Escravidao Mercado Interno e Exportacoes
Escravidao Mercado Interno e Exportacoes
Escravidao Mercado Interno e Exportacoes
Versão corrigida
São Paulo
2019
MARCELO LOYOLA DE ANDRADE
Versão corrigida
São Paulo
2019
Aos meus pais, José Furtado de Andrade e Dalva Loiola
de Andrade
AGRADECIMENTOS
This research is inserted in the field of economic history study, focused on slave labor.
The main goal is to analyze slavery, the domestic market and exports in Ilhéus economy
between 1850 and 1888. This region is located in the south of Bahia state and became one of
the main cocoa producing areas of Brazil in the twentieth century. We investigate the origins
of this process assessing the characteristics of cocoa producers and non-producers, such as
wealth composition, structure of slaveholding and the demographic profile of the enslaved
population. Other goals consist in the domestic market and exports analysis to comprehend
the peculiarities of this economy, appraising, inter alia, subsistence and export activities,
circulation of goods, credit system, access to land and the presence of labor slave. To achieve
the proposed objectives, we use the following sources: 345 post-mortem inventories, city
council tax collection books, classification slaves for liberation by the emancipation fund,
Provincial Speeches and Reports, 1872 Brazil Empire’s Census and reports from foreign
travelers. By compiling the reports of such collection, we intend to present some conclusions
about the particularities of slavery and the economy of Ilhéus in the period indicated and to
insert the study among the historical researches recently developed.
Gráfico 5.1 - Distribuição das classificações dos escravos por anos. Ilhéus, 1874-1886....................176
Gráfico 5.2 - Distribuição dos principais ofícios dos escravos inventariados. Ilhéus, 1850-1888......197
Gráfico 6.1 - Distribuição dos inventários segundo a presença de imóveis. Ilhéus, 1850-1888.........204
Gráfico 6.2 - Distribuição dos inventários segundo a presença de bens móveis.
Ilhéus, 1850-1888.................................................................................................................................212
Gráfico 6.3 - Principais madeiras utilizadas na fabricação dos móveis de casas e sobrados.
Ilhéus, 1850-1888.................................................................................................................................219
Gráfico 6.4 - Distribuição dos inventários segundo a presença de animais. Ilhéus, 1850-1888.........222
Gráfico 7.1 - Distribuição dos inventários por décadas segundo a presença de dívidas ativas.
Ilhéus, 1850-1888.................................................................................................................................231
Gráfico 7.2 - Distribuição dos inventários por décadas segundo a presença de dívidas passivas.
Ilhéus, 1850-1888.................................................................................................................................240
Tabela 1.1 - Porcentagem da receita total das exportações dos principais produtos. Província da Bahia,
1853-1860..............................................................................................................................................39
Tabela 1.2 - População livre e escrava. Vilas do sul da Bahia, 1872....................................................41
Tabela 1.3 - Porcentagem da receita total das exportações dos principais produtos.
Província da Bahia, 1873-1877..............................................................................................................42
Tabela 1.4 - Principais fornecedores do gado vacum abatido. Ilhéus, 1864-1888................................53
Tabela 1.5 - Principais fornecedores do gado suíno abatido. Ilhéus, 1872-1885..................................56
Tabela 1.6 - Relação das madeiras exploradas. Ilhéus, 1863.................................................................59
Tabela 1.7 - Principais exploradores de madeiras. Ilhéus, 1863............................................................60
Tabela 3.1 - Distribuição dos bens inventariados por décadas (valores em réis).
Ilhéus, 1850-1888...................................................................................................................................96
Tabela 3.2 - Classificação das fortunas inventariadas. Ilhéus, 1850-1888............................................99
Tabela 3.3 - Distribuição das ocupações principais e secundárias dos inventariados.
Ilhéus, 1850-1888.................................................................................................................................104
Tabela 3.4 - Distribuição dos inventários segundo ocupação principal e montante da riqueza.
Ilhéus, 1850-1888.................................................................................................................................106
Tabela 3.5 - Distribuição dos inventariados por décadas segundo ocupação principal.
Ilhéus, 1850-1888.................................................................................................................................107
Tabela 3.6 - Distribuição dos inventariados por décadas segundo a porcentagem da soma da riqueza.
Ilhéus, 1850-1888.................................................................................................................................108
Tabela 3.7 - Distribuição dos inventariados por ocupação principal e posse de escravos.
Ilhéus, 1850-1888.................................................................................................................................109
Tabela 3.8 - Distribuição dos inventariados por décadas segundo a ocupação principal e posse de
escravos em porcentagem Ilhéus, 1850-1888.......................................................................................110
Tabela 3.9 - Distribuição das culturas nos inventários por décadas. Ilhéus, 1850-1888.....................116
Tabela 3.10 - Distribuição das plantações de cacau por faixas de tamanho das plantações.
Ilhéus, 1850-1888.................................................................................................................................118
Tabela 3.11 - Distribuição das plantações de cacau por décadas segunda faixas de tamanho das
plantações (FTP). Ilhéus, 1850-1888....................................................................................................119
Tabela 3.12 - Distribuição dos inventariados segunda a presença de terras e ocupação principal.
Ilhéus, 1850-1888.................................................................................................................................125
Tabela 3.13 - Distribuição dos inventários com terras por décadas segundo a ocupação principal dos
inventariados. Ilhéus, 1850-1888..........................................................................................................126
Tabela 3.14 - Distribuição dos registros de terras segundo o modo de aquisição.
Ilhéus, 1850-1888.................................................................................................................................127
Tabela 4.1 - Distribuição dos escravistas inventariados por faixas de tamanho da posse de escravos
(FTP). Ilhéus, 1850-1888......................................................................................................................134
Tabela 4.2 - Distribuição dos escravos segundo a ocupação principal dos escravistas.
Ilhéus, 1850-1888.................................................................................................................................136
Tabela 4.3 - Distribuição dos escravistas inventariados por faixas de tamanho da posse de escravos
(FTP) e ocupação principal. Ilhéus, 1850-1888....................................................................................137
Tabela 4.4 - Produtores de cacau segundo a posse de escravos. Ilhéus, 1850-1869...........................138
Tabela 4.5 - Produtores de cacau segundo a posse de escravos. Ilhéus, 1870-1879...........................139
Tabela 4.6 - Produtores de cacau segundo a posse de escravos. Ilhéus, 1880-1888...........................140
Tabela 4.7 - Relação dos maiores escravistas inventariados. Ilhéus, 1850-1888................................142
Tabela 4.8 - Distribuição dos escravistas do Livro de classificação por faixas de tamanho
da posse de escravos (FTP). Ilhéus, 1874-1886....................................................................................147
Tabela 4.9 - Relação dos maiores escravistas (20 ou +) do Livro de classificação dos escravos.
Ilhéus, 1874-1886.................................................................................................................................148
Tabela 4.10 - Distribuição dos escravos por décadas, segundo origem e sexo. Ilhéus, 1850-1888....154
Tabela 4.11 - Distribuição da população escrava por faixas etárias. Ilhéus, 1850-1888.....................155
Tabela 4.12 - Distribuição da população escrava por origem e faixas etárias. Ilhéus, 1850-1888......156
Tabela 4.13 - Distribuição da população escrava por origem e ocupação principal dos escravistas.
Ilhéus, 1850-1888.................................................................................................................................157
Tabela 4.14 - Preços dos escravos por faixas etárias. Ilhéus, 1850-1859............................................160
Tabela 4.15 - Preços médios dos escravos por faixas etárias e sexos. Ilhéus, 1850-1859...................161
Tabela 4.16 - Preços dos escravos por faixas etárias. Ilhéus, 1860-1869............................................163
Tabela 4.17 - Preços médios dos escravos por faixas etárias e sexos. Ilhéus, 1860-1869...................164
Tabela 4.18 - Preços dos escravos por faixas etárias. Ilhéus, 1870-1879............................................165
Tabela 4.19 - Preços médios dos escravos por faixas etárias e sexos. Ilhéus, 1870-1879...................166
Tabela 4.20 - Preços dos escravos por faixas etárias. Ilhéus, 1880-1888............................................166
Tabela 4.21 - Preços médios dos escravos por faixas etárias e sexos. Ilhéus, 1880-1888...................168
Tabela 6.1 - Distribuição dos registros de imóveis nos inventários. Ilhéus, 1850-1888.....................205
Tabela 6.2 - Distribuição dos registros de bens móveis nos inventários. Ilhéus, 1850-1888..............213
Tabela 6.3 - Porcentagem dos investimentos alocados em bens móveis por décadas.
Ilhéus, 1850-1888.................................................................................................................................214
Tabela 6.4 - Distribuição das canoas inventariadas. Ilhéus, 1850-1888..............................................216
Tabela 6.5 – Distribuição dos animais nos inventários. Ilhéus, 1850-1888........................................224
Tabela 7.1 - Dívidas ativas segundo a ocupação principal dos inventariados. Ilhéus, 1850-1859......232
Tabela 7.2 - Dívidas ativas segundo a ocupação principal dos inventariados. Ilhéus, 1860-1869......233
Tabela 7.3 - Dívidas ativas segundo a ocupação principal dos inventariados. Ilhéus, 1870-1879......235
Tabela 7.4 - Dívidas ativas segundo a ocupação principal dos inventariados. Ilhéus, 1880-1888......236
Tabela 7.5 - Dívidas passivas segundo a ocupação principal dos inventariados.
Ilhéus, 1850-1859.................................................................................................................................241
Tabela 7.6 - Dívidas passivas segundo a ocupação principal dos inventariados.
Ilhéus, 1860-1869.................................................................................................................................243
Tabela 7.7 - Dívidas passivas segundo a ocupação principal dos inventariados.
Ilhéus, 1870-1879.................................................................................................................................245
Tabela 7.8 - Dívidas passivas segundo a ocupação principal dos inventariados.
Ilhéus, 1880-1888.................................................................................................................................247
MOEDAS, PESOS E MEDIDAS
A unidade básica da moeda no Brasil imperial foi o real (réis no plural). A soma de um
réis era geralmente escrita Rs.$001. Somas maiores, como cem réis, Rs. $100, um mil-réis era
escrito Rs. 1$000. Um milhar de mil-réis equivalia a um conto de réis (ou simplesmente um
conto), escrito Rs. 1:000$000. Em nosso estudo utilizaremos as seguintes descrições dessas
moedas.
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................16
1.1 - Introdução.........................................................................................................................31
1.2 - Território, populações e mudanças econômicas. Ilhéus, 1850-1888...............................34
1.3 - O mercado interno. Ilhéus, 1850-1888 ...........................................................................46
1.3.1 - As casas de negócios. Ilhéus, 1874-1888......................................................................47
1.3.2 - O gado vacum abatido. Ilhéus, 1864-1888....................................................................51
1.3.3 - O gado suíno abatido. Ilhéus, 1872-1885......................................................................55
1.3.4 - A exploração de madeiras. Ilhéus, 1863 .......................................................................57
3.1 - Introdução.........................................................................................................................89
3.2 - Escravos e cacaueiros no conjunto dos bens inventariados..............................................91
3.3 - Os produtores de cacau e as hierarquias sociais nos inventários......................................99
3.4 - As plantações de cacau e outras culturas nos inventários...............................................113
3.5 - As terras nos inventários.................................................................................................123
CAPÍTULO IV – ESCRAVIDÃO NA ECONOMIA DE ILHÉUS, 1850-1888
4.1 - Introdução.......................................................................................................................131
4.2 - A estrutura da posse de escravos....................................................................................133
4.3 - Crioulos e africanos no trabalho escravo........................................................................152
4.4 - Os preços dos escravos...................................................................................................159
5.1 - Introdução.......................................................................................................................172
5.2 - A população escrava classificada para libertação. Ilhéus, 1874-1886............................174
5.3 - As escravas casadas e seus filhos. Ilhéus, 1874-1886....................................................182
5.4 - As escravas solteiras e seus filhos. Ilhéus, 1874-1886...................................................187
5.5 - Trabalhar e criar os filhos: as escravas nos inventários de Ilhéus, 1850-1888...............190
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................251
FONTES E BIBLIOGRAFIA..............................................................................................257
APÊNDICE METODOLÓGICO........................................................................................277
ANEXOS................................................................................................................................285
16
INTRODUÇÃO
1
Tratado de paz proposto pelos escravos do Engenho Santana. In: SCHWARTZ, Stuart B. Escravos, roceiros e
rebeldes. Tradução Jussara Simões. Bauru – SP: EDUSC, 2001. p. 119. (Atualizamos a grafia para o português
atual de todos os documentos citados na tese)
2
Sobre as revoltas escravas do Engenho Santana ver, entre outros, REIS, João José. Resistência escrava em
Ilhéus: um documento inédito. Anais do Arquivo público do Estado da Bahia. v. 44, p. 285-297, 1979;
SCHWARTZ, Stuart B. Escravos, roceiros e rebeldes. Tradução Jussara Simões. Bauru – SP: EDUSC, 2001.
3
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835. Tradução
Laura Teixeira Motta. São Paulo, Companhia das Letras, 1988.
4
Algumas delas serão discutidas nas próximas páginas.
5
Sobre a influência da literatura na história de Ilhéus ver discussão na obra de MAHONY, Mary Ann. The
World caca made: Society, politics and history in Southern Bahia, Brazil, 1822-1889. Ph. D. dissertation, Yale
University, 1996.
17
que a obra apresenta, cobrindo longo período da história de Ilhéus, o tema da escravidão não
recebeu a devida atenção do autor. Adotando um formato próximo ao da crônica, ele procurou
selecionar das fontes os “fatos mais importantes”, obedecendo à ordem cronológica dos
acontecimentos9.
Não obstante a importância deste livro, nas décadas posteriores à sua primeira
publicação (1937) o foco dos estudos continuou no século XX, sendo que a partir dos anos
oitenta começaram a surgir estudiosos interessados nos períodos colonial e imperial. Entre os
que se dedicaram ao tema da escravidão destaca-se o brasilianista Stuart B. Schwartz
(1988)10. Interessado nas relações de produção nos engenhos baianos, Schwartz conclui que a
economia do açúcar não prosperou em Ilhéus, assim como em Porto Seguro e Espírito Santo,
em razão da contínua e eficaz resistência dos aimorés. No entanto, a sua obra, que se tornou
um clássico, abrange o período colonial, ficando de fora de suas investigações boa parte do
século XIX, sobretudo o período de expansão do cultivo de cacau, ou seja, a partir da década
de 1850.
Ademais, o engenho Santana, localizado em Ilhéus e focalizado pelo autor, era uma
unidade produtiva atípica naquele contexto. Além de ser administrado pelos jesuítas do
colégio de Santo Antão de Lisboa até a sua expulsão do Brasil, era uma propriedade agrícola
de grandes dimensões, chegando a possuir 182 cativos em 1752 e em torno de trezentos
quando da revolta dos escravos na primeira metade do século XIX11.
A resistência escrava no sul da Bahia também foi objeto de estudo de João José Reis,
em artigo publicado em 199612. O autor analisou o ato da devassa do quilombo do Oitizeiro
(1806), localizado nas matas próximas da vila de São Miguel da Barra do Rio de Contas,
vizinha de Ilhéus. Além de apontar os problemas da expedição, João J. Reis destaca a
existência de lavradores que acoitavam quilombolas, segundo o autor não por uma
solidariedade desinteressada, mas pelo desejo de utilizar a sua mão de obra 13. Valdinéia de
Jesus Sacramento também se dedicou ao estudo dos quilombos dessa região e ressaltou que o
Oitizeiro fazia parte de uma verdadeira confederação composta por outros quilombos e
9
CAMPOS, João da Silva. Crônicas da capitania de São Jorge dos Ilhéus. 3 ed – Ilhéus; Ba: Editus, 2006.
10
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos Internos: engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835. Tradução
de Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
11
Ibidem., p. 142-143.
12
REIS, João José. Escravos e coiteiros no Quilombo do Oitizeiro, Bahia, 1806. In: REIS, J.J.; GOMES, Flávio
dos Santos (Org.) Liberdade por um fio: História dos quilombos no Brasil. Cia das Letras, 1996.
13
Ibidem., p. 348.
19
mocambos espalhados naquela parte da costa, destacando a existência de uma rede extensa de
relações comerciais entre eles e a população local, incluindo escravos e libertos14.
Esses estudos, ao privilegiarem o tema da resistência escrava, acabaram apontando
outras questões importantes no entendimento da escravidão em Ilhéus, entre elas a da
utilização do trabalho escravo nas diferentes lavouras, que eles não analisaram. Mary Ann
Mahony foi a pesquisadora que mais se aprofundou nesse assunto15. Ao investigar diversas
fontes cartoriais e eclesiásticas, dentre outras, a autora ressaltou a importância do trabalho
escravo na cultura do cacau e destacou que a reprodução natural era estimulada por alguns
escravistas. O seu estudo avançou nessas investigações e contribuiu significativamente para
descortinar o mito dos “coronéis desbravadores”. Além de evidenciar que alguns deles eram
escravistas, ela identificou que, na luta contra os seus inimigos políticos na Primeira
República, eles procuraram negar suas origens escravistas, apropriando-se desse discurso para
acusar seus opositores de velhos coronéis escravocratas e conservadores16.
O trabalho de Mahony trouxe considerável contribuição para o entendimento da
escravidão em Ilhéus, seu estudo se tornou pioneiro nessa investigação e continua sendo
referência obrigatória para quem pretende estudar a escravidão no sul da Bahia. No entanto,
mesmo considerando que as fontes documentais que pretendemos analisar também foram
utilizadas por Mahony, o estudo sistemático dessas fontes e seu uso mais aprofundado
permitem examinar novas problemáticas e temas.
Ainda que a autora forneça informações a respeito de algumas fazendas e sua
população cativa, não contamos com dados sobre a composição demográfica das escravarias
(sexo, origem, idade) e nem econômicos (preços dos cativos, do cacau, da terra, entre outros).
A proibição do tráfico atlântico de africanos, em 185017, coincide com o período de
crescimento do cultivo do cacau em Ilhéus, o que coloca essas questões em relevo,
principalmente porque não sabemos como os donos de escravos desta localidade lidaram com
elas nas décadas seguintes de vigência da escravidão no Brasil.
14
SACRAMENTO, Valdinéia de Jesus. Mergulhando nos Mocambos do Borrachudo – Barra do Rio de Contas
(século XIX). Dissertação (Mestrado em Estudos Étnicos e Africanos) - CEAO/FFCH/UFBA, Salvador, 2008.
15
MAHONY, Mary Ann. The world cacao made: society, politics and history in Southern Bahia, Brasil 1822-
1889. Ph. D. dissertation, Yale University, 1996.
16
MAHONY, Mary Ann. Um passado para justificar o presente: memória coletiva, representação histórica e
dominação política na região cacaueira da Bahia. Tradução Ana Cláudia Cruz da Silva. In: Cadernos de Ciências
Humanas – Especiaria - Universidade Estadual de Santa Cruz. Ilhéus: Editus, v. 10, n. 18, p. 737-793, 2009.
17
BRASIL. Lei nº 581, de 4 de setembro de 1850. Estabelece medidas para a repressão do tráfico de africanos
neste império. In: Coleção das Leis do Império do Brazil. Disponível em:
<https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/doimperio>. Acesso em: 24 mar. de 2018.
20
No que se refere aos bens dos escravistas, um tema importante, que não foi abordado
por Mahony, e que pretendemos tratar na tese, diz respeito ao conhecimento da composição
de seus patrimônios. Não sabemos, por exemplo, qual parcela estava comprometida com
escravos e cacau, nem se essa composição sofreu alterações durante a expansão do cultivo do
fruto.
Ainda no que diz respeito aos estudos recentes sobre o passado escravista de Ilhéus,
vale destacar o livro organizado por Marcelo Henrique Dias e Ângelo Alves Carrara - Um
Lugar na História: a capitania e comarca de Ilhéus antes do cacau.18 Mesmo não tratando
exclusivamente da escravidão, essa obra reúne textos que trouxeram consideráveis
contribuições para a história colonial e imperial de Ilhéus. O único artigo dedicado ao tema da
escravidão é o de Fernanda Amorim da Silva, que tratou das alforrias em Ilhéus entre 1710 e
1758.19 Esse assunto também foi abordado em nossa pesquisa de mestrado, porém num
período diferente, ou seja, entre 1810 e 185020. Além de quantificar e qualificar as alforrias e
os libertos, neste estudo também utilizamos inventários post-mortem, testamentos e outras
escrituras lançadas nos Livros de Notas como fontes complementares, o que nos permitiu
adentrar nas relações escravistas desenvolvidas na localidade na segunda metade do século
XIX21.
Afora o estudo já citado de Mary Ann Mahony, outros autores se dedicaram ao tema
da escravidão em Ilhéus do ponto de vista da sua história social. Ronaldo Lima da Cruz,
valendo-se, principalmente, de processos crimes, ações de liberdade e correspondência de
juízes, centrou análise nas tensões e conflitos entre senhores, escravos e a justiça local nos
anos finais da escravidão e no pós-abolição em Ilhéus (1880-1900)22. Alane Fraga do Carmo,
por sua vez, se dedicou ao estudo da escravidão numa colônia estrangeira, a colônia
Leopoldina, localizada ao sul da Bahia e que, segundo a autora, chegou a possuir mais de cem
escravos, utilizados na produção de café23. Victor Gonçalves dos Santos, utilizando fontes
eclesiástica e judiciária analisou os temas da alforria e família escrava em Ilhéus no século
18
DIAS, Marcelo Henrique; CARRARA, Ângelo Alves (Org.). Um lugar na História: a capitania e comarca de
Ilhéus antes do cacau. Ilhéus: Editus, 2007.
19
SILVA, Fernanda Amorim da. Cultivando a liberdade – Alforrias em Ilhéus (1710-1758). In: DIAS e
CARRARA (Org.), op. cit., p. 117-168.
20
ANDRADE, Marcelo Loyola. Op. cit.
21
Ibid., p. 184-197. (Apêndice)
22
CRUZ, Ronaldo Lima da. Conflitos e Tensões: conquistas de escravizados e libertos no Sul da Bahia, 1880-
1890. Dissertação (Mestrado em História) - FCHS/UNESP, Franca, 2012.
23
CARMO, Alane Fraga do. Colonização e escravidão na Bahia: A Colônia Leopoldina (1850-1888).
Dissertação (Mestrado em História) - FFCH/ UFBA, Salvador, 2010.
21
24
SANTOS, Victor Gonçalves dos. Escravos e senhores nas terras do cacau: alforrias e família escrava (São
Jorge dos Ilhéos, 1806-1888). Dissertação (Mestrado em História). FFCH-UFBA, 2014.
25
MACHADO, Alcântara. Vida e morte do bandeirante. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo,
2006. p. 30.
26
MELLO, Zélia Maria Cardoso de. Metamorfoses da Riqueza: São Paulo, 1845/1895. São Paulo: Hucitec,
1990. p. 26-29. Outros estudos analisando a composição da riqueza em São Paulo a partir de inventários post-
mortem apareceram posteriormente. Cf. SAMARA, Eni de Mesquita. A família na sociedade paulista do século
XIX (1800-1860). Tese (Doutorado em História) – FFLCH/USP, São Paulo, 1980; ARAÚJO, Maria Lucília
Viveiros. Os caminhos da riqueza dos paulistanos na Primeira Metade do Oitocentos. São Paulo: Hucitec:
Fapesp, 2006; MARCONDES, Renato Leite. A arte de acumular na economia cafeeira: Vale do Paraíba, século
XIX. Lorena: Editora Stiliano, 1998. LOPES, Luciana Suarez. Sob os olhos de São Sebastião. A cafeicultura e as
mutações da riqueza em Ribeirão Preto, 1849-1900. Tese (Doutorado em História) – FFLCH/USP, São Paulo,
2005.
22
Enquanto até a década de 1850 a ordem de importância dos ativos era escravos,
dívidas ativas e imóveis, pouco antes do final da escravidão, entre 1881/87, esta se alterou
bastante, sendo que imóveis, dívidas ativas e valores mobiliários (ações, apólices etc.)
passaram a ser os itens mais representativos da riqueza, já os escravos, que outrora eram
elemento central, desapareceu do topo dos componentes mais significativos, num processo
que a autora classificou com transição da riqueza cativa para a riqueza liberta27.
A maioria dos estudos pautados neste método concentra-se na região sudeste do
Brasil, sendo que outros estudiosos também analisaram as mudanças nas formas de
acumulação da riqueza durante a expansão cafeeira nesta região do Brasil28.
Para o caso da Bahia no século XIX, em particular o centro urbano de Salvador e suas
imediações, a temática da composição da riqueza, entre várias outras questões, foi abordada
por Kátia Maria de Queirós Mattoso, em estudo que se tornou clássico na historiografia. Com
base em 1.115 inventários post-mortem, subdivididos em dois grandes períodos, 1801-1850 e
1851-1889, a autora traçou como objetivo a caracterização dos bens dos indivíduos
inventariados na localidade29.
Neste estudo Kátia M. de Q. Mattoso evidenciou a pluralidade de possibilidades de
investimentos vivenciada pelos habitantes de Salvador. Dentre os 10 grupos de ativos
estabelecidos, ela destacou que bens imobiliários (35,64%), depósitos bancários (16,67%),
ações e apólices (12,43%) dívidas em ativo (16,07%) e escravos (7,24%) foram os mais
representativos da riqueza inventariada na localidade entre 1800 e 1889. Ademais, constatou
que a categoria com maior destaque em Salvador foi a dos grandes comerciantes. Eles
possuíam as maiores fortunas da cidade em ambos períodos contemplados. Para 1801-1850
eram 6,8% dos inventariados e detinham 23,5% da fortuna total, ao passo que os índices
correlatos para 1851-1889 foram de 11,2% e 35,4%, respectivamente30.
Outros pesquisadores também recorreram aos inventários post mortem e outras fontes
para estudar diferentes aspectos da escravidão e da economia em outras áreas da Bahia e do
Nordeste31. A quantidade de pesquisa é grande e não temos a pretensão de realizar uma
27
MELLO, op. cit., 63-104.
28
Sobre discussão historiográfica ver, entre outros, COSTA, Fernando Antônio Alves da. Em distantes
paragens: demografia, riqueza, escravidão e mercado em Santa Rita do Turvo na segunda metade do Oitocentos.
Tese (Doutorado em História) – FFLCH/USP, São Paulo, 2014 (Cap. I – O estudo da riqueza como instrumento
para a análise das formações sociais e econômicas do passado brasileiro)
29
MATTOSO, Kátia Maria de Queirós. Bahia, século XIX: uma província no Império. Rio de Janeiro: Editora
Nova Fronteira, 1992. p. 602-652.
30
Ibid., p. 631.
31
Para outras áreas do nordeste brasileiro ver, entre outros, VERSIANI, Flávio Rabelo e VERGOLINO, José
Raimundo Oliveira. Posse de Escravos e Estrutura da Riqueza no Agreste e no Sertão de Pernambuco: 1777-
1887. Estudos Econômicos. São Paulo: IPE/USP, v. 33, n. 2, p. 353-393, abr./jun., 2003.
23
(roças) conseguiam pecúlio para a compra da alforria, extraindo do animal a carne, óleo para
uso como argamassa, fabricação de azeite, dentre outras utilidades, além de servir para
exportação36.
Mônica Duarte Dantas estudou diversos aspectos das relações sociais na Comarca de
Itapicuru, norte da Bahia, no século XIX. Embora não aborde exclusivamente o tema da
escravidão a autora consultou ampla documentação cartorial, eclesiástica, judicial, dentre
outras, incluindo inventários post mortem, evidenciando as características dos moradores da
localidade, como riqueza, posse de escravos e as redes comerciais estabelecidas com Salvador
e outras províncias do Império durante a formação do arraial de canudos37.
Outro tema que pretendemos analisar na tese diz respeito à estrutura da posse de
escravos. Sobre esse assunto a historiografia conta com bom número de trabalhos, a maior
deles dedica-se à investigação do tema na região sudeste38.
Francisco Vidal Luna, com base nos documentos manuscritos conhecidos como
Maços de População, produzidos nos anos de 1777, 1804 e 1829, contempla vinte e cinco
localidades paulistas, analisando as características demográficas da população cativa (sexo,
idade, estado conjugal e origem) e relacionando-as com a variável tamanho do plantel39.
Ricardo Salles, por sua vez, com base em inventários post-mortem estudou diversos
aspectos econômicos e demográficos da escravidão em Vassouras, no Vale do Paraíba,
província do Rio de Janeiro, entre 1821-1880.40 O autor fragmentou as análises dos
inventários em períodos de quinze anos, ao longo do qual ocorreu a expansão do cultivo do
café na região, bem como o aumento da concentração da propriedade escrava. De acordo com
Salles, entre 1836 e 1865 os megas proprietários, que detinham a posse de pelo menos cem
cativos, representavam entre 9 e 11% dos donos de escravos, no entanto, durante esse período
passaram a possuir praticamente metade dos cativos de Vassouras, considerada o coração do
Império pelo autor.41
36
CASTELLUCCI JUNIIOR, Wellington. Pescadores e roceiros: escravos e forros em Itaparica na segunda
metade do século XIX, 1860-1888. São Paulo: Annablume: Fapesp; Salvador: Fapesb, 2008. p.184-187.
37
DANTAS, Monica Duarte. Fronteiras movediças: relações sociais na Bahia do Século XIX: (a comarca de
Itapicuru e a formação do arraial de Canudos). São Paulo: Aderaldo & Rothschild: Fapesp, 2007. p. 42 e 49.
38
Uma discussão historiográfica sobre a estrutura da posse de escravos no Brasil pode ser vista em MOTTA,
José Flávio. Corpos escravos, vontades livres: posse de cativos e família escrava em Bananal (1801-1829). São
Paulo: FAPESP: Annablume, 1999. (Capítulo II – Historiografia e estrutura da posse de escravos)
39
LUNA, Francisco Vidal. Características demográficas dos escravos de São Paulo (1777-1829). Estudos
Econômicos. São Paulo: IPE-USP, n. 22, v. 3, p. 443-483, set./dez., 1992.
40
SALLES, Ricardo. E o Vale era o escravo. Vassoura, século XIX. Senhores e escravos no coração do Império.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. Para o Vale do Paraíba paulista ver, por exemplo, MORENO, Breno
Aparecido Servidone. Demografia e trabalho escravo nas propriedades rurais cafeeiras de Bananal, 1830-1860.
Dissertação (Mestrado em História) - FFLCH/USP, São Paulo, 2013.
41
SALES, op. cit., p. 157-158.
25
42
BERGAD, Laird W. Escravidão e história econômica: demografia de Minas Gerais, 1720-1880. Tradução de
Beatriz Sidou. Bauru, SP: EDUSC, 2004.
43
BERGAD, Laird W. Escravidão e história econômica: demografia de Minas Gerais, 1720-1880. Tradução de
Beatriz Sidou. Bauru, SP: EDUSC, 2004.
44
SCHWARTZ, op. cit. p. 364-365.
45
BARICKMAN, Bert J. Um contraponto baiano: açúcar, fumo, mandioca e escravidão no Recôncavo, 1780-
1860. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. Ver também, do
mesmo autor. Até a véspera: o trabalho escravo e a produção de açúcar nos engenhos do recôncavo baiano
(1850-1881). Afro-Ásia, n. 21-22, p. 177-238, 1998-1999.
26
46
PRADO JUNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. Colônia. 20ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.
47
GUTIÉRREZ, Horacio. Demografia escrava numa economia não-exportadora: Paraná, 1880-1830. Estudos
Econômicos. São Paulo: IPE-USP, n. 17, v. 2, p. 297-314, maio/ago. 1987.
48
DIAS, Maria Odila L. da Silva. Nas fímbrias da escravidão urbana: negras de tabuleiro e de ganho. Estudos
Econômicos. São Paulo: IPE-USP, n.15 (número especial), p. 89-109, 1985.
27
49
SOARES, Cecília Moreira. Mulher Negra na Bahia no século XIX. Dissertação (Mestrado em História).
FFCH-UFBA. Salvador, 1994.
50
GRAHAM, Sandra Lauderdale. Proteção e Obediência: criadas e seus patrões no Rio de Janeiro, 1860-1910.
Tradução Viviam Bosi. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
51
Um painel denso e atualizado sobre o tema, com 20 artigos de especialistas, pode ser visto em: XAVIER,
Giovana; FARIAS, Juliana Barreto e GOMES, Flávio (Org.). Mulheres negras no Brasil escravista e do pós-
emancipação. São Paulo: Selo Negro, 2012.
28
52
Recenseamento Geral do Império do Brazil de 1872. Disponível em: <http://www.biblioteca.ibge.gov.br>.
Acesso em 15 de fev. 2018.
53
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre casas de negócios. Maço 5455. Ilhéus, 1874-1892;
Livro de imposto sobre gado vacum abatido. Maço 5442. Ilhéus, 1862-1879; Livro de imposto sobre gado vacum
abatido. Maço 5451. Ilhéus, 1879 – 1888; Livro de imposto sobre gado suíno abatido. Maço 5447. Ilhéus, 1872-
1885; Livro de lançamento dos rendimentos relativos a direitos de madeira. Maço 5438. Ilhéus, 1862-1870.
54
SPIX, Joham B. Von; MARTIUS, Karl F. P. Von. Viagem pelo Brasil 1817 – 1820. Tradução Lúcia Furquim
Lahmeyer. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1981; WIED-
NEUWIED, Maximiliano Príncipe de. Viagem ao Brasil. Tradução de Edgar Sussekind de Mendonça e Flávio
Poppe de Figueiredo. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1989;
AVÉ-LALLEMANT, Robert. Viagens pelas províncias da Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe: 1859. Belo
Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1980.
55
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre exportação de cacau e café. Maço 5459. Ilhéus, 1871-
1885; Livro de imposto sobre exportação de aguardente de cana (cachaça). Maço 5441. Ilhéus, 1870-1878; Livro
de imposto sobre exportação de Jacarandá. Maço 5443. Ilhéus, 1870-1879; Livro de imposto sobre exportação de
piaçava. Maço 5458. Ilhéus, 1879-1888; Livro de imposto sobre exportação de couros secos ou salgados. Maço
5456. Ilhéus, 1879-1888.
29
bens móveis podemos verificar a presença desses aspectos, conferindo os tipos de móveis das
casas e lavouras, os tipos de embarcações, a presença de armas, dinheiro e outros bens móveis
que possam demonstrar ou não a riqueza dos inventariados. Com essa mesma preocupação
analisamos os animais, queremos saber se havia muitos burros de cargas, se eram utilizados
no transporte de cacau e outras mercadorias, se a pecuária tinha importância, o tipo de animal
que predominou entre os inventariados e se eles guardam relação com o desenvolvimento da
economia cacaueira.
No último capítulo da tese analisamos as dívidas ativas e passivas declaradas nos
inventários. O objetivo é verificar se houve expansão do sistema de crédito no período do
nosso estudo, se essas dívidas estavam concentradas ou disseminadas entre os inventariados e
qual o lugar dos produtores de cacau nesse sistema. Desse modo, o último capítulo da tese
discute aspectos internos e externos relacionados com o processo de desenvolvimento da
economia cacaueira. Estamos interessados em saber se havia relações entre os inventariados
de Ilhéus com a praça de Salvador, quais eram as características dessas relações e o impacto
disso na economia local. Desse modo, pretendemos explicar alguns aspectos da dinâmica
econômica e escravista de Ilhéus entre os anos de 1850-1888, bem como as nuances
relacionadas com a formação da economia cacaueira.
31
CAPÍTULO I
A COMARCA DE ILHÉUS (1850-1888): TERRITÓRIO, POPULAÇÕES E
MERCADO INTERNO
1.1 - Introdução
56
Para discussão historiográfica ver, entre outros, SILVA, Paulo Santos. A Historiografia Baiana nos últimos 50
anos. In: GLEZER, Raquel. Do passado para o futuro: edição comemorativa dos 50 anos de Anpuh. São Paulo:
Contexto, 2011. p. 85-105.; LEAL; Maria das Graças de Andrade.; MOREIRA, Raimundo Nonato Pereira;
CASTELLUCCI JUNIOR, Wellington. (Org.) Capítulos de História da Bahia: novos enfoques, novas
abordagens. São Paulo. Annablume, 2009. Para uma avaliação das pesquisas sobre escravidão na Bahia ver,
entre muitos, REIS, João José; AZEVEDO, Elciene (Org.). Escravidão e suas sombras. Salvador: EDUFBA,
2012.; SAMPAIO, Gabriela dos Reis; CASTILHO, Lisa Earl; ALBUQUERQUE, Wlamyra (Org.). Barganhas e
querelas da escravidão: tráfico, alforria e liberdade (séculos XVIII e XIX). Salvador: EDUFBA, 2014; FRAGA
FILHO, Walter. Encruzilhadas da liberdade: história de escravos e libertos na Bahia (1870-1910). Campinas,
SP: Editora da Unicamp, 2006.; PIRES, Maria de Fátima Novaes; SANTANA, Napoliana Pereira; SANTOS,
Paulo Henrique Duarte (Org.). Bahia: escravidão, pós abolição e comunidades quilombolas: estudos
interdisciplinares. Salvador: EDUFBA, 2018; NEVES, Erivaldo Fagundes. Escravidão, pecuária e policultura:
alto sertão da Bahia, século XIX. Feira de Santana: UEFS Editora, 2012.
32
do chocolate, cujo consumo aos poucos se difundia entre a população da Europa e dos
Estados Unidos.
A comarca de Ilhéus apresentava condições naturais favoráveis ao cultivo do cacaueiro
e se tornou uma das principais áreas de produção nacional no século XX, contribuindo para
tornar o Brasil um dos maiores fornecedores mundiais do fruto. Investigar o período 1850-
1888 a partir de documentos sobre escravidão e economia pode contribuir para ampliar o
conhecimento da história de Ilhéus e do sul da Bahia.
Esse capítulo aborda o assunto analisando as características do território e da
população, bem como o mercado interno na segunda metade do século XIX. Nosso interesse é
explorar os grupos sociais envolvidos, as mercadorias que circulavam, a cobrança de impostos
e a presença do trabalho escravo.
A nossa hipótese é que neste período a comarca de Ilhéus iniciou uma fase de
crescimento econômico, devido à disseminação da lavoura cacaueira, mas também pelo
incremento de outras culturas, pela diversificação das atividades e pela intensificação das
relações comerciais com outras partes do Império, especialmente Salvador, capital da Bahia.
Esse processo está ligado à expansão do capitalismo industrial na Europa, que se abasteceu de
mercadorias baratas produzidas na América com uso do trabalho escravo para desenvolver as
indústrias, ampliando e diversificando a oferta de produtos em escala mundial57.
