Direitos Humanos Na Grécia
Direitos Humanos Na Grécia
Direitos Humanos Na Grécia
151
ISSN 2175-0947
INTRODUO
Pretende-se fazer uma investigao no pensamento dos prsocrticos e dos sofistas, particularmente direcionada para a discusso
travada em torno da anttese phsis x nmos, com vistas a detectar o embrio
da ideia de igualdade. Esse percurso ir permitir o surgimento de um dos
temas privilegiados pelo jusnaturalismo moderno o princpio da igualdade
, constituindo um dos alicerces sobre o qual todo o iderio libertrio dos
grandes movimentos revolucionrios, que atravessaram todo o sculo XVII,
se erigiu.
Consiste, sobretudo, o debate assentado na dicotomia phsis x nmos
em revelar a concepo centrada nos Direitos do Homem, profundamente
enraizada na igualdade entre os homens, e que se projeta pelos sculos
1
Doutora em Filosofia do Direito Professora Adjunta da Universidade Catlica de
Petrpolis UCPt
http://www.ucp.br/html/joomlaBR/lexhumana/lexhumana.htm
ISSN 2175-0947
3 . In: Digenes LARTIOS, Vidas e doutrinas dos filsofos ilustres, livro II, captulo 4, 16,
p.51. Cf. G.S. KIRK; J.E. RAVEN; M. SCHOFIELD, Os filsofos pr-socrticos: histria
crtica com seleco de textos, p.409, cuja traduo apresentada a seguinte: (...) o bem e
o mal existem s por conveno, no por natureza..
ISSN 2175-0947
o principal argumento sofstico utilizado para solapar a antiga indagao prsocrtica a renncia a encontrar uma identidade permanente, uma substncia
imutvel, identificada no conceito abarcante de phsis (natureza; processo
de nascimento e crescimento; natureza de um ser; princpio originrio), que
pudesse representar um sentido ordenador ao fluxo catico da experincia
sensvel.
Os sofistas penetram na multiplicidade do devir, dele extraindo as
inmeras discordncias que definem o trajeto do homem como essencialmente
agonstico: combates, opinies dspares, em suma, uma irresstivel vocao
heraclitiana para o confronto e para a polarizao. Mergulhados na
mobilidade do real, eles iro concentrar-se na busca da medida que o prprio
homem estabelece para si, recusando a aventurar-se em esferas inatingveis,
ou seja, num tipo de conhecimento inalcanvel mente humana5. Trata-se
de uma reao ao eleatismo, em especial ao pensamento de Parmnides, que
havia desenvolvido o tema da oposio radical entre a razo e a experincia.
Os sofistas so partidrios da dxa, do caminho da opinio, da contradita,
negando a possibilidade de perquirio de uma verdade absoluta, originria,
capaz de revelar a pretensa luminosidade da essncia do Ser. Ao revs, a
sofstica circunscreve sua atuao aos limites da plis, onde posies
antagnicas esto em perptua luta, constituindo um caminho sombrio que o
homem poltico deve percorrer para se consagrar vitorioso na Cidade-Estado.
O papel do sofista nesse contexto assume um carter bem determinado:
ao renunciar verdade ltima perseguida pelo saber filosfico, o sofista
abdica de ser sophs (sbio) no sentido etimolgico de ser um descobridor ou
um iluminador das verdadeiras regies do Ser, para se converter num mestre
de retrica, dotado de tcnicas persuasivas, a fim de fazer triunfar a tese que
defende. Importa ressaltar que esse significado ligado s habilidades prticas
5 . A frase atribuda a Protgoras de que o homem a medida de todas as coisas, -nos
ISSN 2175-0947
V, p.416.
