A Perola Secreta Mary Balogh Lindo - Revisado PDF
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Capítulo 1
A multidão que havia fora do teatro Drury Lane se
dispersou na noite. A última carruagem, com seus dois
ocupantes já desaparecia rua abaixo. Os poucos que
tinham chegado à apresentação a pé há muito tempo
que tinham abandonado o lugar.
Parecia que só ficava um cavalheiro, um homem alto
com capa escura e chapéu. Não tinha querido que o
levassem na última carruagem que partiu. Havia dito a
seus amigos que preferia ir caminhando para casa.
Mas tampouco era a única pessoa que ficava na rua.
Ao dar uma olhada a seu redor, seu olhar detectou uma
figura que permanecia de pé, apoiada em silencio contra
o edifício, e vestida com uma capa um pouco mais
escura que as sombras da noite: uma prostituta que
companheiras mais afortunadas ou atraentes tinham
deixado atrás e que agora parecia ter perdido qualquer
oportunidade de conseguir um cliente elegante aquela
noite.
Não se movia, e na escuridão resultava impossível
saber se o estava olhando. Poderia haver-se aproximado
até ele rebolando. Poderia ter saído das sombras e
sorrir. Poderia havê-lo chamado, e oferecer-se com
palavras. Poderia haver-se afastado rapidamente para
encontrar um lugar mais prometedor.
Mas não fez nenhuma dessas coisas.
E ele ficou de pé olhando-a, debatendo-se entre
empreender a caminhada solitária para casa que tinha
em mente ou participar de uma noite de diversão
inesperada. Não via a mulher com claridade. Não sabia
se era jovem, atrativa, bonita, limpa… qualquer dessas
qualidades pelas que teria valido a pena trocar de
planos.
Mas possuía uma quietude silenciosa que lhe
resultava intrigante por si mesmo.
Ao aproximar-se percebeu que o estava olhando,
com uns olhos que na sombra resultavam escuros.
Usava capa, mas não chapéu. E o cabelo
cuidadosamente recolhido na nuca. Era impossível saber
quantos anos tinha ou se era bonita. A garota não disse
nada e não se moveu. Não mostrava nenhuma
artimanha, nem dizia palavras sedutoras.
O cavalheiro se deteve uns poucos passos dela.
Observou que lhe chegava ao ombro, era um pouco mais
alta que a média, e de que era de compleição magra.
—Quer trabalhar esta noite? —perguntou-lhe.
A garota assentiu de maneira quase imperceptível.
—E o preço?
Ela duvidou e disse uma cifra. Ele a contemplou em
silencio durante uns instantes.
—E o lugar está perto?
—Não tenho aonde ir — murmurou ela.
Tinha a voz suave, carente da dureza ou o acento
coquete que tinha esperado. Olhou-a entrecerrando os
olhos. Deveria empreender a caminhada para casa, com
seus pensamentos como única companhia tal e como
tinha previsto. Nunca tinha sido próprio dele copular com
uma prostitutao na entrada de um estabelecimento.
—Há uma estalagem na seguinte rua — comentou
ele, e se virou para caminhar nessa direção.
Ela ficou a caminhar a seu lado. Não trocaram uma
só palavra. A garota não fez nenhum movimento para
agarrar seu braço. E ele tampouco ofereceu.
A jovem o seguiu entre a multidão do abarrotado e
buliçoso botequim do Touro e o Corno e permaneceu em
silêncio junto a ele enquanto pedia um quarto para
passar a noite no piso de acima e pagava adiantado. A
prostituta lhe seguiu escada acima. Suas pegadas eram
tão delicadas que o cavalheiro fez gesto de virar-se
antes de chegar acima para assegurar-se de que seguia
ali.
Permitiu-lhe entrar primeiro no quarto e fechou a
porta com o fecho detrás de si, colocando a única vela
que havia trazido em um spot da parede, mas o ruído do
bar logo diminuía na distância.
A prostituta estava de pé no meio do quarto, olhando-
o. O homem viu que era jovem, embora não fosse uma
menina. Em outra época devia ter sido bonita, mas agora
tinha a face magra e pálida, os lábios secos e gretados,
e os olhos marrons marcados com olheiras escuras. O
cabelo, de um vermelho apagado, não tinha brilho nem
volume. Tinha-o preso em um coque singelo na nuca.
