dos planos, que tanto nos interessavam.
Dessa maneira, fizemos a escolha de trabalhar com as cartas enviadas e
recebidas pelas figuras de liderana ou que eram prximas a ela, sendo estes
nomes recorrentes nas correspondncias e nos livros de memrias. Para
complementar este conjunto inicial disponvel no AESP, utilizamos ainda cartas
do CPDOC/FGV, depositadas nos fundos Juarez Tvora e Sadi Vale Machado,
do AEL/UNICAMP, contidos nos fundos Miguel Costa e Loureno Moreira Lima,
alm de outros documentos consultados no CEDEM/UNESP.
Por acreditarmos que o trabalho do historiador no deve ser feito com uma
nica tipologia de fontes, a menos que seu objetivo seja analis-la em particular,
recorremos aos livros de memria. Estes, muitas vezes escritos no calor dos
acontecimentos, devem ser lidos com muita cautela por apresentarem
interpretaes bastante especficas e subjetivas. Alm disso, tem os cuidados
do autor, por conta do momento da escrita, em buscar no causar indisposio
entre aqueles citados em suas memrias, e na escolha dos fatos ali
apresentados, influenciando na construo da memria acerca do movimento.
Um exemplo o caso de uma carta escrita por Prestes e enviada ao general
Isidoro Dias Lopes, datada de 10 de fevereiro de 1925. Tal correspondncia se
encontra atualmente no Arquivo Pblico do Estado de So Paulo, todavia,
encontramos o que imaginamos ser o seu rascunho, ou cpia, no CPDOC - fundo
de Sadi Vale Machado, sem data, localidade ou assinatura. Na obra

14
memorialstica de Loureno Moreira Lima12 a mesma carta se encontra nas
pginas 107 a 111, mas curiosamente, conforme pudemos verificar, algumas
partes foram suprimidas sem as devidas indicaes. Em uma dessas
supresses, Prestes trata da fuga dos caudilhos Ruy Zubaran, Innocencio Silva
e Pedro Aaro para a Argentina e a falta de confiana que ele tinha no coronel
Fidncio de Mello. Ainda constam no livro mudanas de palavras e diversas
correes no texto da carta.
Por outro lado, estas obras so de extrema importncia por se tratar de
memrias de membros do comando da Coluna ou de seu entorno e nos ajudam
a refletir sobre algumas questes que outras fontes no permitem. Estes
diversos livros nos possibilitaram esboar algumas trajetrias e verificar o
trnsito de alguns dos tenentes pelo territrio brasileiro que foram essenciais na
difuso do clima de revolta naquele momento.
Nesse sentido, importante a inspirao do trabalho de Giovanni Levi no
que se refere, principalmente, ao desenvolvimento de seu dossi prosopogrfico,
pois nos auxilia na reflexo acerca das identidades sociais "concebidas como
realidades dinmicas (...) que se constituem e se deformam diante dos
problemas com os quais os atores sociais so confrontados" 13. Isso nos permite,
assim como desejado por Jacques Revel, estudar o social como um conjunto de
inter-relaes mveis dentro de configuraes em constante adaptao,
salientando a construo de papis sociais sua interao.14
Se o mbito da investigao for suficientemente circunscrito, as sries
documentais podem sobrepor-se no tempo e no espao de modo a
permitir-nos encontrar o mesmo indivduo ou grupo de indivduos em
contextos sociais diversos. O fio de Ariana que guia o investigador no
labirinto documental aquilo que distingue um indivduo de um outro,
em todas as sociedades conhecidas: o nome.15
A partir do nome, pode-se, segundo Ginzburg, acompanhar o sujeito em
suas mltiplas inseres sociais, na complexa rede de relaes na qual ele est

12 LIMA, Loureno Moreira. A Coluna Prestes: marchas e combates. So Paulo: Alfa-mega,


1979.
13 REVEL, Jacques. Prefcio In: LEVI, Giovanni. A Herana Imaterial: trajetria de um exorcista

no Piemonte do sculo XVII. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2000, p. 30.


14 Ibidem, p. 17.
15 GINZBURG, Carlo. O nome e o como: troca desigual e mercado historiogrfico. In: A micro

histria e outros ensaios. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989, p. 173-174.


15
inserido. "As linhas que convergem para o nome e que dele partem, (...)
[compem] uma espcie de teia de malha fina, [que] do ao observador a
imagem do tecido social em que o indivduo est inserido"16. Dessa maneira,
perseguimos os nomes das lideranas nos diversos livros de memrias e a ainda
nos utilizamos de jornais disponveis na Hemeroteca Digital da Biblioteca
Nacional e no Dicionrio Histrico-Biogrfico Brasileiro publicado pelo CPDOC
da Fundao Getlio Vargas17. Para os que tiveram participao no movimento
de So Paulo em 1924, ainda recorremos denncia18 e aos volumes do
processo judicial19 utilizados na monografia.
Finalmente, esta dissertao foi organizada em trs captulos. No primeiro
deles buscamos traar os diversos movimentos de cunho militar ocorridos no
Brasil no perodo em questo que contriburam para a formao da Coluna.
Embora esses dados, em sua grande parte, tenham como referncia a
historiografia, estes movimentos foram estudados em suas particularidades, com
pouca ou nenhuma anlise sobre as relaes existentes entre eles. A partir de
algumas trajetrias, pudemos notar que estes movimentos tinham em suas
lideranas um elo de ligao, pois boa parte destes tenentes foram
contemporneos na Escola Militar do Realengo e partilhavam algumas ideias
polticas.
Outro fator promovedor destas ligaes foi a sentena dada aos
revoltosos de 1922, acusados de tentar promover um golpe de estado, e no
somente um simples levante militar, como esperavam. As punies e
tratamentos dados a estes pelo governo auxiliaram na ocorrncia de
manifestaes de solidariedades.
No segundo captulo, buscamos entender como era formado o comando
da Coluna e quais eram seus objetivos, planos polticos e reinvindicaes. Ainda

16 Ibidem, p. 175.
17 ABREU, Alzira Alves de; BELOCH, Israel (Coord.). Dicionrio histrico-biogrfico
brasileiro: ps 1930. Rio de Janeiro: FGV, 2001.
18 Successos Subversivos de So Paulo. Denuncia apresentada ao Exmo. Sr. Dr. Juiz Federal

da 1 Vara de So Paulo pelo Procurador Criminal da Republica, em commisso no Estado de


So Paulo. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1925. (Acervo Histrico da Assembleia Legislativa
de So Paulo)
19 Justia Federal, seo de So Paulo. Processos, vols. 16 e 35. (AESP)

16
destrinchamos algumas questes geradoras de conflitos para entendermos
melhor essa formao e algumas de suas caractersticas elaboradas em meio
marcha, bem como alguns traos que nos do indcios das origens sociais de
seus membros.
No terceiro captulo, verificamos a aproximao dos tenentes com os civis
do campo e da cidade. Com relao aos do campo, esta proximidade foi bastante
dificultada pelos coronis, havendo na maioria nos casos um distanciamento. No
meio urbano, as ideias tenentistas tiveram mais vazo e atraram pessoas de
diversas classes sociais e afinidades ideolgicas. Exemplos significativos so os
contatos que foram estabelecidos com o operariado anarquista e membros do
Partido Comunista.

17
CAPTULO I - A Hidra de Lerna: Redes de sociabilidade,
movimentaes e propaganda da revolta pelo Brasil

A dificuldade encontrada pelos construtores do tenentismo em precisar


o programa do "momento" parece estar ligada diversidade de
pessoas, grupos e aes que so apontados unificadamente como
"tenentistas". O Dirio Nacional (em 1931) constri para o "movimento
dos tenentes" uma imagem: o tenentismo como a "hidra de Lerna".
Essa imagem muito significativa: um s animal assustador, difcil de
ser morto porque tem muitas cabeas?! 20

O incio da dcada de 1920 e o caso das Cartas Falsas

As atribuladas eleies de 1922 foram disputadas por Nilo Peanha, tendo


como vice Jos Joaquim Seabra, candidatos da Reao Republicana, que unia
as chamadas oligarquias dissidentes, pertencentes aos estados do Rio de
Janeiro, Rio Grande do Sul, Bahia e Pernambuco, em oposio candidatura do
mineiro Arthur Bernardes, apoiado por So Paulo.
Segundo Anita Prestes, a Reao Republicana encontrava neste perodo
um clima poltico bastante favorvel a uma ampla mobilizao das classes
mdias e setores populares, bem como do movimento operrio21. O
descontentamento militar e a desistncia de Hermes da Fonseca de entrar na
disputa presidncia reforaram o apoio destes setores sociais para a chapa de
Nilo Peanha.
Endossando esse descontentamento militar, Epitcio Pessoa, em seu
governo, nomeou Joo Pandi Calgeras para ministro da Guerra, sendo,
juntamente com Alfredo Pinto Vieira de Melo, ministro de 28 de julho a 3 de
outubro de 1919, os nicos civis a ocuparem a pasta nesse primeiro perodo

20 BORGES, Vavy Pacheco. Tenentismo e Revoluo Brasileira. So Paulo: Brasiliense, 1992.


Tenentes, tenentismo, tenentismo versus oligarquia: reflexes para uma reviso historiogrfica
in Anaes do Museu Paulista, tomo XXXIV. So Paulo: USP, 1985, p. 153.
21 PRESTES, Anita Leocdia. Os militares e a Reao Republicana: as origens do tenentismo.

Petrpolis: Vozes, 1993, p. 35.


18
republicano, o que incomodou alguns oficiais do Exrcito que viam neste ato uma
diminuio do prestgio militar22.

Em maio de 1921, o marechal Hermes da Fonseca foi nomeado


presidente do Clube Militar, importante espao de discusso e sociabilidade de
ampla frequentao, aps retornar da Europa, para onde havia se retirado desde
1915. Em seu regresso, o Clube organizou um grande banquete. Em 9 de
outubro, o jornal Correio da Manh publicou a seguinte carta assinada por Arthur
Bernardes e enviada para o senador Raul Soares:

Estou informando do ridculo e acintoso banquete dado pelo Hermes,


esse sargento sem compostura, aos seus apaniguados, e de tudo que
nessa orgia se passou. Espero que use com tda energia, de accordo
com as minhas ultimas instruces, pois, essa canalha precisa de uma
reprimenda para entrar na disciplina. Veja se Epitacio mostra agora a
sua apregoada energia, punindo severamente esses ousados,
prendendo os que sahiram da disciplina e removendo para bem longe
esses generaes anarchisadores. (...)23.

Em resposta, o Clube se reuniu e fez uma moo, na qual defendia a


reao imediata do Exrcito ultrajado por Bernardes ou a sua dissoluo. No dia
seguinte, o mesmo jornal publicou uma segunda carta, em que, teoricamente,
Bernardes afirmava que no se deveria temer as foras armadas, por conta das
aes que Epitcio Pessoa j vinha realizando, como a transferncia de alguns
militares para as regies mais distantes do centro poltico24, desarticulando
possveis contestaes .
O candidato presidncia apontado como remetente das cartas negou
que as tivesse escrito. Em meio ao embarao, o Clube Militar nomeou uma
Comisso Julgadora que as declarou autnticas. Aps nova assembleia, decidiu-
se "entregar o caso ao julgamento da Nao"25. Somente no ano seguinte, em
1923, Oldemar Lacerda e Jacinto Guimares assumiram a autoria das cartas,
justificando que buscavam destruir a candidatura de Bernardes em prol de uma

22 MCCANN, Frank D. Soldados da Ptria: Histria do Exrcito Brasileiro 1889-1937. Trad. Laura
Teixeira Motta. - So Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 282.
23 SILVA, Hlio. 1922: Sangue na areia de Copacabana. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira,

1964, p. 61.
24 Ibidem, p. 63.
25 Ibidem, p. 70-72.

19
possvel de Hermes da Fonseca, tendo em vista a movimentao das classes
armadas26. Todavia, o entrave poltico j estava feito e muitos ainda continuaram
convencidos de que Bernardes era o verdadeiro autor das citadas cartas27.
Em junho de 1922, Bernardes foi eleito Presidente28, para assumir o cargo
no incio do ano seguinte. Ao final do mesmo ms, o marechal Hermes da
Fonseca soube da interveno de Epitcio Pessoa no governo estadual de
Pernambuco com a utilizao de militares, o que resultou no envio do seguinte
recado a Jaime Pessoa, comandante geral das foras federais do referido
estado:

O Clube Militar est contristado pela situao angustiosa em que se


encontra o Estado de Pernambuco, narrada por fontes insuspeitas que
do ao nosso glorioso Exrcito a odiosa posio de algoz do povo
pernambucano. (...) no esqueais que as situaes polticas passam
e o Exrcito fica29.

Perante essa intromisso em suas ordens, o ministro Pandi Calgeras


divulgou um Aviso de Repreenso, ao qual o marechal respondeu, assumindo a
autoria do telegrama. Assim, Epitcio decretou sua priso e o fechamento do
Clube Militar em 1 de julho, situao mantida e perpetuada ao longo de seis
meses.30 Hermes da Fonseca foi posto em liberdade 17 horas aps sua priso.
Todavia, o Forte de Copacabana j planejava se revoltar por conta dos fatos
ocorridos.
Para alm do ministro da Guerra ser um civil, de o Clube Militar ser
fechado e do desrespeito das supostas cartas de Bernardes, a priso do
marechal, representante do Exrcito e ex-presidente do pas, foi considerada um
grande ultraje. Para completar, fora mantido preso num regimento comandado
por um tenente-coronel, rompendo com a hierarquia. O Exrcito, assim como a
Marinha, ainda sofria a precariedade dos soldos, de instalaes, e de

26 Ibidem, p. 90-92. BASTOS, Abguar. Prestes e a revoluo social. So Paulo: Hucitec, 1986,
p. 112.
27 DANTAS, Jos Ibar Costa. O tenentismo em Sergipe. Rio de Janeiro: Vozes, 1974, p. 77.
28 SILVA, op. cit., p. 101. BASTOS, op. cit., p. 127.
29 SILVA, op. cit., p. 105 e 106.
30 Ibidem, p. 106-111.

20
armamentos31. Havia tambm a lentido nas promoes, que alm de deixar os
militares insatisfeitos, acumulava revoltosos, a partir de anistias concedidas, nas
patentes de 1 e 2 tenentes32.

Revoltas de 1922 no Rio de Janeiro

Na madrugada do dia 5 de julho de 1922, o Forte de Copacabana


comeou a se levantar. A revolta planejada para dez dias depois se antecipou
no Forte, que ameaava bombardear o Palcio do Catete, sob a liderana de
Euclides Fonseca - filho do Marechal Hermes da Fonseca, Siqueira Campos,
Eduardo Gomes e Delso Mendes Fonseca.
O levante na Escola Militar foi comandado por Joo Maria Xavier de Brito,
coronel veterano do combate a Canudos, que era diretor da Fbrica de
Cartuchos do Realengo e tentou encaminhar os 638 alunos revoltados para a
Vila Militar. No meio do caminho, os cadetes foram recebidos bala, retornaram
e acabaram presos.33
O Forte de Copacabana comeou ento o ataque capital federal,
todavia:

O governo no receava o bombardeio da cidade. (...) A preciso, os


estragos causados e o nmero de vtimas, alarmaram as autoridades,
abaladas em sua confiana. O Q.G. foi mudado s pressas para o
Quartel do Corpo de Bombeiros, na outra face do Campo de Santana.
Ainda a no se sentiram em segurana. Transferiram-se para outro
quartel dos bombeiros, no largo Humait. Conseguindo atirar por cima
das montanhas, os artilheiros de Copacabana tinham a cidade sua
merc.34

31 MAYNARD, Andreza Santos Cruz. A caserna em polvorosa: a revolta de 1924 em Sergipe.


Dissertao (Mestrado em Histria). Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2008, p. 66
e 76.
32 CARVALHO, Jos Murilo. As foras armadas na Primeira Repblica: o poder desestabilizador.

In PINHEIRO, Paulo Sergio (Org.). Histria Geral da Civilizao Brasileira. Tomo 3 - O Brasil
Republicano, Vol. 9 Sociedade e instituies (1889-1930). So Paulo: Bertrand Brasil, 2006, p.
225.
33 SILVA, op. cit., p. 189 e 192.
34 Ibidem, p. 126 e 127.

21
Para combater os rebeldes foram organizados os Fortes de So Lus e
Imbu, em Niteri, alm de navios da Marinha e hidroavies. Pela manh, o Forte
do Vigia, levantado em apoio ao de Copacabana35, foi dominado por legalistas,
assim como a Vila e a Escola Militar, restando apenas o levante no Forte de
Copacabana.36
Na manh do dia 6, o capito Eurico Gaspar Dutra, um dos encarregados
de reprimir a revolta, ordenou que os navios encouraados So Paulo e Minas
Gerais, juntamente com o destroyer Paran, abrissem fogo contra o Forte.
Todavia, o ataque foi respondido a canhes por Siqueira Campos e os navios
recuaram 37.
Informados pelo prprio ministro da Guerra, Calgeras, que eram a nica
unidade ainda revoltada, este sugeriu que se rendessem. As opinies sobre a
continuidade do movimento entre os revoltosos divergiam e Euclides Fonseca
dispensou os que eram a favor da rendio, sobrando apenas ele juntamente
com mais 28 homens.38 Ao sair do Forte para negociar com o governo, o capito
Euclides Fonseca foi preso no Catete. Conforme depoimento:

Por volta de sete horas s se encontravam no Forte o comandante


Euclides Hermes, o depoente [Siqueira Campos], os tenentes Eduardo
Gomes e Nilton Prado e Mrio Carpenter, dois sargentos-eletricistas,
um cabo-artilheiro, algumas praas e quatro civis, perfazendo um total
de 28 pessoas. Todas elas estavam resolvidas a no se entregar em
hiptese nenhuma.39

Do Palcio do Governo, Euclides Fonseca telefonou para Siqueira


Campos para que se rendessem. Contrariando a oferta, o tenente props a
marcha at o Palcio do Governo, para que no houvesse mais bombardeios
para castigar a populao. Segundo relatos, Siqueira Campos escreveu os 28
nomes40 em uma parede do Forte, pegou a bandeira nacional e a cortou em

35 Ibidem, p. 120.
36 Ibidem, p. 121 e 122.
37 Ibidem, p. 129 e 130.
38 Ibidem, p. 132.
39 Idem.
40 Seriam os 28 listados: os 1s tenentes Antnio Siqueira Campos e Eduardo Gomes; 2 s

tenentes Nilton Prado e Mario Tamarindo Carpenter; 1 mecnico eletricista Jos Pinto de
Oliveira; auxiliar de mecnico Artur Pereira da Silva; cabo Raimundo de Lima Cruz; soldados
Manoel Antnio dos Reis, Benedito Jos do Nascimento, Antnio Camilo de Freitas, Jos
22
pedaos, distribuindo entre os presentes, guardando consigo um a mais para
Euclides Fonseca.41
Ao incio da marcha pela Avenida Atlntica quatro soldados resolveram
ficar no forte. De um grupo de civis que se encontravam frente do Forte, dois
se voluntariaram e solicitaram que fossem armados. Aps o embate com
legalistas enquanto se dirigiam ao Palcio do Catete, vrios corpos ficaram pelo
caminho como Nilton Prado, Mario Tamarindo Carpenter, o eletricista Jos Pinto
de Oliveira, dois soldados do Forte de Copacabana no identificados, o civil
Otvio Correia, o corneteiro Manoel Antonio dos Reis e Hildebrando da Silva
Nunes 42.
Por fim, todos os envolvidos que sobreviveram ao combate foram presos
e processados. Esses processos desenrolaram-se durante um rigoroso estado
de stio, permeados por prises polticas e censura imprensa. Por outro lado,
os presos e foragidos continuavam a conspirar43. A sequncia de represso e
negativa de anistia contriburam para a continuao do movimento e para o
aumento de adeses44. Alm disso, seguiu-se uma sucesso de quebra de
costumes para os militares, vista por eles como uma afronta. Oficiais do exrcito
foram aprisionados juntamente com civis nas mesmas condies, e houve,
ainda, a quebra de hierarquia, por exemplo, com generais sendo presos por
inspetores, e a realizao de julgamentos do processo em foro civil.45

Arthur Bernardes, com sua posse, deu continuidade ao estado de stio


decretado por Epitcio Pessoa aps o levante do Forte de Copacabana. No incio
de seu governo, interveio no estado do Rio de Janeiro, depondo o presidente de

Rodrigues da Silva, Jos Joaquim da Costa, Jos Olmpio de Oliveira, Manoel Ananias dos
Santos, Heitor Ventura da Silva, Pedro Ferreira de Melo, Marcelo Miranda, Jos Rodrigues
Marmeleiro, Hildebrando da Silva Nunes, Francisco Ribeiro de Freitas, Rosendo Cardoso,
Alberto Alves da Cunha Machado e Sandoval Alexandre Vicente; civis Joo Antnio Falco de
Melo, Antnio Luciano da Silva, Manoel Felipe da Costa, Lourival Moreira da Silva, Joaquim M.
Pereira Jr. Ibidem, p. 180 e 181.
41 Ibidem, p. 137 e 138.
42 Ibidem, p. 145 e 165.
43 Ibidem, p. 235.
44 MAYNARD, op. cit., p. 66.
45 Ibidem, p. 24.

23
estado Raul Fernandes. Na Bahia, J.J. Seabra, oposicionista de Bernardes, foi
obrigado por foras federais a deixar seu cargo. O mesmo aconteceu no
Maranho46. Foi aprovada ainda a Lei da Imprensa, apelidada pelo povo de "Lei
Infame", e aos revoltosos de 1922, que esperavam a anistia, coube a acusao
de golpe contra o poder estabelecido.
O autoritarismo de Bernardes tambm incomodava amplos setores, como
se observa nesse trecho de Anita Prestes:

Pela Avenida Rio Branco ecoavam as estrofes da popular marchinha


Seu M!47, cantada com entusiasmo tanto por civis quanto por
militares, muitos ostentando orgulhosamente suas fardas, em claro
desafio ao poltico de Viosa. A indignao popular, de propores
jamais vistas nas ruas da capital da Repblica, em relao a um
candidato sucesso presidencial, constitua um indicador de que a
campanha eleitoral entrara numa nova fase. (...) a indignao
generalizada, que ia tomando conta da Nao, levaria a opinio pblica
a tornar-se cada vez mais descrente da soluo pelo voto, que teria
que ser obtida nos marcos da "poltica dos governadores" e do sistema
eleitoral fraudulento que lhe era inerente. (...) os militares quando
amplos setores populacionais, mobilizados pela campanha da Reao
Republicana, se voltavam para outro tipo de soluo: extra-legal e
"revolucionria"48.

46 SODR, Nelson Werneck. Histria Militar do Brasil. 2 Ed. So Paulo: Expresso Popular,
2010, p. 268-269.
47 O Z Povo quer a goiabada Campista

Rolinha desista / Abaixe esta crista


Embora se faa uma "bernarda"
A cacete / No vais ao Catete
No vais ao Catete
Ai seu M / Ai M M
L no Palcio das guias, ol
No hs de pr o p
O queijo de Minas t bichado
Seu Z / No sei porque
No sei porque
Prefira bastante apimentado, Yay
O bom vatap / O bom vatap
Marchinha datada de 1922, de autoria de Freire Jr. e Careca (Lus Nunes Sampaio), montada a
partir de trs sucessos da poca. Foi proibida pela polcia, que chegou a recolher gravaes. Os
autores a assinaram como "Canalhas das Ruas", mas foram descobertos, sendo Freire preso e
Lus escapou se escondendo. "Seu M", presente na letra, era apelido de Bernardes, tanto que
o encontramos em algumas correspondncias que estudamos, bem como "rolinha". A
preferncia ao vatap, na letra, no lugar do queijo de Minas bichado se refere disputa poltica
entre J. J. Seabra, baiano, e Arthur Bernardes, mineiro.
http://www.franklinmartins.com.br/som_na_caixa_gravacao.php?titulo=ai-seu-me Acesso em
06/10/2015.
48 PRESTES, op. cit., p. 64.

24
O Rio de Janeiro em 5 de julho de 192249

Revolta de 1924 em So Paulo

A tenso crescente entre o Exrcito e o Governo Federal, resultou na


ecloso de uma rebelio de militares, com auxlio de membros da Fora Pblica
e com significativo envolvimento de civis em So Paulo durante o segundo
aniversrio da primeira revolta, em 5 de julho de 1924.
Ao se buscar um chefe para a nova rebelio ficou definido que se fazia
necessrio que este no estivesse envolvido nos levantes de 1922, para que
houvesse maior liberdade de movimento, e que possusse, por questo de
hierarquia, patente superior. Como no foi possvel, recorreu-se a oficiais
reformados (aposentados), e assim, foi indicado o general da Cavalaria do

49JOFFILY, Bernardo (Org.). Isto Brasil 500 Anos. Atlas Histrico. So Paulo: Grupo de
Comunicao Trs S/A, 1998, p. 115.
25
Exrcito Isidoro Dias Lopes.50 Reformado em 1923 e escolhido no ano seguinte
como lder da revoltar a eclodir, viajou pelos estados de So Paulo, Paran e Rio
Grande do Sul estabelecendo contatos nos meios militares e elaborou, junto com
Joaquim e Juarez Tvora, um plano de ocupao da capital paulista .51
Juarez Tvora sentou praa no Realengo e em 1917 iniciou os estudos
na Escola Militar, decidido a cursar Engenharia. Em 1919, serviu como estagirio
no 1 Batalho de Engenharia, na Vila Militar. No ano seguinte, serviu em
Curitiba, no 5 Batalho de Engenharia e em maio de 1921 foi promovido a 1
tenente e classificado no 4 Batalho de Engenharia, em Itajub, Minas Gerais,
onde comandou a Companhia de Telefonistas e Telegrafistas. Em 1922, foi
designado para servir como auxiliar de instrutor de Arma de Engenharia, na
Escola Militar do Realengo, substituindo Luiz Carlos Prestes que havia sido
promovido a capito e designado para comandar a Companhia Ferroviria52. Na
Escola Militar, acabou se envolvendo nos levantes daquele ano:

Participei, ativa e conscientemente, do levante militar de 5 de julho de


1922, feito como protesto contra os atos do Presidente Epitcio
Pessoa, que considerava ofensivos dignidade do Exrcito. (...) No
compareci a uma sequer das reunies do Clube Militar, que o
precederam. (...) Quando, aps a priso do Marechal Hermes, fui
notificado, por um de meus colegas instrutores da Escola Militar, de
que o levante estava marcado para a noite de 4 para 5 de julho, reiterei-
lhe, sem maiores indagaes, minha disposio de nele colaborar. E
verifiquei, ento, que ia assumir uma enorme responsabilidade, pois
estava escalado para dar o servio de oficial de dia, Escola, no
decorrer daquelas vinte e quatro horas.53

Tvora foi preso no mesmo dia em que se iniciou a revolta na Escola. Em


fins de 1923, a justia condenou os julgados nos levantes perda de patente e
excluso do Exrcito, o que o levou a desertar e a conspirar, primeiramente no
Paran. Em fins de janeiro de 1924, Juarez foi ao Rio Grande do Sul fazer
ligaes com o Batalho Ferrovirio - onde atuavam Luiz Carlos Prestes e Paulo

50 CORREA, Anna Maria Martinez. A Rebelio de 1924 em So Paulo. So Paulo: Hucitec, 1967,
p. 68.
51 MCCANN, op. cit., p. 344 e 345.
52 PRESTES, Anita Leocdia. Luiz Carlos Prestes: um comunista brasileiro. So Paulo:

Boitempo, 2016, p. 29-32.


53 TVORA, Juarez. Uma vida e muitas lutas: memrias. Vol. 1 - Da plancie borda do altiplano.

Rio de Janeiro: Editora do Exrcito, 1973, p. 115 e 116.


26
Kruger - e com as Artilharias de Santa Maria e Alegrete, entrando ali em contato
com Cordeiro de Farias. Depois se ligou ainda com as unidades militares
presentes nas cidades de So Gabriel, Pelotas, Porto Alegre e Curitiba54.
Seu irmo, Joaquim Tvora, em 1922, era comandante do 17 Batalho
de Caadores, localizado em Corumb, Mato Grosso, e liderou a revolta desta
localidade em apoio ao levante do Forte de Copacabana. Preso aps este evento
foi libertado no ano seguinte, e assim como Juarez, desertou do Exrcito e
passou a articular o prximo movimento, atuando nos estados de Santa Catarina
e Minas Gerais. Fixou-se, por fim, em So Paulo, onde visitou as guarnies
militares de Rio Claro, Itu, Jundia, Caapava e Lorena, e estabeleceu contatos
com a Fora Pblica por intermdio do major Miguel Costa55, comandante do
Regime de Cavalaria da Fora Pblica do Estado de So Paulo e que tambm
comps a liderana do movimento na capital paulista em 1924.
Miguel Costa, por sua vez, era argentino, nascido em Buenos Aires, em
1885. Sua famlia, de origem espanhola, veio para o Brasil em 1892 quando ele
era ainda criana e se instalaram na cidade de Piracicaba. O pai de Miguel,
Jaime, era contratado por fazendeiros da regio para cuidar da escriturao de
propriedades. Em uma de suas viagens a trabalho foi morto, e sua esposa,
Dolores, ficou com os seis filhos e sem recursos financeiros. Dessa maneira, aos
12 anos, Miguel Costa foi enviado a Limeira para trabalhar em um cafezal,
empregando-se, posteriormente, como aprendiz de caixeiro e depois como
tipgrafo.56
Poucos anos depois, a famlia foi para a cidade de So Paulo, onde se
mantinham com o auxlio do dono do jornal Voz de Spaa. Residindo prximos
ao quartel da Fora Pblica, Dolores passou a servir refeies para os soldados,
a partir desta proximidade, Miguel Costa ingressou na carreira, juntamente com
outros dois irmos. 57

54 Ibidem, p. 120-130.
55 Ibidem, p. 129 e 130. ABREU, Alzira Alves de; BELOCH, Israel (Coord.). Dicionrio histrico-
biogrfico brasileiro: ps-1930. Rio de Janeiro: FGV, 2001.
56 COSTA, Yuri Abyaza. Miguel Costa: um heri brasileiro. So Paulo: Imprensa Oficial do Estado

de So Paulo, 2010, p. 18-22.


57 Ibidem, p. 23 e 24.

27
A revolta em 1924 em So Paulo, na qual Miguel foi uma das lideranas,
foi planejada em ligao com outras pelo Brasil, articuladas simultaneamente.
Isso visava garantir uma slida posio dentro da estratgia geral de luta. No
plano inicial, a cidade de So Paulo serviria como ponto de concentrao do
movimento revolucionrio a partir do estabelecimento de relaes com as
unidades localizadas em outras cidades do interior e em outros estados como
Mato Grosso, Paran, Minas Gerais, bem como com a regio do Vale do Paraba
e a descida da Serra do Mar, com a inteno de isolar a cidade do Rio de
Janeiro58.
A tomada da cidade de So Paulo se iniciou com violncia na manh do
dia 5 de julho de 1924, tida pelos rebeldes como necessria para garantir o
deslocamento e proteo das tropas revoltosas. Assim, houve a destruio
sistemtica de pontes, tneis, passagens e aterros, bloqueios de ferrovias,
cortes de linhas telefnicas e telegrficas que visava dificultar a chegada de
tropas legalistas para conter o movimento rebelde.59
O plano inicial dos revoltosos era tomar So Paulo em poucas horas,
devendo, logo em seguida, dois destacamentos mistos de tropas do Exrcito e
da Fora Pblica marchar, um em direo a Santos, atravs da So Paulo
Railway, e outro para a Barra do Pira, por meio da Estrada de Ferro Central do
Brasil. Tal estratgia visava controlar estas reas para garantir a ligao de So
Paulo com Minas Gerais e isolar a capital federal. Todavia, o plano comeou a
dar errado desde o incio de sua execuo, havendo um primeiro atraso de 20
horas na chegada de Isidoro Dias Lopes a So Paulo. Isso fez com que a
Marinha, que havia destacado no Porto de Santos, ficasse sem orientaes e,
consequentemente, no se rebelasse.60
Em So Paulo, Miguel Costa, aps assumir o comando do Regimento de
Cavalaria da Fora Pblica, conduziu a ocupao das estaes ferrovirias do

58 CORREA, op. cit., p. 79.


59 Ibidem, p. 81.
60 PEREIRA, Duarte Pacheco. 1924 O dirio da Revoluo: Os 23 dias que abalaram So Paulo.

So Paulo: Imprensa Oficial do Estado de So Paulo - Fundao Energia e Saneamento, 2010,


p. 17 e 19.
28
Norte, Sorocabana, Luz e Brs. Os tenentes Alfredo de Simas Enas, do
Exrcito, e Ari Cruz, da Fora Pblica, ocuparam a Repartio do Telgrafo
Nacional, na rua Jos Bonifcio. 61
No dia 8, houve intenso bombardeio ao Palcio dos Campos Elseos, sede
do governo estadual, e o presidente do estado Carlos de Campos, aconselhado
pelo general Estanilau Pamplona, responsvel pela segurana do palcio,
transferiu a sede do governo para a Secretaria da Justia, no Largo do Tesouro62.
No mesmo dia, o presidente do estado e sua famlia se mudaram. Aps forte
bombardeio ao prdio da Secretria da Justia, que ameaava ruir, foi instalada
provisoriamente a sede do governo paulista na antiga estao ferroviria de
Guaiana, atual regio do bairro da Penha, ponto final dos trens que chegavam
do Rio de Janeiro e do Vale do Paraba63.
Sem saber do abandono do palcio e observando com apreenso os
acontecimentos desfavorveis revolta, o general Isidoro decidiu retirar suas
tropas para Jundia. O Miguel Costa, por sua vez, ainda acreditava na
possibilidade de sucesso do movimento e se recusou a acatar a ordem do
general, que indignado, afastou-se do comando. Miguel Costa, ciente que no
resistiria apenas com seus companheiros da Fora Pblica, redigiu uma carta ao
presidente do estado, na qual se culpava pela revolta e propunha sua rendio
a partir da concesso de anistia aos seus homens64. Todavia, seu emissrio, ao
levar, no dia seguinte, a carta aos Campos Elseos, encontrou o palcio
abandonado pelas foras governistas. A constatao do abandono por parte do
governo do estado deu novo nimo aos rebeldes e fez com que os planos de
retirada e rendio fossem adiados65.
Com a ocupao militar, a vida na cidade mudou completamente. As
dificuldades impostas ao funcionamento das estradas de ferro prejudicaram a
entrada de matria-prima nas fbricas e a vinda de gneros alimentcios do

61 Ibidem, p. 20 e 25.
62 Ibidem, p. 51.
63 Ibidem, p. 52.
64 Ibidem, p. 55.
65 Ibidem, p. 60.

29
interior para o abastecimento da cidade. Os operrios foram obrigados
abandonar o trabalho. Em relatrio, a prefeitura apontou que 212.385
passageiros deixaram a cidade pelas ferrovias, em uma mdia de 9.199 pessoas
por dia, sendo que a cidade na poca possua 800 mil habitantes66. O movimento
causou prejuzos populao e deu oportunidade para que se manifestassem
tendncias mltiplas, conforme os interesses dos grupos envolvidos. Os
operrios que j estavam insatisfeitos com o governo viam com bons olhos a
manifestao. J os donos de indstrias e armazns, tendo os seus interesses
prejudicados, encaravam a revolta como uma ruptura da ordem que deveria ser
combatida pelo Estado.
Com a falta de matria-prima e gneros alimentcios, comeou-se a
praticar saques aos armazns e depsitos de mercadorias, como ocorreu no
Mercado Municipal, por exemplo, onde o tenente Joo Cabanas se colocou como
responsvel:

Tendo verificado de visu e isto com bastante amargura, o sofrimento


de grande parte da populao pela escassez de gneros alimentcios,
deliberei atenuar esses sofrimentos, fazendo, de qualquer modo ou
meio ao meu alcance, que o comrcio de produtos de primeira
necessidade abrisse suas portas ao pblico e o abastecesse pelos
preos correntes antes da revoluo. Nesse intuito dirigi-me ao
Mercado para comear a o que tinha deliberado. As portas do
estabelecimento estavam fechadas; em volta dele, uma multido
apinhava-se furiosa e rugia reclamando ingresso aos gritos. (...) Com
o administrador do Mercado no tive bom xito. Este funcionrio
indiferente s desgraas do povo e fome que o abatia j h quatro
dias, no quis atender-me (...) O momento no importava dilaes; os
populares ansiosos esperavam uma resoluo. Resolvi tom-la
ordenando que se arrombassem as portas e os gneros fossem
distribudos gratuitamente pelas famlias pobres. Como o
abastecimento era livre, alguns abusos foram praticados apesar da
vigilncia com que se procurava evit-los. (...) 67

Os saques, como o descrito acima, eram um problema que atingia


diretamente os interesses dos industriais e comerciantes. Estes, apreensivos
com os prejuzos, tinham a Associao Comercial como sua representante e

66 AQUINO, Laura Cristina M. de. A participao de batalhes estrangeiros na rebelio de 1924


em So Paulo. Dissertao (Mestrado em Histria). Pontifcia Universidade Catlica de So
Paulo, So Paulo, 1995, p. 25.
67 CABANAS, Joo. A Coluna da Morte. So Paulo: Editora Unesp, 2014, p. 26 e 27.

30
passaram a exigir proteo da parte daqueles que haviam ocupado militarmente
a cidade68.
No dia 11, chegaram cidade de So Paulo 30 mil homens legalistas. No
mesmo dia, iniciaram-se pesados bombardeios aos bairros do Brs, Belenzinho,
Mooca e Luz, que ficaram abandonados69. As famlias mais abastadas
procuraram sair da cidade, em automveis, com destino a Santos, Jundia e
Campinas.70
Diante de tal situao, foi enviada uma mensagem telegrfica ao
presidente Arthur Bernardes, solicitando a suspenso dos ataques, onde
assinaram o arcebispo Metropolitano de So Paulo, Dom Duarte, e o presidente
da Liga Nacionalista, Frederico Steidel. Para responder, o presidente indicou o
ministro da guerra, marechal Setembrino de Carvalho, o qual props que os
paulistas fizessem apelo aos militares rebeldes, pedindo-lhes que aceitassem o
combate em campo aberto:

Os damnos materiais de um bombardeio podem ser facilmente


reparados, maiormente quando se trata de uma cidade servida pela
fecunda actividade de um povo laborioso. Mas os prejuizos moraes,
esses no so susceptiveis de reparao. Ao invez do appello feito ao
governo da Unio para no bombardear a cidade que o inimigo occupa,
seria de melhor aviso fazer um appello sua bravura, convidando-o a
no sacrificar a populao e evacuar a cidade indo aceitar combate em
campo aberto. (...) 71

Para Anna Maria Martinez Correa, tal resposta expe claramente que para
o governo tratava-se de uma situao de guerra, na qual todos os recursos eram
vlidos, inclusive os bombardeios72, pouco importando a situao em que se
encontrava a populao paulistana.
No dia 14 de julho, os canhes legalistas comearam a atacar bairros at
ento poupados, como o da Liberdade, Aclimao e Vila Mariana73,
intensificando ainda mais o xodo em direo s cidades vizinhas, que

68 SOARES, Jos Carlos de Macedo. Justia: A revolta militar em So Paulo. Paris: Imp. Paul
Dupont, 1925, p. 41-45.
69 PEREIRA, op. cit., p. 75.
70 CORREA, op. cit., p. 125.
71 Ibidem, p. 71.
72 Ibidem, p. 142.
73 PEREIRA, op. cit., p. 91.

31
comeavam a enfrentar dificuldades de abastecimento para atender a grande
populao vinda de fora74. Nos bairros operrios, o bombardeio continuava.
Segundo Cabanas,

famlias inteiras pereciam sob essa calamidade. O prprio Hospital do


Brs serviu de alvo aos tiros dessa artilharia que fez a numerosas
vtimas. (...) Vingava-se assim o governo do acolhimento que a
populao paulista dava s foras revolucionrias. 75

Depois do dia 20, os chefes das foras legalistas comearam a utilizar


tanques de guerra para combater as barricadas rebeldes76. Trs dias depois,
avies governistas soltaram na cidade folhetos assinados pelo ministro da
Guerra, solicitando que a populao abandonasse a cidade para que suas tropas
pudessem combater os sediciosos77.
O pedido no foi atendido, uma vez que era impossvel evacuar a cidade,
e fez com que a indignao popular aumentasse ainda mais. Por conta do pnico
generalizado, o general Isidoro transferiu seu quartel general para a estao da
Luz e decidiu tentar pela ltima vez uma sada negociada. Props, por intermdio
do presidente da Associao Comercial de So Paulo, a retirada das tropas com
a condio de que houvesse ampla anistia para os participantes dos movimentos
de 1922 e 1924. Contudo, a resposta do governo federal era a de aceitar
somente a rendio incondicional dos revoltosos78.
Macedo Soares escreveu ento ao general Scrates, acusando as
autoridades federais e o comando das tropas legais de desconhecerem a
realidade e advertiu acerca da agitao social, que comeou a aflorar na cidade
por conta do intenso bombardeio, e que passou a ser uma nova preocupao
para as classes abastadas.79

74 CORREA, op. cit., p. 125.


75 CABANAS, op. cit., p. 44.
76 OLIVEIRA, Nelson Tabajara de. 1924: A Revoluo de Isidoro. So Paulo: Companhia Editora

Nacional, 1956, p. 99.


77 TAVORA, Juarez. A Guisa de Depoimentos sobre a Revoluo Brasileira de 1924. Vol. 1. So

Paulo: O Combate, 1927, p. 147 e SOARES, op. cit., p. 116.


78 PEREIRA, op. cit., p. 148.
79 DUARTE, Paulo. Agora Ns! Crnica da Revoluo Paulista So Paulo. So Paulo: Imprensa

Oficial do Estado de So Paulo, 2007, p. 187-189.


32
Por fim, constatando a grandeza da fora legalista, que contava com 18
mil homens contra os 7 mil revoltosos, o comando revolucionrio decidiu retirar-
se da cidade enquanto era possvel. A situao em So Paulo s poderia ser
aliviada com levantes no Rio de Janeiro e em Minas Gerais80 que estavam
fortemente ocupados por foras legalistas. Sendo assim, as tropas
revolucionrias adotaram outra estratgia e organizaram uma nova marcha,
rumo ao sul do Brasil, articulada sistematicamente.
Para a retirada, foram utilizados carros e caminhes para o deslocamento
rpido das tropas. Concentraram os vages de toda espcie nas estaes da
So Paulo Railway, desde a Luz at a Lapa, e incumbiram-se pequenos
destacamentos, sob os comandos de Manoel Pires, Nelson de Melo e Ricardo
Hall, de garantir a cobertura dos embarques, que teve incio s 22h do dia 27 de
julho, quando o primeiro comboio de tropas rebeldes saiu da estao da Luz. Na
madrugada da segunda-feira, a evacuao estava feita. 3500 soldados haviam
deixado a capital com quatorze canhes e grande quantidade de animais,
mantimentos e munio. Quando o ltimo trem partiu, os rebeldes abandonaram
os dois canhes que disparavam para confundir as tropas governistas 81, que
somente perceberam a evacuao das tropas rebeldes no outro dia pela
manh82.