8 . 152 c, in: op. cit., p.33. Consulte-se a obra de Eugne Duprel, acima citada, pp.16-7,
9 . Parte 1, 165 a, 20, p.162. Cf. Rodolfo MONDOLFO, O pensamento antigo: histria da
http://www.ucp.br/html/joomlaBR/lexhumana/lexhumana.htm
ISSN 2175-0947
dos sofistas reside no carter retrico e contraditrio das ideias por eles
lecionadas. Os sofistas operam por intermdio de refutaes, construindo
discursos antitticos (disso lgoi) para chegar ao consenso. A retrica
caracteriza-se, fundamentalmente, por ser a arte da persuaso, pressupondo
a dialtica, vale dizer, a controvrsia de opinies discordantes para alcanar
o convencimento da parte contrria no debate. A Plato repugna a tcnica
argumentativa baseada na dxa, dominada pelo excesso de conflitos e
de imagens distorcidas, distante da verdade essencial dissipadora das
aparncias. Assim, ele repudia com veemncia a palavra enganadora dos
mestres da retrica, ao dizer no Fedro: (...) Mas deixaremos de lado Tsias e
Grgias? sses descobriram que o provvel deve ser mais respeitado que
o verdadeiro; chegariam at a provar, pela fra da palavra, que as cousas
midas so grandes e que as grandes so pequenas, que o novo antigo e que
o velho novo. (grifamos)10.
Por seu turno, Aristteles chama a ateno para a utilizao dos
poderosos recursos persuasivos dos sofistas, como a criao de antteses, que
funcionam como meio para convencer o adversrio na disputa poltica ou
jurdica. Tal o caso da famosa oposio entre phsis e nmos, explorada pela
sofstica nas diversas reas do conhecimento humano em que sua influncia
se faz sentir: na praa pblica, no tribunal, no teatro. O registro de Aristteles
pe em evidncia que a referida anttese constitui um tema bastante debatido,
mas, sobretudo, ele pretende ressaltar a doutrina dos contrrios advogada
pelos sofistas. Cuida-se do emprego operacional de tpoi (lugares-comuns)
no confronto e na problematizao de posies antinmicas relativas lei
positiva e lei natural:
A mais ampla coleo de tpicos ou lugares para
induzir os homens a fazerem afirmaes paradoxais
a que se relaciona com os padres da natureza e da
lei: pois assim que Clicles levado a argumentar
no Grgias, e essa a concluso que todos os antigos
supunham lgica: pois a natureza e a lei (diziam eles)
so opostas, e a justia uma bela coisa pelos padres
do direito, mas no pelos da natureza. Por conseguinte,
diziam eles, o homem cujo juzo se conforma aos
padres da natureza deve ser enfrentado pelos padres
da lei, enquanto o homem que concorda com a lei deve
10
ISSN 2175-0947
Importa assinalar que a antiga controvrsia entre phsis e nmos
no se reduz a um expediente retrico aplicado pelos oponentes de uma
contenda de acordo com o ponto de vista arguido por cada um. Trata-se de
uma questo filosfica da maior relevncia para a histria do direito cuja
atualidade ainda surpreende. No bojo dessa polmica, o conceito de justia
apresenta variaes significativas que revelam a riqueza e a importncia
do tema para o aperfeioamento das instituies polticas e jurdicas. Com
efeito, todo o imenso esforo de Plato em definir a Justia em A repblica
resulta da refutao das teses expostas no Livro I, em especial da defendida
por Trasmaco, que tem por base o direito do mais forte, e que constitui
uma das postulaes dos adeptos da phsis. Por conseguinte, urge examinar
essas duas noes dicotmicas nas principais vertentes que caracterizam o
percurso conceitual dessa problemtica elaborao sofstica.
Convm frisar, preliminarmente, que a distino entre phsis e
nmos decorre da separao entre o mundo da natureza e o mundo da cultura,
captada com clareza pelos sofistas. Na filosofia naturalista anterior ocorre uma
acentuada tendncia a identificar as leis naturais com a regularidade observada
na vida do homem no que diz respeito sedimentao de normas costumeiras
e de princpios norteadores de justia. Vale dizer, o homem desincumbese da tarefa de ordenar a convivncia em sociedade estabelecendo cdigos
de conduta de validade permanente; permanece, no entanto, impotente para
compreender as leis que regem a natureza, pois, consoante a apreciao de
John Burnet, o homem vivia dentro de um crculo mgico de lei e costume,
e fora dele ficava um mundo desordenado.12 Quando os primeiros filsofos
.Dos argumentos sofsticos,12, 173 a, 10-20, p.179. Cf. G.B KERFERD, The sophist
movement, pp.113-4. Consulte-se a respeito da questo da tpica e da argumentao, Tercio
Sampaio FERRAZ JUNIOR, Introduo ao estudo do direito: tcnica, deciso, dominao,
pp.295-302.