O cavalheiro tirou a cartola e a capa e viu que os
olhos da garota se deslocavam por seu rosto e através
da feia cicatriz que começava junto a seu olho esquerdo,
cruzava sua face até a comissura do lábio e continuava
até o queixo. Sentiu toda sua feiúra: o cabelo rebelde e
quase negro, os olhos escuros, o nariz grande e aquilino.
E o incomodou sentir-se feio ante o olhar de uma
prostituta comum.
Cruzou o quarto, desabotoou a capa cinza pálido da
jovem, que não tinha feito nenhum gesto para tirar-lhe e
a jogou em um lado.
Curiosamente, a garota usava um vestido de seda
azul, de manga larga, decote recatado, cintura alta e sem
adornos. Mas, embora limpo, o vestido estava
descolorido e enrugado. O cavalheiro pensou que devia
ser um presente de um cliente satisfeito umas semanas
antes, e que o tinha usado cada noite após.
Ela levantou o queixo um par de centímetros, e o
contemplou sem apartar a vista.
—Tire a roupa — ordenou ele, incômodo ante sua
tranqüilidade, por distinta que era de todas as prostitutas
que tinha conhecido em sua juventude e durante os anos
que tinha passado no exército. Sentou-se em uma
cadeira de respaldo duro junto à chaminé vazia e a
contemplou entrecerrando os olhos.
A jovem permaneceu uns instantes sem mover-se,
mas logo começou a despir-se, dobrando cada objeto de
roupa ao tirar-lhe e colocá-la no chão a seu lado. Já não
o estava observando, mas sim se concentrava no que
estava fazendo. Só quando chegou à camisa, a última
peça de roupa que ficava, titubeou e olhou em direção ao
chão. Mas a tirou também, tirando-lhe por cima da
cabeça, dobrando-a como tinha feito com os outros
objetos e pondo-a em cima da pilha.
Ficou com os braços em jarras sem esticá-los e
voltou a olhá-lo, com o mesmo olhar fixo e inexpressivo
de antes.
Estava muito magra. Muito magra. E mesmo assim
havia algo na larga esbelteza de suas pernas, na forma
de seus quadris, em sua cintura muito estreita e nos
peitos turgentes e firmes que excitou ao cavalheiro que a
estava observando. Pela primeira vez se alegrou de ter
decidido contratar seus serviços. Tinha passado já muito
tempo sem estar com ninguém.
— Solte o cabelo — pediu.
E ela levantou os finos braços para fazê-lo,
inclinando-se para colocar cuidadosamente as forquilhas
junto à pilha de roupa. O cabelo lhe caía pelos ombros,
rosto e pelo meio das costas quando voltou a ficar em
pé. Era um cabelo limpo, mas sem vida, nem vermelho
nem loiro. Levantou uma mão para apartar um cabelo da
boca sem deixar de olhá-lo.
Ele sentiu como lhe invadia a luxúria.
— Deite-se na cama — indicou a seguir, ficando em
pé e começando a despir-se.
A prostituta desfez a cama com delicadeza e se
colocou em um extremo, com as pernas juntas, os
braços a cada lado, e as palmas contra o colchão. Não
se cobriu. Girou a cabeça e o observou.
Ele se despiu de tudo. Não quis tentar esconder-se
de uma puta, tentar ocultar as marcas de cor púrpura de
quão feridas o desfiguravam no flanco esquerdo e na
perna esquerda, que inclusive em um espelho lhe
repugnavam, e que deviam repelir a qualquer estranho
que não as esperasse. Os olhos da jovem se dirigiram
para as marcas e logo voltaram tranqüilamente para
rosto dele. Aquela puta tinha coragem. Ou pode que nem
sequer pudesse permitir-se perder ao cliente mais
repulsivo do mundo antes de ganhar o pagamento.
Estava zangado. Zangado consigo mesmo por ter
voltado a sair com putas, algo que tinha deixado de fazer
anos atrás. Zangado por sentir-se complexado e
envergonhado ante uma prostituta. E zangado com ela
por controlar tanto seus sentimentos que nem sequer
demonstrava o repugnante que lhe resultava seu
aspecto. Se o tivesse feito, poderia havê-la utilizado em
conseqüência.