Para provar nossa hipótese utilizamos como fontes primárias Falas e Relatórios de
presidentes de província, particularmente os quadros de exportações, Livros de cobrança de
impostos da Câmara de Ilhéus, Livro de classificação dos escravos para libertação pelo
fundo de emancipação (1874-1886), inventários post mortem e o Recenseamento Geral do
Império do Brasil de 187258. Essa documentação, tomada em conjunto, permite entender parte
das relações desenvolvidas no mercado interno de Ilhéus e avançar no tema da escravidão.
57
Sobre o assunto ver, entre muitos, WILLIAMS, Eric. Capitalismo e escravidão. Tradução Denise Bottmann,
São Paulo: Companhia das Letras, 2012; TOMICH, Dale W. Pelo prisma da escravidão: trabalho, capital e
economia mundial. Tradução de Paula Danesi. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2011.
58
Utilizamos basicamente duas falas de presidentes de província, quais sejam: Fala que recitou o presidente da
província da Bahia, Dr. João Maurício Wanderley, na abertura da Assembleia Legislativa em 1º de março de
1853. Bahia, Typ. Const. De Vicente Ribeiro Moreira, 1853; Fala com que abriu no dia 1º de maio de 1878 a 57 a
legislatura da Assembleia Legislativa Provincial da Bahia o Sr. Barão Homem de Mello. Bahia, Typ. do Diario,
1878. Disponíveis em: <http://www-apps.crl.edu/brazil/provincial>, acesso em 10 de mar. 2018. APEB, SCP.
Livros de cobrança de imposto da Câmara de Ilhéus. Maço 5455 – Casas de Negócios (1874-1892); Maço 5442 e
5451 – Gado Vacum abatido (1862- 1879) e (1879-1888), respectivamente; Maço 5447 – Gado Suíno abatido
(1872-1885); Maço 5438 – Rendimento relativo a direitos de Madeira (1862-1870). APEB, SCP. Livro de
classificação dos escravos para serem libertos pelo fundo de emancipação. Fundo: Tesouraria Provincial. Lv.
7008. Ilhéus, 1874-1886; Recenseamento Geral do Império do Brazil, 1872. Disponível em:
<http://www.biblioteca.ibge.gov.br>, acesso em 15 de fev. 2018; APEB, SJ. 345 processos de inventários (Ver
listagens de inventários e de livros de impostos em anexo).
33
59
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre casas de negócios. Maço 5455. Ilhéus, 1874-1892;
Livro de imposto sobre gado vacum abatido. Maço 5442. Ilhéus, 1862-1879; Livro de imposto sobre gado vacum
abatido. Maço 5451. Ilhéus, 1879 – 1888; Livro de imposto sobre gado suíno abatido. Maço 5447. Ilhéus, 1872-
1885; Livro de Lançamento dos rendimentos relativos a direitos de madeira. Maço 5438. Ilhéus, 1862-1870.
60
APEB, SCP. Livro de classificação dos escravos para serem libertos pelo fundo de emancipação. Lv. 7008.
Ilhéus, 1874-1886.
34
A vila de Ilhéus foi fundada em 1535 e funcionou como sede da capitania durante todo
o período colonial. Esta capitania, São Jorge dos Ilhéus, possuía um território de
aproximadamente 50 léguas, limitando-se ao norte com a capitania da Bahia e ao sul com a
capitania de Porto Seguro61. A vila sede concentrava as principais estruturas do
funcionamento da política, administração e economia, abrigava a Igreja matriz e o principal
porto de exportação, situado na baía do pontal, confluência de três grandes rios (Cachoeira,
Almada e Fundão)62.
Não obstante a importância de Ilhéus outras vilas foram fundadas nesse território
durante o período colonial e no decorrer do século XIX. Muitas delas se desenvolveram a
partir da instalação de aldeamentos indígenas e de alguns engenhos. Além da produção de
açúcar e aguardente os habitantes se dedicavam às atividades de subsistência e abastecimento
interno, principalmente a exploração de madeiras, fabricação de farinha, extração de piaçava,
pesca, produção de melado, aguardente, dentre outras atividades63.
Incialmente os jesuítas foram os principais colonizadores daquele espaço, se tornaram
donos do Engenho Santana, localizado nas proximidades da vila de Ilhéus, da maior parte das
terras e da mão de obra disponível, os índios aldeados. Contudo, após as reformas pombalinas
eles foram expulsos (1761), e a partir de então o território passou a ser ocupado de forma mais
intensiva por particulares. Esse processo foi marcado por guerras e conflitos envolvendo
catequização e escravização dos povos indígenas e africanos, muitos capturados nas “guerras
justas”, trabalhando nos aldeamentos, vendidos como escravos, outros trazidos da África,
forçados a trabalhar nos engenhos, alambiques, casas de farinha, na extração de madeiras e no
cultivo da terra64.
61
CAMPOS, João da Silva. Crônica da capitania de São Jorge dos Ilhéus. 3 ed. Ilhéus, Ba: Editus, 2006. p.23-
26.
62
Sobre o porto de Ilhéus ver, entre outros, SANTOS, Flávio Gonçalves dos. A Baía do Pontal – Ilhéus: relações
do porto com a cidade (1911-1971). Revista Crítica Histórica, v.7, n.13, p.1-19, 2016; ROSADO, Rita de Cássia
Santana de Carvalho. O porto flúvio-marítimo de Ilhéus (1911-2010). In: SANTOS, Flávio Gonçalves dos.
(Org.) Portos e cidades: movimentos portuários, Atlântico e diáspora africana. Ilhéus: Editus, 2011. p.15-52.
63
DIAS, Marcelo Henrique. A capitania de São Jorge dos Ilhéus: economia e administração. In: DIAS, Marcelo
Henrique; CARRARA, Angelo Alves (Org.). Um lugar na História: a capitania e comarca de Ilhéus antes do
cacau. Ilhéus: Editus, 2007. p. 59.
64
Ver, entre outros, SCHWARTZ, Stuart. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial.
Tradução Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
PARAÍSO, Maria Hilda Baqueiro. O tempo da dor e do trabalho: a conquista dos territórios indígenas nos
sertões do leste. Tese (Doutorado em História). FFLCH-USP. São Paulo 1998; MARCIS, Teresinha. A
integração dos índios como súditos do rei de Portugal: uma análise do projeto, doas autores e da implementação
na Capitania de Ilhéus, 1758-1822. Tese (Doutorado em História). FFCH-UFBA, Salvador, 2013.
35
65
Manuel Ferreira da Câmara, “Ensaio de descrição fízica e econômica da Comarca de São Jorge dos Ilhéos”, In:
Memórias Econômicas da Academia das Sciencias da Lisboa. n.1, p. 304-350, 1789.
66
Sobre o assunto ver, entre outros, AUGEL, Moema Parente. Visitantes estrangeiros na Bahia Oitocentista.
Prefácio de Américo Jacobina Lacombe. São Paulo: Cutix; [Brasília]: INL, 1980.
67
Cf. Quadro de relação das comarcas da Província da Bahia, com cidades, vilas e divisão judiciária,
apresentado na fala do presidente da província, Dr. João Maurício Wanderley, na abertura da Assembleia
Legislativa em 1º de março de 1853. Bahia, Typ. Const. De Vicente Ribeiro Moreira, 1853. Disponível em:
<http://www-apps.crl.edu/brazil/provincial>. Acesso em 10 de mar. 2018.
36
Fonte: DIAS, Marcelo Henrique. Economia, sociedade e paisagens da capitania e comarca de Ilhéus no
período colonial. Tese (Doutorado em História) - ICHF/ UFF, Niterói, 2007. p. 408.
O mapa da Figura 1.1 mostra a vila de Ilhéus e várias povoações localizadas nas
margens dos rios. Entre elas existiam aldeias indígenas, como a Aldeia do Almada e a Aldeia
37
Camacã, por exemplo. Outra, igualmente importante, era a Aldeia indígena de Nossa Senhora
das Escadas de Olivença, que originou a vila de Olivença68, ao sul da vila de Ilhéus. Vários
estudiosos analisaram a presença indígena nessa região, ressaltando a exploração, os conflitos
e a resistências desses povos, dentre outras questões.69
Ainda na primeira metade do século XIX, como parte das mudanças que visavam
promover a maior exploração do território da comarca de Ilhéus a Aldeia do Almada foi
transferida para o distrito de Cachoeira de Itabuna, distante cerca de 30 Km do litoral, que se
ligava à Ilhéus pelo rio Cachoeira. Nesse distrito foi instalada a Aldeia de São Pedro de
Alcântara dos índios Guerens e os nativos foram utilizados nos trabalhos de abertura de
estradas, exploração de madeiras e nas atividades agrícolas70.
Além dos indígenas, existiam diversos quilombos nesta comarca e em outras vilas do
sul da Bahia. O cronista João da Silva Campos fornece informações sobre vários desses
grupos71. O historiador João José Reis analisou a devassa promovida contra um quilombo
localizado nessa área em 1806, o quilombo do Oitizeiro72. Valdinea de Jesus Sacramento
também abordou a organização e funcionamento desse quilombo, comprovando a existência
de uma verdadeira confederação de mocambos espalhados nas matas entre Ilhéus e Barra do
rio de Contas73.
No decorrer do século XIX a ocupação deste espaço foi ampliada e os conflitos
aumentaram. Muitos grupos foram mortos no confronto com os colonizadores, outros
escravizados, além do avanço do desmatamento e expansão da fronteira agrícola com cultivo
de cacau, café, cana de açúcar, exploração de madeiras e outras atividades.
68
Sobre Olivença ver, por exemplo, MARCIS, Teresinha. A “hecatombe de Olivença”: construção e
reconstrução da identidade étnica, 1904. Dissertação (Mestrado em História) – FFCH/UFBA. Salvador, 2004.
69
Ver, entre muitos, FREITAS, Antônio Fernando Guerreiro de; PARAÍSO, Maria Hilda Baqueiro, Caminhos
ao encontro do mundo: a capitania, os frutos de ouro e a princesa do sul - Ilhéus, 1534-1940. Ilhéus: Editus,
2001. MOTT, Luiz. Os índios do sul da Bahia: população, economia e sociedade, 1740-1854. In: Cultura
(Salvador, BA, Fundação Cultural do Estado da Bahia). n.1, v.1, p.93-120, 1998. MARCIS, Teresinha. A
integração dos índios como súditos do rei de Portugal: uma análise do projeto, dos autores e da implementação
na Capitania de Ilhéus, 1758-1822. Tese (Doutorado em História). FFCH-UFBA, Salvador, 2013.
70
Ver, entre outros, SILVA, Ayalla Oliveira. Camacâs, guerens, pataxós e o aldeamento de São Pedro de
Alcântara: trabalho, relações interétnicas e ocupação territorial de Cachoeira de Itabuna, sul da Bahia (1814-
1877). Dissertação (Metrado em História). ICHS-UFRRJ. Rio de Janeiro, 2015.
71
“Nas matas de Cairu, de Camamu, do rio de Contas e de Ilhéus nunca deixaram de existir tais coiós de
escravos fugidos, apesar de, por muitas vezes, serem eles destruídos, e aprisionados os seus moradores. Logo se
refaziam e entravam os negros de novo a apavorar as vilas, fazendas, engenhos e roças”. CAMPOS, João da
Silva. Crônica da capitania de São Jorge dos Ilhéus. 3 ed. Ilhéus-Ba: Editus, 2006. p. 339
72
REIS, João José. Escravos e coiteiros no quilombo do Oitizeiro-Bahia, 1806. In: REIS, João José; GOMES,
Flávio dos Santos (Org.). Liberdade por um fio: história dos quilombos no Brasil. São Paulo: Companhia das
Letras, 1996, p. 332-372.
73
SACRAMENTO, Valdinéia de Jesus. Mergulhando nos Mocambos do Borrachudo – Barra do Rio de Contas
(século XIX). Dissertação (Mestrado em Estudos Étnicos e Africanos) - CEAO/FFCH/UFBA, Salvador, 2008.
38
Em nossa pesquisa analisamos 345 inventários post mortem dos moradores de Ilhéus,
abertos entre 1850 e 1888, além de vários Livros de cobrança de impostos, o que permitiu
constatar a existência dessa ocupação. Ao longo das décadas encontramos mais duas centenas
de propriedades particulares localizadas nas margens dos rios: no rio Almada, próximo da vila
de Ilhéus; no rio Cururupe, próximo da vila de Olivença; no rio Maruim, próximo de Una; e
muitas no rio Cachoeira de Itabuna, dentre outras localizadas no litoral.
Além destas, encontramos donos de engenhos e negociantes que se estabeleceram no
território durante o século XIX. Afora o Santana, erguido no período colonial e com 260
escravos trabalhando na produção de açúcar em 181974, localizamos o Engenho Conceição de
Itacanoeiras75; o Engenho Castelo Novo, nas proximidades do rio Almada76; o Engenho
União 77; dentre outros.
Assim, notamos que o processo de ocupação do território se intensificou. Essas
mudanças estavam relacionadas com as transformações da economia provincial durante a
primeira metade do século XIX, que alcançou crescimento econômico devido ao aumento do
número de engenhos e das exportações de açúcar, fenômeno motivado pelo vácuo deixado na
economia mundial após a rebelião escrava de Saint Domingue (atual Haiti) em 179178.
Segundo Bert J. Barickman as exportações de açúcar feitas a partir do porto de
Salvador passaram de 500 mil arrobas anuais em 1789 para aproximadamente 4 milhões em
torno de 185079. Este mesmo autor ressaltou a ampliação dos engenhos em diversas áreas da
província, inclusive nos municípios litorâneos ao sul do Recôncavo, entre eles Ilhéus, sendo
que nessa região existiam 17 engenhos em 1842 e no ano de 1873 esse número chegou a 4280.
Nesse contexto o tráfico atlântico de africanos cresceu81, entre os anos de 1800-1850, segundo
74
SCHWARTZ, Stuart. Escravos, roceiros e rebeldes. Tradução Jussara Simões. Bauru: SP: EDUSC, 2001. p.
109.
75
APEB, Seção Judiciária. Inventários. Ilhéus. Maria Luíza da Santíssima Trindade. Est. 02, Cx. 783, Maço
1250, Doc. 08, 09 de out. 1850.
76
APEB, Seção Judiciária. Inventários. Ilhéus. Maria José Leola Del Rey e Carolina Leola Del Rey. Est. 02, Cx.
786, Maço 1253, Doc. 06, 28 de fev. 1861.
77
APEB, Seção Judiciária. Inventários. Ilhéus. Alferes José Antônio de Guimarães Basto. Est. 02, Cx. 738,
Maço 1203, Doc. 12, 10 de fev. 1875.
78
De acordo com Stuart B. Schwartz “entre 1817 e 1828 foram instalados 110 novos engenhos na Bahia e na
década seguinte entraram em operação mais 220 unidades”. SCHWARTZ, Stuart B. Segredos Internos:
engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo:
Companhia das Letras, 1988. p. 345-346.
79
BARICKMAN, Bert J. Um contraponto baiano: açúcar, fumo, mandioca e escravidão no Recôncavo, 1780-
1860. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 72-73.
80
Ibidem., p. 80.
81
Sobre o tráfico de escravos na Bahia ver, entre muitos, VERGER, Pierre. Fluxo e Refluxo do tráfico de
escravos entre o Golfo do Benin e a Bahia de todos os Santos: dos séculos XVII a XIX. Salvador: Currupio,
2002.
39
A Tabela 1.1 mostra que o açúcar era o principal produto da economia baiana, o que
gerava as maiores receitas de exportação. O fumo aparece em segundo lugar, sendo que
juntos, esses dois produtos dominavam a pauta das exportações da Bahia, ao passo que nesta
conjuntura as receitas provenientes das exportações de cacau eram praticamente
insignificantes, demonstrando a pouca relevância deste produto naquele contexto.
Na segunda metade do século XIX a economia açucareira enfrentou problemas que já
estavam se agravando desde a década de 1830, devido à concorrência com o açúcar cubano,
que contava com engenhos a vapor e técnicas de fabricação sofisticadas, o que garantia um
produto de qualidade superior ao produzido na Bahia. Ademais, com a proibição do tráfico
atlântico de africanos (1850) a situação se tornou mais aguda pela falta de braços para a
82
BARICKMAN, Op. cit., p. 228.
40
lavoura e pelo comércio interprovincial de cativos, que ensejou vendas de escravos a preços
elevados para o Centro Sul do Império.
A venda de negros para as fazendas de café era, por sua vez, forçada pela
escassez de recursos dos senhores de engenho para manter a própria
escravaria, para o custeio de sua indústria, bem como para obter dinheiro
com que cobrir os prejuízos ocasionados por diversos fatores conhecidos83.
83
AZEVEDO, Thalles Olímpio Góes de. A economia Baiana em torno de 1850. Revista Planejamento.
Salvador, n.5., v.4, p. 7-18, out./dez., 1977. p. 15.
84
PINHO, José Ricardo Moreno. Açambarcadores e famélicos: fome, carestia e conflitos em Salvador (1858-
1878). Salvador: EDUNEB; Câmara Municipal de Salvador, 2016. p. 145.
85
LYRA, Henrique Jorge Buckingham. A crise de mão de obra e a criação de colônias agrícolas na Bahia: 1850-
1889. In: DIAS, Marcelo Henrique; CARRARA, Ângelo Alves. Um lugar na história: a capitania e comarca de
Ilhéus antes do cacau: Ilhéus; Editus, 2007. p. 234.
86
LYRA, Op. cit., p. 254-305.
41
território. Os naturalistas Spix e Martius, quando passaram por Ilhéus em 1818 informaram
que a vila e toda a sua freguesia possuía apenas 2.400 almas87. Mary Ann Mahony, com base
em Livros de batismos, estimou cerca de 500 escravos nos anos 1820 e em torno de 700 nos
anos 1840, mas concorda que esses números podem estar subestimados88.
O primeiro Recenseamento Geral do Império do Brasil, realizado em 1872, é a fonte
mais segura de que dispomos.
87
SPIX, Joham B. Von; MARTIUS, Karl F. P. Von. Viagem pelo Brasil 1817 – 1820. Tradução Lúcia Furquim
Lahmeyer. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1981.
88
MAHONY, op. cit., p. 99.
89
Ibidem., p. 95
42
Os dados da Tabela 1.3 revelam que entre 1873 e 1877 o cacau ocupou uma posição
secundária no que diz respeito às receitas provenientes das exportações na Bahia. O açúcar e o
fumo permanecem como principais itens de exportações. Ao que parece esse quadro se
manteve até a abolição da escravidão no Brasil (1888). Segundo Bert J. Barickman “[...]
outros produtos entraram no rol das exportações baianas; mas, até as últimas décadas do
século XIX, nenhum jamais se equiparou ao açúcar”91. Vale advertir que este autor ressaltou
os problemas da economia açucareira e o declínio das exportações de açúcar a longo prazo,
90
ALMEIDA, Rômulo Barreto de. Traços da História econômica da Bahia no último século e meio. Revista
Planejamento. Salvador, n.5., v.4, p. 19-54, out./dez., 1977. p. 34-35.
91
BARICKMAN, Op. Cit., p. 71.
43
mas não fornece nenhuma pista indicando que o cacau se tornou importante para a economia
baiana nesse período.
O café foi um dos produtos que se destacou no rol das exportações da Bahia. Os dados
da Tabela 1.3 demonstram que as receitas provenientes das exportações deste produto
saltaram de 9,8% no ano de 1873 para 18,7% em 1877, sendo que grande parte desse artigo
vinha da comarca de Ilhéus92.
Talvez, a pouca relevância do cacau nas exportações da Bahia nessa época seja
resultado da baixa oferta do produto, que percorreu a sua trajetória mais promissora e de plena
afirmação econômica no período 1890-1930, como destacaram Angelina N. R. Garcez e
Antônio Fernando G. de Freitas93.
Consultamos 19 inventário post mortem de moradores de Ilhéus, abertos na década de
1850, entre eles apenas 7 declararam plantações de cacau, a maior delas possuía 2.877
cacaueiros, 60% com idade entre 6 e 12 anos, a outra parte entre 6 meses e 2 anos94. É certo
que esse quadro se modificou ao longo do período do nosso estudo (1850-1888), mas ao que
parece as exportações não cresceram no mesmo ritmo das plantações95.
De todo modo, os estudiosos são unânimes em ressaltar que o cacaueiro é uma planta
muito exigente, sendo que na fase de sua implantação no sul da Bahia os lavradores
enfrentaram sérias dificuldades para adaptá-la aos solos da região. Para Milton Santos,
92
Ibidem., p. 61.
93
GARCEZ, Angelina Nobre Rolim; FREITAS, Antônio Fernando Guerreiro de. Bahia cacaueira: um estudo de
história recente. Salvador: Centro Editorial e Didático da Universidade Federal da Bahia, 1979. p. 21
94
APEB, Seção Judiciária. Inventários. Ilhéus. João Segismundo Cordier. Est. 08, Cx. 3424, Maço n/c, Doc. 06,
25 de maio 1849.
95
Como demonstra o Livro de imposto sobre exportação de cacau e café. APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro
de imposto sobre exportação de cacau e café. Maço 5459. Ilhéus, 1871-1885.
96
SANTOS, Milton. Zona do cacau: introdução ao estudo geográfico. 2ª ed. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1957. p. 17.
44
solo e subsolo e que se deviam evitar aqueles que recebem luz solar direta depois de 10 e 11
horas, já que o cacaueiro é uma planta adaptada a locais úmidos e sombreados97.
O plantio das mudas necessitava de uma sombra provisória, fornecida por outras
espécies, como a bananeira, por exemplo, além de cuidados permanentes contra insetos e
plantas daninhas durante aproximadamente três anos, quando, em condições normais, o
cacaueiros começava a frutificar. Porém, nos primeiros anos a frutificação era pequena e a
safra completa era alcançada quando a planta atingia idade de sete a oito anos98. Outrossim,
após se tornarem frutíferas as árvores continuam necessitando de cuidados especiais,
imprescindíveis para obtenção de uma boa colheita.
Milton Santos salienta que o cacaueiro pode atingir dez metros de altura e seu fruto,
ligeiramente oval, tem entre 20 e 25 centímetros de comprimento e aproximadamente 30 de
diâmetro. No seu interior encontram-se as amêndoas, em número de 20 a 30, estimando-se
que, em condições normais, cada árvore fornecia cerca de 3 quilos, com duas fases de
colheita: uma era a safra propriamente dita, que começava em agosto e a outra era o chamado
temporão, iniciado em março. O “paradeiro” é a fase entre janeiro e março99.
97
BONDAR, Gregório. A cultura de cacao na Bahia. Instituto de Cacau da Bahia (ICB) – Boletim Técnico n 1º.
Empresa Gráfica da “Revista dos Tribunaes”. São Paulo: 1938. p. 126-142.
98
Ibidem.
99
SANTOS, Op. cit., p. 29.
100
Ibidem., p. 29-30.
45
Vale ressaltar que a comarca de Ilhéus não era a única região que produzia cacau,
assim como o Brasil também não era o único produtor mundial do fruto. É oportuno lembrar
que o cacau é originário da América e já era conhecido pelos Maias e Astecas antes da
colonização, sendo que esses povos cultuavam a planta e utilizavam as sementes como
moeda, com as quais produziam a bebida dos deuses, conhecida como chocolate101.
No período colonial a bebida foi incorporada aos hábitos de consumo dos europeus,
agregando valor ao fruto, que aos poucos foi se destacando nas exportações do Brasil. O
cacau também era cultivado há tempos nas regiões dos atuais México, Guatemala, Nicarágua,
Equador, Venezuela e Colômbia.
Ao longo do Oitocentos o plantio se estendeu para outros continentes, africano e
asiático. Em 1895, por exemplo, se destacam entre os produtores mundiais a Costa do Ouro
(atual Gana), Nigéria, Costa do Marfim, Fernando Pó e São Tomé, que juntos com outros
países africanos exportaram 7.777 toneladas, enquanto no mesmo ano os países asiáticos
exportaram 2.561 e os americanos 66.505 toneladas102. Assim, durante o século XIX a maior
parcela da produção mundial era da América.
No Brasil, outras províncias, além da Bahia, também se dedicavam à produção de
cacau para exportação, com destaque para Amazônia e Grão-Pará, localizadas na região
Norte. Foram essas regiões, juntamente com a Bahia, que contribuíram para tornar o Brasil
um dos maiores fornecedores mundiais do produto. No caso da comarca de Ilhéus esse
processo começou a se desenvolver durante a segunda metade do século XIX, intensificando-
se na última década desta centúria e atingindo auge nos primeiros decênios do século XX.
Vale advertir que este produto dependia exclusivamente da demanda externa, pois o
processamento das amêndoas e a fabricação do chocolate realizavam-se fora do Brasil.103
Assim, as exportações estavam sujeitas às oscilações do mercado externo, inclusive da
concorrência com outros países. Contudo, o cultivo do cacaueiro se disseminou no sul da
Bahia e muitas pessoas se interessaram em comercializar o fruto em Ilhéus.
Nessa época várias mercadorias industrializadas, provenientes da Europa e Estados
Unidos, eram desembarcadas na capital da Bahia e em outras partes do Império, sendo
despachadas para diversas regiões do interior e do litoral. Por outro lado, matérias primas
101
Ver, entre outros, MCNEIL, Cameron L. Chocolate in Mesoamerica: a cultural history of cacao. University
Press of Florida, 2006.
102
BONDAR, Gregório. A cultura de cacao na Bahia. Instituto de Cacau da Bahia (ICB) – Boletim Técnico n
1º. Empresa Gráfica da “Revista dos Tribunaes”. São Paulo: 1938. p. 22.
103
Segundo Gregório Bondar a “foi ao principiar do século XVII que o cacao fez sua entrada definitiva na
Europa. O seu uso começou a se generalizar na Espanha primeiramente, e dahi atravessou para a França e se
espalhou por toda parte. BONDAR, Gregório. Op. Cit., p. 16-17.
46
baratas, muitas das quais produzidas com o uso do trabalho escravo, eram enviadas para
Salvador e outros portos do Brasil, de onde eram despachadas para os países estrangeiros.
Esse processo de trocas comerciais se desenvolveu em Ilhéus durante a segunda metade do
século XIX. Antônio Fernando Guerreiro de Freitas percebeu esse mecanismo, que ele
denominou de formação da burguesia cacaueira, no entanto, o autor se concentrou no período
da Primeira República (1889-1930)104, ficando de fora de suas análises uma fase importante
desse processo, que será uma das questões abordadas em nossa tese, começando com a
investigação do mercado interno.
104
FREITAS, Antônio Fernando Guerreiro. Os donos dos frutos de ouro. Dissertação (Mestrado em Ciências
Sociais). ICS-UFBA. Salvador, 1979.
105
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre casas de negócios. Maço 5455. Ilhéus, 1874-1892;
Livro de imposto sobre gado vacum abatido. Maço 5442. Ilhéus, 1862-1879; Livro de imposto sobre gado vacum
abatido. Maço 5451. Ilhéus, 1879 – 1888; Livro de imposto sobre gado suíno abatido. Maço 5447. Ilhéus, 1872-
1885; Livro de Lançamento dos rendimentos relativos a direitos de madeira. Maço 5438. Ilhéus, 1862-1870.
47
106
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre casas de negócios. Maço 5455. Ilhéus, 1874-1892.
107
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Luiz Adami. Est. 03, Cx. 1372, Maço 1841, Doc. 18, 28 de maio
1887.
108
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. José Furtado da Silva. Est. 03, Cx. 1298, Maço 1767, Doc. 05,
22 de nov. 1882.
48
Outros membros dessa família aparecem no livro de impostos indicando que eles eram
negociantes influentes em Ilhéus. Domingos Adami de Sá, era coletor da mesa de rendas
provinciais, responsável pela arrecadação dos impostos provinciais, ele não aparece entre os
negociantes que pagaram impostos, mas é filho de Luiz Adami. Outro membro dessa família
que localizamos como dono de casa de negócio foi João Batista Adami, que pagou imposto
para manter seu estabelecimento funcionando. Ao que parece, posteriormente eles montaram
uma firma, Luiz Adami & Filho, como consta no referido Livro de cobrança de impostos.
José Joaquim da Costa Seabra, aparece entre os donos de casas de negócio, além de
Emilio José Seabra. Um membro dessa família, Joaquim José da Costa Seabra, faleceu em
1856 e era negociante em Ilhéus, oferecendo crédito a diversas pessoas da vila e arredores,
além de possuir um barco109. Posteriormente eles também montaram uma firma, Seabra Filho
& Cia110.
Caetano Lafeme também atuou como negociante em Ilhéus na segunda metade do
século XIX. Quando Carlos Stephani Hohlenwegner faleceu, em 1886, Caetano apresentou ao
juiz a dívida que o finado tinha na Loja e Armazém Caetano Lafeme, situado na rua da matriz
nº 9, que vendia fazendas, miudezas, calçados, roupas, molhados, ferragens e drogas, além de
comprar cacau e outros gêneros dos lavradores locais, como consta na nota. Entre os artigos
consumidos encontramos garrafas de conhaque, caixas de charutos, côvados de chitas,
fechaduras, latas de manteiga, além de dinheiro que Carlos Stephani tomava emprestado ao
negociante111. Tudo indica que este negociante fornecia crédito à população e recebia como
pagamento gêneros da lavoura.
Adão Schaum foi outra pessoa que se destacou naquele contexto. Casado com dona
Helena Lavigne Schaum, eles eram donos de uma padaria em Ilhéus quando ele faleceu em
1886, além de possuírem casa de farinha, quatro escravos e outros bens112.
Domingos José de Lemos é outro negociante que aparece com frequência no Livro de
cobrança de impostos sobre casas de negócio. José Antônio Coutinho, produtor de cacau,
comprava diversos gêneros na loja dele antes de falecer em 1869, a exemplo de fumo, carne,
109
Sobre este negociante ver, SANTOS, Leandro Dias dos; SANTOS, Zildemar Alves; DIAS, Marcelo
Henrique. Mecanismo de acesso ao crédito na vila de Ilhéus na primeira metade do século XIX: o caso de
Joaquim José da Costa Seabra. Revista de História Econômica & Economia Regional Aplicada. Juiz de Fora,
v.7, n. 12, jan./jun. 2012.
110
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Joaquim José da Costa Seabra. Est. 08, Cx. 3424, Doc. 06, 17 de
set. 1856.
111
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Carlos Stephani Hohlenwegner. Est. 02, Cx. 762, Maço 1228,
Doc. 10, 20 de abr. 1886.
112
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Adão Schaum. Est. 02, Cx. 781, Maço 1248, Doc. 02, 05 de nov.
1877.
49
bolacha, garrafas de vinho, açúcar branco, farinha, sabão, sal, pólvora, dentre outros artigos,
que eram pagos com cacau e café113. Nessa conta, referente a compras realizadas entre
dezembro de 1866 e março de 1869, uma garrafa de vinho custou Rs. $640; de cachaça Rs.
$160; de aguardente de cana Rs. $200; (½ kg) de fumo Rs. $200; (1 kg) de açúcar branco Rs.
$200; um Alqueire (36,2 litros) de farinha Rs. 1$800; (½ Kg) de bolacha Rs.$200; uma arroba
de carne Rs. 6$600. Em contrapartida o negociante pagava Rs. 3$200 (três mil e duzentos
réis) por cada arroba de cacau do lavrador.
Pedro Gonçalves de Vasconcelos Gusmão vendia secos e molhados em sua casa de
negócio, além de aviamentos, ferramentas agrícolas, utensílios domésticos e materiais de
construção. Quando este negociante faleceu, em 1881, devia à Pharmacia Ilheense diversos
medicamentos que utilizou no tratamento de sua moléstia, como papeis diuréticos, óleo de
fígado de bacalhau, garrafas de magnésio lefort, pílulas anti-intermitentes do Dr. Devay,
tintura de iodo, vinho quinium de labarraque, entre outros.114
Infelizmente não conseguimos localizar o inventário de todos os negociantes, mas
pelos exemplo mencionamos notamos que a vila de Ilhéus era dotada de comércio interno
ativo, sendo possível contabilizar no Livro de cobrança de imposto sobre casas de negócio
pelo menos uma centena de negociantes espalhados na vila e na zona rural, indicando a
presença do capital comercial atuando em Ilhéus na segunda metade do século XIX115.
Ao que parece esses negociantes compravam mercadorias industrializadas: bebidas,
fumos, medicamentos, pólvora, chumbo, ferramentas, materiais de construção, utensílios
domésticos, vestuários, dentre outros artigos, revendendo-os no mercado interno de Ilhéus.
Constatamos que alguns tinham ligação com a praça de Salvador e uma parte deles recebia
cacau e outros produtos da lavoura como pagamento das dívidas contraídas em seus
estabelecimentos.
As relações entre os negociantes e a população eram diversificadas. No geral os
produtores de cacau podiam contar com apenas duas colheitas por ano, ficando desabastecidos
durante a entre safra, tendo que recorrer às casas de negócio para suprir suas demandas
básicas de sobrevivência. O preço das mercadorias que vinham da capital não devia ser baixo,
dado os custos com transporte e pagamento de impostos. Mesmo assim os negociantes
vendiam a prazo para muita gente, inclusive esravizados e indígenas, e recebiam como
113
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. José Antônio Coutinho. Est. 02, Cx. 741, Maço 1206, Doc. 02,
13 de abr. 1869.
114
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Pedro Gonçalves de Vasconcelos Gusmão. Est. 02, Cx. 757,
Maço 1223, Doc. 03, 05 de mar. 1881.
115
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre casas de negócios. Maço 5455. Ilhéus, 1874-1892.
50
pagamento aluguéis de escravos, aluguéis de bois para serviços, além dos produtos da
lavoura.
Essas relações se espalharam por diversos lugares da comarca. O Alferes Acrísio
Januário Cardoso, por exemplo, era negociante estabelecido na Cachoeira de Itabuna, distante
cerca de 30km de Ilhéus, tinha a posse de sete escravos e uma plantação de 4.155 pés de
cacau, entre outros bens declarados no inventário, aberto em 1877, por ocasião da sua
morte116. Encontramos outros casos semelhantes, indicando que os negociantes estavam
acompanhando o crescimento da lavoura cacaueira, oferecendo crédito aos lavradores.
É oportuno lembrar que encontramos no Livro de imposto sobre casas de negócio
nomes de pessoas “consagradas” como fundadoras do município de Itabuna, como José
Firmino Alves e Henrique Alves dos Reis117. Na segunda metade do século XIX esse distrito
se tornou um dos principais núcleos de atração populacional devido às condições naturais
favoráveis ao desenvolvimento da lavora cacaueira. Certamente muitos negociantes
perceberam isso e aumentaram suas riquezas com a venda de produtos em suas casas de
negócio.
Antônio Fernando Guerreiro de Freitas não aprofundou o estudo dessas relações no
período 1850-1888, mas talvez ele não estivesse equivocado quanto aos grupos que mais se
beneficiaram com a expansão da lavoura cacaueira.
116
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Alferes Acrisio Januário Cardoso. Est. 03, Cx. 1298, Maço 1767,
Doc. 08, 21 de abr. 1877.
117
APEB, SCP, Maço 5455. Livro de imposto sobre Casas de Negócio. Ilhéus, 1874-1892. Para uma discussão
da História de Itabuna ver, SILVA, Ayalla Oliveira. Camacãs, guerens, pataxós e o aldeamento São Pedro de
Alcântara: trabalho, relações interétnicas e ocupação do território de Cachoeira de Itabuna, Sul da Bahia (1814-
1877). Dissertação (Mestrado em História). ICHS-UFRRJ. Rio de Janeiro, 2015. (Cap. I – Nem tudo era
sergipano: a escrita do mito pioneiro e invizibilização indígena nas origens de Itabuna).
118
FREITAS, Op. cit., p. 14.
51
A carne bovina era um dos produtos que integrava a dieta da população da comarca de
Ilhéus. A Câmara Municipal registrou o tributo sobre o Gado Vacum abatido em dois livros.
O primeiro abrange o período 1862-1879, e o segundo 1879-1888. Como são
cronologicamente complementares, optamos por realizar uma análise conjunta dos mesmos, o
que facilita a apresentação dos dados e permite uma visão global do fenômeno no período
(1864-1888)120.
A análise desta documentação permite inferir que a pecuária extensiva não foi uma
atividade econômica que se destacou em Ilhéus durante a segunda metade do século XIX.
Entre os inventariados encontramos pequenas criações e no Livro de cobrança de impostos
constam poucos abatimentos de bois. No entanto, devemos considerar que uma parte devia
escapar da fiscalização municipal.
No geral cada pessoa abatia apenas um animal por mês e as listagens dos fornecedores
não são extensas. Assim, por exemplo, em fevereiro de 1864 houve registro de cobrança de
imposto de apenas dois abastimentos, um realizado no dia 14 e outro no dia 20.
De acordo com o Livro de impostos no ano de 1864 foram abatidos apenas 48 animais,
porém, no decurso do período a tendência foi de crescimento desse número, o que pode ser
reflexo do aumento da fiscalização. Como mostra o Gráfico 1.2.
119
Brasil, Lei de 1º de outubro de 1828. Da nova forma às Camaras Municipais, marca suas atribuições, e o
processo para a sua eleição e dos juízes de paz. Título II – Funções municipais. Art. 66. In: Coleção de Leis do
Império do Brasil, 1808-1889. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/atividade-
legislativa/legislacao/doimperio>. Acesso em: 25 maio 2016.
120
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre gado vacum abatido. Maço 5442. Ilhéus, 1862-1879;
Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre gado vacum abatido. Maço 5451. Ilhéus, 1879-1888.
52
1876
1864
1865
1866
1867
1868
1869
1870
1871
1872
1873
1874
1875
1877
1878
1879
1880
1881
1882
1883
1884
1885
1886
1887
1888
Fonte: APEB, SCP. Maços 5442 e 5451. Câmara de Ilhéus. Imposto sobre Gado Vacum abatido.
Ilhéus, 1864-1888.
O Gráfico 1.1 permite identificar as variações nas quantidades de gado vacum abatido
em Ilhéus no período 1864-1888. No primeiro Livro (1864-1879) encontramos o total de 923
bois abatidos, no segundo (1879-1888) esse número subiu para 1.035. O ano em que houve
maior número de abatimentos foi 1880, com 175 bois abatidos; por outro lado, a menor cifra
foi registrada em 1886, quando apenas 3 animais foram abatidos. As médias mensais
oscilaram entre o mínimo de 4,2 e o máximo de 15 abatimentos.
A análise desta documentação permite afirmar que nesse período não houve
regularidade no fornecimento de carne bovina em Ilhéus, pois ocorreram muitas oscilações.
Poucos meses mantiveram a frequência, com lacuna notória em 1886, quando apenas 3
animais foram abatidos em janeiro, ficando os demais meses deste ano sem registros, não
sabemos por quais motivos. Além deste caso o Gráfico 1.1 demonstra variações significativas
ao longo do período.