11
12
ISSN 2175-0947
13
14
p.154.
.Cf. Sir Ernest BARKER, Op. cit., pp.63-4; Rodolfo MONDOLFO, op. cit.,
http://www.ucp.br/html/joomlaBR/lexhumana/lexhumana.htm
ISSN 2175-0947
ISSN 2175-0947
15
.Cf. Sir Ernest BARKER, op. cit., pp.73-74; Barbara CASSIN, Leffet sophistique,
pp.165-71; Francis MacDonald. CORNFORD, Before and after Socrates, pp.41-42;
PierreMaxime SCHUHL, Essai sur la formation de la pense grecque: introduction
historique a une tude de la philosophie platonicienne, pp.358-61.
16
http://www.ucp.br/html/joomlaBR/lexhumana/lexhumana.htm
ISSN 2175-0947
Em razo da nfase na legalidade externa, Plato buscar solucionar o
problema suscitado por Antifo criando a fbula do anel de Giges, narrada por
Glucon no incio do livro II de A repblica. Trata-se de dar uma resposta ao
desafio lanado pelo sofista para violar a lei na ausncia de testemunhas que
pudessem incriminar o infrator; o anel de Giges concede o poder de tornar
invisvel o seu possuidor, insuscetvel, assim, de censura ou de condenao
caso pratique alguma ao contrria aos preceitos morais ou jurdicos. Essa
invisibilidade tornaria impraticvel distinguir o homem justo do injusto,
abrindo um terreno frtil para a disseminao da injustia: o ponto crucial da
questo reside em parecer justo. Plato pretende demonstrar o equvoco do
raciocnio formulado pelo sofista, provando que o constrangimento da lei
necessrio apenas para o homem injusto, uma vez que o virtuoso no cometer
desatinos mesmo na posse de algum poder mgico que lhe resguardasse a
.Op. cit., p.264. Consultem-se os captulos XVII, Natureza e Cultura, pp.240-56, e o
XVIII, Leis naturais e leis ticas: teoria e prtica, pp.257-70, do livro Filosofia do direito, de
Miguel Reale, indispensveis para uma perfeita compreenso das diferenas fundamentais
entre natureza e cultura.
17
http://www.ucp.br/html/joomlaBR/lexhumana/lexhumana.htm
ISSN 2175-0947
18
19
20
http://www.ucp.br/html/joomlaBR/lexhumana/lexhumana.htm
ISSN 2175-0947
Eurpides transmite essa mensagem de igualitarismo em As fencias,
atravs do apelo de Jocasta para que seus filhos, Etocles e Polinices, cessem
a querela pela disputa do reino de Tebas, vez que melhor reverenciar a
Eqidade/ que liga para sempre amigos a amigos/ povos a povos, aliados
a aliados,/ pois ela sempre foi para os seres humanos/ o esteio principal da
estabilidade21. Ponderao rejeitada por Etocles, que havia declarado a
relatividade das convenes humanas, donde a inexistncia de um princpio
igualitrio de validade universal capaz de congregar todos os homens: Mas
no existe entre os mortais conceito fixo/ de semelhante nem de igual;
estas noes/ so somente palavras sem realidade.22
E com essa viso realista que Tucdides ir registrar a superioridade
dos atenienses nas suas relaes com os outros povos, sobressaindo-se
a igualdade baseada na fora e no poder, e a preponderncia da justia da
eficcia para garantir a hegemonia de Atenas na Liga de Delos. Importa
realar que os atenienses expressam posies incongruentes com relao
concepo de Justia e de igualdade: na plis predomina o respeito ao padro
tradicional de justia e distribuio equitativa de bens entre os cidados
livres, enquanto que fora da Cidade prevalece o emprego da violncia pelos
dominadores. Tucdides narra, com acuidade, essa contradio no episdio
de Melos que no participa da Liga e da guerra do Peloponeso em que
os atenienses exigem a submisso da ilha, agindo com truculncia em face
da resistncia dos mlios; os discursos abaixo transcritos revelam, com
contundncia, o abandono dos ideais de Justia em face das exigncias da
conquista e da consolidao do imprio ateniense:
(...) No fomos ns os primeiros autores disto, mas
sempre foi estabelecido, que o mais dbil est sujeito
ao mais forte: cremos dignos (de dominar) e vs
tambm o acreditastes at que agora, consultando a
vossa utilidade, vindes falar do justo: a que ningum foi
induzido a renunciar quando a fortuna lhe oferece uma
vantagem a conquistar pela violncia ... Quem pode
recorrer violncia no tem necessidade de apelar para
a justia. (...) (grifamos).