80 PEREIRA, op. cit., p. 153 e 154.


81 Idem.
82 Ibidem, p. 159.

33
A Revoluo de 1924 em So Paulo83

Com o fim do conflito na cidade, o saldo de vtimas parou em 503 mortos


e 4.846 feridos. Segundo Carlos Bacellar, no h dvida de que morreu mais
gente. Consta que Arthur Bernardes mandou suspender a contagem dos
mortos. Houve fuzilamentos sumrios, sepultamentos em covas coletivas. 84
Alm disso, devemos levar tambm em considerao a grande quantidade de
cadveres que foram sepultados fora dos cemitrios e que provavelmente no
esto inseridos nestes nmeros, conforme pudemos notar a partir de um
exemplar de primeiro de agosto de 1924 do Jornal do Comrcio:

Cadveres insepultos. A Diretoria de Higiene Municipal pede, por


nosso intermdio, s pessoas que souberem onde se encontram
cadveres no sepultados ou sepultados fora dos cemitrios, avisar,
mesma Diretoria, na Prefeitura Municipal 85

83 JOFFILY, op. cit., p. 115.


84 Um liberal movido pelo amor ao Pas. O Estado de S. Paulo, So Paulo, 12 de julho de 2009,
p. 10.
85 AQUINO, op. cit., p. 38.

34
Para Ilka Cohen, foram mortos 723 civis, segundo o nico registro que
restou pertencente Santa Casa. Em mdia 30 cadveres e 100 feridos86 por
dia na cidade, alm das dificuldades impostas pela falta de abastecimento. Trata-
se, talvez, do maior massacre urbano realizado durante os governos
republicanos87.
Aps sarem da cidade de So Paulo, reagruparam-se em Bauru, no dia
29 de julho, com 3.000 pessoas88, e executaram o primeiro plano rebelde:
avanar sobre Porto Presidente Epitcio, para transpor o rio Paran e formar um
"Estado livre revolucionrio" no sudoeste de Mato Grosso. Conseguiram ocupar
a localidade em 6 de agosto e a rebatizaram de Porto Joaquim Tvora, tenente
falecido no dia 19 de julho de 1924 aps ser ferido em combate. Depois de vrios
confrontos com tropas legalistas, os rebeldes foram fortemente atacados em
Trs Lagoas e resolveram seguir rumo aos estados do Paran, Santa Catarina
e Rio Grande do Sul, com a inteno de sublevar o sul do pas com a ajuda dos
"libertadores" de Assis Brasil e de outros oficiais rebeldes, como Luiz Carlos
Prestes e o tenente Siqueira Campos, vindo da Argentina, onde se encontrava
exilado89.
Outras cidades pelo interior do estado de So Paulo tambm se
revoltaram em 1924. Segundo Clifford Welch, "registros policiais mostravam
'atos de evidente rebelio' (...) em 87 muncipios do interior, e manifestaes de
apoio para a rebelio em outros 37"90.
Em Jundia, o 2 Grupo de Artilharia da Montanha se levantou, assim
como So Paulo, no dia 5 de julho. A ligao com a revolta em So Paulo se
deu, principalmente, atravs do tenente intendente do 2 Grupo de Artilharia de
Montanha Joaquim Nunes de Carvalho, que tambm escrevia sob o pseudnimo

86 COHEM, Ilka Stern. Bombas sobre So Paulo: A revoluo de 1924. So Paulo: UNESP, 2006.
87 ROMANI, Carlo. Antecipando a era Vargas: a Revoluo Paulista de 1924 e as prticas de
controle poltico e social. Topoi. Vol. 12. Rio de Janeiro, 2011, p. 161.
88 TVORA, Juarez. Uma vida e muitas lutas: memrias. Vol. 1 - Da plancie borda do altiplano.

Rio de Janeiro: Editora do Exrcito, 1973, p. 145.


89 PEREIRA, op. cit., p. 95 e 160.
90 WELCH, Clifford Andrew. A semente foi plantada: as razes paulistas do movimento sindical

campons no Brasil, 1924-1964. So Paulo: Expresso Popular, 2010, p. 70.


35
de Voltaire91 e que frequentava as reunies de planejamento na casa do tenente
Custdio de Oliveira, em So Paulo. Segundo a Denncia "vivia em constantes
viagens, a pretexto de desempenhar as funces do seu cargo de intendente,
mas, ao depois, se soube que elle fazia ligao entre a sua unidade e os demais
nucleos preparadores da rebellio"92.
Assim que o Grupo se revoltou, este foi dividido em dois, um que ficou na
cidade, protegendo-a dos legalistas, e outro que seguiu para So Paulo. Newton
Brayner Nunes da Silva, primeiro-tenente que ficou em Jundia para guardar o
quartel, convocou reservistas e simpatizantes a se apresentarem. Em seguida,
organizou um contingente de 30 homens que seguiu para Campinas, cidade
tambm revoltada, para proteg-la de foras legalistas mineiras.93
Em Campinas e regio, o vereador lvaro Ribeiro foi nomeado em 10 de
julho governador revolucionrio da cidade pelo tenente coronel Olyntho Mesquita
de Vasconcellos, de Jundia. Alm dos servios administrativos rotineiros, lvaro
Ribeiro tomou posse do telgrafo e nomeou pessoas para cargos, como por
exemplo, Tasso de Magalhes, que foi nomeado para censor dos jornais locais
Gazeta de Campinas e Dirio do Povo. Ainda nomeou um fiscal do expurgo de
caf, autorizou o Gerente da Limpeza Pblica a contratar mais 20 trabalhadores
para o seu servio e abriu um crdito de 20:000$ para socorrer os refugiados de
So Paulo e atender despesas de emergncia e de salvao pblica, uma vez
que Campinas foi uma das cidades que mais recebeu refugiados paulistanos.

Calcula o governo que, at hontem, [17 de julho de 1924] haviam


entrado em Campinas nada menos de 25.000 pessoas, sendo que
20.000 se achavam recolhidas nos postos, 10.000 em casas
particulares e 5.000 em fazendas do municipio.94

Suspeitando de tropas legalistas em Mogi-Mirim, lvaro Ribeiro solicitou


ao quartel de Jundia, no dia 17, reforo de tropas. No dia seguinte, passou pela

91 OLIVEIRA, op. cit., p. 31.


92 Successos Subversivos de So Paulo. Denuncia apresentada ao Exmo. Sr. Dr. Juiz Federal
da 1 Vara de So Paulo pelo Procurador Criminal da Republica, em commisso no Estado de
So Paulo. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1925, p. 134
93 Ibidem, p. 132.
94 Uma visita a Campinas. O Estado de S. Paulo, So Paulo, 18 de julho de 1924, p. 3.

36
regio o tenente Cabanas e sua coluna, da qual trataremos mais frente,
expulsando as tropas legalistas95.
Data de abril o incio da conspirao no 4 Regimento de Artilharia
Montada de Itu, atravs de Joaquim Tvora e de oficiais de Jundia. O levante
aconteceu em 8 de julho, quando o comandante do regimento foi preso pelo
tenente Alcides Teixeira de Araujo, frente de um grupo de sargentos. Boa parte
dos revoltosos partiu no dia seguinte para So Paulo e o restante ficou tomando
conta da cidade, na qual o capito dr. Oscar de Sampaio Vianna, mdico da
unidade militar local, ficou como prefeito at o dia 27.96
Em Caapava, a maioria da oficialidade do 6 Regimento de Infantaria ali
aquartelado estava envolvida com o movimento. O tenente Luiz Cordeiro de
Castro Afilhado, que participava das reunies de planejamento do levante, era a
principal ligao da regio com os revoltosos de So Paulo, e seguiu no dia 4
para a capital paulista a fim de ajudar no levante do 4 Batalho de Caadores97.
Em Lorena, o 5 Regimento de Infantaria foi enviado sob o comando do
tenente Azaury de S Brito e Souza, para enfrentar os rebeldes em So Paulo,
embarcando no dia 6. Chegando ao destino, o Regimento se incorporou s
foras revoltosas em So Paulo. O mesmo ocorreu com 6 Regimento de
Infantaria de Caapava98, comandado pelo major Raul Dowsley Cabral Velho.
Ambos os comandantes frequentavam as reunies de planejamento na casa do
tenente Custdio de Oliveira em So Paulo.99
Neste contexto, de disseminao da revolta pelo interior do Estado de So
Paulo, uma figura importante foi o tenente da Fora Pblica Joo Cabanas100,
que comandava a chamada Coluna da Morte.

95 Successos Subversivos de So Paulo, op. cit., p. 148-150.


96 Ibidem, p. 15 e 16.
97 TVORA, op. cit., p. 132
98 Successos Subversivos de So Paulo, op. cit., p. 57.
99 TVORA, op. cit., p. 132
100 Joo Cabanas nasceu na cidade de So Paulo em de junho de 1895, filho dos imigrantes

espanhis Artur e Maria Cabanas. Iniciou os estudos no Ginsio Pernambucano, em Recife, e


de volta a So Paulo cursou a Faculdade de Direito e a Escola de Oficiais da Fora Pblica. IN:
ABREU; BELOCH (Coord.), op. cit. Disponvel em
http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-
republica/CABANAS,%20Jo%C3%A3o.pdf Acesso em 11 de setembro de 2016.
37
No livro de Cabanas sobre o movimento, publicado pela primeira vez em
1926, ele escreveu que no estava inserido no planejamento inicial do levante
na cidade de So Paulo, mas assim que este se iniciou no quartel do Regimento
de Cavalaria da Fora Pblica, comandado por Miguel Costa, aderiu de
prontido. De incio, recebeu ordens para ocupar a estao da Luz a fim de
impedir o trfego para o Rio de Janeiro. Alm de cumprir a tarefa, estabeleceu
na cidade servio de espionagem atravs da ao de civis.101
Aps a traio do tenente Jos Frana de Oliveira, que era o encarregado
de ocupar a Estrada de Ferro Sorocabana, Cabanas passou a ocup-la a partir
do dia 7 de julho. Ainda organizou algumas patrulhas policiais em So Paulo,
buscando inibir saques e fixou os preos dos gneros de primeira necessidade,
sob pena de morte aos comerciantes que no cumprissem, buscando amenizar
o sofrimento da populao.102
No dia 18, foi mandado para a cidade de Mogi Mirim para impedir a
concentrao de tropas legalistas que estava ocorrendo ali, bem como a
retomada de Campinas e o avano sobre So Paulo103.

Assumi o comando dos 95 homens de infantaria, batizados com o


pomposo nome de "batalho", bem armados e municiados, possuindo,
alm disso, uma pea de artilharia de montanha, trs metralhadoras
pesadas e quatro fuzis metralhadoras. Fui para a estao da Luz, onde
tomei o trem104.

Pelo caminho, passaram pelas cidades de Jaguari, Amparo e Itapira,


aonde chegaram no dia 21 e encontraram a guarnio militar local j levantada.
Na ocasio, Cabanas nomeou uma comisso para o governo local105. Por fim,
chegaram a Mogi Mirim, onde 60 legalistas foram capturados e integrados s
foras de Cabanas.
A tropa de Joo Cabanas chegou a Campinas na noite do dia 24, sendo
aclamada no desembarque pela populao local. Segundo o comandante:

101 CABANAS, op. cit., p. 5-8.


102 Ibidem, p. 12-26.
103 Ibidem, p. 53.
104 Ibidem, p. 55.
105 Successos Subversivos de So Paulo, op. cit., p. 157.

38
"pode-se dizer que a populao de Campinas ali estava em peso, sem distino
de classes. O desembarque foi efetuado sob aclamaes".106
Em Esprito Santo do Pinhal, para onde seguiram a fim de dispersar
legalistas ali acumulados, a tropa de Cabanas passou a ser chamada de Coluna
da Morte:

A disposio moral do punhado de bravos que eu comandava era tal,


que nenhum soldado tinha sequer a esperana de sair com vida da
revoluo. Espontaneamente cada um renunciou a vida em benefcio
da causa que defendia, pedindo sempre ser colocado nos postos de
maiores sacrifcios. por isso que depois da tomada de Pinhal os
soldados comearam a chamar de "Coluna da Morte" o batalho que
organizei e que estava sob meu comando.107

As tropas retiradas de So Paulo e as que ocupavam o interior


marchavam em flancos pelos meses que seguiram, passando pelos rios
Paranapanema, na divisa dos estados de So Paulo e Paran, e Paran, na
divisa com Paraguai, chegando Serra de Medeiros em 26 de dezembro, onde
houve durante semanas intensos combates108.
Na regio de Catanduvas tambm ocorreram confrontos. Estes duraram
de incio de janeiro at 30 de maro de 1925, tendo os rebeldes lutado na
proporo de quatro legalistas para um revoltoso, e, ao fim, bateram em retirada
para Cascavel, dadas as desigualdades em tropas, armamentos e munio
disponveis. De Cascavel, em contato com as tropas de Prestes, combinaram de
seguir para Santa Helena para unirem foras e de l marcharem para o Mato
Grosso, atravs do territrio paraguaio.109

Revolta de 1923 e 1924 no Rio Grande do Sul e o surgimento da Coluna


Miguel Costa - Prestes

Na disputa presidencial de 1922 no estado do Rio Grande do Sul, a vitria


e nomeao de Arthur Bernardes garantiram o apoio do governo federal s

106 CABANAS, op. cit., p. 72.


107 Ibidem, p. 77.
108 Ibidem, p. 140, 160-167, 184 e 188.
109 Ibidem, p. 245.

39
oposies gachas, que, em contraposio candidatura de Borges de
Medeiros em mbito estadual, tinha na figura de Assis Brasil o representante dos
antigos democratas, federalistas e dissidentes republicanos.
A reeleio de Borges de Medeiros em 1923 foi fortemente contestada
pela oposio que a acusava de ter sido fraudulenta. A partir desta acusao, se
iniciou o movimento armado com a inteno de depor Medeiros ou provocar
interveno federal, que ocorreu oito dias aps a apurao da comisso que
declarou vitria ao candidato. Neste movimento armado, destacaram-se alguns
caudilhos como Zeca Neto, Leonel Rocha e Honrio Lemes, que tiveram tambm
importante participao na Coluna Miguel Costa - Prestes.
Da interveno, realizada pelo ento ministro da Guerra, general
Setembrino de Carvalho, foi assinada em dezembro de 1923 uma tentativa de
pacificao com o Pacto de Pedras Altas, que colocou fim s reeleies, ao voto
aberto e nomeao dos vice-presidentes e vice intendentes municipais no Rio
Grande do Sul110.
Diante das permanentes agitaes na regio, Setembrino permaneceu no
estado a fim de investigar e desmobilizar foras gachas ainda revoltosas,
constitudas tanto por civis quanto por militares. No Paran, Joaquim de
Magalhes Barata agitou guarnies que pretendiam prender Setembrino em
Ponta Grossa, na sua volta ao Rio Grande do Sul. Simultaneamente, conforme
o planejado, iriam se amotinar tropas no Rio de Janeiro ligadas as do sul por
intermdio do capito Leopoldo Nri da Fonseca. Todavia, o plano foi
descoberto, Barata foi preso e enviado a Manaus111. Em 1924, guarnies
militares localizadas no rio Amazonas, nos estados do Amazonas e Par, se
levantariam com o seu auxlio, como veremos mais adiante.
Luiz Carlos Prestes, em 1922, preparava a Companhia Ferroviria de
Deodoro, localizada no Rio de Janeiro, onde servia, para os levantes que

110 MOREIRA, Regina da Luz. "Revoluo Gacha de 1923" in


http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-
republica/REVOLU%C3%87%C3%83O%20GA%C3%9ACHA%20DE%201923.pdf Acesso em
14/10/2015.
111 BASTOS, op. cit., p. 129.

40
ocorreriam na cidade. Todavia, na vspera, ficou bastante debilitado, com tifo, e
sua companhia no se revoltou conforme o combinado. Retornando ao trabalho
aps o fim de sua licena mdica, meses aps os levantes, foi transferido para
o 1 Batalho Ferrovirio de Santo ngelo, no Rio Grande do Sul.
Na regio das Misses, noroeste do estado do Rio Grande do Sul,
formava-se um pequeno ncleo conspiratrio, tendo Prestes em Santo ngelo,
com o 1 B.F.; Joo Pedro Gay, em So Luiz Gonzaga com o 3 Regimento de
Cavalaria Independente; Anbal Benvolo em So Borja, com o 2 Regimento de
Cavalaria Independente, alm do 5 Regimento de Cavalaria Independente de
Uruguaiana e Siqueira Campos, no Uruguai, que fazia a ligao com os
exilados.112 Para alm da questo geogrfica que os aproximava, muitos destes
indivduos tiveram sua formao principal na Escola Militar do Realengo e j se
conheciam do perodo de sua formao no Rio de Janeiro.
Em contato com o movimento de So Paulo, ao amanhecer de 29 de
outubro de 1924, as guarnies gachas se levantaram, sendo apoiadas logo
em seguida por soldados revoltosos do 3 Grupo de Artilharia a Cavalo,
localizado em Alegrete, comandado pelos tenentes Joo Alberto Lins e Barros e
Renato da Cunha Melo. No dia 9 de novembro, o 3 Batalho de Engenharia, de
Cachoeira do Sul, sob o comando do Capito Fernando Tvora, irmo de Juarez
e Joaquim, tambm aderiu ao movimento, alm das foras civis dos caudilhos
Honrio Lemes, Zeca Neto, Leonel Rocha e Jlio Barros113.
Em contato com as tropas que se retiravam de So Paulo, foi decidido
seguir ao encontro das tropas paulistas. A coluna recm-formada, que se retirava
do Rio Grande do Sul contava com

cerca de 1.000 homens, dos quais 450 do 5 R.C.I., sob o comando do


Tenente-Coronel em comisso Ambire Cavalcante, e pouco mais de
500 combatentes civis, grupados em 3 "corpos" dos Coronis
maragatos Virglio Viana, Serpa e Alfredo Lemos - tudo sob o comando
do General Honrio Lemes. Por sugesto de meus camaradas do
Exrcito e com plena concordncia do general, passei a exercer as

112 PRESTES, op. cit., p. 39.


113 Ibidem, p. 49-55.
41
funes de seu chefe de Estado-Maior, sendo designado para
secretrio da Coluna o Dr. Rafael Bandeira Teixeira 114.

Com a formao da Coluna Rio Grande, Prestes assumiu seu comando.


Os revoltosos permaneceram na regio missionria por quase dois meses,
enfrentando tropas legalistas compostas por cerca de dez mil homens. Em
dezembro, conseguiram romper o cerco das foras governistas, mas sofreram a
desero de foras, principalmente daquelas lideradas por caudilhos. Seguiram
ento com cerca de dois mil homens, mal armados e mal municiados, para se
incorporarem Diviso So Paulo, que os esperava na regio do Alto Paran,
entre Foz do Iguau e Catanduvas.115
As duas colunas conseguiram se unir em 11 de abril de 1925. Segundo
Moreira Lima, os paulistas contavam com mil trezentos a mil e quatrocentos
homens e os gachos com oitocentos. Em uma carta endereada a Isidoro,
Prestes relatou: Estamos com 800 homens, dos quaes menos de 500 armados
e, tendo ao todo cerca de 10.000 tiros, possumos 10 fuzis metralhadoras116.

114 TVORA, op. cit., p. 163. Rafael Danton Garrastazu Bandeira Teixeira, primo de Emlio
Garrastazu Mdici, parece ter feito parte de um grupo que em meio juno da Coluna advinda
do Rio Grande do Sul com a de So Paulo preferiu o exlio, mas, conforme informaes contidas
em cartas, continuava ajudando o movimento na regio da fronteira. TEIXEIRA, Rafael Bandeira.
Cartas para Alfredo de Simas Eneas. Concepcin, Paraguai, 14 de outubro e 15 de novembro
de 1925. AESP Cartas da Revoluo de 1924. Ingressante da Escola Militar do Realengo em
1917, era capito em 1925 e s foi promovido novamente 1933. ABREU; BELOCH (Coord.), op.
cit. Disponvel em http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/rafael-danton-
garrastazu-bandeira-teixeira Acesso em 25/09/2016.
115 BASTOS, op. cit., p. 119 e 120.
116 PRESTES, Luiz Carlos Prestes. Carta para Isidoro Dias Lopes. Barraco, 10 de fevereiro de

1925. AESP - Cartas da Revoluo de 1924.


42
Formao da Coluna Miguel Costa - Prestes117

Outros apoios e algumas consideraes

A citao em referncia a Hidra, utilizada no comeo do captulo,


bastante sugestiva para pensarmos a formao da Coluna Miguel Costa -
Prestes. A cada corte que o governo lanceava sobre as movimentaes
iniciadas em 1922, a fim de desbarat-las, estas se regeneravam em revoltas
em outras localidades nos anos que seguiram, impulsionada com a transferncia
de soldados revoltosos. Neste sentido, em analogia figura mitolgica, seus
variados tentculos simbolizam os diversos grupos que a compunham, sendo
nossa inteno apontar ligaes pr-existentes entre estes grupos.
Um exemplo o caso do levante da 1 Circunscrio Militar em Campo
Grande, Mato Grosso, em 1922, que estava sendo organizado pelo general

117JOFFILY, op. cit., p. 117. Disponvel em http://atlas.fgv.br/marcos/tenentismo/mapas/coluna-


prestes-no-tempo-e-no-espaco Acesso em 17/01/2017. Imagem editada.
43
Joaquim Incio, que ao ser descoberto pelo governo foi transferido, deixando
seu sucessor Clodoaldo da Fonseca, tio do marechal Hermes, dando
continuidade sublevao118.
As unidades sob o comando de Clodoaldo, em Campo Grande, formaram
uma diviso, nomeada de Provisria Libertadora, que marchou para Trs
Lagoas, divisa com So Paulo. Mas, em contato com um emissrio do governo,
que os informou acerca das rendies ocorridas nos levantes no Rio de Janeiro,
a diviso entrou em acordo com o emissrio e depuseram as armas. 119
Nesta revolta, consta o envolvimento de Ebrono Dias Uruguai, que em
1924 ajudou a organizar a revolta na cidade de Rio Preto, interior de So
Paulo120; Orestes Maffrey e Orlando Leite Ribeiro, que lideraram a revolta do 4
Batalho de Infantaria em Quitana121, atual regio de Osasco; e Otvio Muniz
Guimares que ajudou no levante do Batalho de Caadores de Rio Claro e na
retirada de tropas de So Paulo pela Sorocabana e So Paulo Railway 122. Desta
maneira, podemos notar que os levantes ocorridos pelo interior de So Paulo
estavam todos interligados, no s entre si, mas tambm com aqueles ocorridos
em 1922.
A partir das revoltas ocorridas no Rio de Janeiro em 1922, vrios dos
envolvidos foram expulsos do Exrcito e retornaram a seus locais de origem
como porta-vozes do movimento que comeara na capital do pas. Por exemplo,
Manuel Xavier de Oliveira que

no ano de 1918, matriculou-se na Escola Militar do Realengo, onde


fazia o 3 ano de Infantaria, quando se envolveu nos acontecimentos
de junho de 1922. Desligado da Escola no ms seguinte regressou ao
seu Estado, onde teria grande atividade como professor e jornalista do
Correio de Aracaju123.

Em 1923, com a deciso judicial, de que os envolvidos nos levantes de


1922 seriam indiciados por golpe de estado e no como indisciplina militar, fez

118 BASBAUM, Lencio. Histria Sincera da Repblica: de 1889 a 1930. Vol. 2. 4 Ed. So Paulo:
Alfa-mega, 1976, p. 226.
119 SILVA, op. cit., p. 212 e 213.
120 Successos Subversivos de So Paulo, op. cit., p. 180.
121 Ibidem, p. 18 e 19.
122 Ibidem, p. 110 e 112.
123 DANTAS, op. cit., p. 84.

44
com que muitos deles preferissem "fugir a deixar-se apanhar num julgamento
que lhes poderia ser fatal"124. Foi a partir do ncleo constitudo pelos envolvidos
em 1922, que se iniciaram as conspiraes que resultaram nos movimentos que
vieram a acontecer em 1924 e perduraram at incio de 1927.
Conforme consta na Denncia dos indiciados pelo levante em So Paulo
em 1924,
logo que na Capital Federal foi decretada a pronuncia dos officiais do
Exercito envolvidos nos criminosos successos de 1922 uma grande
parte dos pronunciados, fugindo ao mandado de priso, veiu homisiar-
se em So Paulo, e aqui permaneceu, sob disfarce, trabalhando
intensa e activamente, com um enthusiasmo que tocava s raias do
fanatismo, na propaganda da nova mashorca. (...) Na Rua Vautier, n.
27, onde o Tenente Custodio de Oliveira, do 2 Grupo Independente de
Artilharia Pesada, aquartelado em Quitana, mantinha uma espcie de
"republica", assiduamente freqentada, ou eventualmente habitada
pelos organizadores do plano subversivo; na Rua da Fabrica, n. 6,
onde residia o Tenente Henrique Ricardo Hall, e se hospedavam ou se
reuniam os Capites Octavio Muniz Guimares, Joaquim e Juarez do
Nascimento Fernandes Tvora e os Tenentes Victor Cesar da Cunha
Cruz, Granville Bellerophonte de Lima e Eduardo Gomes, todos
desertores do Exercito, foragidos da justia; no escriptorio do dentista
Jos Paulo de Macedo Soares, Rua da Quitanda, n. 14; na casa do
individuo Waldomiro Rosa, Travessa Frederico Alvarenga, n. 46; na
casa do Major Miguel Costa, fiscal do Regimento de Cavallaria da
Fora Publica, e nesse prprio Regimento, as reunies dos
conspiradores se succediam, e o estudo dos planos da mashorca
proseguia com uma perfeio de clculos (...). Os officias desertores
do Exercito, aqui homisiados, procuraram no subterfgio da troca de
nomes uma vlvula de segurana para o tranqilo e pleno exito de sua
ininterrupta e tenaz actividade subversiva.125

O prprio governo e seu sistema de represso contriburam para o


desenvolvimento dos movimentos. A partir do julgamento dos envolvidos em
1922, notamos a solidariedade da classe com a ecloso de movimentos em
diversos espaos militares no pas. Entretanto, a conspirao no se detinha
apenas no mbito militar. Como vemos no trecho acima, constam entre "os
organizadores do plano subversivo" os civis Jos Paulo de Macedo Soares e
Waldomiro Rosa.
Segundo Juarez Tvora, a deciso da justia o levara a desertar e
conspirar, primeiramente no Paran. Depois seguiu para Florianpolis,

124 BASTOS, op. cit., p. 104.


125 Successos Subversivos de So Paulo, op. cit., p. 4 e 5.
45
mantendo contatos com antigos elementos civis do Contestado e por fim fixou-
se em So Paulo, visitando as guarnies de Rio Claro, Itu, Jundia, Caapava
e Lorena, alm da Fora Pblica por intermdio de Miguel Costa.126
Outro caso que nos auxilia na compreenso das revoltas de 1922 como
propagadoras de outras o levante que ocorreu em Sergipe. Iniciado em
Aracaju, no domingo de 13 de julho de 1924, oito dias aps a ecloso do de So
Paulo, este teve como lderes o capito Eurpedes Esteves de Lima, que
comandava a Companhia de Metralhadoras Mistas, os 1 s tenentes Augusto
Maynard Gomes e Joo Soarino de Mello, todos oficiais do 28 Batalho de
Caadores de Sergipe, e Manuel Xavier de Oliveira.
Na dcada de 1920, o quartel do 28 B.C. estava localizado no centro da
cidade de Aracaju, o que proporcionava aos militares proximidade com as ruas
e com os civis127. Segundo o que o tenente Maynard explicou imprensa
sergipana posteriormente, o levante tinha em vista apoiar a revolta iniciada em
So Paulo contra o governo de Arthur Bernardes, mas perante a impossibilidade
de se deslocar at l, viu-se maior eficincia em um levante local, buscando
reunir outras foras da regio.128
Todavia, outros motivos se adicionavam, pois o Jornal do Povo, que
circulava em Sergipe no perodo, vinculou a tumultuosa questo das Cartas
Falsas, subsequente priso de Hemes da Fonseca e ao fechamento do Clube
Militar, bem como s revoltas ocorridas nos quartis pelo Brasil afora. Dessa
maneira, os militares sergipanos estavam inteirados dos ataques do governo
categoria.
Maynard e Soarino j se envolviam, em Aracaju, na Campanha pelo voto
secreto, liderada pelo almirante reformado Amyntas Jorge 129. Alm disso,
tiveram participao no levante da Escola Militar no Rio de Janeiro em 1922, o
que indica a existncia de uma conexo mais profunda da revolta em Aracaju
com as outras revoltas do sul e sudeste.

126 TVORA, op. cit., p. 129.


127 DANTAS, op. cit., p. 86.
128 Ibidem, p. 86 e 97.
129 Ibidem, p. 82 e 88.

46
Soarino de Mello terminou a Escola Militar em 1921, ano em que voltou
para Sergipe. Manuel Xavier de Oliveira ingressou na mesma escola em 1918 e
em 1922, por conta de envolvimento na revolta, foi desligado do Exrcito e
retornou para sua cidade de origem, onde foi professor e jornalista do Correio de
Aracaju. Maynard, por sua vez, como aluno da Escola Militar, participou da
revolta da vacina em 1904 e em virtude disso foi expulso, retornando tambm
para Aracaju. No governo de Afonso Pena foi anistiado e em 1922 j cursava a
Escola de Aperfeioamento para Oficiais como tenente. Envolvido nos levantes
daquele ano, foi preso e enviado Ilha das Cobras, de onde fugiu e retornou
para Sergipe.130
Para alm da causa poltica afirmada pelos revoltosos de Aracaju em
1924, contrria ao governo de Bernardes, podemos apontar outros motivos
internos ao Exrcito presentes tambm nos outros movimentos, como, por
exemplo, o atraso no pagamento dos soldos. Consta, por exemplo, que em
novembro de 1923 os praas do 28 B.C. estavam h dois meses sem receber
os vencimentos. Neste mesmo perodo, em dezembro, a unidade foi enviada de
trem para Salvador para depor o governador do estado Jos Joaquim Seabra,
uma das maiores figuras antibernardistas no momento. Nesta ocasio, o tenente
Augusto Maynard tentou convencer Seabra a lhe fornecer homens para garantir
sua permanncia no Palcio do Governo131.
No mesmo dia da ecloso do levante em So Paulo, 5 de julho, alguns
oficiais sergipanos foram chamados ao quartel e tiveram conhecimento sobre o
movimento paulista. Dois dias depois receberam um despacho telegrfico do
Ministrio da Guerra que lhes ordenava a se aprontarem para seguir para ao Rio
de Janeiro assim que possvel132, a fim de conter os levantes no Sudeste. O
andamento da revolta em So Paulo fazia com que o governador de Sergipe e o
chefe de polcia indicassem que o embarque para a conteno deste movimento
ocorreria logo, e, por conta disso, os tenentes em Aracaju resolveram antecipar

130 Ibidem, p. 84 e 85
131 MAYNARD, op. cit., p. 33.
132 Ibidem, p. 42.

47
o levante planejado para a regio.
Com a ecloso da revolta, em poucas horas os revoltosos ocuparam o
Palcio do Governo estadual, prenderam o governador do estado e tomaram a
estao dos telgrafos, suas oficinas e depsitos, com a inteno de isolar as
linhas telegrficas em Aracaju para que as comunicaes diretas entre Bahia e
Pernambuco no fossem interceptadas pelo governo133 Em poucos dias
conseguiram levantar tambm algumas cidades pelo interior do estado.
Buscando o apoio de outras regies, os revoltosos em Sergipe enviaram
telegramas para batalhes em Macei, Paraba, Natal, Fortaleza, So Lus,
Teresina, Belm e Manaus. A partir desta ligao, oito dias depois, o 27
Batalho de Caadores de Manaus iniciou um levante na cidade134.
Em 2 de agosto policiais trocaram tiros com alguns revoltosos que
estavam na cidade de gua Bonita, onde 25 revoltosos se renderam. "Os
soldados no sabiam como agir. Atnitos, alguns permaneceram no 28 B.C., e
outros fugiram imediatamente135. Devido superioridade das foras do governo,
incertezas e confuses, como a fuga dos prisioneiros do quartel de Aracaju, o
tenente Jos de Figueiredo Lobo, legalista e que havia sido preso pelos
revoltosos, assumiu a direo do Batalho. As tropas pelo interior, vencidas e
sem lideranas, retornaram a Aracaju. Lideranas foram presos em poucos dias
com exceo de Maynard, que foi preso somente em fevereiro do ano seguinte
no Rio de Janeiro.136
O estado do Amazonas, por sua vez, recebia diversos revoltosos que o
governo federal enviava a fim de desarticular as rebelies das regies sul e
sudeste como, por exemplo, o tenente Joaquim de Magalhes Cardoso Barata,
envolvido na tentativa de atentado contra Setembrino de Carvalho em Ponta
Grossa, em dezembro de 1923137, e o tenente da armada Jos Backer Azamor,

133 Ibidem, p. 58.


134 Ibidem, p. 69.
135 Ibidem, p. 117 e 118.
136 DANTAS, op. cit., p. 126-130, 135.
137 BASTOS, op. cit., p. 129.

48
envolvido nos levantes de 1922 no Rio de Janeiro138.
A revolta na regio Norte iniciou-se em 23 de julho no 27 Batalho de
Caadores de Manaus, com a liderana do capito Jos Carlos Dubois e do
tenente Augusto Ribeiro Jnior, que logo ocuparam a sede do governo estadual,
o Palcio Rio Negro, e o quartel da polcia.139
Diferentemente de So Paulo, Sergipe e Rio de Janeiro, as foras
estaduais do Amazonas no dispunham de pessoal suficiente para oferecer
alguma resistncia aos militares na tomada da cidade. Dessa maneira, os
revoltosos alm de ocuparem o palcio do governo e o quartel da polcia,
tambm prenderam as autoridades locais, tomaram as estaes telegrficas e
telefnicas, bem como o vapor Bahia ancorado no porto de Manaus, isolando,
assim, a cidade140.
O tenente Augusto Ribeiro Jnior, nomeado governador, utilizava as
oficinas grficas do Dirio Oficial do Amazonas e do Jornal do Povo para divulgar
informaes populao. Frente ao difcil governo que fazia Csar Rego
Monteiro, o curto perodo em que o estado foi governado pelo tenente foi de
grande popularidade.141
A problemtica da situao local gerou confuso ao entendimento dos
civis, pois estes, ao apoiarem o movimento militar, colocavam-se contrrios ao
governo estadual142 e seguiam indiferentes ao federal, que era o principal foco
dos militares. Os militares em Manaus, alguns deles vindos de outras regies do
pas, enviados por ordens federais a fim de desmobilizar movimentos revoltosos
no Rio de Janeiro, por sua vez, pouco interesse tinham na poltica local.
Aps a dominao da capital do Amazonas pelos revoltosos do 27
Batalho de Caadores, organizou-se uma expedio at bidos, no Par, em
26 de julho. Tal cidade passagem obrigatria para as embarcaes que sobem
o rio Amazonas em direo a Manaus, e era guarnecida pelo 4 Grupo de

138 SANTOS, Elona Monteiro dos. A Rebelio de 1924 em Manaus. Manaus: Suframa, 1990, p.
48-49.
139 Ibidem, p. 55.
140 Ibidem, p. 56 e 57.
141 Ibidem, p. 58, 59 e 66.
142 Ibidem, p. 78.

49
Artilharia da Costa. A inteno do movimento ali era bloquear o acesso capital
e para isso ocuparam as cidades de Alenquer, Santarm, Monte Alegre, Prainha
e Almeirim. Buscava-se alcanar Belm e de l seguir para o Maranho e
Piau.143

Cidades rebeladas no Norte: Manaus, bitos, Alenquer, Santarm, Monte


Alegre, Prainha, Almeirim e Belm.144

Todavia, isso no foi possvel porque o 26 Batalho de Caadores de


Belm se revoltou na noite do dia 26 de julho, sob o comando do Capito Augusto
Assis, que num ataque da Fora Pblica foi morto. Com a perda do lder, os
rebeldes no conseguiram se organizar e foram dominados pelas foras
estaduais. Dessa maneira, impedidos de darem continuidade ao plano, os
militares de Manaus se estabeleceram na cidade de bidos145. As tropas do
governo federal, aps dominar So Paulo ao final do ms de julho, e Sergipe em
2 de agosto, seguiram para o norte, iniciaram o movimento de represso em 11
de agosto a partir da cidade de Belm.146
Com relao Marinha, em novembro de 1924, no Rio de Janeiro,
planejava-se rebelar e tomar o encouraado So Paulo, que possua uma
guarnio de 972 homens. O Capito-de-Mar-e-Guerra Protgenes Guimares
liderava o levante quando foi preso. 42 homens se envolveram com o
movimento, segundo Hlio Silva, "altas patentes da Marinha, entre as quais o

143 Ibidem, p. 62.


144 Google Maps. https://www.google.com.br/maps/@-3.2684573,-54.2437812,7z Acesso em 21
de janeiro de 2017.
145 SANTOS, op. cit., p. 60-63.
146 Ibidem, p. 83-85 e 89.

50
almirante Saddock de S, chefiavam a conspirao. Era seu genro o tenente
Valdemar Mota, o elemento de ligao com a oficialidade do So Paulo" 147
O tenente Hercolino Cascardo, subchefe da seo de tiro do
encouraado, foi comunicado dos planos rebeldes no dia em que eclodiu a
revolta. Com a baixa adeso, os oficiais de baixa patente resolveram
desembarcar. Cascardo assumiu o comando e mandou fornecer uma canoa aos
retirantes, ficando a bordo ele e mais 6 segundos-tenentes148.
O So Paulo aguardava a adeso da fortaleza Santa Cruz, em Niteri,
todavia ao se aproximar dela foi bombardeado, assim como tambm pelo Forte
de Copacabana. Ao se retirar da Baia de Guanabara, o bombardeio cessou e o
encouraado seguiu para o Rio Grande do Sul, com a inteno de auxiliar as
foras de Zeca Neto149. Ainda segundo Hlio Silva:

Assim, na manh de 8, defrontavam a barra, que no puderam transpor


devido ao forte temporal reinante. Navegaram at a fronteira uruguaia
e regressaram a 9. A borrasca continuava. A situao a bordo
comeava a se tornar crtica. Escasseavam vveres. Foi preciso apagar
duas caldeiras para alimentar as outras com a gua dela retirada. No
havia outro alvitre que alcanar o Uruguai, tentar o desembarque no
cabo Santa Maria. A ltima lancha estava com a quilha partida. Fizeram
um reforo de ferro, que no resistiu ao ser iada a embarcao. Era
impossvel desembarcar na costa. S restava abrigar-se em um porto
estrangeiro e pedir asilo poltico150.

Em 10 de novembro, o encouraado So Paulo atracou no Uruguai.


Alguns de seus revoltosos se incorporaram s foras de Jlio de Barros e
Adalberto Correia no Rio Grande do Sul.
Segundo Abguar Bastos, em dezembro de 1924, houve ainda outra
conspirao que foi abafada logo em seu incio em Engenho Novo, no Rio de
Janeiro. "Nessa ocasio, foi detido, como implicado na intentona, o capito
Seroa da Mota.151" O mesmo capito, quando a Coluna passou por Pernambuco,
preparou um levante na ocasio, mas foi delatado e preso152, como veremos no

147 SILVA, op. cit., p. 419.


148 Ibidem, p. 420.
149 Ibidem, p. 421 e 422.
150 Ibidem, p. 422.
151 BASTOS, op. cit., p. 107.
152 LIMA, Moreira Loureno. A Coluna Prestes: marchas e combates. So Paulo: Ed. Alfa-mega,

1979, p., 250-251.


51
captulo trs.
Em maio de 1925, um outro levante, sob a liderana do tenente Carlos
Chevalier, revoltaria a Escola de Aviao Militar153, no Rio de Janeiro. O plano
era marchar sobre o largo do Campinho, incorporar um contingente de praa que
tomava conta do quartel e de l ocupar o Quartel de Polcia do Mier. Essa tropa
iria ocupar os morros do Engenho Novo, Telgrafo e Caixa d'gua, a fim de
imobilizar tropas legalistas. Todavia, o plano fracassou e numa troca de tiros
inicial um tenente revoltoso foi morto. Os rebeldes foram julgados, condenados
e alguns presos.154
Alm das transferncias feitas em fins do governo de Epitcio Pessoa
perante as suspeitas dos planejamentos dos levantes de 1922 e das fugas dos
militares processados, outro fator condutor das ideias rebeldes foram as prises.
Como aponta o tenente Chevalier, enquanto esteve preso no Rio de Janeiro
conseguia articular os planos atravs de visitas e cartas enviadas por meio de
seus familiares para seus companheiros 155. Segundo Juarez Tvora, na priso
da Ilha de Trindade,

ramos, ao todo, mais de trinta oficiais presos naquele navio entre os


do Exrcito e da Marinha, conforme pude relacionar examinando
grupos fotogrficos da poca: (...) Do Exrcito: Coronis J. M. Xavier
de Brito, (...) Mrio Magalhes Barata, Aristteles de Sousa Dantas,
(...) Juarez Tvora (...) Eduardo Gomes, J. Cordeiro de Castro Afilhado,
Carlos S. da Gama Chevalier, (...) Olindo Denys (...). amos encontrar
na Trindade, onde j estavam "veraneando" havia algum tempo, o Cap.
Augusto Maynard Gomes e os Tenentes Joo Soarino de Melo e
Manuel Messias de Mendona, implicados na revolta de 28 B.C. de
Aracaju, em comeos de 1926, quando transitara pelo Nordeste a
Coluna Miguel Costa - Prestes.156

Os casos, dentre eles o de Magalhes Barata, que foi um dos removidos


de sua guarnio para outra mais longnqua a fim de desmobilizar as revoltas
que se planejavam no Rio de Janeiro, So Paulo e Rio Grande do Sul, fizeram

153 A Escola de Aviao do Exrcito se localizava no Campo dos Afonsos, na regio do Realengo,
e foi criada aps o trmino da Primeira Guerra Mundial. In: CAMARGO, Aspsia; GES, Walter
de. Meio sculo de combate: dilogo com Cordeiro de Farias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1981, p. 78.
154 CHEVALIER, Carlos Saldanha da Gama. Memrias de um revoltoso ou legalista? Niteri:

Vitria, 1927.
155 CHEVALIER, op. cit.
156 TVORA, op. cit., p. 206 e 207.