Ao que parece a carne bovina era vendida nas diversas feiras e casas de negócios
espalhadas por Ilhéus na segunda metade do século XIX. Não encontramos nos Livros de
cobrança de impostos, nem nos inventários post mortem, referências a matadouro público,
mas é possível que existisse, já que a Câmara controlou a atividade.
Ademais, como já frisamos, muitos abatimentos podiam ser realizados no interior das
fazendas, sítios e roças espalhados pelo município, longe da fiscalização municipal, assim,
talvez a documentação esteja refletindo os abatimentos realizados no matadouro público
localizado nas proximidades da vila, mas a documentação não revela nada sobre o assunto.
53
121
APEB, SCP, Maço 5455. Livro de imposto sobre Casas de Negócio. Ilhéus, 1874-1892.
122
Ibidem.
54
123
APEB, SCP. Livro de imposto sobre Gado Vacum abatido. Maço 5442 (1862-1879); Maço 5451 (1879-
1888); APEB, SCP. Livro de classificação dos escravos para serem libertos pelo fundo de emancipação. Lv.
7008. Ilhéus, 1874-1886.
124
APEB, SCP. Livro de imposto sobre Gado Vacum abatido. Maço 5442 (1862-1879); Maço 5451 (1879-
1888)
125
Brasil, Lei de 1º de outubro de 1828. Da nova forma às Camaras Municipais, marca suas atribuições, e o
processo para a sua eleição e dos juízes de paz. Título II – Funções municipais. Art. 66. In: Coleção de Leis do
Império do Brasil, 1808-1889. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/atividade-
legislativa/legislacao/doimperio>. Acesso em: 25 maio 2016.
55
A carne de porco foi outro produto que integrou a dieta da população de Ilhéus. O
livro que serviu para o registro do imposto relativo ao gado suíno abatido revela um
fornecimento muito pequeno deste tipo de carne126. Ao longo do período, que compreende
aproximadamente 14 anos, foram registrados o abatimento de apenas 156 animais, perfazendo
uma média de 13 suínos abatidos por ano, cifra muito baixa tendo em vista o tamanho da
população, 5.682 habitantes em 1872127. O Gráfico 1.2 mostra a variação do abatimento de
suínos em Ilhéus entre 1872 e 1885.
25
20
15
10
Fonte: APEB, SCP. Maço 5447. Câmara de Ilhéus. Imposto sobre Gado Suíno abatido.
Ilhéus, 1872- 1885.
O Gráfico 1.2 demonstra as variações nas quantidades de gado suíno abatido. O ano
com maior número de registro foi 1874, com o total de 28 suínos abatidos. Nos anos seguintes
as quantidades declinaram de forma acentuada, chegando a não ocorrer registros em 1881 e
1882. A partir daí o número de abatimentos voltou a crescer, mas sem alcançar o nível de
antes, pelo menos até onde foi possível investigar.
Todavia, como salientamos anteriormente em relação ao gado bovino, esse número
certamente não revela o real consumo de carne suína no território da comarca,
correspondendo apenas ao que era controlado pela Câmara, o que provavelmente se refere aos
126
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre gado suíno abatido. Maço 5447. Ilhéus, 1872-1885.
127
Recenseamento Geral do Império do Brazil de 1872. Disponível em: <http://www.biblioteca.ibge.gov.br>.
Acesso em 15 de fev. 2018.
56
animais que eram abatidos e vendidos nas casas de negócios espalhadas na vila e seu termo.
Os moradores das diversas fazendas, roças e sítios distantes da vila poderiam ter pequenas
criações de suínos, abatendo-os em locais que escapavam do controle da Câmara e da
fiscalização.
Ademais, os fornecedores de carne suína de Ilhéus pagavam tributos que
provavelmente fazia aumentar o preço da carne. Também é importante ressaltar os custos que
incidiam no processo de abatimento, separação das partes do porco, salgamento, transporte e
armazenamento da carne. A Tabela 1.5 apresenta os principais fornecedores do gado suíno
abatido em Ilhéus.
José Carlos Leopoldo Vallet foi o mais importante fornecedor do gado suíno abatido
em Ilhéus no período, responsável por 20,5% de todos abatimentos. Não localizamos seu
inventário, mas ele consta no Livro de imposto sobre casa de negócio, assim, constatamos que
ele era negociante128, mas não apresentou escravos no Livro de classificação para libertação.
Ademais, ele aparece como um dos credores do Tenente Cândido Narciso Soares, que lhes
devia a quantia de Rs. 6$320 quando faleceu em 1869129, e de Lúcio Antônio Brandão, que
lhe devia o valor de Rs.32$000, proveniente de gêneros comprados em sua loja130.
Manoel Rodrigues de Moura aparece entre os principais fornecedores do gado suíno
abatido em Ilhéus e também se destacou entre os fornecedores de gado vacum131. Não
localizamos o seu inventário, ele também não consta no Livro de imposto sobre casa de
128
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre casas de negócios. Maço 5455. Ilhéus, 1874-1892.
129
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Tenente Cândido Narciso Soares. Est. 03, Cx. 1270, Maço 1739,
Doc. 1, 01 de jan. 1869.
130
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Lúcio Antônio Brandão. Est. 02, Cx. 740, Maço 1205, Doc. 6,
22 de fev. 1871.
131
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre gado suíno abatido. Maço 5447. Ilhéus, 1872-1885;
APEB, SCP. Livro de imposto sobre Gado Vacum abatido. Maço 5442 (1862-1879); Maço 5451 (1879- 1888).
57
negócio e nem no Livro de classificação dos escravos. Claudino José de Oliveira foi outro
importante fornecedor de gado suíno de Ilhéus. Faleceu em outubro de 1880, era dono
Fazenda Mapendi, com três escravos, um boi do serviço e uma plantação de mandioca, entre
outros bens132.
Embora algo em torno de 37% do fornecimento de gado vacum estivesse concentrado
não mãos de quatro pessoas, muita gente participava da atividade. Mais uma vez, destacamos
a presença de mulheres, ainda que minoria. Dona Maria Saraiva, Dona Alifan Dimas Lessa,
Perpétua Felicidade dos Santos, Ana Bernardes Gomes, Joana Maria da Conceição e Joana
Maria Dantas, foram mulheres que pagaram imposto pelo abatimento de gado suíno em
Ilhéus133.
Afora essa peculiaridade, diversas pessoas participavam dessa atividade e algumas
possuíam escravos. Adão Schaum, por exemplo, era comerciante, pagou imposto sobre sua
casa de negócio134, forneceu gado vacum e suíno para serem abatidos na vila e registrou
quatro escravos no Livro de classificação135. Existem outros exemplos semelhantes, indicando
que certamente os escravos e as escravas trabalhavam nas atividades relacionadas com a
venda de carne bovina e suína, dentre outros setores da economia de Ilhéus.
132
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Claudino José de Oliveira. Est. 02, Cx. 740, Maço 1205, Doc. 6,
22 de fev. 1871.
133
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre gado suíno abatido. Maço 5447. Ilhéus, 1872-1885
134
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre casas de negócios. Maço 5455. Ilhéus, 1874-1892.
135
APEB, SCP. Livro de classificação dos escravos para serem libertos pelo fundo de emancipação. Lv. 7008.
Ilhéus, 1874-1886.
136
Tratado de paz proposto pelos escravos do Engenho Santana de Ilhéus em 1789. In: SCHWARTZ, Stuart.
Escravos, roceiros e rebeldes. Tradução Jussara Simões. Bauru, SP: EDUSC, 2001. p. 119-121.
137
Ver, entre outros, DIAS, Marcelo Henrique. Farinha, madeiras e cabotagem: a capitania de Ilhéus no antigo
sistema colonial. Ilhéus: Editus, 2011. DEAN, Warren. A ferro e fogo. A história e a devastação da Mata
Atlântica. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
58
138
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de Lançamento dos rendimentos relativos a direitos de madeira. Maço
5438. Ilhéus, 1862-1870.
139
No catálogo do APEB a data correspondente a este livro é 1862-1870, porém, ao consultar o documento
percebemos que ele se estende até 1876, por isso nas citações mantivemos a data do período correto, 1862-1876.
Ademais, constatamos que a partir de 1864 o procurador lançou o tributo relativo à décima urbana pois a palavra
décima passa a ser usada ao lado dos nomes das pessoas tributadas, com diferenças nominais notória entre os
dois grupos, isto é, exploradores de madeira e pagadores do imposto da décima urbana.
140
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de Lançamento dos rendimentos relativos a direitos de madeira. Maço
5438. Ilhéus, 1862-1870.
141
Ibidem.
59
A principal madeira explorada em 1863 foi o jacarandá (1.226 paus), seguida por
cedro (1.061 paus), como demonstra a Tabela 1.6. Se cada pau for uma árvore derrubada,
calculamos que neste ano houve desmatamento de pelo menos 2.570 plantas, incluindo, além
das mencionadas, os paus de jangada e condurú.
Ao que parece boa parte do jacarandá era proveniente da Cachoeira de Itabuna,
terceiro distrito de Ilhéus. Embora o livro não traga informação sobre a origem das madeiras,
muitos inventários post mortem de moradores deste distrito se referem ao lugar denominado
jacarandá, ou jacarandá de dentro, o que pode ser uma referência, ou pelo menos uma pista, a
respeito de uma das áreas de exploração. Ademais, o rio Cachoeira serviu como uma das
principais entradas para a expansão da lavoura cacaueira em Ilhéus, sendo que a exploração
das matas para abertura das roças de cacau acompanhou esse processo. Vale ressaltar que
esses dados se referem apenas ao que era controlado pela Câmara, outra parte devia escapar
da fiscalização.
Os principais exploradores de madeira encontram-se na Tabela 1.7. É importante
salientar que cada registro no livro continha quantidades e qualidades variadas de madeiras,
por isso optamos por apresentar apenas os nomes das pessoas com maior frequência no livro,
sem descrever todos os tipos de madeiras que elas exploraram.
60
142
Ver APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre casas de negócios. Maço 5455. Ilhéus, 1874-
1892.
143
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Thomas Dias dos Inocentes. Est. 02, Cx. 738, Maço 1203, Doc.
5, 18 de ago. 1874.
61
avaliada em Rs. 9$000 e todas por Rs. 360$000144. Em 1863 o imposto sobre cada carrada
era de Rs.$100. Na Fazenda Piratiquesse, em 1878, cada tábua de louro foi avaliada em Rs.
1$280145, e o tributo cobrado em 1863 era de Rs. $083 sobre cada tabua explorada146. Esses
exemplos indicam que a exploração de madeira era uma atividade rentável.
***
144
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Tenente Cândido Narciso Soares. Est. 03, Cx. 1270, Maço 1739,
Doc. 1, 01 de out. 1869.
145
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Capitão Pascoal Gonçalves de Paiva. Est. 02, Cx. 750, Maço
1216, Doc. 13, 17 de set. 1878.
146
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de Lançamento dos rendimentos relativos a direitos de madeira. Maço
5438. Ilhéus, 1862-1870.
147
BARICKMAN, Bert J. Até a véspera: o trabalho escravo e a produção de açúcar nos engenhos do Recôncavo
baiano (1850-1881). Afro-Ásia. Salvador, n. 21-22, p. 177-238, 1998-1999.
148
BARICKMAN, Bert J. Um contraponto baiano: açúcar, fumo, mandioca e escravidão no Recôncavo, 1780-
1860. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
62
secundária se comprado ao açúcar e ao café. Nesse sentido parece que ele não foi o principal
atrativo econômico do sul da província, e sim a empresa açucareira, dada abundância de terras
virgens e disponibilidade de madeiras.
As madeiras inclusive eram produtos que geravam mais receitas de exportação que o
cacau. Neste capítulo mostramos que vários negociantes estavam envolvidos com exploração
de madeiras. Certamente eles lucravam com essa atividade, não por acaso pagavam os
impostos para terem o direito de exploração. Todavia, suas negociações não se restringiam ao
negócio madeireiro, eles forneciam crédito à população e recebiam gêneros da lavoura como
pagamento. Certamente perceberam que os cultivos de cacau e café estavam se
desenvolvendo em Ilhéus e se interessaram em lucrar como o comércio dessas mercadorias.
Essa observação vai de encontro às análises de Antônio Fernando Guerreiro de Freitas,
segundo o qual o crédito comercial acompanhou o desenvolvimento da lavoura cacaueira
desde o início da sua formação149. Ainda que o estudo deste autor tenha como foco o período
da Primeira República, nossas análises sugerem que desde meados do século XIX já existiam
grupos intermediários (negociantes) financiando o desenvolvimento da economia de Ilhéus
com oferta de crédito.
Ademais, verificamos que além dos Livros tratados neste capítulo existiam outros
tipos de tributação. Cobravam impostos sobre a décima urbana (1857-1858) e (1872-1888);
sobre foros de terrenos (1879-1892); sobre balança grande (1862-1878), sobre passagem
(1865-1878) e sobre a venda de pólvora (1862-1890)150.
Além destes, vários produtos destinados à exportação também eram tributados. No
próximo capítulo da tese dedicamos atenção à esses produtos, identificando os principais
exportadores, os artigos exportados e a posse de escravos.
149
FREITAS, Antônio Fernando Guerreiro. Os donos dos frutos de ouro. Dissertação (Mestrado em Ciências
Sociais). ICS-UFBA. Salvador, 1979.
150
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto das décimas urbanas. Maço 5431. Ilhéus, 1857-1858; Livro
de imposto das décimas urbanas. Maço 5450. Ilhéus, 1872-1888; Livro de imposto dos foros de terrenos. Maço
5457. Ilhéus, 1879-1892; Livro de imposto sob direitos de balança grande. Maço 5452. Ilhéus, 1880-1888; Livro
de imposto sob direitos de passagens. Maço 5440. Ilhéus, 1865-1878; Livro de imposto sobre vendagem de
pólvora e fogos de artifício. Maço 5454. Ilhéus, 1862-1890.
63
CAPÍTULO II
EXPORTAÇÕES E POSSE DE ESCRAVOS. ILHÉUS, 1850-1888
2.1 - Introdução
A maioria dos estudos sobre a economia cacaueira do sul da Bahia privilegiou o século
XX como foco das análises, especialmente por ter sido nesta centúria que o cacau se destacou
nas exportações do Estado e contribuiu para tornar o Brasil um dos maiores fornecedores
mundiais do fruto151. De modo geral, parte da literatura negou a presença da escravidão no
século anterior, privilegiando os coronéis e o mandonismo como foco das análises, atribuindo
pouca ou nenhuma importância às relações escravistas e à economia de Ilhéus no século
XIX152.
Nas últimas décadas, o avanço das pesquisas em arquivos trouxe revisões importantes
desses paradigmas, criticando muitos de seus postulados. Mary Ann Mahony é a pesquisadora
que mais contribuiu para realçar a presença da escravidão na economia cacaueira. Suas
análises enfatizaram que a posse de escravos estava difundida em Ilhéus no século XIX e que
algumas famílias ligadas à elite açucareira do Recôncavo se transferiram para Ilhéus e fizeram
grandes investimentos no cacau, entre elas as famílias Sá, Cerqueira Lima e Gallo153.
As nossas análises seguem essa direção crítica, acreditamos que na segunda metade do
século XIX o processo de ocupação da comarca de Ilhéus se intensificou e várias atividades
econômicas se desenvolveram, sendo que muitos produtos eram exportados, inclusive o
cacau. Ademais, havia negociantes exportando diversos artigos, sendo que nessa época não
existia uma especialização na economia, visto que a cultura do cacau se afirmou somente nos
151
Sobre o assunto ver, entre outros. SANTOS, Milton. Zona do cacau: introdução ao estudo geográfico.
Companhia Editora Nacional, 2ed. São Paulo, 1957. BAIARDI, Amílcar. Subordinação do trabalho ao capital
na lavoura cacaueira da Bahia. São Paulo: Editora Hucitec, 1984.
152
Ver, por exemplo, BARROS, Francisco Borges. Memória sobre o município de Ilhéus. 3ª ed. Ilhéus: Editus;
Fundação cultural de Ilhéus, 2004; FALCÓN, Gustavo. Os coronéis do cacau: raízes do mandonismo político
em Ilhéus, 1890-1930. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais). UFBA, Salvador, 1983. ADONIAS FILHO.
Sul da Bahia, chão de cacau. 2ª ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1978.
153
MAHONY, Mary Ann. “Instrumentos Necessários” Escravidão e Posse de Escravos no Sul da Bahia no
século XIX, 1822-1889. Afro-Ásia, Salvador, n. 25-26, p. 95-139, 2001. p. 109.
64
primeiros decênios do século XX154. Outrossim, sustentamos que o trabalho escravo estava
presente naquele contexto, em várias atividades, inclusive nas exportações155.
Argumentamos que durante o período 1850-1888 o cacau não ocupou lugar de
destaque nas exportações da província, mas aos poucos adquiriu importância na economia de
Ilhéus.
Acreditamos que nesse contexto os negociantes se sobressaíram no comércio de
mercadorias, no setor de exportação e abastecimento interno. Como demonstramos no
primeiro capítulo, eles obtinham mercadorias industrializadas na capital da província para
revende-las em suas casas de negócios em Ilhéus, enquanto outros produtos eram exportados
de Ilhéus para Salvador e de lá para países estrangeiros. Todos esses produtos estavam
sujeitos às oscilações da demanda externa, à disponibilidade de transportes para exportação,
ao pagamento de fretes e impostos municipais.
Analisaremos a economia de exportação de Ilhéus tentando perceber a influência
desses fatores e dos negociantes. A nossa hipótese é que nesse contexto as atividades
econômicas se diversificaram e vários produtos, além do cacau, integravam a pauta de
exportações da comarca, sendo que a Câmara atuou no controle dessas atividades por meio da
cobrança de tributos.
As fontes que servem de suporte para as análises são os Livros de cobrança de
impostos sobre os produtos destinados para fora do município, quais sejam: cacau e café
(1871-1885); cachaça (1870-1878), jacarandá (1870-1879); piaçava (1879-1892) e couros
(1878-1892).156
Analisaremos de modo sistemático as exportações de cada um desses produtos,
destacando as principais pessoas envolvidas, o pagamento de impostos e a presença da posse
de escravos.
154
Segundo Angelina Nobre R. Garcez e Antônio Fernando G. de Freitas, no período entre 1890 e 1930 a
lavoura cacaueira percorre a sua trajetória mais promissora e de plena afirmação econômica. GARCEZ,
Angelina N. R.; FREITAS, Antônio Fernando Guerreiro de. Bahia cacaueira: um estudo de história recente.
Centro Editorial e Didático da Universidade Federal da Bahia. Salvador, 1979.
155
Sobre o trabalho escravo em Ilhéus ver, entre outros, MAHONY, Mary Ann. “Instrumentos Necessários”
Escravidão e Posse de Escravos no Sul da Bahia no século XIX, 1822-1889. Afro-Ásia, Salvador, n. 25-26, p. 95-
139, 2001; ANDRADE, Marcelo Loyola de. Nos labirintos da liberdade. Das alforrias na lavoura cacaueira
(Ilhéus-BA, 1810-1850) à discussão historiográfica acerca das manumissões no Brasil do século XIX.
Dissertação (Mestrado em História) - FFLCH/USP, São Paulo, 2013; CRUZ, Ronaldo Lima da. Conflitos e
tensões: conquistas de escravizados e libertos no sul da Bahia (1880-1900). Dissertação (Mestrado em História) -
FCHS/UNESP, Franca, 2012; GONÇALVES, Victor Santos. Escravos e senhores na terra do cacau: alforrias e
família escrava (São Jorge dos Ilhéos, 1806-1888). Dissertação (Mestrado em História) – FFCH, UFBA,
Salvador, 2014.
156
Disponíveis no Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB), Seção Colonial Provincial (SCP). Livros de
cobrança de imposto da Câmara de Ilhéus. Maço 5459 - Cacau e Café (1871-1885); Maço 5441 - Cachaça (1870-
1878); Maço 5443 - Jacarandá (1870-1879); Maço 5458 - Piaçava (1879-1892) e Maço 5456 - Couros (1878-
1892).
65
O Livro que serviu para o registro do imposto sobre exportação de cacau e café foi
aberto pelo Presidente da Câmara Municipal, Joaquim Pereira Caldas, em 12 de janeiro de
1871157. O procurador responsável pela arrecadação dos impostos foi Francisco Antônio de
Salles Silva, que preencheu os livros com os nomes dos exportadores, registrando os dias e os
meses das exportações, as quantidades exportadas e os impostos pagos. No final de cada mês
ele somava a receita, descrevia o total por extenso, datava e assinava.
Em alguns meses não houve registro e a série apresenta lacunas. Ademais, não é
possível saber o destino das exportações, quem eram os compradores dos produtos e nem os
preços de venda das mercadorias exportadas, o mesmo ocorrendo com os demais livros158.
Essa documentação constitui fonte valiosa para as pesquisas sobre a economia do sul
da Bahia no século XIX, haja vista a carência de estudos sistemáticos a respeito das
exportações das vilas localizadas nessa parte da província.
A primeira folha do Livro fornece uma noção das exportações e das pessoas
envolvidas no comércio. Em janeiro de 1871 foram lançados treze nomes de exportadores,
quantidade que se mantém relativamente razoável ao longo da série, mas com alguns
declínios, especialmente nos meses de abril e maio.
O primeiro nome da lista é Fernando Steiger, uma das pessoas que aparece com
frequência ao longo dos anos. Em janeiro de 1871 ele exportou 1.068 arrobas de cacau e
pagou Rs. 21$360 (vinte e um mil trezentos e sessenta réis) de impostos. Dividindo este valor
pela quantidade de arrobas verificamos que por cada arroba exportada incidia a quantia de
Rs.$020 (vinte réis), mas ao longo do período a tarifa aumentou.
Outros importantes exportadores também aparecem nessa primeira lista, como Luiz
Adami, Jose Simeão Moreno dos Reis e Antônio da Cruz Rabelo Leitão, por exemplo159. O
total das exportações deste mês foi de 5.656 arrobas de cacau, sendo que não houve
exportação de café, e a Câmara Municipal arrecadou Rs. 113$120 de impostos.
As exportações de cacau superaram as exportações de café, num total de 242.635
arrobas contra 8.386, respectivamente. Inicialmente analisamos as exportações de cacau,
157
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre exportação de cacau e café. Maço 5459. Ilhéus, 1871-
1885.
158
Utilizamos o termo exportação para se referir aos produtos enviados para fora de Ilhéus.
159
Vale explicar que alguns nomes foram registrados com abreviações, ou com o acréscimo de outro sobrenome,
como existe fortes evidências acreditamos que se tratava da mesma pessoa. Assim, por exemplo, Joze Simeão,
teve seu nome registado desta forma, outras vezes como Joze Simeão Mor. e como Joze Simeão Moreno dos
Reis, de modo semelhante aconteceu com Antônio da Cruz Rabello e Joze Malaquias Barbosa, dentre outros.
66
lembrando que este produto dependia exclusivamente da demanda externa, visto que nessa
época a fabricação de chocolate se realizava principalmente na Europa e nos Estados Unidos.
O Gráfico 2.1 mostra o comportamento das exportações de cacau em Ilhéus no período
1871-1885.
Fonte: APEB. SCP. Maço 5459. Câmara de Ilhéus: Imposto sobre exportação de cacau e café.
Ilhéus, 1871-1885.
passou a cobrar Rs. $180 (cento e oitenta réis) por cada arroba de cacau ou de café
exportada160.
Esse aumento pode ter influenciado produtores e negociantes a buscarem rotas
alternativas de exportação, o que parece ser uma hipótese pouco provável, já que a economia
de Ilhéus devia funcionar no sistema de porto único.
Outra hipótese é que nessa época as lavouras se expandiram principalmente pelas
encostas dos rios, sobretudo o Cachoeira de Itabuna, que passava por enchentes periódicas,
alagando as lavouras e prejudicando a produção, como ressaltaram Angelina Nobre R. Garcez
e Antônio Fernando G. de Freitas,
160
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre exportação de cacau e café. Maço 5459. Ilhéus, 1871-
1885.
161
GARCEZ, Angelina Nobre Rolim; FREITAS, Antônio Fernando Guerreiro de. Bahia cacaueira: um estudo
de história recente. Salvador: Centro Editorial e Didático da Universidade Federal da Bahia, 1979. p. 20-21.
162
Ver, entre outros, BONDAR, Gregório. A cultura de cacao na Bahia. Instituto de Cacau da Bahia (ICB) –
Boletim Técnico n 1º. Empresa Gráfica da “Revista dos Tribunaes”. São Paulo: 1938. p. 126-164.
68
período. Desse modo, as hipóteses que levantamos podem servir para explicar não apenas o
caso do cacau, mas também do café, que também teve que se adaptar às condições naturais do
território da comarca de Ilhéus. O Gráfico 2.2 mostra as variações nas exportações de café.
2.000
1.500
1.000
500
Fonte: APEB. SCP. Maço 5459. Câmara de Ilhéus: Imposto sobre exportação de cacau e café.
Ilhéus, 1871-1885.
O Gráfico 2.2 mostra as variações nas exportações de café, com acentuado declínio do
período 1871-1885. Em 1871 as exportações de café atingiram o pico com 2.243 arrobas. No
último triênio do período, precisamente em junho de 1884, somente 38 arrobas de café foram
exportadas.
Apesar da diferença no volume das exportações dos produtos ambos eram importantes
para a economia de Ilhéus. O café, além de exportado, podia circular no mercado interno, uma
parte da produção, ainda que pequena, devia servir ao consumo diário da população.
Ademais, algumas pessoas, mesmo grandes exportadores de cacau, em certas ocasiões,
exportaram mais café. Luiz Adami, por exemplo, no dia 5 de maio de 1871 exportou 56
arrobas de café e apenas 8 de cacau163. Uma possível explicação para tal ocorrência é que os
meses de março, abril e maio foram os que apresentaram as menores médias de exportação de
cacau, 245, 48 e 280 arrobas, respectivamente, ao passo que a média dos meses de dezembro
foi de 2.647 arrobas, e dos meses de janeiro 2.568, o que corresponde às maiores médias
mensais de exportação compulsadas.
163
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre exportação de cacau e café. Maço 5459. Ilhéus, 1871-
1885.
69
Com efeito, observando a série é possível notar que as maiores exportações de cacau
ocorriam no segundo semestre, começando em agosto e se estendendo até janeiro. O café, por
sua vez, era exportado em maiores quantidades nos meses de maio, junho e julho, cujas
médias mensais compulsadas chegaram a 334, 157 e 116 arrobas, respectivamente.
A diferença quantitativa entre os dois produtos, no entanto, deve-se às condições
naturais do território. O café se adaptou melhor ao clima e ao solo da região Sudeste e era o
principal produto de exportação do Império nesse período, mas no sul da Bahia o cacau se
desenvolveu melhor, mesmo assim, encontramos várias pessoas exportando os dois produtos,
o que significa que o café também tinha importância naquele contexto.
Começaremos analisando os principais exportadores de cacau.
A Tabela 2.1 demonstra alta concentração das exportações de cacau nas mãos de
poucas pessoas. Praticamente sete indivíduos foram responsáveis por algo em torno de 70%
das exportações de cacau no período.
Luiz Adami, por exemplo, foi responsável por 28,1% das exportações de cacau e por
17% das exportações de café. No primeiro capítulo comentamos sobre ele, destacamos que
era negociante e o seu filho, José Carlos Adami, dono da loja e armazém Guarany, também
aparece entre os principais exportadores de cacau, responsável por 4,7% de todas exportações.
Outro filho de Luiz Adami era coletor da mesa de rendas provinciais, Domingos Adami de Sá,
70
que também exportou cacau, embora seu nome não esteja na Tabela 2.1. Somando as
exportações dos três podemos afirmar que eles concentraram pelo menos um terço das
exportações de cacau e todos apresentaram escravos para concorrerem à libertação, mas a
quantidade de cativos indica que eles não eram grandes escravistas164. O inventário de Luiz
Adami foi aberto em 1877, por ocasião da sua morte, sendo que nesta data ela não tinha
plantação alguma de cacau e era dono de cinco escravos, dentre outros bens165.
Outra pessoa que se destacou nas exportações foi José Simeão Moreno dos Reis,
responsável por 14% de todo o cacau exportado e por 31,4% das exportações de café. Seu
inventário foi aberto em 1881, ano em que ele faleceu, quando possuía apenas uma escrava,
uma plantação de cacau avaliada em Rs. 500$000, dentre outros bens. Analisando seu
inventário constatamos que ele não era grande produtor de cacau, atuava como negociante,
junto com alguns filhos, que também aparecem no Livro de impostos sobre casas de negócio,
como João Simeão Moreno e Antônio Simeão Moreno166. Entre os bens desta família
constava uma lancha, que o falecido tinha em sociedade com Bernardo Sellemam, outro
negociante, que não tinha produção de cacau quando faleceu em 1881 e era dono de três
escravos, entre outros bens, além de ter atuado como presidente da Câmara Municipal de
Ilhéus167.
Nos autos do processo alguns parentes e o sócio reclamaram ao juiz dos prejuízos da
lancha estar parada no porto da vila, solicitando licença para navegar até o porto da Bahia
(Salvador)168. Entre os reclamantes encontramos Manoel Esteves Moreno, que também se
destacou nas exportações de vários produtos. Assim, pelo sobrenome comum, identificamos
que eram membros da mesma família. Manoel Esteves Moreno foi responsável por 4,6% de
todas exportações de cacau, além dele, outros membros desta família exportaram várias
mercadorias, como veremos nas próximas páginas. Assim, é possível afirmar que pelo menos
um quarto das exportações de cacau foi realizada por esses negociantes169.
164
APEB, SCP. Livro de classificação dos escravos para serem libertos pelo fundo de emancipação. Lv. 7008.
Ilhéus, 1874-1886.
165
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Luiz Adami. Est. 03, Cx. 1372, Maço 1841, Doc. 18, 28 de maio
1887.
166
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. José Simeão Moreno dos Reis. Est. 02, Cx. 781, Maço 1248,
Doc. 10, 09 de jul. 1881; APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre casas de negócios. Maço 5455.
Ilhéus, 1874-1892.
167
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Major Bernardo Sellman. Est. 02, Cx. 755, Maço 1221, Doc. 01,
11 de nov. 1881.
168
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. José Simeão Moreno dos Reis. Est. 02, Cx. 781, Maço 1248,
Doc. 10, 09 de jul. 1881.
169
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre casas de negócios. Maço 5455. Ilhéus, 1874-1892.
71
Outro nome que se destacou na Tabela 2.1 foi Fernando Steiger, que exportou 8.340
arrobas de cacau (3,4% do total) e 921 arrobas de café (11%)170. Ele foi um dos que mais
apresentou escravos para concorrem à libertação (146 cativos)171. Neste caso identificamos
que ele integrava uma família de produtores de cacau e café. Sua falecida esposa, Dona
Amélia de Sá Steiger, era filha do Tenente Coronel Egídio Luiz de Sá Bitencourt Câmara e
Dona Rita Constança de Melo Sá. Este ramo da família Sá Bitencourt Câmara, uma das mais
tradicionais de Ilhéus, tinha fazendas com produção de cacau e café no distrito da Cachoeira
de Itabuna, além de imóveis na vila, dentre outros bens constantes no inventário de sua sogra,
aberto em 1880172. Outros membros desta família também aparecem exportando cacau, como
Capitão Egídio Luiz de Sá, cunhado de Fernando Steiger, que também classificou escravos
para concorrerem à libertação e era dono de fazendas com produção de cacau no distrito da
Cachoeira de Itabuna, entre outros bens173.
Antônio da Cruz Rabelo Leitão foi outro nome que se destacou nas exportações,
responsável por 7,2% das exportações de cacau e 12% das exportações de café. Não
encontramos seu inventário, mas seu nome consta no Livro de impostos sobre casas de
negócios, o que permite afirmar que ele era negociante174.
Agora vamos analisar a relação dos principais exportadores de café, constantes na
Tabela 2.2.
170
Ibidem.
171
APEB, SCP. Livro de classificação dos escravos para serem libertos pelo fundo de emancipação. Lv. 7008.
Ilhéus, 1874-1886.
172
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Rita Constança de Melo Sá. Est. 02, Cx. 759, Maço 1225, Doc.
04, 28 de ago. 1880.
173
APEB, SCP. Livro de classificação dos escravos para serem libertos pelo fundo de emancipação. Lv. 7008.
Ilhéus, 1874-1886.APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Capitão Egídio Luiz de Sá Bitencourt Camara.
Est. 02, Cx. 754, Maço 1220, Doc. 11, 16 de nov. 1880.
174
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre casas de negócios. Maço 5455. Ilhéus, 1874-1892
72
175
FREITAS, Antônio Fernando Guerreiro de. Os donos dos frutos de ouro. Dissertação (Mestrado em Ciências
Sociais). ICS-UFBA, 1979.
176
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre exportação de cacau e café. Maço 5459. Ilhéus, 1871-
1885.
73
aos portos de Camamu, Ilhéus, Canavieiras, Porto Seguro, São José, Colônia Leopoldina,
numa viagem redonda mensal”177.
Ilhéus não era o único município dedicado ao cultivo e exportação de cacau e café,
então é possível supor que essas companhias compravam produtos da lavoura para exportação
em outras partes da Bahia. Quando comparamos o volume das exportações desta localidade
com as quantidades apresentadas no quadro de exportação da província, apresentado pelo
Conselheiro Barão Homem de Mello na Assembleia Legislativa de 1878, conseguimos
dimensionar a questão.
O referido quadro contempla cinco (5) anos financeiros, começando em 1872-1873,
quando a província exportou, entre outros produtos, 79.171 arrobas de cacau e terminando em
1876-1877, quando essa cifra atingiu 97.910 arrobas. O Gráfico 2.3 apresenta o resultado da
comparação.
100.000
80.000
60.000
40.000
20.000
0
1872 1873 1874 1875 1876
Província Ilhéus
Fontes: Fala com que abriu no dia 1° de maio de 1878 a 57 a legislatura da Assembleia Legislativa Provincial
da Bahia o Exm. Sr. Conselheiro Barão Homem de Mello, presidente da Província da Bahia. Disponível em:
<http://www-apps.crl.edu/brazil/provincial> Acesso em 24 de março de 2018. APEB. SCP. Câmara de Ilhéus.
Livro de imposto sobre exportação de cacau e café. Maço 5459. Ilhéus, 1871-1885.
O Gráfico 2.3 revela que a participação de Ilhéus no quadro geral das exportações de
cacau da província não foi muito expressiva. Em 1872 o município chegou a exportar 47% do
177
MATTOSO, Kátia M. de Queirós. Bahia: a cidade do Salvador e seu mercado no século XIX. São Paulo:
Hucitec; Salvador: Secretaria Municipal de Educação e Cultura, 1978. p. 73-74.
74
total despachado pela Bahia para países estrangeiros, mas esse percentual diminuiu nos anos
seguintes.
Desse modo, outras comarcas também participavam das exportações. Como se ver no
Gráfico 2.3 existe diferenças significativas entre o volume das exportações de Ilhéus e o total
realizado pela província da Bahia entre os anos de 1872 e 1876. De onde vinha a outra parcela
da produção de cacau? Talvez, as outras comarcas despachassem cacau para Salvador em
proporção maior que Ilhéus, que certamente estava adaptando a cultura ao território nessa
época.
Como afirmaram Angelina N. R. Garcez e Antônio Fernando G. de Freitas, o cacau
percorreu a sua trajetória mais promissora e de plena afirmação econômica no período 1890-
1930178.
178
GARCEZ, Angelina Nobre Rolim; FREITAS, Antônio Fernando Guerreiro de. Bahia cacaueira: um estudo
de história recente. Salvador: Centro Editorial e Didático da Universidade Federal da Bahia, 1979. p. 21
179
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre exportação de aguardente de cana (cachaça). Maço
5441. Ilhéus, 1870-1878.
180
Os únicos meses que não ocorreram registros de impostos foram outubro de 1874 e junho de 1878.
181
Recenseamento Geral do Império do Brazil de 1872. Disponível em: <http://www.biblioteca.ibge.gov.br>.
Acesso em 15 de fev. 2018.
75
Cruz, que no dia 28 de outubro pagou Rs.$800 pela exportação de 80 canadas (548 litros) de
aguardente de cana182.
A pequena quantidade de nomes que aparece em cada mês, no máximo chegava-se a
listar sete, normalmente era em torno de quatro, e o volume da cachaça exportada por cada
um deles, permitem duas inferências relevantes: primeiro isso leva a crer que as exportações
estavam concentradas, devido à presença constante de determinados nomes durante os meses
e anos analisados, com registros de quantidades expressivas de cachaça exportada; segundo
que, apesar disso, era possível realizar exportações de pequenas quantidades, embora essas
ocorrências não tenham sido frequentes. Raras vezes encontramos exportações de apenas 2
barris no mês. A Tabela 2.3 apresenta os principais exportadores de cachaça de Ilhéus na
década de 1870.
182
Uma canada de aguardente da Bahia correspondia a 6,85 litros. Ver BARICKMAN, Bert J. Um contraponto
baiano: açúcar, fumo, mandioca e escravidão no Recôncavo, 1780-1860. Tradução de Maria Luiza X. de A.
Borges. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 23.
76
Mariana Caldas, era dona do Engenho São João, entre outros bens, e antes de falecer,
em 1878, exportou 548 litros de cachaça em janeiro de 1874, mais 840 em novembro do
mesmo ano, e por último160 litros em agosto de 1875183. Lourenço Dias Ribeiro tinha uma
Fazenda com engenho de moer cana e alambique no Iguape, dentre outros bens, e antes de
falecer, em 1879, exportou cachaça184.
Agora vamos analisar o volume da bebida exportada por Ilhéus entre outubro de 1870
e setembro de 1878, como mostra o Gráfico 2.4.
100.000
80.000
60.000
40.000
20.000
0
1870 1871 1872 1873 1874 1875 1876 1877 1878
Fonte: APEB. SCP. Maço 5441. Câmara de Ilhéus. Imposto sobre exportação de aguar-
dente de cana (cachaça). Ilhéus, 1870-1878.
O Gráfico 2.4 mostra as variações nas exportações de cachaça em Ilhéus entre 1870 e 1878,
sendo possível notar que as oscilações foram significativas. A menor média mensal foi de 2.629
litros em 1875, e a maior de 9.455 litros em 1876, ano que Ilhéus mais exportou cachaça
(113.470 litros). Se considerarmos a possibilidade de parte da produção ser desviada do
controle da Câmara, mais o que era consumido nos armazéns e botequins da vila, é possível
inferir que a produção fosse maior do que a apresentada no Gráfico 2.4. Ademais, na listagem
dos exportadores consta apenas um registro, realizado em setembro de 1876, no qual José
183
Ver, APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Mariana Joaquina de Queirós Caldas. Est. 02, Cx. 750,
Maço 1216, Doc. 07, 16 de set. 1878.; APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre exportação de
aguardente de cana (cachaça). Maço 5441. Ilhéus, 1870-1878.