E esse pensamento lhe enojava e lhe zangava ainda
mais.
O cavalheiro se inclinou sobre ela e a agarrou pelos
antebraços. Moveu-a de modo que ficou cruzada na
cama em vez de deitada ao longo. Agarrou-a pelos
quadris e a empurrou para diante até que seus joelhos
ficaram flexionados a um lado da cama e os pés
apoiados no chão.
Deslizou as palmas entre as coxas da garota e lhe
abriu as pernas. Abriu-as ainda mais com os joelhos,
flexionando as pernas para apoiá-las na cama. E
introduziu os dedos entre as coxas da jovem e a abriu
com os polegares.
Ela baixou a vista, observando o que fazia.
Ele se colocou em posição e a montou empurrando
uma só vez, de maneira intensa e profunda.
Sentiu o impacto que produzia no mais fundo da
garganta da jovem e viu como mordia ambos os lábios
ao mesmo tempo e fechava os olhos. Sentiu todos os
músculos da garota em tensão, em atitude defensiva. E
esperou, colocado em cima dela e imerso no mais
profundo de seu interior, observando-a com os olhos
cansados até que a garota respirou fundo e obrigou a
seus músculos a relaxar-se. Tinha o olhar fixo no dele.
O cavalheiro deslizou as mãos por debaixo da
garota, sujeitando-a contra o colchão enquanto se
inclinava sobre ela e desfrutava do prazer para o que a
tinha contratado. Ela permaneceu quieta e relaxada
enquanto ele se movia rápida e profundamente em seu
interior, com os braços estendidos na cama, aos lados, e
o olhar que percorria a cicatriz da face para logo voltar a
fixar-se em seus olhos. Em uma ocasião baixou a vista
para observar o que o fazia. Tinha o cabelo estendido
sobre o colchão, a um lado.
O homem fechou os olhos ao descarregar em seu
interior, e inclinou a cabeça por cima dela até que sentiu
a respiração da garota contra seu cabelo. E junto à feliz
relaxação sentiu a pontada de um arrependimento
indescritível.
Endireitou-se e se separou do corpo da jovem.
Dirigiu-se para o móvel colocado aos pés da cama onde
repousava a bacia e verteu água fria da jarra na terrina
gretada, molhou um trapo nele, escorreu o excesso de
água e voltou para a cama.
—Pegue. —Aproximou-lhe o trapo. A prostituta não
se moveu, além de juntar as pernas. Seguia com os pés
apoiados no chão e os olhos abertos—. Limpe-se com
isto.
E o cavalheiro olhou para suas coxas manchadas de
sangue.
Ela levantou uma mão para agarrar o pano, mas
tremia de uma maneira tão descontrolada que a apoiou
outra vez na cama e virou a cabeça a um lado, fechando
os olhos. Agarrou a sua mão, pôs com a palma para
cima e lhe deu o pano.
—Pode se vestir quando tiver terminado —
comentou, e deu as costas para vestir-se.
Os débeis ruídos que ouviu detrás indicaram que a
prostituta tinha recuperado o controle e estava fazendo o
que havia dito. Mas quando finalmente se voltou,
encontrou-se com que tentava prender os botões da
capa, mas tremiam muito as mãos. Percorreu os poucos
passos que o separavam dela, apartou as suas mãos e
prendeu os botões.
Por cima do ombro viu que o lençol da cama estava
coberta de sangue. Tinha-a desvirginado.
—Quando comeste por última vez? —perguntou.
A garota se concentrou em colocar a capa
corretamente.
—Quando faço uma pergunta, espero resposta —
insistiu bruscamente.
—Faz dois dias — murmurou ela.
—E o que comeu então?
—Um pouco de pão.
—E hoje decidiste ser uma prostituta?
—Não. Ontem. Mas ninguém me quis.
—Não me surpreende. Não tem nem idéia de como
se vender — espetou.
