Sêneca e A Raiva
Sêneca e A Raiva
Sêneca e A Raiva
Muito antes de saber qualquer coisa a respeito eu me sentia atraído pela ideia da filosofia.
Eu a via como uma matéria prática, capaz de fazer diferença no mundo e de nos dizer
muito sobre percalços cotidianos como rejeições amorosas, demissões ou a falta de
amigos.
A filosofia traz uma promessa que pode parecer ingênua, mas na verdade é muito
profunda e de mostrar um caminho para aprender a ser feliz.
A vida moderna é cheia de frustrações e a maiorias das pessoas não parece capaz de
reagir filosoficamente a elas, nós perdemos as estribeiras. Portanto a ira tem sido uma das
emoções bastante comum em nossas vidas. Assim, é interessante descobrir que, na
antiguidade ela era vista com um problema maior.
Há um filósofo da antiguidade que se dedicou ao estudo da ira e queria acalmar as
pessoas. Ele nasceu em Córdoba, na Espanha, no ano 1 da Era Cristã, e chamava-se
Sêneca.
Sêneca foi o filósofo mais conhecido e popular de sua época. Ele escreveu mais de 20
livros com conselhos práticos sobre rodos os aspectos da vida. Ele foi para Roma ainda
menino e passou a maior parte da vida influenciando a política local como membro do
senado. Mas nem por isso teve uma vida livre de frustrações. Ele era um homem
melancólico por natureza, que havia sofrido de tuberculose na juventude e tinha surtos
depressivos, quase suicidas. Ele viveu em uma época muito perigosa.
Sua carreira política foi construída durante uma série de governos de líderes tirânicos e
imprevisível. Ele vivia, literalmente sem saber o dia de amanhã, pisando sobre terreno
instável.
No ano 49 d.C., ele teve que assumir contra a vontade o cargo mais ingrato: O de tutor de
um menino de 12 anos, LUCIUS DOMITIUS AHENOBARBUS, o futuro imperador Nero.
Logo ficou claro que Nero era um psicopata, homicida. Sabendo que corria perigo, Sêneca
tentou se afastar da corte por duas vezes, entregou ao imperador sua carta de demissão.
Por duas vezes, ela foi recusada com um abraço, e o argumento de que Nero preferiria
morrer a fazer mal a seu tutor. Nada do que Sêneca percebia estimulava-o a crer nessas
palavras.
Ao conhecermos o palácio subterrâneo de Nero, começamos a entender porque Sêneca se
preocupava tanto com a ira. Nero era um homem com poderes absolutos. As pessoas
eram trazidas para as câmeras eram executadas em massa. Ele atirava romanos aos
leões, decapitava-os, lançava-os aos crocodilos e desmembrava-os vivos. Virgens eram
capturadas nas ruas e trazidas para o palácio para serem mortas. Gladiadores que não se
saiam bem eram lançados aos lobos. Tudo isso acontecia nessas câmaras subterrâneas.
Vendo resultados tão tremendos da ira, Sêneca ficou desesperado para abrandá-la. Um
imperador romano tomado pela ira não era só uma visão desagradável, mas um fenômeno
potencialmente catastrófico.
Por experiência própria Sêneca considera a ira um problema grave. Ele chegou a dedicar
um livro inteiro, da Ira, a esse tema. “A mais terrível e furiosa das emoções”, ele escreveu.
Mas recusava-se a vê-la como uma explosão irracional e incontrolável. Que tipo de coisa
deixa você irritado? Eu fico bastante irritada no trânsito.
Para Sêneca, a ira era um problema filosófico que podia ser tratado pela argumentação
filosófica. A ira surgia de certas ideias racionalizadas sobre o mundo. E o problema delas
era ser otimista demais. Na visão de Sêneca as pessoas ficam com raiva porque criam
muitas expectativas.