184
Ver, APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Lourenço Dias Ribeiro. Est. 02, Cx. 754, Maço 1220, Doc.
01, 30 de jun. 1879; APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre exportação de aguardente de cana
(cachaça). Maço 5441. Ilhéus, 1870-1878
77
Malaquias Barboza exportou 600 litros de cachaça, explicitamente declarada como sendo de
fora do município.
Desse modo, a grande maioria dos registros foi de cachaça proveniente do próprio
município. Com base no quadro de exportação dos artigos da província da Bahia, em que
consta a aguardente e outros produtos, conseguimos calcular a participação da cachaça de
Ilhéus no total das exportações da província. O referido quadro contempla cinco (5) anos
financeiros, começando em 1872-1873, quando a província exportou, entre outros produtos,
602.844 litros de aguardente e terminando em 1876-1877, quando essa cifra despencou para
363.187 litros185. O Gráfico 2.5 apresenta o resultado da comparação.
Província Ilhéus
Fontes: Falla com que abriu no dia 1.o de maio de 1878 a 57 a legislatura da Assembleia
Legislativa Provincial da Bahia o exm. sr. conselheiro barão Homem de Mello, presidente
da província da Bahia. Disponível em: <http://www-apps.crl.edu/brazil/provincial>, acesso
em março de 2018; APEB. Seção Colonial Provincial. Maço 5441. Câmara de Ilhéus.
Imposto sobre a aguardente, 1870-1878.
185
Falla com que abriu no dia 1.o de maio de 1878 a 57 a legislatura da Assembléa Legislativa Provincial da
Bahia o exm. sr. conselheiro barão Homem de Mello, presidente da provincia da Bahia. Disponível em:
<http://www-apps.crl.edu/brazil/provincial> APEB. Seção Colonial Provincial. Maço 5441. Câmara de Ilhéus.
Imposto sobre a aguardente exportada, 1870-1878.
78
era de se esperar, visto que a Bahia possuía um território grande, composto por 17 comarcas,
além da capital, todas, provavelmente, também dedicadas à produção do destilado186.
Ainda com relação ao Gráfico 2.5, notamos que o menor percentual de participação no
total das exportações foi de 4,5% em 1874, todavia a aguardente de Ilhéus chegou a
corresponder a 31% de toda a cachaça exportada pela província da Bahia em 1876, indicando
que a fabricação da bebida era uma importante atividade econômica do município.
Alguns exportadores de cachaça também constam no Livro de classificação dos
escravos para serem libertos pelo fundo de emancipação (1874-1886)187. Os membros da
família Sá Bithencourt Camara, por exemplo, aparecem nos dois documentos. Eduardo de Sá
Bithencourt Camara listou três escravos e em abril de 1877 exportou 3.900 litros de cachaça.
Luiz Adami também listou três escravos, no entanto, exportou mais de 42.000 litros de
cachaça entre 1871 e 1877188. Mariana Caldas, dona do engenho São João, possuía, dentre
outros bens, 22 escravos antes de falecer em 1878189, sendo que seu nome aparece entre os
exportadores de cachaça. Lourenço Dias Ribeiro tinha Engenho no Iguape e possuía, dentre
outros bens, 20 escravos, antes de falecer em 1879190, seu nome também aparece nas
exportações de cachaça. Outros exemplos semelhantes poderiam ser mencionados para
demonstrar a relação de alguns exportadores da bebida com a posse de escravos.
186
Além da comarca de Ilhéus, cuja sede era a vila de mesmo nome, em 1853 a província da Bahia era composta
pelas seguintes comarcas, afora a capital: Abrantes, Cachoeira, Santo Amaro, Nazareth, Inhambupe, Itapicuru,
Monte Santo, Sento Sé, Jacobina, Rio de Contas, Urubu, Rio de São Francisco, Valença, Camamu, Porto Seguro
e Caravelas. In: Fala que recitou o Exm. Presidente da província da Bahia, dr. João Maurício Wanderley, na
abertura da Assembleia Legislativa da mesma província no dia 1º de março de 1853. Typ. Const. De Vicente
Ribeiro Moreira, 1853. Disponível em: <http://www-apps.crl.edu/brazil/provincial> Acesso em 24 de março de
2018.
187
APEB, SCP. Livro de classificação dos escravos para serem libertos pelo fundo de emancipação. Lv. 7008.
Ilhéus, 1874-1886.
188
Ibidem.
189
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Mariana Joaquina de Queirós Caldas. Est. 02, Cx. 750, Maço
1216, Doc. 07, 16 de set. 1878
190
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Lourenço Dias Ribeiro. Est. 02, Cx. 754, Maço 1220, Doc. 01,
30 de jun. 1879.
79
191
Ver, entre outros, DIAS, Marcelo Henrique. Farinha, Madeiras e Cabotagem: a Capitania de Ilhéus no antigo
sistema colonial. Ilhéus: Editus, 2011; PEREIRA, Rodrigo Osório. O império Botânico: as políticas portuguesas
para a flora da Bahia atlântica colonial, 1768-1808. Tese (Doutorado em História) – FAFICH-UFMG. Belo
Horizonte, 2013.
192
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de Lançamento dos rendimentos relativos a direitos de madeira. Maço
5438. Ilhéus, 1862-1870.
193
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre exportação de Jacarandá. Maço 5443. Ilhéus, 1870-
1879.
80
A Tabela 2.4 mostra que em torno de 70% das exportações de Jacarandá foram
realizadas por apenas quatro pessoas, evidenciando a forte concentração dessa atividade,
como também ocorreu com as exportações dos produtos anteriormente analisados.
81
[...] são solos profundos, permeáveis, leves, formados de areia solta. Como
vegetação espontânea possuem a piassaveira (Attalea funifera), bury, catulé,
ticum, e outras palmeiras, cyperaceas e fetos de solos ácidos [...] Estes
terrenos são de uma pobreza extrema e não acumulam húmus. Nenhuma
cultura racional de plantas alimentícias é praticável. A piassaveira é a única
espécie botânica que dá a estes solos um certo valor, estendendo-se do
município do Prado até a Bahia198.
194
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre casas de negócios. Maço 5455. Ilhéus, 1874-1892
195
APEB, SCP. Livro de classificação dos escravos para serem libertos pelo fundo de emancipação. Lv. 7008.
Ilhéus, 1874-1886
196
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. José Simeão Moreno dos Reis. Est. 02, Cx. 781, Maço 1248,
Doc. 10, 09 de jul. 1881
197
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre exportação de cacau e café. Maço 5459. Ilhéus, 1871-
1885.
198
BONDAR, Gregório. A cultura de cacao na Bahia. Instituto de Cacau da Bahia (ICB) – Boletim Técnico n
1º. Empresa Gráfica da “Revista dos Tribunaes”. São Paulo: 1938. p. 100.
82
habitam uns 800 índios [...], que ocupam-se com a fabricação de rosários de
cocos de piaçaba [...] outros em fazer cordas, escovas, esteiras, com as fibras
da piaçaba, e chapéus de palha do coqueiro, sabendo também tingir, com
pau-brasil ou pau-amarelo, esses chapéus e panos de algodão200.
199
DIAS, Marcelo Henrique. Economia, sociedade e paisagens da capitania e comarca de Ilhéus no período
colonial. Tese (Doutorado em História) – IFCH/UFF, Niterói, 2007. p. 364 (Tabela 17)
200
SPIX; MARTIUS, op. cit. p. 177.
201
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre exportação de piaçava. Maço 5458. Ilhéus, 1879-
1892.
83
60.000
50.000
40.000
30.000
20.000
10.000
0
1879 1880 1881 1882 1883 1884 1885 1886 1887 1888
Fonte: APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Maço 5458. Imposto sobre exportação de
piaçava. Ilhéus, 1879-1892.
Entre 1879 e 1888 as exportações de piaçava de Ilhéus declinaram muito, como se ver
no Gráfico 2.7. Diversos fatores podem estar associados a esse declínio, mas a documentação
não informa nada sobre isso. Talvez seja devido ao avanço da ocupação do território e
expulsão dos indígenas para o interior, que sofriam baixas constantes nas “guerras justas”, ou
devido à redução da demanda externa. Como a Bahia exportava piaçava para países
estrangeiros a demanda estava sujeita às oscilações do mercado externo.
Ao que parece a piaçava era extraída pelos diversos grupos indígenas que habitavam o
sul da Bahia. Isso fica evidente quando analisamos os inventários, onde quase não aparece
referência à cultura de piaçava. Quem seriam os exploradores desta fibra? Sabemos que o
município exportava o artigo, mas não sabemos quem extraía a piaçava da floresta, montava
os molhos e transportava o produto até o porto ou até as casas de negócio da vila. Esse
silêncio nas fontes pode indicar muita coisa, nossa interpretação é que era uma atividade
própria dos índios202.
Nesse sentido é importante conhecer os exportadores de piaçava de Ilhéus. A Tabela
2.5 apresenta os principais.
202
Sobre a cultura de piaçava na Bahia ver, por exemplo, GUIMARÃES, Carlos Alex Lima; SILVA, Luiz
Alberto Mattos. Piaçava da Bahia (Attalea funifera Martius): do extrativismo à cultura agrícola. Ilhéus, BA:
Editus, 2012.
84
Os nomes dos principais exportadores de piaçava já são bem conhecidos, pois eles
também atuaram de modo incisivo nas exportações dos produtos anteriormente analisados. A
família de José Simeão Moreno é um dos exemplos. Como salientamos eles possuíam alguns
escravos, mas não tinham ligação com a produção das mercadorias. A especialidade deles era
a exportação, comercializavam produtos e cobravam fretes pelo transporte de mercadorias.
Vale lembrar que ele tinha uma lancha em sociedade com Bernardo Sellman, que foi
presidente da Câmara municipal de Ilhéus203.
O imposto que incidia sobre cada molho de piaçava exportada era de Rs.$020 (vinte
réis), reduzindo-se para Rs.$015 a partir de outubro de 1879, mantendo-se assim até 1888.
Certamente os exportadores negociavam a piaçava com os indígenas, pagam o imposto à
Câmara Municipal e obtinham lucros com a venda do produto a preços mais elevados em
Salvador, onde a mercadoria era exportada para países estrangeiros, certamente por preços
ainda mais elevados.
A pecuária não foi uma atividade econômica que se destacou em Ilhéus no século
XIX. Ao que parece a criação extensiva não teve lugar na estrutura agrária do município,
sendo mais comum a utilização de gado como força de tração animal, como eram chamados
os “bois de brocha” ou “bois do serviço”, como evidenciam os inventários post mortem.
Não obstante, encontramos algumas propriedades com pequenas criações de bovinos,
incluindo vacas, novilhas, bezerros e garrotes. Ademais, o crescimento populacional
203
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. José Simeão Moreno dos Reis. Est. 02, Cx. 781, Maço 1248,
Doc. 10, 09 de jul. 1881.
85
certamente provocou aumento na demanda por alimentos, o que pode ter estimulado essa
atividade. Outro ponto a considerar é a abertura de estradas ligando Ilhéus ao interior da
Bahia e a outras províncias, especialmente do norte de Minas Gerias, o que pode ter
estimulado a vinda de gado de fora do município.
O Livro de imposto sobre exportação de couros secos ou salgados não informa nada a
respeito da origem do produto204, podendo ser proveniente de bois abatidos no interior das
fazendas ou nas proximidades da vila (matadouro), retirando-se o couro do animal para salgar,
secar e exportar. O Gráfico 2.8 permite analisar a movimentação das exportações de couros
em Ilhéus.
450
400
350
300
250
200
150
100
50
0
1878 1879 1880 1881 1882 1883 1884 1885 1886 1887 1888
Fonte: APEB, SCP. Maço 5456. Câmara de Ilhéus. Imposto sobre exportação de
Couros. Ilhéus, 1878-1892.
204
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre exportação de couros secos ou salgados. Maço 5456.
Ilhéus, 1879-1888.
86
O couro de Ilhéus também podia ser destinado ao mercado interno da capital e para
outras regiões da Bahia e ou do Império do Brasil. Ao que parece os exportadores preferiam a
praça mercantil de Salvador, mas não podemos descartar a possibilidade de o artigo ser levado
para o Rio de Janeiro e outras províncias. A Tabela 2.6 apresenta os principais exportadores
de couros de Ilhéus.
205
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre casas de negócios. Maço 5455. Ilhéus, 1874-1892
87
***
Nesse capítulo procuramos evidenciar três questões que consideramos relevantes para
entendermos a economia de exportação de Ilhéus. A primeira é que nessa época não havia
uma especialização, já que diversos produtos integravam a pauta de exportação; a segunda é
que os negociantes concentraram parte significativa do comércio exportador; a terceira é que a
maioria das exportações declinou.
Essa foi a nossa primeira intenção, de caráter geral, provar a existência de uma
diversificação econômica, que extrapolava o âmbito do comércio de cacau. Além deste
produto foram despachados café, cachaça, madeiras, piaçava e couros, todos exportados nas
décadas de 1870 e 1880, com acentuados declínio em muitos casos. O Quadro 2.1 apresenta
uma síntese dessas exportações.
O Quadro 2.1 comprova que o cacau, apesar de ser o produto que gerou mais receitas
de impostos para a Câmara de Ilhéus não era o único item das exportações. Ademais, mesmo
considerando que os pesos e medidas desses artigos eram diferentes, em termos globais
podemos comprovar que a economia era diversificada.
Desse modo, olhar Ilhéus apenas pelo prisma da produção e exportação de cacau não
ajuda entender toda a dinâmica da economia. Muitos produtos não eram exportados, mas
serviam ao mercado interno. O café, por exemplo, se comparado ao cacau não teve
88
participação expressivo nas exportações, mas uma parte devia servir ao abastecimento interno,
para consumo diário da população. A exploração de madeira era outro componente com
utilidade no mercado interno e na economia de exportação, servindo para fabricação de
canoas, jangadas, móveis da lavoura, dentre outras funções. A piaçava também tinha utilidade
para a população local e era exportada, o mesmo acontecendo com o couro.
Desse modo, os dados indicam que a produção de cacau não dominava a economia.
Talvez por isso muitos negociantes se interessaram em praticar negócios na praça de Ilhéus,
sendo que muitos deles controlavam as exportações, como procuramos demonstrar neste
capítulo. Alguns tinham transportes marítimos, como era o caso de Jose Simeão Moreno dos
Reis e seus familiares, cobrando fretes, pagando impostos e certamente obtendo lucros com a
venda das mercadorias na capital. Ao que parece esse comércio se tornou rentável e algumas
firmas e companhias de navegação ingressaram na atividade.
Os dados compulsados indicam que as exportações de Ilhéus não estavam
atravessando uma fase de crescimento, contudo, devemos considerar que essa documentação
não dá conta de explicar toda a dinâmica da economia. Certamente a fiscalização era limitada
por diversos fatores.
Ademais, alguns produtos como açúcar e farinha de mandioca, por exemplo, não
estavam submetidos à tributação municipal. A existência de engenhos em Ilhéus nessa época
suscita este tipo de questionamento. Qual o lugar do açúcar nas exportações de Ilhéus? Os
engenhos produziam somente cachaça? A economia realmente estava em declínio ou essa
evidência é uma questão da fonte, ou seja, dos Livros de cobrança de impostos?
Acreditamos que existia uma dinâmica em determinados setores da exportação que as
fontes utilizadas não permitem captar. O estudo sistemático dos inventários post mortem pode
ajudar a elucidar algumas dessas questões. Os próximos capítulos baseiam-se principalmente
nessa fonte. Entre os objetivos propostos estão analisar a composição da riqueza inventariada,
o peso dos escravos e cacaueiros no conjunto dos bens, as diferenças das fortunas dos grupos
sociais, as atividades econômicas, dentre outras questões relacionadas com a escravidão e
economia em Ilhéus no período 1850-1888.
89
CAPÍTULO III
A COMPOSIÇÃO DA RIQUEZA NOS INVENTÁRIOS POST MORTEM.
ILHÉUS, 1850-1888
3.1 - Introdução
206
Para uma discussão historiográfico sobre o uso dos inventários ver, entre outros, COSTA, Fernando Antônio
Alves da. Em distantes paragens: demografia, riqueza, escravidão e mercado em Santa Rita do Turvo na
segunda metade do Oitocentos. Tese (Doutorado em História). FFLCH - USP, São Paulo, 2014. (Cap. I – O
estudo da riqueza como instrumento para a análise das formações sociais e econômicas do passado brasileiro).
Sobre os limites e potencialidades dos inventários como fonte histórica ver, entre outros, MORENO, Breno
Aparecido Servidone. Demografia e trabalho escravo nas propriedades rurais cafeeiras de Bananal, 1830-1860.
Dissertação. (Mestrado em História). FFLCH-USP, São Paulo, 2013; ARAÚJO, Maria Lucília Viveiros de. Os
caminhos da riqueza dos paulistanos na Primeira metade do Oitocentos. São Paulo: Hucitec: Fapesp, 2006.
207
Agradeço ao Breno Aparecido Servidone Moreno, que forneceu o Banco de Dados e me auxiliou nas
instruções de uso, além de ajudar nas dúvidas que surgiram durante a transcrição dos inventários de Ilhéus.
90
Escravos, Culturas, Imóveis, Terras, Dívidas ativas, Dívidas passivas e Partilhas, cada um
contento descrições próprias do grupo, com os respectivos valores alocados, sendo que na
planilha de Partilhas encontra-se a distribuição da riqueza por item, o cálculo da soma da
fortuna (Monte-mor) e a divisão dela entre os herdeiros.
Essa fragmentação do patrimônio permite uma compreensão global da composição da
riqueza e possibilita averiguar cada grupo separadamente, assim como a representatividade
deles dentro da fortuna.
Inicialmente investigamos o peso relativo dos escravos e dos pés de cacau no conjunto
dos bens inventariados ao longo das décadas. Em seguida tratamos das hierarquias sociais,
aprofundando as análises sobre os produtores de cacau e suas singularidades. Depois
investigamos as culturas, principalmente as plantações de cacau, e o uso terra.
A proposta do capítulo é compreender a dinâmica entre a composição da riqueza, o
desenvolvimento da economia e a utilização do trabalho escravo.
A nossa hipótese é que os escravos foram importantes ativos do desenvolvimento da
economia de Ilhéus, e estavam presentes em diversas atividades relacionadas com a
subsistência, mercado interno e exportações, sendo parte considerável do patrimônio de
muitos inventariados.
91
A maioria dos inventários post mortem abertos no Cartório de Ilhéus são processos
judiciais movidos pelos herdeiros das pessoas falecidas, que tinham interesse na divisão e/ou
preservação do patrimônio. No entanto, em alguns casos a própria justiça intimou os
familiares a realizarem a abertura do inventário, para resguardar a herança dos órfãos, ou para
atender pedidos de credores, geralmente negociantes, que recorriam à justiça para tentar
receber as dívidas contraídas pelo falecido.
De todo modo, por intimação ou livre vontade do inventariante, o juiz nomeava dois
avaliadores para realizarem a avaliação do patrimônio. Após o juramento de fidelidade esses
louvados, como eram chamados na época, se dirigiam para a propriedade do falecido e
realizavam a avaliação dos bens, junto com o escrivão, que descrevia de forma detalhada os
itens da riqueza e seus valores.
Essa documentação permite conhecer a realidade da vida material dos moradores de
Ilhéus, particularmente os que deixaram riquezas inventariadas entre 1850 e 1888, e cujos
processos sobreviveram ao nosso tempo. Outros pesquisadores já utilizaram essa
documentação em seus estudos sobre a escravidão na localidade, mas não exploraram toda
potencialidade da fonte208. Em nossa pesquisa analisamos 345 inventários, entre eles
encontram-se partilha amigável, arrolamento e arrecadação de bens. O foco das análises são
os aspectos econômicos relacionados com a composição da riqueza, a escravidão e
desenvolvimento da economia cacaueira.
Normalmente, nas primeiras páginas do inventário descreve-se a data de abertura do
processo, a localização do cartório e da residência da pessoa falecida, nome do inventariado,
inventariante, dos louvados, do juiz, dentre outras informações. Isso permitiu verificar a
distribuição espacial das pessoas inventariadas, como mostra o Gráfico 3.1, lembrando que
algumas tinham mais de uma residência.
208
Ver, entre outros, MAHONY, Mary Ann. The world cacao made: society, politics ann history in Sourthern
Bahia, Brazil, 1822-1889. Ph. D. dissertation, Yale University. Parte desse estudo foi publicado no Brasil com o
título – “Instrumentos necessários:” Escravidão e posse de escravos no sul da Bahia no século XIX, 1822-1889.
Afro-Ásia, Salvador, n. 25-26, p. 95-139, 2001; GONÇALVES, Victor Santos. Escravos e senhores na terra do
cacau: alforrias e família escrava (São Jorge dos Ilhéos, 1806-1888). Dissertação (Mestrado em História).
FFCH-UFBA, Salvador, 2014.
92
Fonte: APEB, Seção Judiciária (SJ). Ilhéus, 345 processos de inventários, 1850-1888.
A maioria dos processos refere-se aos moradores de Ilhéus (39%), sem mencionar
nomes de lugares ou distritos específicos, mas às vezes mencionando o nome de ruas.
Certamente essa parcela era formada por pessoas que residiam na vila ou no seu termo.
Em segundo lugar destaca-se, em ordem de importância numérica, o distrito de
Cachoeira de Itabuna, abrangendo esta localidade 29% dos inventariados. O rio Cachoeira era
a principal via de acesso a esse distrito, localizado aproximadamente 30 Km da costa
litorânea, como explicamos no primeiro capítulo. Ao longo das décadas o número de
processos de moradores deste lugar cresceu, indicando que o povoamento daquela área estava
se intensificando.
Outros rios próximos de Ilhéus também foram importantes para ocupação do território
e disseminação da lavoura cacaueira. Os rios Almada e Itaípe, por exemplo, aparecem com
frequência entre as localidades dos inventariados. Na freguesia de Una, situada ao sul de
Ilhéus, o rio Maruim também foi uma via importante de ocupação e exploração do território.
Outras pessoas inventariadas estavam espalhadas na costa litorânea ou nas margens
dos vários rios existentes naquele espaço, encontramos moradores de Olivença, Sambaituba,
Iguape, Cururupe, Mamoam, Ponta do Ramo, Banco do Pedro, entre outras.
93
209
Ver, entre outros, FREITAS, Antônio Fernando Guerreiro de; PARAÍSO, Maria Hilda Baqueiro. Caminhos
ao encontro do mundo: a capitania, os frutos de ouro e a princesa do Sul: Ilhéus, 1534-1940. Ilhéus: Editus,
2001; NÓS, Tupinambá. Índios na visão dos índios. Textos e fotos da comunidade indígena Tupinambá de
Olivença. Edição Sebastian Gerlic. Maceió, 2008. HÂ-HÂ-HÃE, Pataxó. Índios na visão dos índios. Textos e
fotos da comunidade indígena Pataxó hâ-hâ-hâe. Edição Sebastian Gerlic. Maceió, 2008. Disponível em
www.indiosonline.org.br acesso em dez. 2018.
210
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. João Caboclo. Est. 02, Cx. 761, Maço 1227, Doc. 14, 14 nov.
1885.
94
100
80
60
40
20
0
1850-1859 1860-1869 1870-1879 1880-1888
Tabela 3.1 – Distribuição dos bens inventariados por décadas (valores em réis). Ilhéus, 1850-1888
PERÍODOS/TIPOS DE BENS 1850-1859 - (19) 1860-1869 - (63) 1870-1879 - (121) 1880-1888 - (130) 1850-1888 - (333)
BENS DE RAIZ VALORES (%) VALORES (%) VALORES (%) VALORES (%) VALORES (%)
Cacaueiros 12.532,000 10,6 51.444,400 15,0 153.019,880 21,4 252.454,000 28,2 469.450,280 22,6
Imóveis 23.612,380 20,0 61.781,967 18,0 108.931,100 15,2 153.805,000 17,2 348.130,447 16,8
Terras 8.726,545 7,3 26.967,111 7,8 79.569,771 11,1 63.066,285 7,1 178.329,712 8,6
Outras Culturas 2.087,800 1,7 5.726,480 1,7 18.863,400 2,6 14.267,720 1,6 40.945,400 2,0
Subtotal 46.958,725 39,6 145.919,958 42,5 360.384,151 50,3 483.593,005 54,1 1.036.855,839 50,0
ESCRAVOS E SEMOVENTES VALORES (%) VALORES (%) VALORES (%) VALORES (%) VALORES (%)
Escravos 34.889,110 29,4 139.970,000 40,7 166.308,980 23,2 100.190,320 11,2 441.358,410 21,3
Animais 1.118,000 1,0 6.338,000 1,9 10.581,000 1,5 14.999,000 1,7 33.036,000 1,6
Subtotal 36.007,110 30,4 146.308,000 42,6 176.889,980 24,7 115.189,320 12,9 474.394,410 22,9
BENS MOVEIS VALORES (%) VALORES (%) VALORES (%) VALORES (%) VALORES (%)
Móveis 8.990,245 7,6 14.324,845 4,2 86.620,727 12,1 63.460,730 7,0 173.396,547 8,4
Outros (1) 2.047,366 1,7 540,964 0,1 1.620,449 0,2 7.624,723 1,0 11.833,502 0,6
Subtotal 11.037,611 9,3 14.865,809 4,3 88.241,176 12,3 71.085,453 8,0 185.230,049 9,0
DÍVIDAS VALORES (%) VALORES (%) VALORES (%) VALORES (%) VALORES (%)
Dívidas Ativas 24.485,610 20,7 36.384,245 10,6 90.752,079 12,7 224.007,497 25,0 375.629,431 18,1
Dívidas Passivas 45.587,622 - 41.094,278 - 121.253,433 - 262.047,593 - 468.415,860 -
TOTAL (2) 118.489,056 100,0 343.478,012 100,0 716.267,386 100,0 893.875,275 100,0 2.072.109,729 100,0
Fonte: APEB. Seção Judiciária (SJ). 333 Processos de inventários. Ilhéus, 1850-1888.
(Nº) Número de inventários por década.
(1) Inclui bens não identificados e/ou ilegíveis devido ao estado de conservação do documento.
(2) Não inclui dívidas passivas.
97
Os dados da Tabela 3.1 evidenciam a importância dos cacaueiros (pés de cacau) e dos
escravos na composição da riqueza de Ilhéus. De modo global (1850-1888), os bens estavam
distribuídos da seguinte forma, em ordem de importância econômica: cacaueiros (22,6%),
escravos (21,3%), dívidas ativas (18,1%) e imóveis (16,8%). Somando os percentuais
relativos às plantações de cacau e aos escravos notamos que 43,9% de todas as fortunas
declaradas nos inventários de Ilhéus estavam alocadas nesses bens, mas nem todos detinham a
posse de escravos.
Não obstante, observando os valores relativos às outras culturas percebemos que
foram sempre inferiores às quantias alocadas nos cacaueiros, sugerindo que ao longo da
segunda metade do Oitocentos os moradores de Ilhéus investiram, principalmente, no cultivo
de cacaueiros. Na década de 1860 as plantações deste fruto representavam 15% do total da
riqueza inventariada e no último período (1880-1888), esse índice foi para 28,2%. Ao que
parece na década de 1880 a produção de cacau se tornou uma atividade com importância
econômica significativa para a população de Ilhéus.
Sobre o peso relativo dos escravos verificamos que declinaram de 40,6% na década de
1860 para 11,2% no período 1880-1888, mas ao longo do período eles continuaram como um
dos principais componentes do patrimônio de determinado grupo de inventariados. Em março
de 1888 ainda existiam nove escravos no Engenho São João do Pasto, que correspondiam a
27% da fortuna inventariada211.
Esse declínio do peso dos escravos na riqueza não é específico de Ilhéus, quiçá de todo
o Brasil, visto que desde a década de 1830 a instituição escravista vinha sofrendo os efeitos da
interferência do Estado, que se agravou, sobretudo após a lei do Ventre Livre (1871), que
declarou os filhos das escravas nascidos a partir daquela data como sendo de condição livre
(ingênuos), e os mesmos deixaram de ser avaliados212. Outrossim, em 1885 a lei do
sexagenário “libertou” os escravos acima de 60 anos, e eles também deixaram de ser
avaliados nos inventários213.
211
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Firmino Pires Caldas. Est. 03, Cx. 1372, Maço 1841, Doc. 14, 10
mar. 1888.
212
BRASIL. Lei nº 2.040, de 28 de setembro de 1871. Art. 1º Os filhos de mulheres escravas que nascerem no
Império desde a data desta lei, serão considerados de condição livre. In: Coleção das Leis do Império do Brazil.
Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/doimperio>. Acesso em 24 de mar.
2016.
213
BRASIL. Lei nº 3.270, de 28 de setembro de 1885. Art. 1º § 5º Não serão dados á matricula os escravos de 60
annos de idade em diante; serão, porém, inscriptos em arrolamento especial para os fins dos §§ 10 a 12 do art. 3º. In:
Coleção das Leis do Império do Brazil. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/atividade-
legislativa/legislacao/doimperio>. Acesso em: 24 mar. de 2018.
98
214
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre casas de negócios. Maço 5455. Ilhéus, 1874-1892.
215
Sobre o assunto ver capítulo 7: Credores e devedores na economia de Ilhéus, 1850-1888, p. 229.
216
Em Caitité, por exemplo, os investimentos em gado vacum chegaram a 12,98% no quinquênio 1870-1874.
PIRES, Maria de Fátima Novaes. Fios da vida: tráfico interprovincial e alforrias nos Sertoins de Sima-BA
(1860-1920). São Paulo: Annablume, 2009. p. 132 (Tabela 12)
99
A Tabela 3.2 demonstra que no computo geral a riqueza declarada nos inventários de
Ilhéus não se concentrava na faixa das fortunas muito pequenas. Kátia Mattoso considerou
nesta condição as pessoas com até Rs. 200$000 (duzentos mil réis (:200)), sendo que entre os
720 inventários analisados para Salvador no período 1851-1889, apenas cinco (0,7%) tinham
fortunas nesta faixa, enquanto em Ilhéus esta cifra foi de 3,6%218.
Comparando a riqueza nas duas localidades percebemos contrastes e semelhanças.
Entre os inventariados de Ilhéus 29,7% detinha riqueza classificada como pequena, enquanto
em Salvador somente 10% estava nesta categoria, este é um contraste entre as duas
217
MATTOSO, Kátia Maria de Queirós. Bahia, século XIX: uma província no Império. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1992. p. 608 e 611 (Tabelas 105 e 107)
218
Ibidem
100
localidades. Por outro lado, em Ilhéus, aproximadamente um terço (33,6%) dos inventariados
tinha fortunas classificadas como médias (entre dois contos e cem mil réis até dez contos de
réis( 2:100 a 10:000), enquanto em Salvador no mesmo período 37% dos inventariados estava
nesta condição, sendo que neste caso notamos semelhança.
Contudo, as maiores fortunas declaradas nos inventários de Ilhéus chegaram no
máximo à categoria das fortunas classificadas como Grandes baixas na capital baiana
(200:000 a 500:000), que possuía pessoas com fortunas superiores a Ilhéus, isto é, Grandes
médias (200:100 a 500:000), representando 2,9% dos inventariados e concentravam 29,5%
das fortunas, e Grandes (500:100 a 1.000:000), representando 0,4% dos inventariados e
concentrando 10,9% de toda riqueza219.
Isso significa que no computo geral os inventariados de Salvador tinham riquezas
maiores que os inventariados de Ilhéus, apesar de aproximadamente um terço possuírem
fortunas semelhantes, ou seja, dentro da faixa de riqueza considera como média.
Porém, nas duas localidades encontramos altos níveis de concentração da riqueza. Em
Salvador 14,5% dos inventariados entre 1851-1889 detinha 72% de toda fortuna e em Ilhéus
15,6% concentrou 68% de toda riqueza inventariada no período 1850-1888. Ao que parece as
atividades econômicas que se desenvolveram em Ilhéus na segunda metade do século XIX
contribuíram para aumentar a fortuna de uma parcela da população220. Desse modo, cabe
investigar quais as atividades econômicas dos inventariados que detinham as maiores e
menores fortunas em Ilhéus nessa época, para tentarmos entender o lugar dos produtores de
cacau no contexto.
Os inventários post mortem oferecem a possibilidade de investigar as hierarquias
sociais. No final de cada processo os avaliadores somam o montante bruto da riqueza da
pessoa falecida (monte-mor), descontam as dívidas passivas, os gastos com a abertura e
realização do processo, e depois repartiam o monte líquido entre os herdeiros.
Analisaremos as hierarquias sociais em Ilhéus a partir desta documentação,
comparando o valor da riqueza dos inventariados. Estamos interessados em identificar os
grupos que tinham as maiores e as menores fortunas, o lugar dos produtores de cacau, a
concentração da riqueza e a posse de escravos.
Inicialmente procuramos identificar a ocupação principal dos indivíduos a partir da
análise da composição de suas riquezas. Para isso realizamos uma investigação minuciosa dos
219
MATTOSO, Kátia Maria de Queirós. Bahia, século XIX: uma província no Império. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1992. p. 608 e 611 (Tabelas 105 e 107)
220
Ibidem.
101
221
APEB, Seção Judiciária. Inventários. Ilhéus. Maria José Leola Del Rey e Carolina Leola Del Rey. Esta. 02.
Cx. 786, Maço 1253. Doc. 06, 28 de fev. 1861.
102
O Quadro 3.1 mostra que 64,5% dos inventariados tinha nas plantações de cacaueiros
a ocupação principal, em seguida aprece os negociantes, representando 11,8 dos inventariados
e os donos de engenho 3,6%. Os demais estavam envolvidos com produção de farinha, café,
103
coco e outras ocupações menos representativa no conjunto dos inventários, como mostra o
Quadro 3.1.
Entre as ocupações secundárias uma parte significativa (39,6%) não possuía outra
ocupação, além da principal, quando falecera. A maioria, no entanto, combinava a ocupação
principal com a produção de farinha de mandioca. Somando os percentuais de todos
envolvidos com a produção de farinha constatamos que 33,7% dos inventariados praticava
essa atividade, muitas vezes combinando-a com outras, produção de farinha com café, coco,
cachaça, dendê e outras.
Assim, notamos que a produção de farinha de mandioca combinava-se com a
ocupação principal da maioria dos inventariados, sendo esta atividade importante não somente
para subsistência e abastecimento interno da população de Ilhéus como também nas
exportações destinadas à capital da província. Bert J. Barickman realizou uma estimativa da
produção de farinha da comarca de Ilhéus entre 1785 e 1865, destacando que em 1864 Ilhéus
enviou 2.656 alqueires de farinha para Salvador e no ano seguinte foram despachados 4.466
alqueires do produto para a capital222, demonstrando assim a importância deste produto para a
economia de Ilhéus.
De modo geral as combinações foram diversificadas por todo período, incluindo
frequentemente produção de cacau, farinha, café e coco. Todavia, é oportuno lembrar que
muitas atividades de subsistência não aparecem nos inventários, como a caça, a pesca, a
mariscagem, por exemplo, invisíveis na documentação, mas que integravam o cotidiano da
população de Ilhéus.
Como salientamos anteriormente, essa diversidade impõe limites ao historiador na
hora de definir a ocupação principal dos inventariados, sendo que do ponto de vista
metodológico não é viável classificar e analisar separadamente cada um dos 333
inventariados, assim, para nos aproximarmos da realidade socioeconômica deles, realizamos o
cruzamento das duas categorias ocupacionais, apresentadas no Quadro 3.1, o que a nosso ver
permite conhecermos melhor as combinações das atividades econômicas dos inventariados. A
Tabela 3.3 mostra o resultado dessas combinações.
222
BARICKMAN, Bert J. Um contraponto baiano: açúcar, fumo, mandioca e escravidão no Recôncavo, 1780-
1860. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 155 (Tabela 9)
104
Tabela 3.3 – Distribuição das ocupações principais e secundárias dos inventariados. Ilhéus, 1850-1888
OCUPAÇÕES SECUNDÁRIAS
Lavradores de mandioca
(café e/ou coco, outros)
(bovinos ou muares)
e/ou cacau, outros)
Outras produções
Produz Farinha +
Não identificada
Produz Farinha
OCUPAÇÕES
PRINCIPAIS
TOTAL
Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº %
Produtores de cacau 98 45,6 46 21,4 31 14,4 9 4,2 14 6,5 4 1,9 5 2,3 8 3,7 0 0,0 215 100,0
Negociantes 17 43,6 0 0,0 7 17,9 2 5,1 9 23,1 2 5,1 0 0,0 2 5,1 0 0,0 39 100,0
Donos de engenho 1 8,3 1 8,3 4 33,3 4 33,3 1 8,3 1 8,3 0 0,0 0 0,0 0 0,0 12 100,0
Produtores de coco 3 27,3 3 27,3 0 0,0 1 9,1 2 18,2 1 9,1 0 0,0 1 9,1 0 0,0 11 100,0
Produtores de farinha 3 37,5 0 0,0 0 0,0 0 0,0 3 37,5 1 12,5 0 0,0 1 12,5 0 0,0 8 100,0
Produtores de café 1 20,0 0 0,0 1 20,0 0 0,0 3 60,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 5 100,0
Pequenos criadores 1 25,0 2 50,0 0 0,0 0 0,0 1 25,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 4 100,0
Profissionais liberais 4 100,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 4 100,0
Func. Eclesiásticos 2 100,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 2 100,0
Madeireiro 1 100,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 1 100,0
Produtor de inhame 1 100,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 1 100,0
Dono de engenhoca 0 0,0 0 0,0 1 100,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 1 100,0
Não identificada 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 30 100,0 30 100,0
TOTAL 132 39,6 52 15,6 44 13,2 16 4,8 33 9,9 9 2,7 5 1,5 12 3,6 30 9,0 333 100,0
Fonte: APEB, SJ. 333 inventários. Ilhéus, 1850-1888.
105
223
A partir daqui vamos utilizar essas seis categorias de análises para entendermos as mutações da riqueza, bem
como a relação desses grupos com outras variáveis relacionadas com a escravidão e economia.
107
A Tabela 3.5 permite constatar que no decorrer das décadas houve acentuado
crescimento do número de produtores de cacau. Entre 1850 e 1859 eles eram cinco e
representavam 26,3% dos inventariados, na década de 1860 este percentual alcançou 55,5%,
na década de 1870 chegou a 65,3% e no último período do nosso estudo (1880-1888) atingiu
73,8% do total de inventariados.