52
com que acontecesse exatamente o contrrio. Ao invs dos motins serem
desmobilizados e desarticulados com as distncias impostas, eles comeam a
eclodir nos mais diversos pontos do pas, mesmo com os precrios meios de
comunicao do perodo. Os envolvidos em revoltas, quando transferidos,
conseguiam muitas vezes, mobilizar a guarnio para onde tinham sido
enviados. Todavia, as dificuldades em articular a movimentao pelo pas se
impunham dadas as distncias, os meios disponveis e a vigilncia do Estado.
Isso explica como houve tantos motins nos mais diversos locais e, embora
estivessem conectados, possuam conexo frgil e falha, como se observa
abaixo, no fragmento da entrevista cedida por Cordeiro de Farias:

No tnhamos conspiradores em postos de comando, apenas ncleos


que, nas diferentes unidades, iriam rebelar-se. O tenente Frederico
Buys, por exemplo, revoltou uns 20 ou 30 homens de um peloto de
Regimento de Infantaria com quase oitocentos homens (...) No havia
um comando ou um chefe que centralizasse aqueles focos
conspiratrios. Havia, sim vnculos naturais entre os grupos, inspirados
pelos sentimentos comuns. (...)
Para entender essa desarticulao, presente tanto no
movimento de 1922 como no de 1924, necessrio considerar as
condies da poca. Os meios de comunicao eram precrios (...). As
estradas eram incrivelmente ms, e as ligaes telefnicas, pssimas.
Tornava-se muito difcil estabelecer elos entre os diferentes pontos.157

Por outro lado, um fator que intensificava as ligaes era o fato de muitos
dos militares envolvidos terem sido contemporneos durante o perodo em que
cursavam a Escola Militar do Realengo. Segundo Farias, em 1924,

Em Santa Maria, onde me instalei, eu tinha ligaes estreitas com o


grupo paulista. Eles me visitavam, eu os visitava e trocvamos
emissrios. Sempre que eu vinha ao Rio, passava por So Paulo.
Joaquim Tvora, Juarez e Custdio de Oliveira eram os que mais iam
me ver em Santa Maria. No podemos esquecer que a maioria desses
conspiradores vinha de uma mesma gerao na Escola Militar, a das
turmas de 1918 e 1919. No ramos muitos, mas ramos unidos.158

A comunicao entre os diversos focos rebeldes, como j dito, era


bastante falha devido s condies de existncia e tambm por conta das
interceptaes do governo. Entretanto, podemos supor que a comunicao entre

157 CAMARGO; GES, op. cit., p. 77.


158 Ibidem, p. 84.
53
tropas governistas eram interceptadas e ou havia dentre elas simpatizantes do
movimento, pois encontramos dentre a documentao dos revolucionrios, por
exemplo, um croqui do quartel da cidade de Ponta Por, no Mato Grosso do Sul,
com o esquema de defesa das foras legalistas159 e cartas claramente
interceptadas160.
Em carta trocada entre os revoltosos consta: Tive informaes seguras e
detalhadas, dadas por official do exercito, nosso amigo e de rara competncia,
avisando-me dos effectivos das foras e dos planos de governo161. Essa
evidncia comprova a existncia de algum tipo de solidariedade advinda de
alguns soldados no adeptos do movimento para com aqueles que faziam parte
dele. Segundo Cordeiro de Farias:

No havia, por parte dos oficiais, uma verdadeira vontade de nos


combater. Convocados a lutar, eles nos perseguiam, mas no se
empenhavam na luta. Muitos deles pensavam como ns. Alm disso,
havia uma diviso de geraes que nos favorecia. O grupo mais moo
capites, majores, tenentes no era solidrio com a posio poltica
da cpula militar.162

Neste sentido, em carta assinada por Miguel Costa, Prestes e Juarez


Tvora, publicada na obra de Moreira Lima, tais comandantes comunicavam ao
deputado Batista Luzardo que as foras governistas lhes davam completa
liberdade de ao. Segundo eles: Dir-se-ia que suas foras adivinham sempre
onde no estamos e para a marcham..."163
Claro que esta liberdade de ao no ocorreu durante toda marcha.
Dezoito generais receberam a incumbncia de acabar com a Coluna 164 e, no
entanto, a maneira em que seus subordinados interpretavam suas ordens e as
executavam variavam.

159 CPDOC - Fundo Juarez Tvora, JT dpf 1924.05.10, p. 179.


160 CPDOC - Fundo Juarez Tvora, JT dpf 1924.05.10, p. 926 e 983.
161 LOPES, Isidoro Dias. Carta para Luiz Carlos Prestes. S.L., 23 de dezembro de 1924. CPDOC

- Fundo Juarez Tvora, JT dpf 1924.05.10, p. 21-23.


162 CAMARGO; GES, op. cit., p. 106.
163 LIMA, op. cit., p. 191.
164 PRESTES, op. cit., p. 96.

54
CAPTULO II A formao da Coluna Miguel Costa - Prestes:
conflitos e (re) construes

No dia seguinte ao encontro das Colunas que saram de So Paulo e do


Rio Grande do Sul, 12 de abril de 1925, reuniram-se Prestes; Bernardo de Araujo
Padilha, tenente-coronel responsvel pelo levante da cidade de Rio Claro em
So Paulo; Miguel Costa; Mendes Teixeira, major reformado que auxiliou no
movimento da capital paulista e da cidade de Bauru; lvaro Agrcola Soares
Dutra, capito do 6 Regimento de Infantaria de Caapava que auxiliou no
levante desta unidade; Luiz Delmont, capito da 3 Diviso de Infantaria de Porto
Alegre; Asdrubal Gwayer de Azevedo, 2 tenente da Fora Pblica de So Paulo;
e outros, onde definiram que no emigrariam e seguiriam para o Mato Grosso165.
As foras foram organizadas e criou-se a 1 Diviso Revolucionria,
comandada por Miguel Costa e dividida em Brigada "So Paulo", comandada
por Juarez Tvora e Brigada "Rio Grande", comandada por Luiz Carlos Prestes.
Ficou tambm acordado que o marechal Isidoro seguiria para Argentina devido
sua avanada idade 166, e de l, como chefe supremo da revoluo, organizou
uma rede de apoio externo s operaes, o que se evidencia no trecho a seguir:

(...) Estamos empenhando ligaes os mximos esforos para que


Honorio, Netto e outros possam reinvadir, mas isto levar, talvez uns 2
mezes. (...) saiba que podemos obter, em diversos pontos da fronteira
argentina, umas 4 mil armas com uns 400 mil tiros. (...) Para coordenar
o que nos resta e para agir com presteza, sigo, [ilegvel], para Iguass
onde me informarei do que est planejando nas serras, Sta Catharina,
Contestado, etc. (...) Antes de receber sua carta de 8 deste, estvamos
trabalhando com afinco no sentido de mandar armas e, principalmente,
munio a sua columna. Como a vigilncia grandssima nas
fronteiras e como, devido aos linguarazes, exhibicionistas e
conferencistas, foi apprehendida a nossa primeira remessa para c,
resolvemos adquirir um aeroplano de carga que burlaria toda a
vigilncia. O negocio est bem encaminhado e pode ser resolvido e
executado em 5 dias. (...)167

O encontro da Coluna Paulista com a do Rio Grande foi permeado de

165 LIMA, Moreira Loureno. A Coluna Prestes: marchas e combates. So Paulo: Ed. Alfa-mega,
1979, p. 113 e 114.
166 Ibidem, p. 114 e 115.
167 LOPES, Isidoro Dias. Carta para Luiz Carlos Prestes. S.L, 23 de dezembro de 1924. CPDOC

- Fundo Juarez Tvora, JT dpf 1924.05.10, p. 21-23.


55
conflitos, pois havia divergncias, primeiramente, com relao ao futuro do
movimento. Enquanto alguns defendiam sua continuidade, outros preferiram o
exlio como Olyntho de Mesquita (comandante do 2 G.A.M. de Jundia), Newton
Estillac Leal (que se envolveu com o movimento em 1922, apoiando-o na Vila
Militar, ajudou a levantar So Paulo e seguiu o movimento pelo interior do estado
chegando neste ponto ferido168), Filinto Muller (pertencente ao Grupo de
Quitana que sublevou So Paulo), lvaro Agrcola Soares Dutra (do Regimento
de Infantaria de Caapava), Joo Cabanas e Alfredo de Simas Enas (ambos da
Fora Pblica)169.
Em pouco tempo, a coluna foi se organizando em flancos, em pequenas
colunas ramificadas que seguiam a quilmetros da principal em diversas
direes, a fim de identificar e despistar tropas inimigas, alm de cobrir um maior
permetro geogrfico. Havia ainda as potreadas, que eram grupos ainda
menores montados a cavalo com a finalidade de desbravar os caminhos, mapear
a regio e colher informaes, como condies geogrficas, possibilidades de
abastecimento de vveres e posicionamento de tropas legalistas.
Segundo Jos Augusto Drummond,

O conceito ttico-estratgico de guerra de movimento parece ter sido


ousado demais para a maioria dos oficiais rebelados em So Paulo.
Tudo indica, portanto, que a juno de foras precipitou uma
divergncia insupervel quanto opo entre a guerra de posio e a
guerra de movimento; ou seja, uma divergncia militar170.

Supomos que os militares formados na Escola Militar do Realengo tiveram


instruo acerca da ttica de guerra de trincheira, caracterstica, inclusive, da
Primeira Guerra Mundial que havia terminado h poucos anos. A estratgia de
guerra de movimento era bastante utilizada nos conflitos armados no sul do

168 ABREU, Alzira Alves de; BELOCH, Israel (Coord.). Dicionrio histrico-biogrfico
brasileiro: ps-1930. Rio de Janeiro: FGV, 2001. Disponvel em
http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/FatosImagens/biografias/estillac_leal "O Estillac, a ultima
hora, resolveu ficar aqui uns dias (!) para descansar. Esse entende que no deve commandar
mais nada porque s tem 22 homens". LOPES, Isidoro Dias Lopes. Carta para Alfredo de Simas
Enas. S.L., S.D., documento n 96. Arquivo Pblico do Estado de So Paulo, conjunto
documental Cartas da Revoluo de 1924.
169 DRUMMOND, Jos Augusto. O Movimento Tenentista: a interveno poltica dos oficiais

jovens (1922-1935). Rio de Janeiro: Graal, 1986, p. 120.


170 Ibidem, p. 127.

56
Brasil, o que garantia, por exemplo, a resistncia das foras de Assis Brasil frente
s governistas de Borges de Medeiros.
Inicialmente, a Coluna, aps a juno de foras paulistas e gachas, foi
organizada da seguinte maneira: chefe supremo da Revoluo marechal Isidoro
Dias Lopes; comandante general de brigada: Miguel Costa; Estado Maior: major
Coriolano de Almeida Jr. (da Fora Pblica de So Paulo), capites Djalma
Soares Dutra (carioca, cursava a Escola Militar quando se envolveu no levante
em 1922), Loureno Moreira Lima (civil, paraibano, cursou a Faculdade de
Direito do Cear e foi advogado de defesa dos implicados em 1922, mais tarde
foi nomeado secretrio da Coluna) e Alberto Costa (carioca, ex-aluno da Escola
Militar, expulso por conta do levante em 1922); chefe do corpo de sade: 1
Tenente dr. Jos Athayde; e encarregado do material blico: tenente Raff. 171
Da Brigada "Rio Grande": comandante coronel Luiz Carlos Prestes;
Estado Maior formado por major Paulo Kruger (do regimento de So Luiz
Gonzaga, cursou a Escola Militar do Realengo junto com Juarez e Fernando
Tvora), capito talo Landucci (civil, um dos organizadores do Batalho Italiano
em 1924 em So Paulo) e os tenentes Sadi Valle Machado e Nicacio Costa; 1
B.F. liderado pelo tenente-coronel Oswaldo Cordeiro de Farias (pertencente
esquadrilha de Santa Maria) ; 2 R.C. liderado pelo tenente-coronel Joo Alberto,
da cidade de Alegrete; 3 R.C. liderado pelo tenente-coronel Siqueira Campos
(liderana do Forte de Copacabana em 1922) e 1 Esquadro de Cavalaria
Independente comandado pelo Capito Ary Salgado Freire (de So Luiz
Gonzaga).172
A Brigada "So Paulo" com o comandante tenente-coronel Juarez Tvora
(liderana de 1924 em So Paulo); Estado Maior: major Aldo Mario Geri
(correspondente italiano do Banco talo-Belga em So Paulo), juntamente com
os tenentes Mario e Morgado; 2 Batalho de Cavalaria liderado por major
Manoel Alves Lyra; 3 B.C. comandado por major Virglio Ribeiro dos Santos
(tenente de Rio Claro), Batalho de Artilharia Montada liderado pelo capito

171 LIMA, op. cit., p. 124 e 125.


172 Idem.
57
Henrique Ricardo Holl (participou do levante da Escola Militar do Realengo em
1922 e em So Paulo em 1924); 2 Esquadro de Cavalaria Independente
comandado pelo capito Jorge Danton (da Fora Pblica de So Paulo).173
O boletim n 1, de abril de 1925, da 1 Diviso Revolucionria, ou seja, da
Coluna que partira de So Paulo, traz a descrio da derrota sofrida em
Catanduvas e de seu encontro com a Coluna Rio Grande:

(...) com a concentrao de um effectivo esmagador, pelo numero e


emprego de quase todos os engenhos de guerra conhecidos, os
asseclas do bernardismo no dia 29 do ms findo, conseguiram
seccionar as foras da Diviso So Paulo, atacando fortemente os
elementos da 2 Bda. e outras tropas que heroicamente defendiam
CATANDUVAS. (...) Providencialmente a columna do Rio Grande do
Sul, commandada pelo valoroso coronel Luiz Carlos Prestes, em
operaes na regio do CONTESTADO, pode, apesar da marcha
penoza que fez, atravez de uma picada de cerca de 200 leguas
combatendo contra duas columnas de mais de 4.000 homens, unir-se
a D.S.P. com todos os seus elementos, em perfeita forma. (...) o chefe
supremo das foras revolucionarias Marechal Isidoro Dias Lopes,
convidou-me para commandar as foras restantes da D.S.P. as quaes
o sr. Coronel Prestes, adiccionaria a sua valorosa columna.(...) em
vista da ordem que recebi de nosso supremo, ordem que muito me
honra, e, sensibilizado pela gentileza do gesto do coronel Prestes,
assumi a 10 do corrente o commando das foras Revolucionarias que
presentemente operam no Estado do Paran. (...) As foras
revolucionarias em operaes no Estado do Paran, tero a seguinte
(...) organizao: Dois destacamentos, Um Regimento de Cavallaria
Devisionaria e uma Bateria Mixta de Artilharia.
1.)DESTACAMENTO RIO GRANDE.
Cmte. Coronel Luiz Carlos Prestes. (...)
2) DESTACAMENTO SO PAULO.
Cmte. Tte. Cel. Juarez Fernandes Tavora. (...) 174

Bernardo de Araujo Padilha assumiu o comando do 28 Batalho de


Caadores de Aracaju em 22 de janeiro de 1923, enquanto tenente coronel 175.
Em 1924, comandava o 5 Batalho de Caadores de Rio Claro e em meio
revolta levou parte de seu batalho para auxiliar no movimento de So Paulo,
deixando o restante sob as ordens do capito Raul da Veiga Machado 176. Padilha

173 Idem.
174 Boletim n 1. Santa Helena, 14 de abril de 1925. CEDEM/UNESP.
175 DANTAS, Jos Ibar Costa. O tenentismo em Sergipe. Rio de Janeiro: Vozes: 1974, p. 87.
176 Successos Subversivos de So Paulo. Denuncia apresentada ao Exmo. Sr. Dr. Juiz Federal

da 1 Vara de So Paulo pelo Procurador Criminal da Republica, em commisso no Estado de


So Paulo. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1925, p. 18.
58
comandava a Diviso So Paulo quando esta chegou regio de Foz do Iguau,
onde pediu exonerao e foi substitudo por Miguel Costa177.
Em carta ao deputado Batista Luzardo, o general Miguel Costa explicou a
ento organizao da Coluna:

(...) Ordenei, ento, o recuo lento do Destacamento "S. Paulo", de


forma a cobrir o escoamento da Brigada Rio Grandense, cuja
vanguarda transpunha, ento, em canas, o Rio Iguass.
Iniciada a 30 de maro, somente a 26 de abril se concluiu essa delicada
operao, ficando concentradas nas cercanias de Guahyra, Porto
Mendes e So Francisco, todas as foras revolucionarias.
E, enquanto o general Rondon, illudido por uma falsa manobra, atirava
o grosso de suas foras sobre Iguass e Santa Helena, em
perseguio a pequenas patrulhas nossas - a Diviso Revolucionaria,
concentrada a 20 leguas de distancia, dirigia-se, a 27 de abril, a
marchas foradas, sobre Matto Grosso.
A 30 do mesmo ms, foram occupados Porto Luido e Porto Pirahy,
sobre o rio Iguatemy, pelas nossas avanadas.
Porto Dom Carlos, no Rio Paran, situada a 50mts acima de Guahyra,
caa em nosso poder, no dia 5 de maio.
A 6 do mesmo ms, depois de curto mas sangrento combate, entravam
as fora revolucionarias em Panchita, levando s foras governistas 1
metralhadora pesada, 1 fuzil metralhadora, 5 caminhes automoveis e
grande copia de armas e munies. As baixas bernardistas foram de
21 mortos e 14 prisioneiros.
A 7, enquanto o Regimento Joo Alberto occupava "Patrimonio da
Unio", aps curto combate na ponte do rio Parahy, o Batalho Virgilio
occupava, sem resistencia, o Porto Felicidade, no Rio Amanhay.
A 8 o Batalho Virgilio entrava em Capanario, sede da Administrao
da Empresa Matte-Laranjeira em Matto Grosso.
A 9, a ponte Superior do Amambay, abandonada pelas foras
governistas do Coronel Mario Gonalves, foi [ilegvel] por nossa tropa.
Ponta-Por, abandonada a 8 pelas foras do Coronel Pericles de
Albuquerque, foi occupada por Siqueira Campos e Joo Alberto no dia
10.
Nos dias 13 e 14, enquanto o grosso das foras Revolucionarias se
deslocava em direco ao Patrimonio de Dourados, - via Campanario,
- os regimentos Siqueira Campos e Joo Alberto, combatiam, como
flanco guarda esquerda da columna; contra todas as tropas
governistas, concentradas nas cabeceiras do rio Appa.

177O Sr. General Bernardo de Araujo Padilha, que com muita inteligencia, zelo e dedicao vem
commandando a D.S.P., pediu exhonerao do commando da Diviso. O seu pedido causou
magua a todos os seus commandados, pois que todos conheciam as qualidades incontestes do
general Padilha, razo porque houve toda insistncia para que o seu pedido fosse retirado.
Apesar de tal insistncia, esse dedicado Commandante conseguiu exhonerar-se, continuando,
porem como revolucionrio ardoroso, que nos animara com a sua presena e nos inspirar com
o seu exemplo. In: Boletim n 1. Santa Helena, 14 de abril de 1925. CEDEM/UNESP.

59
Attravesado o rio Dourados, a 20, foi, nessa mesma data, accupada,
aps ligeiro combate, a "Patrimonio de Dourados", cuja estao
telegrafica foi inutilizada.
A 24 foi transposto o rio Brilhante e, successivamente, o Vaccaria, o
Anhaduhy, o Anhanduhyzinho, o Lontra e o So Felix, este ultimo a 30.
A 31 foi feita uma demostrao de fora sobre a [ilegvel] de "Rio
Pardo", na E. F. Noroeste do Brasil, tendo sido destruida, em pleno
combate, o apparelho telegrephico da Estao.
O fim dessa demostrao, que era obrigar o governo a concentrar
naquelle ponto extrategico um grande contigente, desguardecendo as
demais estaes entre Rio Pardo e Campo Grande, foi inteiramente
[ilegvel] [...]
Ao completar-se, assim, o 34 dia de nossa marcha passa a Norte, os
bravos soldados da Revoluo - alguns dos quaes vm desde
Catanduvas e Contestado a p - j percorreram, - expugnando
trincheiras, transpondo rios e [ilegivel] pantanos e areias - mais de 1000
kms!
Testemunhas quotidianas dessa energia inquebrantavel que anima os
soldados gloriosos da liberdade - ns os officiaes da Revoluo
sentimos um indizivel orgulho de dirigir um punhado de brasileiros que
so dignos - valentes da roa generosa dos retirantes de Laguna!
E no devemos por isso da veracidade desta [ilegivel] feliz de Arthur
[ilegvel], endereada ao povo de nossa Patria:"A revoluo brasileira
poder nao ser victoriosa; mas ser invencivel". 178

Na carta acima, podemos notar os avanos da marcha e a sua


multifacetao quando Miguel Costa cita os regimentos de Joo Alberto e
Siqueira Campos, que seguiam separados. Temos a impresso, da leitura dos
escritos do general, que os avanos das tropas revoltosas aconteciam sem
grandes embaraos, com poucos conflitos com os legalistas citados.
Contradizendo isto, Henrique Ricardo Holl, que participou do levante da Escola
Militar do Realengo em 1922 e em So Paulo em 1924, afirma que a situao
era desesperadora, j que o grupo comandado por Estillac Leal estava sem
munio e sitiado por foras muito superiores. 179

Em maio, as brigadas So Paulo e Rio Grande se reuniram na cabeceira


do rio Camapu, aps atravessarem o rio Pardo, regio do atual estado de Mato
Grosso do Sul. L houve uma nova reorganizao da Coluna, pois havia entre

178 COSTA, Miguel Costa. Carta para Batista Luzardo. Fazenda "So Romo" (Estrada de Mato
Grosso), 2 de junho de 1925. CPDOC - Fundo Juarez Tvora, JT dpf 1924.05.10, p. 245-249.
179 HOLL, Henrique Ricardo. Telegrama para Alfredo de Simas Enas. 30 de maro de 1925.

AESP - Cartas da Revoluo de 1924.


60
as brigadas certa rivalidade e disputa. Para Drummond estavam em questo
embates regionais180. Segundo Juarez Tvora, em suas memrias,

enquanto grande parte da Brigada "Rio Grande" estava montada, a


quase totalidade da Brigada "So Paulo" se deslocava a p, e, por isso
mesmo, tinha dificuldade de afastar-se do itinerrio de marcha, para
potrear animais de sela, nas estncias circunvizinhas de seu itinerrio
de marcha. Algumas praas carregavam arreios, cabea, com a
esperana de obter, mais adiante, um animal para arrear e montar.
Esse fato comeou a despertar animosidades entre elementos
das duas Brigadas, pois os gachos, j relativamente bem montados,
e marchando na vanguarda, obtinham, graas s suas potreadas, cada
vez mais cavalos, enquanto os paulistas, desprovidos de cavalos e
impossibilitados de arrebanh-los longe de seu eixo de deslocamento,
raramente conseguiam novas montarias181.

Em bilhete no datado de Joo Alberto a Luiz Carlos Prestes, o primeiro


j alertava para a existncia das rivalidades entre as tropas: "Cada vez mais
sentimos a rivalidade da tropa de S. Paulo para conosco de maneira que torna-
se necessrio muita preocupao para no cahimos em algum buraco"182.
Buscando a resoluo dos problemas, as duas brigadas foram fundidas e
a partir delas foram formados quatro destacamentos mistos sob o comando de
Miguel Costa, tendo como chefe do Estado Maior Prestes; subchefe do Estado
Maior Juarez Tvora; secretrio Moreira Lima. Estado Maior formado pelos
"majores" Paulo Kruger e Geri, capites Costa e Landucci, tenentes Sadi, Nicacio
e Morgado. Piquete do Quartel General tenente Hermnio (vindo do movimento
de So Paulo); chefe do corpo de sade continuava a ser o dr. Athayde. O 1
Destacamento era liderado por Cordeiro de Farias, tendo como fiscal Virglio dos
Santos, o 2 Destacamento Joo Alberto, fiscal major Manoel Lira, o 3
Destacamento Siqueira Campos, fiscal Trifino Correia (ex-aluno da Escola
Militar, expulso em 1922); o 4 Destacamento Djalma Dutra e fiscal Ary Freire 183.

180 DRUMMOND, op. cit., p. 131.


181 TVORA, Juarez. Uma vida e muitas lutas: memrias. Vol. 1 - Da plancie borda do altiplano.
Rio de Janeiro: Editora do Exrcito, 1973, p. 180.
182 BARROS, Joo Alberto Lins de. Bilhete para Luiz Carlos Prestes. CPDOC - Fundo Sadi Vale

Machado, SVM/00.00.1924/1927/21.
183 LIMA, op. cit., p. 150 e 151.

61
O comando da coluna Miguel Costa - Prestes184

Podemos notar ao compararmos as lideranas presentes nos dois


momentos, de organizao e reorganizao das foras, que elas se mantiveram
com poucas mudanas, sendo elas a sada de Raff, Jorge Danton, Henrique
Ricardo Holl (envolvido desde 1922 seguiu para o Paraguai em abril, devido a
seu estado de sade) e de Coriolano de Almeida Jr. (capito da Fora Pblica
de So Paulo, que abandonou a marcha em maio em Ponta Por), e a incluso
de Hermnio e Trifino. Dessa maneira, vemos que o comando da Coluna no
estava restrito a Prestes ou a Miguel Costa, e muito menos a Isidoro, j que este
era construdo coletivamente, havendo, inclusive, neste comando civis, como o

184 Porto Nacional, Gois, 1925. Da esquerda para direita, em p: Jos Pinheiro Machado,
Atanagildo Frana, Emdio da Costa Miranda, Joo Pedro, Paulo Kruger da Cunha Cruz, Ari
Salgado Freire, Nelson Machado, Manuel Lima Nascimento, Sadi Vale Machado, Andr Trifino
Correia, talo Landucci; da esquerda para direita, sentados: Djalma Dutra, Siqueira Campos, Luis
Carlos Prestes, Miguel Costa, Juarez Tvora, Joo Alberto e Cordeiro Farias AEL, Fundo Arthur
Bernardes, rolo 23. Disponvel em
http://segall.ifch.unicamp.br/site_ael_antes_migracao/AEL/website-ael_ab/website-
ael_ab_img1.htm Acesso em 23 de janeiro de 2017.
62
advogado pernambucano Loureno Moreira Lima, e o italianos Aldo Mario Geri
e talo Landucci.
As correspondncias nos apresentam indcios de como era construdo o
comando da Coluna. Neste bilhete de Joo Francisco, por exemplo, o coronel
estabelece estabelece que as deliberaes sobre as foras sob seu comando
deveriam ser definidas por um conselho formado por ele e mais dois, havendo
suplentes:

Conforme resoluo tomada hontem pelos senhores Generaes


Bernardo Padilha, Olyntho Mesquita e Ten. Cel. Newton Estillac, em
conselho com a minha pessoa, ficou resolvido que enquanto estiverem
separados das demais foras que, sob o Commando directo do Exmo.
Senhor General em Chefe, operam no Norte, esta Colmna do Sul,
agora [ilegvel] com a Bda. do General Padilha e outros elementos,
continue sob o meu Commando, mas sempre que for mister resolver
casos importantes sero as deliberaes tomadas por um conselho de
guerra constitudo pelos tres Generaes, - Joo Francisco, Padilha e
Mesquita - tendo estes como suplentes e, caso de ausncia os Snrs.
Cel. Mendes Teixeira, Estillac e Juarez Tavora. (...) Os actos mais
importantes inclusive promoes sero sempre resolvidos pelo
Conselho, e publicados em Boletim e registrados em actas. 185

A existncia desse comando coletivo tambm se dava de maneira


espontnea em determinadas ocasies por conta das dificuldades em
estabelecer ligaes entre os diversos flancos e o comando principal. Segundo
Cabanas, quando sua coluna marchava pelo o interior do estado de So Paulo,
em 1924, em determinado momento ficou sem contato com o Estado Maior.
Fiquei entregue minha prpria iniciativa e resolvi fazer em prol da revoluo
aquilo que melhor me parecesse186.
Todavia, esse comando composto por vrias pessoas no existia sem
conflitos. Em 1924, na cidade de So Paulo, Isidoro Dias Lopes sem saber do
abandono do palcio dos Campos Elseos pelo governador do estado e
observando com apreenso os acontecimentos desfavorveis revolta, decidiu
retirar suas tropas para Jundia. O coronel Miguel Costa, por sua vez, ainda
acreditava na possibilidade de sucesso do movimento e recusou-se acatar a

185 SOUSA, Joo Francisco Pereira de. Ordem do Dia n 17, 3 de outubro de 1924. CPDOC -
Fundo Juarez Tvora, JT dpf 1924.05.10, p. 16.
186 CABANAS, Joo. A Coluna da morte. So Paulo: Editora Unesp, 2014, p. 73.

63
ordem do general, que indignado, afastou-se do comando187. Esse conflito inicial,
como j vimos, foi resolvido quando se descobriu a fuga do presidente do estado,
Carlos de Campos, para Quitana, o que, inclusive, deu um novo nimo ao
movimento. Contudo, a partir desse fato, podemos notar o quanto Isidoro era
centralizador enquanto exercia o comando. Isso tambm foi refletido, por
exemplo, nos ndices da participao civil que era estimulada por Miguel Costa
e Joaquim Tvora, mas inibida pelo general. Isso nos d pistas acerca das
distintas concepes, dentre os envolvidos, do carter poltico que movimento
deveria ter.
Com a adoo da ttica de guerrilha188 e considerando a idade avanada
de Isidoro, este ficou na Argentina como chefe supremo, mas bastante ciente do
seu real poder de comando:

(...) eu no nomeio mais ninguem, nem transfiro, nem demitto, assim


como no assigno mais boletins, nem ordens de movimento ou
operaes. Resolvi, de mesmo modo, no intervir mais em materia de
Intendencia, servio de sade, etc. (...) Aqui, tanto individuos como
tropas tm plena liberdade de fazer o que bem entenderem e assim se
est fazendo (...). Para no citar senao os factos mais recentes (o total
encheria 100 paginas), direi que no fui eu que transferi o tenente
Lucas de [ilegvel] para outra; no fui eu que mandei caducar tropa,
mandei ir artilharia em certas ilhas; no fui que mandei o cap. Hall o
transferir pra S. Jos; no fui eu que dei commando e misso s laudas
nestes ultimos dez dias (...). por isto e dezenas de outros factos que
resolvi no deliberar mais deixando que cada um faa o que bem
entender. (...) para dirigir ao Gal. Miguel, Major Gwyer, cap. Miller,
chefes de tropa e aos sr. cap. Hall e Dutra, de meu antigo Estado-
Maior. Dessa vez, porem, que tive a opportunidade de dizer agora,
desejo que isto seja mostrado aos officiais acima citados. S quer
accertar que alem dos factos acima ha razes de [ilegvel] infinitamente
superior que me livram a desinternar-me de tudo! A principal que eu
no pude e no sonho levar o exercito revolucionario victoria e nem
nunca pude eu sonhar salvar a Colunna das revezes que vem
soffrendo e que a vem aniquilando. Nunca adoptei uma resoluo com
firmeza e segurana de modo que nem invadimos o Parana, por Salto
Grande, nem Matto-Grosso e nem mantivemos a [ilegvel] de Ourinhos
a Porto Tavora. Esta minha indeciso que revelasse claramente a

187 CORREA, Anna Maria Martinez. Rebelio de 1924 em So Paulo. So Paulo: HUCITEC,
1967, p. 55.
188 Ver SAINT-PIERRE, Hctor Luis. A poltica armada: fundamentos da guerra revolucionria.

So Paulo: Unesp, 2000, p. 173-181. Utilizaremos os termos ttica de guerrilha e guerrilha


em referncia ao meio/tcnica que a Coluna optou por combater. Embora o movimento em
questo se coloque como revolucionrio no acreditamos que ele tenha o sido. De toda forma,
utilizamos o termo em nosso texto em referncia a maneira pela qual os prprios agentes se
caracterizavam.
64
inaptido para o commando, nos obrigaram a [ilegivel] a qualquer, na
qual nos vamos arrastando e desintegrando. Minha falta de aptido
technica para o Commando [ilegvel] o seguinte facto: eu at agora no
entendi nada do que est fazendo de Joaquim Tavora at aqui!.189

Na carta acima, Isidoro se mostra amargurado com a multifacetao do


comando do movimento, que escapa de seu controle. Em sua argumentao,
aponta sua indeciso como caracterstica de sua clara inaptido tcnica para o
comando. Ao afirmar que nada entendeu do que estava se fazendo de Porto
Joaquim Tvora at o momento, outubro de 1924, demonstra seu desconforto
com a movimentao e fragmentao das tropas. Na carta a seguir, essa posio
se confirma e se justifica por encarar a fragmentao de tropas como fraqueza
do movimento:

Soubemos logo que de Uruguayana a (ilegvel) reina o cahos, cada


cap., cada tenente e cada paisano agindo por conta propria. Resultado:
Honorio de Lemos completamente derrotado, ignorando (ilegvel)
Juarez; Orestes em B. Ayres, tendo ele mesmo se nomeado
governador civil de Uruguayana por algumas horas (...) Siqueira
Campos, comte. das foras 440 homens que ha j uns 10 dias, fazem
asneiras em Itaguy, completamente disfarado, perdendo armamento
e j emigrado, podendo, entretanto voltar (...) As novas tropas (ilegvel)
(Sanborja e S. Luiz) ascendiam a mais de 1000 homens do exrcito e
civis. Prestes (...) era o chefe natural mas chegou Siqueira Campos,
(ilegvel), assumindo espontaneamente o Commando e
escauzashando tudo. Cada capito e cada tenente commandava uma
fraco que agia dispersivamente, fracos assim, em toda a parte. Com
a derrota de Siqueira Campos, o Prestes, sempre incansvel, reuniu a
direco e de accordo connosco vai concentrar todos os elementos
(ilegvel) (uns 800 homens) em frente que j escolhemos. (...)Repito:
um cahos. (...)190

At que, por fim, em abril de 1925, Isidoro, a caminho da Argentina, ao


mesmo tempo em que os grupos paulista e gacho estavam se unindo,
concedeu liberdade de ao aos lderes que dariam continuidade ao movimento
a partir daquele momento, muito embora estes lderes j estivessem agindo sem
o aval formal do general:

Srs. Generaes Padilha, Miguel Costa, Coroneis Estillac e Prestes

189 LOPES, Isidoro Dias. Carta para Alfredo de Simas Enas. 7 de outubro de 1924. AESP -
Cartas da Revoluo de 1924.
190 LOPES, Isidoro Dias. Carta para Alfredo de Simas Enas. Santo Tom, 14 de novembro de

1924. AESP - Cartas da Revoluo de 1924.


65
Vs e as tropas que commandais tendes cumprido, valentes e
imperterritamente os vossos deveres cvicos e patrioticos. Os revezes
que acabamos de soffrer no vos devem fazer corar e sim encher-vos
de orgulho, pois h j seis mezes que, semins, descalos e sem
recursos bellicos sufficientes, em numero de mil e tantos homens,
enfrentais com stoicismo, as poderosas foras bernardistas, sendo que
o ultimo de vs, com as tropas do Sul, fez uma marcha epica, depois
de haver rompido um cerco de uns dez mil inimigos, com pouco mais
de mil revolucionarios.
Assim, os soldados e chefes da Diviso "S. Paulo" e da Columna
do Sul Rio Grandense, bem mereceram da Republica e da Patria eu
tenho pela maior honra e gloria de vos haver commandado e nada mais
posso nem devo exigir de vs, a quem dou completa liberdade de
aco, acatando a deliberao que a situao actual vos obrigue a
tomar. Com a maior admirao pelos sacrificios que abnegamente
fizestes e com a amizade e a gratido que no posso medir, abrao-
vos fraternalmente, asigno com o posto que me destes.
Marechal Isidoro Dias Lopes. 191

Descrente da continuidade do movimento organizado da maneira em que


estava - adepto da guerra de movimento, seguindo em flancos e com comando
coletivo -, Isidoro segue para a Argentina com o intuito de l ajudar no que fosse
necessrio. Contudo, dentre suas preocupaes estava preparar condies para
uma futura migrao caso houvesse derrota ou desistncia da marcha:

Caso no seja possivel passar a Matto Grosso a emigrao ser


imediata (...). A operao foi resolvida por Miguel e Prestes, sem meu
assentimento (...). O dinheiro deve ser acautelado no maximo e fica
disposio do gal. Miguel. (...) Miguel, Prestes e Estillac vieram hontem
aqui e j voltaram. Disseram-me que a operao j estavam em vias
de execuo, apezar de no realizadas as condies que eu havia
imposto para dar meu assentimento. As condies eram: transportes
fluviais em Guahyra, resistencia ordenada e sistematica na retaguarda
e munies sufficientes. Assim no sou responsvel pelo desastre
(...)192
(...)se necessario distribuir o dinheiro por todos e procurar ligaes com
a tropa, estabelecidas em Aguire, Tacur, Adele, etc. para, em caso de
revez, dizer e entregar os recursos aos chefes de tropas, a quem
pertence o dinheiro existente. O modo de fazer a evacuo estava
escripto, detalhadamente, por mim e era de conhecimento delles. (...).
Eventualmente se encaminhariam os j emigrados, retirantes
voluntarios, officiais e praas que l esto por falta de recursos (...) 193

191 LOPES, Isidoro Dias. Carta para Bernardo de Araujo Padilha, Miguel Costa, Estillac Leal e
Luiz Carlos Prestes. 3 de abril de 1925. CPDOC - Fundo Juarez Tvora, JT dpf 1924.05.10, p.
64-66.
192 LOPES, Isidoro Dias. Carta para Alfredo de Simas Enas. Sem local nem data, documento n

96. AESP - Cartas da Revoluo de 1924.


193 LOPES, Isidoro Dias Lopes. Carta para Alfredo de Simas Enas. Foz do Iguau, 19 de abril

de 1925. AESP - Cartas da Revoluo de 1924.


66
Juntamente com Isidoro, estava Assis Brasil no terico comando
supremo do movimento. Joaquim Francisco de Assis Brasil nasceu em So
Gabriel, Rio Grande do Sul em julho de 1857 e em 1878 ingressou na Faculdade
de Direito de So Paulo, tendo como contemporneo o tambm gacho Jlio de
Castilhos. Ambos tiveram envolvimento nas campanhas abolicionista e
republicana194.
Eleito deputado provincial em 1885, foi o primeiro republicano a obter a
cadeira. Nessa poca, casou-se com Ceclia Prates de Castilhos, irm de Jlio
de Castilhos e dois anos depois, iniciaram as divergncias entre Assis Brasil e
Castilhos no congresso do PRR, j que Brasil defendia o federalismo admitindo
a secesso apenas como recurso temporrio e extremo para alcanar-se o ideal
federalista. Castilhos, por sua vez, queria que o partido se pronunciasse no
sentido de indicar que no desconsiderava a ideia de fragmentao e no a
combateria.195
Em 1890, nas eleies para a Constituinte, Assis Brasil foi eleito e tambm
participou da elaborao da Constituio estadual do Rio Grande do Sul. Eleitos
Deodoro da Fonseca em nvel federal e Jlio de Castilhos no estadual, em pouco
tempo de posse Castilho foi obrigado a renunciar, entregando o poder a uma
junta governativa da qual Assis Brasil fazia parte. Em meio s manifestaes
contra Deodoro, a junta governativa deu incio preparao de uma fora de
seis mil homens, que marcharia para a Capital Federal, forando sua renncia.
"Segundo Hlgio Trindade, Assis Brasil deixou desde ento muito clara a sua
posio liberal, visceralmente contrria, portanto, ao autoritarismo castilhista que
se iria impor no estado a partir de 1892".196
A partir dessa data, Brasil foi embaixador em misses na Argentina, China
e Portugal, onde passou a viver at 1898. Com base nos escritos polticos de
Assis Brasil, foi fundado, em 1908, o Partido Republicano Democrtico, que

194 ABREU; BELOCH (Coord.), op. cit. Disponvel em


http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-
republica/BRASIL,%20Assis%20(emb.).pdf
195 Idem.
196 Idem.

67
aglutinaria as oposies gachas. Defendendo a reviso da Constituio federal,
a ampliao das autoridades estaduais e municipais e defendendo que as
eleies presidenciais deveriam ser feitas indiretamente pelo Congresso, a
durao do PRD foi efmera e seu programa partidrio, redigido pelo prprio
Assis Brasil, foi a base do programa posteriormente elaborado para o Partido
Libertador (PL), fundado em 1928. Depois dessa experincia malsucedida,
afastou-se da poltica e se aposentou da vida diplomtica em 1912, dedicando-
se, a partir da, pecuria na cidade de Pedras Altas.197
Em fins de 1923, a disputa presidencialista no Rio Grande do Sul assumiu
outra dimenso por se vincular questo estadual, uma vez que a vitria de
Arthur Bernardes garantiu o apoio do governo federal s oposies gachas. Em
contraposio candidatura de Borges de Medeiros, Assis Brasil representava
os antigos democratas, federalistas e a dissidncia republicana, descontentes
com a poltica agrria praticada. 198
Em 17 de janeiro de 1923, a comisso de apurao da eleio do estado,
constituda pelos deputados Getlio Vargas, Ariosto Pinto e Jos de
Vasconcelos Pinto, declarou a vitria de Medeiros com 106.360 votos, contra
32.216 de Assis Brasil.
A reeleio foi fortemente contestada pela oposio, que a acusava de
ser fraudulenta. Assis Brasil solicitou ento a criao de um tribunal arbitral, mas
Borges de Medeiros condicionou sua aceitao a que o arbitramento tivesse
como desempatador o presidente recm-eleito Arthur Bernardes, que se recusou
a se envolver no caso. A partir disso, a oposio, liderada por Brasil, iniciou um
movimento armado contra o governo gacho com a inteno de depor Borges
de Medeiros ou provocar a interveno federal, que ocorreu em 25 de janeiro de
1923. Nesse movimento, destacaram-se alguns caudilhos como Zeca Neto,

197Idem.
198Fonte deste e dos trs prximos pargrafos: MOREIRA, Regina da Luz. "Revoluo Gacha
de 1923" in http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-
republica/REVOLU%C3%87%C3%83O%20GA%C3%9ACHA%20DE%201923.pdf Acesso em
14/10/2015.
68
Leonel Rocha e Honrio Lemes, que auxiliaram mais tarde a Coluna Miguel
Costa - Prestes.
Em outubro de 1923, o general Fernando Setembrino de Carvalho, ento
ministro da Guerra, recebeu a funo de mediar a pacificao. Por fim, Assis
Brasil aceitou uma proposta apresentada pelo governo federal, e em 14 de
dezembro de 1923 foi assinado o Pacto de Pedras Altas.
Em janeiro de 1924, as oposies gachas se uniram e formaram a
Aliana Libertadora, sob a liderana de Assis Brasil, que tinha como objetivo a
luta pela liberdade poltica e o combate situao dominante no Rio Grande do
Sul, uma vez que o Pacto de Pedras Altas no conseguiu pr fim crise no
estado e os oposicionistas continuaram a ser perseguidos por Borges de
Medeiros. Com a ecloso dos levantes tenentistas do mesmo ano, houve uma
aproximao entre os dois movimentos, sendo, Assis Brasil nomeado por Isidoro
como chefe civil da revoluo, mesmo ele no tendo participado do
planejamento do movimento199.