Agarrou seu chapéu, abriu a porta e saiu do quarto. A
jovem o seguiu. Deteve-se o pé das escadas e jogou
uma olhada no ruidoso botequim. Havia uma mesa vazia
em um extremo afastado. Voltou-se, agarrou à garota
pelo cotovelo e cruzou a sala em direção à mesa.
Qualquer cliente que estivesse em seu caminho se fixava
nele, em sua roupa elegante e em seu rosto duro e com
cicatrizes, e imediatamente se apartava a um lado.
Sentou à garota dando as costas à sala e ele ocupou
uma cadeira em frente dela. Logo ordenou à garçonete
que os tinha seguido até a mesa e estava fazendo
reverências que trouxesse uma bandeja de comida e
duas jarras de cerveja.
—Não tenho fome — repôs ela.
—Comerá — afirmou ele.
A garota não voltou a falar. A garçonete trouxe uma
bandeja em que havia um bolo de carne grande e
fumegante e duas fatiadas grossas de pão com
manteiga, e o duque indicou que a colocasse diante da
prostituta.
O homem observou à garota comer. Saltava à vista
que estava faminta, embora fizesse esforços por comer
devagar. Jogou uma olhada a seu redor quando os
dedos, ainda trementes, ficaram cobertos de miolos,
carne e massa, mas é que se tratava de uma estalagem
corrente e não havia guardanapos. O cavalheiro retirou
um lenço de linho de seu bolso, e após hesitar um
instante ela o agarrou e limpou os dedos.
—Obrigado — murmurou ela.
—Como te chama?
A jovem terminou de mastigar o pão que tinha na
boca.
—Fleur — acabou dizendo.
—Só Fleur? —O cavalheiro tamborilava lentamente
com os dedos na mesa enquanto com a outra mão
sustentava a jarra de cerveja.
—Só Fleur — repetiu ela em voz baixa.
Ele a observou em silêncio até que se terminou o
último miolo que ficava na bandeja.
—Quer mais? —perguntou.
—Não. —A prostituta levantou a vista
apressadamente para olhá-lo—. Não, obrigado.
—Não quer terminar a cerveja?
—Não, obrigado.
O cavalheiro pagou a conta e saíram juntos da
estalagem.
—Há dito que não tinha lugar onde exercer seu ofício
— recordou—. Não tem casa?
—Sim. Tenho um quarto.
—Acompanharei-te até lá.
—Não. —Retrocedeu até a entrada do Touro e o
Corno.
—A quanto vive daqui?
—Não muito longe. Não chega a dois quilômetros.
—Então te acompanharei três quartas partes desse
caminho. É uma jovem inocente. Não sabe o que pode
passar a uma mulher sozinha nas ruas.
A jovem soltou um riso discordante. E ficou a
caminhar a toda pressa pela rua, com a cabeça
abaixada. O homem caminhava junto a ela,
experimentando pela primeira vez em sua vida —
embora fora através de outra pessoa— o desespero da
pobreza, o saber que seus próprios problemas, os
motivos que o levavam a infelicidade, eram risíveis em
comparação com os desta garota, a puta mais flamejante
de Londres.
—Por favor, não me siga mais — acabou dizendo a
garota, detendo-se em uma esquina onde se encontrava
uma loja lúgubre que se anunciava como agência de
emprego.
—Não encontra trabalho? —perguntou o cavalheiro.
—Não.
—Tentaste-o?
A jovem levantou a vista para ele e voltou a rir como
antes.
—Não lhe parece que este é meu último recurso? —
replicou—. Resulta difícil obrigar-se a morrer de fome
quando ainda se pode vender uma última coisa.
A garota se voltou e estava a ponto de sair correndo
outra vez. A voz do homem a deteve.
—Não te esqueceste que algo? —perguntou ele.
Ela se voltou a olhá-lo.
—Não te paguei.
—Pagou-me a comida.
—Bolo de carne, duas fatias de pão e meia jarra de
cerveja em troca de sua virgindade. Foi um trato justo?
A jovem não respondeu.
—Um conselho — continuou o homem, agarrando a
de mão e fechando suas mãos ao redor de umas
moedas—. Não te vendas barato. O preço que pediste
só fomentaria o desprezo e que a tratassem mal. E por
certo, eu não te tratei mal. Deveria pedir o triplo do que
pediste. Quanto mais peça, mais respeito infundirá.