Isso comprova que ao longo do período 1850-1888 houve expansão dos produtores de
cacau no conjunto da população inventariada. Nenhuma outra categoria cresceu tanto quanto a
destes lavradores. O número de negociantes manteve-se relativamente estável no período,
saindo de 15,2% na primeira década (1850-1859) para 13,8% no período 1880-1888. Os
donos de engenho também se mantiveram razoavelmente estáveis, nunca ultrapassando 4,1%
dos inventariados. De modo semelhante ocorreu com os produtores de farinha, café e coco,
que não cresceram de modo expressivo como os produtores de cacau. A exceção da década de
1860, que eles chegaram a representar 22,2% dos inventariados, nas demais décadas nunca
ultrapassaram 5,3% destes.
108
Agora que constatamos o expressivo aumento dos produtores de cacau no decorrer das
décadas podemos comparar as fortunadas dos inventariados a partir da soma da riqueza bruta
(monte-mor). A Tabela 3.6 mostra os percentuais destas somas de acordo com as categorias
ocupacionais.
Em certa medida, esse quadro permanece ao longo do período, sendo que na década de
1880 a média do monte-mor dos produtores de cacau foi de Rs. 3.734$597, dos negociantes
Rs. 23.328$923 e dos donos de engenho Rs. 26.794$483.
Esse é um aspecto importante do processo de formação da economia cacaueira de
Ilhéus, que perpassou todo o período do nosso estudo. Na maioria das vezes os homens que
tinha como ocupação principal o cultivo de cacaueiros possuíam riquezas, em média, bem
inferiores à dos negociantes e donos de engenho.
Essas diferenças refletem, em alguma medida, as hierarquias sociais existentes na
localidade. A maioria dos produtores de cacau era formada por pequenos lavradores (pessoas
com poucos recursos econômicos), assim como os produtores de farinha/café/coco.
Contudo, essas diferenças não explicam todas as nuances da formação da economia
cacaueira. Ainda podemos avançar no assunto investigando a presença de escravos na
composição da riqueza dos inventariados. A maioria dos escravistas era formada por
produtores de cacau, negociantes ou donos de engenho? Para avançar no assunto distribuímos
os inventariados de acordo com as ocupações principais e a presença de escravos no
patrimônio.
Tabela 3.7 – Distribuição dos inventariados por ocupação principal e posse de escravos.
Ilhéus, 1850-1888
Total de
TIPOS DE INVENTÁRIOS Com escravos Sem escravos
inventários
OCUPAÇÕES PRINCIPAIS Nº % Nº % Nº %
Produtores de cacau 51 23,7 164 76,3 215 100,0
Negociantes 31 79,5 8 20,5 39 100,0
Produtores de farinha/café/coco 11 45,8 13 54,2 24 100,0
Donos de Engenho 12 100,0 0 0,0 12 100,0
Outros * 3 23,0 10 77,0 13 100,0
Não Identificada 13 43,3 17 56,7 30 100,0
TOTAL 121 35,7 214 64,3 333 100,0
Fonte: APEB, SJ. 333 processos de inventários. Ilhéus, 1850-1888
(*) Prof. liberais; func. eclesiástico; peq. criadores; madeireiros; etc.
caráter geral é que entre os produtores de cacau predominou os “sem escravos”. No computo
global de todo o período (1850-1888) constatamos que apenas 23,7% deles detinha a posse de
algum escravo. Por outro lado, entre os negociantes e donos de engenho a presença de
escravos foi expressiva se comparada com a realidade dos produtores de cacau. Todos os
donos de engenho estavam comprometidos com a exploração do trabalho escravo (100%) e
entre os negociantes verificamos que 79,5% detinha a posse de a menos um cativo. Até a
categoria dos produtores de farinha, café e coco tinha percentual de escravos no patrimônio
superior ao dos produtores de cacau, 45,8% contra 23,7%, como mostram os dados da Tabela
3.7.
Essa constatação permite contrapor, ainda que de modo parcial, a premissa de Mary
Ann Mahony, segundo a qual “[...] os escravos foram essenciais para estabelecimento da
economia cacaueira da Bahia e para a sociedade que se desenvolveu com ela [...]”224 Como
vimos até agora no conjunto de 333 inventários analisados os produtores de cacau não
estavam entre os mais envolvidos com a posse de escravos, pelo contrário, apenas um quarto
deles, aproximadamente, detinha a posse de cativos. Ainda podemos averiguar se ao longo
das décadas esse quadro se modificou.
MAHONY, Mary Ann. “Instrumentos necessários”: escravidão e posse de escravos no sul da Bahia no século
224
Em suas análises Mary Ann Mahony reconhece que não há necessidade de muitos
trabalhadores para o cultivo de cacaueiros, porém em muitas passagens insiste que a
escravidão determinou os rumos da lavoura cacaueira. Concordamos em muitos pontos com
as análises de Mahony, sobretudo em suas críticas aos postulados de Adonias Filho, segundo
o qual o coronel desbravador não se serviu do trabalho escravo para exploração da terra e
quando o fez foi em escala mínima227. É inegável a contribuição da referida autora para
descortinar os mitos que foram construídos na história de Ilhéus. Todavia, nossos dados
apontam uma direção um pouco diferentes da visão de Mahony. Constatamos, por exemplo,
225
MAHONY, Op. Cit., p. 106-107.
226
MAHONY, Mary Ann. Um passado para justificar o presente: memória coletiva, representação histórica e
dominação política na região cacaueira da Bahia. Tradução de Marcelo Henrique Dias. In: Especiaria - Cadernos
de Ciências Humanas. Dossiê: Sociedade Escravista e Pós-Abolição. Ilhéus, v. 10, n. 18, p. 732-793, jul-dez.,
2007. p. 740.
227
FILHO, Adonias. Sul da Bahia: chão de cacau. 2 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. p. 51-52.
112
228
Sobre o assunto ver, entre outros, BARICKMAN, Bert J. Até a véspera: o trabalho escravo e a produção de
açúcar nos engenhos do Recôncavo baiano (1850-1881). Afro-Ásia. Salvador, n. 21-22, p. 177-238, 1998-1999.
113
100
80
60
40
20
0
1850-1859 1860-1869 1870-1879 1880-1888
Fonte: APEB, Sessão Judiciária (SJ), 333 processos de inventários. Ilhéus, 1850-1888.
229
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Antônio Manoel da Coroa de Cristo. Est. 03, Cx. 1270, Maço
1739, Doc. 13, 13 mar. 1865.
230
Sobre o cultivo de cana na Bahia ver, entre outros, SCHWARTZ, op. cit., (1988), p. 95-122 (Safra: as
técnicas do fabrico do açúcar); para o cultivo da mandioca ver, entre outros, AGUIAR, Pinto de. Mandioca: pão
do Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982; sobre o cultivo do cacau ver, entre outros, BONDAR,
Gregório. A cultura de cacau na Bahia. Instituto de cacau da Bahia. Salvador: Editora Revista dos Tribunaes,
1938; SOUZA, Carlos Alberto Spaggiari [et al.]. Cacau: do plantio à colheita. Viçosa, MG: Ed. UFV, 2016.
115
231
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Jorge Mathias Scher. Est. 02, Cx. 761, Maço 1227, Doc. 01, 28
de out. 1884.
232
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Maria Izabel de Souza. Est. 03, Cx. 1372, Maço 1841, Doc. 16,
02 de ago. 1887.
233
Sobre o assunto ver, por exemplo, BONDAR, Gregório. A cultura de cacao na Bahia. Instituto de Cacau da
Bahia (ICB) – Boletim Técnico n 1º. Empresa Gráfica da “Revista dos Tribunaes”. São Paulo: 1938.
116
Fonte: APEB, Sessão Judiciária (SJ), 221 processos de inventários. Ilhéus, 1850-1888
Tabela 3.10 – Distribuição dos cacaueiros por faixas de tamanho das plantações.
Ilhéus, 1850-1888
Classificação das Faixas de Tamanho das Inventários Soma dos cacaueiros
Plantações Plantações (FTP) Nº % Nº %
Muito Pequena até 250 cacaueiros 24 10,8 3.260 0,6
Pequena 251 a 1.000 cacaueiros 70 31,7 39.791 7,8
Média 1.001 a 3.000 cacaueiros 75 34,0 141.768 28,0
Média Alta 3.001 a 5.000 cacaueiros 30 13,5 114.272 22,5
Grande 5.001 a 10.000 cacaueiros 15 6,8 103.455 20,4
Muito Grande acima de 10.000 cacaueiros 7 3,2 104.964 20,7
TOTAL 221 100,0 507.510 100,0
Fonte: APEB, SJ, 221 inventários. Ilhéus, 1850-1888.
234
BONDAR, Gregório. A cultura de cacao na Bahia. Instituto de Cacau da Bahia (ICB) – Boletim Técnico n
1º. Empresa Gráfica da “Revista dos Tribunaes”. São Paulo: 1938. p. 131-138.
119
parte das plantações. Juntos, os donos das plantações grandes e muito grande representavam
10% dos proprietários de cacau e concentraram 41,1% de todos os cacaueiros.
No entanto, esses dados estão agregados e representam o período como um todo.
Fragmentar as análises por décadas pode revelar outra característica importante do processo
de formação da economia cacaueiro de Ilhéus no período 1850-1888. A Tabela 3.11 apresenta
essa distribuição.
Tabela 3.11 – Distribuição dos cacaueiros por décadas segundo faixas de tamanho das
plantações (FTP). Ilhéus, 1850-1888
Classificação das FTP 1850-1859 1860-1869 1870-1879 1880-1888
Plantações Cacaueiros Nº % Nº % Nº % Nº %
Muito Pequena até 250 3 42,8 11 29,7 8 10,1 2 2,0
Pequena 251 a 1.000 1 14,4 13 35,1 34 43,0 22 22,5
Média 1.001 a 3.000 3 42,8 10 27,1 23 29,1 39 39,8
Média Alta 3.001 a 5.000 0 0,0 2 5,4 6 7,6 22 22,5
Grande 5.001 a 10.000 0 0,0 1 2,7 4 5,1 10 10,2
Muito Grande 10.001 ou + 0 0,0 0 0,0 4 5,1 3 3,0
TOTAL 7 100,0 37 100,0 79 100,0 98 100,0
Fonte: APEB, SJ, 221 inventários. Ilhéus, 1850-1888.
(FTP) Faixas de Tamanho das Plantações
Observando os dados da Tabela 3.11 notamos que nas duas primeira décadas as
plantações grandes e muito grandes foram quase inexistentes, encontramos apenas um caso de
grande plantação em 1868, cujo proprietário era membro de família rica de Ilhéus235, o
Alferes Augusto de Sá Bitencourt Câmara, dono da Fazenda Bom Sucesso, com 5.500
cacaueiros e onze escravos, entre ouros bens236.
Nas outras décadas as plantações de cacau muito pequenas diminuíram, ao passo que
as grandes e muito grandes começaram a aparecer nos inventários, mesmo assim, durante todo
o período as plantações com até 3 mil cacaueiro sobressaíram-se, sendo que as propriedade
com mais de 10 mil cacaueiros continuam representando uma fração pequena no conjunto das
plantações, 5,1% na década de 1870 e 3% no período 1880-1888, mas eles concentraram a
maior parte dos pés de cacau, como vimos na Tabela 3.10.
235
Sobre família em Ilhéus ver, por exemplo, RIBEIRO, André Luiz Rosa. Família, poder e mito: o município
de S. Jorge de Ilhéus (1880-1912). Ilhéus: Editus, 2001.
236
APEB, Seção Judiciária. Inventários. Ilhéus. Alferes Augusto de Sá Bitencourt Câmara. Est. 02, Cx. 785,
Maço 1252, Doc. 13, 05 de nov. 1868.
120
237
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Guilherme Mor. Est. 02, Cx. 783, Maço 1250, Doc. 14, 06 de
fev. 1856.
238
Ibidem.
239
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Alferes Augusto de Sá Bitencourt Câmara. Est. 02, Cx. 785,
Maço 1252, Doc. 13, 05 de nov. 1868.
121
casa de farinha, casa com balcão para venda e outros bens240. No computo geral ele foi o dono
da maior plantação de cacau que localizamos entre os inventariados e era membro da família
Sá Bitencourt Câmara, assim como o Alferes Augusto de Sá Bitencourt Câmara, dono da
maior plantação de cacau da década de 1860241.
Ao que parece esta família foi o principal grupo que estava investindo em escravos e
plantações de cacau. Na década de 1880 outro membro desta família, o Capitão Egídio Luiz
de Sá Bitencourt Câmara aparece como proprietário da segunda maior plantação de cacau,
com 11.622 cacaueiros espalhados em várias propriedades, muitos na Cachoeira de Itabuna, e
29 escravos, dentre outros bens. Seu inventário foi aberto em 1880, por ocasião da sua morte,
e a riqueza bruta avaliada em Rs. 25.575$000, os cativos representavam 42% desta fortuna e
os cacaueiros 38%242.
O dono da maior plantação de cacau da década de 1880 foi Augusto Ferreira Scher,
proprietário da Fazenda Rio Comprido, localizada na Cachoeira de Itabuna, com 13.890
cacaueiros e 12 escravos, dentre outros bens. Seu inventário foi aberto em 1882, ano de seu
falecimento, sendo a riqueza bruta avaliada em Rs. 23.006$000, os cacaueiros representavam
55% desta fortuna e os escravos 27%243.
Esses exemplos deixam de fora muitos inventariados envolvidos com plantações de
cacau. No entanto eles dão a dimensão do desenvolvimento da lavora cacaueira em Ilhéus no
período do nosso estudo (1850-1888). Notamos que as plantações cresceram a partir da
década de 1870, mas chegou ao máximo de 19.404 cacaueiros244, a maioria das plantações
estava bem abaixo desse número. Destarte, o preço de cada cacaueiro variou muito entre as
propriedades e percebemos que eles não aumentaram no decorrer das décadas, mesmo
considerando as diferentes condições da planta, o maior valor de um cacaueiro frutífero, por
240
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Major Joaquim José de Oliveira. Est. 02, Cx. 749, Maço 1215,
Doc. 07, 30 de out. 1875.
241
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Alferes Augusto de Sá Bitencourt Câmara. Est. 02, Cx. 785,
Maço 1252, Doc. 13, 05 de nov. 1868.
242
APEB, Seção Judiciária. Inventários. Ilhéus. Capitão Egídio Luiz de Sá Bitencourt Câmara. Est. 02, Cx. 754,
Maço 1220, Doc. 11, 16 de nov. 1880.
243
APEB, Seção Judiciária. Inventários. Ilhéus. Augusto Ferreira Scher. Est. 02, Cx. 757, Maço 1223, Doc. 09,
18 de ago. 1882.
244
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Major Joaquim José de Oliveira. Est. 02, Cx. 749, Maço 1215,
Doc. 07, 30 de out. 1875.
122
exemplo, foi encontrado em 1862, custando Rs. 3$000 no inventário de Domingos Alves da
Silva245.
Além dessas observações, notamos que nessa época a economia de Ilhéus não era
completamente dominada pela cultura do cacau, outras plantações eram importantes para a
dinâmica das exportações e do abastecimento interno. Voltando atenção para os dados da
Tabela 3.9 verificamos que as plantações de coco e café, por exemplo, também aumentaram
ao longo das décadas.
Manoel Conrado de Gusmão, morador da povoação de Una, detinha a posse de dois
escravos e da maior plantação de coco entre os inventariados, 1.660 pés (10% do total),
avaliados em mil réis cada um (Rs. 1$000) e todos na quantia de um conto e seiscentos e
sessenta mil réis (Rs. 1.660$000)246.
A maior plantação de café, por sua vez, pertencia a ao Major Joaquim José de
Oliveira, dono de 6.000 pés em sua propriedade na Cachoeira de Itabuna, que corresponde a
26% do total computado, cada um dos frutíferos foi avaliado em quatrocentos réis (Rs. $400),
e os infrutíferos por cem réis, Rs.$100247.
As plantações de mandioca também aparecem com certa frequência nos inventários.
Na década de 1860 calculamos o total de 47.500 covas de mandiocas cultivadas, contra
41.066 pés de cacau. A Fazenda Jetimana-Acu, concentrou a maior plantação, com 30.000
covas de mandioca em 1866, correspondendo a 27% do total. Ao que parece tratava-se de
uma propriedade especializada na produção de farinha, não possuía plantação de cacau nem
de café, tinha casa de farinha coberta de telha, roda de ralar mandioca, prensa e utensílios,
alguidar de barro e de ferro, bois de brocha e contava com o trabalho escravo de 14 pessoas,
entre outros bens248.
As plantações de cana de açúcar concentravam-se, a maioria, entre os donos de
engenho. Do total de 94,75 tarefas declaradas nos inventários, parte significativa estava no
245
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Domingos Alves da Silva. Est. 02, Cx. 784, Maço 1251, Doc.
12, 09 de set. 1862.
246
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Ana Maria Afonso de Gusmão. Est. 02, Cx. 740, Maço 1205,
Doc. 01, 10 de jun. 1871.
247
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Major Joaquim José de Oliveira. Est. 02, Cx. 749, Maço 1215,
Doc. 07, 30 de out. 1875.
248
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Felipa de Melo Sá Bandeira. Est. 02, Cx. 785, Maço 1252, Doc.
07, 16 de mar. 1866.
123
Engenho Castelo Novo, ou seja, quarenta tarefas de canas (42%), que juntas foram avaliadas
em Rs.800$000249.
As outras culturas, menos frequentes nos inventários, também tinham importância para
a população. Os dendezeiros, as jaqueiras, os pés de fruta pão, entre outros, serviam ao
abastecimento interno e circulavam como mercadorias. Embora pouco frequentes na
documentação essas culturas tinham importância na alimentação da população, sobretudo na
subsistência dos grupos menos favorecidos economicamente.
249
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Maria José Leola Del Rey e Carolina Leola Del Rey. Est. 02, Cx.
786, Maço 1253, Doc. 06, 28 de fev. 1861.
250
BARICKMAN, Bert J. Um contraponto baiano: açúcar, fumo, mandioca e escravidão no recôncavo, 1780-
1860. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 167-169.
251
DIAS, Marcelo Henrique; ARAÚJO, Girleane Santos. Ocupação territorial em uma fronteira indígena do sul
da Bahia: Una e Olivença em meados do século XIX. Revista Territórios e Fronteiras. Cuiabá, vol. 9, n. 1,
jan./jun. 2016. Ver também, entre outros, DIAS, Marcelo Henrique. Sesmarias, posses e terras indígenas na vila
de Ilhéus (Bahia, 1758-1822). Especiaria – Caderno de Ciências Humanas, v.14, n.25, p. 53-65, jul./dez. 2013.
124
100
80
60
40
20
0
1850-1859 1860-1869 1870-1879 1880-1888
252
Sobre o assunto ver, entre muitos, FERLINI, Vera Lúcia Amaral. Terra, trabalho e poder: o mundo dos
engenhos no Nordeste colonial. São Paulo: Brasiliense, 1988; MOTTA, Márcia Maria Menendes. Nas fronteiras
do poder: conflitos de terras e direito agrário no Brasil de meados do século XIX. Tese (Doutorado em História)
– IFCH-UNICAMP, Campinas, 1996.
125
De acordo com o Gráfico 3.5 ao longo das décadas a tendência foi de crescimento do
número de inventários com terras, o que pode estar refletindo o aumento da ocupação do
território com a policultura, especialmente cacau, principal cultura declarada nos inventários
post mortem da localidade.
No computo geral de todo o período (1850-1888) identificamos que 66,7% dos
inventários possuíam algum tipo de terra, sendo que na primeira década (1850-1859) do total
de 19 inventários analisados 63% possuía este bem e no último período 1880-1888 este
percentual alcançou a cifra de 75% dos processos.
Agora precisamos saber quais categorias ocupacionais possuíam terras com mais
frequência, para isso cruzamos os informes relativos à ocupação principal com a presença de
terras nos inventários. A Tabela 3.12 apresenta o resultado desse cruzamento.
Os dados da Tabela 3.12 mostram que 68,4% dos produtores de cacau eram
proprietários de algum tipo de terra. A outra parte deles, quase um terço (31,6%), não possuía
terras declaradas nos inventários, certamente cultivavam cacau em terrenos foreiros, em terras
de familiares ou eram agregados, cultivando lavouras em terras de outrem. Francisca de Jesus,
por exemplo, possuía 247 cacaueiros plantados na fazenda do pai253. José Dias Ribeiro tinha
253
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Francisca de Jesus. Est. 02, Cx. 783, Maço 1250, Doc. 09, 26 de
ago. 1856.
126
Tabela 3.13 – Distribuição dos inventários com terras por décadas segundo a
ocupação principal dos inventariados. Ilhéus, 1850-1888
Total de
DÉCADAS 1850-1859 1860-1869 1870-1879 1880-1888
inventários
OCUPAÇÕES PRINCIPAIS Nº % Nº % Nº % Nº % Nº %
Produtores de cacau 2 16,7 25 55,5 42 62,7 78 79,6 147 66,2
Negociantes 3 25,0 4 8,9 7 10,4 11 11,2 25 11,3
Prod. farinha/café/coco 1 8,2 11 24,4 3 4,5 5 5,1 20 9,0
Donos de Engenho 2 16,7 2 4,5 5 7,5 3 3,1 12 5,4
Outros * 2 16,7 2 4,5 1 1,5 1 1,0 6 2,7
Não Identificada 2 16,7 1 2,2 9 13,4 0 0,0 12 5,4
TOTAL 12 100,0 45 100,0 67 100,0 98 100,0 222 100,0
Fonte: APEB, SJ. 222 processos de inventários. Ilhéus, 1850-1888.
(*) Prof. liberais; func. eclesiástico; peq. criadores; madeireiros etc.
254
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. José Dias Ribeiro. Est. 02, Cx. 738, Maço 1203, Doc. 13, 10 de
abr. 1875.
255
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Herculano Quintino dos Santos. Est. 02, Cx. 750, Maço 1216,
Doc. 03, 02 de jun. 1875.
127
Os dados da Tabela 3.13 mostram que no decorrer das décadas houve progressivo
crescimento do número de produtores de cacau com terras. Na década de 1850-1859 eles
representavam 16,7% dos inventariados e no período (1880-1888) este percentual alcançou
79,6%, demonstrando que ao longo da segunda metade do século XIX as terras da comarca de
Ilhéus foram ocupadas, principalmente, com plantações de cacau.
Todavia, ainda não sabemos como essas terras foram adquiridas nem os tamanhos das
propriedades, infelizmente, os inventários não revelam muita coisa sobre esses aspectos.
Podemos avaliar parcialmente as formas de aquisição contabilizando os registros de terras
com declaração do modo de aquisição, como mostra a Tabela 3.14.
Observando os dados da Tabela 3.11 percebemos que a grande parte dos registros de
terras não contém informação sobre o modo de aquisição. Entre os casos em que esta
informação aparece constatamos que a posse prevaleceu em relação à compra e herança.
Talvez, a “posse pacífica” tenha sido o meio mais comum de apropriação da terra pelos
pequenos produtores de cacau. Do total de 47 registro com declaração de posse de terras
notamos que 41 (87%) era de pessoas que cultivavam cacaueiros. Isso pode ser um indício de
que a lavoura cacaueira se formou a partir da expansão das pequenas propriedades.
Na década de 1850 encontramos dois produtores de cacau com terras declaradas nos
inventários. Guilherme Mor e Jacob Mor eram donos da Fazenda Boa Vista, o primeiro
possuía “vinte e cinco braças de terras onde se acha situada a fazenda do casal com seus
128
fundos respectivos avaliadas na quantia de cem mil”256 e o segundo “trinta e três braças de
terreno a margem do rio cachoeira com seus competentes fundos, cada uma avaliada na
quantia de quatro mil réis e todas por cento e trinta e dois mil réis”257
Na década de 1860 encontramos produtores de cacau com 25, 60, 80 e 690 braças de
terras, isso para os casos com dimensões das propriedades declaradas nos inventários. Entre
os bens de Pedro Bonin, dono da Fazenda Rio Comprido consta:
256
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Guilherme Mor. Est. 02, Cx. 783, Maço 1250, Doc. 14, 06 de
fev. 1856.
257
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Jacob Mor. Est. 02, Cx. 783, Maço 1250, Doc. 14, 06 de fev.
1856.
258
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. João Pedro Bonin. Est. 02, Cx. 742, Maço 1207, Doc. 02, 03 de
jul. 1868.
259
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Luiza Amélia Vaill Benevides. Est. 02, Cx. 740, Maço 1205,
Doc. 07, 17 de jul. 1871.
260
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Roberto Gaston Lavigne. Est. 02, Cx. 758, Maço 1224, Doc. 13,
19 de jun. 1882.
129
É certo que esses exemplos deixam de fora muitos proprietários de terras que não
sabemos a dimensão das propriedades e isso prejudica qualquer conclusão antecipada sobre o
as formas de ocupação e uso da terra em Ilhéus entre os anos de 1850-1888. Nossas análises
procuraram apenas apontar tendências sobre a questão.
***
Este capítulo mostrou alguns aspectos da composição da riqueza nos inventários post
mortem de Ilhéus entre os anos de 1850 e 1888. No bojo das discussões sobre a importância
do trabalho escravo para o desenvolvimento da lavoura cacaueira constatamos que as
plantações de cacau estavam disseminadas no patrimônio da maior parte dos inventariados,
porém, a posse de escravo abrangeu somente um terço dos processos investigados.
Ao segmentarmos os inventariados em categorias ocupacionais verificamos que a
maioria dos produtores de cacau não estava entre os mais privilegiados economicamente se
comparados aos negociantes e donos de engenhos. Ademais, apenas uma fração deles (23,7%)
detinha escravos e, em média, as fortunas destes eram superiores às dos seus pares que não
tinha cativos. Assim, as diferenças de riquezas estavam pautadas, sobretudo, nas chances de
adquirir escravos e não necessariamente na produção de cacau. Como a maioria dos
negociantes e donos de engenho tinha acesso a estes trabalhadores e poucos estavam
envolvidos com plantações de cacau acreditamos que a produção de açúcar e as atividades
comerciais eram as principais atividades geradoras de riqueza. Isso não significa que todos os
produtores de cacau eram pobres, mas é certo que grande parte deles não conseguia ampliar
suas fortunas pela fala de acesso ao trabalho escravo e igualmente pelas dificuldades que
tinham de exportar seus produtos.
Como afirmamos no segundo capítulo da tese os negociantes eram os principais
exportadores de mercadorias, isso indica que eles eram os mais beneficiados com as vendas
dos produtos, restando aos lavradores a alternativa de entregar os gêneros da lavoura como
pagamento pelas compras realizadas nas casas de negócio.
Essa é a premissa de Antônio Fernando Guerreiro de Freitas, que enfatizou que os
donos dos frutos de ouro eram aqueles qualificados pelo autor como burguesia cacaueira. Em
130
parte, concordamos com sua hipótese sobre o processo de endividamento o qual eram
submetidos os produtores de cacau. Ao que parece a origem da riqueza dos negociantes vinha
dessas relações, pautadas na comercialização não apenas do cacau mais em diversos tipos de
mercadorias, incluindo café, madeiras, cachaça, farinha e outros gêneros.
Por outro lado, não podemos deixar de salientar que os donos de engenho eram
possuidores das maiores fortunas inventariadas e ao que parece a riqueza deles provinha do
comércio de açúcar. A nossa hipótese, pouco discutida na historiografia, é que no século XIX
a comarca de Ilhéus atraiu pessoas interessadas em montar engenho e não necessariamente em
investir em cacau, como afirmou Mary Ann Mhony. A nosso ver, as famílias ricas do
recôncavo se estabeleceram em Ilhéus com o intuito de montar engenhos, principalmente,
dada a disponibilidade de terras virgens e madeiras, essenciais para fazer funcionar a empresa
açucareira. Nesse processo também se empenharam no cultivo de cacau e café, mas não
parece que este foi o objetivo principal.
131
CAPÍTULO IV
ESCRAVIDÃO NA ECONOMIA DE ILHÉUS, 1850-1888
4.1 - Introdução
261
Sobre este alentado potencial revisionista ver, entre outros, MOTTA, José Flávio. Demografia Histórica no
Brasil. In: ARRUDA, José Jobson & FONSECA, Luís Adão da (Org.). Brasil – Portugal: história, agenda para o
milênio. Bauru, SP: EDUSC; São Paulo: FAPESP; Portugal, PT: ICCTI, 2001, p. 473-507; LUNA, Francisco
Vidal; COSTA, Iraci del Nero da; KLEIN: Herbert S. Escravismo em São Paulo e Minas Gerais. São Paulo:
EDUSP: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2009; SLENES, Robert W. The demography and economics
of brasilian slavery: 1850-1888. Tese (Doutorado em História). Stanford University, Stanford, 1976.
262
Ver, entre outros, COSTA, Iraci del Nero da. Arraia-miúda: um estudo sobre os não proprietários de escravos
no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1984.
263
BRASIL. Lei nº 581, de 4 de setembro de 1850. Estabelece medidas para a repressão do tráfico de africanos
neste império. In: Coleção das Leis do Império do Brazil. Disponível em:
<https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/doimperio>. Acesso em: 24 mar. de 2018.
132
264
Para uma discussão historiográfica do tráfico interno de escravo no Brasil ver, por exemplo, MOTTA, José
Flávio. Escravos daqui, dali e de mais além: o tráfico interno de cativos na expansão cafeeira paulista (Areias,
Guaratinguetá, Constituição/Piracicaba e Casa Branca, 1861-1887). São Paulo: Alameda, 2012. (Capítulo 2 –
Historiografia e tráfico interno de escravos no Brasil, p. 61-101). Sobre o tráfico interno na Bahia ver, entre
outros, PIRES, Maria de Fátima Novaes. Fios da vida: tráfico interprovincial e alforrias nos Sertoins de Sima –
BA (1860-1920). São Paulo: Annablume, 2009.
133
265
APEB, SJ. Inventários post mortem (333 processos). Ilhéus, 1850-1888. (Ver listagem em anexo).
266
APEB, SCP. Livro de classificação dos escravos para serem libertos pelo fundo de emancipação. Lv. nº
7008. Ilhéus, 1874-1886.
267
Recenseamento Geral do Império do Brasil, 1872. Disponível em: <http://www.biblioteca.ibge.gov.br>.
Acesso em 15 de fev. 2018.
268
Ingênuos eram os filhos das escravas nascidos após a Lei 2.040 de 28 de setembro de 1871, que passaram a
ser considerados de condição livre. BRASIL. Lei nº 2.040, de 28 de setembro de 1871. Art. 1º Os filhos de
mulheres escravas que nascerem no Império desde a data desta lei, serão considerados de condição livre In:
Coleção de Leis do Império do Brasil, 1808-1889. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/atividade-
legislativa/legislacao/doimperio>. Acesso em 24 mar. de 2018.
134
Queremos saber quem eram os maiores e menores escravistas, as suas atividades econômicas
e se havia a concentração e/ou disseminação da posse de escravos.
Para tanto optamos por segmentar a posse de cativos em quatro faixas principais, que a
nosso ver correspondem à realidade socioeconômica de Ilhéus, uma localidade distante dos
principais pontos terminais do tráfico atlântico de africanos e com uma economia em
desenvolvimento, assim definimos as seguintes faixas escravista (1 a 3 escravos); pequeno
escravista (4 a 9); médio escravista (10 a 19), e por fim aqueles que tinham 20 ou mais
escravos, classificados como grandes escravistas, sendo que nesta fonte o maior de todos
chegou a possuir 73 escravos269.
De acordo com os dados da tabela 4.1 a maioria dos escravistas de Ilhéus detinha entre
1 e 3 cativos, eles representavam 54,5% de todos inventariados com posse de escravos,
porém, a soma de seus cativos correspondeu apenas a 13,1% dos escravos arrolados nos
inventários. Por outro lado, os grandes escravistas, que representavam tão somente 7,5% dos
donos de escravos, acumularam 38,4% do total de cativos, demonstrando alta concentração na
estrutura da posse.
Os grupos intermediários também eram importantes. Os médios escravistas, 12,4% do
total, detinham 26,7% de toda escravaria, e os pequenos (4 a 9 escravos), que representavam
25,6 % dos escravistas, concentraram 21,8% dos escravos.
269
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Rita Constança de Melo Sá, Est. 02 Cx. 759, Maço 1225, Doc.
04, 28 ago. 1880.
135
Esse quadro demográfico mostra que poucas famílias de Ilhéus eram detentoras de
grandes escravarias. Não obstante, ele permite afirmar que não era privilégio dos mais ricos
ter escravos, muitas pessoas tinham entre 1 e 3 cativos. Destarte, encontramos pessoas que
tinham metade de um escravo. Em Ilhéus, e no Brasil de maneira geral, os escravos eram bens
de valor considerável, frequentemente disputado na justiça, doados, vendidos, comprados ou
arrematados em praça pública para pagamento de dívidas, como deixam transparecer alguns
inventários post mortem270.
Ademais, após a proibição do tráfico atlântico de africanos, em 1850271, o preço desse
bem subiu muito e para maioria dos lavradores de Ilhéus, ficou mais difícil comprar escravos.
Esse foi um dos aspectos que limitou a posse de cativos pelos produtores de cacau da
localidade, assim muitos recorrerem ao trabalho familiar para cultivar as plantações e garantir
a sobrevivência.
Segundo Mary Ann Mahony “os registros de batismo, inventários e documentos
notariais mostram que a posse de escravos era muito difundida no século XIX”272. Ao que
parece algumas famílias, que já eram ricas, concentraram a maior parte dos escravos em suas
propriedades, sendo que grande parte dos cacaueiros foram cultivados por pequenos
lavradores, sem recursos suficientes para adquirir escravos, e outros com pequenas posses de
cativos.
Podemos avaliar melhor essa questão cruzando as diferentes ocupações dos
inventariados com a estrutura da posse de escravos, isso permitirá saber quem eram os
maiores escravistas de Ilhéus nessa época. Antes de mostrarmos os resultados deste
cruzamento é oportuno lembrar que no conjunto dos inventários compulsados nesta pesquisa
270
Maria, uma criança escrava de 6 anos de idade, foi avaliada em 1865 no inventário do seu proprietário (João
Adão Schaum), pelo preço de Rs. 600$000, sendo que a inventariante declarou que metade daquela escrava
pertencia a herdeira Maria Juliana Schaum; Francisca, uma escrava preta de 54 anos, cega do olho esquerdo, foi
avaliada em Rs. 400$000 em 1880, sendo que cabia a Hipolito Gastão Lavigne, um dos proprietários, a quantia
de Rs. 294$320, porque a outra parte foi liberta. Durante os trâmites do processo Francisca apresentou o restante
do seu valor e solicitou a liberdade. APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. João Adão Schaum, Est. 02 Cx.
784, Maço 1251, Doc. 09, 12 jul. 1865; Hipólito Gastão Lavigne, Est. 02 Cx. 755, Maço 1221, Doc. 06, 19 ago.
1880.
271
BRASIL. Lei nº 581, de 4 de setembro de 1850. Estabelece medidas para a repressão do tráfico de africanos
neste império. In: Coleção das Leis do Império do Brazil. Disponível em:
<https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/doimperio>. Acesso em: 24 mar. de 2018.
272
MAHONY, Mary Ann. “Instrumentos necessários”; escravidão e posse de escravos no sul da Bahia no século
XIX, 1822-1889. Afro-Ásia. Salvador, n. 25-26, p. 95-139, 2001. p. 108.
136
(333) o maior índice de escravistas foi entre os donos de engenho (100% dos casos); depois
entre os negociantes (79,5%); em seguida entre os produtores de farinha/café ou coco (45,8%)
e por último entre os produtores de cacau (23,3%). É certo que alguns donos de engenho,
negociantes e outros inventariados tinham plantações de cacau, mas estas não eram a principal
fonte de alocação de suas riquezas.
Inicialmente vamos analisar a distribuição global dos escravos de acordo com a
ocupação principal dos escravistas.
Observando a Tabela 4.2 notamos que 42,1% dos escravistas tinha como ocupação
principal a produção de cacau, porém a soma de seus escravos correspondeu apenas a 30,6%
do total de cativos, demonstrando que a participação do trabalho escravo no cultivo de cacau
não era desprezível.
No entanto, entre os donos de engenho, que representaram tão somente 9,9% dos
escravistas inventariados, a posse de escravos era mais concentrada, visto que 36,7% dos
cativos estavam em suas propriedades.
Esse é o ponto de partida importante para entendermos a estrutura da posse de
escravos em Ilhéus. Donos de engenho e negociantes detinham as maiores fortunas e a
maioria deles era composta por escravistas, ao contrário dos demais inventariados. Embora
137
42,1% dos escravistas fossem produtores de cacau, ainda não sabemos se eles concentraram a
maior parte das plantações de cacaueiros.
Vamos avançar nessa investigação analisando, num primeiro momento, o tamanho das
escravarias dos inventariados de Ilhéus de acordo com as ocupações principais.
Os dados da Tabela 4.3 mostram que 60,8% dos produtores de cacau escravistas
detinha entre 1 e 3 cativos, comprovando que entre eles uma parcela restrita tinha 20 ou mais
escravos, apenas 5,9%, ao contrário dos donos de engenho, em que a maior parte era formada
por grandes e médios escravistas, 50% e 33,3%, respectivamente.
Não devemos desprezar o fato de que entre 1850 e 1888 diversos negociantes, muitos
deles pertencentes a famílias ricas, estavam envolvidos com a comercialização de cacau e
outros gêneros da lavoura. No entanto, entre eles também predominou pequenas posses de
escravos, 54,8% tinha entre 1 e 3 cativos e a outra parcela (41,9%) entre 4 e 9. Certamente
eles utilizavam seus escravos nos serviços domésticos, no embarque e desembarque de
mercadorias, nas vendas de produtos nas casas de negócios, nas feiras e com menor
frequência no cultivo de cacau.
Desse modo, para a maioria dos pequenos lavradores as chances de comercializar seus
produtos diretamente em Salvador eram remotas dadas a dificuldade de obter transportes de
138
273
Tratado de paz proposto pelos escravos do Engenho Santana de Ilhéus. In: SCHWARTZ, Stuart. Escravos,
roceiros e rebeldes. Tradução Jussara Simões. Bauru, SP: EDUSC, 2001. Apêndices: Documentos relativos aos
fugitivos do Engenho Santana. Documento II, p. 119-121.
274
Essa discussão pode ser vista em FREITAS, Antônio Fernando Guerreiro. Os donos dos frutos de ouro.
Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais). ICS-UFBA. Salvador, 1979.
139
Os dados da Tabela 4.4 mostram que entre 1850-1869 aproximadamente um terço dos
cacaueiros (36,4%) eram cultivados por pessoas que não detinham escravos. A outra parte das
plantações, a maioria, contava com a participação de pelo menos um cativo. Sendo que apenas
um inventariado, dono de 11 escravos, concentrou 12% dos cacaueiros. Aproximadamente um
quarto tinha entre 1 e 2 escravos e 26% entre 4 e 9 cativos. Assim, neste período, o trabalho
escravo estava presente na maioria das plantações, ainda que indiretamente.