21
22
ISSN 2175-0947
Nesse sentido, a posio defendida por Clicles no Grgias,
de Plato, reflete uma das concepes mais extremas sustentadas pelos
partidrios da phsis. Cuida-se da doutrina direito do mais forte que repele
completamente o conceito de legalidade e de igualdade. Com efeito, Clicles
considera as leis escudos protetores para os fracos que, assim, conseguem
nivelar-se aos que, por natureza, lhes so superiores em fora e inteligncia.
Por conseguinte, a desigualdade constitui a regra, no podendo as limitaes
legais, artificialmente impostas, impedir que os aquinhoados com qualidades
excepcionais por direito natural possam exercer os seus plenos poderes
sobre os medocres.
Clicles , indubitavelmente, um precursor da teoria naturalista e
competitiva do survival of the fittest, princpio que parece inextirpvel dos
coraes e mentes dos homens; considere-se, por exemplo, a ordem de Mr.
Kurtz, personagem criado por Joseph Conrad em O corao das trevas:
Exterminem todos os brbaros!24, reflexo da brutal lgica do imperialismo
que h sculos configura vergonhosa ndoa para a humanidade. Vejamos
como Clicles expe suas ideias no dilogo que leva o nome do sofista
Grgias, este, na verdade, opositor ao direito do mais forte contrrio
legalidade, vez que na Apologia de Palamede, ele se expressa favorvel s
.The Peloponnesian War, I, 76, pp.44-5; V, 89, p.365. Para o trecho do primeiro
livro, utilizamos a traduo apresentada por Rodolfo Mondolfo, na obra j citada, p.157;
com relao passagem do livro V, recorremos traduo que consta do livro de Alasdair
MacIntyre, intitulado Justia de quem? Qual racionalidade?, p.65. importante explicar,
consoante MacIntyre, p.63, que a Liga de Delos tinha sido concebida originariamente
para fortalecer a proteo naval contra os persas, tendo sido assim reconhecida pelos
seus membros; no entanto, posteriormente, os atenienses utilizaram-se deste motivo para
construir o seu imprio, desviando todo o tesouro arrecadado da Liga para Atenas. Cf.
W.K.C. GUTHRIE, op. cit., pp.85-6.
23
24
http://www.ucp.br/html/joomlaBR/lexhumana/lexhumana.htm
ISSN 2175-0947
25
26
http://www.ucp.br/html/joomlaBR/lexhumana/lexhumana.htm
ISSN 2175-0947
.Livro X, 890 a, p.319, das Leis: (Sobre a legislao. Gnero poltico). In: Plato.
Dilogos de Plato: Leis e Epnomis.
28
http://www.ucp.br/html/joomlaBR/lexhumana/lexhumana.htm
ISSN 2175-0947
Deve-se ponderar que a desiluso de Trasmaco ao reivindicar um
conceito de grande impacto demolidor provm da verificao de que o ideal
de justia inaplicvel realidade, onde prevalece o recurso a mecanismos
coercitivos, monopolizados pelos detentores do poder, constituindo o
padro do direito e da poltica. Na percuciente anlise de W.K.C. Guthrie,
a verdadeira inteno de Trasmaco desmascarar a hipocrisia e mostrar
como o sentido de justia tem sido deturpado30; de fato, cabe razo a
Guthrie se trouxermos colao o fragmento 9, em que o sofista reconhece
a justia como o valor mais precioso: os Deuses no se ocupam das cousas
humanas; pois do contrrio no se teriam descuidado do maior dos bens
humanos: a justia; com efeito, vemos que os homens dela no se servem.
(grifamos)31.