Ela baixou o olhar para a mão fechada, voltou-se e
partiu sem dizer nada mais.
O cavalheiro ficou ali de pé, olhando preocupado
como partia, antes de voltar-se e dirigir-se para ruas
mais elegantes e familiares.
—Senhorita Hamilton?
Fleur se voltou um pouco surpreendida ante o jovem
vestido com elegantes roupagens azuis que pronunciou
seu nome ao descer da diligência no Wollaston.
—Sim — respondeu ela.
—Sou Ned Driscoll, senhorita. Vim levá-la à mansão.
Onde estão seus baús, senhorita?
—Só esse — indicou Fleur.
O jovem ia vestido de um modo realmente elegante.
E carregou o baú ao ombro como se não pesasse mais
que uma pluma e atravessou o pátio pavimentação da
estalagem onde se deteve a diligência em direção a uma
carruagem fechada com um brasão pintado a um lado.
Uma casa acolhedora? Uma família pequena?
—Você é o criado do senhor Kent? —perguntou ao
moço, seguindo-o—. Esta é sua carruagem?
Ele se voltou e sorriu divertido.
—O senhor Kent? Mais vale que não lhe ouça
chamá-lo assim, senhorita. É «Sua Excelência» para
pessoas como você e eu.
—Sua Excelência? —Fleur sentiu que fraquejavam
os joelhos.
—Sua Excelência, o duque de Ridgeway — explicou
o criado, olhando-a com curiosidade—. Não sabia? —
Sujeitou firmemente o baú na parte traseira da
carruagem.
—O duque de Ridgeway? Deve haver um engano.
Contrataram-me como governanta para a filha do senhor
e a senhora Kent — explicou a jovem.
—Lady Pamela Kent, senhorita — esclareceu o
criado, oferecendo uma mão para ajudá-la a entrar na
carruagem—. Foi o senhor Houghton quem a contratou?
É o secretário pessoal de Sua Excelência. Deve ter feito
uma brincadeira.
Uma brincadeira. Fleur se sentou na carruagem
enquanto a moço subia à boléia, e fechou os olhos um
momento. Seu senhor era o duque de Ridgeway? Tinha
ouvido falar dele. Estava considerado um dos pares mais
ricos do país. Matthew tinha conhecido a seu meio irmão,
Lorde Thomas Kent. Kent! Nem sequer se tinha
precavido de que era o mesmo nome.
Deveria havê-lo pensado. Deveria ter estado muito
mais alerta. Matthew conhecia irmão de seu senhor. Mas
ela não conhecia esse homem. E não a reconheceria a
ela nem seu nome agora que o tinha trocado. Não devia
começar a fazer hipóteses absurdas.
Willoughby Hall. O senhor Houghton tinha dado esse
nome como lar de seu senhor. Mas a mente brincava
com estranhas passadas. Tinha concebido uma imagem
tão forte e rápida da família Kent que em seguida se
imaginou uma casa singela. Mas sabia como era
Willoughby. Era um dos imóveis maiores da Inglaterra, e
além se dizia que tinha algumas das mansões e parques
mais magníficos do país.
E naquele momento, muito antes que sua mente se
adaptasse às novas circunstâncias de sua existência, a
carruagem passou por diante do muro elevado de um
parque salpicado de musgos, líquenes e coberto de hera,
e girou entre enormes ombreiras de pedra em direção a
um passeio que serpenteava bordeado de limas.
Fleur viu pastos ondulantes salpicados de carvalhos
e castanhos a cada lado. Inclusive viu um grupo de
cervos que pastavam durante um instante. Logo a
carruagem passou retumbando por cima de uma ponte e
viu umas cascatas efervescentes por debaixo. Mas
quando se voltou para vê-lo melhor, sua atenção se
distraiu.
As limas não se estendiam mais à frente da ponte.
Os pastos abertos e ondulantes não obstruíam a visão
de uma mansão cuja magnificência fez que Fleur ficasse
sem respiração.