Não obstante, a fase de arranque da lavoura cacaueira em Ilhéus ocorreu entre as
décadas de 1870 e 1880, sendo imprescindível avaliar a distribuição dos cacaueiros e a
presença de escravos nesses decênios.
Observando os dados da Tabela 4.5 percebemos que quase a metade dos cacaueiros
(47%) eram cultivados por produtores sem escravos. Isso significa que a participação relativa
deste grupo aumentou em relação ao período anterior. Por outro lado, notamos que ocorreu
aumento da concentração de cacaueiros nas propriedades com grandes escravarias. Apenas
dois produtores, donos de 20 ou mais cativos, detinham 23,2% de todos os cacaueiros
arrolados nos inventários da década de 1870. Isso permite constatar que as poucas famílias
140
Os dados da Tabela 4.6 mostram que entre 1880 e 1888 a maioria (63,2%) dos
cacaueiros era cultivada por produtores sem escravos. Assim, notamos que a fase de arranque
e expansão da lavoura cacaueira se caracterizou por ampla participação do trabalho familiar,
sendo que poucas famílias utilizaram o trabalho escravo em larga escala no cultivo do cacau.
Todavia, é importante ressaltar que essas análises deixam de fora uma parte dos
inventariados que tinham escravos e cacaueiros, mas que não foi possível saber a quantidade
de plantas cultivadas, pois os avaliadores descreveram as culturas em conjunto com outros
bens. Esses casos constituem a minoria dos processos investigados e acreditamos que eles não
distorcem os resultados apresentados, até porque a maior parte desses processos era de
pessoas que não tinham cativos, outros que tinham pequenas posses e somente um era grande
escravistas, membro da família Sá Bitencourt Câmara 275.
275
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Rita Constança de Melo Sá, Est. 02 Cx. 759, Maço 1225, Doc.
04, 28 ago. 1880.
141
É importante ressaltar que, apesar da posse de escravos estar restrita a 36% dos
inventariados identificamos que os cativos trabalhavam em vários setores da economia.
Comprar escravos e fazê-los trabalhar significava a possibilidades de aumentar a fortuna em
quaisquer que fosse a atividade. Todavia, no caso de Ilhéus notamos que a maior parte dos
grandes escravistas era constituída por donos de engenho, isso significa que a maioria dos
escravos trabalhava, principalmente, na produção de açúcar e em menor proporção nas
lavouras de cacau. Assim como no Recôncavo baiano276, em Ilhéus a empresa açucareira
continuo sendo uma atividade lucrativa até a véspera da abolição da escravidão.
No entanto, devemos reconhecer que nesse contexto a expansão do cultivo de cacau
conviveu com várias outras atividades importantes. Encontramos produtores de farinha que
tinham entre 10 e 19 escravos, muito acima da posse do típico lavrador de mandioca analisado
por Bert J. Barickman, que no geral detinha entre dois e oito escravos277. No litoral havia
fazendas com escravos e plantações de coco; também encontramos produtores de café com
escravos.
Assim, a exploração do trabalho escravo em larga escala realizava-se, sobretudo, entre
os donos de engenho, que concentraram a maior parte dos cativos e entre algumas famílias
ricas que viram no cacau uma alternativa de investimento, mesmo assim eles tinham ligação
com os negociantes, donos de engenho e se articulavam para obter vantagens não apenas com
a produção mas também na comercialização dos produtos. A maioria dos produtores de cacau
não tinha esses recursos, utilizaram as sementes do fruto como moeda de pagamento, ficando
impossibilitado, na maioria das vezes, de enriquecer com o cultivo de cacaueiros.
Analisar a relação dos maiores proprietários de escravos presentes nos inventários post
mortem, bem como a composição de suas riquezas, pode contribuir para entendermos melhor
a questão.
276
Ver, BARICKMAN, Bert J. Até a véspera: o trabalho escravo e a produção de açúcar nos engenhos do
Recôncavo baiano (1850-1881). Afro-Ásia. Salvador, n. 21-22, p. 177-238, 1998-1999.
277
BARICKMAN, Bert J. Um contraponto baiano: açúcar, fumo, mandioca e escravidão no Recôncavo, 1780-
1860. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 248.
142
A Tabela 4.7 apresenta os nove maiores escravistas encontrados nos inventários post
mortem de Ilhéus, isto é, aqueles que tinham 20 ou mais escravos. Eles representavam a
minoria dos escravistas, mas concentraram 38,3% dos cativos inventariados.
A primeira pessoa da lista é Dona Rita Constança de Melo Sá, viúva do Tenente
Coronel Egídio Luiz de Sá Bitencourt Câmara, dona do maior número de escravos entre os
inventariados, 73 cativos (9%). O inventário foi aberto em 28 de agosto de 1880, após a morte
de Dona Rita, que tinha várias propriedades em Ilhéus e no distrito de Cachoeira de Itabuna,
com riqueza bruta calculada no valor de Rs.57.889$448, a maior parte comprometida com
escravos (53%), dívidas ativas (35%) e terras (8%)278.
A primeira avaliação foi realizada na Fazenda Morro, na Cachoeira de Itabuna, um dos
locais de residência da inventariada, onde trabalhavam doze escravos no serviço de lavoura. A
fazenda possuía três bois do serviço, todos por Rs. 150$000; uma casa de morada coberta de
telha por Rs. 500$000; uma plantação com 4.500 cafezais por Rs. 900$000; outra com 4.000
covas de mandioca por Rs. 100$000. Ao que parece tratava-se de uma fazenda escravista
voltada para produção de café e mandioca para fabricação de farinha.
278
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Rita Constança de Melo Sá, Est. 02 Cx. 759, Maço 1225, Doc.
04, 28 ago. 1880.
143
279
Ibidem.
280
Sobre as tradicionais famílias de Ilhéus ver, entre outros, Ribeiro, André Luiz Rosa. Família, poder e mito: o
município de São Jorge de Ilhéus (1880-1912). Ilhéus: Editus, 2001.
281
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Capitão Egídio Luiz de Sá Bitencourt Câmara. Est. 02 Cx. 754,
Maço 1220, Doc. 11, 16 de nov. 1880.
144
outros bens. A fortuna da família foi calculada em Rs. 53.097$000, a maior parte
comprometida com escravos (61%), imóveis (14,4%) e terras (14%)282. O nome dela aprece
em terceiro lugar em nossa lista dos maiores escravistas. Todavia, o viúvo se casou em
segundas núpcias com Cândida Fausta de Sá e faleceu em 14 de abril de 1879, sem deixar
testamento. Nesta ocasião Christiano Manoel de Sá ainda era dono do Engenho Itaípe e dos
escravos, mas neste inventário só foram considerados 23 escravos, pois a outra parte pertencia
ao espólio do primeiro casamento283, assim, ele aparece em sexto lugar em nossa lista dos
maiores escravistas inventariados.
Outro representante desta família ocupa o quinto lugar na alista dos maiores
escravistas inventariados. Major Joaquim José de Oliveira era casado com dona Adelaide de
Melo Sá Oliveira e o inventário da família foi aberto em 1875, por ocasião da morte do Major.
O casal possuía, entre outros bens, uma fazenda na Cachoeira de Itabuna com 19.406
cacaueiros, 6 mil pés de café e 28 escravos. A riqueza bruta foi avaliada em Rs. 62.180$824, e
estava comprometida, principalmente, com os seguintes bens: plantações de cacau (31%);
284
escravos (18%); imóveis (17%), dívidas ativas (14%) e terras (14%) . Além de dono da
maior plantação de cacau entre os inventariados o Major Joaquim José de Oliveira era dono
de “uma engenhoca de fabricar açúcar e casa de farinha com todos os seus utensílios, tudo no
valor de duzentos e sessenta mil réis”285, também possuía “uma casa situada na rua do porto
com seus chãos próprios e armação para venda”286. Assim, percebemos que sua riqueza era
diversificada, além de grande produtor de cacau ele devia vender gêneros da lavoura na vila
de Ilhéus.
Voltando atenção para a Tabela 4.7 notamos que Maria José Leola Del Rey e sua irmã
ocuparam o segundo lugar em nossa lista dos maiores escravistas. Elas eram herdeiras do
Engenho Castelo Novo, grande complexo econômico e escravista de Ilhéus na segunda
metade do século XIX, com 54 escravos. O inventário foi aberto em 1861 devido a morte
282
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Maria da Piedade Melo e Sá. Est. 02, Cx. 781, Maço 1248, Doc.
03, 12 de jul. 1876.
283
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Cristiano Manole de Sá Bitencourt Câmara. Est. 02, Cx. 753,
Maço 1219, Doc. 02, 24 de abr. 1879.
284
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Major Joaquim José de Oliveira. Est. 02, Cx. 749, Maço 1215,
Doc. 07, 30 de out. 1875.
285
Ibidem.
286
Ibidem.
145
destas herdeiras e essa família foi a mais ricas entre os inventariados, com fortuna calculada
no valor de Rs. 89.797$030, grande parte alocada em escravos (60%); imóveis (18%) e terras
(9%)287.
Os escravos do Engenho Castelo Novo trabalhavam em diversas atividades
relacionadas com a produção de açúcar, aguardente, farinha de mandioca, serviços
domésticos, exploração e beneficiamento de madeiras, além de cuidarem dos animais, do
canavial e da plantação de cacau (2.000 pés). O engenho também tinha balcão com armação
para negócio e o nome de Manoel Assêncio Homem Del Rey, um dos proprietários, consta no
Livro de imposto sobre casas de negócio288. Ademais, ele recebia cacau como pagamento das
dívidas contraídas em seu estabelecimento pelos lavradores.
A viúva de José Pedro Mendes, por exemplo, produtor de cacau em Banco do Pedro,
declarou que entregou mais de 200 arrobas ao Tenente Manoel Assencio Homem Del Rey,
por conta de sua dívida, mas segundo ela “o referido credor não costuma passar recibo da
quantidade de cacau que seus fregueses lhe entregam e que à própria inventariante recusou
dar conta corrente, perguntando-lhe na ocasião em que solicitava-a: Para que conta? A
senhora vai pagar?”289 A viúva mostrou-se claramente inconformada com o valor da dívida
apresentada pelo negociante (Rs. 2.537$521), que arrancou 40% da fortuna do casal (Rs.
6.297$500)290.
Outro nome que aparece na lista dos maiores escravistas inventariados é o de Dona
Mariana Joaquina de Queirós Caldas, proprietária do Engenho São João, localizado na
Cachoeira de Itabuna, com 22 escravos e outros bens em 1878, ano que ela faleceu291. A
riqueza bruta da família foi avaliada em Rs. 22.186$960, a maior parte comprometida com
escravos (54%), imóveis (26%) e terras (12,5%)292.
287
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Maria José Leola Del Rey e Carolina Leola Del Rey. Est. 02, Cx.
786, Maço 1253, Doc. 06, 28 de fev. 1861.
288
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Maço 5455. Livro de imposto sobre casas de negócio. Ilhéus, 1874-1892.
289
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. José Pedro Mendes. Est. 02, Cx. 762, Maço 1228, Doc. 14, 16 de
nov. 1886.
290
Ibidem.
291
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Mariana Joaquina de Queirós Caldas. Est. 02, Cx. 750 Maço
1216, Doc. 07, 16 de set. 1878.
292
Ibidem.
146
Outro grande escravista de Ilhéus era o Capitão Pascoal Gonçalves de Paiva, casado
com Florinda Francisca de Paiva, donos da Fazenda Pirataquisse, além de 20 escravos e
plantações que totalizaram 20.889 cacaueiros, espalhados em vários lugares, entre outros bens
declarados no inventário, aberto em 1878 por ocasião da morte do referido capitão. A fortuna
do casal foi calculada em Rs. 49.742$100, comprometida, principalmente, com os seguintes
bens: cacaueiros (41,7%); escravos (25%); terras (17%) e imóveis (9%)293.
O último nome da lista dos maiores escravistas era proprietário de engenho. Antes de
falecer, em 1879, Lourenço Dias Ribeiro era dono de Fazenda com engenho no Iguape, dono
de 20 escravos e de uma fortuna avaliada em Rs. 17.457$800, a maior parte comprometida
com escravos (58%); imóveis (21,5%) e terras (15%)294.
A análise do patrimônio desses grandes escravistas mostra que na segunda metade do
século XIX a economia de Ilhéus estava em transição, sendo que os mais ricos estavam
investindo em engenhos e outros e plantações de cacau, ambos recorreram ao trabalho escravo
como meio de aumentar as suas riquezas. Alguns engenhos se expandiram além do litoral e
foram estabelecido no distrito de Cachoeira de Itabuna, para onde se deslocaram membros da
família Sá Bitencourt Câmara junto com seus escravos, eles foram os grandes escravistas que
investiram no cultivo de cacau e outros produtos, a maioria dos lavradores que também se
dirigiram para Itabuna para expandir a fronteira agrícola com plantações de cacau era formada
por pessoas com poucos recursos financeiros e portanto sem condições de comprar escravos.
A família Sá Bitencourt Câmara já era rica antes mesmo do cacau se tornar produto de
alto valor econômico. Eles compraram o Engenho Santana na primeira metade do século XIX
e alguns continuaram investindo em engenhos enquanto outros se estabeleceram em Itabuna,
mas mantiveram propriedades na vila de Ilhéus e em outras partes da comarca295.
Mary Ann Mahony argumenta que no final do século XIX e início do XX surgiram
novos ricos em Itabuna em contraposição às antigas famílias tradicionais de Ilhéus·. Os
nossos dados indicam que essa questão merece aprofundamentos, visto que encontramos
293
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Capitão Pascoal Gonçalves de Paiva. Est. 02, Cx. 750, Maço
1216, Doc. 13, 17 de set. 1878.
294
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Lourenço Dias Ribeiro. Est. 02, Cx. 754, Maço 1220, Doc. 01,
30 de jun. 1879.
295
Sobre a cadeia sucessória dos proprietários do Engenho Santana ver, entre outros, MARCIS, Teresinha. O
Engenho Santana: uma reconstrução histórica. In: PÓVOAS, Ruy do Carmo. Mejigã e o contexto da escravidão.
Ilhéus: Editus, 2012. p. 281-326.
147
diversos integrantes desta tradicional família rica de Ilhéus (Sá Bitencourt Câmara)
estabelecidos no distrito de Cachoeira de Itabuna, isso desde a segunda metade do século
XIX296.
Ainda podemos analisar a estrutura da posse de escravos investigando outra fonte, o
Livro de classificação dos escravos para libertação pelo fundo de emancipação, onde constam
grandes escravistas, parte deles não capturados nos inventários post mortem297.
Entre 1874 e 1886, os donos de escravos de Ilhéus tiveram que apresentar seus cativos
à Junta de classificação para concorrerem à libertação pelo Fundo de emancipação298,
declarando as características principais como nome, cor, idade, ocupação, estado conjugal e a
quantidade de filhos menores, escravos e ingênuos. O resultado é uma listagem com o nome
de 183 escravistas, que classificaram 802 escravos, além de 345 filhos menores e outros 65
ingênuos299. A distribuição desses escravistas e dos 1.212 escravizados por faixas de tamanho
da posse poder ser vista na Tabela 4.8.
Tabela 4.8 - Distribuição dos escravistas do Livro de classificação dos escravos por
faixas de tamanho da posse de cativos (FTP). Ilhéus, 1874-1886
Classificação dos FTP Escravistas Total de escravos*
escravistas Nº % Nº %
Mini 1a3 117 64,0 176 14,5
Pequeno 4a9 35 19,0 199 16,4
Médio 10 a 19 14 7,7 203 16,8
Grande 20 ou + 17 9,3 634 52,3
Total 183 100,0 1.212 100,0
Fonte: APEB, SCP. Livro de classificação dos escravos para libertação pelo fundo
de emancipação. Livro nº 7008. Ilhéus, 1874-1886.
(*) Inclui 345 filhos menores escravos e 65 ingênuos
296
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Rita Constança de Melo Sá, Est. 02 Cx. 759, Maço 1225, Doc.
04, 28 ago. 1880.
297
APEB, SCP. Livro de classificação dos escravos para serem libertos pelo fundo de emancipação. Fundo:
Tesouraria Provincial. Lv. 7008. Ilhéus, 1874-1886.
298
BRASIL. Lei nº 2.040, de 28 de setembro de 1871. Art. 3º Serão anualmente libertados em cada Província do
império tantos escravos quantos corresponderem à quota anualmente disponível do fundo destinado à
emancipação. In: Coleção das Leis do Império do Brazil. Disponível em:
<https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/doimperio>. Acesso em: 24 mar. de 2018.
299
Ibidem.
148
Tabela 4.9 – Relação dos maiores escravistas (20 ou + cativos) do Livro de classificação
dos escravos. Ilhéus, 1874-1886
Total de escravos*
Nomes Nº % Nº %
Fernando Steiger 1 0,55 146 12,0
Fortunato Pereira Gallo 1 0,55 63 5,2
Ernesto de Sá Bitencourt Câmara 1 0,55 47 4,0
Paulino Lopes de Carvalho 1 0,55 46 3,9
Dr. Pedro de Cerqueira Lima 1 0,55 37 3,0
José de Melo Sá 1 0,55 30 2,5
Joaquim José de Calazans Bitencourt 1 0,55 23 1,9
Leôncio Armando de Lima 1 0,55 23 1,9
Luiz Gaston Lavigne 1 0,55 23 1,9
João Baptista Homem Del Rey 1 0,55 21 1,7
Demais escravistas 173 94,5 753 62,0
TOTAL 183 100,0 1.212 100,0
Fonte: APEB, SCP. Livro de classificação dos escravos para libertação pelo fundo de emancipação.
Livro nº 7008. Ilhéus, 1874-1886.
(*) Inclui 345 filhos menores escravos e 65 ingênuos.
149
A Tabela 4.9 mostra que apenas dez escravistas concentraram 38% dos escravos
classificados. Fernando Steiger foi o que apresentou maior quantidade, 146 cativos (12%). Ele
foi um dos maiores exportadores de cacau e café de Ilhéus entre 1871 e 1885300 e era casado
com a filha do Tenente Coronel Egídio Luiz de Sá Bithencourt Câmara e de Dona Rita
Constança de Sá, que na época da abertura do inventário já era falecida. Assim, percebemos
que Fernando Steiger era viúvo e disputou na justiça vários escravos com Paulina Kaene de
Sá, também viúva, nora de Dona Rita301. Outro grande escravista membro desta família foi
Ernesto de Sá Bitencourt Câmara, que apresentou 47 escravos para concorrerem à libertação,
mas não encontramos seu inventário.
Fortunato Pereira Galo, classificou 49 escravos, mas também não tivemos acesso ao
seu inventário. Quem fornece informações sobre ele é Mary Ann Mahony, segundo a autora,
300
Ver APEB, SCP. Livro de classificação dos escravos para serem libertos pelo fundo de emancipação. Fundo:
Tesouraria Provincial. Lv. 7008. Ilhéus, 1874-1886; APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Maço 5459. Livro de
imposto sobre exportação de cacau e café. Ilhéus, 1871-1885.
301
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Rita Constança de Melo Sá, Est. 02 Cx. 759, Maço 1225, Doc.
04, 28 ago. 1880.
302
MAHONY, Mary Ann. A vida e os tempos de João Gomes: escravidão, negociação e resistência no Atlântico
negro. Revista Crítica Histórica. Ano VII, nº 13, jun. 2016.
150
Essa descrição revela que Paulino Lopes de Carvalho era dono de Engenho Jacarecica,
localizado na Cachoeira de Itabuna, além de possuir a patente de Tenente Coronel da Guarda
Nacional, constituindo mais um exemplo de grande escravista dono de engenho.
Joaquim José de Calazans Bitencourt é outro exemplo, no inventário de Rita
Constança de Melo Sá consta uma dívida ativa no valor de Rs. 4.445$000, “referente à venda
do Engenho Esperança, localizado nas proximidades do rio Fundão, vendido ao Coronel
Joaquim José de Calazans Bitencourt por Rs. 12.000$000”305.
João Baptista Homem Del Rey era proprietário do Engenho Santana e apresentou 21
escravos para concorrerem à libertação. Seu inventário foi aberto em 1884, por ocasião da sua
morte, e sua fortuna foi avaliada em Rs. 11.219$000, nessa época ele possuía dez escravos
que representaram 29% da riqueza, as terras 44% e os imóveis 17%, não encontramos
plantações de cacau entre os seus bens inventariados306.
Desse modo, na listagem dos dez grandes escravistas da Tabela 4.9 percebemos que
pelo menos 50% deles eram donos de engenho. É certo que não localizamos os inventários de
todos, mas percebemos que a quantidade de engenhos não era desprezível. Destarte, muitos
303
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Roberto Gaston Lavigne. Est. 02 Cx. 758, Maço 1224, Doc. 08,
19 de jun. 1882.
304
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. João Pedro Bonin. Est. 02 Cx. 742, Maço 1207, Doc. 02, 03 de
jul. 1868.
305
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Rita Constança de Melo Sá, Est. 02 Cx. 759, Maço 1225, Doc.
04, 28 ago. 1880.
306
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Capitão João Batista Homem Del Rey. Est. 02, Cx. 760, Maço
1226, doc. 11, 09 de jun. 1884.
151
307
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Santos Antônio Teixeira. Est. 02 Cx. 784, Maço 1251, Doc. 15,
04 de ago. 1862.
308
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Antônio da Cunha Marelim. Est. 02 Cx. 785, Maço 1252, Doc.
02, 06 de ago. 1866.
152
309
SCHWARTZ, Stuart. Segredos internos: engenhos e colonial. Traduçaõ de Laura Teixeira Motta. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998. p. 136.
310
BRASIL. Lei nº 581, de 4 de setembro de 1850. Estabelece medidas para a repressão do tráfico de africanos
neste império. In: Coleção das Leis do Império do Brazil. Disponível em:
<https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/doimperio>. Acesso em: 24 mar. de 2018.
311
Para discussão historiográfica ver, por exemplo, MOTTA, José Flávio. Escravos daqui, dali e de mais além:
o tráfico interno de cativos na expansão cafeeira paulista (Areias, Guaratinguetá, Constituição/Piracicaba e Casa
Branca, 1861-1887). São Paulo. Alameda, 2012. (Capítulo II – Historiografia e tráfico interno de escravos no
Brasil). Sobre o tráfico interno na Bahia ver, entre outros, PIRES, Maria de Fátima Novaes. Fios da vida: tráfico
interprovincial e alforrias nos Sertoins de Sima-BA (1860-1920). São Paulo: Annablume, 2009.
153
exemplo, constatou que entre 1853 e 1871 as autoridades portuárias da Bahia registraram a
saída de quase 18.000 escravos despachados para fora da província.312
Entre os inventariados de Ilhéus encontramos casos de pessoas envolvidas com o
tráfico interno de cativos. Joaquim José da Costa Seabra, por exemplo, um dos grandes
negociantes de Ilhéus, realizou a venda de dois escravos para o Rio de Janeiro, conforme a
conta de venda e líquido que aparece em seu inventário, aberto em 1856. Sebastião, de nação
Angola, foi vendido por Rs. 550$500 e Maria, crioula, por Rs. 550$000. Entre as despesas
com a venda constam: frete ao Brigue (Rs. 24$100); apresentação na Polícia e matrícula no
Tesouro (Rs. 5$000); comedorias por seis dias cada um, a Rs.$200 o dia (Rs. 2$400) e
Comissão de 5% sobre as vendas (Rs. 55$000)313.
Por outro lado, alguns estudiosos apontam que desde 1831, com o aumento da
repressão britânica ao tráfico de africanos, o sul da Bahia se tornou uma alternativa para os
traficantes que fugiam da fiscalização. O cronista João da Silva Campos informa que
moradores de Ilhéus noticiaram desembarque ilegal de africanos na costa do mamoam314.
Mary Ann Mahony discute vários exemplos de desembarques de escravos no litoral de Ilhéus
após a Lei de 1850315. Ronaldo Lima da Cruz também se debruçou sobre a questão analisando
as correspondências dos juízes de Ilhéus, constatando, entre outras questões, a preocupação
das autoridades com os desembarques clandestinos316.
Analisar as características da população escrava descrita nos inventários post mortem
pode ajudar a entender como os escravistas de Ilhéus conseguiram escravos. A nossa hipótese
é que a reprodução natural foi o principal aspecto a garantir a manutenção do sistema
escravista na localidade. Todavia, não descartamos a possibilidade de algumas compras via
tráfico interno. A Tabela 4.10 fornece algumas pistas sobre a questão.
312
BARICKMAN, Bert. J. Até a véspera: o trabalho escravo e a produção de açúcar nos engenhos do recôncavo
baiano (1850-1888). Afro-Ásia, Salvador, n. 21-22, p. 177-238, 1998-1999. p. 194 e 204.
313
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Joaquim José da Costa Seabra. Est. 08 Cx. 3424, Doc. 06, 17 de
set. 1856.
314
CAMPOS, João da Silva. Crônica da capitania de São Jorge dos Ilhéus. 3 ed. Ilhéus: Editus, 2006. p. 356.
315
MAHONY, 2001, Op. Cit. p. 103-104; BRASIL. Lei nº 581, de 4 de setembro de 1850. Estabelece medidas
para a repressão do tráfico de africanos neste império. In: Coleção das Leis do Império do Brazil. Disponível em:
<https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/doimperio>. Acesso em: 24 mar. de 2018.
316
CRUZ, Ronaldo Lima. No lado de cá: o tráfico clandestino de africanos na vila de São Jorge dos Ilhéus, 1851.
Crítica & Debates, Caetité, UNEB, v.1, n.1, p. 1-18, jul./dez., 2010.
154
Tabela 4.10 – Distribuição dos escravos por décadas, segundo origem e sexo.
Ilhéus, 1850-1888
Total de
Décadas 1850-1859 1860-1869 1870-1879 1880-1888
escravos
Origem e Sexo Nº % Nº % Nº % Nº % Nº %
Crioulos 23 29,1 69 36,1 109 34,5 69 29,4 270 32,9
Crioulas 26 32,9 69 36,1 121 38,3 86 36,6 302 36,7
Subtotal 49 62,0 138 72,2 230 72,8 155 66,0 572 69,6
317
Sobre o assunto ver, entre outros, MAMIGONIAN, Beatriz Galloti. Revisitando a “transição para o trabalho
livre” a experiência dos africanos livres. In: FLORENTINO, Manolo (Org.). Tráfico, cativeiro e liberdade (Rio
de Janeiro, séculos XVII-XIX). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005; BERTIN, Enidelce. Os meia-cara:
africanos livres em São Paulo no século XIX. Tese (Doutorado em História) – FFLCH-USP, São Paulo, 2006.
155
Não sabemos se eles foram comprados antes ou depois de 1850. Avaliar a origem por faixas
etárias pode revelar algumas pistas sobre o assunto. Antes de aprofundar a questão vamos
explicar a metodologia que adotamos na definição das idades dos escravos.
Incluímos no grupo das crianças os cativos com até 10 anos de idade e os casos
descritos como “cria”, “crioulinho”, “mulatinho”, “cabrinha” e “pardinho”. No grupo dos
jovens incluímos escravos entre 11 e 16 anos, bem como os casos declarados como “moço”,
ou “ainda moço”. No grupo dos adultos novos incluímos cativos com idades entre 17 e 30
anos; os considerados adultos maduros com idades entre 31 e 55 anos e no grupo dos idosos
incluímos aqueles com idade a partir de 56 anos, bem como os casos descritos como “velhos”,
“idosos”, “bastante velho”. Os cativos sem menção da idade foram agrupados na categoria
“sem informação”.
318
Sobre a família escrava no Brasil ver, entre outros, MOTA, José Flávio. Corpos escravos, vontades livres:
posse de cativos e família escrava em Bananal (1801-1829). São Paulo: FAPESP: Annablume, 1999; SLENES,
Robert W. Na senzala uma flor: esperanças e recordações na formação da família escrava – Brasil, Sudeste,
século XIX. Campinas: Editora da UNICAMP, 2004; FLORENTINO, Manolo; GÓES, José Roberto. A paz das
senzalas: famílias escravas e tráfico atlântico, Rio de Janeiro, c. 1790- c. 1850. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1997. Sobre família escrava em Ilhéus ver SANTOS, Victor Gonçalves dos. Escravos e senhores nas
terras do cacau: alforrias e família escrava (São Jorge dos Ilhéos, 1806-1888). Dissertação (Mestrado em
História). FFCH-UFBA, 2014.
157
319
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Maria José Leola Del Rey e Carolina Leola Del Rey. Est. 02, Cx.
786, Maço 1253, Doc. 06, 28 de fev. 1861.
158
natural da África, foram descritos como fugidos, além de Frederico, natural de Ilhéus, filho de
Rachel, também descrito como fugido320.
Ademais, encontramos nos inventários de Ilhéus escravos provenientes de outras
regiões da Bahia, que podem ter sido adquiridos via tráfico interno.
Em 1872 foi aberto o inventário de Manoel Cardoso da Silva, dono da Fazenda Retiro,
sendo que na matrícula dos escravos consta Delmira, com 27 anos, natural de Santo Amaro321.
Antônio, cabra de 45 anos, era natural da vila de Nazareth, e trabalhava como escravo na
Fazenda Tabocas em 1873, propriedade de Manoel Francisco Dunda, com 6.020 cacaueiros
cultivados322. Maximiano era um escravo natural da vila de Maraú e trabalhava como padeiro
na casa de negócio de Adão Schaum em 1877323. O crioulo Mamedis era natural do Pilão
Arcado e em 1885 trabalhava como escravo na fazenda de cacau de João Francisco da Mata,
localizada na Cachoeira de Itabuna324. Entre os escravos do Engenho São João do Pasto,
constam a preta Domingas, natural de São Francisco, a parda Cecilia, natural da Bahia e o
preto Francisco, de 40 anos, natural da vila de Nazareth325.
Esses exemplos apenas ilustram as diversas origens dos escravos que trabalhavam em
Ilhéus na segunda metade do século XIX, uma pesquisa aprofundada nos registros de compra
e venda pode revelar outros aspectos dessa realidade, que não conseguimos captar com o uso
dos inventários.
320
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Alferes José Antônio de Guimarães Bastos. Est. 02 Cx. 738,
Maço 1203, Doc. 12, 10 de fev. 1875.
321
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Manoel Cardoso da Silva. Est. 02, Cx. 737, Maço 1205, Doc. 04,
19 de nov. 1872.
322
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Manoel Francisco Dunda. Est. 02, Cx. 737, Maço 1202, Doc. 18,
18 de fev. 1873.
323
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Adão Schaum. Est. 02, Cx. 781, Maço 1248, Doc. 02, 05 de nov.
1877.
324
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. João Francisco da Mata. Est. 02, Cx. 762, Maço 1228, Doc. 01,
11 de dez. 1885.
325
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Firmino Pires Caldas. Est. 03 Cx. 1372, Maço 1841, Doc. 14, 10
de mar. 1888.
159
Os preços dos escravos possuem relação direta com outras variáveis demográficas,
especialmente idade e sexo, além das condições de saúde e especialização. Outrossim, as
pressões contra o tráfico, as conjunturas econômicas e as leis antiescravistas também
interferiam no mercado de escravos326. Vamos analisar os preços dos cativos de Ilhéus
tentando considerar a influência desses fatores, dentro dos limites e potencialidades de nossas
fontes.
Nos inventários post mortem de Ilhéus os escravos foram descritos por diversos
avaliadores, cada um com estilo próprio de descrição, o que impõe sérios limites à pesquisa.
Entre as especializações, por exemplo, muitas vezes aparece a descrição “do serviço de
lavoura”, que é uma categoria ampla, incluindo várias atividades, que dependendo do caso
influenciava no preço. Quanto às condições de saúde alguns escravos foram declarados como
“doentes”, porém, nem sempre consta o tipo de doença. Ademais, nem todos eram
efetivamente avaliados: alguns doentes foram declarados como “sem valor algum” o que
também ocorreu entre os idosos; certos escravos pertenciam a vários donos e o valor
declarado corresponde apenas a parte do inventariado; alguns filhos de escravas foram
avaliados junto com a mãe e os ingênuos, nascidos após a Lei do Ventre Livre, deixaram de
ser avaliados.
Essa complexidade da documentação exige cuidados minuciosos na hora de calcular e
apresentar os dados relativos aos preços dos escravos. Para efeito de cálculo consideramos as
variáveis idades e sexo. Inicialmente apresentamos os preços (mínimo, médio e máximo) por
faixas etárias, englobando todos cativos. Num segundo momento fornecemos os preços
médios por sexos e faixas etárias, excluindo dos cálculos os doentes e, posteriormente, os
ingênuos. Outrossim, optamos por segmentar o estudo em décadas pois ao longo do século
326
Sobre o assunto ver, entre muitos, ANDRADE, Maria José de Souza. A mão de obra escrava em Salvador,
1811-1860. São Paulo: Corrupio, 1988; BARICKMAN, Bert J. Um contraponto baiano: açúcar, fumo, mandioca
e escravidão no Recôncavo, 1780-1860. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2003; NOGUERÓL, Luiz Paulo Ferreira. Mercado Regional de escravos: padrões de preços em Porto
Alegre e Sabará, no século XIX – elementos da nossa formação econômica e social. Ensaios FEE, Porto Alegre,
v. 23, número especial, p. 539-564, 2002; VERSIANI, F. R.; VERGOLINO, J. R. O. “Preços de escravos em
Pernambuco no século XIX”. Texto para Discussão nº 252. Brasília, DF: Universidade de Brasília, outubro de
2002. Disponível em: <www.unb.br/face/eco/cpe/TD/252Oct02FVersiani.pdf.> Acesso em: 16 de fev. 2019.
160
Tabela 4.14 – Preços dos escravos por faixas etárias. Ilhéus, 1850-1859
Faixas Etárias Escravos Preços (em réis) Soma dos Preços
Grupos Nº % Mínimo Médio Máximo (em réis) %
Crianças (0-10) 22 26,8 40,000 182,482 504,620 4.114,620 11,8
Jovens (11-16) 9 11,0 400,000 872,222 1.100,000 7.850,000 22,5
Adultos N. (17-30) 17 20,7 300,000 555,294 1.000,000 9.440,000 27,0
Adultos M. (31-55) 12 14,7 100,000 425,167 1.200,000 5.102,000 14,7
Idosos (56 ou +) 6 7,3 30,000 293,333 900,000 1.760,000 5,0
Sem Informação 16 19,5 100,000 413,906 800,000 6.622,490 19,0
TOTAL 82 100,0 30,000 425,477 1.200,000 34.889,110 100,0
Fonte: APEB, SJ. 13 inventários. Ilhéus, 1850-1888.
OBS: Excluímos um escravo (criança) sem preço, avaliado junto com a mãe.
A Tabela 4.14 apresenta a proporção de escravos por faixas etárias com os respectivos
preços mínimo, médio e máximo de cada grupo. Na década de 1850 os escravos classificados
como jovens, entre 11 e 16 anos, alcançaram os maiores preços médios (Rs. 872$222) e o
valor máximo de um escravo chegou a Rs. 1.200$000, que foi o crioulo Pedro, marinheiro,
com 35 anos de idade em 1856, quando foi avaliado no inventário de Joaquim José da Costa
Seabra, negociante de Ilhéus.327 O menor valor foi atribuído ao africano Antônio, escravo de
60 anos, doente, que trabalhava no Engenho União em 1851, quando foi avaliado em Rs.
30$000.328
As crianças escravas, em geral custavam menos que os adultos, mas aparecem em
quantidade expressiva na década de 1850, representando 26,8% de todos escravos.
Computando-se os percentuais delas com o dos jovens concluímos que nesta década ao menos
um terço dos escravos inventariados tinham até 16 anos de idade.
327
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Joaquim José da Costa Seabra. Est. 08, Cx. 3424, Maço n/c,
Doc. 06, 17 de set. 1856.
328
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Narcisa da Rosa Dorea. Est. 02, Cx. 783, Maço 1250, Doc. 15,
23 de ago. 1851.
161
O filho da escrava Clara, de nome Moysés, com menos de um ano de idade, foi o que
teve o preço mais baixo. Ele foi doado em 1851 e seu preço (Rs. 40$000) descontado nas
terças do inventário329.
Miguel, cabrinha, pertencente à Joaquim José da Costa Seabra alcançou a mais alta
avaliação, ele foi vendido no Rio Janeiro pela quantia de Rs. 504$620, conforme declaração
do inventariante330.
Ao que parece na década de 1850 os preços dos cativos de Ilhéus estavam dentro da
média de preços dos escravos inventariado em outras partes do Brasil. No geral os jovens e
adultos eram os mais valorizados. Agora vamos conferir a proporção dos sexos entre os
cativos para saber as diferenças de preços. Optamos por excluir os doentes dos cálculos, a fim
de obter resultados mais apurados dos preços.
Tabela 4.15 – Preços médios dos escravos por faixas etárias e sexos.
Ilhéus, 1850-1859
Sexos Masculino Preços Feminino Preços Total
Faixas Etárias Nº % Médios Nº % Médios Nº %
Crianças (0-10) 13 59,0 197,278 9 41,0 172,222 22 100,0
Jovens (11-16) 5 55,5 830,000 4 44,5 925,000 9 100,0
Adultos N. (17-30) 9 53,0 612,222 8 47,0 491,250 17 100,0
Adultos M. (31-55) 3 33,3 666,667 6 66,7 375,167 9 100,0
Idosos (56 ou +) 2 66,7 40,000 1 33,3 900,000 3 100,0
Sem Informação 5 50,0 396,600 5 50,0 635,100 10 100,0
TOTAL 37 53,0 427,434 33 47,0 460,014 70 100,0
Fonte: APEB, SJ. 13 inventários. Ilhéus, 1850-1888.
OBS: Excluímos 12 escravos: 8 doentes e 4 sem informação de sexo
Na década de 1850 a população escrava mostrou-se bem equilibrada com relação aos
sexos: 53% masculino e 47% feminino, sendo que os preços médios dos cativos superaram os
das escravas na maioria das faixas etárias, porém, no computo geral elas alcançaram níveis de
preços médios mais elevados que os deles, Rs. 460$014 contra Rs. 427$434.
329
Ibidem.
330
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Joaquim José da Costa Seabra. Est. 08, Cx. 3424, Maço n/c,
Doc. 06, 17 de set. 1856.
162
Observando a Tabela 4.15 percebemos que os preços médios das escravas não estavam
muito reduzidos se comparados aos dos escravos. Entre os jovens elas alcançaram preço
médio mais elevado que o deles. A escrava Helena, com 13 anos de idade, foi a de maior
valor, Rs. 1.100$000. Ela pertencia a Joaquim José da Costa Seabra, mas foi doada para
Manoel José Spinola Bithencourt, conforme declaração do inventariante331.