Ao afirmar que a justia est atrelada aos poderosos de maneira
inescapvel, Trasmaco e Clicles repetem, em tom mais agressivo, a fbula
do gavio e do rouxinol contada por Hesodo em Os trabalhos e os dias, que
serve de advertncia ao seu irmo Perses contra os abusos cometidos contra
a justia soberana, divina, que rege a vida dos homens. Importa acentuar
que a imagstica animalesca extremamente apropriada para se estabelecer
um paralelo com os impulsos irrefreveis de origem natural, pertencentes ao
mbito da phsis, proclamados pelos cultores do direito natural de tendncia
radical, e satirizados por Aristfanes como, por exemplo, em As nuvens.
Convm contrastar a antiga verso hesidica com a dramatizao cmica da
concepo que conduz ao caminho da desumanizao:
(...)
Assim disse o gavio ao rouxinol de colorido colo
no muito alto das nuvens levando-o cravado nas garras;
.PLATO, A repblica, livro I, 338e; 339a, p.24. Cabe examinar as duas primeiras
partes, denominadas Do Homem e Do Estado, da obra de Thomas Hobbes, Leviat ou
matria, forma e poder de um estado eclesistico e civil, pp.7-218. Cf. Sir Ernest BARKER,
op. cit., p.77; W.K.C. GUTHRIE, op. cit., pp.88-90; KERFERD, G.B. Op. cit., p.121.
29
30
31
http://www.ucp.br/html/joomlaBR/lexhumana/lexhumana.htm
ISSN 2175-0947
Conforme mencionado, Trasmaco transmite sua mensagem sem
referir-se anttese entre a natureza e a conveno. Evidentemente, sua
colocao se ajusta na dicotomia, j que ele um postulante do direito natural
do mais forte. Comprova-se esta assero pelas consideraes expendidas
por Glucon, no livro II de A repblica, que no hesita em inserir o problema
proposto por Trasmaco nos termos da aludida oposio, consoante se pode
atestar na seguinte afirmao: Apanh-lo-emos, ao justo, a caminhar para a
mesma meta que o injusto, devido ambio, coisa que toda a criatura est
por natureza disposta a procurar alcanar como um bem; mas, por conveno,
forada a respeitar a igualdade.33 Cabe esclarecer que esse trecho pertence
narrao do anel de Giges, relatado por Glucon para evidenciar um outro
ngulo da problemtica discusso relacionada phsis.
De fato, os irmos Glucon e Adimanto, ainda perplexos ante a
crueza e veemncia da argumentao de Trasmaco, travam com Scrates um
intenso dilogo para definir a essncia da justia e indagar sobre os efeitos
produzidos que permitem qualific-la como um bem, qui reconhecida
em algum ser humano34. A provocao de Glucon e Adimanto reflete a
concepo de justia na esteira do sofista Antifo, intensificada a valorizao
no utilitarismo, no interesse pessoal, na medida em que o homem busca, a
todo custo, realizar as suas ambies e atender s suas necessidades naturais:
as leis so simples convenes que podem ser quebradas se o indivduo
dispuser de astcia suficiente para lograr atingir suas metas. Na viso de
Glucon, o homem tem uma inclinao inata a praticar aes injustas, caso
.HESODO, Os trabalhos e os dias, v.203-211, pp.37-9. Cf. Pierre-Maxime
SCHUHL, op.cit., pp.362-3.
32
33
.PLATO, A repblica, livro II, 359c, p.56. Cf. G.B KERFERD, op. cit., p.122
34
ISSN 2175-0947
35
.PLATO, A repblica, livro II, 360d, p.58. Cf. W.K.C. GUTHRIE, op. cit., pp.97-
36
9.
37
ISSN 2175-0947
A concepo de justia de Protgoras caracteriza-se pelo tentame de
unificar os termos antitticos da anttese phsis x nmos, ou seja, ele defende
a obedincia s leis estatudas pela necessidade de convivncia e colaborao
pacficas; no entanto, os nmoi no so convenes estabelecidas pelo arbtrio
do homem para a consecuo de seus interesses pessoais ou de classe: so
pelos deuses sancionados e inspirados em princpios ticos fundamentais para
a formao da mais elevada conscincia moral e jurdica. Sir Ernest Barker
atribui a Protgoras a qualificao de apstolo do Estado, que pregava a
igualdade dos seus membros e a santidade da Lei.39. Cumpre consignar
que esse esprito de defesa das leis constitui uma das peculiaridades do
pensamento grego, encarnado em diversas expresses literrias e filosficas,
tal como ilustrado por Herdoto pelas palavras pronunciadas por Demratos
no dilogo com Xerxes: De fato, sendo livres eles [os helenos] no so livres
em tudo; eles tm um dspota a lei mais respeitado pelos lacedemnios
que tu por teus sditos (grifamos)40.