A casa tinha uma fachada ampla. Suas asas
inferiores se estendiam a cada lado de uma seção
central elevada com frontão triangular, cujas colunas
estavam elaboradas com um delicioso desenho
corintiano estriado. Uma grande lanterna central e uma
cúpula se elevavam atrás do frontão. Os parapeitos
estavam repletos de estátuas de pedra, bustos, vasos e
urnas.
Uma grande fonte de mármore diante da casa
brincava entre sebes recortados e terraços de flores e
plantas.
Pensava que Heron House, sua própria casa — a do
Matthew— era bastante esplêndida. Mas em
comparação com aquilo não pareceria mais que uma
casinha rústica.
E ela que se imaginou uma casa acolhedora e uma
família pequena! Pensativa, Fleur apoiou um instante a
cabeça contra as almofadas que tinha detrás enquanto a
carruagem se detinha ante os degraus de mármore em
forma de ferradura que conduziam às portas principais e
ao piano nobile, o piso principal.
Mas foram as portas duplas sob os degraus as que
se abriram para que entrasse, as portas que levavam às
habitações dos criados. Um criado informou que a
senhora Laycock, a ama de chaves, estaria encantada
de receber à senhorita Hamilton em seu salão privado,
fazendo meia reverencia antes de voltar-se para lhe
indicar o caminho.
Para Fleur, a própria senhora Laycock já parecia uma
duquesa. Possuía uma figura esbelta e seu traje era
singelo, mas elegante, de cor negra. Tinha o cabelo
prateado recolhido no alto da cabeça. Só o punhado de
chaves que pendurava na cintura proclamava sua
condição de criada.
—Senhorita Hamilton? —perguntou, tendendo uma
mão a Fleur—. Bem - vinda ao Willoughby Hall. Deve ter
tido uma viagem longa e tediosa de Londres. O senhor
Houghton nos informou que chegaria hoje. Alegro-me de
ver que Sua Excelência considerou oportuno contratar a
uma governanta para a Lady Pamela. Chegou a hora de
tenha mais estímulos para a mente e mais atividades das
que pode lhe proporcionar uma babá anciã.
Fleur estendeu a mão à ama de chaves e recebeu
um firme apertão.
—Obrigado, senhora. Farei todo o possível por
ensinar bem à menina.
—Não será fácil — comentou a senhora Laycock,
conduzindo a Fleur até uma cadeira—. Quer um pouco
de chá, senhorita Hamilton? Vejo que está esgotada.
Terá que as ver-se com a duquesa.
Fleur a olhou inquisitiva.
—Armitage, a criada pessoal de Sua Excelência,
confiou-me que à duquesa não gostou que Sua
Excelência contratasse a uma governanta sem nem
sequer consultar, explicou a ama de chaves, vertendo
chá em uma taça e dando a Fleur.
—Vá Por Deus…
—Mas não se preocupe — a tranqüilizou a senhora
Laycock—. O duque é o que manda aqui, e a Sua
Excelência pareceu apropriado preocupar-se com o
futuro de sua filha. E agora, senhorita Hamilton, me
conte algo de você. Acredito que nos daremos bem.
Capítulo 3
Capítulo 5
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 10
Capítulo 12
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
A paisagem que se via pela janela da carruagem se
voltava cada vez mais familiar à medida que se
aproximavam de casa. Passaram toda a viagem
sentadas o um ao lado de outro, com os ombros pegos e
as mãos agarradas, sem dizer virtualmente nada.
—Só ficam uns poucos quilômetros? —perguntou
ele.
—Sim.
Durante um instante lhe apertou a mão com mais
força.
—Tem que te dirigir a quem se encarregue dos
assuntos do Brockehurst — propôs o duque—. Pode ser
que ao menos consiga uma parte de seu dinheiro antes
de cumprir os vinte e cinco anos. Assim poderá viver
com certa comodidade.
—Sim.
—E farei que Houghton investigue também a
respeito.
—Obrigado.
Voltou a haver um silêncio.
—Não posso voltar outra vez aqui, Fleur. Nem
sequer escreverei.
—Não. Sei. Eu tampouco.
—Promete-me que se alguma vez necessitasse algo
ou tivesse algum problema escreverá ao Houghton?
Promete-me isso?