Nesse contexto econômico algumas famílias de Ilhéus podem ter sido motivadas a
comprar escravos, principalmente mulheres, devido a possibilidade que elas tinham de gerar
novos rebentos, fato que ganhou maior importância após a proibição do tráfico atlântico de
africanos (1850). Talvez, essa tenha sido a principal estratégia dos escravistas da localidade,
uma vez que elas podiam trabalhar em vários serviços, tanto no eito quanto nos espaços
urbanos e nos serviços domésticos.
Para os donos de engenho adquirir escravos era essencial para manter a capacidade de
produção de açúcar nos níveis desejados, sendo que o maior percentual de africanos estava
entre eles. Bert J. Barickman ao analisar os custos de produção do açúcar e a relação com o
preço dos escravos no recôncavo entre 1780 e 1860 destacou que “A duplicação e talvez
triplicação da produção de açúcar por escravo entre a década de 1780 e meados do século
XIX teria compensado em grande parte a elevação do preço do escravo”332.
Ao que parece investir em escravos e na produção de açúcar se tornou um bom
negócio viável em Ilhéus durante o século XIX, dada a disponibilidade de terras virgens e
abundância de madeiras, elementos essenciais na atividade. Nesse processo eles também
fizeram investimentos em cacau, café, produção de farinha e cachaça, mas para os donos de
engenho o açúcar permaneceu como principal produto até a década de 1880, quando o cacau
começou a adquirir maior importância econômica.
Podemos continuar testando essa hipótese analisando os períodos subsequentes. Na
década de 1860 os preços dos escravos se elevaram de modo acentuado no Brasil e muitos
escravistas de Ilhéus optaram por manter a posse de seus escravos ao invés de vende-los,
indicando que, talvez, naquela conjuntura essa manutenção fosse favorável economicamente.
331
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Joaquim José da Costa Seabra. Est. 08, Cx. 3424, Maço n/c,
Doc. 06, 17 de set. 1856.
332
BARICKMAN, Bert J. Op. cit. p. 235.
163
Tabela 4.16 – Preços dos escravos por faixas etárias. Ilhéus, 1860-1869
Faixas Etárias Escravos Preços (em réis) Soma dos Preços
Grupos Nº % Mínimo Médio Máximo (em réis) %
Crianças (0-10) 54 28,7 20,000 403,333 1.000,000 21.780,000 15,6
Jovens (11-16) 17 9,0 300,000 952,941 1.500,000 16.200,000 11,6
Adultos N. (17-30) 44 23,4 500,000 1.130,682 1.500,000 49.750,000 35,7
Adultos M. (31-55) 30 15,9 400,000 935,000 1.500,000 28.050,000 20,0
Idosos (56 ou +) 15 8,0 50,000 318,000 1.000,000 4.770,000 3,4
Sem Informação 28 15,0 80,000 679,643 1.200,000 19.030,000 13,7
TOTAL 188 100,0 20,000 742,447 1.500,000 139.580,000 100,0
Fonte: APEB, SJ. 30 inventários. Ilhéus, 1860-1869.
OBS: Excluímos 3 escravos sem preços.
Observando a Tabela 4.16 percebemos que na década de 1860 todos preços máximos
se encontravam na casa dos Rs.1.000$000 e o maior preço médio chegou a Rs. 1.130$682.
Assim, notamos que os preços sofreram elevação com relação ao decênio anterior. Na
década de 1850 em média um escravo chegou a custar no máximo de Rs. 872$222 e o valor
máximo de um cativo chegou Rs. 1.200$000. Na década de 1860 essas cifras foram de Rs.
1.130$682 e Rs. 1.500$000, respectivamente.
Outros estudiosos do assunto também constataram semelhante elevação nos preços
médios dos escravos nesse período. Para Salvador, por exemplo, utilizando inventários post
mortem a historiadora Maria Jose de Souza Andrade destacou que “Quanto à elevação dos
preços médios de escravos, observamos que, considerando-se os períodos de 1831 a 1860 e de
1861 a 1888, o preço médio dos escravos homens cresce 24% e o das mulheres, 20%”333 Bert
J. Barickman destacou que “Um escravo de enxada e foice que podia ser comprado por menos
de Rs. 480$000 no início da década de 1850 era vendido por Rs. 1:075$000 em 1858.”334
Se os preços dos escravos aumentaram e ainda assim os escravistas de Ilhéus optaram
por manter a posse de cativos, sobretudo jovens e adultos, significa que para alguns
333
ANDRADE, Maria José de Souza. A mão de obra escrava em Salvador, 1811-1888. São Paulo: Corrupio,
1988. p. 170
334
BARICKMAN, op. cit. p. 231.
164
Tabela 4.17 – Preços médios dos escravos por faixas etárias e sexos.
Ilhéus, 1860-1869
Sexo Masculino Preços Feminino Preços Total
Faixas Etárias Nº % Médios Nº % Médios Nº %
Crianças (0-10) 31 58,5 379,355 22 41,5 441,818 53 100,0
Jovens (11-16) 9 56,3 866,667 7 43,7 1.157,143 16 100,0
Adultos N. (17-30) 19 45,2 1.118,421 23 54,8 1.172,154 42 100,0
Adultos M. (31-55) 15 57,7 1.063,333 11 42,3 890,909 26 100,0
Idosos (56 ou +) 5 38,4 660,000 8 61,6 152,500 13 100,0
Sem Informação 7 30,4 921,429 16 69,6 601,875 23 100,0
TOTAL 86 49,7 780,930 87 50,3 746,782 173 100,0
Fonte: APEB, SJ. 30 inventários. Ilhéus, 1860-1869.
OBS: Excluímos 15 escravos: 12 doentes e 3 sem preços.
335
Sobre o assunto ver, entre muitos, MUAZE, Mariana; SALLES, Ricardo (Org.). O Vale do Paraíba e o
Império do Brasil nos quadros da Segunda Escravidão. 1ª Ed. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2015. MORENO, Breno
Aparecido Servidone. Demografia e trabalho escravo nas propriedades rurais cafeeiras de Bananal, 1830-1860.
Dissertação (Mestrado em História). FFLCH-USP, 2013.
165
Tabela 4.18 – Preços dos escravos por faixas etárias. Ilhéus, 1870-1879
Faixas Etárias Escravos Preços (em réis) Soma dos Preços
Grupos Nº % Mínimo Médio Máximo (em réis) %
Crianças (0-10) 38 13,4 100,000 356,579 700,000 13.550,000 7,7
Jovens (11-16) 38 13,4 100,000 734,211 1.200,000 27.900,000 16,0
Adultos N. (17-30) 65 23,0 150,000 801,231 1.300,000 52.080,000 29,7
Adultos M. (31-55) 65 23,0 50,000 545,846 1.000,000 35.480,000 20,3
Idosos (56 ou +) 21 7,4 50,000 328,571 900,000 6.900,000 3,9
Sem Informação 56 19,8 300,000 702,303 1.300,000 39.328,980 22,4
TOTAL 283 100,0 50,000 619,219 1.300,000 175.238,980 100,0
Fonte: APEB, SJ. 36 inventários. Ilhéus, 1850-1888.
OBS: Excluímos 36 escravos: 29 ingênuos e 7 sem preços.
Os dados da Tabela 4.18 mostram que no computo de todos os escravos o preço médio
chegou a Rs. 619$219. Desse modo, se comparado ao decênio anterior notamos que houve
declínio, visto que na década de 1860 o referido preço médio alcançou a quantia de
Rs.742$447 (Tabela 4.17).
No entanto, essa redução não parece ser típica de Ilhéus quiçá de todo Brasil, visto que
as mudanças na legislação interferiram no mercado de escravos, não só em relação aos filhos
das escravas nascidos a partir da Lei do Ventre Livre, que deixaram de ser avaliados, como
também em relação aos tributos que passaram a incidir sobre a compra e venda de cativos, o
que interferiu nos preços336. Vejamos as diferenças em relação aos sexos.
336
Sobre as tarifas do tráfico de escravos ver, entre outros, MOTA, José Flávio. A Lei, Ora a Lei! driblando a
legislação no tráfico interno de escravos no Brasil (1861-1887). História e Economia – revista interdisciplinar.
BBS Business School, São Paulo, v. 10, n.1, p. 15-28, 2012; PIRES, Maria de Fátima Novaes. Fios da Vida:
tráfico interprovincial e alforrias nos sertoins de Sima-BA (1860-1920). São Paulo: Annablume, 2009. p. 58-60.
166
Tabela 4.19 – Preços médios dos escravos por faixas etárias e sexos.
Ilhéus, 1870-1879
Sexo Masculino Preços Feminino Preços Total
Faixas Etárias Nº % Médios Nº % Médios Nº %
Crianças (0-10) 22 58,0 356,818 16 42,0 356,250 38 100,0
Jovens (11-16) 16 42,0 887,500 22 58,0 622,727 38 100,0
Adultos N. (17-30) 24 40,0 1.031,250 36 60,0 680,000 60 100,0
Adultos M. (31-55) 26 51,0 728,846 25 49,0 540,000 51 100,0
Idosos (56 ou +) 5 50,0 525,000 5 50,0 300,000 10 100,0
Sem Informação 34 65,4 783,205 18 34,6 633,333 52 100,0
TOTAL 127 51,0 742,023 122 49,0 580,000 249 100,0
Fonte: APEB, SJ. 36 inventários. Ilhéus, 1850-1888.
OBS: Excluímos 70 escravos: 35 doentes, 26 ingênuos e 9 sem preços.
Os dados da Tabela 4.19 revelam que na década de 1870 os preços médios das
escravas estavam abaixo dos preços dos cativos em todas as faixas etárias. No computo geral
eles alcançaram Rs. 742$023 e elas Rs. 580$000, demonstrando que a lei do Ventre Livre
impactou no preço das escravas de Ilhéus, assim como no Brasil de maneira geral.
Entre 1880 e 1888 os preços dos escravos de Ilhéus continuam declinando, mas ainda
era possível encontrar escravos custando Rs. 1.500$000 nos inventários post mortem.
Tabela 4.20 – Preços dos escravos por faixas etárias. Ilhéus, 1880-1888
Faixas Etárias Escravos Preços (em réis) Soma dos Preços
Grupos Nº % Mínimo Médio Máximo (em réis) %
Crianças (0-10) 3 1,7 400,000 633,333 1.000,000 1.900,000 1,8
Jovens (11-16) 20 11,0 300,000 700,500 1.200,000 14.010,000 13,4
Adultos N. (17-30) 51 28,2 50,000 743,157 1.200,000 37.901,000 36,3
Adultos M. (31-55) 51 28,2 50,000 503,908 1.000,000 25.699,320 24,7
Idosos (56 ou +) 13 7,2 100,000 311,538 500,000 4.050,000 3,8
Sem Informação 43 23,7 30,000 483,256 1.500,000 20.780,000 20,0
TOTAL 181 100,0 50,000 576,466 1.500,000 104.340,320 100,0
Fonte: APEB, SJ. 40 inventários. Ilhéus, 1850-1888.
OBS: Excluímos 55 escravos: 52 ingênuos e 3 sem preços.
1.000$000. Ademais, nesta década encontramos muitas famílias com riquezas apoiadas na
exploração do trabalho escravo, indicando que naquele contexto ainda era viável, do ponto de
vista econômico, manter tais investimentos. Ao que parece o retorno financeiro compensava
os riscos da abolição. Destarte, o preço do cacau aumentou em relação ao decênio anterior. Se
em 1873 uma arroba foi avaliada no inventário post mortem pelo valor de Rs. 3$500337, dez
anos depois esse preço dobrou, chegando a custar Rs. 7$000 no inventário do Tenente
Coronel Domingos Lopes da Silva, aberto em 1883338.
Essa tendência pode ter influenciado os escravistas de Ilhéus na decisão de manter a
posse de seus cativos até a véspera da abolição (1888). Vários negociantes, a maioria
composta por escravistas, estavam envolvidos nos negócios do cacau.
Em janeiro de 1884, por exemplo, o negociante José Carlos Adami exportou 850
arrobas. Se tomarmos como referência o valor de Rs. 7$000 por cada arrobas calculamos que
ele podia obter até Rs. 5.950$000 com estas exportações. Talvez isso justifique a decisão de
manter a posse de cativos.
Em 1887 o alferes Acrísio Januário Cardoso, negociante estabelecido na Cachoeira de
Itabuna, era dono de sete escravos e uma plantação com 4.155 cacaueiros. Sua riqueza bruta
foi calculada no valor de Rs. 46.864$778, sendo que os escravos concentravam 11,5% desta
fortuna: o preto Antônio, de 30 anos, foi avaliado em Rs. 800$000; a escrava Julia, de cor
preta, com 25 anos, em Rs. 675$000; o jovem Antônio, 16 anos, em Rs. 900$000; a escrava
Domingas, 21 anos, em Rs. 675$000; a preta Vitória, 27 anos, em Rs. 675$000; o escravo
Luiz, de 23 anos, foi avaliado em Rs. 900$000 e o escravo Jacinto, de 30 anos, foi avaliado
em Rs. 800$000.339
Em 1886 o alferes João Carlos Hohlenweger, proprietário da Fazenda Óculos, no
Almada, possuía dois escravos e uma plantação de 8.561 cacaueiros, entre outros bens. Sua
fortuna foi calculada no valor de Rs. 11.622$944, a maior parte alocada em cacau (53%),
337
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Ignez Maria do Espírito Santo. Est. 02 Cx. 737, Maço 1202 Doc.
13, 27 de fev. 1873.
338
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Tenente Coronel Domingos Lopes da Silva. Est. 02 Cx. 759,
Maço 1225, Doc. 03, 10 de out. 1883.
339
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Alferes Acrísio Januário Cardoso. Est. 03 Cx. 1298, Maço 1767,
Doc. 08, 21 de abr. 1887.
168
escravos (8,6%) e terras (10%). A escrava Romana, crioula de 34 anos, foi avaliada em Rs.
500$000; a escrava Paula, crioula de 32 anos, também foi avaliada em Rs. 500$000340.
Outras pessoas, principalmente negociantes, continuaram exportando cacau nesse
período. As evidências indicam que o crescimento da economia cacaueira, aliado à elevação
dos preços do cacau na década de 1880, influenciou na decisão dos escravistas de manter a
exploração do trabalho escravo, mesmo com o risco da abolição.
A exploração dos cativos não se restringiu ao trabalho na lavoura, eles
desempenharam diversas funções na sociedade. Os serviços domésticos das escravas, por
exemplo, deviam ser imprescindíveis para as famílias ricas.
Vejamos as diferenças entre seus preços médios de escravos e escravas na década de
1880.
Tabela 4.21 – Preços médios dos escravos por faixas etárias e sexos.
Ilhéus, 1880-1888
Sexo Masculino Preços Feminino Preços Total
Faixas Etárias Nº % Médios Nº % Médios Nº %
Crianças (0-10) 1 33,4 1.000,000 2 66,6 450,000 3 100,0
Jovens (11-16) 12 63,2 785,417 7 36,8 612,143 19 100,0
Adultos N. (17-30) 20 50,0 880,000 20 50,0 670,000 40 100,0
Adultos M. (31-55) 20 45,5 577,750 24 54,5 514,583 44 100,0
Idosos (56 ou +) 6 66,6 441,667 3 33,4 166,667 9 100,0
Sem Informação 13 31,7 600,000 28 68,3 424,286 41 100,0
TOTAL 72 46,0 694,861 84 54,0 537,247 156 100,0
Fonte: APEB, SJ. 40 inventários. Ilhéus, 1850-1888.
OBS: Excluímos 80 escravos: 52 ingênuos, 25 doentes e 3 sem preços.
340
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Alferes João Carlos Hohlenwegner. Est. 02, Cx. 762, Maço
1228, Doc. 12, 20 de abr. 1886.
169
poda das árvores, colher e quebrar os frutos para extração das sementes, transportando a
matéria prima para os cochos de fermentação, secagem e posteriormente para o porto de
embarque.
Já as crianças e mulheres escravas deviam atuar com mais frequência no cuidado com
as primeiras mudas de cacau, que demoravam pelo menos três anos para começarem a
frutificar. Ademais, elas eram empregadas com mais frequência que eles nos serviços
domésticos, na raspagem da mandioca, na fabricação de farinha, na colheita do café e quebra
dos grãos, e em outras lavouras de subsistência.
***
341
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Maria José Leola Del Rey e Carolina Leola Del Rey. Est. 02, Cx.
786, Maço 1253, Doc. 06, 28 de fev. 1861.
170
342
BARICMAN, Bet J. Um contraponto baiano: açúcar, fumo, mandioca e escravidão no Recôncavo, 1780-
1860. Tradução de Maria Luiz X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 239.
343
SCHWARTZ, Stuart B. Segredo internos: engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835. Tradução
Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia da Letras, 1998. p. 290. Ver também, entre outros, GUTIÉRREZ,
Horacio. Demografia Escrava numa Economia Não-exportadora: Paraná, 1800-1830. Estudos Econômicos: São
Paulo, 17 (2), p. 297-314, maio/ago. 1987.
171
CAPÍTULO V
AS ESCRAVAS E SEUS FILHOS NA ECONOMIA DE ILHÉUS, 1850-1888
5.1 - Introdução
344
Um painel denso e atualizado, com 20 artigos de especialistas, pode ser visto em: XAVIER, Giovana;
FARIAS, Juliana Barreto e GOMES, Flávio (Org.). Mulheres negras no Brasil escravista e do pós-emancipação.
São Paulo: Selo Negro, 2012. Sobre a história das mulheres no Brasil ver, entre muitos, SAMARA, Eni de
Mesquita; GUTIÉRREZ, Horácio. Mujeres esclavas em el Brasil del Siglo XIX. In: PERROT, Michele; DUBY,
Georges. História de las mujeres em Occidente. Traducción de Marco Aurelio Galmarini. Taurus Ediciones, p.
640-641. Spain, 1993; SAMARA, Eni de Mesquita. As mulheres, o poder e a família. São Paulo, século XIX.
São Paulo: Marco Zero; Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, 1989; PRIORE, Mary Del. A mulher na
história do Brasil. São Paulo: Contexto, 1988.
173
345
SOARES, Cecília Conceição Moreira. Mulher Negra na Bahia no século XIX. Dissertação (Mestrado em
História). FFCH/ UFBA. Salvador, 1994. p. 23 (Tabela 1).
346
GRAHAM, Sandra Lauderdale. Proteção e Obediência: criadas e seus patrões no Rio de Janeiro, 1860-1910.
Tradução Viviana Bosi – São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 19
347
DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Quotidiano e poder em São Paulo no século XIX. 2 ed. São Paulo:
Brasiliense, 1995, p. 156.
348
Ver, entre muitos, MOTT, Maria Lúcia de Barros. Submissão e resistência: a mulher na luta conta a
escravidão. São Paulo. Contexto, 1988; DIAS, Maria Odila Leite da Silva. “Nas fímbrias da escravidão urbana:
negras de tabuleiro e de ganho”. Estudos Econômicos, São Paulo: IPE-USP, v. 15, n. esp. p. 167-80, 1985;
FARIA, Sheila de Castro. Mulheres forras: riqueza e estigma social. Tempo, Niterói, v.5, n. 9, p. 65-92, jul.2000.
349
Ver, entre outros, ALVES, Adriana Dantas Reis. As mulheres negras por cima. O caso de Luzia jeje.
Escravidão, família e mobilidade social, Bahia 1780 – 1830. Tese (Doutorado em História) - ICHF/ UFF, Rio de
Janeiro, 2010; REIS, Isabel Cristina Ferreira dos. A família negra no tempo da escravidão, Bahia 1850-1888.
Tese (Doutorado em História) - IFCH-UNICAMP, Campinas, 2007.
174
Em 1873 foi rubricado o Livro destinado à classificação dos escravos que pudessem
ser libertos pelo fundo de emancipação no Município de Ilhéus. Esse livro, fornecido pelo
Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, contém as seguintes informações sobre
os escravos: número da matrícula, nome, cor, idade, estado conjugal, profissão, aptidão para o
trabalho, pessoas de família, moralidade, valor, nome do senhor e observações. Infelizmente,
no caso de Ilhéus, os campos valor e moralidade não foram preenchidos, não sabemos por
quais motivos352.
350
APEB, SCP. Livro de classificação dos escravos para serem libertos pelo fundo de emancipação. Lv. 7008.
Ilhéus, 1874-1886.
351
Recenseamento Geral do Império do Brazil de 1872. Disponível em: <http://www.biblioteca.ibge.gov.br>.
Acesso em 15 de fev. 2018.
352
O fundo de emancipação de escravos foi um instrumento jurídico criado pela lei n.° 2.040 de 28 de setembro
de 1871 (conhecida como Lei do Ventre Livre ou Lei Rio Branco), que previa a destinação de recursos
pecuniários a cada província do país e ao Município Neutro (o Rio de Janeiro) para a libertação de tantos
escravos quantos possíveis. Decreto n.° 5.135, de 13 de novembro de 1872. “Aprova o regulamento geral para a
execução da lei n.° 2.040 de 28 de setembro de 1871. In: Coleção de Leis do Império do Brasil, 1808-1889.
Disponível em:
<https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/doimperio>. Acesso em: 24 mar. de 2014.
175
353
BRASIL. Lei nº 2.040, de 28 de setembro de 1871. Art. 1º Os filhos de mulheres escravas que nascerem no
Império desde a data desta lei, serão considerados de condição livre. In: Coleção das Leis do Império do Brazil.
Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/doimperio>. Acesso em 24 de mar.
2016.
354
Sobre o assunto ver, entre outros, DAUWE, Fabiano. “A libertação gradual e a saída viável: os múltiplos
sentidos da liberdade pelo fundo de emancipação de escravos. Dissertação (Mestrado em História). ICHF-UFF,
Rio de Janeiro, 2004; SANTANA NETO, José Pereira de. “A Alforria nos termos e limites da lei: o Fundo de
emancipação na Bahia (1871-1888). Dissertação (Mestrado em História). FFCH-UFBA, 2012.
355
Excluímos de nossas análises oito classificações explicitamente declaradas pelos membros da junto como
“sem efeito”.
176
Fonte: APEB, SCP. Livro de classificação dos escravos para serem libertos
pelo fundo de emancipação. Lv. nº 7008. Ilhéus, 1874-1886.
Ao todo foram classificados 802 escravos, a serem libertos de acordo com as reservas
do fundo, provenientes dos impostos sobre transações envolvendo escravos, loterias, doações
e depósitos realizados pelos próprios cativos. Além destes foram mencionados indiretamente
filhos menores, nascidos antes ou depois da Lei 2.040 de 28 de setembro de 1871356.
Nas observações do primeiro casal de escravos classificado para libertação, por
exemplo, consta a seguinte frase “cônjuges com uma filha livre, tida da lei, e um menor
escravo”357. Essas descrições de “filhos menores livres” e “filhos menores escravos” foram
frequentes, o que permite calcular a quantidade de filho das escravas, todavia não é possível
saber o sexo, a cor e a idade delas, por isso optamos em excluí-las dos cálculos de algumas
tabelas que mostram dados sobre os escravos classificados para libertação.
Antes de analisarmos as mulheres escravas e seus filhos vamos explicar os traços
gerais da população descrita nesta fonte, começando pela distribuição por faixas etárias.
356
BRASIL. Lei nº 2.040, de 28 de setembro de 1871. Art. 1º Os filhos de mulheres escravas que nascerem no
Império desde a data desta lei, serão considerados de condição livre. In: Coleção das Leis do Império do Brazil.
Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/doimperio>. Acesso em 24 de mar.
2016.
357
APEB, SCP. Livro de classificação dos escravos para serem libertos pelo fundo de emancipação. Lv. 7008.
Ilhéus, 1874-1886.
177
Os dados da Tabela 5.3 mostram que no que diz respeito à aptidão para o trabalho
predominou aqueles descritos em boas condições, 673 (83,9%), sem grandes diferenças em
358
APEB, SCP. Livro de classificação dos escravos para serem libertos pelo fundo de emancipação. Lv. 7008.
Ilhéus, 1874-1886.
179
relação aos sexos. Vale ressaltar que muitas crianças foram mencionadas indiretamente nesta
fonte, muitas delas certamente ainda não estavam aptas ao trabalho.
Outra característica que a documentação permite identificar é a profissão dos escravos.
A Tabela 5.4 mostra a distribuição dos cativos de acordo com essa variável.
A maioria dos escravos também era do serviço de lavoura (86,6%) e assim como as
cativas eles certamente desempenhavam diversas funções durante o dia e a noite, em proveito
próprio ou do senhor. Entre eles poucos foram vinculados aos serviços domésticos (3,1%), o
que está bem abaixo do índice delas (12,4%).
Conjugar o trabalho de lavoura com serviço doméstico parece mais próximo da
realidade das escravas. Entre eles o mais comum, depois da profissão dos serviços de lavoura,
era trabalhar na profissão de carapina (3,6%), padeiro (1,9%), ferreiro (1,4%) e nas
navegações, como marinheiro, marítimo e de canoa.
Agora vamos analisar o estado conjugal desses cativos, para sabermos as
possibilidades de acesso ao casamento legítimo, contraído na Igreja Católica, e qual a
frequência que isso ocorria entre homens e mulheres que viviam no cativeiro em Ilhéus. A
Tabela 5.5 mostra a distribuição da população escrava de acordo com o sexo e estado
conjugal.
Tabela 5.5 – População escrava por sexo e estado conjugal.
Ilhéus, 1874-1886
SEXO ESCRAVAS ESCRAVOS TOTAL
ESTADO CONJUGAL Nº % Nº % Nº %
SOLTEIROS 393 88,7 319 88,8 712 88,8
CASADOS 38 8,6 38 10,6 76 9,5
VIÚVOS 12 2,7 2 0,6 14 1,7
TOTAL 443 100,0 359 100,0 802 100,0
Fonte: APEB, SCP. Livro de classificação dos escravos para serem libertos
pelo fundo de emancipação. Lv. nº 7008. Ilhéus, 1874-1886
OBS: Excluímos dos cálculos 345 menores escravos e 65 ingênuos, por não
sabermos o sexo deles.
359
Ver, entre outros, COSTA, Iraci del Nero da.; GUTIÉRREZ, Horacio. Nota sobre casamentos de escravos em
São Paulo e no Paraná (1830). In: LUNA, Francisco Vidal; COSTA, Iraci del Nero da.; KLEIN, Herbert S.
Escravismo em São Paulo e Minas Gerais. São Paulo: EDUSP. Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2009.
p. 511-518; LUNA, Francisco Vidal. Casamento de Escravos em São Paulo: 1776, 1804, 1829. In: LUNA;
COSTA; KLEIN, Op. cit., p. 571-594.
181
Vamos analisar agora a quantidade de filhos de acordo com o estado conjugal das
escravas.
Tabela 5.6 – Distribuição das escravas por estado conjugal
e quantidade de filhos. Ilhéus, 1874-1886.
ESTADO CONJUGAL E ESCRAVAS TOTAL DE FILHOS *
PRESENÇA DE FILHOS Nº % Nº %
Solteiras sem filhos 211 47,6 0 0,0
Solteiras com filhos 182 41,1 370 90,3
Casadas sem filhos 24 5,4 0 0,0
Casadas com filhos 14 3,2 40 9,7
Viúvas sem filhos 12 2,7 0 0,0
Viúvas com filhos 0 0,0 0 0,0
TOTAL 443 100,0 410 100,0
Fonte: APEB, SCP. Livro de classificação dos escravos para serem libertos
pelo fundo de emancipação. Lv. nº 7008. Ilhéus, 1874-1886.
(*) Inclui filhos menores escravos (345) e ingênuos (65).
360
MOTT, Luiz R. B. Os pecados da família na Bahia de todos os Santos (1813). Centro de Estudos Baianos.
Gráfica Universitária. Salvador, 1982. p. 10-13.
182
Além dessas famílias, com uniões entre escravos do mesmo cativeiro, encontramos
casamentos de escravas com pessoas libertas e livres, e casos em que os cônjuges não são
mencionados. Victória, por exemplo, foi classificada como escrava do serviço de lavoura,
com 43 anos de idade, casada, na época com seis filhos menores escravos. Nesse caso, o
documento não diz nada sobre seu marido, podia ser um escravo de outro proprietário, um
homem liberto ou livre, mas nem sempre é possível identificar, às vezes aparece informações
específicas na documentação, mas isso não foi uma regra.
Percebemos que havia possibilidade das cativas se casarem com escravos de outros
proprietários ou com pessoas de condições sociais diferentes. Umbelina, por exemplo, escrava
de Maria Custódia Lessa Soares, foi classificada como parda, casada, 28 anos, do serviço de
lavoura, boa aptidão para o trabalho. No campo observações consta a descrição “casada com
Joaquim, escravo de José Antônio Foneto Bastos”363. Assim, notamos que os membros deste
casal pertenciam a proprietários diferentes, e provavelmente residiam em lugares distintos.
Essa deve ter sido a realidade de muitas famílias negras sujeitas à escravidão em
Ilhéus. Os membros deviam enfrentar as complicações de ter que servir diferentes senhores,
de viverem separados ou ter seus entes queridos vendidos, doados ou trocados. Maria Felicia,
por exemplo, mulher negra, escrava, classificada como preta, 36 anos, solteira, do serviço de
lavoura, com muita aptidão para o trabalho e com três pessoas de família foi descrita como
“mãe com dois filhos menores escravos pertencentes a diversos senhores”364. Não sabemos se
os filhos foram separados da mãe, a necessidade do senhor, no entanto, devia prevalecer, e até
antes da Lei do Ventre Livre as crianças escravas podiam ser separadas de suas famílias sem
impedimentos legais365.
Em outros casos a condição social dos cônjuges das escravas era diferente. Felipa, por
exemplo, mulher escrava, classificada como preta, 47 anos, era casada com o liberto João, o
casal não tinha filho menor escravo nem ingênuo. Júlia, mulher escrava, classificada como
parda, 17 anos, era casada com o livre José Cardoso de Jesus, na época eles também não
tinham filhos menores. Nesses casos a condição dos cônjuges aparece no campo observações.
363
APEB, SCP. Livro de classificação dos escravos para serem libertos pelo fundo de emancipação. Lv. nº
7008. Ilhéus, 1874-1886.
364
Ibidem.
365
Sobre o assunto ver, entre outros, REIS, Isabel Cristina Ferreira dos. História de vida familiar e afetiva de
escravos na Bahia do século XIX. Salvador: Centro de Estudos Baianos, 2001.
184
366
APEB, SCP. Livro de classificação dos escravos para serem libertos pelo fundo de emancipação. Lv. nº
7008. Ilhéus, 1874-1886.
185
A Tabela 5.7 mostra que a maioria das escravas era casada com escravos e quase
metade delas tinha filhos menores (47,4%). Não obstante, a ocorrência de filhos variou
conforme a condição social do cônjuge. Entre as casadas com libertos este percentual foi de
28,6% e entre as casadas com homens livres não localizamos nenhum casal com filhos
menores.
Embora a amostragem seja pequena, os dados da Tabela 5.7 evidenciam que em Ilhéus
a reprodução natural dos escravos ocorria, principalmente, entre as pessoas que
compartilhavam a experiência do cativeiro, o que pode refletir a opção dos escravistas em
aumentar suas escravarias estimulando o casamento e o nascimento de novos rebentos, mas
pode significar também que havia certo grau de autonomia das escravas na escolha pelos seus
parceiros. A historiografia debateu o papel da família escrava no contexto da escravidão,
oferecendo diferentes interpretações sobre essa questão367.
A nossa interpretação é que na segunda metade do século XIX, com o
desenvolvimento econômico de Ilhéus, a reprodução natural foi um dos aspectos que permitiu
aos escravistas aumentar ou pelo menos manter a posse de escravos, como prova o elevado
367
Sobre a família escrava no Brasil ver, entre outros, MOTTA, José Flávio. Corpos escravos, vontades livres:
posse de cativos e família escrava em Bananal, 1801 – 1829. São Paulo, FAPESP: Annablume, 1999; SLENES,
Robert. Na senzala uma flor: esperanças e recordações na formação da família escrava – Brasil, Sudeste, século
XIX. Campinas: Editora da UNICAMP, 2004; FLORENTINO, Manolo; GÓES, José Roberto. A paz das
senzalas: famílias escravas e tráfico atlântico, Rio de Janeiro, c. 1790- c. 1850. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1997.
186
Tabela 5.8 – Escravas casadas com filhos menores escravos e ingênuos segundo a
condição social do cônjuge. Ilhéus, 1874-1886.
MÃES ESCRAVAS CASADAS FILHO(A)S (1) FILHO(A)S (2) TOTAL (1+2) MÉDIA
Tipos de Uniões Nº % Nº % Nº % Nº % Nº
Casada c/ escravo 9 64,3 18 45,0 6 15,0 24 60,0 2,6
Casada c/ liberto 2 14,3 1 2,5 3 7,5 4 10,0 2,0
Casada c/outros 3 3 21,4 11 27,5 1 2,5 12 30,0 4,0
Total 14 100,0 30 75,0 10 25,0 40 100,0 2,8
Fonte: APEB, SCP. Livro de classificação dos escravos para libertação pelo fundo de emancipação.
Lv. 7008. Ilhéus, 1874-1886.
(1) Filhos menores escravos.
(2) Filhos ingênuos.
(3) Condição do cônjuge não mencionada no documento.
A Tabela 5.8 demonstra que o maior número de filhos estava presente entre as
escravas casadas com escravos, 60% dos filhos provinha de casamentos entre cativos, 10% da
união entre escravas e libertos e os outros 30% eram filhos de escravas casadas, mas o
documento não cita a condição do cônjuge, informa apenas que era casada368.
No geral os dados da Tabela 5.8 evidenciam que a reprodução natural ocorreu com
maior frequência entre parceiros de cativeiro, o que pode ser um indício da interferência dos
escravistas, estimulando casamentos para obter vantagens com reprodução natural de seus
cativos. Ao que parece as famílias escravas foram importantes para o crescimento e
manutenção do escravismo em Ilhéus, ao mesmo tempo em que serviram como elo entre os
escravos, no fortalecimento de suas culturas, muito importantes para a conquista das alforrias
e a resistência ao cativeiro.
Não obstante o matrimônio consagrado na Igreja não era acessível a grande parte dos
escravizados. De acordo com a documentação compulsada a maior parcela das mães
escravizadas em Ilhéus não alcançou o casamento legítimo e estabeleceram outros tipos de
uniões, as chamadas uniões consensuais, realizadas pelos próprios cativos, fora da Igreja,
como ocorreu com as escravas classificadas como solteiras.
368
APEB, SCP. Livro de classificação dos escravos para serem libertos pelo fundo de emancipação. Lv. 7008.
Ilhéus, 1874-1886.
187
Parte das escravas solteiras também viveu com seus filhos a experiência do cativeiro
em Ilhéus. Assim como as casadas, elas desempenharam vários papéis na economia e
sociedade, trabalharam como escravas e criaram os filhos no cativeiro369.
Entre as 443 mulheres escravas, constatamos que 393 eram solteiras, 38 casadas e 12
viúvas. As casadas, abordadas na seção anterior, detinham apenas 8,6% do total de filhos
menores escravos e somente 15,4% dos ingênuos, evidenciando assim que a maior parcela das
crianças mencionadas no Livro de classificação dos escravos pertencia às escravas solteiras,
pois entre as viúvas não constatamos presença de filhos menores.
Para sistematizar essas informações construímos uma tabela com a distribuição geral
das escravas de acordo com o estado conjugal e a presença de filhos menores, o que permite
conhecer a realidade conjugal dessas mulheres.
APEB, SCP. Livro de classificação dos escravos para serem libertos pelo fundo de emancipação. Lv. nº
369
notamos que 44,5% das mulheres escravas eram mães, o que constitui forte indício da
reprodução natural.
O cruzamento da quantidade de filhos com a estrutura da posse de escravos pode
revelar onde se encontravam os maiores índices de crianças no conjunto dos escravistas de
Ilhéus. A Tabela 5.10 apresenta o resultado dessa distribuição.
Tabela 5.10 – Distribuição das crianças escravas e ingênuas por faixas de tamanho da
posse de cativos. Ilhéus, 1874-1886
Total de
Crianças Crianças
FTP escravos e
escravas ingênuas
ingênuos
Nº Nº % Nº %
1a3 176 21 12,0 14 7,9
4a9 199 51 25,6 16 8,0
10 a 19 203 88 43,3 10 4,9
20 ou + 634 185 29,0 25 4,0
Total 1.212 345 28,4 65 5,4
Fonte: APEB, SCP. Livro de classificação dos escravos para libertação pelo
fundo de emancipação. Lv. 7008. Ilhéus, 1874-1886.
(FTP) Faixas de tamanho da posse de cativos
370
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Maço 5459. Livro de imposto sobre exportação de cacau e café, 1871-1885.
189
Fernando Steiger não era exceção, ao que parece outros escravistas de Ilhéus adotaram
essa prática. Ernesto de Sá Bitencourt Câmara, grande escravista, classificou 47 cativos dos
quais 32% eram crianças372. Dr. Pedro de Cerqueira Lima classificou 37 escravos, 19%
crianças. Fortunato Pereira Galo classificou 63 cativos, 22% eram crianças. José de Melo Sá
classificou 30 e quase a metade (43%) era constituída por crianças. Paulino Lopes de
Carvalho classificou 46 dos quais 12 (26%) também eram crianças373.
Outros exemplos semelhantes aparecem na documentação, indicando que muitos
escravistas de Ilhéus estavam buscando ampliar o número de escravos incentivando a
reprodução natural de seus cativos. Agora vamos investigar as atividades econômicas em que
essa população estava inserida.
O Livro de classificação dos escravos, embora tenha sido a principal fonte utilizada até
aqui, não permite aprofundar o conhecimento sobre os espaços de trabalho das cativas, já que
não informa nada a respeito das atividades econômicas dos escravistas.
Para avançar nessa questão, crucial para o entendimento dos papeis socioeconômicos
das escravas de Ilhéus, recorremos aos inventários post mortem, que oferecem maiores
possibilidades de investigação a respeito do assunto. Na medida do possível vamos cruzar
informações das duas fontes, com o objetivo de realizar uma abordagem qualitativa do
processo histórico e revelar alguns aspectos do mundo do trabalho, da maternidade e da vida
das escravas que viveram em Ilhéus na segunda metade do século XIX, muitas delas
compartilhando com os filhos a experiência do cativeiro.
371
MAHONY, afro-ásia. P. 103.
372
APEB, SCP. Livro de classificação dos escravos para serem libertos pelo fundo de emancipação. Lv. nº
7008. Ilhéus, 1874-1886.
373
Ibidem.
