Aula 1 (Psicanlise e Racismo) ErnaniChavesUFPA
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Escolheu, para iniciar seus estudos a respeito, uma obra, A Crítica da Razão Negra, que
já pelo título ressoa as famosas “críticas” de Kant (Crítica da Razão Pura, Crítica da
Razão Prática e Crítica da Faculdade de Julgar). A palavra “crítica” do título do livro é
significativa por remeter à ideia de crítica presente desde a tradição filosófica de Kant,
pelo menos, que é a ideia de crítica como fundamento, como fundamentação.
Crítica da Razão Negra é a busca da fundamentação de que existe uma razão que é
negra. É título contundente porque ele e tantos outros além dele procuram desmontar a
figura mítica do negro, em especial ligado ao corpo, à sensualidade, ao erotismo, à dança
etc , domínios que parecem não se constituir como algo que diga respeito à razão
justamente porque a filosofia ocidental é marcada pela separação entre o
corpo/sensações/percepções sensíveis e o trabalho da razão. Desde o título do livro se
evoca uma problemática clássica de outra perspectiva, mas a crítica (da razão negra) se
faz pelo confronto com o pensamento europeu.
Na França, maior império colonial a partir do século XIX, há um primeiro grande momento
de discussão da questão da colônia e da colonização (há uma diferença importante entre
colonização, colônia e anti-colonialismo). Vai (o professor) seguir a terminologia usada por
Mbembe nessas classificações, como ele.
Não é uma questão simples e não se trata apenas de reivindicação por fala e por direitos.
(após comentário de aluno) A perspectiva dos EUA também é importante (os estudos
decoloniais nasceram ali). Também a da Índia, com os estudos subalternos de Gayatry
Spivak e companheiros dela, ganham dimensão porque são pessoas que trabalham nos
EUA, onde têm também a figura emblemática de Angela Davis.
A escolha pelo Mbembe não é aleatória, mas por mobilizar filósofos de seu (professor)
interesse e também por mobilizar a psicanálise.
Não foi ele quem iniciou essa tradição, mas a França, como grande império colonial do
século XIX, reuniu as primeiras pessoas que efetivaram uma crítica à colonização, pois o
processo de colonização europeu começa no século XV, com as grandes navegações, o
caminho para as Índias, a descoberta da América e a do Brasil, mas, no século XIX, com
um estágio de capitalismo consolidado, houve o apogeu do colonialismo, com a França
desempenhando um papel priomordial.
De uma perspectiva da crítica, com um afastamento muito grande por parte de Cesaire,
que dispara críticas contra Manoni e contra a psicanálise (assim como o fazia o partido
comunista, que era crítico à psicanálise, parecendo, Cesaire, ser muito seguidor e
comprometido com o partido comunista).
Fanon, por outro lado, tem relação com a psicanálise de aproximação e distanciamento.
Manon ficou tão magoado com as críticas que abandonou o tema e só nos anos 60/70 ele
retorna seu 1º livro, com edição inglesa, e passa a ser melhor compreendido na Inglaterra
que na França (e nas colônias francesas, em especial, a Martinica, de onde vem Cesaire
e Fanon).
Hoje Fanon é extremamente lido na Psicologia e na Psicanálise (no próximo curso sobre
Fanon (o professor) falará sobre ser (Fanon) devedor da psicanálise). Tanto em Fanon,
quanto em Manoni, está presente a figura do “doutor” (como chamado por Fanon) Lacan,
especialmente quanto à temática do “espelho” (o que o negro vê quando se olha no
espelho?). Isso está presente em Fanon e em Mbembe.
Esse é o pano de fundo a ser apresentado. O de mostrar que a crítica da colonização e
do colonialismo, que se relaciona com a psicanálise, está presente desde os primeiros
debates na França. Esse é o objetivo do curso.
Na aula de hoje, vemos um primeiro momento desta obra de Mbembe (o curso está
estruturado em 3 módulos, para cada um uma obra. No primeiro, Crítica da Razão Negra.
No segundo, Políticas de Inimizade. No terceiro, Brutalismo, esperando que a edição
brasileira tenha ocorrido).
Falar de Mbembe é falar de Fanon, mas também de Focault, também de Freud, de Lacan,
de Agambe, de Hannah Arendt, de Nietzche é citado várias vezes por ele, quando
discorre sobre o processo de colonização como o nascimento de uma tragédia conforme
Nietzche).
É muito fácil dizer que o pensamento africano é uma ruptura total com a filosofia ocidental
e com a Europa. Há filósofos europeus que colaboraram com a crítica da colonização e
do colonialismo.
(após pergunta de Yone Costa, que relatado ter estudado Direito e História e com
formação em psicanálise, em especial na área da saúde, onde enxerga um vazio em
relação à temática do racismo, e questiona em que medida estudar autores diferentes do
processo de colonização no Brasil e do racismo estrutural aqui existente pode ser útil para
estudar o racismo que não está no divã. Confessou esperar resposta diferente de alguém
não vindo da área da saúde) Professor reconhece a existência de singularidades do
racismo no Brasil, como em qualquer lugar do mundo. O sistema de plantation não foi só
na África, nos EUA da época da escravização. Existem correlações fortes e grandes,
assim como há singularidades. Do contrário, corre-se o risco do solipsismo.
Por outro lado, pode-se usar esses autores estrangeiros sobre psicanálise e racismo
porque no Brasil o estudo desse tema é muito novo. (comentários acerca de Neusa
Santos …) É um debate que está em seu começo no Brasil e que extrapola do campo da
Psicanálise e entra na Filosofia. Vamos lucrar bastante com esses autores sem
desconsiderar a singularidade do Brasil. Mas há sistemas de dominação que são muito
semelhantes (o professor chegou a dar exemplo da singularidade do racismo brasileiro,
em uma viagem deles à Franca, encontrando com negros na rua e demonstrando repulsa
ou medo).
(ainda em resposta à Tatiana, que faz referência a ser mestranda e ter sido instada por
sua orientadora a buscar uma epistemologia indígena) O professor diz que grandes
autores brasileiros sobre a epistemologia indígena baseiam-se em Deleuze.
Fanon não economiza no seu vocabulário quando discorre sobre o imaginário construído
para o negro, na sexualidade: “o negro é seu pênis”.
É um sentido (Devir) que, na filosofia contemporânea francesa, refere-se a Deleuze, que
logo é citado por Mbembe.
Nessa primeira inferência não aparece Freud e Lacan e psicanálise, mas aparece a
expressão “complexo nuclear”. O “devir negro” hoje, segundo Mbembe, estende-se
também aos não negros (inclusive ao branco pobre e aqueles que sofrem discriminação).
Mbembe retoma essa crítica, mas acrescenta algo (e isso é o que mobiliza o professor,
não apenas pelo que ele retira dos outros, mas também o que ele também acrescenta de
sua maneira de pensar).
Esse sujeito trágico e alienado (que vem muito de Marx), temos agora um sujeito
aprisionado em seu desejo. Diz Mbembe, refazendo o raciocínio de Dardault e Laval: o
seu gozo do sujeito neoliberal depende quase inteiramente da capacidade de reconstituir
publicamente sua vida íntima e de oferecê-la ao mercado como uma mercadoria possível
de troca”. É a cara do Facebook, Tik Tok, Instagram …
Tudo isso possível, em última instância, porque vem ter uma espécie de fusão potencial
entre o capitalismo e o animismo, essa antiga concepção do mundo, que vão ser
fundamentais para a compreensão da raça e do racismo.
É nesse cruzamento que temos o aparecimento da questão de raça e de racismo.