Protgoras no representa uma voz isolada na candente disputa pela
supremacia do nmos como forma de pacificar a violncia espelhada no
estado de natureza. Os fragmentos constantes do Annimo de Jmblico
fornecem subsdios significativos para o encaminhamento de uma concepo
que efetue a necessria articulao entre a justia, considerada o fundamento
natural para a formao das instituies humanas, e as leis produzidas para
manter a coeso entre os homens. Ressalte-se que o sentimento de justia,
doado pela natureza, representa a virtude mais importante para a tutela dos
bens por eles prezados. Em outros termos, a justia constitui o elemento
unificador mais eficiente, ao banir a barbrie e preservar a vida em ncleos
.PLATO, Protgoras (Ou: Os Sofistas. Gnero demonstrativo), 322b,c, p.58. Cf.
Sir Ernest . BARKER, op. cit., p.70; W.K.C. GUTHRIE, Os filsofos gregos de Tales a
Aristteles, p.58, e The NomosPhysis Antithesis in Morals and Politics. In: ___. The
sophists, pp.66-9; G.B. KERFERD, op. cit., p.126; Rodolfo MONDOLFO, op.cit., pp.190 e
472.
38
39
.Histria, livro VII, 104, p.368. Cf. GUTHRIE, W.K.C. The NomosPhysis
Antithesis in Morals and Politics. In: ___. The sophists, p.69. Esclarea-se que Demratos
havia sido deposto da condio de rei dos espartanos e encontrava-se exilado sob a proteo
de Xerxes.
40
http://www.ucp.br/html/joomlaBR/lexhumana/lexhumana.htm
ISSN 2175-0947
CONCLUSO
A concluso que se impe que o exame sobre os fundamentos do
nosso pensar e agir jurdicos deve iniciar-se na Grcia antiga. Apesar da
.Traduo dos fragmentos a partir do texto de Rodolfo Mondolfo. In: ___. O
pensamento antigo: histria da filosofia greco-romana, v.I, pp.152-3. Ver a compilao
de Maria Timpanaro Cardini, op. cit., pp.167, 166 e 168, de acordo com a extratos de de
uma ordem em que os fragmentos foram apresentados. Cabe informar que o Annimo
de Jmblico constitui obra sofstica, conservados pelo neoplatnico Jmblico, segundo
esclarece Eduard Zeller, em Outlines of the history of Greek philosophy, p.90. Cf. tambm
G.B. KERFERD, op.cit., p.126.
41
http://www.ucp.br/html/joomlaBR/lexhumana/lexhumana.htm
ISSN 2175-0947
http://www.ucp.br/html/joomlaBR/lexhumana/lexhumana.htm
ISSN 2175-0947
Referncias Bibliogrficas:
ARISTFANES. As nuvens. In: ___. As nuvens; S para mulheres; Um deus
chamado dinheiro. Traduo do grego, introduo e notas de Mrio da Gama
Kury. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, p. 11-103, 1995. (A Comdia Grega).
ARISTTELES. Dos argumentos sofsticos. In: ___. Tpicos; Dos
argumentos sofsticos; Metafsica; tica a Nicmaco; Potica. Trad. Leonel
Vallandro; Gerd Bornheim da verso inglesa de W.A. Pickard Cambridge.
So Paulo: Abril Cultural, p.159-203, 1973. (Os Pensadores).
________. Metafsica. Trad. Leonel Vallandro. Porto Alegre: Globo, 1969.
(Biblioteca dos Sculos).
BARKER, Sir Ernest. Teoria poltica grega Plato e seus predecessores.
2 ed. Trad. Srgio Bath. Braslia: Editora Universidade de Braslia, 1978.
(Coleo Pensamento Poltico, 2). BURNET, John. Greek philosophy:
Thales to Plato. London: The Macmillan Press, 1981.
BRUN, Jean. Os pr-socrticos. Trad. Armindo Rodrigues. Lisboa: Edies
70, 1991. (Biblioteca Bsica de Filosofia).