Num ataque de ira, sentimo-nos surpresos e injustiçados. O que Sêneca diria é que, por
exemplo, que as confusões e barbeiragens no trânsito não são injustas, nem
surpreendentes, mas um fato previsível da vida. Quem se irrita com elas tem expectativas
erradas em relação ao mundo. Assim, seu primeiro conselho era que fôssemos mais
pessimistas, para ajustar nossa visão de mundo aos reveses da vida. Quem se irrita com
elas tem expectativas erradas em relação ao mundo. Assim, seu primeiro conselho era que
fôssemos mais pessimistas, para ajustar nossa visão de mundo aos reveses da vida. E
ele nos pede para ter mais uma coisa em mente: se aceitarmos que nada pode ser feito
quanto às nossas frustrações, não vamos nos descontrolar tanto quanto elas
acontecerem.
Sêneca diz um dos motivos para nossa raiva é imaginarmos que as coisas sempre têm de
ser como queremos, que somos capazes de moldar o mundo segundo nossos desejos,
mas não são. Há muitas coisas que temos de aceitar. Nem sempre temos liberdade para
mudá-las. Para tentar nos fazer compreender isso, para criar uma imagem clara, Sêneca
fez uma comparação inusitada: Ele disse que nós somos, basicamente, como cães
amarrados a uma carroça em movimento. A coleira é longa o bastante para nos dar alguma
liberdade, mas não para permitir que cada um vá para onde quiser. O cão logo se dá conta
que para ser feliz, ele precisa, algumas vezes, se contentar em seguir a carroça. È bem
melhor seguí-la para onde você não quer ir do que se debater contra algo que não podemos
mudar. Porque, além de ir para onde não quer, você vai acabar se estrangulando. Mas
levamos uma vantagem sobre os animais: somos dotados de razão. Essa razão nos dá
um triunfo: a capacidade de perceber o que podemos e o que não podemos mudar. Talvez
não possamos alterar certos acontecimentos, mas podemos mudar nossa atitude com
relação a eles. Era essa capacidade, para Sêneca, que conferia a liberdade que nos
distingue como humano.
Mas Sêneca não é útil apenas em nossos momentos de fúria. Sua filosofia nos dá um
meio de ficarmos calmos e controlados diante de qualquer adversidade. Quem teve a
oportunidade de conhecer Pompéia ou assistir algum filme, poderá ter uma idéia da vida
que Sêneca levava. Ele foi um homem rico e podemos cair na armadilha de imaginar que
ele e outros patrícios levavam uma vida fácil e tranquila. Mas basta ler Sêneca para
descobrir que essa imagem está errada. Em meio ao luxo, a aristocracia romana fervilhava
de fúria.
Sêneca fez uma análise interessante da ira, observando o mundo a sua volta, ele flanava
pela alta sociedade de Roma imperial. Muitos de seus amigos tinham enormes casa de
campo, com escravos para preparar a comida, banquetes que entravam noite adentro. Ele
fez uma constatação surpreendente: a riqueza torna as pessoas mais cheias de raiva, e
não mais calmas. “A prosperidade alimenta o destempero”.
Sêneca conheceu um certo Vedius Pollio, alto funcionário do governo, que certa vez deu
uma festa. Um escravo encarregado de uma bandeja com copos teve o azar de tropeçar e
derrubar a bandeja. Vidius Pollio ficou tão furioso que mandou atirar o escravo num tanque
cheio de lampreias, para que fosse devorado vivo. O que aconteceu na análise de Sêneca
foi que Vidius Pollio vivia num mundo onde copos não se quebravam.
O filósofo concluiu que o problema dos ricos como Vedius é que eles tinham expectativas
absurdas. O mesmo pode ser dito dos ricos atuais. Basta observar o check-in da 1ª classe
de uma companhia aérea e ver como as pessoas falam mais alto, do que na fila de classe
econômica. Quanto mais rico você for, mais expectativas tende a ter. Quando elas são
frustradas, a fúria emerge. Os ricos acreditam que o dinheiro vai protegê-los de reveses e
frustrações, e essa é a expectativa mais absurda de todos.
A filosofia de Sêneca não é importante só para os irritados. Ele achava que todos nós
reagimos mal às frustrações e só teríamos a ganhar se reduzíssemos nossas
expectativas. Ele achava que o mais estressante é o que nos pega de surpresa. Que nos
irritamos mais com os problemas que surgem quando menos esperamos. Se você admitir
que as coisas possam dar erradas quando as coisas acontecerem, você já está preparada.