—Só nas circunstâncias mais extremas — respondeu
ela—. Não, Adam. Provavelmente não.
Acariciou-lhe os dedos.
—Fleur, se estiver grávida…
—Não o estou.
—Se o está — disse ele, levando-se sua mão aos
lábios—. Se o estiver, tem que fazer-me saber. Sei que
seu instinto fará que me oculte isso. Mas tem que fazer-
me saber. Também seria meu filho. O único filho de meu
próprio corpo que teria jamais. Enviaria a uma de minhas
casas e me ocuparia de ambos.
—Não estou grávida.
—Mas me faria saber isso?
—Sim.
Ele baixou as mãos e as apoiou em sua coxa.
Estavam a pouco mais de três quilômetros do
povoado, e a seis do Heron House. Fleur se concentrava
em respirar tranqüila e regularmente, reprimindo o pânico
que se agitava em seu interior.
—Mudará em seguida a casa? —perguntou ele.
—Sim. —Fleur centrou sua mente nos planos de
futuro—. Dormirei no Heron House esta noite pela última
vez e amanhã me mudarei ao povoado. Começarei na
escola ao dia seguinte, se Miriam estiver preparada. Vou
desfrutar o muitíssimo.
—Assim será? Vais ensinar música aos meninos,
Fleur?
—Canto, sim. Não há instrumentos, mas não importa.
Sorriu-lhe.
—Alegro-me que tenha perto a uma boa amiga.
—Di-lo pela Miriam? Tenho outros amigos no
povoado, Adam. Ou conhecidos que serão amigos logo
que viva entre eles e já não viva na casa. Não se
preocupe por mim. Serei feliz.
—Sê-lo-á? —Ele a olhava de soslaio o rosto, que
ficava a escassos centímetros do seu.
—Sim. A dor será intensa durante um tempo. Sei e
espero que assim seja. Mas se desvanecerá. Não tenho
intenção de sofrer, mas sim de viver. Espionei o paraíso,
e isso é mais do que muita gente conheceu em sua vida.
Agora vou voltar a viver.
—Pamela se desgostou quando fui — comentou o
duque—. Nem sempre fui generoso no referente a ela.
Abandonei-a muito freqüentemente. Estou desejando
voltar a estar com ela.
—Sim, e isso é o que deveria fazer. Merece a pena
viver por ela, Adam.
A carruagem passou retumbando pela ponte de
madeira que os conduziria até o povoado. Fleur fechou
os olhos e apoiou a face contra seu ombro, e Adam
voltou a fechar a mão ao redor das mãos da garota.
—Ai, Deus — suspirou ela.
—Valor. —Ele apoiou a face contra sua frente—. Se
tivesse que escolher entre sentir esta dor e não senti-lo,
Fleur, escolheria a dor porque sem ele você nunca teria
existido.
—Quero muito. —Fleur respirou profunda e
sonoramente—. Quero que desapareça a dor e o amor
por ti, Adam. Não sei se serei bastante forte para fazer
isto.
Sujeitava-lhe as mãos com força.
—Então quer que te leve a algum lugar onde
possamos nos ver de vez em quando? —perguntou.
—Uma vez ao ano? Duas vezes ao ano? —Ela
continuava com os olhos fechados— Esperar o céu duas
vezes ao ano?
—Poderia ser mais freqüentemente se estivesse
perto.
—Uma cômoda casa perto do Willoughby? —Ela
sorria—. E esperar que venha freqüentemente. E não ter
que dizer nunca adeus. E meninos possivelmente. Teus
e meus. Seriam morenos ou ruivos, o que crê? —acabou
dizendo com um fio de voz.
—Se for o que quer, dar-te-ei essa vida.
—Não. Só falamos de sonhos, Adam. Com um pouco
de tentação incluída. Nenhum dos dois seria capaz de
aceitá-lo como uma realidade.
A carruagem se estava saindo da estrada principal
para agarrar o longo caminho ao Heron House.
—Quando chegarmos ali não entre na casa comigo,
Adam. Vá sem mais.
Não disseram nada mais, mas continuaram sentados
sem mover-se. Ela desejava que ele a agarrasse entre
seus braços e esperava que não o fizesse. Não seria
capaz de suportá-lo se o fizesse. Começaria a pensar
que os sonhos podiam fazer-se realidade.
