Religião - Freud X Jung
Religião - Freud X Jung
Religião - Freud X Jung
Receia ele que a religio venha a comprometer valores que lhe so caros,
isto , a razo, a diminuio do sofrimento humano e a moralidade. Quanto
aos ideais em que acredita, Freud definiu-os claramente: amor fraternal
entre os homens (Menschenliebe), verdade e liberdade. Razo e liberdade
so interdependentes, diz o autor em apreo. Se o homem prescinde da
iluso de um Deus paternal, se encara a sua prpria solido e insignificncia
no universo, ele se sentir como a criana longe da casa paterna. Mas o
verdadeiro sentido do desenvolvimento humano consiste em sobrepujar
esta fixao infantil. A educao deve encorajar a aceitao da realidade.
Quando sabe que deve se apoiar apenas nas suas prprias foras, o homem
aprende a us-las eficientemente.
Somente o homem livre, que conseguiu emancipar-se de autoridades autoridades que ameaam e protegem - pode fazer uso do seu poder
racional e compreender o mundo e a sua prpria funo no universo,
objetivamente, sem iluses, mas tambm com a habilidade de desenvolver
ao mximo as potencialidades que lhe so inatas. Somente quando
conseguimos abrir mo da nossa dependncia infantil, e deixamos de temer
autoridades, temos coragem para pensar independentemente. E a recproca
tambm verdadeira: somente se tivermos coragem para pensar, somos
capazes de nos emancipar do domnio e da prepotncia. curioso verificar
que Freud afirma ser o sentimento de incapacidade oposto ao sentimento
religioso. Uma vez que muitos telogos, e, como veremos mais adiante,
Jung, at certo ponto, consideram o sentimento de dependncia e de
incapacidade como o ncleo da experincia religiosa, a assero freudiana
torna-se muito importante. Exprime, ainda que apenas implicitamente, o
seu prprio conceito de experincia religiosa, a saber, de independncia e
de conhecimento das prprias foras. Procurarei mostrar mais adiante que
tal diferena de pontos de vista constitui um dos problemas crticos da
psicologia da religio.
Passando agora a Jung, verificaremos que discorda das idias de Freud a
cada passo.
Inicia o seu estudo por uma discusso dos princpios gerais que o orientam.
Enquanto que Freud, embora no fosse filsofo profissional, encara o
problema pelo ngulo psicolgico e tambm filosfico, a exemplo de William
James, Dewey e MacMurray, Jung declara no princpio do seu livro:
Restrinjo-me observao de fenmenos e abstenho-me de qualquer
aplicao de consideraes metafsicas ou filosficas. [4]
A seguir, explica como pode o psiclogo analisar a religio, sem apelar para
consideraes filosficas. Qualifica a sua posio de fenomenolgica, quer
dizer, preocupada com ocorrncias, acontecimentos, experincias, em suma
com fatos. A verdade um fato e no um julgamento. Por exemplo, em
relao concepo da Virgem, a psicologia preocupa-se apenas com o fato
de que existe tal ideia, mas no se interessa em saber se o contedo
ideolgico verdadeiro ou falso em qualquer outro sentido. Desde que
existe, a ideia deve ser considerada como verdade psicolgica. A existncia
psicolgica subjetiva, enquanto a ideia ocorre apenas a um indivduo; mas
torna-se objetiva quando estabelecida por uma sociedade - consensus
gentium. [5]
NOTAS:
[1] Terry Lectures, 1937. ( Nota de Erich Fromm)
[2] O prprio Freud, entretanto, esclarece que uma ideia no
obrigatoriamente falsa pelo simples fato de corresponder a um anseio
humano. J que muitos psicanalistas tm, uma vez por outra, condenado
ideias que traduzem emoes, desejo solicitar ateno para a declarao de
Freud. Na verdade, existem muitas idias verdadeiras, do mesmo modo que
concepes falsas, a que o homem chega porque prefere acreditar na
realidade das mesmas. A maioria das descobertas repousa no interesse de
provar uma verdade desejada. A presena de semelhante anseio autoriza
uma certa suspeita, mas, por si s, no invalida o conceito ou concluso. O
critrio de validade no decorre da existncia de uma motivao
psicolgica, mas das evidncias lgicas positivas ou negativas inerentes ao
conceito ou concluso. (Nota de Erich Fromm)
[3] Ele acentua o contraste entre a brilhante inteligncia das crianas e o
empobrecimento da razo adulta (Denkschwaeche). Sugere que a natureza
ntima do homem talvez no seja to irracional quanto o indivduo se torna
sob a influncia de ensinamentos irracionais. (Nota de Erich Fromm)
[4] Psychology of Religion, p.2. (Nota de Erich Fromm)
[5] Ibidem, p.3. Os itlicos so meus. (Nota de Erich Fromm)
[6] Ibidem, p. 3. (Nota de Erich Fromm)
[7] Conforme a discusso de tica universal e tica socialmente imanente,
no livro Man for Himself, Erich Fromm, Rineart & Co., 1947, pp.237-244.
(Nota de Erich Fromm)
[8] Jung, Psychology of Religion, p.4, itlico do autor. (Nota de Erich
Fromm)
[9] Ibidem p. 47. Jung est se referindo ao inconsciente individual como
parte do grande inconsciente coletivo. (Nota da edio em lngua
portuguesa)