Ele dizia que a melhor forma de combater a raiva é estar preparado e aconselha-nos a
fazer isso.
Costumamos confrontar as pessoas dizendo que “tudo vai ficar bem”. Para Sêneca, essas
palavras de suposto apoio podem ser cruéis, pois deixam as pessoas desesperadas para
situações adversas. Ele recomenda a estratégia oposta: uma reflexão tranquila, mas diário
sobre tudo o que pode dar errado. A ideia é estruturar o pensamento que às vezes nos
ocorrem, refletindo sobre elas toda manhã.
Sêneca não proíbe as pessoas de esperar que as coisas funcionassem bem, ele só
gostaria de vê-la preparada psicologicamente para o contrário. Ele achava que, muitas
vezes superestimamos nossa capacidade de mudar os acontecimentos, de rever situações
frustrantes.
Foi para nos relembrar constantemente de quantas coisas estão fora do nosso controle
que ele evocou a ajuda de uma deusa. O nome dela era Fortuna e estava representada em
muitas moedas romanas. Havia também estátuas suas pela Itália. Ela apreciava dois
objetos: em uma das mãos, uma cornucópia, como símbolo de seu poder de conceder
favores. Nessa cornucópia, havia muitas das boas coisas da vida. Mas fortuna tinha
também um objeto mais sinistro, um leme como símbolo de seu poder de desviar nossos
destinos. Num rompante de crueldade, como lhe era frequente, bastava um toque no leme
para ela destruir nossas vidas, levar nossos empregos e nos causar imensa dor de cabeça.
Fortuna simboliza as coisas que devemos aceitar, as boas e as ruins. Quando algo sai
errado, não devemos gritar e praguejar, mas lembra que muitas frustrações são caprichos
cruéis de uma deusa cujos atos não podemos mudar.
A maior parte dos habitantes de Pompéia, uma cidadezinha aos pés do Vesúvio, acreditava
ter controle sobre o próprio destino. Mas, talvez, o lembrete mais duro dos limites de nosso
controle sejam as forças da natureza. Ao meio-dia de 13 de agosto de 79 d.C, eles iriam
descobrir que Fortuna tinha planos para a cidade. Em questão de horas, Pompéia foi
soterrada por cinzas vulcânicas, uma demonstração terrível e clara da tese de Sêneca:
nunca estamos a salvo da deusa Fortuna. Mesmo quando tudo parece tranquilo, pode
sobrevir o desastre. A melhor maneira de nos protegermos é estarmos preparados
psicologicamente.
Tendemos a achar que o legado mais importante dos filósofos são os livros que
escreveram onde todo o talento e sabedoria estão concentrados. Mas os antigos
agarravam-se à crença mais abrangente de que também devemos buscar inspiração, nos
momentos de necessidade na forma com os filósofos levam suas vidas e como morriam.
Foi no instante de sua morte que Sêneca se mostrou mais inspirador. A cena foi
reproduzida infinitamente desde então. Em abril de 65 d.C. foi descoberta uma conspiração
contra Nero na qual Sêneca acabou incriminado, embora provavelmente fosse inocente.
Nero enviou um centurião à residência do filósofo, para ordenar que ele se matasse
imediatamente. Quando os amigos e familiares souberam da sentença, caíram em prantos.
Mas Sêneca não chorou. Foi sua atitude diante da desgraça que ajudou a definir o que ele
queria dizer, ao afirmar que devemos ver as coisas filosoficamente. Calmamente, ele
pegou uma faca e cortou os próprios pulsos. Sêneca morreu da maneira como nos
aconselhava a viver.
“Por que chorar por fatos da vida quanto toda ela é motivo de lágrimas?”
Com sorte, nada de tão terrível irá ocorrer conosco, mas coisas ruins podem acontecer, e a
melhor maneira de amenizar os golpes, se eles vierem, é estarmos preparados.
Ira e frustração são essencialmente, reações irracionais e aos reveses, e a única estratégia
racional é manter- se calmo diante da constatação de que algumas coisas dão errado.
Dessa maneira, estaremos agindo no mais verdadeiro e melhor sentido do termo,
filosoficamente.