(...) Manifesto claro do Dr. Assis que, chefe da Aliana Libertadora e


com os amplssimos poderes que eu lhe trazia da Diviso "S. Paulo" -
assumiria a direco poltica, administrativa, financeira e mesmo
militar, era directivas quando revoluo. Para isto elle, com outros
membros a sua escolha, constituiria a junta governativa, se no Brasil,
um Comite Central ser no estrangeiro. Escolheria, do mesmo modo, os
auxiliares necessrios, tendo tambem, ao seu lado, uns dois officiais
do exercito de cara competncia profissional e de grande dedicao -
technicas esses que eu forneceria porque os tenho. (...) H j mais de
um mez que me lento por isto, tudo percorrido todas as fronteiras,
Montevideo e B. Ayres, conferencias e escrevendo aos amigos,
principalmente ao Dr. Assis Brasil com quem fallei e a quem escrevi
duas cartas, sendo a ultima um verdadeiro ultimatum, para que falasse.
Comprehende-se-o governo explora o facto da revoluo no ter
orientao e direco polticas, de mesmo modo que amigos nossos
esto indecisos pela falta da palavra do Dr. Assis. (...) Levei mezes
dizendo e escrevendo que eu, de nome obscuro e humilde no exercito
e de nome apagado e desconhecido do mundo civil, no poderia impor
a revoluo no conceito nacional. Isto no , de minha parte, falsa
modstia ou modstia real; a observao dos factos as exhitaes que
encontrei e os prejuisos que temos tido provam que so precisos
nomes de repercusso, embora sejam medalhes... Finalmente - o Dr.
Assis se resolveu a fallar mas... j muito tarde. Hoje ou amanh ser

199 ABREU; BELOCH (Coord.), op. cit. Disponvel em


http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-
republica/BRASIL,%20Assis%20(emb.).pdf Acesso em 14/10/2015.
69
lida na Camara, pelo Dr. Luzardo, uma carta de Dr. Assis, que um
elevadssimo documento, digno da nossa causa. (...) 200

A carta acima, de Isidoro para Prestes, aponta a importncia de se ter o


nome de Assis Brasil como lder civil por conta de seu prestgio poltico, que
atrairia mais pessoas para o movimento. O deputado Batista Luzardo, tambm
integrante da Aliana Libertadora e apoiador dos movimentos tenentistas, foi
uma figura de grande importncia para noticiar a marcha, uma vez que seus
discursos eram comentados em jornais.
Assim como informou Isidoro, de fato a carta foi lida em plenrio. Antes
de sua leitura, o deputado fez a seguinte fala:

(...) proceder leitura da carta a que me referi em discurso anterior


neste recinto, hoje pronunciado, e por mim recebida com a data de 15
deste mez de dezembro de 1924, do Sr. Dr. J. F. de Assis Brasil.
Embora se trate de documento particular, a mim endereado, o certo
que, to grande sendo a sua importncia no momento presente,
precisa de ser transformado em documento publico, enorme e visvel a
sua utilidade como esclarecedor de opinies e para bem julgar-se da
attitude que a opposio do Rio Grande do Sul vem de assumir no
scenario poltico do paiz. (...). 201

Este trecho bastante significativo para refletirmos acerca da utilizao


de cartas enquanto fonte para o ofcio do historiador. Segundo Bahktin, a carta,
com suas variadas formas, faz parte dos gneros discursivos e to rica e
diversa quanto as possibilidades da atividade humana202. Costumeiramente,
includa dentre os escritos autobiogrficos por tratar de escrita de si, onde o
indivduo escreve em primeira pessoa em posio reflexiva em relao a si e a
seu mundo203, a carta apresenta uma imagem controlada da espontaneidade e
da revelao da intimidade.

200 LOPES, Isidoro Dias. Carta para Luiz Carlos Prestes. S.L., 23 de dezembro de 1924. CPDOC
- Fundo Juarez Tvora, JT dpf 1924.05.10, p. 21-23.
201 Annaes da Camara dos Deputados. Sesso em 29 de dezembro de 1924, p. 450-453.

Disponvel online em
http://imagem.camara.gov.br/dc_20b.asp?selCodColecaoCsv=A&Datain=29/12/1924 Acesso
em 27 de maio de 2016.
202 MARTINS, Vanessa Gandra Dutra. Reflexo sobre a escrita epistolar como fontes histrica a

partir da contribuio da teoria da literatura. Revista Lngua & Literatura. V. 13, n. 20, agosto de
2011, p. 65.
203 MALATIAN, Teresa. "Narrador, registro e arquivo" in PINSKY, Carla Bassanezi; LUCA, Tnia

Regina de (Orgs.) O Historiador e suas fontes. So Paulo: Contexto, 2009, p. 195.


70
Todavia, acreditamos que estes escritos, para alm da escrita de si,
apresentam um tipo de escrita do grupo. Em poucas cartas e livros de memrias
com que trabalhamos, encontramos maiores reflexes acerca do indivduo que
os escreve, ou que fazem a utilizao do pronome "eu". Em sua maioria, nos
deparamos com o "ns" e com uma reflexo sobre o grupo de pessoas
envolvidas nos movimentos, ou sobre aquelas mais prximas desse
ajuntamento. A imerso poltica do sujeito, e consequentemente do grupo, bem
como suas experincias, se fazem presentes no texto.
Como afirma Teresa Malatian, atravs das cartas trocadas podemos
perceber a organizao e o papel dos indivduos que se organizaram em torno
de um objetivo comum. "O grupo comporta amizades e dios, disputas e alianas
a que est sujeito. Tais informaes sero de grande utilidade tambm para a
compreenso da personalidade de um determinado autor, da construo de sua
obra, da percepo de suas ideias204. Christophe Prochasson nos aponta
alguns cuidados a serem tomados ao se trabalhar com esse tipo de fonte.
Segundo o autor:

As armadilhas que as correspondncias estendem aos historiadores


so no entanto numerosas. A impresso de pegar desprevenido o autor
de uma carta que se destinava unicamente ao seu correspondente, o
sentimento de violar uma intimidade, garantia de autenticidade, quando
no de verdade, so s vezes bastante enganadores. Existem
correspondncias que traem uma autoconscincia que no engana
ningum. Existem cartas ou documentos privados cujo autor mal
disfara o desejo, talvez inconsciente, de torn-los, o quanto antes,
documentos pblicos. A conservao sistemtica da correspondncia
recebida por um intelectual e s vezes mesmo as cpias de algumas
de suas prprias cartas sempre me intrigaram. As razes que levam a
um tal comportamento me parecem indicar uma conscincia da histria
que vem por um limite inegvel autenticidade. Nada corre o risco de
ser mais falso do que a "bela carta" ou o arquivo privado "que se basta
a si mesmo", que "to revelador". H a algumas armadilhas
preparadas. 205

Os apontamentos feitos pelo autor acima podem ser muito bem notados
na fala do deputado Batista Luzardo na Cmara dos Deputados antes da leitura

204Ibidem, p. 209.
205 PROCHASSON, Christophe. ''Ateno: Verdade!" Arquivos Privados e Renovao das
Prticas Historiogrficas. Estudos Histricos, vol. 21, 1998, p. 111 e 112.
71
da carta recebida de Assis Brasil. Muito provavelmente a correspondncia
quando escrita por Assis j teria a finalidade de ser lida em plenrio e anunciar
sua posio com relao ao movimento, sendo desde seu princpio um
documento pblico e no privado, detentora no de questes pessoais, mas sim
de um coletivo.
Segue trecho da carta em questo:

(...) A allegao do Convenio de Pedras Altas seria dolorosamente


irrisria: as obrigaes contrahidas por esse documento eram
reciprocas; ns nos conformariamos com o resto do periodo da
usurpao, mediante o cumprimento das clausulas expressas,
garantidoras da vida e da liberdade, acceitas pelo usurpador e
afianadas pelo Governo Federal, alm, do penhor especial,
calorosamente offerecido pelo Ministro da Guerra, da sua honra
governamental, militar e pessoal. Ora, sabido como essas promessas
foram cumpridas. (...) Terminada a breve visita do ministro, comeou a
orgia brutal que impossibilitou em quas todos os municpios a
expresso da opinio oppositora, com os mais repugnantes attentados
dignidade humana, liberdade e vida. (....) Era essa a situao no
Rio Grande do Sul quando explodiu o levante militar de So Paulo.
Nada tnhamos com elle, nem fomos ouvidos sobre os antecedentes
ou os fins dessa sublevao. Por isso, a opinio libertadora sul-rio-
grandense permaneceu em attitude de mera espectao, tendo
mesmo alguns dos nossos amigos influentes offerecido os seus
servios ao Governo Federal para o sustentarem no caso de se tratar
de um pronunciamento militar commum, destinado apenas a derrubar
a autoridade, substituindo-lhe uma dictadura militar. (...) em quaesquer
circumstancias, o fim supremo, a suprema razo de ser da Alliana
Libertadora, seria sempre a libertao do Rio Grande do Sul da
tyrannia roseana que nos esmaga e envergonha. Si pois, a revoluo
iniciada em S. Paulo assumisse caracter civil e se associasse ao nosso
ideal, como poderamos decentemente repelil-a, ainda mais si se desse
a aggravante evidente do Governo Federal prestar mo forte ao nosso
oppressor, acceitando a sua ignominiosa adheso e fazendo causa
commum com elle? Como poderamos honestamente repudiar o exilio
que nos offerecessem os elementos que no prprio Estado do Rio
Grande do Sul se levantassem como repercusso do facto paulista,
offerecendo-nos a sua solidariedade na obra de redempo que a
fatalidade tornou condio inseparvel da nossa vida moral e material?
(...) como chefe da Alliana Libertadora e como simples cultor do
regimem democrtico, eu no posso deixar de applaudir tudo quanto
puder levar-me libertao. Por outro lado, tenho por certo que
ningum me faria seriamente a injuria de suppor-me capaz de apoiar
um simples pronunciamento militar, si no tivesse garantias positivas
de que os militares nelle envolvidos no aspiram dictadura militar,
mas querem apenas a extirpao dos abusos e da corrupo em que

72
se vm afundando aos olhos de todos e com o reconhecimento de
todos, - as instituies e a Patria. (...)206

Na carta acima, podemos notar a declarao dos princpios democrticos


do movimento e de que maneira os elementos militares confluam com os civis,
uma vez que ambos eram contrrios ao estabelecimento de uma ditadura militar
e favorveis ao fim dos abusos praticados pelo governo do perodo.
Como pudemos ver na carta anterior, de Isidoro, e na abaixo, de Prestes,
Assis Brasil era um nome importante para o movimento tambm para que se
angariasse recursos para a luta:

(...) julgo urgentes e imprescindveis as seguintes providencias (...)


Preciso de alguns recursos pecuniarios sempre necessrios. Tomo a
liberdade de lembrar a V.Ex. a existncia do Comite Central que, tendo
o Sr. Assis Brasil a testa facilmente poder conseguil-os.(...). 207

Conforme j vimos em algumas das cartas de Isidoro, a superao do


problema de falta de munio e de armamento era uma questo chave para a
continuidade e sucesso do movimento. Para alm disso, faltavam tambm
materiais bsicos para determinar a direo da marcha como mapas e binculos:

(...) Infelizmente estes movimentos no podero ser de grande


envergadura devido a quase completa falta de munio com que
lutamos. Mesmo assim podemos, pelo menos, ameaar o inimigo (...)
julgo urgentes e imprescindveis as seguintes providencias:
1- Remessa com a mxima rapidez de 100.000 tiros e logo depois de
400 armas para a minha columna. Si possvel devem tambm ser
enviadas algumas armas automaticas.
Para isso necessario que sejam ahi tomadas as necessrias
providencias para que a munio e armamento sejam o quanto antes
colocados na foz do Floriano, bem como facilitada com a confeco de
canas e balsas a passagem do Iguass. Por aqui esto sendo
tomadas todas as providencias para que sigam com a maior urgncia
os cargueiros necessarios ao transporte do material.
Os homens que acompanham as tropas de cargueiros seguem
desarmados e podem trazer uma arma cada um. (...) 3- Necessito
ainda que me sejam enviados os mappas e cartas que por ahi existam
e referentes aos Estados do Paran e Santa Catharina. Preciso dos
mappas completos destes estados.
4- Para que a minha aco aqui se torne efficiente preciso estar
perfeitamente informado das posies occupada pelo inimigo e

206 BRASIL, Assis. Carta para Batista Luzardo. Berachi, 15 de dezembro de 1924. Annaes da
Camara dos Deputados. Sesso em 29 de dezembro de 1924, p. 450-453. Disponvel online em
http://imagem.camara.gov.br/dc_20b.asp?selCodColecaoCsv=A&Datain=29/12/1924 Acesso
em 27 de maio de 2016.
207 PRESTES, Luiz Carlos. Carta para Isidoro Dias Lopes. Barraco, 10 de fevereiro de 1925.

AESP - Cartas da Revoluo de 1924.


73
constantemente informado a respeito de seus movimentos. (...) 7- Si
for possvel peo-vos a remessa de alguns binoculos.
Nesta forma, dentro de pouco tempo, poderei ter a minha
brigada em condies de prestar Revoluo os servios que, desde
organizada deseja prestar. Infelizmente a falta de armamento e
munio impossibilitou-a de agir, comquanto disponha de elementos
de alto valor, estando os soldados habituados a avanar contra o
inimigo quase desarmados. Os 800 homens que consegui at aqui
trazer provaram em mais de 100 leguas de marcha do que so capazes
e convenceram-se de que a persistncia uma das maiores armas do
revolucionrio. (...) 208

As diversas dificuldades e faltas, dentre elas a de munio, armamentos,


alimentos e outros materiais, muitas vezes amenizadas pelo que se encontrava
em meio ao caminho, fez com que muitos desertassem, enfraquecendo ainda
mais o movimento:

(...) A situao presente esta: Honorio, Zeca Netto e Julio de Barros,


derrotados e emigrados, perdendo, o que pior, o armamento. (...) 209
(...) Infelizmente no pude aqui chegar com os 1500 homens com que
sahi de S. Luiz. Chefes como Ruy Zubaran, Innocencio Silva e Pedro
Aaro, retiraram-se com verdadeiro pavor do sitio de S. Luiz, levando
comsigo criminosamente homens, armas e munio. (...) Tivemos que
lutar mais com a fraqueza e desanimo de certos companheiros do que
com o prprio inimigo, pois, este, com a rapidez de nossos movimentos
ficou impossibilitado de fazer a mais insignificante das perseguies..
(...)210

Essas desistncias, muitas delas acompanhadas de exlio em pases da


fronteira, como Argentina, Paraguai e Uruguai, abrangiam os diversos grupos
que compunham o movimento. A partir da formao da guerrilha alguns militares,
membros da Fora Pblica, lideranas polticas rio-grandenses, como vimos
acima, e civis, como os estrangeiros advindos do movimento da cidade de So
Paulo, desertaram:

Excluso por desero


Tendo abandonado o posto que occupava e desertado, o grupo
allemo do Cap Schultz, determino que seja o mesmo excludo por
desero, do 4. Batalho, cuja unidade far a devida alterao e

208 Idem.
209 LOPES, Isidoro Dias. Carta para Luiz Carlos Prestes. S.L., 23 de dezembro de 1924. CPDOC
- Fundo Juarez Tvora, JT dpf 1924.05.10, p. 21-23.
210 PRESTES, Luiz Carlos. Carta para Isidoro Dias Lopes. Barraco, 10 de fevereiro de 1925.

AESP - Cartas da Revoluo de 1924.


74
excluir a todos os respectivos nomes, - digo, citando os respectivos
nomes. 211

O trecho de carta abaixo, assinada por Muller, que imaginamos ser Filinto
Muller, nos d pistas para pensar por que vrios integrantes resolviam
abandonar a luta.

(...) A impresso que tive de Iguassu foi a peor possivel: - os chefes


haviam seguido para Bella Vista e a soldadesca, mais alguns tenentes,
principiava a lanar mo de tudo!
O Cel. Estillac conseguiu acalmar a todos, explicando que o Gal.
Padilha tinha permisso para descansar e que o Marechal ia a Posadas
fretar um vapor (segundo declarou aqui a todos) para conduzir os
emigrados at Posadas onde lhes dar recursos. O hospital, por
interveno do consul argentino, passou tudo para Aguirre e no meio
dos doentes, passaram-se cerca de 20 soldados bons.
Restam aqui, actualmente, de 15 a 20 soldados que s aguardam
conduco para rumar ao Paraguay.
Era minha inteno aqui permanecer at a chegada da cavallaria mas
a falta de boia um facto (em 24 horas, s tomei uma refeio!) e por
isso resolvi seguir hoje mesmo para porto Bellla Vista; accresce a
circunstancia de no offerecer Iguass a menor segurana, sem
guardas, sem nada (...)
No sigo immediatamente para Sta Helena porque estou quasi a p,
com o meu cavallo inteiramente estropeado; como o nosso effectivo
actualmente muito reduzido e ha officiaes de sbre, minha ausencia
no causar prejuzos; penso que no posso ser criticado pelo
companheiro, porque sempre estive na frente e trabalhando. 212

Aps o envio de sua carta citada acima para Miguel Costa, Muller desertou
e se exilou na Argentina213. Tendo participado do movimento de 1922 na Escola
Militar do Realengo, ficou preso por cinco meses. Em 1924, foi um dos lderes
da revolta do 4 B.I. em So Paulo, participou da retirada das tropas revoltosas
da cidade em direo ao Paran e foi promovido por Miguel Costa de capito
para major214. Como substituiu, juntamente com Henrique Ricardo Hall, o tenente
Custdio de Oliveira no comando do 2 Grupo Independente de Artilharia depois
do incio da revolta, no levante de 1924 em So Paulo,215 supomos que ele

211 SOUSA, Joo Francisco Pereira de. Ordem do Dia n 11. Porto Mendes, 20 de setembro de
1924. CPDOC - Fundo Juarez Tvora, JT dpf 1924.05.10, p. 9.
212 MULLER. Carta para Miguel Costa. Foz do Iguau, 14 de maio de 1925. CPDOC - Fundo

Juarez Tvora, JT dpf 1924.05.10, p. 177-178.


213 ABREU; BELOCH (Coord.), op. cit., disponvel em
http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/biografias/filinto_muller
214 COSTA, Miguel. Boletim n 1. Santa Helena, 14 de abril de 1925. CEDEM/UNESP.
215 TVORA, op. cit., p. 140.

75
desertou juntamente com Hall, aps o encontro da Diviso So Paulo com a
Coluna de Prestes devido proximidade entre ambos. Mais tarde, durante a
ditadura de Vargas, foi torturador, chefe da polcia poltica, responsvel pela
priso e extradio de Olga Benrio. Segundo o jornalista Fernando Morais,
neste perodo:

Filinto que estava no encalo de Lus Carlos Prestes no era o policial


caando o comunista, mas o oficial da Coluna Prestes procura do
antigo chefe para um acerto de contas. (...). Tanto a promoo quanto
a prpria permanncia de Filinto na Coluna, no entanto, durariam muito
pouco. Foram necessrios apenas nove dias para que Prestes
descobrisse que mandara promover o homem errado. Filinto escrevera
uma carta a seu superior imediato, o general Miguel Costa, anunciando
que iria a Assuno, no Paraguai, para uma visita famlia, exilada
naquela cidade, e prometia juntar-se novamente Coluna no estado
do Mato Grosso. Mas mandou outra carta, dirigida aos sargentos e
soldados que o acompanhavam desde o levante de 5 de julho, em So
Paulo, propondo a desero coletiva. Na segunda carta dizia tropa
que para ele estava tudo acabado e que no tinha mais esperanas no
sucesso da Coluna. Cada um fizesse o que bem entendesse, pois ele,
a partir daquele momento, no se responsabilizava mais por nenhum
dos seus subordinados. O que o major Filinto Muller no poderia
imaginar que as duas cartas iriam cair nas mos de Prestes. Quando
o chefe da Coluna tomou conhecimento dos documentos, o recm-
promovido major das foras revolucionrias fugira para a Argentina (e
no para o Paraguai, como dissera), levando nos bolsos cem contos
de ris da intendncia da Coluna. (...) 216

No tivemos acesso carta destinada tropa de Muller, que foi


encaminhada para Prestes, mas no boletim n 5, assinado por Miguel Costa,
consta:

Seja excludo do estado efetivo das foras revolucionrias o capito


Felinto Muller por haver covardemente se passado para o territrio
argentino, deixando abandonada a localidade de Foz do Iguau, que
se achava sob a sua guarda, resultando que as praas que
compunham a mencionada guarda o imitaram neste gesto indigno,
levando armas e munies pertencentes Revoluo. Oxal que esse
oficial futuramente se justifique perante seus companheiros, que ainda
lutam em defesa da Repblica, dessa acusao que pesa na sua
conscincia de filho dessa grande ptria.217

216
MORAIS, Fernando. Olga. 17 edio. So Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 125 e 126.
217COSTA, Miguel. Boletim n 5. Santa Helena, 19 de abril de 1925 apud PRESTES, Anita
Leocdia. A Coluna Prestes. 3 Ed. So Paulo: Brasiliense, 1991, p. 425.
76
Outro ponto fomentador de divergncias principalmente a posteriori ao
movimento foi a maneira pela qual se referiam a ele. Na prpria obra de Moreira
Lima, encontramos algumas possibilidades como cruzada regeneradora218, 1
Diviso Revolucionria, "constituda pelas Brigadas 'So Paulo' e 'Rio
Grande219, ou ainda:

quando Djalma Dutra e eu chegamos a Libres, ele [Isidoro] nos recebeu


com um grande afeto e as suas primeiras palavras foram de profunda
admirao pelos louros colhidos pelo nosso jovem general [Miguel
Costa], lamentando apenas que o povo, - deslumbrado pela mocidade
esplndida de Luiz Carlos Prestes, cometesse a injustia de esquecer
o nosso comandante, chefe de alto mrito, denominado as nossas
foras de Coluna Prestes em vez de Coluna Miguel Costa - Prestes,
quando estes nomes se haviam irmanado para a imortalidade e para a
glria. Eu prefiro cham-la, concluiu o velho marechal, Coluna Fnix,
porque, como o pssaro da lenda, ela tem renascido das prprias
cinzas.220

Segundo nossas fontes, no parece ter existido entre Miguel Costa e Luiz
Carlos Prestes nenhum tipo disputa pela liderana do movimento. Pelo contrrio,
embora Miguel Costa, na hierarquia do comando, fosse superior a Prestes
ambos assinavam os comunicados e participavam das discusses coletivamente
como j foi posto. Todavia, o mesmo no ocorreu posteriormente, nas disputas
de construo da memria do movimento, conforme podemos notar nos trechos
de carta de Miguel Costa para Nelson de Melo:

Voc sabe como o quero bem e, por isso, no estranhar esta carta
que lhe escrevo procurando esclarecer alguns tpicos de sua
entrevista ao "Estado de So Paulo". Tenho certeza que o bom Amigo,
admirador que da verdade dos fatos, h de gostar de contribuir para
a restaurao histrica dos acontecimentos. Sua entrevista precisa de
pequenos reparos, o que no ocorreria caso Voc, em logar de ter sido
preso, heroicamente em Catanduvas, tivesse continuado a luta
comnosco e, permanecendo no teatro das operaes, participasse da
travessia do Paraguai.
Nessa entrevista Voc diz:
1 - Que a marcha da Coluna no fora prevista, o que rigorosamente
certo;
2 - "Que essa marcha foi um episdio isolado, em face das
circunstncias em que ficou a tropa de Prestes, que resolveu
atravessar a fronteira do Paraguai e de La fazer uma nova incurso
pelo territrio nacional", o que no corresponde realidade histrica.

218 LIMA, op. cit., p. 34.


219 Ibidem, p. 114.
220 Ibidem, p. 60.

77
O restante da entrevista certo, com excesso da ltima frase: "A
Coluna Prestes foi iniciativa exclusiva de Prestes".
No querendo magoar a quem quer que seja, no procurando diminuir
as glrias de ningum e, menos ainda, no buscando
engrandecimentos pessoaes - pois a minha prpria atuao nada mais
foi do que um "simples episdio imposto pelas circunstncias do
momento", para empregar suas oportunas e ajuizadas palavras,
procurarei, to somente, e a bem da Histria, recapitular os fatos. (...)
A 14 de abril, conforme se pode verificar no livro "Marchas e Combates"
de Moreira Lima, 1. Vol. pags. 453 a 458, reorganizei a tropa cujo
comando assumi: Destacamento "Rio Grande" sob o comando de
Prestes, Destacamento "So Paulo" sob o comando de Juarez; um
Regimento de cavalaria Divisionria a uma Bateria de artilharia Mista;
denominava-se essa tropa, Primeira Diviso Revolucionria (pag. 453
do citado livro) e no Coluna Prestes. A "Coluna Prestes" que vinha do
Sul, portanto, desapareceu, deixou de existir, incorporada que foi a
Primeira Diviso Revolucionria. (...) Resumindo: (...) 4 - A "Coluna
Prestes" que veio do Sul, desapareceu antes da travessia da Repblica
do Paraguai; 5 - no foi, portanto, a "Coluna Prestes" que atravessou
o territrio (...).221

Plano poltico e reivindicaes

Segundo Mike Savage, "o trao distintivo da vida operria no se apoia


exclusivamente no processo de trabalho (como frisaram os marxistas) nem no
mercado de trabalho (como desejariam os weberianos), mas na insegurana
estrutural"222. No caso que estudamos, esta insegurana se fazia presente tanto
economicamente - com o atraso dos soldos e na lenta evoluo dos postos que
impossibilitava o aumento nos ganhos, e com a carestia de modo geral -, como
politicamente, com a represso do governo Bernardes e toda sua estrutura
imposta. Esses fatores fizeram com que os chamados "tenentes" buscassem
estratgias para lidar com isso e formassem, a partir da, um grupo. Dentre as
estratgias, que tinha como polo propagador o Clube Militar, a de maior
relevncia foi a defesa da luta armada e de movimento, e a possibilidade de
substituio do poder.

221 COSTA, Miguel. Carta para Nelson de Melo. So Paulo, 14 de agosto de 1959. AEL/UNICAMP
- Fundo Miguel Costa, Pasta 42.
222 SAVAGE, Mike. Classe e Histria do Trabalho. In BATALHA, Claudio H. M.; SILVA, Fernando

Teixeira; FORTES, Alexandre (Orgs.). Cultura de classes: identidade e diversidade na formao


do operariado. Campinas: Editora da Unicamp, 2004, p. 33. (Grifos do autor).
78
Para a articulao da proposta de luta armada, notamos a tessitura de
redes. Atravs desses mediadores espaciais, que transitavam por diversos
locais, conforme notamos no captulo anterior, observamos a existncia de uma
cultura poltica que estes agentes carregavam e que se transformava perante os
diversos grupos.223
Segundo Edgar de Decca,

o que define esses revoltosos no o fato de terem desencadeado


movimentos militares em 22 ou 24, mas sim propostas polticas que se
expressam em torno da revoluo. Alm disso, o fato desses
revoltosos se autodenominarem revolucionrios e manterem-se unidos
pelo menos at 1928 em torno de um programa genrico de combate
oligarquia, facilitou sobremaneira a identificao de vrias propostas
polticas com o temrio da revoluo224

Outro ponto de confluncia entre os envolvidos nestes movimentos foi a


pretenso de adquirir carter nacional, embora tivessem, ao mesmo tempo, suas
particularidades e o desejo por mudanas especficas de suas localidades. 225
Conforme as memrias de Joo Alberto Lins de Barros, tenente de Alegrete,
essas mudanas seriam a liberdade de pensamento, a verdade eleitoral, "contra
a corrupo em todas as suas formas e contra a prepotncia dos governos" 226.
Segundo as de talo Landucci, lder do Batalho Italiano na cidade de So Paulo
e que seguiu os revoltosos at o fim da Coluna Miguel Costa - Prestes, nas
conversas tidas nas horas de folga no decorrer da marcha, pouco se tratava de
poltica, j que "todos pertenciam oposio, comungando dos mesmos
pensamentos"227.
Para Tvora, a conspirao que resultou nos movimentos de 1924
encontrava ressonncia em vrias guarnies. Contudo, havia divergncias

223 Ibidem, p. 34 e 44. BERSTEIN, Serge. A Cultura Poltica. In RIOUX, Jean-Pierre & SIRINELLI,
Jean-Franois. Para uma Histria Cultural. Lisboa: Estampa, 1998, p. 349-363.
224 DECCA, Edgar Salvadori de. 1930: O silncio dos vencidos - Memria, histria e revoluo.

So Paulo: Brasiliense, 2004, p. 85.


225 MAYNARD, Andreza Santos Cruz. A caserna em polvorosa: a revolta de 1924 em Sergipe.

Dissertao (Mestrado em Histria). Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2008, p. 122.


DANTAS, op. cit., p. 226.
226 BARROS, Joo Alberto Lins de. Memrias de um Revolucionrio. Rio de Janeiro: Civilizao

Brasileira, 1954, p. 130.


227 LANDUCCI, talo. Cenas e Episdios da Revoluo de 1924 e da Coluna Prestes. 2 Ed. So

Paulo: Brasiliense, 1952, p. 164.


79
srias com relao visibilidade imediata do movimento, tendo como centro o
major Bertoldo Klinger, que se colocava a favor da rebelio, mas julgava os
elementos disponveis insuficientes para o sucesso, como se observa no trecho
a seguir:

Correndo, em Curitiba, a desconfiana de que o Major Bertoldo Klinger


se arredara, definitivamente, da conspirao, um de seus amigos e
admiradores, naquela guarnio, escreveu-lhe carta, pedindo-lhe
informaes sobre o desenvolvimento da trama revolucionria em So
Paulo. A resposta dada a essa indagao constituiu verdadeira bomba
anti-revolucionria. Embora desse a entender que no era infenso a
um movimento regenerador extralegal, afirmava nada ter haver de
srio, a respeito, em So Paulo. E conclua sua resposta com a
seguinte advertncia: "Esto jogando a, perante os camaradas,
indevidamente, com o meu nome. preciso tomar cautela contra tal
explorao"228.

No trecho acima, podemos notar duas posies. A posta por McCann 229,
de que a tomada de deciso para a adeso era, para alguns, influenciada
conforme a de amigos ou de "admiradores", mas tambm havia aqueles que
viam o movimento de maneira crtica (e ctica) como Klinger o fez. Entretanto,
temos outra possibilidade que a adeso sem ao menos saber o que se
passava, apenas cumprindo ordens superiores:

Tenente Coronel Olyntho Mesquita de Vasconcellos (...) no dia 5 de


julho ltimo recebeu um telegramma do General Isidoro para trazer o
2 Grupo de Artilharia de Montanha a esta Capital (...) occultando-o,
porm, dos inferiores e praas (...) fez constar em boletim que o Grupo
obedecia ordem do Quartel General de So Paulo230.

De todo modo, nos parece muito difcil que essas adeses, induzidas por
comandantes, tenha levado comandados para a marcha da Coluna e que estes
tenham feito todo o sofrido trajeto at o exlio. Outra possibilidade de que tal
justificativa tenha sido dada para que responsabilidades e punies recassem
sobre o comandante, a partir de sua prpria orientao, a fim de safar seus
homens de perseguies e punies.

228 TVORA, Juarez, op. cit., p. 134.


229 MCCANN, Frank D. Soldados da Ptria: histria do exrcito brasileiro, 1889-1937. Trad. Laura
Teixeira Motta. - So Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 346.
230 Successos Subversivos de So Paulo, op. cit., p. 127.

80
De 1924 a 1927, vrios foram os escritos que indicavam um programa
poltico do movimento. Em 1924, na cidade de So Paulo, foi publicado um
manifesto que o colocava como patritico, nacional, contra o governo de Arthur
Bernardes, em honra ao Exrcito afrontado em 1922, contra o nepotismo, contra
a coero nas urnas e as perseguies polticas, em defesa da Constituio e
da integridade moral:

(...) um movimento de caracter patritico, de altssimo significado


social e poltico e, consequentemente, a sua aco tem um
caracterstico nacional. (...) Quanto ao governo da Republica, preciso
fazer notar, desde logo, que o Exercito Nacional no pde e no pde,
nunca, acceitar o governo do dr. Arthur Bernardes, no que diz
peculiarmente respeito sua pessa. No obstante os factos
conhecidos, permanecem de p as gravssimas offensas por elle
dirigidas ao Exercito.
Entretanto, no visa a revoluo a pessoa do dr. Arthur
Bernardes, o que lhe diminuiria o caracter elevado em que se inspirou
e com o qual se apresenta ao povo brasileiro. Ella traz, como um dos
seus objectivos a substituio do actual governo da Republica, por
entenderem os seus chefes e orientadores, que esse governo no esta
a altura dos destinos do paiz e que, por factos cuja citao
desnecessria, por mui notrios, tm demonstrado praticamente ser a
continuao dos governos eivados de vcios que tm dirigido o Brasil
nestes ltimos lustros. Estes governos de nepotismos, de advocacia
administrativa, de concesso em concesso, de accrdos em accrdos
vm arruinando paulatinamente as suas foras vivas, aniquilando-o
interna e externamente.
O Exercito no tem ambies e no quer postos. Age
abnegadamente, por altrusmo brasileiro e fundamentalmente
patritico e, nesse sentido, os chefes do movimento revolucionrio
querem dar o exemplo que empreste autoridade sua crtica aos
republicanos, que, at agora, occuparam os altos postos da
administrao do paiz e que, com raras excepes, no souberam
servil-o nos seus interesses geraes.
O Exercito quer a Patria como a deixou o Imperio, com os
mesmos princpios de integridade moral, conscincia patritica,
probidade administrativa e alto descortino poltico. (...) O povo ficou
reduzido a uma verdadeira situao de impotencia, asphyxiado em sua
vontade pela aco compressora dos que detm as posies polticas
e administrativas. Dispondo de material bellico moderno, contra o qual
os cidados inermes nada podem fazer, os dominadores tm-lhe
coarctado a manifestao da vontade, pelas urnas, orgam legitimo pelo
qual a soberania popular se exerce nas democracias.
Quando se proclamou a Republica, o Exercito Nacional jurou
fidelidade Constituio e, por conseqncia, assumiu perante o povo,
implicitamente, sob a sua honra de cidados e de militares o
compromisso de fazel-a cumprir. (...) Os governos que temos tido tm
assumido um caracter de irresponsabilidade. Abusando do credito do
paiz e podendo at chegar a envolver-se em acontecimentos polticos
internacionaes como sejam attitudes bellicas inconvenientes, movidas
por interesses de armamentistas inconscientes.
Um exemplo desses factos d o prprio actual governo da
Republica, que tem feito considervel presso sobre o povo,

81
caracterizando-se por actos de vingana pessoal, inspirados em dio
poltico. (...) 231

Conforme o comunicado, o movimento, genericamente, no visava


somente tirar Arthur Bernardes do poder, mas reformular o governo de maneira
profunda. Via, no modelo republicano vigente, um sistema que, com seus
acordos e concesses, arruinava o pas, contrariando o que, na viso deles, se
tinha no Imprio, que era integridade moral e conscincia patritica. Utilizando-
se amplamente da represso, tal governo republicano reduzia a cidadania
manifestao nas urnas.
Neste sentido, o Exrcito, enquanto proclamador da Repblica, seria o
protetor da Constituio, que no momento em questo se encontrava usurpada,
segundo o manifesto. A partir dessas afirmativas, buscava-se legitimar o
movimento remetendo-o s razes histricas do dever militar para com a
Constituio e o modelo republicano.
Embora no saibamos quem escreveu tal manifesto, podemos deduzir
que se tratava de um saudosista oficial, mais velho, que viveu no Imprio.
Pensando no comando do movimento em 1924 em So Paulo s no resta
apontar Isidoro Dias Lopes. No dia 9 de julho, um dia antes da publicao do
comunicado no jornal, o Palcio dos Campos Elseos foi encontrado abandonado
pelo presidente do estado, o que indicava que a cidade se encontrava em poder
dos revoltosos. A partir deste novo nimo dado ao movimento e das
responsabilidades que imbua ter o controle de So Paulo, provavelmente Isidoro
viu a necessidade de comunicar populao local as causas e ideais da revolta,
a fim de lhe atribuir legitimidade.
Em Santo ngelo, no Rio Grande do Sul, tambm foi publicado um
manifesto, assinado por Prestes, que acrescentava pauta liberdade para os
envolvidos no movimento de 1922, voto secreto e confisco das grandes fortunas
feitas com dinheiro pblico:

chegada a hora solemne de contribuirmos com nosso valoroso


auxilio para a grande causa nacional.

231 Um communicado dos chefes do movimento. O Estado de So Paulo, 10 de julho de 1924, p.


1.
82
H 4 mezes a fio que os heroes de So Paulo vm se batendo
heroicamente para derrubar o governo de odios e de perseguies que
s tm servido para dividir a famlia brasileira, lanando irmos contra
irmos como inimigos encarniados.
Todo o Brasil, de Norte a Sul, ardentemente deseja, no intimo de sua
conscincia, a victoria dos revolucionarios, porque elles luctam por
amor do Brasil, porque elles querem que o voto do povo seja secreto,
que a vontade soberana do povo seja uma verdade respeitada nas
urnas, porque elles querem que sejam confiscadas as grandes fortunas
feitas por membros do governo a custa dos dinheiros do Brasil, porque
elles querem que os governos tratem menos da politicagem e cuidem
mais do auxilio ao Povo laborioso que numa mescla sublime de
brasileiros e estrangeiros, irmanados por um mesmo ideal, vive
trabalhando honestamente pela grandeza do Brasil.
Todos desejam a victoria completa dos revolucionarios, porque elles
querem o Brasil forte e unido, porque elles querem pr em liberdade
heroes officiaes da revolta de 5 de Julho de 1922, presos porque num
acto de patriotismo, quizeram derrubar o governo Epitacio, o que
esvaziou criminosamente o nosso thesouro, e porque quizeram evitar
a subida do Governo Bernandes, que tem reinado a custa do generoso
sangue brasileiro. (...)

Em notas escritas por Prestes, ele refora pontos j presentes nos


manifestos publicados anteriormente e acrescenta a abolio da Lei de
Imprensa, a livre circulao dos Correios, proibio de reeleies, anulao de
leis e decretos que impedissem a livre associao e reunio de pessoas:

Summario programa poltico


Liberdades polticas
1 - Restabelecer-se a amplitude de todos os direitos individuais
consagrados pela Constituio
2 - Abolir a Lei de Imprensa que representa um instrumento coercitivo
da liberdade de pensamento e da livre critica das coisas publicas.
3 - Restabelecer o direito de livre circulao dos Correios das
publicaes que estendem ou propaguem quaesquer princpios
polticos, philosophicos, sociaes ou religiosos, abolindo-se todos os
decretos, leis, circulares, etc, que embaracem o seu livre transito
postal, garantido pela Constituio.
4 - Assegurar, de maneira inequvoca, o direito de livre associao e
de reunio pblica ou privada, hoje abolido de facto sob os mais
absurdos pretextos. Em conseqncia anullar quaisquer leis, decretos
ou medidas que constituem empecilhos ao exercicio desse direito.
5 - Como complemento innegavel ao direito de associao, assegurar-
se o direito aos associados de suas actividades profissionaes aos seus
delegados que, facilitando a aco correlativa s necessidades
associativas, facilitam a orientao do publico sobre os actos
criminosos daqueles que procuram enriquecer a custa de falsificaes,
adulteraes e monoplios.
6 - Abolir as leis que estabeleceram a expulso de extrangeiros nos
pontos que attingem os elementos que vindo para o Brasil prestar-nos
o concurso de suas energias physicas no desenvolvimento das
riquezas nacionaes, no abdicam, nem humano pretender-se o
contrario, do direito de alimentar uma conscincia e de propagar os
princpios que professarem.
Aco poltica

83
1 - Dissoluo de todas as Camaras Municipaes e Congressos
Estaduaes e Federal que no representam a vontade do povo nem
correspondem, de forma alguma aos interesses da collectividade
brasileira pois foram constitudas pelos [ilegvel] de politiqueiros de
profisso.
2 - Ampliar e systematizar a autonomia e as attribuies das Camaras
Municipaes, de forma a constiturem de facto a base do systema
federativo da Republica.
3 - Respeito absoluto a autonomia dos Estados acabando-se com o
direito das intervenes attentatorias do principio federativo
4 - Proibio das reeleies para cargos representativos
5 - Abolir o uso discricionrio do estado de sitio de que dispoem os
governantes
Problema moral
1 - Organizao em terrenos do Governo de colnias nacionaes
(idnticas s colnias estrangeiras, no Rio Grande do Sul) em que os
terrenos sejam vendidos a prestaes mdicas - Dotadas que sejam
as colnias das vias de transporte indispensveis ao prprio
desenvolvimento econmico
2 - Distribuio nos actuaes centros agrcolas de ferramentas e
sementes que facilitem ao povo o trabalho da terra 232

Em rascunho de carta de Juarez Tvora para Luzardo surgem ainda


outras propostas:

(...) 1. Unificao da Justia sob a gide do S.T.F., que elegeria os


seus membros e nomearia os magistrados, livrando o Poder Judiciario
da tutela do Executivo Federal ou Estadual;
2. Unificao do Ensino primario, profissional, secundario e superior
sob a direco suprema do Conselho Superior de Ensino, que elegeria
os seus membros, e nomearia o magisterio;
3. Unificao do regimem tributario, sob a forma de uma arrecadao
nica, distribuida em quotas proporcionaes entre a Unio, o Estado e
o Municipio;
4. Unificao do regimen eleitoral, com a adopo de uma lei nica
para a Unio e os Estados e os Municipios, e o estabelecimento do
voto secreto e obrigatorio;
5. Uniformizao de todas as Constituies estaduaes, pelo modelo da
Federal;
6. Regulamentao do art. 6 da Constituio Federal, de modo a
impedir as intervenes indebitas do Governo Central nos negocios
dos Estados;
7. Responsabilizao effectiva dos Agentes do Poder pelos abusos
commettidos no exercicio de suas funces;
8. Revogao da Lei de Imprensa. (...)