Uma curva mais e teriam atravessado a grade e se
encontrariam no caminho que chegava reto até a casa.
Ficavam dois minutos como muito.
—Não serei capaz de dizer nada — sussurrou ela—.
Parte sem mais.
—Eu te amo — disse ele—. Durante toda minha vida
e para sempre e para toda a eternidade. Amo-te, Fleur.
Ela assentiu e virou a cabeça para apoiar a face um
instante contra seu ombro.
—Sim — murmurou ela—. Sim…
Duas pessoas baixaram os degraus da casa quando
a carruagem se deteve ante ela. Fleur viu que eram
Miriam e Daniel.
—Isabella! —gritou Miriam quando Ned Driscoll abriu
a porta da carruagem e colocou a escada para baixar—.
Acabamos de chegar para ver se já tinha voltado para
casa. Esperamos você ontem. Ah, boa tarde, Sua
Excelência! —Miriam fez uma reverência rápida.
O reverendo Booth estendeu uma mão para ajudar a
Fleur a baixar.
—Isabella — começou, observando ao duque que
saía detrás dela—. Não te levaste uma donzela? Por que
não o tem feito?
—Encontraste a tumba do Hobson? —perguntou
Miriam—. E sua mente está em paz agora, Isabella?
Ontem se comentava pelo povoado que já não havia
cargos em seu contrário, que a morte foi um acidente e
que o suposto roubo foi um mal-entendido. Tudo
terminou, todo este assunto espantoso. Não é assim,
Daniel?
—Senhorita Bradshaw — ouviu uma voz baixa detrás
de Fleur—. Vou partir.
—Não vai entrar em casa, Sua Excelência? —
perguntou Miriam.
Fleur se virou. Seus amigos só estavam um par de
passos detrás dela. Levantou as mãos e ele as agarrou.
Adam a olhou intensamente aos olhos ao levar uma das
mãos aos lábios.
—Adeus — disse.
«Adam.» Os lábios dela formaram seu nome, embora
não emitiu nenhum som.
E partiu. Sentou-se no extremo mais afastado da
carruagem enquanto Ned fechava a porta, voltava-se
para sorrir, inclinava a cabeça para ela e de um salto
subiu ao lado do chofer.
E partiu. Percorreu o caminho da entrada, atravessou
as portas e girou na primeira curva.
Partiu.
—Bom, parece que tinha pressa por partir —
comentou Miriam alegremente—. Isabella, pequena
mulher louca e independente parece. Por que não veio
para ver-me para me pedir que fora contigo? Sabe que
teria fechado a escola uns quantos dias. Mas quando
Daniel me contou que se negou a te acompanhar, já
tinha ido. E imagina nossa consternação ao descobrir
que tinha ido com o duque de Ridgeway.
—Já parece, Miriam — a cortou o reverendo Booth
—. Não tem sentido lhe arreganhar mais. Entraremos
contigo, se te parecer, Isabella. Seguro que te aliviará
nos contar o que ocorreu.
—Deve estar esgotada — comentou Miriam, dando
um passo adiante para agarrá-la do braço. Sorriu-lhe e a
seguir se voltou bruscamente para seu irmão—. Leva a
bagagem da Isabella dentro, quer, Daniel? Quero falar
um momento com ela antes de reunimos contigo.
Esperou até que Daniel desapareceu no interior da
casa.
—OH, Isabella — sussurrou, tocando o braço de sua
amiga e lhe dando tapinhas—. OH, pobrezinha, minha
pobrezinha…
Fleur ficou a olhar o caminho como se tornasse de
pedra.
Capítulo 26
Capítulo 27
RESENHA BIBLIOGRÁFICA
Mary Balogh
***
Título original: The Secret Pearl
Editor original: Signet Books
Tradução: Raquel Ferrer Herrera
Copirraite © 1991 by Mary Balogh
© da tradução 2007 by Raquel Ferrer Herrera
© 2007 by Edições Urano, S.A
ISBN: 978-84-96711-27-3
Depósito legal: B - 45.981 - 2007
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