CASSIN, Barbara. Leffet sophistique. [Paris]: Gallimard, 1995. (NRF
Essais).
COMPARATO, Fbio Konder. A afirmao histrica dos direitos humanos.
5 ed., rev. e ampl. So Paulo: Saraiva, 2007.
CORNFORD, Francis MacDonald. Before and after Socrates. Cambridge:
University Press, 1966.
DUPR, P. Encyclopdie des citations. Comit de rdaction sous la
prsidence de Fernand Keller. Paris: ditions de Trvise, 1959.
DUPREL, Eugne. Les sophistes: Protagoras, Gorgias, Prodicus, Hippias.
Neuchtel: ditions du Griffon, 1980. (Bibliothque Scientifique, 14
Philosophie et Histoire).
http://www.ucp.br/html/joomlaBR/lexhumana/lexhumana.htm
ISSN 2175-0947
ESCHYLE. Les sept contre Thbes. In: ___. Les suppliantes; Les perses;
Les sept contre Thbes; Promthe enchain. Quatrime dition revue et
corrige. Texte tabli et traduit par Paul Mazon. Paris: Les Belles Lettres,
p.110-47, 1946, tome I. (Collection des Universits de France).
EURPIDES. As fencias. In: ___. Ifignia em ulis; As fencias; As bacantes.
Traduo do grego, introduo e notas Mrio da Gama Kury. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, p.109-206, 1993.
FERRAZ JUNIOR. Tercio Sampaio. Introduo ao estudo do direito:
tcnica, deciso, dominao. So Paulo: Atlas, 1990.
GOMPERZ, Theodor at alii. Greek thinkers: a history of ancient philosophy.
London: John Murray, 1949, 4 v.
GUTHRIE, W.K.C. Os filsofos gregos de Tales a Aristteles. Trad. Maria
Jos Vaz Pinto. Lisboa: Editorial Presena, 1987.
________. The nomos physis antithesis in morals and politics. In: ___.
The sophists. London: Cambridge University Press, p.55-134, 1971.
HESODO. Os trabalhos e os dias. (Primeira Parte). 3 ed. Traduo,
introduo e comentrios Mary de Camargo Neves Lafer. So Paulo:
Iluminuras, 1996. (Biblioteca Plen).
HOBBES, Thomas. Leviat ou matria, forma e poder de um estado
eclesistico e civil. 3 ed. Trad. Joo Paulo Monteiro; Maria Beatriz Nizza da
Silva. So Paulo: Abril Cultural, 1983. (Os Pensadores).
I sofisti: fragmenti e testimonianze. Trad. prefazione e note di Maria
Timpanaro Cardini. Bari: Gius. Laterza & Figli, 1923.
JAEGER, Werner Wilhelm. Paidia: a formao do homem grego. 2 ed.
Trad. Artur M. Parreira; adaptao do texto para edio brasileira Mnica
Stahel M. da Silva; reviso do texto grego Gilson Csar Cardoso de
Souza. So Paulo [Braslia]: Martins Fontes Editora Universidade de
Braslia, 1989.
http://www.ucp.br/html/joomlaBR/lexhumana/lexhumana.htm
ISSN 2175-0947
ISSN 2175-0947
ISSN 2175-0947
(Os Pensadores).
THUCYDIDES. The Peloponnesian War. The complete Hobbes translation;
with notes and new introduction by David Grene. Chicago London: The
University of Chicago Press, 1989.
WINDELBAND,Wilhelm. Alvores do pensamento filosfico grego: perodo
cosmolgico. In: MAGALHES VILHENA, Vasco de. Panorama do
pensamento filosfico. Trad. Liselotte Rodrigues; Hermann Pflger. Lisboa:
Edies Cosmos: p.110-89, 1958, v. II.
________. Historia de la filosofa antigua. Trad. J. Rovira Armengol.
Buenos Aires: Editorial Nova, 1955. (Coleccion La Vida del Espiritu).
ZELLER, Eduard. Outlines of the history of Greek philosophy. 13 ed.
Trad. L. R. Palmer; rev. Dr. Wilhelm Nestle. New York: Dover, 1980.
http://www.ucp.br/html/joomlaBR/lexhumana/lexhumana.htm