A partir dos apontamentos acima, podemos concluir que provavelmente


em nenhum momento todas as lideranas se reuniram, discutiram e definiram

232
Notas de Prestes "Doc. 5 da Columna R. Grande", copiadas e contidas no fundo Loureno
Moreira Lima, AEL/Unicamp.
84
um programa poltico unificado. Por exemplo, o item 5 das anotaes de Juarez,
que propunha a uniformizao de todas as Constituies estaduaes, pelo
modelo da Federal era contrrio aos projetos federalistas de Luzardo, Assis
Brasil e dos diversos maragatos envolvidos no movimento.
Dessa maneira, podemos notar que temos vrios programas com uma
base comum a todos, mas que cada qual apresenta suas especificidades, que
seus autores consideravam importantes para serem agregadas pauta da
revolta. Para Prestes, por exemplo, se fazia necessrio suspender as leis que
permitiam a extradio de estrangeiros por conta de crimes polticos, utilizadas
pelo governo para desarticular principalmente o movimento operrio, e
desenvolver polticas que permitissem uma reforma agrria, para a qual ele
prope subsdios para a organizao de colnias nacionais, nas quais os
terrenos pblicos fossem financiados, e que o governo distribusse ferramentas
e sementes ao povo.
Embora o movimento no tenha tido um plano coeso, nos parece bastante
interessante algumas atitudes tomadas pela Coluna, descritas por Moreira Lima,
que denotam alguma ideia e ao acerca das propostas de busca pela liberdade
de um modo amplificado:

Goiaz a terra dos troncos, gargalheiras e palmatrias.


Esses instrumentos de torturas povoam as suas cadeias.
Destruimos quantos depararmos, bem como as palmatrias existentes
nas escolas pblicas233.

Sobre a passagem em Carolina, Maranho, escreveu:

Nessa ocasio, mandamos queimar os livros e as listas relativos


cobrana dos impostos, verdadeiro auto de f, praticado como protesto
s extorses que o fisco oligrquico exerce sobre o povo escravizado.
A populao assistiu a essa queima com a maior alegria. (...) E
enquanto aquela papelada ardia, a Filarmnica Carolinense, presente
no ato, executava entusiasticamente a msica do "Ai! Seu m!"234.

Para alm do plano poltico, os objetivos momentneos que permitiam a


existncia da Coluna Miguel Costa - Prestes tambm foram se alterando

233 LIMA, op. cit., p. 199.


234 Ibidem, p. 207.
85
conforme se encaravam as possibilidades que o contexto permitia. De incio, a
inteno era chegar ao Rio de Janeiro e derrubar o presidente, seguindo pelo
menor caminho possvel. Perante os fortes combates e derrotas no Paran,
buscou-se ento chegar ao Rio atravs do Mato Grosso, aps o trecho seguido
por territrio paraguaio. Aps as intensas perseguies, procurou-se
simplesmente itens que permitissem sua existncia, como terreno, condies
para guerra de movimento e apoio, contentando-se com a divulgao da
mensagem revolucionria que fizeram pelo pas235.

Poltica de recrutamento e origem social

Segundo a historiadora Vavy Pacheco Borges236, o termo "tenentes", que


foi forjado diretamente na luta poltica, surgiu no primeiro semestre de 1931,
criado pelos jornais O Estado de S. Paulo e o Dirio Carioca em um contexto de
disputa pelo poder. De modo generalizante, referia-se a uma "corrente", a um
"partido dos tenentes237, tendo em vista que a maior parte dos militares
envolvidos nos movimentos possua tal patente. O termo criado tinha conotao
depreciativa, tanto que os mais conhecidos envolvidos, como Luiz Carlos
Prestes, Cordeiro de Farias, Juarez Tvora e Miguel Costa nunca se colocaram
como "tenentes" em falas ou memrias. At porque, em meio marcha e
posteriormente a ela, galgaram a postos mais altos da hierarquia. Essa
generalizao perpassa todos os envolvidos dos movimentos assim chamados,
inclusive os civis238. Essas tentativas de definir uma unidade e homogeneidade
ao "tenentismo" se mostram complicadas tambm por conta da atuao
contraditria e desarticulada daqueles que so apontados como seus membros,
no havendo grupo poltico ou social pr-definido, bem como a temporalidade
do(s) movimento(s) assim caracterizado(s).

235 DRUMMOND, op. cit., p. 139-140. CAMARGO, Aspsia; GES, Walter de. Meio sculo de
combate: dilogo com Cordeiro de Farias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981, p. 103.
236 BORGES, Vavy Pacheco. Tenentismo e Revoluo Brasileira. So Paulo: Brasiliense, 1992.
237 Ibidem, p. 20, 132, 145 e 150.
238 Ibidem, p. 146 a 148.

86
Embora os chamados "tenentes", participantes dos movimentos
tenentistas, possussem em sua boa parte a patente mdia de tenente, estavam
presentes tambm militares possuidores de outras patentes, alm dos membros
da Fora Pblica de So Paulo e dos operrios e profissionais liberais que se
envolveram nos movimentos, caracterizados frequentemente apenas como
militares ocorridos na dcada 1920.
Em paralelo, a distino entre trabalhadores e militares nos parece
inadequada no s porque os operrios e profissionais liberais envolvidos eram
chamados de "tenentes", no deixando evidente essa participao, mas tambm
porque os soldados, fossem do Exrcito ou da Fora Pblica, eram trabalhadores
que praticavam um ofcio. Como argumenta Beattie:

Os estudiosos raramente examinam os soldados sob a rubrica de


trabalhadores, e tampouco comparam o trabalho forado realizado por
muitos soldados a outras formas de trabalho compulsrio como
escravido (...). Os soldados so tradicionalmente retratados pela
histria social como os partidrios menores do Estado que oprimem
vtimas mais corriqueiras da coero estatal (...). No Brasil muitos
soldados tambm foram "vtimas" diretas da coero estatal. Antipatias
polticas e tericas levaram estudiosos a retratar os soldados como
fantoches do Estado ou da classe capitalista. Embora "agentes" do
Estado, os soldados mantiveram seu agency ou o seu poder, dentro
dos limites de sua condio, de escolher a cooperar com sua instituio
ou no.239

O esforo em fazermos tal reflexo se deu a partir do interesse em


contribuirmos para o debate historiogrfico, muito bem colocado na obra de
Borges, acerca do conceito tenentismo, que por vezes estimula a se pensar em
movimentos estritamente militares.
Conforme os estudos de Marcelo Badar Mattos acerca dos manuscritos
de Karl Marx, entende-se por proletariado "todos aqueles que nada possuem, ou
melhor, no possuem outra forma de sobreviver, numa sociedade de
mercadorias, do que vender, tambm como mercadoria, a sua fora de
trabalho"240. Embora os trabalhos destes soldados no produzissem mais-valia

239 BEATTIE, Peter M. Tributo de Sangue: Exrcito, Honra, Raa e Nao no Brasil, 1864-1945.
Trad. Fbio Duarte Joly. So Paulo: Edusp, 2009, p. 196.
240 MATTOS, Marcelo Badar. A classe trabalhadora atravs do materialismo histrico: passado

e presente de um debate aberto. Outubro. N 21, 2 semestre de 2013, p. 90.


87
diretamente, caracterizando-se como improdutivo, segundo Marx "no h porque
restringir a definio de classe ao trabalho produtivo"241.
As tarefas realizadas por estes indivduos se relacionavam obviamente
com a vida militar: rondas, limpeza, manutenes de armas e instalaes. Alguns
eram escrives, arquivistas, contadores, motoristas, outros ainda preparavam
alimentos, cuidavam de doentes em enfermarias ou tratavam de cavalos em
unidades de cavalarias. Soldados "artesos" tinham funes de pedreiros,
encanadores, carpinteiros, fabricantes de armas, ferreiros, curtidores e alfaiates.
Em fins do sculo XIX, ainda realizavam funes de polcia ou trabalhavam junto
com escravos pblicos nos depsitos de plvora e fundies, bem como em
obras pblicas de estrada de ferro e linhas telegrficas242.
Ao refletirmos acerca das origens dos militares envolvidos nos
movimentos tenentistas, detendo-nos de forma mais aprofundada nas polticas
de recrutamento (que no momento em questo ainda passavam por um processo
de transio, uma vez que o Exrcito deixava o recrutamento forado de
migrantes rurais, vadios e rfos, aps 1916, e implementava, de forma bastante
complicada, o sorteio militar, buscando uma "moralizao" de suas fileiras)
temos uma maioria de recrutados advindos dos trabalhos urbanos e pblicos, o
que podemos concluir a partir das informaes de Beattie:

(...) muitos conscritos empregados no comrcio eram empregados


"subalternos" provenientes das classes "humildes", e aqueles que se
voluntariavam tendiam a ter origens ainda mais baixas. As reformas
nos quartis ofereciam a muitos recrutas luxos desconhecidos. As
memrias de um recruta de 1924 registram que muitos deles nunca
tinham ganhado botas, dormido em colches, ou usado algo como
coberta que no fosse uma manta de juta.243

Do perodo colonial ao incio do sculo XX, o recrutamento forado tornou


o servio militar semicoercivo e o Exrcito uma instituio protopenal, na medida
em que se aproximava do trabalho escravo com a utilizao de castigos
corporais, e ainda possua funo de polcia e de sistema carcerrio.
O recrutamento forado de pobres, "vadios" e rfos, um dos grandes

241 Ibidem, p 93.


242 BEATTIE, op. cit., p. 246 e 247.
243 Ibidem, p. 317.

88
tentculos do controle social, chegou ao fim com a lei de 1916 que implantava o
sorteio militar. Porm, antes disso, em 1874, foi aprovada uma nova legislao
de recrutamento "que estabelecia o alistamento universal e o sorteio para cobrir
as vagas no preenchidas pelo voluntariado e pelo reengajamento". Entretanto,
os responsveis pelo alistamento e sorteio eram as juntas paroquiais, dirigidas
pelos juzes de paz, juntamente com procos e subdelegados. Segundo Jos
Murilo de Carvalho, "o resultado foi continuar o servio pesando totalmente sobre
pessoas sem recursos financeiros ou polticos", pois havia isenes especiais
para bacharis, padres, proprietrios, caixeiros, entre outros, alm da
possibilidade de pagamento e apresentao de um substituto, continuando,
assim, o recrutamento sendo feito como era antes244. A mesma lei de 1874 aboliu
os castigos fsicos245, todavia a prtica continuou na Marinha e Exrcito, tanto
que tivemos a Revolta dos Marinheiros em 1910, apontando o quanto ainda
havia presente de herana das relaes entre senhores e escravos do sculo
anterior246.

Alistamento, alfabetizao e ascenso social

Verificando a complexidade da composio pessoal da Coluna, nos


pertinente pensar a heterogeneidade das classes envolvidas de um modo geral,
que se distinguem atravs de uma conscincia cuja tendncia unificao pode
se manifestar em determinados momentos especficos das lutas sociais, como,
por exemplo, nas movimentaes tenentistas.
Verificamos ser muito comum a adeso de meninos jovens de classe
mdia baixa ao meio militar como nica forma encontrada para estudar e prover
seu prprio sustento, como so os casos de Juarez e Fernando Tvora, bem
como de Luiz Carlos Prestes.

244 CARVALHO, Jos Murilo de. As Foras Armadas na Primeira Repblica: o poder
desestabilizador. In PINHEIRO, Paulo Sergio Pinheiro, et al. O Brasil Republicano, v. 9:
sociedade e instituies (1889-1930) - 8 Ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006, p. 205.
245 Ibidem, p. 207.
246 NASCIMENTO, lvaro Pereira do. Cidadania, cor e disciplina na Revolta dos Marinheiros em

1910. Rio de Janeiro: Mauad X, 2008.


89
Os Tvora nasceram e viveram durante a infncia na fazenda Embargo,
de meia lgua quadrada (cerca de 900 hectares), margem do rio Jaguaribe, no
Cear. Por conta das secas do rio, a famlia migrava temporariamente, conforme
as necessidades de subsistncia. Segundo as memrias de Juarez, a fazenda
no possua empregados e todo o trabalho de lavoura e criao de animais era
feito por seus pais e seus outros doze irmos, que se revezavam medida que
chegavam a idade de ir para a cidade estudar247.
Os gastos com a educao dos filhos mais velhos consumiram
rapidamente as economias da famlia e por isso, os trs irmos mais jovens,
dentre eles Juarez e Fernando, passaram, a partir de 1911, a ser educados por
conta de seus irmos mais velhos. Assim, foram mandados para o Rio de Janeiro
e matriculados no 1 ano do Externato Pedro II.
Em 1915, ingressaram na Escola Politcnica do Rio de Janeiro, mas no
incio do segundo ano foram obrigados a deixar os estudos, visto que seus
irmos que financiavam no podiam mais faz-lo, pois um ia se casar e outro
tivera a primeira filha. A soluo que encontraram para continuar a estudar foi
servir ao Exrcito.
Todavia, as dificuldades no se encerravam ao adentrar ao meio militar.
Segundo Juarez Tvora:
Os nossos primeiros meses de caserna foram muito apertados: vrias
horas de instruo diria (exceto aos domingos) e, duas ou trs vezes
por semana, servios de guarda ou de planto, de vinte e quatro horas
cada um.
Ganhvamos - alm de roupa, alojamento e comida - um soldo de $
400 ris por dia, ou 12$000 por ms, com que pagvamos a lavagem
da roupa e outras despesas pessoais midas. Depois de passarmos a
praas prontas, a instruo abrandou, e conseguimos desarranchar,
isto , comer e morar por conta prpria, fora do quartel. Recebamos,
em compensao, alm do soldo, uma etapa diria, em dinheiro, de
3$100, o que nos proporcionava uma receita mdia mensal de
105$000.
Com essa pequena fortuna, alugamos - Belisrio, Fernando e eu - uma
casinha na avenida, entre Realengo e Vila Militar, margem da Estrada
de Ferro Central do Brasil, pela qual pagvamos 23$000 mensais. Com
uma vizinha e conterrnea cearense, D. Maria Rocha, que morava em
companhia de filho, anspeada da Polcia Militar do Distrito Federal,

247As informaes deste e dos prximos pargrafos foram retiradas de TVORA, Juarez. Uma
vida e muitas lutas: memrias. Vol. 1 - Da plancie borda do altiplano. Rio de Janeiro: Editora
do Exrcito, 1973, p. 7-108.
90
arranjamos boa comida, por 60$000 mensais, para cada. Sobravam-
nos, assim, para a lavagem de roupa e pequenas dispesas pessoais,
quase 40$000, que, prudentemente aplicados, chegavam para tudo e
ainda sobrava alguma coisa.248

Prestes, por sua vez, era filho de Antnio Pereira Prestes, capito do
Exrcito, que faleceu aos 38 anos. A famlia que morava em Porto Alegre, se
mudou em 1904 para o Rio de Janeiro em busca de tratamento para Antnio,
mas este faleceu em 1908. A partir disso, Leocdia e os filhos pequenos, tendo
o mais velho, Luiz Carlos, dez anos de idade, tinham dificuldades em se
manterem apenas com a penso paga pelo Exrcito. Logo, a viva comeou a
dar aulas e se tornou professora.249
Luiz Carlos ingressou no Colgio Militar em 1909, por intermdio do
coronel Bento Ribeiro Carneiro Monteiro, amigo da famlia, uma vez que eram
matriculados ali apenas filhos de coronis e netos de generais.

No Colgio Militar, por vontade de Leocadia, Prestes era aluno externo,


mas para diminuir a despesa em casa, almoava e jantava no colgio.
Sua vida contrastava com a dos colegas (...) que lhe diziam no
entender por que, sendo externo, ele fazia as refeies l, onde a
comida era horrvel. 250

Em 1916, Prestes iniciou seus estudos na Escola Militar do Realengo,


como major-aluno. Em fins de 1918, no ltimo ano do curso, foi promovido
aspirante a oficial e passou a receber soldo, o que triplicou a renda de sua
famlia. Em 1920, formou-se como engenheiro militar e promovido a segundo-
tenente, escolheu servir na Companhia Ferroviria de Deodoro, subrbio do Rio
de Janeiro.251
No ano seguinte, Prestes foi promovido primeiro-tenente e se tornou
auxiliar de instrutor de engenharia na Escola Militar. Nesta funo, enfrentou
problemas com a precarizao do Exrcito e a falta de materiais necessrios.
Quando promovido a diretor de instruo da arma de engenharia, dava aula s
outras armas (infantaria e cavalaria) e no possua auxiliares, at que,

248 TVORA, op. cit., p. 82.


249 PRESTES, Anita Leocdia. Luiz Carlos Prestes: um comunista brasileiro. So Paulo:
Boitempo, 2016, p. 21-23.
250 Ibidem, p. 25.
251 Ibidem, p. 26-28.

91
desgostoso com a situao, pediu demisso e retornou para Deodoro.252
Embora tenha se envolvido nos preparativos dos levantes de 1922,
quando estes eclodiram, Prestes encontrava-se bastante doente. Ao fim de sua
licena mdica foi transferido para Santo ngelo, Rio Grande no Sul, onde se
tornou chefe da Seo de Construo do 1 B.F.

Embora, como primeiro aluno da sua turma na Escola Militar, tivesse


direito a continuar no Rio de Janeiro, Prestes foi transferido (...). Essa
foi a maneira encontrada para puni-lo pela participao no movimento
tenentista. 253

Podemos notar nas biografias feitas por Anita Prestes e por Daniel Aaro
Reis254, que Luiz Carlos Prestes foi se decepcionando com o Exrcito por conta
da burocracia e corrupo que presenciava em suas experincias profissionais.
Pouco antes da ecloso da revolta no Rio Grande do Sul em 1924, Prestes
solicitou sua exonerao255. Antes, quando chegou ao Batalho Ferrovirio, este
estava responsvel pela construo da estrada de ferro do Ramal de Santo
ngelo, que fazia parte da linha Marcelino Ramos - Santa Maria. Em entrevista,
ele descreveu o que encontrou aps sua transferncia e como era o dia-a-dia
nesta construo:

Os soldados estavam num alojamento, um barraco de palha, de cho


de barro, cama de vara; terrivelmente mal alojados. Os sargentos eram
uns burocratas terrveis, no se preocupavam (...), nunca houve
instruo militar no Batalho. Eu, estava conspirando, resolvi dar
instruo aos soldados. (...) Acordvamos pela manh, com a
alvorada, tomava-se um caf (...). Depois que voltavam da instruo
ou do trabalho, mais ou menos ao meio-dia, tinham um almoo e,
depois do almoo, uma meia hora depois, se iniciava a escola
regimental, que ia at as trs horas da tarde. s trs horas davam um
mate, e todos amos para o trabalho, inclusive eu, que tambm ia para
o trabalho na construo da linha. Quando voltvamos, tarde,
estvamos todos esgotados do trabalho. (...) Na alfabetizao eu fiz o
seguinte: cada soldado analfabeto entreguei a um soldado que sabia
ler (...) eu fiz um primeiro e um segundo grau, preparando os soldados
para poderem fazer exame de cabo, com o objetivo de elevar o nvel

252 Ibidem, p. 29-32


253 Ibidem, p. 37.
254 REIS, Daniel Aaro. Lus Carlos Prestes: um revolucionrio entre dois mundos. So Paulo:

Companhia da Letras, 2014.


255 PRESTES, op. cit., p. 32 e 47.

92
de instruo desse grupo que eu pretendia levar revoluo, queria
levar para a luta armada.256

vlido lembrar que o que nos permite utilizar as cartas, que foram
trocadas entre os militares nos movimentos que estudamos, enquanto fontes,
a alfabetizao destes em um Brasil em que 71,2% da populao era
analfabeta257. Inclusive, alguns destes militares, como vimos, se voluntariavam
ao recrutamento como nica forma encontrada para estudar, o que possibilitava
alguma mobilidade social.
Quanto importncia desse processo de alfabetizao desenvolvido por
Prestes, Neil Macaulay explica:

Quando Prestes concluiu os estudos na Academia Militar, em


dezembro de 1919, apenas 25% dos seus conterrneos sabiam ler e
escrever. Essa situao espantosa tinha implicaes tanto polticas
quanto sociais, uma vez que a alfabetizao era uma das condies
para votar. Mesmo que as eleies tivessem sido honestas e se o voto
fosse secreto, o Governo ainda estaria em situao de ignorar as
necessidades da ampla maioria do povo brasileiro.258

Embora a inteno de Prestes no fosse dar a possibilidade dos que eram


alfabetizados no batalho de se envolverem na poltica atravs do exerccio do
voto, este intencionava inseri-los nos movimentos tenentistas que iriam eclodir,
nos quais ele fazia parte do planejamento.

Costumes de quartis em marcha

No conseguimos ter ideia, a partir de nossas fontes, se as tropas


revolucionrias eram to violentas quanto as legalistas ou quanto a dos
aproveitadores que a seguiam ao longe e que realizavam saques, assassinados
e outros abusos contra a populao. Nossa inteno em trazer os dados que
seguem no praticar qualquer tipo de injustia com a Coluna em iluminar

256 Ibidem, p. 42 e 43.


257 FERRARO, Alceu Ravanello; KREIDLOW, Daniel. Analfabetismo no Brasil: configurao e
gnese das desigualdades sociais in Educao & Realidade, Porto Alegre, v. 29, n. 2, jul./dez.
de 2004, p. 179-200.
258 MACAULAY, Neil. A Coluna Prestes: Revoluo no Brasil. Rio de Janeiro: Difel, 1977, p. 44

e 45.
93
apenas aspectos negativos sem o devido trabalho de fontes que a questo exige.
Sabemos que as fontes legalistas e os relatos dados pelos sertanejos
entrevistados tanto no perodo quanto posteriormente, quando trabalhados sem
os devidos cuidados que a histria oral requer, induzem ao erro uma vez que
no h o confronto de fontes, fato este auxiliado pela circunstncia de que os
feitos da Coluna foram muito mal registrados por conta de sua intensa
movimentao.
Tentaremos, a partir de fragmentos de aproximaes entre revoltosos e
sertanejos, verificar como a Coluna tentou criar mecanismos para que essa
populao no sofresse abusos e para refletirmos como as lideranas
revolucionrias, em sua maioria oriundos da cidade, viam esta populao.
A fim de evitar arbitrariedades, as solicitaes s populaes por onde
passavam os rebeldes, desde a sada da coluna gacha em fins de 1924, s
podiam ser feitas pelos comandantes. No entanto, elas persistiam, sem muita
clareza de quem eram os seus praticantes. Estes roubos, assassinatos,
incndios, estupros e invases s propriedades, corroboravam para a mitificao
da Coluna pelo serto nordestino.
Em correspondncia no assinada recebida por Juarez Tvora consta:
O soldado brasileiro, surgido normalmente das classes inferiores onde
se accentuam os foros ancestrais que se enfeixam no patrimonio de
nossa nacionalidade - privada de polimento q. mesmo nos caracteres
brutus imprime a instruco - um ser de tendencias fatalmente
inferiores. 259

E a partir desta argumentao que seu autor, ento nosso


desconhecido, considerava que os soldados, sejam eles revolucionrios ou
governistas, so bravos, dedicados e honestos quando esto "sob imediata
fiscalizao de seus superiores", mas, por serem moralmente inferiores,
cometem os "factos deploraveis que tanto tm escandalizado os nossos pacatos
patricios nordestinos".260
Buscando melhorar a imagem da Coluna, que tanto era difundida

259 Remetente no identificado. Carta para Juarez Tvora. Rio de Janeiro, 1926. CPFOC -JT, dpf
1924.05.10, p. 661-664.
260 Idem.

94
negativamente nos jornais, o comando comeou a tomar medidas para inibir tais
prticas:
Esta reunido todos os esforos para evita as depredaes inuteis. E
quando pode apurar a culpa de algum soldado longe de encobri-lo,
empenha-se cruelmente em castiga-lo. O aoite simples, com expulso
e o fuzilamento so penas brutaes e entretanto algumas vezes
applicadas na columna revolucionaria. Digo que o castigo brutal
sobretudo porq. o soldado revolucionario so amigos dedicados de
seus chefes, por cuja causa deixam familia e interesses, e em cuja
defesa jogam a vida fora (...).261

Outro ponto curioso desta carta recebida por Tvora diz respeito aos
castigos fsicos empregados como pena. A indisposio da situao em utiliz-
los, como pudemos observar, que na Coluna as chefias eram mantidas por
laos de amizade, que poderiam ser tensionadas, gerando as temidas
deseres. Mas por falta de outro artifcio para ser manter a ordem, utilizava-se
a exemplificao e o medo.
Podemos notar nos trechos que seguem diversas denncias que cobram
dos comandantes posturas que tinham a finalidade de cessar tais prticas
abusivas s populaes locais. Estas denncias vinham tanto de membros do
movimento revolucionrio262 quanto de civis 263 que eram vtimas, como se

261 Idem.
262 THEODORO, Philogonio Antonio. Carta para Miguel Costa. CPDOC - Fundo Juarez Tvora,
JT dpf 1924.05.10, p.564-566 (...) no alto Paran em pleno serto at Cantanduvas, onde se
batia pela liberdade desse povo, vim encontrar dolorosa decepo na retirada de Catanduvas,
ao ouvir dos primeiros habitantes da Villa de Benjamin que j clamavam contra os saques
exercidos por parte da tropa revolucionaria. At mesmo no Paraguay (em paiz extrangeiro) se
praticou saque. No Matto Grosso os saques e os incendios eram seguidos, sem motivo que os
justificassem. Familias expostas ao rigor do tempo, seminuas foram encontradas por mim que
fazia a retaguarda do extinto Batalho Lyra. Tropa que diz bater se pela liberdade dum povo, no
pratica incendios, saques e no viola senhoras indefezas, como at aqui se tem praticado. (...)
Os saques continuam, os culpados no apparecem e o bom nome da revoluo continua
abalado. Eu como revolucionario, julgo-me no direito de exigir a punio dos culpados. E como
medida preventiva lembro o seguinte: que os Sres comtes de destacamento marchem com suas
tropas reunidas, afim de evitar que homens dispersos e que precedem a vanguarda, procedam
da forma que lhes parea, tornando-se difficil apurar os responsaveis pelos saques, ou roubos
(...).
263 D.V. Carta para Miguel Costa. CPDOC - Fundo Juarez Tvora, JT dpf 1924.05.10, p.581-586.

Esta carta meu general no poder destruir a amizade sincera que lhe professo e a simpathia
que tenho pela sua causa, pois no tenho outro resentimento que d perdido material que por
no ser homem rico me prejudica grandemente. Antes de hontem alguns soldados vosso,
passaram pela caso do Snr. Augusto Valente, a uma legua e meia desta povoao, onde minha
filha e minhas criadas se havia refugiado, e comettendo violencias com uma pobre me que que
tratava de uma filha doente.
95
observa no fragmento de carta abaixo, escrito por Juarez Tvora:
Tenho aqui denuncias gravssimas contra as seguintes pessoas, todas
do 3 Destacamento:
1) Soldado Accacio (preto, gago) accusado de violncia carnal contra
duas mulheres - uma na porta de Bom-tempo e outra aqui em Riacho.
2) Sargento Sebastio - accusado do roubo de 2:000$000 e saque da
casa de um Sr. Em Riacho.
3) Sargento Corste - accusado de saques e violncias em diversas
casas dos arredores de Riacho.
Levo testemunhas occulares desses factos e algums documentos
comprobatrios.
Peo-lhe que prenda immediatamente os accusados e os affaste do
respectivo destacamento. (...)
No esquea a priso dos accusados de que lhe falei e por cujo castigo
exemplar [ilegvel] lanar.264

Havia, ainda, cobrana da fiscalizao destes atos, principalmente por


conta das tropas que iam frente e saqueavam as cidades, deixando os estragos
para as tropas de retaguarda:
(...) Cheguei hoje a esta localidade (onze s 16 horas) onde reina
completa anomalia implantada pelo saque deshumano e mais ainda,
vergonhoso, que aqui se praticou.
Requisitar o que necessario p a tropa, lembrando-se que os irmos
de cauza que esto na retaguarda tambem precizam se abastecer,
coisa muito diferente do que praticar o roubo, o incendio e todas as
depravaes que aqui foram constatadas.
O procedimento da tropa que aqui esteve de um bando de
salteadores que envergonha no s nossa cauza com o Br. inteiro.
Com o agravante de ser praticado proximo a fronteira e em zona onde
precizamos captar a sympathia que j nos era favorvel, para
engrossar nossas fileiras e continuar a nossa lucta.
Alem do roubo e tentativas de incendio ficou provado o excesso nas
libaes alcoolicas, que deprimem e anarchisam a disciplina da tropa.
No posso afirmar ainda qual a horda que praticou esta vandalismo, e
eis porque vos determino, que, a exemplo do que determinei aos outros
corpos nesta data, faais uma rigoroza syndicancia afim de apurar
quaes os responsaveis por todas estas vergonhas, pois no posso
commandar tropas que pratiquem banditismo (...)265

As punies, para alm dos castigos fsicos, variavam. Alguns podiam ser
presos, rebaixados, excludos e at fuzilados:

O dito snr. Valente havia escondido as minhas malas, assim como, 2 silhes e 2 arroios em uma
baraca no centro do matto, esto malas cheias de roupas de muito valor como sejam: talheres
de prata e outros objectos do mesmo metal, os quaes no os deichei em Formoza por medo da
revoluo. Os taes soldados entraram na barraca e como l acharam marimbondo, puzeram fogo
na mesma, antes porem, conduzindo o que puderam. (...)
264 TVORA, Juarez. Carta para Luiz Carlos Prestes. Riacho, 26 de novembro de 1925. AEL -

Fundo Moreira Lima.


265 COSTA, Miguel. Carta para Virglio R. dos Santos. S.L., S.D. CPDOC - Fundo Juarez Tvora,

JT dpf 1924.05.10, p. 587.


96
Excluso por fusilamento: so excludos das Foras Revolucionarias o
1 sargento Mario Pinderio (1 Dest) e os soldados fuzilados por terem
sido condemnados morte em Conselho de Guerra, o primeiro por
haver tentado estuprar uma senhora e os trez ltimos por terem
desertado levando um Fall. e fuzis Mauser e munio.
Excluso bem da moralidade - So excludos das Foras
Revolucionarias bem da moralidade, os soldados Joo da Silva e
Antonio Custodio, o primeiro por haver sequeado uma casa e o
segundo por ter tentado assassinar um civil
Prises e rebaixamento - Ficam presos por quatro dias os soldados do
2 Manuel Pedro, Ambrosio de Oliveira e Jos Silva e o cabo Anacleto
Paranhos que rebaixado definitivamente do posto, por terem sahido
de forma sem licena. 266
(...) foi rigorosamente castigado e expulso da Coluna o sargento
Guilherme, do Destacamento Cordeiro, por haver estuprado uma moa
(...) o soldado do 3, de nome Zacharias, por apelido Maneta, matou
estupidamente faca um rapaz Dal, sendo punido com rigor, expulso
da Coluna e entregue ao subdelegado local. 267

Assim como requisies, que as lideranas documentavam para posterior


ressarcimento, indenizaes tambm foram feitas: "R$ 3:000$00 Declaro que
recebi do Sr. Nestor Verissimo, por ordem do Sr. Coronel Luiz Carlos Prestes a
quantia acima como indenizao dos prejuzos causados em minha casa
comercial.268 Segundo Cabanas, a solicitaes que sua coluna fazia "eram
pagas com o caf dos chefes governistas, encontrado nos depsitos da
estrada"269
De todo modo, as punies que visavam estabelecer a ordem dentre as
tropas eram reprodues dos costumes praticados nos espaos militares
(quartis, escolas, etc.), assim como o hbito de se publicar boletins, solicitaes
e circulares que tinham como fim informar e atribuir ordens, mesmo em
condies de movimento, com extremas dificuldades, inclusive para se ter
acesso a papel. As circulares tinham a inteno tanto de organizar a ao, como
de impedir e condenar abusos e injustias:

(...) E para que, de hoje em deante, no tenhamos o desprazer de


verificar abusos commettidos sombra da nossa autoridade de chefes

266 COSTA, Miguel. Boletim n 16. Fazenda gua Branca, Gois, 7 de agosto de 1925. AEL
Fundo Moreira Lima.
267 LIMA, op. cit., p. 372 e 373.
268 LIMA, Carlos Haag. Declarao. So Raymundo, 4 de dezembro de 1924. AEL Fundo

Moreira Lima.
269 CABANAS, op. cit., p. 98.

97
- publicamos aqui aquillo que os nossos commandados no devem
praticar:
1) Somente os Cmts de Destos, ou officiaes com ordem escripta delles,
podero penetrar em casa habitadas ou no, e retirar do seu interior
objectos considerados de utilidade para a tropa
2) As roupas, as joias e o dinheiro dos particulares, em hypotheses
alguma, podero ser requisitados.
3) falta gravissima o desrespeito s senhoras, - principalmente os
attentados contra o pudor.
4) expressamente proibida alguem marchar fora da columna de seu
Dest, sem ordem escripta o respectivo Cmt.
5) prohibido deitar fogo nos campos, cortar cercas de arame e causar
quaesquer dannos, sem ordem ou necessidade real que os justifiquem.
6) expressamente prohibido atirar no acampamento, ou em marcha.
Somente com ordem expressa de seu Cmt. de Dest, poder alguem
matar animais a tiros.
7) A embriaguez considerada falta grave.
8) crime gravissmo atirar sobre civis pacificos ou maltrat-los, pelo
facto de elles fugirem ao avistarem as nossas foras.
Somente contra os que nos aggridem, temos o direito de voltar as
nossas armas.270

Conforme vimos, boa parte da Coluna Miguel Costa - Prestes era


constituda por civis. Estes faziam parte do comando, por exemplo, nas figuras
do capito Loureno Moreira Lima, do capito talo Landucci e do major Aldo
Mario Geri271. A tradio militar fazia com que as outras lideranas, advindas dos
meios militares, tentassem, inicialmente, ordenar suas fileiras atravs da
hierarquia, tanto que se atribua a civis patentes militares de acordo com "seus
atos de bravura", anlogas s existentes no Exrcito, conforme pudemos
observar. Esses atos podiam tentar equalizar as relaes entre soldados e civis,
ou ainda estimular um maior envolvimento na revolta e atribuir-lhe um carter de
premiao.
Como discutimos no primeiro captulo desta dissertao, a liderana da
Coluna no se sintetizava na figura de Isidoro Dias Lopes, tido como chefe
supremo da Revoluo, ou na de Miguel Costa, muito menos na de Luiz Carlos
Prestes. Ela estava constituda de forma coletiva e fragmentada dentre os
destacamentos, semelhante a uma mescla da hierarquia militar com os
princpios democrticos civis.

270 QUARTEL GENERAL. Circular aos Comandantes de destacamentos. S.L., S.D. CPDOC -
Fundo Juarez Tvora, JT dpf 1924.05.10, p. 344.
271 Que inclusive receberam patentes militares hierarquicamente acima da de tenente.

98
A organizao da Coluna desta maneira fez com que se atribusse um
comandante especfico para cada um destes destacamentos, o que lhes
ofereceu autonomia e reforou os laos de alianas e coletividade. Como
veremos adiante, ainda dentro destes destacamentos existiam os foges,
sistematizaes orgnicas que reuniam em torno de dez ou mais pessoas.
Essa ideia de sustentao do movimento atravs de uma rede de relaes
pessoais se fazia presente no s para movimentar geograficamente a Coluna,
mas tambm para que ela existisse e tivesse mais adeptos:

A liderana se exercia pelo exemplo pessoal, pela argumentao


persuasiva ou por apelos amizade. Alis, Isidoro percebeu isso com
toda clareza: uma semana depois de iniciada a revoluo de So
Paulo, praticamente parou de dar ordens, submetendo a seus
principais subordinados as diretrizes que julgava mais apropriadas;
competia-lhes, coletiva ou individualmente, decidir se as aceitava ou
no. Isidoro no ordenou que Prestes marchasse para o norte; apenas
sugeriu que seria bom faz-lo. E Prestes no pode, de fato, dar ordem
de marcha a seus homens. Para moviment-los, ele dependia de uma
rede de relaes pessoais272.

Embora Prestes no pudesse dar ordem de marcha a seus homens, era,


juntamente com Miguel Costa, quem melhor tinha viso do conjunto da
situao273. Desempenhavam, ambos, importante papel de lideranas, que, de
fato, dependia-se das relaes pessoais e tambm de um precrio sistema de
comunicao, para interligar os destacamentos, foges e potreadas.
As orientaes gerais partiam do chefe do estado-maior e seus auxiliares
imediatos - Miguel Costa, Luiz Carlos Prestes, Juarez Tvora, Moreira Lima,
Paulo Kruger, Mario Geri, talo Landucci, Sadi Vale Machado, Lauro Nicacio e
Morgado, mas a manuteno das unidades menores dependia dos comandantes
de destacamento - Cordeiro de Farias, Joo Alberto, Siqueira Campos e Djalma
Dutra.274
Com um sistema de comunicao falho, dado o perodo histrico e a
espacialidade, alm das tentativas de interceptaes governistas, em muitos
casos as decises mais urgentes eram tomadas sem prvia consulta ao estado-

272 MACAULAY, op. cit., p. 83.


273 CAMARGO; GES, op. cit., p. 126.
274 LIMA, op. cit., p. 150.

99
maior ou aos destacamentos, dependendo da instncia, como se observa em
entrevista dada por Cordeiro de Farias:

Muito mais difcil, s vezes, era estabelecer ligao entre os prprios


destacamentos, ou entre os grupos que se distanciavam e seus
destacamentos de origem. Frequentemente, perdia-se o contato por
dias ou semanas. Quando algum grupo saa para uma misso isolada,
j conhecia o itinerrio futuro da Coluna. Mas s vezes o trajeto
previsto era alterado, devido a fatos novos. Ento, tinham que obter
dos habitantes da regio indicaes sobre o novo itinerrio 275.

Ainda segundo Cordeiro, tinha-se um "cdigo de honra" e casos de


fuzilamento, pena sofrida por aqueles que estupravam mulheres ou roubavam,
eram decididos da seguinte maneira:

(...) por comisses integradas por dois comandantes de destacamento,


o chefe do estado-maior [Prestes] e mais um ou dois de seus auxiliares
[Paulo Kruger, Mario Geri, Alberto Costa, Italo Landucci, Sady Vale
Machado, Lauro Nicacio e Morgado]. 276

Como podemos imaginar, esse "cdigo de honra" no foi previamente


discutido e escrito entre os comandantes, mas era definido em meio aos
acontecimentos, como observou Cabanas:

Deve-se ter em vista que em um exrcito revolucionrio o cdigo penal


militar posto de lado, surgindo em seu lugar leis de emergncia e
ditadas pelas circunstncias do momento. Na revoluo, o soldado, na
falta de leis escritas, s teme o comandante. A severidade deste, aliada
aplicao equitativa da justia, inspira-lhe confiana. E se o
comandante no teme o perigo e d o exemplo pessoal de afrontar o
inimigo, no escolhendo as ocasies, a soldadesca, ento, morre
dedicada ao chefe. Existe mais que disciplina. 277

Longe do cdigo militar e sem o recebimento de soldos, acreditamos que


os soldados tinham outras motivaes para alm da confiana e dedicao s
lideranas para se envolverem nos movimentos ditos revolucionrios, uma vez
que no eram apenas cumpridores de ordens superiores.
Dessa maneira, podemos notar que a disciplina em meio marcha se
constitua tambm atravs do medo e das punies, j que existiam penas,
dentre elas o fuzilamento, para reprimir alguns atos, mas tambm pelo exemplo

275 CAMARGO; GES, op. cit., p. 138.


276 Ibidem, p. 122.
277 CABANAS, op. cit., p. 109.

100
dos comandantes e pelas relaes pessoais. Cordeiro de Farias, quando
questionado como havia feito para se manter a coeso e moral da tropa,
respondeu:

(...) havia era uma ligao ntima e permanente, uma comunho. Os


soldados se ligavam a ns, e ns a eles. Era uma confiana to grande
que os soldados obedeciam a qualquer ordem, para matar ou para
morrer. (...) A hierarquia no era igual que prevalece no Exrcito.
Havia um sistema de autoridade, claro, mas baseado na confiana e
na lealdade mtuas. E a vida de perigos constantes fortalecia esses
vnculos.278

Diferentemente dos espaos militares onde as acomodaes e


alimentao so diferenciadas ao longo da hierarquia, a guerra de movimento
no permitia essa diferenciao, o que aproximava comandantes e comandados.
Este contato permanente, permitido pela ausncia de privilgios, era estimulado
atravs das clulas menores da Coluna, que eram os foges.
De origem gacha, os foges eram pequenos grupos de pessoas, de dez
a quinze, que se reuniam para realizar as refeies:

A alimentao, tanto de oficiais quanto de soldados, era feita no que


chamvamos de "foges". (...) Ali eles faziam o churrasco e comiam. E
ns, oficiais, comamos nos diferentes "foges" para manter estreito
contato com a tropa. (...)279

As adaptaes das prticas de quartel movimentao podem ser


notadas antes mesmo do encontro das Colunas Paulista e Gacha em
correspondncia de Miguel Costa para Isidoro:

(...) A pratica, tem-nos demonstrado a necessidade de serem


dispensadas certas formalidades, a prova est que no tem tido
resposta a maior parte da correspondncia enviada a esse por este
commando. (...) 280

Parece-nos, de modo geral, ter havido em disputa dois princpios de


organizao, um primeiro advindo dos militares, com a busca de oficiais de
patente elevada para chefiar as revoltas e a valorizao da hierarquia, e um

278 CAMARGO; GES, op. cit., p. 123 e 124.


279 Idem.
280 COSTA, Miguel. Carta para o General Commandante da Diviso. Acantonamento em Salto,

10 de maro de 1925. CEDEM/UNESP.


101
segundo oriundo das experincias das revoltas gachas, com a ttica de guerra
de movimento e a formao de foges e potreadas. Landucci observava que:

Afora o seu trmo pouco militar, o fogo passou a designar um grupo


de combatentes da mesma unidade, ligados entre si por vnculos
afetivos e at de parentesco, ncleo coeso, dirigido pelo mais
graduado, sobre o qual repousava a estrutura orgnica do
destacamento. O seu chefe recebia ordens diretas do comandante de
esquadro, ao qual estava subordinado e as cumpria ao p da letra.
Reinava uma hierarquia democrtica, livre de interferncias de oficiais
de outras unidades. Alis, o respeito devido por subalternos ao superior
se relacionava mais com o valor pessoal dste do que com a sua
graduao e oficiais de merecimento eram respeitados, mas s
obedecidos pelos seus comandados281.

Os foges, para alm do carter organizativo e de auxiliar no


estabelecimento das redes pessoais, tambm facilitavam o abastecimento das
tropas, no sobrecarregando os comandos, como observamos nesse relato de
Cordeiro de Farias:

A alimentao era problema de cada um. Os grupos se organizavam


naturalmente, por afinidade (...). De hbito, fazia-se apenas churrasco,
mas s vezes tnhamos arroz e mandioca. (...) Os "foges" no tinham
uma quantidade fixa de soldados, e nem sempre eram os mesmos
soldados nos mesmos "foges". 282

Curiosamente, em entrevista, Cordeiro afirmou que "era comum as


mulheres tomarem conta dos "foges", mas a maioria dos cozinheiros eram
homens, pois muitos soldados preferiam a cozinha guerra". 283 Se a clula
bsica da Coluna eram os foges e as mulheres faziam parte destes, logo, se
confirma que estas mulheres eram parte fundamental para a organizao do
movimento, embora no tenhamos encontrado fontes para destrinchar esse
dado.
As potreadas, tambm de origens gachas, eram grupos pequenos, a
cavalo, responsveis por arrebanhar animais, estabelecerem comunicao entre
o quartel general e os quatro destacamentos, e reconhecer a rea em que a
Coluna passaria. O trecho a seguir, da memria de talo Landucci, explica como
funcionava:

281 LANDUCCI, op. cit., p. 160.


282 CAMARGO; GES, op. cit., p. 133.
283 Idem.

102
Cabia vanguarda o reconhecimento do terreno e o
levantamento topogrfico da frente e dos flancos, sendo as suas
informaes pontos bsicos para a direo da marcha. (...)
Tais elementos informativos eram obtidos dos moradores do
lugar, interrogados hbil e pacientemente.
Abrir caminho era misso da responsabilidade de um
destacamento. O grosso ficava a duas ou trs lguas da vanguarda e
mesma distncia da retaguarda, ocupando a Coluna, de uma
extremidade a outra crca de quarenta quilmetros.
O servio de vanguarda durava vinte e quatro horas e era
rendido pela manh. O destacamento terminava-o permanecendo
acampado at a passagem da retaguarda, cujo contrle assumi;
descansava assim um dia inteiro antes de entrar no novo servio e se
havia inimigo no nosso rastro, azar dle que devia combater por vinte
e quatro horas. sse revesamento proporcionava a cada unidade trs
dias de folga, em perodos normais.
Uma corrente contnua de ligaes assegurava contacto
permanente do Q.G. com tdas as unidades em movimento, enquanto
que os flancos iam sendo explorados pelos piqutes de potreadores 284.

Logo, as potreadas eram essenciais na comunicao, na articulao dos


diversos grupos e na estruturao da Coluna, ajudando a definir, inclusive, sua
trajetria. Outra caracterstica herdada dos movimentos gachos foi a utilizao
de lenos vermelhos, tradio dos maragatos285, que em meio aos combates
serviam para distingui-los dos chimangos. "No se esquea que as patrulhas de
Cabanas levaro o cobertor vermelho a tiracollo e o mesmo deve acontecer com
os de Virglio para evitar enganos"286, orientou Miguel Costa.
Em nosso trabalho, infelizmente, pouco pudemos apurar dos soldados
das patentes inferiores, o que nos induziu a focar nas lideranas, que, em sua
boa parte, se originavam das classes mdias e possuam a patente de tenente.
Acerca de pessoas negras envolvidas, fator intrinsecamente relacionado
origem social, nada foi encontrado nas cartas, apenas algumas citaes em
livros de memrias, como no de Loureno Moreira Lima. Nos excertos que
seguem abaixo da obra em questo, o secretrio da Coluna nos apresenta Bento
Manoel, Henrique, Z Bigode, Castorino e Z Grande:

284 LANDUCCI, op. cit., p. 161.


285 PEREIRA, Ledir de Paula. O positivismo e o liberalismo como base doutrinria das faces
polticas gachas na Revoluo Federalista de 1893-1895 e entre maragatos e chimangos de
1923. Dissertao (Mestrado em Cincia Poltica). Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Porto Alegre, 2006, p. 60.
286 COSTA, Miguel. Carta para Estillac Leal. Santa Cruz, 12 de janeiro de 1925. CEDEM Fundo

Miguel Costa.
103
Bento Manoel, que pertencera ao 6 R.I. (...) era um esplndido
bagageiro e serviu-me at a fazenda Cantinho, no Piau, onde o passei
a pronto por me ter feito vrias m-criaes.
Bento preto, baixo, gordo, com uns grandes olhos flor do rosto,
moo de uns vinte e trs anos, circunspecto e srio como um
conselheiro.
dado a leitura e fez um "Dirio" da campanha. (...) 287
O capito Landucci tirou-o para seu bagageiro e Bento o serviu at
entrarmos na Bolvia.
Eu no tinha confiana no valor militar de Bento, porque, quase
sempre, os bagageiros eram pssimos combatentes.
Em Goiaz (...) o capito Landucci (...) passou a comandar um
esquadro do destacamento Cordeiro de Faria.
Bento o acompanhou, portando-se com denodo em todos os combates
e no de Pantanal destacou-se pelo seu herosmo.288

Assim como outros negros, como veremos abaixo, Bento Manoel era
bagageiro e carregava alguns dos poucos pertences da Coluna. Embora no
tenhamos feito uma anlise sistemtica acerca dos bagageiros, nem tido acesso
a fontes que tratem destes homens em especfico, curioso o fato de os poucos
negros citados por Moreira Lima possurem, em sua maioria, esse trabalho, ou
outros do gnero como cuidador de animal, como se observa no trecho abaixo:
(...) soldado Henrique, o tal preto repicador de sinos, que foi meu
bagageiro at a Bahia, onde dispensei (...). 289
(...) confiava o meu animal ao cidado Z Bigode, voluntrio piauiense.
Z Bigode era um mulato, alto, magro e forte (...).
Pouco depois de incorporado Coluna, tomou conta do cargueiro do
arquivo e s o largou ao entrarmos na Bolvia.290

Outro fator de incmodo a "falta de confiana" em Bento Manoel pelo


fato de "os bagageiros serem pssimos combatentes". Essa ideia do autor
reforada em outras passagens, como estas a seguir, que sugerem a insanidade
de Castorino e a desorientao de Z Grande:
O sargento Castorino, preto de vinte e cinco anos, alto e forte, usando
barba Boulanger, era voluntrio paulista. A sua valentia raiava pela
loucura. (...) Foi morto na Chapada Diamantina, quando atacou
sozinho, um grande grupo de jagunos (...). 291
O Sargento Z Grande, do 4, corajoso paulista, que era um dos pretos
mais altos da Coluna, e tambm passava naquela ocasio, ficou meio
mergulhado, de barriga para cima, a espernear e bracejar, com uma
corda em torno do pescoo.

287 Infelizmente tal dirio ainda no foi encontrado.


288 LIMA, op. cit., p. 133 e 134.
289 Ibidem, p. 254.
290 Ibidem, p. 321.
291 Ibidem, p. 281.

104
Apoderamo-nos da ponta dessa corda e pescamo-lo, arrastando-o at
a margem, onde Z Grande vomitou a gua que bebera, olhando o rio
apavoradamente.292

Nas memrias de Joo Cabanas, o tenente conta o seguinte caso:


Frequentemente davam-se no acampamento casos de loucura furiosa
entre as praas. O acesso durava aproximadamente uma hora, caindo
depois o paciente em estado de completo idiotismo ou loucura pacfica.
(...) numa noite (...) veio a minha presena o tenente Lazaro e relatou-
me que, estando no seu posto nas trincheiras, tinha sob suas ordens,
um cabo de esquadra que gozava de perfeita sade. Dormia o dito
cabo no momento em que levantou-se um soldado de cor preta e, dele
se aproximando, o despertou, oferecendo-lhe um copo de aguardente.
O cabo aceitou, ingeriu a bebida e momentos depois manifestava-se a
loucura. (...)
Fiz vir minha presena o soldado acusado e (...) o soldado
resolveu confessar claramente: "que era conhecido na tropa pela
alcunha de Feiticeiro; tinha sido incorporado no meu batalho vindo de
Chavantes, subvencionado por diversos indivduos para exercer o
ofcio de espio e envenenar os oficiais e praas mais salientes. No
desempenho dessa misso, preparou um remdio, que subministrou a
vrios soldados, o qual, em vez da morte, produzia uma loucura que
deveria durar uns trs meses".
Concludo o inqurito e provada a responsabilidade do Feiticeiro,
condenei-o a ser fuzilado, sentena imediatamente executada, e as
margens do Paranapanema serviram de tmulo para esse desgraado
que na sua incnscia bestial de africano, a quem a civilizao e os
sentimentos humanos conseguiram amortecer os instintos selvagens
(...). 293

Embora a Coluna e os movimentos que a circundaram tivessem algum


carter libertrio, podemos verificar nos escritos de seus membros a reproduo
de caractersticas da sociedade na qual eles viviam, como o racismo, posto por
Cabanas na desumanizao e adjetivao de bestial e selvagem ao se referir ao
Feiticeiro.
A histria de Feiticeiro muito se aproxima da de Tia Maria. Negra,
cozinheira de Isidoro que o acompanhava desde So Paulo, corria a lenda entre
as tropas legalistas que se tratava de uma feiticeira que fechava os corpos dos
soldados revolucionrios294.
A Tia Maria, desligada do fogo de Juarez, encerrou sua peregrinagem
em Pianc, Paraba. Bebia e muito. Embriagada, no se apercebeu da
retirada sorrateira da Coluna. A policia paraibana, que ali chegou aps

292 Ibidem, p. 408.


293 Grifo do autor. CABANAS, op. cit., 105 e 106.
294 LIMA, op. cit., p. 218.

105
a nossa sada, encontrando a pobre preta, sangrou-a cruelmente, no
cemitrio, obrigando-a antes a abrir a sua prpria cova.295

Segundo Moreira Lima, a Coluna contava com 50 mulheres e os boatos


legalistas de que existiam mais se explicavam porque "muitos soldados eram
imberbes, o que os faziam confundir com mulheres". No sendo possvel
contabilizar o nmero exato de mulheres envolvidas, existe a possibilidade que
este dado seja maior ainda do que 50296, pois segundo Farias, quando partiram
do Rio Grande do Sul j contavam com esta quantidade297.
O envolvimento feminino na Coluna tambm fez com que as opinies das
lideranas divergissem. Embora inicialmente todos tentassem dificultar a marcha
para que as mulheres no os seguissem, logo elas provaram que eram
capazes298 e foram aceitas nos destacamentos, exceto no de Siqueira Campos.
"Siqueira era o nico comandante que no admitia mulheres em carter
permanente. Isto , nos acampamentos de Siqueira existiam mulheres, mas ele
no permitia que elas marchassem com a tropa" 299.
Estas mulheres, conforme pudemos constatar nos escritos de Moreira
Lima, Joo Alberto Lins de Barros, talo Landucci e na entrevista de Cordeiro de
Farias, seguiam com os soldados, faziam parte da tropa, deslocavam-se
conforme as circunstncias permitiam, a cavalo ou a p, vestiam e se
alimentavam igual aos demais, e embora no fossem encarregadas de servios
especficos ditos "femininos" como cozinhar e lavar, todas elas se dedicavam a
cuidar dos doentes e feridos.
Essas mulheres (...) no tinham commodidades especiaes. Seguiam a
tropa a Cavallo, vestidas como soldados, de lao garupa da montaria.
Revistavam a cada momento as padiolas em que se conduziam os
enfermos e feridos, attendendo-os, pensando-os. Se se detinha a
marcha para um combate, emquanto os homens lutavam, ellas,
expostas metralha, arrastavam a logar resguardado os que
tombavam feridos e, muitas vezes, terminada a pugna, percorriam o

295 DONATO, Hernani. A Grande Marcha: as mulheres na Coluna Prestes. Revista Do Leitura.
So Paulo, 13 de junho de 1994, p. 2.
296 Idem.
297 CAMARGO; GES, op. cit., p. 131.
298 "Ao chegar a Santa Catarina, tentamos fazer com que elas desistissem e voltassem. Meu voto

era favorvel idia de mant-las conosco, mas fui voto vencido. Em princpio, portanto,
deveramos ter passado para Santa Catarina sem mulheres. Mas quando nos dirigamos para
Foz do Iguau, eis que elas penetraram na floresta e surgem novamente entre ns." Idem.
299 Idem.

106
sector inimigo e procuravam mitigar as dores dos soldados que ali
haviam sido deixados.300
Era comum conduzirem as armas dos soldados para que estes
descansassem.301

Dentre elas, uma que recebeu grande destaque nestes escritos foi a
enfermeira austraca Hermnia, que acompanhava os revolucionrios desde a
retirada da cidade de So Paulo e os seguiu at a Bolvia:

A enfermeira Hermnia era valente e dedicada a um tempo, socorrendo


os feridos na linha de fogo. No cerco de Teresina ela chegou s
trincheiras inimigas e ali tratou vrios feridos. (...) Era extremamente
brava e de uma grande capacidade de trabalho, marchava a p durante
muitos dias, potreava e laava como um gacho. 302

Entretanto, para alm dos servios de enfermeira, as mulheres tambm


auxiliavam na manuteno e nas ligaes dentre as tropas, como por exemplo,
"Ona", "mulata riograndense, danarina de maxixe, que fez uma ligao
salvando uma pequena tropa, atacada por foras muito superiores"303.
O convvio dirio em marcha fazia com que estas mulheres estivessem
inseridas nas dinmicas presentes em meio aos combates, interferindo nas
quebras de "protocolos militares" e fazendo parte das relaes de solidariedade
e de confiana dentre os soldados:
Em meio jornada, a Santa Rosa teve um filho. Era mulher de um dos
soldados do Destacamento do Cordeiro de Farias e acompanhava a
Coluna juntamente com outras, desde a retirada do Rio Grande do Sul.
(...) Nas proximidades da cidade de Santa Luzia (...) com o adversrio
vista, era-me impossvel destacar homens para socorre-la e guarda-
l. (...) Em torno dela, seu marido, uma curiosa da regio e mais alguns
soldados do meu Destacamento faziam fogo, mergulhando uns trapos
de pano numa panela de gua quente
Esperei mais algumas horas, partindo finalmente (...) ao encontro da
Coluna que ia bem distante (...) era muito mais fcil para Santa Rosa
safar-se daquela situao com um pequeno grupo de voluntrios que
a acompanhava, do que para o 2 Destacamento, enfrentar no dia
seguinte um combate srio em m situao, com grande perda de
vidas.
No caminhamos muito, - cerca de trs horas talvez. Uma boa posio
defensiva convidava-nos a um repouso. (...) Nestor Verssimo (...)

300 AMARAL, Luiz. Conversando com as mulheres da Columna Prestes. O Jornal, Rio de Janeiro,
10 de julho de 1927, p. 6.
301 LIMA, op. cit., p. 131.
302 LANDUCCI, op. cit., p. 169.
303 LIMA, op. cit., p. 131.

107
contou-me que cerca de trinta homens (...) haviam regressado com o
objetivo de escoltar a Santa Rosa (...)
Logo ao amanhecer, chegou a nova do nascimento da filha de Santa
Rosa. (...) Esperamo-la at o meio dia quando ela apareceu a cavalo,
em montaria de amazona, com a criana nos braos. (...)
Em poucos dias, trajada de homem, montava novamente a cavaleiro,
confundindo-se como antes, com o resto da tropa.304

Outra que teve filho em meio marcha foi Elza Schmidtke, alem, que
acabou sendo presa e depois se exilou.

Seu Marido, Eurico Schmidtke, incorporara-se columna estrangeira


de S. Paulo, acompanhando as tropas do general Isidoro na retirada.
Seguiu-o Ella. Fez-se enfermeira (...). Fez toda a campanha ao lado do
marido, at que este se extraviou. Confiou-se, desde ento,
proteco do major pernambucano Manoel Alves de Lyra. Morto o
major (...) Elza deliberou desligarse da columna. 305

Todavia, inevitvel no notar nas fontes, essas escritas por homens, a


inferiorizao e esquecimento da agncia dessas mulheres. Indcios disso so
as sempre presentes caracterizaes estticas, a supresso de seus nomes e
ou sobrenomes e a utilizao de apelidos, assim como dos negros, j que os
homens brancos, em sua boa parte, so citados com nome, sobrenome, patente
militar e origem. curioso notar que quando a citada branca e de origem
estrangeira conseguimos encontr-la com nome, e s vezes sobrenome. Outras,
negras, so citadas apenas com apelidos:
"A Ona", Mulata riograndense, danarina de maxixe, que fez uma
ligao salvando uma pequena tropa, atacada por foras muito
superiores.306
Chininha307, obesa (...) andarilha sem igual, apesar das suas
avantajadas banhas de mulata.308

A exaltao do ofcio das enfermeiras, ao cuidar e servir aos homens e a


utilizao do termo vivandeira, inclusive, nos permite afirmar que "trata-se de
narrativa que investe na imagem da mulher que vive em funo dos outros" 309.

304 BARROS, op. cit., p. 118-122.


305 AMARAL, Luiz. Conversando com as mulheres da Columna Prestes. O Jornal, Rio de Janeiro,
10 de julho de 1927, p. 6.
306 LIMA, op. cit., p. 131.
307 O termo em algumas localidades se refere a prostitutas. Entretanto, no temos maiores

informaes sobre a mulher citada por Moreira Lima.


308 Ibidem, p. 351.
309 Ver CARVALHO, Maria Meire de. Vivendo a verdadeira vida: vivandeiras, mulheres em outras

frentes de combates. Tese (Doutorado em Histria). Universidade de Braslia, Braslia, 2008.


108
O termo vivandeira tambm foi utilizado em memrias e outros escritos da
Guerra do Paraguai e da Revoluo Farroupilha para designar as mulheres que
acompanhavam as tropas. Este "acompanhar" no significa que elas apenas iam
junto aos homens em postura pacfica e pouco participativa, conforme vimos com
as da Coluna. No entanto, faltam estudos neste sentido.

Conflitos em geraes

Embora tenhamos notado que algumas caractersticas da Coluna se


originaram dos gachos maragatos, que inclusive a compuseram em alguns
momentos, o movimento em sua boa parte era composto por homens mais
novos, que compartilhavam de outras experincias, como nos sugere as
observaes posteriores do filho de Miguel Costa:
(...) nenhum deles alcanara, ainda, 40 anos de idade. Miguel Costa, o
comandante, festejou o 39 aniversrio em 3 de dezembro de 1924,
cinco meses aps o incio da revoluo e Luiz Carlos Prestes, o Chefe
de Estado Maior tinha apenas 23 anos. (...)
No eram os velhos oficiais que se sublevavam. Eram os jovens
tenentes ou, quando muito, os majores... As altas patentes,
depositrias dos interesses e concepes da antiga ordem, jamais
podiam ser revolucionrias. Tinham de ser conservadores, legalistas,
portanto. E, quando entravam para o movimento, constituam raras
excees, habilmente seduzidos pelos oficiais menos graduados, que
delas precisavam, para maior prestgio da Revoluo. (...)
Os jovens oficiais, de major para baixo, representavam outra
mentalidade. Nada tinham de comum com a aristocracia agrria do
caf. Eram filhos do povo, como os operrios das cidades e refletiam
as novas foras em ascenso nas atividades econmicas, sociais e
polticas do pas. (...)310

A partir disso, podemos afirmar que dois fatores eram geradores de


conflitos: a existncia de homens mais velhos, civis, maragatos, carregados de
suas experincias nos confrontos armados no Rio Grande do Sul, como a
Revoluo Federalista em 1893, e a de militares mais velhos, que para alm de
suas experincias especficas como o combate a Canudos, haviam tido
formao diferente dos mais jovens.

BERNARDES, Maria Elena. Laura Brando: A invisibilidade feminina na poltica. Dissertao


(Mestrado em Histria). Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1995.
310 Anotaes datilografadas de Miguel Costa Jnior, datadas de 1962. AEL/UNICAMP - Fundo

Miguel Costa, Pasta 56.


109
O conflito entre geraes se dava tambm por conta da formao que os
mais velhos tiveram na Escola da Praia Vermelha, que era diferente da oferecida
na Escola do Realengo, aberta a partir de 1913. A gerao mais velha estava
moldada a partir da Guerra do Paraguai e tinha uma formao bastante
humanista e bacharelesca. Com a ecloso da Primeira Guerra Mundial, o
Exrcito brasileiro, na tentativa de se modernizar, recorreu Misso Francesa e
tornou seu curso mais tcnico. Segundo Edmundo Coelho:

Esta oposio entre oficiais subalternos, por um lado, e superiores, por


outro, no deixava de ser, em parte, reflexo do perfil estrutural do
quadro de oficiais onde a preponderncia dos tenentes era marcante.
(...) No difcil estabelecer os nexos entre a poltica de gratificaes
ao quadro de oficiais superiores - a poltica de cooptao - patrocinada
pelos governos civis e a crescente hostilidade e oposio da
oficialidade subalterna.311

Segundo Cordeiro de Farias,

o choque de geraes em determinadas regies foi inevitvel. Os


tenentes que iam para o Rio Grande ou Sul ou Mato Grosso eram mal
recebidos em vrias unidades por seus comandantes, que lhes diziam:
"No me venham com estas idias de instruo para no perturbar a
vida do quartel. Somos uma famlia. No queremos problemas." Era
natural que muitos deles resistissem s novas idias, sobretudo
quelas ligadas instruo militar introduzidas pelos "jovens turcos",
isto , os oficiais que, em 1913, voltaram de estgios na Europa,
principalmente na Alemanha, com idias novas.312

Ao mesmo tempo, as lideranas, que no momento do estopim dos


movimentos possuam as patentes de tenentes, compunham um grupo coeso,
pois:
(...) Prestes, Siqueira Campos, Eduardo Gomes, Juarez saram todos
das mesmas turmas. (...) Eles saram j como tenentes e eu [Cordeiro
de Farias] como aspirante, mas todos no ano de 1919. 313
Todo o grupo a que pertenciam Prestes, Siqueira, Eduardo Gomes,
Delso e vrios outros estava unido e atuando naquela excitao poltica
de 1922.314

Outros fatores articuladores deste grupo foram as movimentaes

311 COELHO, Edmundo Campos. Em busca de identidade: o Exrcito e a poltica na sociedade


brasileira. Rio de Janeiro: Forense-Universitria, 1976, p. 72.
312 CAMARGO; GES, op. cit., p. 66 e 67.
313 Ibidem, p. 64.
314 Ibidem, p. 76.

110
polticas da revolta de 1922315, a represso do governo para com esses
envolvidos, que despertou diversas movimentaes de solidariedade, e tambm
o perodo em que Prestes foi auxiliar de instrutor e depois diretor de instruo de
engenharia na Escola Militar316, onde passou a ter maior contato com as novas
turmas.
Dessa maneira, a prtica de lidar com as tropas, desenvolvidas pelas
lideranas da Coluna, que se baseavam em camaradagem, proximidade e
confiana, tambm buscava conquistar e no tensionar com as patentes mais
altas e com os costumes dos homens mais velhos.

315 Na Escola Militar do Realengo quase a totalidade dos alunos declarou-se conscientemente
rebelada. Com isso, 608 dos 666 matriculados na EMR foram expulsos.. DRUMMOND, op. cit.,
p. 93.
316 PRESTES, op. cit., p. 28 e 29.

111
CAPTULO III Aproximaes e distanciamentos com as
populaes do campo e da cidade

A Coluna, o coronelismo e o caudilhismo: conflitos e aproximaes

As relaes dos tenentes com a populao paulista, como vimos no


primeiro captulo, foram de proximidade, muito embora sua participao no
tenha sido estimulada integralmente pelos comandantes militares. No entanto,
as relaes dos tenentes com os sertanejos, em meio marcha da Coluna, se
deram de maneira diversa, uma vez que muitas vezes os j pobres moradores
dos sertes se viam ainda mais na misria aps a passagem dos revoltosos.
Isso ocorria porque eram feitas solicitaes de animais, alimentos, roupas,
armas, munies e outros objetos. Alm disso, elementos das tropas, tanto
revolucionrias quanto legalistas, bem como grupos locais oportunistas,
praticavam todo tipo de violncia para com estas populaes.
Outro fator agravante foi o misticismo que circundava a Coluna na regio,
o que estimulava a fuga das populaes quando esta se aproximava. A
disseminao do medo entre os sertanejos fazia com que se escondessem ou a
combatessem. Este misticismo por vezes ia alm. Segundo Moreira Lima, "em
Porto Nacional, o povo corria curioso para ver a Princesa Isabel317, que viajava
conosco, conforme se espalhou". 318
Nos estados do Nordeste, com exceo do Maranho e do Piau, "ou as
populaes fugiam, para os matos, ou se colocaram ao lado do governo" 319,

estimulados pelas notcias que corriam acerca da Coluna, ou por influncia de


coronis que recebiam pagamentos do Estado para combat-la. Inclusive,
muito possvel que toda essa aura dos rebeldes tenha sido estimulada por
coronis com a inteno de afastar a populao local do movimento e endossar
o combate que eles mesmos faziam Coluna a mando das relaes que

317 Falecida em 1921 na Frana, podia-se acreditar que era ela mesma, viva.
318 LIMA, Moreira Loureno. A Coluna Prestes: marchas e combates. So Paulo: Ed. Alfa-mega,
1979, p. 199.
319 Ibidem, p. 181.

112
possuam com o governo federal.
Prestes, em entrevista, afirmou que mesmo assim existiu simpatia por
parte de alguns sertanejos que compreendiam que a Coluna lutava contra quem
os oprimia, no caso, o governo em suas diversas esferas e os coronis. Todavia,
no tinham perspectivas de que fosse possvel venc-los, logo ajudavam os
revoltosos de maneira que no se comprometessem.320
Quando questionado da repercusso que a Coluna teve entre a populao
do interior do Brasil, Cordeiro de Farias avaliou: "Foi limitada, como no podia
deixar de ser. Falvamos para homens que no tinham noo nem do Estado e
s vezes nem mesmo do municpio em que viviam. 321 Na avaliao de Loureno
Moreira Lima:

No interior, o povo semibrbaro, no tendo noo ntida da Ptria.


Ainda est dominado pelo sentimento da escravido e vive aterrorizado
diante do senhor, que se lhe apresenta sob a forma da Justia, que lhe
toma os bens e o mete nas cadeias, e do "gunverno" que o escorcha
de "dreitos", o esbordoa e o chacina, quando ele ousa esboar o mais
leve gesto de revolta contra as suas prepotncias. 322

Quando a Coluna da Morte estava, em fins de outubro e incio de


novembro de 1924, acampada no povoado de Piquiri, s margens do rio de
mesmo nome, prximo cidade de Guarapuava no Paran, encontrava-se na
"seo norte dos grandes ervais do Sr. Julio T. Allica", que ocupavam mais ou
menos 450 hectares de terras.323
Segundo Cabanas, logo aps a sua chegada, ficou sabendo que Allica,
juntamente com o governo estadual, de quem havia recebido armas e munies,
preparou "vrias emboscadas contra qualquer fora revolucionria que se
aventurasse marchar por aqueles stios".324 Dessa maneira, a fim de cortar a
comunicao, Cabanas ordenou que os trabalhadores se reunissem perante
suas tropas e que fossem presos o administrador geral dos ervais e todos os
capangas. Segundo ele,

320 PRESTES, Anita Leocdia. A Coluna Prestes. 3 Ed. So Paulo: Brasiliense, 1991, p. 231.
321 MOTA, Loureno Dantas (org.). O tenentismo mais fantasia do que realidade. In A Histria
Vivida (I). So Paulo: O Estado de S. Paulo, 1981, p. 67-68.
322 LIMA, op. cit., p. 182.
323 CABANAS, Joo. A Coluna da Morte. So Paulo: Editora Unesp, 2014, p. 172.
324 Idem.

113
Passados quatro dias, comeou a chegar o pessoal, formando-se
depois uma multido de mais de mil indivduos andrajosos, tendo cada
um em si os caractersticos da vida miservel que passavam sem os
mais rudimentares cuidados de higiene; uns, bestializados pelos maus
tratos, riam alvarmente (...). A grande maioria com os artelhos
deformados pelos bichos de p, faces intumescidas pela
ancilostomase ou pelo mal de Chagas, movia-se lentamente; (...)
sentavam-se aos grupos pelo povoado, tendo ao redor crianas cor de
mbar, ventre crescidos, sonolentas e tristes (...). [Este] rebanho
humano (...) parecia ter surgido de ignotas paragens onde o sol no
penetra e no existe civilizao (...). O trabalhador do erval , sem
dvida alguma, um verdadeiro escravo olvidado pela lei de 13 de maio
de 1888 (...). Comovido (...) socorria [aquela gente] com os recursos
de que podia dispor e aconselhei-a tomasse rumo de Porto Mendes
(...). Aceito o meu conselho, em poucos dias Piqueri foi evacuado,
ficando unicamente 93 homens que voluntariamente assentaram praa
na minha coluna. 325

O trecho, mesmo que impetuoso, nos evidencia que, quando possvel,


algumas lideranas se dispunham a auxiliar as populaes que encontravam.
Entretanto, no encontramos fontes que nos tragam maiores detalhes de como
os revoltosos viam estas populaes do serto para alm de sofridas e
semibrbaras.
Em carta de Prestes para Isidoro, no incio da marcha da Coluna, o
primeiro utiliza o seguinte argumento para defender a guerra de movimento:

(...) A guerra no Brasil qualquer que seja o terreno a guerra do


movimento. Para ns, revolucionrios, o movimento a Victoria. A
guerra de reserva a que mais convem ao governo que tem fabricas
de munio, fabricas de dinheiro e bastante analphabetos para jogar
contra as nossas metralhadoras. 326

Embora tenhamos visto que quando Prestes se deparou com soldados


analfabetos se empenhou em alfabetiz-los, isso no acontecia com as
populaes dos locais por onde passava. Claro que a velocidade com que
transitavam pelos povoados impedia que os tenentes estabelecessem maiores
relaes ou buscassem auxiliar essas pessoas de maneira efetiva. No entanto,
em escritos dos envolvidos nos movimentos tenentistas feitos no calor da
marcha, encontramos poucas reflexes acerca da pobreza e misria que
assolavam essas realidades. Logo, dentre a pauta tenentista quase nada

325
Ibidem, p. 172, 173 e 176.
326
PRESTES, Luiz Carlos. Carta para Isidoro Dias Lopes. Barraco, 10 de fevereiro de 1925.
AESP - Cartas da Revoluo de 1924.
114
contemplava o sertanejo, mas algumas aes, mesmo que momentneas,
buscaram amenizar seu sofrimento.
O costume de soltar presos das cadeias por onde passavam e incorporar
alguns desses, quando desejavam, em suas fileiras, fez com que a Coluna fosse
bastante criticada pelos jornais. Entretanto, podemos notar que essa prtica
estava associada ideia de que a justia, atravs do estado, no se fazia aos
pobres. Em passagem, descrita na obra de Moreira Lima, o advogado lembra
que por diversas vezes pessoas iam consult-lo acerca de processos. Observa
tambm que:

Foram postos em liberdade trinta e tantos presos que encontramos na


cadeia.
Assim procedamos sempre porque muitos desses indivduos eram
vtimas de perseguies de toda natureza e outros estavam detidos,
havia longo tempo, sem que os seus processos tivessem sido
ultimados, pela morosidade incrvel da justia, e, tambm, por esprito
de equidade, pois era profundamente injusto manter em custdia esses
miserveis, quando os mais ferozes criminosos viviam soltos,
ocupando altas posies polticas e sociais.327

Em escritos dos tenentes podemos identificar que da mesma maneira que


os sertanejos tinham dificuldades em compreender o movimento devido s
dificuldades de comunicao e do controle exercido pelos coronis, os
revoltosos tambm pouco sabiam sobre eles.
Em correspondncia no assinada, recebida por Tvora, por exemplo,
consta: " to difcil (...) combater o egosmo consubstanciado no direito de
propriedade do sertanejo"328. Na realidade, "o egosmo do sertanejo com
relao terra se relacionava no compreenso por parte dos tenentes dos
problemas enfrentados por aquele que estava sob as mazelas dos coronis
latifundirios e que via na terra sua nica possibilidade de subsistncia.
Entretanto, mesmo assim houve a adeso de duzentos e cinquenta
homens no Maranho, cento e sessenta no Piau, vinte no Cear e quarenta na

327
LIMA, op. cit., p. 299.
328
Remetente no identificado. Carta para Juarez Tvora. Rio de Janeiro, 1926. CPFOC -JT, dpf
1924.05.10, p. 661-664.
115
Paraba e Pernambuco329. Um exemplo, o caso do lavrador Manuel Bernardino,
cearense, tido como inimigo da oligarquia maranhense e chefe mais poderoso
da regio de Graja, que abrangia o centro e o nordeste do estado do Maranho.
Conhecido como "O Lenine da Mata"330, juntou-se Coluna acompanhado de
200 homens, todos armados de Winchesters. Acompanhou as tropas de 2 de
dezembro at o Cear, onde desertou, em companhia de um seu irmo de nome
Joo Bernardino e de doze camaradas. Os demais, que obedeciam s suas
ordens, recusaram-se segui-los e continuaram na Coluna"331.
O movimento tenentista na dcada de 1920, conforme pudemos analisar
em suas tentativas de elaborar um programa poltico, discordava da maneira em
que se firmava a estrutura do poder no pas que tinha em sua base os poderes
locais exercidos pelos coronis. Paradoxalmente, por vezes, em sua existncia,
estes movimentos se aproximaram destes poderes locais, como em Sergipe, por
exemplo, onde o coronel Manoel Gomes da Cunha, pai do tenente Maynard,
declarava-se, em telegrama enviado ao filho no incio da revolta, satisfeito e fazia
votos pela vitria da causa que ns abraamos e que tu, com tanta abnegao
e patriotismo defendes332.
Dono do engenho Campo Redondo, localizado no municpio de Rosrio
do Catete, Manoel era chamado de coronel em virtude das terras que possua e
de sua influncia poltica333. Quando, na tomada de tal regio, parte das tropas
revoltosas ficou em suas terras e recebeu todo tipo de apoio.
Neste sentido, "os militares se afirmavam contra a corrupo poltica que
se observava no Brasil, mas na prtica acabaram procurando entender-se com
as lideranas polticas do interior de Sergipe"334, o que se mostra bastante
problemtico, j que se colocavam contrrios ao governo sustentado pela

329 LIMA, op. cit., p. 273.


330 Ver ALMEIDA, Giniomar Ferreira. O Lenine Maranhense: fuzilamento e cultura histrica no
interior do Maranho (1921). Dissertao (Mestrado em Histria). Universidade Federal da
Paraba, Joo Pessoa, 2010.
331 LIMA, op. cit., p. 203.
332 NOTICIRIO. Dirio Oficial do Estado de Sergipe. Aracaju, 19 de julho de 1924, p. 2, Apud

MAYNARD, Andreza Santos Cruz. A caserna em polvorosa: a revolta de 1924 em Sergipe.


Dissertao (Mestrado em Histria). Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2008, p. 67.
333 Ibidem, p. 67.
334 Ibidem, p. 84.

116
chamada poltica dos governadores, que tinha em sua base justamente esses
coronis locais, como o pai do tenente Maynard.
Enquanto alguns apoiavam o movimento rebelde, outras lideranas
polticas dos municpios mais distantes de Aracaju se mobilizavam para ajudar a
combater a revolta, organizando foras a fim de protegerem seus poderes e
restaurarem a ordem, fornecendo jagunos, transportes, armas e dinheiro 335.

Consta que, segundo Maynard:

grande nmero dos tais patriotas eram criminosos reincidentes,


processados e perseguidos pela polcia de Alagoas, sendo que os seus
oficiais eram mal vistos e odiados por muitos dos cangaceiros aos
quais tentaram sempre prender (...) E, independente da desconfiana
gerada entre os elementos desse grupo, todos recebiam alimentao,
armas e um soldo, uma vez que estavam a servio do governo. Desses
elementos exigia-se apenas que soubessem manejar armas de fogo336.

Boa parte da represso que a Coluna sofreu, para alm da exercida pelo
prprio Exrcito, foi feita pelas polcias estaduais, que atuavam com
destacamentos mistos juntamente com tropas federais, e pelos chamados
batalhes patriticos, formados a partir de iniciativa de chefe locais, que
organizava e remunerava estes grupos. Inclusive, vrios chefes de patriticos
e jagunos foram posteriormente comissionados como oficiais da reserva do
Exrcito.337
Os coronis embora fossem figuras polticas diversas dos caudilhos, pois
estabeleciam relaes de poder visando objetivos eleitorais, tendo o voto papel
primordial338, ambos se aproximavam das relaes de clientelismo baseada em
formas pessoais de nominao e o uso da violncia como instrumento de
competio poltica339.

335 DANTAS, Jos Ibar Costa. O tenentismo em Sergipe. Rio de Janeiro: Vozes, 1974, p. 116.
336 MAYNARD, op. cit., p. 111 e 112.
337 DRUMMOND, Jos Augusto. O Movimento Tenentista: a interveno poltica dos oficiais

jovens (1922-1935). Rio de Janeiro: Graal, 1986, p. 14, 15 e 149.


338 DANTAS, Ibar. Coronelismo e dominao. Aracaju: UFS, 1987, p. 16. Apud. SOUZA, Ricardo

Luiz de. Coronelismo: transformaes, interpretaes. Tempos Histricos. V. 08. Marechal


Cndido Rondon, 1 semestre de 2006, p. 135. LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto:
o municpio e o regime representativo no Brasil. So Paulo: Alfa-Omega, 1975.
339 WOLF, Eric R. & HANSEN, Edward C.. Caudillo politics: a structural analysis. Comparative

Studies in Society and History. Vol. IX. The Hague: Mounton & Co., 1967, p. 169. Apud SOUZA,
op. cit., p. 134.
117
O envolvimento civil gerou opinies divergentes dentre os revoltosos de
origem militar. Como veremos mais adiante, o envolvimento de operrios no foi
bem visto por alguns tenentes, entretanto, o envolvimento civil advindo dos
movimentos armados do Rio Grande do Sul no foi questionado, embora tenha-
se discutido como organiz-lo e integr-lo s foras militares. Talvez isso tenha
se dado porque, ao contrrio de So Paulo, onde os interessados eram em boa
parte advindos das camadas mais pobres da sociedade, sem armamentos nem
lideranas significativas, os caudilhos j possuam experincia e organizao
advindos de outros confrontos armados e possuam armamentos.
Passamos alguns dias em Uruguaiana acolhendo e organizando os
elementos civis que vinham aderir revoluo. No havia armas nem
fardamento para todos, mas isto no desapontava os voluntrios
gachos, h muito habituados quele gnero de luta. (...)
No tardou a chegar em Uruguaiana o Honrio de Lemos, caudilho que
sustentara no ano anterior o movimento de rebelio contra o governo
estadual do Dr. Borges de Medeiros.340

Segundo Drummond, "a Coluna Prestes teve ntida influncia dos


mtodos guerrilheiros empregados nas lutas civis gachas de 1835-45 (Guerra
dos Farrapos ou Revoluo Farroupilha) e 1893-95 (Revoluo Federalista) e
ainda cultivados pelos libertadores em 1923 e 1924341. Alm disso, os caudilhos
envolvidos tiveram participao direta no comando do movimento, pois
raramente suas foras eram misturadas, ou passavam para um comandante
militar, sendo, inclusive, esse detalhe motivo de conflito na construo do
comando da Coluna Miguel Costa - Prestes:
(...) Infelizmente no pude aqui chegar com os 1500 homens com que
sahi de S. Luiz. Chefes como Ruy Zubaran, Innocencio Silva e Pedro
Aaro, retiraram-se com verdadeiro pavor do sitio de S. Luiz, levando
comsigo criminosamente homens, armas e munio. (...) julgo
urgentes e imprescindveis as seguintes providencias: (...) Ordem para
que os elementos que d'ahi vieram com o Cel. Fidencio sejam
mandados addir a minha Brigada, pois que, estando muito bem
armados e municiados so os que maiores servios podero prestar.
Desta forma, havendo unidade de commando, muito ser aqui possivel
fazer. Occupada esta regio e bem defendida poder o Cel. Fidencio
reunir os elementos civis de que dispe e organisar a sua brigada. No
tenho pretenes de commando nem mesmo desejo de ter o Cel.

340 BARROS, Joo Alberto Lins de. Memrias de um Revolucionrio. Rio de Janeiro: Civilizao
Brasileira, 1954, p. 36 e 37.
341 DRUMMOND, op. cit., p. 129 e 130.

118
Fidencio sob minhas ordens mas no tenho a necessria confiana
para entregar-me com 800 homens sua direco. Emfim o que
impressindivel a unidade do commando para os elementos que
desde j podem combater. Estou agindo de accordo com o Cel
Fidencio mas sinto que no primeiro momento difficil poder haver
desaccordo o que ser o fracasso de grande parte do que podemos
aqui fazer.(...)"342

Como podemos notar na carta acima, h um desconforto de Prestes com


as retiradas dos caudilhos Ruy Zubaran, Innocncio Silva e Pedro Aaro, bem
como com a maneira independente que agiam do restante da Coluna. Segundo
Cordeiro de Farias, algumas adeses do tipo se transformavam em verdadeiros
desastres j que os caudilhos estavam habituados a grandes correrias sem
qualquer planejamento.343 Segundo Anita Prestes, somente quando estes
caudilhos maragatos se afastam da luta que Prestes e os tenentes mais
prximos, como Siqueira Campos, Joo Alberto e Cordeiro de Farias,
conseguem atingir a unidade de comando que buscavam desde a sada do Rio
Grande do Sul344.
Entretanto, o mesmo aponta que os caudilhos

eram excelentes intermedirios entre o povo e o Exrcito revoltado.


Conheciam toda a gente, sabiam em quem podamos confiar.
Posteriormente, entre 1924 e 1927, esses homens sofreram
sucessivas derrotas. Fugiam para o exterior, compravam armas e
voltavam ao Rio Grande com o propsito de continuar a luta.
Formavam grupos de combate que mantinham a chama acesa em toda
a faixa de fronteira345

Parece-nos que a articulao entre os tenentes e os maragatos foi


realizado por intermdio de Isidoro Dias Lopes. Segundo Cordeiro de Farias,
Isidoro conhecia todos os caudilhos do Rio Grande do Sul346. Isso muito se deve
a sua experincia como chefe do Estado-Maior de Gumercindo Saraiva na

342 Grifos do autor. PRESTES, Luiz Carlos. Carta para Isidoro Dias Lopes. Barraco, 10 de
fevereiro de 1925. AESP - Cartas da Revoluo de 1924.
343 CAMARGO, Aspsia; GES, Walter de. Meio sculo de combate: dilogo com Cordeiro de

Farias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981, p. 97.


344 PRESTES, Anita Leocdia. Luiz Carlos Prestes: um comunista brasileiro. So Paulo:

Boitempo, 2016, p. 69.


345 CAMARGO; GES, op. cit., p. 86.
346 Idem.

119
Revolta Federalista em 1893347. Essa influncia de Isidoro continuou a auxiliar a
Coluna, pois sua articulao, advinda da Argentina, ajudava a criar focos de
agitao na regio fronteiria no sul do Brasil, referidas por Cordeiro como
colunas-relmpagos.348
Um ponto importante e a ser apresentado a associao entre os termos
maragatos e caudilhos. Os maragatos eram opositores dos castilhistas no
conflito de 1923 no Rio Grande do Sul, entretanto os dois grupos eram
compostos por caudilhos. Sobre a denominao dos grupos:

De acordo com Moacir Flores maragatos era a denominao dada aos


federalistas que com os invasores brasileiros vinham gachos
uruguaios, de um departamento que fora povoado por espanhis
oriundos da Maragataria. Os republicanos passaram a chamar os
federalistas de maragatos como se fossem estrangeiros 349.

Dessa maneira, encontramos dentre as fontes a referncia a


perseguidores da Coluna enquanto chimangos, em oposio aos maragatos,
que compunham o movimento, como observamos nesta carta de Joo Alberto
Lins de Barros para Prestes:

As 11 horas de hontem uma columna de 300 a 400 provisrios nos


atacou passo. Como eu no podia retirar diante do inimigo de dia sem
ser perseguido, auxiliado pelo Fidencio resisti at de noite no
conseguindo a chimangada tomar nossas posies que foram depois
abandonadas em silncio350

Tenentes e as populaes urbanas

Os militares, como vimos, realizavam diversos trabalhos nos quartis e


possuam estreitas relaes com o operariado, conforme pudemos verificar em

347 MCCANN, Frank D. Soldados da Ptria: Histria do Exrcito Brasileiro 1889-1937. Trad. Laura
Teixeira Motta. - So Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 344 e 345.
348 Ibidem, p. 109.
349 FLORES, Moacyr. Histria do Rio Grande do Sul. 5 Ed. Porto Alegre: Nova Dimenso, 1996,

p. 158. Apud PEREIRA, Ledir de Paula. O positivismo e o liberalismo como base doutrinria das
faces polticas gachas na Revoluo Federalista de 1893-1895 e entre maragatos e
chimangos de 1923. Dissertao (Mestrado em Cincia Poltica). Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Porto Alegre, 2006, p. 85.
350 BARROS, Joo Alberto Lins de. Carta para Luiz Carlos Prestes. Barraco, Paran, 20 de

fevereiro de 1925. - CPDOC - Fundo Sadi Vale Machado.


120
trabalho anterior acerca da chamada Revoluo de 1924351. Populares
auxiliavam os soldados entrincheirados nas ruas, membros do Partido
Comunista do Brasil (PCB), organizaes sindicais e anarquistas tiveram
participao ativa no movimento, tendo em vista o inimigo comum: o governo
autoritrio de Arthur Bernardes.
Apesar de a revolta de 1924 em So Paulo se apresentar como militar, a
partir de suas lideranas e manifestos por elas lanados, o movimento contou,
no decorrer de seu planejamento e execuo, com componentes civis, como por
exemplo, Loureno Moreira Lima352, advogado depois nomeado secretrio da
coluna, e Waldomiro Rosa, que:

Era empregado do Banco Italo-Belga e socio do Major Miguel Costa,


em uma fabrica de cigarros. Tomou parte nas reunies em que
discutiam os planos da rebellio na Rua Dutra Rodrigues, n. 12, e na
sua residncia, Rua Frederico Alvarenga, n. 46. Reuniu os
conspiradores em repetidas conferencias. Iniciado o movimento
subversivo, foi nomeado pelo governo rebelde chefe dos servios de
radio-telephonia dos rebeldes, cargo esse que desempenhou tomando
militarmente, em companhia do Dr. Alcantara Tocci e outros a estao
radio-telephonica de Dias Cordeiro & Cia, Rua 7 de Abril, donde eram
irradiados discursos subversivos. Finalmente foi visto armado e
effectuando prises. Acompanhou os rebeldes j provido ao posto de
capito.353

Inicialmente a discusso a respeito desse tipo de participao provocou


divergncia entre os militares354, sendo que alguns achavam indispensvel a
participao popular e outros temiam pela segurana da revolta, pois, na
interpretao deles, o envolvimento de um grande contingente de pessoas
chamaria a ateno da vigilncia do governo que buscava a instaurao da
ordem ou receavam perder o controle da situao e que o movimento tomasse
caractersticas "bolchevistas". Moreira Lima em suas memrias afirma:

351 CASTRO, Maria Clara Spada de. Tenentismo em 1924: a participao civil na Revoluo
Esquecida. Guarulhos: Monografia de concluso de curso, 2013.
352 LIMA, op. cit., p. 31.
353 Successos Subversivos de So Paulo. Denuncia apresentada ao Exmo. Sr. Dr. Juiz Federal

da 1 Vara de So Paulo pelo Procurador Criminal da Republica, em commisso no Estado de


So Paulo. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1925, p. 85.
354 CORREA, Anna Maria Martinez. A Rebelio de 1924 em So Paulo. So Paulo: Hucitec, 1967,

p. 83.
121
Travei conhecimento, no Q.G., com dr. Almeida Tocci e tendo sabido
que ele gozava de alguma influncia entre os operrios, incitei-o a
promover um levante das classes trabalhadoras.
Dizia-se que trs mil obreiros se tinham mandado oferecer ao general
Isidoro, e que este no aceitara os seus servios, com receio de ser
desvirtuado aquele movimento pela irrupo de um levante
bolchevista. (...)
O fantasma bolchevista no me atemorizava.
Alem disso, no encarava a Revoluo somente pelo lado poltico,
mas, tambem, pelos lados social e econmico. 355

Em meio luta, os lderes operrios mais radicais pediram armas para


que se constitussem "batalhes verdadeiramente populares", a fim de cortarem
as comunicaes, levantarem as populaes do interior e organizarem guerrilhas
contra as foras governistas. Contudo, alguns dos chefes militares no
concordaram356, como Juarez Tvora e Isidoro Dias Lopes.
Por outro lado, Joaquim Nunes de Carvalho, tenente que fora julgado
como um dos cabeas da revolta em So Paulo 357, acreditava que a participao
de civis daria revolta o seu carter propriamente revolucionrio, distanciando-
a da simples agitao de quartel. Para ele "era preciso fazer-se revoluo. s
classes armadas competiam inici-la, porque era a nica fora organizada capaz
de opor sria resistncia aos crimes e desmandos governamentais"358.
Joaquim Tvora, que estaria propenso a decises mais radicais359, foi
outro que se mostrou sempre aberto ao dilogo com o proletariado, apoiado por
Miguel Costa que era favorvel entrega de armas para a populao. Contudo,
Isidoro mostrou-se totalmente contrrio e no admitia a participao das foras
populares.
Durante a revolta:

os dirigentes operrios, por vrias vezes, procuraram avistar-se com


el, sem o conseguir, recebidos com displicncia por qualquer oficial
inferior, que os mandava apresentar-se aos postos de recrutamento!...
No entanto sses lderes, sabedores de que o movimento era aqule
que se estava articulando desde o Rio de Janeiro, queriam justamente

355 LIMA, op. cit., p. 39 e 40.


356 ZAIDAN FILHO, Michel. O PCB e a Internacional Comunista (1922-1929). So Paulo: Vrtice,
1988, p. 52 e 53.
357 Successos Subversivos de So Paulo, op. cit., p. 89.
358 CARVALHO, Joaquim Nunes de. 1922 5 de julho - 1924. Rio de Janeiro: Ed. Henrique Velho,

1944, p. 58.
359 CORREA, op. cit., p. 69

122
propor o que antes havia sido combinado, ou seja, a criao de
batalhes ntidamente populares."360

Juarez Tvora, tendo em vista as Revolues Francesa e Russa, as quais


"pagaram tributos carssimos de sangue sede de vingana das massas
oprimidas", questionava: "quem de ns seria capaz de prever as ltimas
consequncias da subverso social criada pelo predomnio incontrastvel do
populacho" 361.
Embora Miguel Costa e Joaquim Tvora fossem a favor do envolvimento
civil em So Paulo, o general e lder de maior posto na hierarquia militar era
Isidoro e ele era quem determinava formalmente. Dessa maneira, no houve
grande propaganda para adeso, embora tenha ocorrido participao popular
em quantidade significativa.
Everardo Dias, jornalista, importante militante do movimento operrio,
preso durante a presidncia de Arthur Bernardes sob a acusao de conspirar
contra o governo, alegou ter sido procurado pelos tenentes para que mobilizasse
o apoio do proletariado do Rio de Janeiro. A baixa adeso dos operrios ao
movimento se deu por conta de que a maioria dos sindicatos era vigiada pela
polcia e "suas fileiras haviam sido dizimadas pelas deportaes justamente dos
elementos mais firmes e resolutos [aps 1919] e os que restaram no queriam
expor-se a maiores sofrimentos".362
Acerca de outros apoios, Everardo Dias afirma que:
Procurei [...] um entendimento com elementos dirigentes do Partido
Comunista do Brasil, que controlava certo nmero de sindicatos [...]
Tambm procurei outros lderes de Unies e Alianas Operrias [...]
mas notei fraca aceitao, todos alegando que qualquer assomo de
agitao redundaria no fechamento dos sindicatos e priso
subsequente.363

Simultaneamente, os conspiradores militares procuraram e obtiveram o


apoio de Jos Oiticica nas organizaes de orientao anarquista364 e iniciaram

360 DIAS, Everardo. Histria das Lutas Sociais no Brasil. So Paulo: Edaglit, 1962, p. 138.
361 TAVORA, Juarez. A Guisa de Depoimentos sobre a Revoluo Brasileira de 1924. Vol. 1.
So Paulo: O Combate, 1927, p. 91 e 92.
362 DIAS, op. cit., p. 133.
363 Ibidem, p. 134.
364 DULLES, John W. Foster. Anarquistas e Comunistas no Brasil (1900-1935). Rio de Janeiro:

Nova Fronteira, 1977, p. 194.


123
os contatos com Evaristo de Morais em busca do apoio da Confederao
Sindicalista Cooperativista Brasileira, dirigida por Sarand Raposo, que
organizava os ferrovirios e os mineiros dos trs estados do extremo sul do
pas365.
Segundo Edgard Leuenroth,

Foi promovida uma reunio de militantes com o fim de ser decidida a


atitude em face do manifesto dos revolucionrios dirigido ao povo e aos
trabalhadores em particular. Nessa reunio, realizada na sede dos
grficos (...) foi aprovado o manifesto dirigido aos revolucionrios (...).
O jornal revolucionrio que iniciou a sua publicao aps a retirada das
foras rebeldes de So Paulo - "5 de Julho", teve participao direta de
anarquistas.366

Os anarquistas ainda propuseram ao general Isidoro que fornecesse


armas para que se formasse um batalho civil autnomo, sem a disciplina e a
interferncia militar367. O general no concordou com a proposta e, no entanto,
anarquistas continuaram a apoiar o movimento e a instigar a participao
popular, como se observa neste artigo do jornal libertrio A Plebe:

No podemos, sem transigir com os nossos principios, deixar de olhar


o movimento revolucionario triumphante com devida sympathia
porque, vigorando os fins que o determinaram, muito aproveitaremos
na propaganda dos nossos ideas de emancipao humana. [...] J que
no contamos com uma fora consciente e moral no seio das classes
trabalhadoras e populares para fazermos uma revoluo
genuinamente "nossa", entendemos que, como diz Malatesta,
devemos contentar-nos com fazer uma revoluo o mais "nossa" que
seja possvel, favorecendo e participando moral e materialmente, a
todo movimento directo no sentido da justia e da liberdade. 368

O Partido Comunista do Brasil - PCB, por sua vez, se comprometeu a


ajudar a armar os operrios e a imprimir circulares em favor do movimento.
Todavia, a conspirao foi denunciada por espies do Chefe de Polcia Carneiro
da Fontoura e a partir de abril de 1924 diversos oficiais do Exrcito e da Marinha
foram presos369.

365 DIAS, op. cit., p. 134.


366 LEUENROTH, Edgard. Anarquismo: Roteiro de libertao social. Rio de Janeiro: Editora
Mundo Livre, 1963, p. 119 e 120.
367 RODRIGUES, Edgar. Novos Rumos: pesquisa social 1922-1946. Rio de Janeiro: Mundo Livre,

1976, p. 227.
368 O caracter da Revoluo. A Plebe, So Paulo, 28 de jul. 1924, p. 1.
369 DULLES, op. cit., p. 194.

124
Os civis que apoiaram e participaram do movimento se identificaram, de
fato, com a poltica de oposio dos militares ao governo de Arthur Bernardes.
O que aglutinou essas pessoas foi a insatisfao para com ele e no uma
possvel proposta de tomada de poder pelos tenentes, que inclusive, no havia.
Perante os bombardeios do governo federal sobre So Paulo, em 1924, a
populao passou a se manifestar ainda mais a favor da revolta por diversos
motivos, entre afinidades ideolgicas e inconformismo frente atitude
governista. "De fato, quem menos sofreu com o estpido bombardeio (...) foi
justamente o exrcito revolucionrio. Enquanto as granadas feriam levemente a
um soldado qualquer, matavam centenas de civis, na maioria mulheres e
crianas".370
Iniciaram-se, assim, publicaes de manifestos e organizaes de
comcios, como por exemplo, o realizado no Largo do Arouche, que convidava
as classes conservadoras, os estudantes, os operrios e o povo em geral a se
mobilizarem371.
Com isso podemos notar que a adeso civil no se restringiu classe
social ou corrente poltica, havendo anarquistas, comunistas e conservadores.
De acordo com informaes presentes no processo:

Antonio Rodrigues de Carvalho (vulgo Carvalinho) - Jogador


profissional e autor de varios roubos, estando paisana, mas de
espada e revlver, que foi um dos assaltantes que tomaram, a 9 de
julho, posse do Gabinete de Investigao e Capturas. (...) no posto de
tenente, tendo sido um dos seus primeiros cuidados, ao se investir
dessa funco, a destruio do promptuario em que se encontrava o
registro dos seus antecedentes criminaes.372

Houve tambm a libertao de presos e a incluso destes no movimento,

370 CABANAS, op. cit., p. 44 e 45.


371 Ao povo! A Mocidade. Por bem da mais humana das causas - a redeno de um pas reduzido
ignbil opresso! Por bem dos direitos de uma populao aflita em consequncia de um
bombardeio impiedoso - crime horrvel, que no poder ficar impune! Convidam-se as classes
conservadoras, a gloriosa mocidade paulista, a classe de valor nunca desmentido dos
estudantes, o operariado - fora viva do progresso - e o povo em geral para um comcio cvico
que se realizar hoje s 3 horas da tarde, no largo do Arouche. O comcio ser de protesto contra
o bombardeio da cidade - atentado de inaudita ousadia, perpetrado por aqueles, que se dizem
defensores da ordem e da legalidade. Justia Federal, seo de So Paulo. Processos, vol. 16,
p. 242.
372 Successos Subversivos de So Paulo, op. cit., p. 76

125
como foi o caso dos 165 presos libertados da Cadeia Pblica pelo carcereiro
Francisco Gonalves do Nascimento, que foi nomeado como diretor do local
pelos rebeldes.373
O envolvimento civil, intensificado em reao ao bombardeamento dos
bairros operrios paulistanos em julho de 1924, chegou a ser bastante
sistematizado. Imigrantes pobres, residentes destes bairros, muitas vezes viam
no alistamento s foras rebeldes como nica alternativa de sobrevivncia, uma
vez que obtinham mantimentos enquanto combatiam, j que o trabalho nas
fbricas estava interrompido. Estes contriburam com seus conhecimentos e
habilidades adquiridos na Primeira Guerra Mundial, organizando batalhes por
nacionalidades (Alemo, Hngaro e Italiano) de maneira independente dos
militares brasileiros, e "alm de combater, eram encarregados do conserto de
canhes, metralhadoras, automveis [...] Tambm foram incumbidos da
fabricao de carros blindados, de granadas, etc., o que evidencia haver entre
eles um alto grau de especializao".374
Para Laura Cristina M. Aquino, a participao civil, que contou com
setecentos estrangeiros, deve ser examinada menos na quantidade dos que se
alistaram, e mais na qualidade dessa participao e na repercusso que ela teve
no momento375, tendo em vista que as lideranas tenentistas no tiveram grande
preocupao em estimular a participao popular.
Aps a ecloso do movimento na cidade de So Paulo, alguns dos
operrios participantes buscaram inserir suas ideias polticas na pauta da
revolta, iniciando uma movimentao poltica de carter revolucionrio que no
passou despercebida pelas classes dominantes. Jos Carlos Macedo Soares,
presidente da Associao Comercial de So Paulo, advertiu em carta ao general
Scrates, comandante das foras legalistas: "Os operrios agitam-se j e as
aspiraes bolchevistas manifestam-se abertamente. Ser mais tarde pelos sem

373 Ibidem, p. 73.


374 AQUINO, Laura Cristina M. de. A participao de batalhes estrangeiros na rebelio de 1924
em So Paulo. Dissertao (Mestrado em Histria). Pontifcia Universidade Catlica de So
Paulo, So Paulo, 1995, p. 83.
375 Ibidem, p. 60 e 61.

126
trabalho tentada com certeza a subverso da ordem social"376.
Para alm do papel que os estrangeiros representaram na revolta
propriamente dita, desempenharam tambm uma outra funo, essa de carter
ideolgico, que foi servir como mais um argumento para que o Estado brasileiro
aumentasse a represso contra as mobilizaes opositoras e aos "indesejveis".
Sob a alegao de que os tenentes haviam armado estrangeiros para lutar contra
brasileiros, o Estado criou instrumentos de represso associados ao que Paulo
Srgio Pinheiro chamou de "mito da ptria ameaada"377.
Havia dentre os alemes que se alistaram em 1924, artilheiros, pilotos,
peritos em metralhadoras e especialistas em outras ocupaes ligadas
guerra378. Havia ainda aqueles que na Alemanha possuam outros ofcios, antes
de serem operrios nas fbricas paulistas, como o caso de Bruno Binger,

natural de Allestein na Prssia Oriental, dentista, com 23 anos de


idade, chegou ao Brasil em 27 de maro de 1924, procedente de
Hamburgo. Passou trs meses trabalhando numa fbrica de estampa,
e residindo no Hotel Pomba Branca, rua do Triunfo n 3. No recebeu
o ordenado da fbrica, situada na Avenida Brigadeiro Luiz Antonio,
pertencente a um alemo de nome Rider. Depois encontrou trabalho
como dentista mas faltando-lhe os recursos, deixou o servio quando
irrompeu a revolta. Em 25 de julho, entrou para o Batalho Alemo para
servir na Cruz Vermelha, mas em 27 de julho foi forado a embarcar
com a tropa379. Seguiu os rebeldes at o Mato Grosso380.

Conforme consta na fonte, em depoimentos Justia, Bruno afirmou que


havia sido forado a seguir com os rebeldes. Embora no tenhamos outras
fontes que confirmem tais fatos, vale lembrar que o dentista se encontrava sob
julgamento e tal afirmao poderia livr-lo de uma possvel condenao ou
extradio.
O Batalho Alemo foi o maior, o mais organizado e o que teve
participao mais ativa do ponto de vista militar dentre os Batalhes
Estrangeiros. Todavia, nem s de alemes era constitudo. Possua tambm

376 DUARTE, Paulo. Agora Ns! Crnica da Revoluo Paulista So Paulo. So Paulo: Imprensa
Oficial do Estado de So Paulo, 2007, p. 180.
377 PINHEIRO, Paulo Srgio. Poltica e Trabalho no Brasil: dos anos vinte a 1930. 2 Ed. Rio de

Janeiro: Paz e Terra, 1977.


378 AQUINO, op. cit., p. 91 e 92.
379 Justia Federal, seo de So Paulo. Processos, vol. 35, p. 26 e 214.
380 Ibidem, p. 606.

127
suecos, austracos, suos e dinamarqueses. Antes da retirada de So Paulo,
chegou a contar com cerca de trezentos homens em suas fileiras. Uma parte
dessa tropa, cerca de cento e oitenta homens, seguiu junto com os rebeldes na
noite de 27 de julho381. Assim como Bruno Binger, Arnould Kuhn, um dos
comandantes do Batalho Alemo e mais ativos estrangeiros durante a rebelio,
participou tambm da marcha da Coluna Miguel Costa - Prestes.
O Batalho Hngaro, por sua vez, reunia tropas de diversas
nacionalidades eslavas como romenos, tcheco-eslovacos e poloneses, e sua
principal funo era fazer o policiamento da cidade de So Paulo durante sua
ocupao pelos rebeldes. Chegou a contar com cerca de cento e oitenta
homens, sendo muitos deles refugiados polticos no Brasil, mas, mesmo assim,
participaram de combates e acompanharam a retirada dos rebeldes382em
direo Foz do Iguau. O organizador deste batalho foi Maximiliano Agid 383,
farmacutico e dono de um laboratrio de cosmtico:

Agid foi, incontestavelmente, a alma damnada que movimentou o


elemento hungaro na rebellio, arrastando para a luta os seus
compatriotas e talvez mesmo os demais estrangeiros de outras
nacionalidades.384

O Batalho Hngaro, aps a retirada das tropas da capital, contava com


aproximadamente 100 homens385, que seguiram com os rebeldes at Porto
Epitcio, onde foram desarmados por Miguel Costa386.
A quantidade de depoentes pertencentes ao Batalho Italiano presente
nos processos bem pequena tendo em vistas os outros dois batalhes sendo
estes apenas nove: seis jornalistas do jornal "Il Piccolo", um empregado do
Banco talo-Belga e dois operrios. Todos esses depoimentos apontaram
Lamberti Sorrentino, Aldo Mario Geri e talo Landucci como organizadores do
Batalho387.

381 AQUINO, op. cit., p. 103.


382 Ibidem, p. 118-125.
383 Ibidem, p. 123.
384 Successos Subversivos de So Paulo, op. cit., p. 96.
385 Ibidem, p. 99.
386 AQUINO, op. cit., p. 125.
387 Ibidem, p. 131.

128
Lambertini Sorrentino (...) No dia 25 ou 26, esteve fardado no
Consulado Italiano, onde foi explicar ao Consul os fins da organizao
do Batalho Italiano, tendo sido ahi mal recebido por aquella
autoridade, que o poz do Consulado para fra. Pouco depois foi a
Redao do Il Piccolo, apresentando-se fardado de tenente e armado.
Commandava nessa occasio uma fora de uns 50 homens a cavallo,
que ficaram na rua, enquanto Lamberti Sorrentino e Aldo Mario Geri,
entraram na redao do Il Piccolo e ahi o primeiro, depois de se queixar
ao sr. Arthur Grippa da maneira porque fora recebido pelo Consul,
pediu quelle jornalista que pelas columnas de seu diario concitasse a
colonia italiana a pegar em armas. Depois da retirada das foras
revolucionarias, Sorrentino foi visto no interior commandando o
batalho italiano, juntamente com Aldo Mario Geri e Italo Landucci. 388

Aldo Mario Geri, correspondente italiano do Banco talo-Belga em So


Paulo389, foi um dos primeiros a se apresentar aos rebeldes, tendo servido
anteriormente no Batalho Hngaro enquanto aguardava a criao do Batalho
Italiano. No processo, relatou-se que:

Foi com Lamberti Sorrentino redaco do Il Piccolo no dia 25 ou 26


e nessa occasio estava fardado de capito e armado, estando
apurado que com aquelle moo commandava o contingente de
cavallaria que nesse dia esteve em frente da redao do Il Piccolo.
Fugiu com os revolucionarios.390

talo Landucci, que teve ativa participao no movimento e na Coluna,


sendo inclusive autor de uma das memrias sobre a marcha, "teve o mesmo
papel de Aldo Mario Geri, tendo igualmente fugido com os revolucionrios a 27
de julho".391 Segundo informaes do Dirio de Pernambuco:

Landucci foi capito de artilharia do exercito italiano e veterano da


guerra europa. Veio para o Brasil em 1920, installando-se em So
Paulo, onde trabalhava no Banco Italo-Belga. Quando rebentou a
revoluo apresentou-se ao general Isidoro Lopes, fazendo toda a
campanha ao lado de Prestes, como secretario deste, internando-se
finalmente em Guaiba.392

O Batalho Italiano foi composto por cerca de 60 homens, sendo 40 deles


italianos e o restante de vrias nacionalidades, inclusive portugueses, espanhis
e brasileiros.393 Em comparao com os de outras nacionalidades, o italiano

388 Justia Federal, seo de So Paulo. Processos, vol. 35, p. 598.


389 Ibidem, p. 595.
390 Ibidem, p. 598 e 599.
391 Ibidem, p. 599.
392 Dirio de Pernambuco, 4 de janeiro de 1928.
393 AQUINO, op. cit., p. 133.

129
apresentou um nmero de integrantes bem pequeno, tendo em vista o grande
contingente de italianos residentes em So Paulo. Segundo Laura de Aquino,
isso se deu porque os italianos estavam mais envolvidos com o movimento
sindical, infiltrados nas organizaes trabalhistas que sofreram represlias antes
da ecloso da revolta, enquanto os hngaros e alemes que no se
manifestavam politicamente no levantaram suspeitas394.
Com a sada dos revoltosos da cidade, os Batalhes Estrangeiros os
acompanharam. Em suas fileiras houve deseres e novas incorporaes ao
passarem pelo interior do estado de So Paulo at serem unidos a Coluna Rio-
Grandense e originarem a Coluna Miguel Costa - Prestes, como por exemplo o
"soldado Porphirio, um rapaz portugus que se incorporara Revoluo em S.
Paulo, fez toda a campanha at a Bolvia (...) [e] servia como cozinheiro do fogo
do Q.G."395.
Em seus escritos, como o fragmento de carta apresentado abaixo,
enviada para Prestes, Alcntara Tocci confirma que os tenentes contrariavam as
determinaes oficiais de no aceitarem adeses civis:
(...) tenho como sempre desde de S. Paulo, muita confiana na ajuda
para a Revoluo de elementos estrangeiros, que alis nos prestaram,
com pequenas excees, os melhores servios.
Ainda ahi mesmo, como contrariamos em parte as determinaes
officiaes ns acceitamos o engajamento dos optimos elementos
paraguayos que nos ajudaram immensamente. Por isto que consulto-
o se lhes convm ahi uns 150 soldados dos melhores, entre allemes,
austracos e uns poucos italianos. Entre elles h uns que fabricam
granadas, outros que so optimos soldados de fusis e metralhadoras
(...)396

Em abril de 1925, o jornal Gazeta de Notcias publicou um documento


apreendido escrito por Lamberti Sorrentino397, que foi redator da Tribuna degli

394 Ibidem, p. 135.


395 LIMA, op. cit., p. 299.
396 TOCCI, Alcntara. Carta para Luiz Carlos Prestes. S.L., 3 de maro de 1925. CPDOC - Fundo

Juarez Tvora, JT dpf 1924.05.10, p. 64-66.


397 O nome de Lamberti Sorrentino consta na galeria de 'Homens Ilustres de Sala Consilina' do

Centro Studi e Ricerche Vallo di Diano Pietro Laveglia. Segundo as informaes ali contidas,
Sorrentino nasceu em Sala Consilina, na provncia de Salerno, na Itlia, em 1899. Estudou na
escola tcnica de Npoles e participou como segundo tenente da Primeira Guerra. Em 1923 veio
para o Brasil. Disponvel em
http://www.centrostudivallodidiano.it/document/uomini_illustri_di_sala_consilina?catid=cf0a3d9b
4ba64d3f98d5028eaece3740 Acesso em 10/07/2016.
130
Italiani, do Il Piccolo em So Paulo, foi correspondente de La Nacion e no
movimento em So Paulo, em 1924, foi comissionado a capito. O documento
em questo, segundo o peridico, era dirigido ao jornal Patria degli Italiani, de
Buenos Aires, e informava que na cidade de Britania, Gois, desertaram para o
Paraguai setenta homens restantes do batalho alemo e acrescenta:
O batalho allemo era commandado pelo capito Kuhn, corajosissimo
idealista que, na Allemanha, foi o autor do attentado a Rathenau. Os
motivos da desero devem ser procurados no facto de no ter podido
o capito em virtude de difficuldades logsticas, satisfazer
compromissos assumidos, por contrato, com a sua milcia. O capito
Kuhn commandava todas as tropas que combateram na batalha de
Tres Lagoas 398.

Para alm da acusao do assassinato do ministro alemo, o escrito de


Sorrentino nos confirma que estes estrangeiros, atravs do caso de Arnold Kuhn,
exerciam importantes postos de comando.
O sucesso da retirada dos revolucionrios da cidade atravs das estradas
de ferro, que chegavam a aproximadamente seis mil homens399, com todos seus
armamentos, munies e alimentos, se deu graas aos auxlios do operariado
ferrovirio. Vrios foram indiciados, havendo entre eles funcionrios da
Sorocabana, da Central do Brasil e da So Paulo Railway:
Sebastio Silveira - Antonio Lopes - Ludgero de Moraes e Francisco
Rodrigues (Empregados da Sorocabana) - Fizeram causa commum
com os rebeldes; tiveram papel saliente na tomada da Estao e
Telegrapho So Roque e So Joo e, finalmente, chefiaram os saques
dos vages da Estrada.400
O indivduo Antonio Lopes, bagageiro da Estrada, era to partidrio da
mashorca, que foi logo promovido a tenente.
Andava armado e fardado, tendo saqueado vages de mercadorias na
Estao de So Joo, onde alliciou voluntrios e commandou o
destacamento policial.401
Carlos Louvine Ennes (Machinista da Estrada de Ferro Central do
Brasil) - Esteve trabalhando pela causa rebelde, com grande
actividade, ao lado do Coronel Joo Francisco.
Foi quem forneceu a esse caudilho as varias locomotivas atiradas
contra as linhas das foras legaes e quem mandava a soldadesca
prender e trazer sob ameaa, Estao, vrios empregados da
Estrada.402

398 Gazeta de Notcias. Rio de Janeiro, 25 de abril de 1925, p. 1 e 3.


399 LIMA, op. cit., p. 61.
400 Successos Subversivos de So Paulo, op. cit., p. 186.
401 Ibidem, p. 111.
402 Ibidem, p. 117.

131
O conferente da "So Paulo Railway", Amadeu Berling foi tambm visto
na Estao da Luz, no primeiro dia da mashorca, armado de fuzil,
auxiliando os rebeldes.
Nas officinas da "So Paulo Railway" onde foram fabricados o
automvel blindado, que os rebeldes abandonaram no Quartel da Luz,
e o carro, tambm blindado, que serviu, no sector do Norte, ao Coronel
Joo Francisco, para atacar a vanguarda da fora legal, superintendia
os servios o individuo Manoel Garcia Senra, extremado adepto e
grande auxiliar dos mashorqueiros.403

Segundo Everardo Dias, "talvez cinquenta por cento dos que


acompanharam as foras at Bauru ou at s barrancas do Paran era
constituda de trabalhadores e civis simpatizantes"404. Este significativo
envolvimento civil nos estimula a pensar que as instituies militares no podem
ser pensadas isoladamente da sociedade, "elas fazem parte dos movimentos
ocorridos na nao como um todo" 405. Essa relao entre exrcito e sociedade
no estava presente somente quando alguma desavena poltica acontecia, de
cima para baixo, provocando mudanas no cotidiano das pessoas: "ela era
permanente, marcada por solidariedades e conflitos reveladores de valores e
costumes, que tinham histria" 406.
Em biografia de Miguel Costa, escrita por seu neto, o jornalista Yuri
Abyaza Costa, consta que durante a Greve de 1917 Costa era capito da Fora
Pblica de So Paulo e foi enviado para acabar com a greve. De acordo com
esse autor, Miguel Costa:

Organizou sua tropa de cavalaria e se dirigiu para o Belenzinho,


Mooca e ao Brs, locais onde se concentravam os maiores focos de
operrios. Em dado momento (...) desceu aos pores e se ps em
contato com a misria do povo, com a fome a doena das crianas,
com o descaso do poder pblico. Ele era do ventre do povo e como tal
entendia perfeitamente suas reivindicaes. Os grevistas explicaram
que no eram baderneiros, que tinham suas famlias, seus desejos,
suas necessidades, e que queriam viver condignamente como pessoas
humanas. O que desejavam era um aumento de salrio para
sobreviver. Miguel Costa viu suas casas de pores infectos onde
moravam famlicas amamentando filhos mirrados. Naqueles pores
infectos moravam seus soldados. Os soldados do Regimento de
Cavalaria. Ele compreendia-os porque via, ouvia e sentia o sofrimento

403 Ibidem, p. 112.


404 DIAS, op. cit., p. 140.
405 NASCIMENTO, lvaro Pereira do. Cidadania, cor e disciplina na Revolta dos Marinheiros em

1910. Rio de Janeiro: Mauad X, 2008, p. 239.


406 Idem.

132
deles. Levou a condio do povo ao Poder Pblico, intermediando o
aumento do salrio com o fim da greve (...).407

Embora no tenhamos encontrado fontes que confirmem a informao


acima, ela nos sugere uma proximidade de Costa com as camadas mais pobres
da capital paulista e um prvio contato com o operariado organizado.
Em 1924, diversas cidades do interior do estado de So Paulo tiveram
movimentos de revolta simultaneamente capital, ou logo aps a sada das
tropas de Isidoro, que marchavam em direo a Foz do Iguau. Tambm nestas
cidades houve intensa movimentao civil, chegando algumas dessas a se
levantarem sem qualquer influncia direta das lideranas militares.
Exemplo destes casos so as cidades408 de So Simo, aonde os
rebeldes no chegaram, mas um grupo de civis constituiu um governo local,
tendo um deles viajado para Jundia, que se encontrava em domnio dos
rebeldes, nomeado "governador civil" de So Simo, voltou a sua cidade e iniciou
a movimentao por l; Araras, onde polticos locais se organizaram, tomaram a
Cmara, a Santa Casa, a cadeia, a delegacia de polcia e o armamento da Linha
de Tiro 66. Segundo a denncia, foram encontrados ofcios elaborados pelo
governador da cidade nomeado no momento em questo, Francisco Octaviano
da Silveira, e dirigidos para Isidoro. A movimentao iniciada em Araras tomou
localidades prximas como Descalvado e Pirassununga; outros exemplos de
cidades levantadas cujas lideranas eram civis so Barretos, Pindorama, Rio
Preto, Piracicaba, Socorro, So Roque, Birigui, Ja, Piratininga e Botucatu.
[Em] Botucat (...) soube que uma fora revolucionria ocupara a
cidade pela madrugada.
Procurei o comandante desta fora (...) ela era constituda por civis,
sob a direo dos advogados Giraldes de Francisco Filho e Sebastio
Saraiva (...)409

Conforme a denncia, esses civis circulavam de uma cidade para outra


da proximidade, ou se deslocavam capital a fim de fortalecer o movimento que

407 COSTA, Yuri Abyaza. Miguel Costa: um heri brasileiro. So Paulo: Imprensa Oficial do
Estado de So Paulo, 2010, p. 35-36.
408 Os movimentos pelas cidades do interior de So Paulo carecem de estudos mais

aprofundados. Os dados aqui apresentados esto contidos em Successos Subversivos de So


Paulo, op. cit., p 159, 161, 176,178, 181, 185, 193, 195 e 200.
409 LIMA, op. cit., p. 54.

133
ali ocorria. Vrios desses envolvidos foram incorporados Coluna Miguel Costa
- Prestes:
O sargento Armando Bacellar (...) era tipgrafo em Piracicaba, em julho
de 1924. Marchou com um grupo de moos dessa cidade para S.
Paulo, incorporando-se ao Exrcito Revolucionrio, com o qual retirou,
tendo feito toda a campanha do Paran e a Grande Marcha, entrando
enfim na Bolvia (...) Trabalhava na composio d"O Libertador",
juntamente com o tenente Adalberto Granja e os soldados Miguel,
Sebastio e Oscar, estes ltimos voluntrios civis. Eram eles os
tipgrafos que compunham o nosso jornal e depois do trabalho nas
oficinas, seguiam para as linhas de fogo, onde se batiam como
heris.410

Em Sergipe, com relao ao envolvimento civil, no mesmo dia em que foi


deflagrada a revolta, 171 civis se apresentaram e foram alistados como
voluntrios. Os jornais foram utilizados para chamar os interessados e consta
que inicialmente eram 316 homens que no final chegaram a totalizar 770, sendo
que pelo menos 154 eram voluntrios, no reservistas, de vrias procedncias,
e a maioria, ao que tudo indica, de origem modesta411.
Alm dos voluntrios, assim como em So Paulo, houve o auxlio dos
ferrovirios, inclusive um deles, Lourival Bispo, foi nomeado censor das
comunicaes telegrficas. Houve tambm auxlio dos trabalhadores da
Capitania dos Portos e da Escola de Aprendizes de Marinheiros que prepararam
a defesa da Barra de Aracaju, como evidencia o fragmento abaixo:

O Sr. Afonso Albuquerque, da Escola de Aprendizes de Marinheiros,


tambm prestou seu concurso, inclusive dando instrues nas
trincheiras de Carvo e fornecendo o cdigo de sinais da armada. (...)
O trabalho de minar a barra coube principalmente ao mecnico Heitor
Rodrigues Morais, que colocou latas com plvora no local mais estreito
da passagem dos navios. O material com plvora era ligado s
margens por fios atravs dos quais se provocaria a detonao. 412

A tomada do interior do estado tambm foi feita com o auxlio de civis.


Consta que na cidade de Campo do Brito, o tabelio Manoel Simes de Souza
Borges comunicou via telgrafo Junta seu apoio e solidariedade. Em
Itabaianinha, o farmacutico e jornalista Lindolfo Sales de Campos, dono do
jornal Voz da Serra, fazia propaganda da revolta em seu peridico e convidava

410 Ibidem, p. 262 e 263.


411 DANTAS, op. cit., p. 107.
412 Ibidem, p. 108 e 109.

134
o povo para participar.413
Com relao ao envolvimento civil, consta que em Belm houve intensa
participao dos trabalhadores da Par Eletric. Diferentemente dos outros
levantes do perodo, que eram liderados por tenentes e capites, este fora
iniciado pelos cabos Sapucaia e Gis e sargento Nobre, postos inferiores ao de
tenentes na hierarquia militar. 414

Aproximaes com o Partido Comunista

Luiz Carlos Prestes, em entrevista sua filha, Anita Prestes, afirmou que
"os comandantes da Coluna depositavam grandes esperanas no Nordeste (...)
[pois] tendo conhecimento do que era a misria na regio, os revolucionrios
alimentaram a iluso de que iriam ter apoio popular"415. Como j dito no captulo
anterior, foi no Nordeste que a Coluna encontrou maior resistncia, com exceo
dos estados do Maranho e Piau, que lhes forneceram generosos contingentes
de voluntrios. Nos estados de Pernambuco e Cear, houve uma intensa
articulao com o comando da Coluna que planejava incorporar civis e militares
a ela, porm essas articulaes foram denunciadas e acabaram desmobilizadas
pelo Estado.
Em Pernambuco, o principal elemento de ligao do movimento local com
o iniciado no sul e sudeste era o tenente Cleto Campelo, do 21 Batalho de
Caadores localizado em Recife. Quando da interveno no governo estadual
paraibano por Epitcio Pessoa em julho de 1922, o tenente Campelo foi preso e
transferido para Mato Grosso, em decorrncia de uma entrevista que cedeu ao
jornal Correio da Manh acerca do ocorrido. Em 1925, desertou do Exrcito e se
envolveu em uma tentativa de levante em apoio Coluna em Mato Grosso. Com
a tentativa fracassada, seguiu para Pernambuco com a mesma inteno. Ali a
conspirao se dava ao lado de Waldemar de Paula Lima, ex-tenente e simptico
ao comunismo, e de Josias Carneiro Leo, jornalista comunista preso em

413 Ibidem, p. 110.


414 BASTOS, op. cit., p. 106.
415 PRESTES, Anita Leocdia. A Coluna Prestes. 3 Ed. So Paulo: Brasiliense, 1991, p. 224.

135
dezembro de 1924 por articular junto aos tenentes no Rio de Janeiro, fugindo da
Casa de Deteno em abril de 1925, de onde seguiu para Recife.416
Segundo Moreira Lima, os planos, conforme informavam as
correspondncias de Cleto Campelo, era tomar Recife e enviar os tenentes
Lourival Sera Motta e Aristides de Souza Dantas, juntamente com o ex-aluno
da Escola Militar Plnio de Araujo Coriolano, para se apossarem da capital da
Paraba417. Em 5 de janeiro de 1926, Prestes e Miguel Costa enviaram uma carta
autorizando o incio do movimento em Pernambuco:

Autorisados pelos Srs. Marechal Izidoro Dias Lopes e Dr. Assis Brasil,
chefes militar e civil da Revoluo Brasileira, dirigimos-nos aos chefes
revolucionarios de Pernambuco, para lhes dizer que chegou o
momento de pegarem em armas, desfraldando nesse Estado a
bandeira vermelha da Revoluo Nacional. (...) Iniciado o movimento,
devem immediatamente ser procurados os elementos revolucionarios
dos Estados vizinhos, ordenando-lhes, em nome dos chefes da
Revoluo Nacional, a levantarem os respectivos elementos. 418

Em carta de mesma data, Josias Carneiro Leo comunica que o


entendimento com o operariado pernambucano e a adeso deste ao movimento
poderia se dar atravs do Partido Comunista caso ocorresse o seguinte:
(...) 1 - Garantia absoluta da mais completa liberdade de propaganda
das idas communistas.
2 - Permisso para organizao do Partido Communista sem
interveno nem fiscalizao da Policia. (...)
4 - Cesso ao Partido Communista de um prelo confiscado Imprensa
do Governo. (...)419

Em resposta ao civil Josias Leo, que tem seu nome seguido de uma
patente militar atribuda pelo comando da Coluna, garantido o solicitado pelo
Partido:
Ao Snr. Josias Leo,
1 Tenente do Estado Maior desta 1 Diviso.

416 DULLES, op. cit., p. 203 e 204.


417 LIMA, op. cit., p. 235.
418 COSTA, Miguel, PRESTES, Luiz Carlos. Carta para Leopoldo Nery da Fonseca, Simpson,

Severino Gamba Cardim, Cleto da Costa Campello, Celso Ucha Cavalcante, Aristteles Souza
Dantas, Sylvio Guimares Cravo, Christiano Cordeiro, Alfredo de Moraes Coutinho, J. Carlos
Mariz e Osmundo Borba, organizadores do movimento revolucionrio no Estado de Pernambuco.
Natal, Piau, 5 de janeiro de 1926. CPDOC - Fundo Juarez Tvora, JT dpf 1924.05.10, p. 614-
617.
419 LEO, Josias Carneiro. Carta sem remetente especificado. Natal, 5 de janeiro de 1926,

CPDOC - Fundo Juarez Tvora, JT dpf 1924.05.10, p. 609.


136
(...) a respeito das possibilidades de um entendimento da Revoluo
Brasileira com elementos operarios de Pernambuco, por intermedio do
Partido Comunista daquelle Estado, sentimos-nos autorisados a dizer-
lhe (...):
- Que a Revoluo Brasileira (...) tem como supremo ideal a completa
liberdade de pensamento. Assim sendo, quando victoriosa, assegurar
a inteira liberdade de propaganda de todas e quaesquer idas sociaes
e communistas, bem como a organizao de partidos operarios, sem a
vexatoria interveno policial. Tudo alis, j garantido pela
Constituio de 24 de Fevereiro.
- Que, procurando assegurar a verdade do voto, unificando o regimen
eleitoral e adoptando o voto secreto, permittir naturalmente o ingresso
nas assembleas e cargos electivos de representantes do operariado e,
portanto, mais facil propaganda no parlamento de todas as idas que
defendem.
- Que assegurando o ensino primario gratuito em todo o paiz e
fomentando o ensino profissional, trar a desanalphabetizao do
nosso povo e, portanto, uma mais facil comprehenso dos direitos do
operariado. (...)
- Que a Revoluo, procurando, de accordo com as actuaes condies
do nosso operariado, modernisar a legislao social, de maneira a
conseguir que a revoluo social seja feita no Brasil sem maior
derramamento de sangue - proteger o operariado contra os abusos
do capital e auxiliar os desherdados da fortuna, acabando de vez com
o contrasenso de, num paiz rico e grande como o nosso, to grande
ser a miseria da maioria do nosso povo.
- Que procurando fazer uma melhor distribuio da riqueza publica,
tornar o pequeno trabalhador proprietario de facto da terra e, portanto,
contituil-o- a verdadeira base do progresso economico nacional.
(...)420

Embora a carta acima no se encontre assinada por nenhuma liderana


especfica, outras cartas foram enviadas no mesmo dia, 5 de janeiro de 1926,
em nome do Quartel General e assinadas por Miguel Costa e Luiz Carlos Prestes
(como a carta citada acima, que dava autorizao para o incio do levante em
Pernambuco, e a que analisaremos mais abaixo).
Assim sendo, podemos afirmar que Prestes, personagem ao qual foi
dedicado um maior nmero de estudos, teve contato direto com o iderio
comunista antes do que ele mesmo declarava ter tido, em fins de 1927, com a
visita de Astrogildo Pereira em seu exlio na Bolvia421.
A resposta dada na carta a Josias Leo vai alm da solicitao de

420COSTA, Miguel. Carta para Josias Leo. Natal, Piau, 5 de janeiro de 1926. CPDOC - Fundo
Juarez Tvora, JT dpf 1924.05.10, p. 619-621.
421 PRESTES, Anita Leocdia. Luiz Carlos Prestes: um comunista brasileiro. So Paulo:

Boitempo, 2016, p. 104. MORAES, Denis de; VIANA, Francisco. Prestes: lutas e autocrticas. Rio
de Janeiro: Vozes, 1982, p. 38.
137
liberdade de organizao e imprensa para o operariado que o Partido Comunista
solicitava. Nela estava endossada a pauta que j vinha sendo anunciada pelos
tenentes, que continha a busca pelo voto secreto, restaurao da Constituio e
ensino gratuito. De indito estava includo "modernizao da legislao social"
que visava realizao da "revoluo social sem maior derramamento de
sangue", proteo ao operariado "contra os abusos do capital", "acabar de vez"
com o abismo da diferena de renda, e posse de terra para os pequenos
agricultores, isto , uma reforma agrria.
Em outro trecho da carta, que seguiam mais instrues aos
revolucionrios em Pernambuco, Prestes e Miguel Costa orientavam que
fizessem um manifesto ao povo explicando os motivos e ideais defendidos pelo
movimento. Ao list-los, incluam "assegurar completa liberdade de pensamento,
permittindo a mais ampla propaganda de ideas sociaes e communistas, bem
como a organizao de sociedades e partidos operrios sem a indebita e
vexatria interveno policial" 422.
Talvez a incluso destas novas pautas e ideais, politicamente mais
libertrias, se tenha dado por conta do distanciamento de elementos mais
conservadores do comando da Coluna. Isidoro Dias Lopes exilado na Argentina
no conseguia se comunicar constantemente com os que marchavam, e em
dezembro de 1925 Juarez Tvora fora preso em Teresina. Outra possibilidade
que esse posicionamento poltico tenha sido estimulado a partir do afastamento
destes membros mais conservadores juntamente das experincias e vivncias
pelas quais passaram os que marchavam pelo serto brasileiro.
Em outra carta de Josias Leo, tambm datada de 5 de janeiro de 1926,
o jornalista continuava a enviar notcias sobre os planos em Pernambuco para a
Coluna, que no momento passava pelo Piau:
(...) Sob a direo do Dr. Christiano Cordeiro encontram-se
organizados perto de 2.000 operarios que tomaro parte no movimento

422COSTA, Miguel; PRESTES, Luiz Carlos. Carta para Leopoldo Nery da Fonseca, Simpson,
Severino Gamba Cardim, Cleto da Costa Campello, Celso Ucha Cavalcante, Aristteles Souza
Dantas, Sylvio Guimares Cravo, Christiano Cordeiro, Alfredo de Moraes Coutinho, J. Carlos
Mariz e Osmundo Borba, organizadores do movimento revolucionrio no Estado de Pernambuco.
Natal, Piau, 5 de janeiro de 1926. CPDOC - Fundo Juarez Tvora, JT dpf 1924.05.10, p. 614-
617.
138
depois de iniciado. (...) Pode-se contar com segurana com 50
homens, sendo 21 desertados da Marinha de Guerra, 20 operarios
habituados a luta e 10 reservistas, officiaes, etc (...). De Palmares (5
horas de trem de Recife) a Unio, em Lagoas pode-se conseguir, logo
depois de iniciado o movimento, mais ou menos uns 200 homens com
Winchester e munio. (...) Na Cavallaria da Policia contamos tambem
com sargentos e soldados de confiana. (...)
Alagas - contamos com preciosos elementos no interior do Estado.
(...) Parahyba - No contamos com cousa alguma nesse Estado.
Rio G. do Norte - A queda do governo nesse Estado cousa que no
tem a minima importancia. Pode se resolver com uma offensiva apenas
telegraphica. Entretanto, para simular, seria bom levantar uma
columna ligeira de 50 ou 60 homens. No h difficuldade alguma em
conseguir essa gente. 423

Faltam-nos outras fontes para confirmar toda a articulao comentada na


carta, mas ela nos d a ideia da amplitude da organizao que ocorria na regio
Nordeste, envolvendo, inclusive, grande nmero de civis. Cristiano Cordeiro, tido
como diretor de tal organizao do operariado pernambucano, foi um dos
primeiros lderes do Partido Comunista em Pernambuco, com intensa atuao
sindical na regio.424
No Cear, segundo correspondncia de Waldemar de Paula Lima -
suboficial da Marinha e emissrio de Cleto Campelo - para o comando da
Coluna, os indicados para dirigirem o movimento425 eram Manoel Fernandes
Tvora - um dos irmos mais velhos dos Tvora, diretor e redator do jornal A
Tribuna, que circulou entre 1921 e 1925, de forte oposio ao governo de Arthur
Bernardes e fechado a partir do estado de stio decretado com a aproximao
da Coluna ao estado426-, Julio de Matos Ibiapina - que foi diretor do Dirio do
Estado, professor do Liceu, Escola Normal e Colgio Militar do Cear, fundador
do jornal oposicionista O Cear em 1924, combatente do clericalismo, escrevia

423 LEO, Josias Carneiro. Carta sem remetente especificado. Natal, 5 de janeiro de 1926.
CPDOC - Fundo Juarez Tvora, JT dpf 1924.05.10, p. 610-613.
424 CAVALCANTI, Paulo. O caso eu conto, como o caso foi: da Coluna Prestes a queda de Arraes

- Memrias. So Paulo: Alfa-mega, 1978, p. 44, 55-54.


425 LIMA, Waldemar. Carta para o Comando da Coluna. Natal, 5 de janeiro de 1926. CPDOC -

Fundo Juarez Tvora, JT dpf 1924.05.10, p. 603.


426 ABREU, Alzira Alves de; BELOCH, Israel (Coord.). Dicionrio histrico-biogrfico

brasileiro: ps-1930. Rio de Janeiro: FGV, 2001. Disponvel em


http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/manuel-do-nascimento-
fernandes-tavora Acesso em 23/08/2016.
139
ainda para o Correio do Povo e o Correio da Manh427 - , e o tenente-coronel
Wicar Parente de Paula Pessa, professor do Colgio Militar. Ambos, segundo
a carta, estavam em constante ligao com Recife atravs do Capito Sampson,
preso em 1922 na Vila Militar428, e de Sylvio Cravo, advogado e comunista.
Entretanto, Prestes indicava para o governo do estado, assim que o sucesso da
revolta fosse alcanado, Manoel Tvora e Wicar Pessoa na direo militar 429.
Assim como em Pernambuco, no Cear tambm foi dada a autorizao
de incio do movimento em 5 de janeiro de 1926. A carta enviada por Prestes
para Jos Ademar Fernandes Tvora, um dos irmos mais novos dos Tvora 430,
afirmava que havia chegado o momento de incio da Revoluo, pois "nossas
foras federaes que j se acham muito proximas s fronteiras do Cear
encontram-se em condies de appoiar qualquer movimento que seja ahi
iniciado."431
Em outra carta, de mesma data, enviada para o comando do movimento
no estado do Cear, Prestes e Miguel Costa enviavam as mesmas orientaes
que seguiram para Pernambuco:
(...) chegou o momento de pegarem em armas, desfraldando nesse
Estado a bandeira vermelha da Revoluo Nacional. (...)
Ao ser iniciado o movimento deve ser dirigido ao povo do Nordeste um
manifesto tranquillizando-o, dando-lhe todas as garantias e explicando
os motivos da Revoluo e ideaes que defende. (...)
assegurar completa liberdade de pensamento, permittindo a mais
ampla propaganda de ideas sociaes e communistas, bem como a
organizao de sociedades a partidos operarios sem a indebita e
vexatoria interveno policial.432

O plano inicial era comear a movimentao em Recife e em caso de

427 NOBRE, F. Silva. 1001 Cearenses Notveis. Disponvel em


http://portal.ceara.pro.br/index.php?option=com_content&view=article&id=2428&catid=293&Ite
mid=101 Acesso em 23/08/2016.
428 TVORA, Uma vida e muitas lutas: memrias. Vol. 1 - Da plancie borda do altiplano. Rio

de Janeiro: Editora do Exrcito, 1973, p. 120.


429 PRESTES, Luiz Carlos. Carta para Wicar. Natal, Piau, 5 de janeiro de 1926. CPDOC - Fundo

Juarez Tvora, JT dpf 1924.05.10, p. 618.


430 TVORA, op. cit., p. 57.
431 PRESTES, Luiz Carlos. Carta para Adhemar Tvora, Natal, Piau, 5 de janeiro de 1926.

CPDOC - Fundo Juarez Tvora, JT dpf 1924.05.10, p. 605.


432 COSTA, Miguel; PRESTES, Luiz Carlos. Carta para Dr. Julio de Mattos Ibiapina, Tenente-

coronel Wicar Parente de Paula Pessa, 1 tenente Jos Pinheiro Barreira, Dr. Adhemar
Fernandes Tvora, Coronel Jos Carlos Leal e Mario Leal. Natal, Piau, 5 de janeiro de 1926.
CPDOC - Fundo Juarez Tvora, JT dpf 1924.05.10, p. 606-608.
140
fracasso desloc-lo de encontro Coluna, em meio ao serto nordestino. 433

Entretanto, no dia 8 de fevereiro, a polcia apreendeu todo o armamento disposto


e recolheu s delegacias os suspeitos, desmobilizando o levante inicial. Dez dias
depois, Cleto e Waldemar organizaram uma coluna que seguiu para cidades
vizinhas de Recife em direo ao interior:
(...) marchando a p de Areias a Jaboato, tomaram a cadeia pblica
(...). Na estao ferroviria local, a Coluna apoderou-se de uma
composio e partiu para a cidade seguinte, j agora com uns cem
voluntrios armados. Depois, no municpio de Moreno, realizou a
mesma faanha: toma a cadeia, solta os presos, prende a soldadesca
(...). No quilmetro 43 da estrada de ferro, retiram os revoltosos, de
uma pedreira, cargas de dinamite. (...) A trezentos metros de Gravat,
Cleto fez estancar o trem e desceu com metade da Coluna para atacar
a cadeia pelo seu flanco esquerdo (...) em meio ao cerrado tiroteio (...)
arrastando-se pelo cho, seguido de um companheiro, Cleto penetrou
no edifcio, logo jogando uma granada de mo no seu interior.
Tomando conhecimento de que no havia mais nenhuma resistncia,
os presos deitados no cho a pedir clemncia, Cleto voltou porta
principal da cadeia e, de p, fez sinais com os braos para que
cessasse a fuzilaria de seus companheiros. Nesse momento, uma bala
o transfixou (...).434

Cleto da Costa Campelo Filho, segundo Cristiano Cordeiro, teve contato


com vrios livros sobre socialismo e quando preso em 1922 conviveu com
Siqueira Campos e Eduardo Gomes. Entrou para clandestinidade em 1924,
quando foi enviado ao Rio de Janeiro para abafar os levantes militares que l
ocorriam. Em seu retorno a Recife, comeou a articular a revolta no Nordeste
com militares e civis, alguns, inclusive, do Partido Comunista. Da Paraba,
mantinha estreitas ligaes com os tenentes Aristteles Dantas e Sera da Motta
e o ex-aluno da Escola Militar Plnio de Araujo Coriolano, enviados por Cleto
Paraba para organizarem o movimento por l.435 Aps a sua morte, no incio da
movimentao que buscava ir ao encontro da Coluna Miguel Costa - Prestes,
Waldemar Lima e o Sargento Severino Cavalcanti reorganizaram o pouco mais
de trinta homens que restaram. Entretanto, "Waldemar de Paula Lima
sangrado com vinte e cinco punhaladas, correndo tambm a verso de que,

433 CAVALCANTI, op. cit., p. 56.


434 Ibidem, p. 58 e 59.
435 Ibidem, p. 56 e 57. LIMA, op. cit., p. 235.

141
morto, sua cabea foi decepada".436 Segundo Moreira Lima, os planos ao
entorno de Cleto Campelo foram denunciados pelo deputado Raymundo Nonato
Batista Santos, que se incorporou Coluna em Gois e desertou no Cear437.
No incio de fevereiro de 1926, quando a Coluna chegou Paraba, o
destacamento de Joo Alberto buscou ligaes com Dantas e Sera Motta, que
no dia 5 foram atacados e presos pela polcia paraibana. No dia 12, o grosso da
Coluna chegou a Pernambuco, mas por no conseguirem contato com o grupo
de Cleto Campelo, que j estava desbaratado, seguiram. Obtiveram notcia do
grupo pernambucano somente quando alcanaram o estado da Bahia, por meio
de jornais438. Segundo Octvio Brando, o insucesso se deu por que "os
comunistas de Pernambuco no aplicaram as diretivas" da Comisso Central
Executiva do Partido439.
Conforme o definido pelo II Congresso do PCB, os "tenentes" eram vistos
como "essencialmente pequeno-burgueses", vinculados burguesia industrial e
apoiados pelo imperialismo norte-americano. Entretanto, o mesmo Congresso
orientava uma aproximao do Partido com a pequena-burguesia, visando um
alargamento do espectro social a ser atingido.440 Neste sentido, Octvio Brando
escreveu:

Lutemos por impelir a fundo a revolta pequeno-burguesa, fazendo


presso sobre ela, transformando-a em revoluo permanente no
sentido marxista-leninista, prolongando-a o mais possvel, a fim de
agitar as camadas mais profundas das multides proletrias e levar os
revoltosos s concesses mais amplas, criando um abismo entre eles
e o passado feudal. 441

Octvio Brando fez parte da comisso executiva do PCB em 1923 e no


ano seguinte, na clandestinidade, iniciou a redao de Agrarismo e

436 CAVALCANTI, op. cit., p. 59 e 60.


437 LIMA, op. cit., p. 220 e 236.
438 Ibidem, p. 260.
439 BRANDO, Octvio. Combates e batalhas: memrias. So Paulo: Alfa-mega, 1978, p. 281.
440 KAREPOVS, Dainis. A esquerda e o parlamento no Brasil: o Bloco Operrio e Campons

(1924-1930). Tese (Doutorado em Histria). Universidade de So Paulo, So Paulo, 2001, p.


184, 186 e 187.
441 BRANDO, Octvio. Agrarismo e Industrialismo: ensaio marxista-leninista sobre a revolta de

So Paulo e a guerra de classes no Brasil - 1924. 2 Ed. So Paulo: Anita Garibaldi, 2006, p.
133.
142
Industrialismo: Ensaio marxista-leninista sobre a revolta de So Paulo e a guerra
de classes no Brasil, que veio a ser publicado em maro de 1926, mas que j
circulava em cpias datilografadas e serviu de subsdio para as teses de
Astrogildo Pereira, apresentadas no II Congresso do PCB em maio de 1925442.
Em sua anlise acerca do movimento de 1924 em So Paulo, ele
considera que significou a segunda batalha que a pequena-burguesia nacional
travou contra os fazendeiros de caf, senhores da nao, sendo ela integrante
de "uma grande batalha internacional: a guerra internacional das classes." 443
Conforme Brando, o PCB se envolveu com os movimentos tenentistas
somente em 1923, no planejamento do levante de 1924, oferecendo o seguinte
a Isidoro Dias Lopes - que, como j sabemos, recusou:

No podemos iniciar a luta armada, mas, depois de comeada,


tomaremos uma tipografia, lanaremos um jornal prprio e podemos
armar milhares de trabalhadores que decidiro da luta e da vitria. So
Paulo sozinho no poder triunfar. A vitria depende das insurreies
armadas simultneas no Rio de Janeiro e em So Paulo.444

Segundo Octvio Brando, ele defendia a aliana do Partido, "em


determinadas condies, com os revoltosos pequeno-burgueses" e a "Coluna
Prestes - Miguel Costa contra os ataques reacionrios e contra as confuses dos
"esquerdistas" que negavam a importncia da mesma445. Sua posio vai ser
refletida nas discusses internas do PCB: "Os revolucionrios da Coluna Prestes
simpatizavam particularmente com a nossa luta contra o imperialismo, o que
da maior importncia, se bem que sua simpatia parta de um ponto de vista
patritico e nacionalista"446

O 5 de julho e O Libertador

O semanrio 5 de Julho comeou a circular no Rio de Janeiro em agosto

442 MORAES, Joo Quartim. Um livro fundador. In: BRANDO, op. cit., p. 11 e 12.
443 BRANDO, op. cit., p. 25 e 31.
444 BRANDO, Octvio. Combates e batalhas: memrias. So Paulo: Alfa-mega, 1978, p. 280.
445 Ibidem, p. 281.
446 PCB. Teses & resolues adotadas pelo III Congresso do Partido Comunista do Brasil, p. 7.

Apud KAREPOVS, op. cit., p. 557.


143
de 1924, impresso por Antnio Bernardo Canellas, ex-anarquista, integrante da
primeira Comisso Central Executiva do PCB eleito em 1922 como secretrio
internacional, com a assistncia dos irmos Rodolfo, Paulo e Pedro Mota 447.
Apesar da rigorosa censura durante o estado de stio, este jornal no teve sua
publicao suspensa. Segundo Everardo Dias,

sua publicao, malgrado todos os processos empregados pela polcia


secreta, do Distrito Federal, pelas gordas ofertas em dinheiro (50
contos) a quem denunciasse os editres ou onde estava sendo
composto e impresso, nunca foi interrompida nem se conseguiu
descobrir quem foi seu autor, seu editor, onde era composto e
impresso. Essa publicao saiu interrupta at o fim do gverno
Bernardes 448.

Seu principal propsito era denunciar as atrocidades do governo de Arthur


Bernardes.
Eis os principais itens desse libello:
1. Ns accusamos os camorristas do bernardismo de terem
delapidado os cofres publicos;
2. Ns accusamos da pratica de crimes de direito commum
(assassinatos, suppliciamentos, saques e roupos) contra o povo
brasileiro.
3. Ns os accusamos de ter rasgado a Constituio e destruido a
tradio liberal dos nossos costumes polticos;
4. e ns os accusamos, finalmente, de CONSPIRAR CONTRA A
INDEPENDENCIA DA NAO BRASILEIRA.449

Encontramos tambm as denncias da censura de informaes no Rio de


Janeiro e no restante do pas acerca do ocorrido em So Paulo:

No podemos nem devemos occultar ao povo carioca a situao em


que nos encontramos. A imprensa governista continua a apregoar que
solida a posio do tyranno do Cattete. No acreditemos na
apparente tranquilidade dos elementos bernardistas. No confiemos
demasiadamente na sua insensatez, na sua inconscincia, na sua
ignorancia dos acontecimentos.450

E ainda convoca os soldados que se encontravam ao lado das foras


legalistas a integrarem as foras revoltosas:

Vs, soldados, perante a Razo e perante a Justia, no deveis


obediencia a Arthur Bernardes. O vosso logar ao lado daquelles que

447 DULLES, op. cit., p. 200.


448 DIAS, op. cit., p. 141.
449 O processo do bernardismo. 5 de Julho, Rio de Janeiro, s/d, ano 1, n 5, p. 1.
450 Ao povo carioca. 5 de Julho, Rio de Janeiro, s/d, ano 1, n 5, p. 2.

144
pegaram em armas para livrar o Brasil da ruina, da escravido e da
deshonra.451

Jos Maria Reis Perdigo trabalhou no jornal A Nao at se envolver na


Revolta de 5 de Julho de 1924, e fundou o jornal O Libertador, publicado pelos
revolucionrios, que circulou em seis edies452. O Jornal dirio A Nao foi
fundado na cidade do Rio de Janeiro, em 1923 por Lenidas de Resende e
Maurcio Paiva de Lacerda e circulou at 1924 como um jornal de oposio ao
governo. Retornou no ano de 1927 como rgo do Partido Comunista do
Brasil453.
Perdigo, quando a Coluna passava por Catanduvas, ficou na regio
resguardando sua passagem para o Mato Grosso rumo ao Nordeste. Depois
disso, Isidoro ordenou-lhe que fosse para o Paraguai, onde permaneceu em
1925, seguindo no ano seguinte para Argentina.454
As ligaes e influncias da Coluna com o comunismo tambm se deram
atravs da manuteno destes peridicos, tidos como porta voz dos movimentos
tenentistas no perodo.

Apoio na Cmara dos Deputados

Como j dito anteriormente, a figura do deputado federal Batista Luzardo


foi bastante importante para informar a populao e os revolucionrios do
paradeiro da Coluna, pois o deputado trocava correspondncia com os
revoltosos e transmitia as informaes atravs de seus discursos na Cmara,
que eram impressos em jornais, driblando a censura imposta pelo governo.

451 Soldados. 5 de Julho, Rio de Janeiro, s/d, ano 1, n 7, p. 4.


452 ABREU; BELOCH (Orgs.), op. cit. Disponvel em
http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-
republica/PERDIG%C3%83O,%20Reis.pdf Acesso em 03/09/2016.
453 Idem. Disponvel em http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-
republica/NA%C3%87%C3%83O,%20A.pdf Acesso em 03/09/2016.
454 MENDES, Felipe Ucijara Guimares. Mashorqueiros ou procellrios? A experincia tenentista

no Maranho: poltica, cultura histrica, imaginrio, personagens... Dissertao (Mestrado em


Histria) Universidade Federal do Maranho, So Lus, 2015, p. 89.
145
Luzardo455 formou-se em medicina e em direito no Rio de Janeiro, em
1916 e 1918, respectivamente. Retornando a Uruguaiana, sua cidade natal,
fundou em 1922 a Policlnica da cidade. No mesmo perodo, assumiu a direo
do jornal federalista A Nao, de grande circulao na regio fronteiria e de
oposio a Jos Antnio Flores da Cunha (lder do Partido Republicano Rio-
Grandense e na poca intendente de Uruguaiana, cargo equivalente ao de
prefeito).
Em meio quinta candidatura consecutiva de Borges de Medeiros para
presidente de estado do Rio Grande do Sul, Luzardo, que ainda no possua
vnculos partidrios, se juntou aos federalistas e ala republicana dissidente em
torno da candidatura de Assis Brasil. Como j dito anteriormente, Borges de
Medeiros acabou vencendo as eleies, mas a oposio fez forte presso para
que ocorresse uma interveno federal no estado e para isso se utilizou de
mobilizao armada. Neste perodo de guerrilha, em 1923, com a chegada da
coluna de Honrio Lemes a Uruguaiana, Luzardo se incorporou a ela, sendo
nomeado chefe do estado-maior e participando de importantes combates no
norte do estado.
Por fim, a interveno federal ocorreu, no destituiu Borges de Medeiros
e culminou com a assinatura do Pacto de Pedras Altas. Juntamente com Assis
Brasil e Honrio Lemes, Luzardo participou das negociaes junto ao Ministro
da Guerra, Setembrino de Carvalho.
No incio de 1924, os grupos oposicionistas gachos realizaram um
congresso na cidade de So Gabriel, no qual foi fundada a Aliana Libertadora,
e escolheram sete candidatos para Cmara dos Deputados, dentre eles Luzardo,
que acabou eleito como o mais votado dentre os libertadores.
Utilizando de suas imunidades parlamentares, Luzardo conseguia
divulgar as atividades e iderios dos movimentos tenentistas em questo, com
quem j mantinha contato no Sul antes mesmo da ecloso dos movimentos em

455 ABREU; BELOCH (Orgs.), op. cit. Disponvel em


http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/LUZARDO,%20Batista.pdf
Acesso em 28/08/2016. CARNEIRO, Glauco. Lusardo: o ltimo caudilho. 2 Ed. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1977.
146
1924. Com o exlio da Coluna em 1927, continuou como pea chave para os
envolvidos, pois era um aliado nas discusses acerca da anistia.
Outro parlamentar com que os movimentos tenentistas mantinham
relaes era Joo Batista de Azevedo Lima. Deputado federal desde 1921 foi
membro do Bloco Operrio e Campons (BOC), criado em 1927 a partir de
esforos do Partido Comunista do Brasil (PCB).

O PCB defendia, entre outros pontos, a participao dos trabalhadores


nos processos eleitorais e nos parlamentos, buscando utilizar-se de
tais ocasies e espaos para fazer denncias, propaganda e agitao
poltica. Nesse sentido, impulsionou, na segunda metade da dcada
de 1920, a criao de uma organizao poltica de frente nica.
Azevedo Lima, que no era militante do PCB, aderiu proposta do
BOC, muito embora, mais adiante, se indispusesse com os comunistas
e acabasse sendo expulso do bloco.456

Azevedo Lima tambm foi importante porta voz das causas tenentistas.
Segundo Dainis Karepovs, Lima dava vazo aos apelos e denncias dos
revoltosos e seus discursos em 1928 se referiam dentre outras questes a
"irregularidades e desmandos ocorridos no Colgio Militar e na Escola Militar" 457,
o que nos insinua uma aproximao com as classes militares.
A partir de uma carta de Isidoro podemos notar outros parlamentares que
possuam uma maior proximidade com o movimento:
(...) quasi sem co, apezar de varonil e potente, era a vz de Azevedo
Lima que nos amparava, denunciando a tyramnia (...). Mas o que dura
vence, e surgem Bergamini, Caetano Silva, Plinio Casado, Luzardo e
Wenceslu Escobar, que se alinham para o bom combate na Camara
dos Deputados. E em seguida apparecem Lauro Sodr, Antonio Muniz,
Soares dos Santos e muitos outros, no Senado. E Barbosa Lima -- o
mestre austero da palavra, que um raio que fulmina, faz ouvir sua voz
que retomba pelo paiz inteiro458

Adolfo Bergamini era bacharel em Direito e fundador do O Jornal, onde


permaneceu at 1925. Em 1924, foi eleito deputado federal pelo Rio de Janeiro
e assumiu, juntamente com o senador Antnio Muniz Sodr, a direo do jornal

456 ABREU; BELOCH (Orgs.), op. cit. Disponvel em


http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-
republica/LIMA,%20Jo%C3%A3o%20Batista%20de%20Azevedo.pdf Acesso em 28/08/2016.
457 KAREPOVS, op. cit., p. 192 e 457.
458 LOPES, Isidoro Dias. Carta para Azevedo Lima. Foz do Iguau, 27 de fevereiro de 1925.

AESP - Cartas da Revoluo de 1924.


147
Correio da Manh, que valendo de suas imunidades parlamentares, faziam tal
jornal circular mesmo tendo sido fechado pelo estado de stio que perdurou at
1926. Na Cmara fazia oposio ao governo de Arthur Bernardes.459
Artur Caetano da Silva em 1923 era deputado estadual no Rio Grande do
Sul pelo Partido Federalista e liderou tropas no movimento armado que buscava
por fim ao governo de Borges de Medeiros e que culminou no Pacto de Pedras
Altas. No ano seguinte, foi eleito deputado federal e aderiu Aliana Libertadora,
movimento que reunia as oposies gachas460.
Plnio de Castro Casado, tambm federalista, foi um dos fundadores,
diretor e professor da Faculdade de Direito de Porto Alegre. Eleito deputado
federal pelo Rio Grande do Sul em 1924 pela Aliana Libertadora, foi lder da
oposio ao governo federal e um dos defensores da anistia para os revoltosos
de 1924.461
Por fim, Wenceslau Pereira Escobar tambm era do Partido Federalista,
tendo participado da Revoluo Federalista em 1893, sendo preso e processado
mudou-se para o Uruguai. Aps seu retorno, foi eleito Cmara dos Deputados
em 1924462.
A partir destas breves trajetrias podemos notar um ponto em comum
entre estes parlamentares. Com exceo de Azevedo Lima e Bergamini, os
outros eram gachos, federalistas, com envolvimentos nos conflitos no Rio
Grande do Sul, e faziam parte da Aliana Libertadora, que tinha como liderana
Assis Brasil, tido pelos tenentes como lder civil da Coluna. Isso explica o porqu
de serem porta-vozes do movimento na Cmara dos Deputados. Em carta de
Henrique Ricardo Holl para Isidoro temos uma ideia de como se dava essa
comunicao e como eram enviados os contedos a serem abordados pelos

459 ABREU; BELOCH (Orgs.), op. cit. Disponvel em


http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/BERGAMINI,%20Adolfo.pdf
Acesso em 30/08/2016.
460 Idem. Disponvel em http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-
republica/SILVA,%20Artur.pdf Acesso em 30/08/2016.
461 Idem. Disponvel em http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-
republica/CASADO,%20Pl%C3%ADnio.pdf Acesso em 30/08/2016.
462 Idem. Disponvel em http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-
republica/ESCOBAR,%20Venceslau.pdf
148
parlamentares em questo:
(...) A carta foi lida na Camara, pelo Luzardo, na sesso nocturna do
dia 30 do mez passado. Diz o Luzardo, em carta dirigida ao Assis, que
a impresso foi a melhor possivel e ter como resultado novas
adhesses ao movimento revolucionrio. Oxal que assim seja!463

463H. Carta para Isidoro. Montevideo, 9 de janeiro de 1925. AESP - Cartas da Revoluo de
1924, p. 3.
149
CONSIDERAES FINAIS

A formatao da poltica na Primeira Repblica era fortemente constituda


em mbito regional. Os partidos polticos, por exemplo os republicanos
estaduais, refletiam essa perspectiva. Isso foi rompido com a fundao do
Partido Comunista do Brasil em 1922 e com os movimentos tenentistas,
evidentemente, com maior destaque a Coluna Miguel Costa Prestes, que
percorreu 36.000 quilmetros464 do territrio brasileiro e despertou focos de
mobilizao em diversas localidades, adquirindo, ambos, um carter nacional.
Nossa inteno, no primeiro captulo, em apresentar esses diversos
movimentos chamados de tenentistas, ocorridos de 1922 a 1927, foi mostrar o
quo diversa foi a constituio da Coluna e dos apoios que ela recebeu ao longo
de sua marcha. Essa diversidade, que foi bastante importante para a
movimentao e construo das ligaes entre os mais diversos e longnquos
espaos militares, foi refletida na Coluna, no apenas no mbito geogrfico, mas
tambm no social e poltico, extrapolando as fronteiras militares com o
envolvimento significativo de civis.
Tal perspectiva geogrfica nos permite pensar a partir da teoria de rede465
uma vez que a Escola do Realengo, tida por ns como foco importante de
sociabilidade e de disseminao da revolta, permitia que os indivduos
conhecessem uns aos outros, tecendo assim contatos densos.
Para Mike Savage,

a formao de classe tem uma dinmica dual. Primeiro, ela envolve a


construo de redes sociais de largo alcance, ligando membros da
classe atravs de lugares diferentes (...). Segundo, a formao de
classe tambm envolve a construo de vnculos densos que permitem
a criao de identidades solidrias e comunais ao longo do tempo e na
ausncia de organizao formal.466

Essa construo de redes se d entre os sujeitos investigados em nosso


estudo, principalmente, a partir da transferncia dos militares envolvidos nos

464 BASTOS, Abguar. Prestes e a revoluo social. So Paulo: Hucitec, 1986, p. 138.
465 SCOTT, J. Social Network Analysis. London: Sage, 1991. Apud SAVAGE, Mike. Espao,
rede e formao de classe. Revista Mundos do Trabalho, vol. 3, n. 5, Jan-Jun de 2011, p. 18.
466 SAVAGE, op. cit., p. 19.

150
levantes de 1922 e que vo propagar e planejar as revoltas de 1924 em diversos
estados467, como vimos em Sergipe, So Paulo e Amazonas, e os levantes em
apoio passagem da Coluna nas mais variadas localidades.
Estes espaos militares, Escola e quartis, bem como as prises, podem
ser considerados como bases formadoras de uma identidade coletiva468, em
contnua formao durante a marcha da Coluna
As solidariedades eram desenvolvidas a partir da perseguio do governo
para com os revoltosos e dos ataques de Arthur Bernardes dirigidos aos militares
em geral. No entanto, estes ataques eram sentidos de maneira diferente ao longo
da hierarquia. O marechal Hermes da Fonseca, por exemplo, ficou 17 horas
preso469, enquanto tenentes eram perseguidos, detidos em pssimas condies
em navios e nas Ilhas Grande e Trindade470, transferidos e expulsos da Escola
Militar. Esta hierarquia, conforme interpretao de Wright471, , inclusive, um
distintivo da explorao de uma classe sobre a outra.
Por outro lado, essas redes densas tambm eram constitudas entre
militares e civis, sejam estes civis familiares, amigos e conhecidos de militares
ou no, uma vez que:

quando falamos em classe, estamos pensando em um conjunto


imprecisamente de pessoas que partilham as mesmas categorias de
interesse, experincias sociais, tradies, e sistemas de valores, que
tem uma disposio para se comportar como uma classe, para definir
a si mesmo em suas prprias aes e em relao a outros grupos de
pessoas em modo de classe.472

467 Caso semelhante citado por Savage sobre a formao do sindicalismo dos ferrovirios,
auxiliada pela prtica das empresas em transferir seus trabalhadores entre estaes e depsito,
facilitando assim o trabalho de ativistas no desenvolvimento de atividades sindicais. Op. cit., p.
26.
468 Ibidem, p. 8.
469 SILVA, Hlio. 1922: Sangue na areia de Copacabana. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira,

1964, p. 111.
470 Ver CHEVALIER, Carlos Saldanha da Gama. Memrias de um revoltoso ou legalista? Niteri:

Vitoria, 1927. TVORA, Juarez. Uma vida e muitas lutas: memrias. Vol. 1 - Da plancie borda
do altiplano. Rio de Janeiro: Editora do Exrcito, 1973, p. 197-220.
471 SAVAGE, Mike. Classe e Histria do Trabalho. In BATALHA, Claudio H. M.; SILVA, Fernando

Teixeira; FORTES, Alexandre (Orgs.). Cultura de classes: identidade e diversidade na formao


do operariado. Campinas: Editora da Unicamp, 2004, p. 30
472 THOMPSON, E. P. The Poverty of Theory and Others Essays. London: Merlin, 1979, p. 85.

Apud SAVAGE, Mike. Espao, rede e formao de classe. Revista Mundos do Trabalho, vol. 3,
n. 5, Jan-Jun de 2011, p. 9.
151
Isso explica a significativa adeso de civis ao movimento e a permanncia
destes at o exlio na Bolvia. Acreditamos que os tenentes, enquanto membros
de uma instituio militar, possuam caractersticas distintivas dos civis, mas
ambos estavam inseridos na formao de uma classe poltica, especfica
daquele momento histrico, com o desenvolvimento de vnculos organizacionais
e mobilizao poltica473.
Deste modo, endossamos a ideia de que as instituies militares no
podem ser pensadas apartadas da sociedade e nos arriscamos em afirmar que
a diviso entre militares e civis no faa mais sentido para as anlises
histricas, por predetermin-las, ignorando experincias e origens sociais.
Entretanto,

evidente que a distino entre a "cpula militar" - sempre golpista - e


a "massa de oficiais" - sempre legalista e popular, calcada no
paradigma do conflito de classes, funciona mal como fator explicativo
e agrava as inconsistncias da anlise474.

Por outro lado, se a pretenso de uma determinada anlise estudar uma


instituio militar em si mesma, tambm no faz sentido do nosso ponto de vista,
uma vez que seu objeto no est isolado da sociedade e no pode ser
compreendido aqum dela. Como j afirmou Otvio Ianni:

as Foras Armadas no ingressaram na poltica monoliticamente. Elas


se dividem em tantas correntes quantas so as correntes civis, ainda
que possam agir tambm de modo autnomo e em bloco. Em geral, no
entanto, as suas posies guardam certa correspondncia com as
polarizaes dos interesses dos grupos civis475

At mesmo as fontes a serem analisadas pelo historiador interessado


neste assunto no se devem restringir s produzidas pelas instituies militares.
Em nosso prprio trabalho, por exemplo, conseguimos ter uma ideia sobre o que
pensavam alguns tenentes (agora se referindo especificamente patente) sem
a utilizao de nenhuma documentao que tenha sua guarda em arquivos

473 Ibidem, p. 31.


474 COELHO, Edmundo Campos. Em busca de identidade: o Exrcito e a Poltica na sociedade
brasileira. Rio de Janeiro: Forense-Universitria, 1976, p. 24.
475 IANNI, Otvio. O colapso do populismo no Brasil. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1965.

Apud COELHO, op. cit., p. 24.


152
militares. Claro que esta documentao de extrema importncia e contribui
para a compreenso da sociedade como um todo, mas tambm no deve ser
trabalhada isoladamente, pois,

Os militares, como membros da sociedade, so por ela condicionados


e influenciados ideolgica e politicamente. (... ) os membros das Foras
Armadas tambm so cidados brasileiros, oriundos de determinadas
classes e camadas sociais e, ao lado disso, homens de seu tempo, que
possuem ligaes e mantm diferentes formas de relacionamento com
os mais diversos setores sociais e polticos e com o prprio poder
estatal.476

Como j exposto no captulo II, consideramos os militares detentores das


patentes inferiores como trabalhadores com base na ideia de insegurana
estrutural proposta por Mike Savage. Segundo tal autor, esta insegurana
vivida por todos os trabalhadores na sociedade capitalista, que os obriga a
encontrar estratgias para lidar com as incertezas dirias477. Como vimos nas
trajetrias de Prestes e Tvora, por exemplo, o ingresso destes no Exrcito pode
ser interpretado como uma destas estratgias.
Para Marcel van der Linden,

existe na sociedade capitalista uma grande classe de pessoas cuja


fora de trabalho mercantilizada de muitas formas diferentes. por
essa razo que me refiro a essa classe como um todo como
trabalhadores subalternos. Eles formam um grupo variegado, que inclui
escravos, meeiros, pequenos artesos e assalariados. a dinmica
histrica dessa multido que, a meu ver, os historiadores do trabalho
deveriam entender. (...) Todo portador ou portadora de fora de
trabalho cuja fora de trabalho vendida (ou alugada) a outra pessoa
em condies de compulso econmica ou no econmica pertence
classe dos trabalhadores subalternos, independentemente de o
portador ou portadora da fora de trabalho vender ou alugar ele mesmo
sua fora de trabalho, e independentemente de o portador ou portadora
possuir meios de produo. (...) Essa demarcao, entretanto, indica
que a base de classe comum a todos os trabalhadores subalternos a
mercantilizao coagida de sua fora de trabalho. 478

476 PRESTES, Anita Leocdia. Os militares e a Reao Republicana: as origens do tenentismo.


Petrpolis: Vozes, 1993, p. 15.
477 SAVAGE, Mike. Classe e Histria do Trabalho. In BATALHA, Claudio H. M.; SILVA, Fernando

Teixeira; FORTES, Alexandre (Orgs.). Cultura de classes: identidade e diversidade na formao


do operariado. Campinas: Editora da Unicamp, 2004, p. 33.
478 LINDEN, Marcel van der. Trabalhadores do mundo: Ensaios para uma histria global do

trabalho. Trad. Patricia de Queiroz Carvalho Zimbres. Campinas, SP: Unicamp, 2013, p. 40 e 41.
153
Dessa maneira, podemos considerar a existncia do soldo como um
determinante da condio de assalariados dos militares de baixa patente que
dependem dele para o sustento de suas famlias, sendo o Estado seu
empregador.
*
Por falta de termo melhor, o tenentismo foi por ns utilizado para se
referir aos movimentos de origem militar na dcada de 1920, com o
apontamento de que estes foram compostos por militares possuidores de
outras patentes, para alm da de tenente, e por civis. Como vimos neste
trabalho, existiu uma continuidade entre estes movimentos neste perodo,
tendo inclusive, as mesmas pessoas envolvidas nas conspiraes de 1922 a
1927, com pouca ou nenhuma variao dos objetivos almejados.

154
A Coluna no tempo e espao479

479JOFFILY, op. cit., p. 117. Disponvel em http://atlas.fgv.br/marcos/tenentismo/mapas/coluna-


prestes-no-tempo-e-no-espaco Acesso em 17/01/2017.
155
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157
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1924.
LOPES, Isidoro Dias. Carta para Alfredo de Simas Enas. Santo Tom, 14 de
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de 1925.
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TEIXEIRA, Rafael Bandeira. Carta para Alfredo de Simas Eneas. Concepcin,
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Centro de Pesquisa e Documentao de Histria do Brasil da FGV

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Tenente-coronel Wicar Parente de Paula Pessa, 1 tenente Jos Pinheiro
Barreira, Dr. Adhemar Fernandes Tvora, Coronel Jos Carlos Leal e Mario Leal.
Natal, Piau, 5 de janeiro de 1926, p. 606-608.
COSTA, Miguel, PRESTES, Luiz Carlos. Carta para Leopoldo Nery da Fonseca,
Simpson, Severino Gamba Cardim, Cleto da Costa Campello, Celso Ucha

158
Cavalcante, Aristteles Souza Dantas, Sylvio Guimares Cravo, Christiano
Cordeiro, Alfredo de Moraes Coutinho, J. Carlos Mariz e Osmundo Borba,
organizadores do movimento revolucionrio no Estado de Pernambuco. Natal,
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159
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Centro de Documentao e Memria da UNESP


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Arquivo Edgard Leuenroth Unicamp, Fundo Loureno Moreira Lima.


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160
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https://www.marxists.org/portugues/prestes/1924/10/29.htm Acesso em
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Juiz Federal da 1 Vara de So Paulo pelo Procurador Criminal da Republica,
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