190
A Tabela 5.11 demonstra acentuado equilíbrio de sexo entre quase todas ocupações
principais dos escravistas, exceção aos produtores de café, que aparecem na tabela sem a
presença de escravas. Entre os produtores de cacau as escravas representavam 50,4% do total
191
anos de idade, e 28 (52%) eram do sexo feminino. Provavelmente existiam famílias escravas
neste engenho, mas os avaliadores não mencionaram nada a respeito do assunto. Macario,
Estanislao e Maria tinham menos de um ano de idade quando da abertura do inventário, cada
um avaliado em Rs. 100$000; Evaristo e [Paesleiro] tinham dois anos de idade, cada um por
Rs. 200$000; Vitória e Anselma tinham três anos, avaliadas em Rs. 350$000 e Rs. 400$000,
respectivamente, dentre outros374.
O único escravo com ofício declarado entre os cativos do Engenho Castelo Novo foi o
mestre de açúcar, Clarencio, africano, 58 anos de idade, avaliado em Rs. 1.000$000. Sobre as
escravas não encontramos informação a respeito de suas ocupações, as cinco africanas tinham
idade avançada na época da abertura do inventário, a mais nova com 54 anos e a mais velha
com 74. O engenho tinha criação de animais, plantação de cana, cacau, produção de farinha,
açúcar/cachaça, senzalas, casas de morada, balcão de negócio e outros bens. Certamente as
escravas e seus filhos circulavam pelos diferentes espaços, trabalhando nas lavouras e nos
serviços domésticos375.
No Engenho Itacanoeiras trabalhavam dezessete escravos em 1850, quando foi aberto
o inventário de Maria Luiza da Santíssima Trindade. Entre os cativos encontramos 41% com
menos de 10 anos de idade, mas não sabemos nada a respeito de seus pais. Contudo, existiam
duas escravas neste engenho que provavelmente eram adultas, Maria e Margarida, mas o
documento não revela suas idades, nem ocupações. Além da produção de açúcar e cachaça,
este engenho produzia farinha, tinha plantação de cana, cacau e coco, além de animais e casa
de morada. As escravas e seus filhos deviam exercer diversas funções, no eito e nos serviços
domésticos.
Trabalhando nos engenhos, nas casas de negócios, nas plantações cacau, café e nas
casas de farinha, nos serviços domésticos, bem como em outras atividades, as escravas
conseguiam obter ganhos, importantes para a criação dos filhos e para a sobrevivência da
família. Certamente elas não ficavam confinadas nas unidades de produção, mas com certeza
suas liberdades eram restritas em vários aspectos, dependendo de onde trabalhavam e da
relação que mantinham com o proprietário.
374
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Maria José Leola Del Rey e Carolina Leola Del Rey. Est. 02 Cx.
786, Maço 1253, Doc. 06, 28 de fev. 1861.
375
Ibidem.
193
Para podermos viver nos hade dar Rede tarrafa e canoas. Não nos hade
obrigar a fazer camboas, nem a mariscar, e quando quiser fazer camboas e
mariscar mande os seus pretos Minas. Para o seu sustento tenha Lanxa de
pescaria ou canoas do alto, e quando quiser comer mariscos mande os seus
pretos Minas376.
376
SCWARTZ, Stuart. Escravos, roceiros... Op. Cit., p. 119.
377
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Maria Margarida Ninck. Est. 02, Cx. 762, Maço 1228, Doc. 15,
25 de out. 1886.
194
Como essas escravas conseguiam dinheiro para comprar suas alforrias? Infelizmente a
documentação não permite responder. Contudo, existem indícios comprovando que algumas
escravas conseguiam formar pecúlio, seja por meio do apoio de seus parceiros, cônjuges ou
familiares, e a partir de seus próprios esforços. Às vezes, aparecem somas em dinheiros
apresentadas por elas e pelos escravos durante o processo de partilha dos bens, solicitando
cartas de liberdade.
Benta, por exemplo, mulher escrava, parda de 33 anos de idade, trabalhava no
Engenho União e na Fazenda Caldeiras em 1875, quando o proprietário faleceu. A referida
escrava possuía dois filhos, Cirilo (5 anos) e Aquilina (12 anos), que foram libertos durante os
trâmites do processo, ele avaliado em Rs. 400$000 e ela em Rs. 600$000. Infelizmente o
documento não informa os meios utilizados para obtenção destas somas. Não obstante, Benta
foi descrita como filha legítima de Romualdo e Aninha. Talvez, neste caso, a família escrava
tenha contribuído para obtenção das alforrias dessas crianças378.
Nos autos do processo de inventário de Acrísio Januário Cardoso, negociante, dono de
escravos, estabelecido na Cachoeira de Itabuna, consta a seguinte declaração “duzentos e
oitenta e seis mil réis em poder do seu cunhado, Antônio da Cruz Rebelo Leitão, referente ao
pecúlio do escravo Gregório”379. Durante os trâmites do processo ficamos sabendo que se
tratava de um ex-escravo, mas não encontramos nada sobre os meios que ele utilizou para a
conseguir o referido dinheiro380.
De modo semelhante ocorreu no inventário do Capitão Joaquim Ferreira Paiva, onde
os avaliadores descreveram “a quantia de um conto e sessenta mil réis, dinheiro que a
inventariante tinha recebido pela liberdade das escravas Francisca, Maria, Izabel e
Porcidônio”381. Como essas escravas conseguiram dinheiro para comprar suas alforrias?
Infelizmente não temos como responder.
Esses exemplos confirmam o que a historiografia atinente ao tema constatou para
outras regiões escravistas do Brasil, ou seja, que muitas escravas conseguiam pecúlio,
378
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Alferes José Antônio de Guimarães Bastos. Est. 02, Cx. 738,
Maço 1203, Doc. 12, 10 de fev. 1875.
379
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Alferes Acrísio Januário Cardoso. Est. 03, Cx.1298, Maço 1767,
Doc. 08, 21 de abr. 1887.
380
Ibidem.
381
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Capitão Joaquim Ferreira de Paiva. Est. 02, Cx. 737, Maço 1202,
Doc. 23, 15 de abr. 1874.
195
utilizados na compra de suas alforrias ou de seus parentes, sobretudo os filhos. Para isso elas
deviam trabalhar por anos a fio, acumulando pequenos ganho no cotidiano de trabalho e nos
dias de descanso, normalmente domingos e dias santos, contando com apoio de amigos,
familiares e cônjuges382.
A maioria das escravas, no entanto, passou a maior parte de suas vidas no cativeiro,
com ou sem os filhos, juntas ou separadas deles. Essa realidade atingiu muitas famílias,
crioulas e africanas, que viveram em Ilhéus na segunda metade do século XIX. Além de
compartilharem a experiência do cativeiro com os filhos, a documentação demonstra que
muitas delas tiveram que enfrentar a dura realidade de ver seus filhos sendo doados, vendidos
ou arrematados em praça pública, como aconteceu com o filho da escrava Clara, por
exemplo383
Dizemos nós, Jose Borges do Amaral e minha mulher Narciza da Roza Dora,
que entre os demais bens que possuímos livres, desembargados, se
compreende um mulatinho filho da nossa escrava parda, de nome Clara, com
um mês de nascido, batizado com o nome de Moyses, a qual cria na terça de
nós ambos e no valor de quarenta mil reis, doamos, como de facto doado a
havemos ao nosso filho José Miguel Arouca do Amaral, que desde já em
diante ficará possuindo, gosando, e entrará no desfrute de seus serviços logo
que principie a dá-los [...], com isso lhe transferimos todo o direito, ação e
pertença que nela própria tínhamos384.
382
Cf. ANDRADE, Marcelo Loyola de. Nos labirintos da liberdade: das alforrias na lavoura cacaueira (Ilhéus-
Ba, 1810-1850) à discussão historiográfica acerca das manumissões do Brasil no século XIX. Dissertação
(Mestrado em História). FFLCH-USP. São Paulo, 2013.; GONÇALVES, Victor Santos. Escravos e senhores nas
terras do cacau: alforrias e família escrava (São Jorge dos Ilheos, 1806-1888) Dissertação (Mestrado em
História). FFCH-UFBA, Salvador, 2014.
383
Sobre o assunto ver, entre outros, REIS, Isabel Cristina Ferreira dos. Histórias de vida familiar e afetiva de
escravos na Bahia do século XIX. Salvador: Centro de Estudos Baianos, 2001.; OLIVEIRA, Maria Inês Côrtes
de. Viver e morrer no meio dos seus: nações e comunidades de africanos no século XIX. Revista da USP, n. 28,
p. 174-193, dez./fev. 1995/1996.
384
APEB. Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Narciza da Roza Dora. Est. 02, Cx. 783, Maço 1250, Doc. 15, 23
de ago. 1851.
196
Carvalho Lessa385. Não conseguimos saber o paradeiro dos filhos de Bonifácia, talvez o mais
novo tivesse acompanhado a mãe, e a outra sido separada, mas o documento nada informa
sobre o assunto.
No inventário do negociante Joaquim José da Costa Seabra consta que a escrava Cora,
moça, africana de nação nagô, avaliada em Rs. 1.000$000, foi doada para Manoel José
Spinola Bitencourt386. Em 1862 a escrava Eugênia, de 35 anos, trabalhava na Fazenda de
cacau denominada Jacarandá, onde eram cultivados 3 mil cacaueiros. Após a morte do
proprietário desta fazenda, João Mendes Coelho, a escrava foi a leilão para pagamento das
dívidas, pelo valor de Rs. 800$000. No final do processo de partilha consta que ela foi
arrematada por Rs. 500$000, talvez devido ao seu estado de saúda “doente, atacada de calor
de fígado387.
Tereza, escrava de Manoel Pereira dos Santos, negociante, dono da Fazenda Tapera,
tinha 14 anos de idade quando seu proprietário faleceu, em 1865. Tal escrava foi descrita
como “sabe cozer e costurar”388, e foi dada em dote de casamento à filha do casal, Joana
Laura dos Santos389.
Existem vários exemplos semelhantes, e chama a atenção a quantidade de crianças
escravas, do sexo feminino, descritas como “do serviço doméstico”. Computando-se os
ofícios dos 829 cativos declarados nos inventários post mortem de Ilhéus, verificamos que a
maioria dos casos não contém esse tipo de informação, outra parcela expressiva se refere a
escravos e escravas “do serviço de lavoura”, seguindo por aqueles “do serviço doméstico,
como se pode ver no Gráfico 5.2.
385
Ibidem.
386
APEB. Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Joaquim José da Costa Seabra. Est.08, Cx.3424, Maço n/c, Doc.
06, 17 de set. 1856.
387
APEB. Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. João Mendes Coelho. Est.02, Cx.784, Maço 1251, Doc.13, 10 de
out. 1862.
388
APEB. Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Manoel Pereira dos Santos. Est. 09, Cx. 3901, Maço n/c, Doc.19,
16 de mar. 1865.
389
Ibidem.
197
Entre os 220 escravos dos serviços de lavoura notamos acentuado equilíbrio de sexo,
111 masculino (50,5%) e a outra metade do sexo feminino. Ao que parece eles começavam a
trabalhar muito cedo nesse serviço, independente do sexo. Hugo do Nascimento, com sete
anos, e sua irmã, Eugênia, com nove, foram os cativos que encontramos com a menor idade
neste ofício. Ambos eram crioulos, filhos da escrava Romana, e trabalhavam no Engenho
Itaípe em 1875, quando a esposa do proprietário faleceu390.
Entre os 39 escravos descritos como do serviço doméstico encontramos casos de
lavadeira, cozinheira, engomadeira e costureira, porém, a maioria foi descrita simplesmente
como “do serviço doméstico”, sem especificações. Entre estes percebemos que a grande
maioria era do sexo feminino, 33 casos, 85% da categoria. Alice, por exemplo, era uma
criança escrava de 10 anos, irmã de Hugo do Nascimento e Eugênia, filhos de Romana que
também vivia como escrava no Engenho Itaípe, entre as cativas Alice foi a mais nova que
encontramos no ofício de doméstica391.
390
APEB. Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Maria da Piedade Melo e Sá. Est. 02, Cx. 781, Maço1248, Doc.
03, 12 de jul. 1876.
391
Ibidem.
198
Ao todo viviam como escravos no Engenho Itaípe 48 pessoas, isso no ano de 1876,
quando foi aberto o inventário da família392. A maioria dos escravos era do serviço de lavoura
(15), seis do serviço doméstico, dois carapinas, dois pedreiros, um alambiqueiro e nove sem
informação alguma sobre o ofício. A mãe das referidas crianças, a escrava Romana do
Nascimento, foi descrita como parda, 33 anos, solteira, do serviço doméstico, avaliada em Rs.
1.000$000 e os seus filhos, cada um por Rs. 350$000393.
Outro exemplo é o de Januária, criança de 10 anos de idade, que provavelmente foi
separada da família e vivia como escrava na Fazenda Tabocas, em 1873, quando foi aberto o
inventário de Manoel Francisco Dunda, dono da fazenda. Nos autos do processo Januária foi
descrita como cabra, do serviço doméstico, avaliada na quantia de Rs.600$000394.
Narcisa tinha 10 anos em 1872 e vivia como escrava na Fazenda Retiro, junto com sua
irmã Herculana (14 anos) e sua mãe Limoa (36 anos). Todas descritas como pretas, do serviço
de lavoura, com boa saúde, a filha mais nova avaliada em Rs. 500$000, a mais velha em Rs.
1.000$000 e a mãe em Rs. 600$000. Nesta mesma fazenda, propriedade de Manoel Cardoso
da Silva, também viviam Delmira e seus dois filhos de seis anos, Julia e Joaquim, descritos
como fula, de lavoura e com boa saúde. A mãe, na época com 27 anos, foi avaliada em Rs.
800$000, a menina em Rs. 300$000 e o menino em Rs.250$000.395
***
Esse capítulo abordou a presença das escravas em Ilhéus durante a segunda metade do
século XIX, período de crescimento do cultivo do cacau. A proporção considerável de
mulheres e crianças na população cativa indica que a família escrava e a reprodução natural
dos cativos foram características marcantes da escravidão que se desenvolveu naquela
localidade.
392
Ibidem.
393
Ibidem.
394
APEB. Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Manoel Francisco Dunda. Est. 02, Cx. 737, Maço1202, Doc. 18
18 de fev. 1873.
395
APEB. Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Manoel Cardoso da Silva. Est. 02, Cx. 737, Maço1205, Doc. 04,
19 de nov. 1872.
199
A maioria das escravas era solteiras, grande parte envolvida com a criação dos filhos.
Entre as 182 escravas nesta condição computamos o total de 373 filhos menores (escravos e
ingênuos), perfazendo uma média de 2 filhos por escrava. Entre as casadas a média chegou
2,8 filhos, números bem acima da média de outras localidades. Em Salvador (1851-1860), por
exemplo, as mães solteiras escravas tinham médias de filhos inferiores às de Ilhéus. Segundo
Katia de Queirós Mattoso,
A maioria das mães solteiras tem apenas 1 filho (64,2%) e 38,5% delas são
nascidas no Brasil [...]. Recorde-se que, em média, as mães solteiras libertas
na Bahia têm 1,9 filhos, enquanto as mães solteiras livres alcançaram a
média de 1,7. Para as mulheres nagôs a média é de 1,6; para as africanas e as
brasileiras respectivamente 1,5 e 1,4.”396
CAPÍTULO VI
O CACAU NO TEMPO DAS CANOAS, DOS CARROS DE BOI E DO TRABALHO
ESCRAVO. ILHÉUS, 1850-1888
6.1 - Introdução
mercadorias durante a expansão do cultivo do cacau. Queremos saber se nessa época havia
tropas de muares nas fazendas, se esses animais eram utilizados para transportar cacau e
outras mercadorias ou se ainda não existia animais de cargas.
A nossa hipótese é que na segunda metade do século XIX a economia de Ilhéus estava
se estruturando com relação ao desenvolvimento da economia cacaueira. Numa época de
escassez de transportes mecanizados e precariedade das estradas, o uso das canoas e dos
carros de boi marcou a primeira fase da disseminação da cultura do cacau (1850-1888).
Outrossim, a maioria dos produtores deste fruto habitavam moradias simples e não tinham
muitos recursos para adquirir animais, sendo mais comum o uso de canoas entre eles. As suas
casas de morada não eram dotadas de muitos móveis e normalmente eles não tinham casas de
beneficiar cacau.
Por outro lado, acreditamos que os grandes escravistas, donos de engenho, negociantes
e produtores de cacau viviam em moradias mais sofisticadas, suas casas eram dotadas de
utensílios domésticos e móveis, normalmente eles tinham animais em suas propriedades,
casas para beneficiar cacau, casas de farinha e outros bens que os diferenciava da maioria dos
inventariados.
Para abordar esse assunto selecionamos nos inventários post mortem de Ilhéus os
registros correspondentes aos imóveis, bens móveis e aos animais. Cada grupo será abordado
individualmente, mas desdobramos os itens que compõe cada um, a fim de aprofundar suas
particularidades e evidenciar as nuances relacionadas com a expansão da lavoura cacaueira, o
trabalho escravo e a economia.
203
Os imóveis declarados nos inventários post mortem de Ilhéus compõe um grupo com
diversos tipos de edificações e construções. O mais comum foi a descrição de casas de taipas
cobertas de palha, muitas localizadas na costa marítima, outras nas margens de rios, riachos e
ribeirões e na área urbana, no território da vila, onde as casas com paredes de pedra e cal,
cobertas de telhas, algumas assoalhadas, sobrados e casas de negócios, eram mais frequentes.
Em Ilhéus, assim como em outras partes do Brasil, as pessoas se diferenciavam não só
pelo número de escravos que possuíam, mas também pelo tipo de moradia que habitavam.
Normalmente os menos abastados eram donos de apenas um imóvel e residiam em
moradias simples, com repartimentos de no máximo dois cômodos, quarto e sala e sem muitos
móveis. A estrutura era de varas de madeiras e os vãos das paredes tapados com argila,
retirada do leito dos rios, com coberturas de palha, proveniente dos coqueiros existentes na
costa marítima.
Foram, principalmente, pessoas que residiam em moradias desse tipo que
disseminaram o plantio do cacau pelo território da comarca de Ilhéus, espalhando as
plantações nas proximidades dos rios, formando as primeiras roças de cacaueiros.
Os grupos mais privilegiados economicamente tinham mais de um imóvel, podiam ter
moradia nos sítios e fazendas e na vila, na rua do porto, na rua da igreja matriz, na rua do
colégio, entre outras. As construções eram diversificadas, muitos tinham casas de negócio e
suas moradias eram dotadas de móveis e utensílios domésticos diversificados.
Além das casas de morada existiam construções com várias finalidades. Investigar
esses imóveis ajuda a entender o contexto socioeconômico de Ilhéus no período de
disseminação do cultivo do cacau. Queremos saber se existiam muitas casas de beneficiar
cacau ou não, qual a importância desses imóveis naquele contexto, a quantidade de casas de
farinha e engenhos, dentre outros imóveis descritos nos inventários de Ilhéus que permitem
avaliar a importância do processamento das culturas, bem como as diferenças entre as
moradias dos habitantes da localidade no período assinalado. Inicialmente delimitamos os
inventários com presença de imóveis para sabermos a proporção deles no conjunto dos
204
processos investigados ao longo das décadas. O Gráfico 6.1 apresenta o resultado dessa
distribuição.
100
80
60
40
20
0
1850-1859 1860-1869 1870-1879 1880-1888
TÍTULO DO EIXO
De acordo com o Gráfico 6.1 a maior parte dos processos investigados apresentou
algum tipo de imóvel entre os bens declarados. Do total de 333 inventários constatamos que
261 (78,3%) era de pessoas ou famílias que possuíam algum imóvel. Inclui-se no conjunto
destes bens propriedades como a de Felipe Benicio Mendes, lavrador de cacau, dono de “uma
morada de casa coberta de palha, no lugar coronel, distrito de Almada, tão estragada que os
avaliadores não lhes deram valor algum”398, até imóveis como os de Dona Helena Lavigne
Schaum, que quando faleceu em 1885 possuía, além de quatro escravos e outros bens, “uma
casa sita a rua direita do porto, com todos os utensílios para padaria, inclusive armação,
avaliada em um conto e seiscentos mil réis”; “outra casa velha, na rua que vai para São
Sebastião, por duzentos mil réis”; e “um quinhão em uma casa com frente para a rua direita
do porto e para a de São Sebastião, em comum com os herdeiros deste inventário, por
duzentos mil réis”399.
398
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Felipe Benício Mendes. Ilhéus, Est. 02, Cx. 753, Maço 1219, Doc. 04,
28 de jun. 1879.
399
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Helena Lavigne Schaum. Ilhéus. Est. 02, Cx. 761, Maço 1227, Doc. 12,
05 de jun. 1885.
205
Para dar conta dessa diversidade agrupamos os imóveis em seis tipos diferentes, de
acordo com a função e a frequência dos registros no Banco de dados, a saber: casas e
sobrados; casas de farinha; engenhos e engenhocas, casas de beneficiar cacau; casas de
negócios e outros imóveis. A Tabela 6.1 apresenta o resultado da distribuição global dos
registros de imóveis no período 1850-1888. A primeira coluna, da esquerda para direita,
apresenta os tipos de imóveis, em seguida o número e o percentual dos registros referentes a
cada um deles, a localização (rural/urbana) e os preços correspondentes.
Tabela 6.1 – Distribuição dos registros de imóveis nos inventários. Ilhéus, 1850-1888
Registros de imóveis nos Total de Soma dos Preços dos
Rural Urbano
inventários registros imóveis
TIPOS DE IMÓVEIS Nº % Nº % Nº % (em réis) %
Casas e sobrados 234 57,2 175 42,8 409 60,2 226.818,000 65,0
Casas de farinha 113 100,0 - - 113 16,7 9.832,073 2,8
Engenhos e engenhocas 36 100,0 - - 36 5,3 41.578,774 12,0
Casas de beneficiar cacau 37 100,0 - - 37 5,4 6.082,000 1,7
Casas de negócio 20 43,5 26 56,5 46 6,8 36.418,600 10,5
Outros Imóveis * 37 97,4 1 2,6 38 5,6 27.711,000 8,0
TOTAL 477 70,2 202 29,8 679 100,0 348.440,447 100,0
Fonte: APEB, SJ. Ilhéus, 261 processos de inventários, 1850-1888.
(*) Senzalas, telheiro p/ canoas, serrarias, ranchos, sítios, olaria, tanques etc.
Os dados da Tabela 6.1 evidenciam que o mais comum foi a descrição de casas e
sobrados, correspondendo este grupo a 60,2% do total dos registros referentes a imóveis, com
certo equilíbrio na localização dos mesmos, 57,2% na zona rural e 42,8% na área urbana.
Estão incluídas nesse grupo as construções que eram utilizadas, na maior parte das vezes,
como habitação, a maioria dos registros refere-se explicitamente às casas de morada (49%),
outros imóveis foram descritos apenas como casa, sem mencionar se eram de morada (45%),
a menor parte refere-se a sobrados (2,8%), lanço de casa (1%) e o restante, (2,2%), são
habitações que consorciavam casa de morada e de fazer farinha ou casa de morada e negócio
juntas.
No geral os sobrados eram mais valorizados que as casas. Apesar de numericamente
inferiores, eles responderam por 15% do total de Rs.226.818$000 alocados no grupo. Essas
206
construções pertenciam a comerciantes e donos de engenho, sendo que o sobrado que obteve
maior preço de avaliação pertencia ao negociante José Lopes da Silva
400
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Manoel Antônio Lisboa. Est. 02, Cx. 760, Maço 1226, Doc. 04,
10 de ago. 1888.
401
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Manoel Antônio Lisboa. Est. 03, Cx. 1270, Maço 1739, Doc. 11,
20 de ago. 1863.
402
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Maria Lavigne. Est. 02, Cx. 750, Maço 1216, Doc. 09, 23 de set.
1878.
207
Itabuna, que não tinha casa de farinha, mas possuía, entre outros bens, “uma roda de ralar
mandioca bastante velha, com seu competente cobre um tanto estragado, avaliada em
Rs.12$000”403.
A existência de vários casos como o de Manoel Rodrigues, junto com o expressivo
número de casas de farinha entre os inventariados, atesta que essa atividade estava
disseminada na população. Se tomarmos como referência o total de 333 processos
investigados notamos que pelo menos um, em cada três inventariados, estava envolvido com
esta atividade. A maioria dos homens que trabalhavam no cultivo do cacau normalmente
morava em casas de taipas cobertas de palha e frequentemente se dedicavam à produção de
farinha de mandioca para subsistência.
Na maioria das vezes cada proprietário era detentor de apenas uma casa de farinha,
com diferenciações relacionadas mais com a estrutura e acessórios dessas casas do que com a
quantidade de imóveis possuídos. As rodas de ralar mandioca, por exemplo, podiam ser
movidas a água, a mão ou em roda de fieira, o que certamente influenciava na velocidade da
produção, interferindo assim nos preços desses imóveis.
As casas e sobrados, junto com as casas de farinha, respondem por 76,9% dos
registros de imóveis e concentraram 67,8% dos investimentos alocados neste tipo de bem.
Assim, temos que a maioria dos imóveis declarados nos inventários de Ilhéus referia-se às
casas de morada e às casas de farinha, quiçá ambas as coisas juntas. Eliza Ferreira Alves
Brasil, por exemplo, possuía entre seus bens “uma casa de morada feita de taipa, coberta de
palha, onde faz farinha com os mais acessórios deste trabalho, avaliada em duzentos mil réis,
Rs. 200$000”404.
Avaliando agora o grupo de engenhos e engenhocas, formado por imóveis
relacionados com a produção de açúcar e aguardente de cana (cachaça), notamos que eles
abrangeram 5,3% dos registros, mas concentrou 12% do total de investimentos alocados em
imóveis. A maioria referia-se explicitamente aos engenhos e seus móveis (61%), outros às
casas de engenhoca e acessórios, incluindo alguns alambiques (39%), sendo que algumas
403
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Manoel Rodrigues de Brito. Est. 02, Cx. 783, Maço 1250, Doc.
10, 12 de maio 1855.
404
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Eliza Ferreira Alves Brasil. Est. 02, Cx. 785, Maço 1252, Doc.
03, 22 de out. 1866.
208
405
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Maria José Leola Del Rey e Carolina Leola Del Rey. Est. 02, Cx.
786, Maço 1253, Doc. 06, 28 de fev. 1861.
406
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Alferes José Antônio de Guimarães Bastos. Est. 02 Cx. 738,
Maço 1203, Doc. 12, 10 de fev. 1875.
407
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Luiza Amélia Vaill Benevides. Est. 02, Cx. 740, Maço 1205,
Doc. 07, 17 de jul. 1871.
209
alcançou o preço mais alto estava na Fazenda Olandi, propriedade de Aristides Francisco de
Vasconcelos Gusmão, negociante, que possuía, entre outros bens, “uma casa coberta de telha
com balcões para secar cacau, avaliada na quantia de um conto de réis”408. Entre os 333
inventários analisados encontramos apenas 37 casas de beneficiar cacau, que começaram a
aparecer com mais frequência da documentação a partir da década de 1870.
As casas de negócios, embora tenham representado apenas 6,8% dos registros de
imóveis foram responsáveis por concentrar 10,5% dos investimentos neste tipo de bem. Não
incluímos nas avaliações os gêneros comercializados nessas casas, itens inclusos no grupo dos
bens móveis. Todavia, em alguns casos a avaliação foi realizada em conjunto, não sendo
possível separar os investimentos. No inventário de Adão Schaum, por exemplo, os
avaliadores descreveram, entre outros bens, “uma casa de taipa e frente de pedra e cal, em que
está a padaria, com todos seus pertences, avaliada na quantia de um conto e quatrocentos mil
réis, Rs. 1.400$000”409. Nessas situações, ainda que minoria, não é possível separar o preço
dos gêneros do valor individual do imóvel, pois a avaliação foi feita em conjunto.
A maioria dos registros referia-se a casas de negócio ou casas com balcões e/ou
armação para venda (78%), outros a armazéns/depósito (13%) e a minoria a casas de
arrecadação (9%). Não sabemos ao certo como funcionavam essas casas de arrecadação,
possivelmente serviam para cobrança de impostos, mas as descrições dos avaliadores não são
muito reveladoras. O tenente coronel Domingos Lopes da Silva, por exemplo, era negociante,
dono de várias propriedades em Ilhéus, inclusive “um quinhão na casa de arrecadação no
lugar denominado Banco, avaliado na quantia de cem mil réis” 410. O Major Bernardo
Sellmam, que foi presidente da Câmara Municipal, era negociante, com ligações comerciais
na praça de Salvador, dentre seus imóveis consta “uma casa que serve para arrecadação na
mesma fazenda, avaliada em oitenta mil réis”411.
408
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Aristides Francisco de Vasconcelos Gusmão. Est. 02, Cx. 762,
Maço 1228, Doc. 09, 30 de ago. 1886.
409
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Adão Schaum. Est. 02, Cx. 781, Maço 1248, Doc. 02, 05 de nov.
1877.
410
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Tenente Coronel Domingos Lopes da Silva. Est. 02, Cx. 759,
Maço 1225, Doc. 03, 10 de out. 1883.
411
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Major Bernardo Sellmam. Est. 02, Cx. 755, Maço 1221, Doc.
01, 11 de nov. 1881.
210
Por fim, temos o grupo denominado “outros imóveis”, que contempla as diversas
construções que aparecem esporadicamente nos inventários, nem por isso menos importantes.
De modo geral eles representam 5,6% dos registros e concentram 8% dos investimentos em
imóveis. Os registros mais frequentes referem-se às fazendas englobando os imóveis nela
existente (24%); senzalas (18%); telheiro para canoa (16%); serrarias (10,5%); sítio (10,5%);
rancho (8%) e outros (13%).
As fazendas eram descrições que incluíam vários bens juntos. O Tenente João Batista
Gualberto, por exemplo, morava na Cachoeira de Itabuna e seu inventário foi um processo de
arrecadação de bens, pois as dívidas passivas (a pagar) superavam o montante de sua fortuna,
assim, nas descrições constam, além de quatro escravos, “uma fazenda com plantação de
coqueiros e cacaueiros, uma pequena casa de morar coberta de palha, tudo em terrenos
próprios, no lugar denominado Velozo”412. Dentro do grupo de “outros imóveis” as fazendas
concentraram 47% dos investimentos.
As senzalas, se comparadas aos demais imóveis, eram construções que aparecem com
preços baixos nos inventários post mortem de Ilhéus. As quinze senzalas de morada dos
escravos do Engenho Castelo Novo foram avaliadas em quarenta mil réis, Rs. 40$000413. As
nove senzalas do Engenho Itaípe, descritas como arruinadas, foram avaliadas em Rs.
50$000414. O Major Joaquim José de Oliveira, produtor de cacau com fazenda na Cachoeira
de Itabuna, possuía 22 escravos quando faleceu em 1875, sendo que as senzalas da sua
fazenda foram descritas como arruinadas415.
Dentre os demais imóveis as serrarias se destacaram em termos de investimentos.
Embora pouco frequentes, esses imóveis tinham muita importância para a economia, pois
eram responsáveis pelo corte e beneficiamento das madeiras. Já demonstramos nos dois
primeiros capítulos da tese a exploração de madeiras em Ilhéus, com participação destacada
412
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Tenente João Batista Gualberto. Est. 02, Cx. 737, Maço 1202,
Doc. 22, 30 de mar. 1874.
413
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Maria José Leola Del Rey e Carolina Leola Del Rey. Est. 02, Cx.
786, Maço 1253, Doc. 06, 28 de fev. 1861.
414
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Maria da Piedade Melo e Sá. Est. 02, Cx. 781, Maço 1248, Doc.
03, 12 de jul. 1876.
415
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Major Joaquim José de Oliveira. Est. 02, Cx. 749, Maço 1215,
Doc. 07, 30 de out. 1875.
211
dos negociantes nessa atividade, pagando imposto pelo direito de explorar madeiras, outras
pelo direito de exportá-las, sobretudo jacarandá416.
Os outros imóveis aparecem de modo esporádico na documentação. Às vezes constam
ranchos com imóveis inclusos, outras vezes mencionam-se construção de tanque, olaria,
viveiro e telheiros para canoas.
416
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de Lançamento dos rendimentos relativos a direitos de madeira. Maço
5438. Ilhéus, 1862-1870; APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre exportação de Jacarandá. Maço
5443. Ilhéus, 1870-1879.
212
100
80
60
40
20
0
1850-1859 1860-1869 1870-1879 1880-1888
O Gráfico 6.2 mostra que a maioria dos processos investigados apresentou ao menos
um tipo de bem móvel, podendo ser móveis de casas e sobrados; ferramentas; equipamentos;
móveis da lavoura; gêneros do comércio, dentre outros. Do total de 333 inventários
constatamos que 64,5% possuíam alguns desses bens. Outra parte (35,5%) não possuía
nenhum destes, mas isso não significava que eles não tinham acesso aos mesmos.
O tipo mais comum de bens móveis foi o que classificamos como “móveis de casas e
sobrados”, que inclui, principalmente: cadeiras, mesas, cômodas, tamboretes, sofás, camas,
guarda roupas, armários, entre outros móveis semelhantes. Também incluímos nesta categoria
os utensílios domésticos e objetos/adereços pessoais, como por exemplo: panelas, candieiros,
oratórios, roupas, pulseiras, anéis, brincos, argolas etc.
O segundo item em ordem de importância numérica foram os bens móveis que
classificamos como “móveis da lavoura”, categorias que inclui, principalmente: móveis
relacionados com fabricação de açúcar/cachaça (tachos de cobres, espumadeira, bolandeira,
aguilhões de ferro para moendas etc.). Também incluímos neste grupo os móveis das casas de
farinha (alguidar, roda de ralar mandioca, prensa etc), bem como móveis destinados ao
213
beneficiamento de cacau, café e outros gêneros (moinho, balcões para secar cacau, roda de
ralar coco etc.), além desses também incluímos na categoria “móveis das lavouras” os carros
de bois, carroças, materiais de construção, moveis de serrarias etc. A diversidade é grande e
nossos agrupamentos não dão conta de todas particularidades.
O terceiro grupo de bens móveis que definimos foi classificado como “embarcações”,
incluindo, principalmente as canoas, e em menor proporção barcos e lanchas. O quarto grupo
de bens móveis foi denominado como “ferramentas e equipamentos”, grupo composto
principalmente por enxadas, machados, foices e facões. Outrossim, também incluímos neste
grupo equipamentos para animais (selim, cela, cangalha, bride etc.); equipamentos para pesca
(redes e tarrafas); dentre outros.
O quinto grupo foi classificado como “gêneros da lavoura e comércio”, no qual
incluímos, as arrobas de cacau e café colhidos, as madeiras extraídas, farinha já preparada
(torrada), feijão, arroz, inhames e, principalmente, os gêneros vendidos nas casas de negócio,
dentre outros bens semelhantes. O último grupo foi classificado como “outros bens móveis” e
inclui principalmente dinheiro, ouro, prata, armas e os bens não identificados devido ao
estado de conservação dos documentos.
Essas seis categorias pretendem explicar a dimensão dos bens móveis declarados nos
inventários post mortem de Ilhéus. Vamos analisar os investimentos alocados nesses grupos
para entendermos um pouco da importância deles no contexto socioeconômico da época.
Os dados da Tabela 6.3 mostram que ao longo das décadas os tipos de bens móveis
que mais concentraram investimentos foram os “gêneros do comércio e lavouras” e aqueles
agrupados na categoria “outros bens móveis”, que inclui principalmente dinheiro.
Esse crescimento indica mudanças na forma de investimentos ao longo do tempo,
aparecendo aplicações financeiras e empréstimos a juros, que começam a surgir com maior
frequência a partir da década de 1870. O Alferes José Antônio de Guimarães Bastos, por
exemplo, dono do Engenho União e da Fazenda Caldeira, entre outros bens, possuía “cem
apólices da estrada de ferro denominada paraguassu, cada uma no valor de vinte libras
esterlinas, com entrada feita na importância de quatro contos, trezentos cinquenta e nove mil e
duzentos réis”417. Entre os bens declarados no inventário de Maria Lavigne, aberto em 1878,
constam, entre outros bens, “seis contos dados a prêmio de 5% ao ano em poder do
negociante Antônio Penha de Cardoso, da cidade da Bahia”418. No inventário de Manoel José
Vieira, morador da freguesia de Una, constam, entre outros bens “oitocentos mil réis de
dinheiro de apólices da Associação Perser Apolice Banca Brasileira” 419. Esses exemplos
ilustram as mutações que estão se processando nas formas de investimento e acumulação da
riqueza em Ilhéus.
Outro grupo que ao longo das décadas concentrou grande parte dos investimentos em
bens móveis foram os “gêneros do comércio e lavouras”. Os negociantes concentraram,
sobretudo, os gêneros do comércio, eles se abasteciam de mercadoria em Salvador e em
Ilhéus, vendendo diversos produtos em suas casas de negócio. Normalmente suas casas eram
mais mobiliadas, com quantidade maior de utensílios domésticos. Muitos eram escravistas,
alguns tinham barcos ou lanchas e suas fortunas eram privilegiadas entre os inventariados,
além disso possuíam ramificações familiares com donos de engenhos, alguns com balcões e
armação para negócio, entre eles havia também membros da guarda nacional, que ao longo de
suas vidas adquiriram patentes mais elevadas.
417
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Alferes José Antônio de Guimarães Bastos. Est. 02, Cx. 738,
Maço 1203, Doc. 12, 10 de fev. 1875.
418
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Maria Lavigne. Est. 02, Cx. 750, Maço 1216, Doc. 09, 23 de set.
1878.
419
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Manoel José Vieira. Est. 02, Cx. 761, Maço 1227, Doc. 05, 05
de jul. 1884.
216
420
APEB, SCP. Livro de imposto sobre vendagem de pólvora e fogos de artifício. Maço 5454. Ilhéus, 1862-
1890.
217
Os dados da Tabela 6.4 indicam que o tipo mais comum foi a descrição de canoas de
madeira, sem especificar a origem (43,3%). Outra categoria frequente foi de canoas de
madeira vinhático (29,5%); putumujú (8,5%); cedro (6,0) e outras madeiras (12,7%),
incluindo nesta última categoria as canoas de madeira jacarandá, oiticica, pique, jueirana,
tapinhoam e louro.
Percebe-se a variedade de madeiras que servia para a fabricação de canoas.
Normalmente cada inventariado tinha uma canoa, mas algumas propriedades tinham mais. Na
Fazenda Santa Cruz, por exemplo, localizada na Cachoeira de Itabuna, havia quatro canoas
em 1849: uma grande de vinhático (Rs. 10$000); uma de cedro (Rs. 18$000); uma canoa
pequena de louro, arruinada, sem valor algum e outra de vinhático por Rs. 2$000. Entre os
bens desta fazenda encontramos plantação de cacau, produção de farinha, além de sete
pessoas escravizadas, crioulos e africanos, que certamente transportavam o cacau e outras
mercadorias pelo rio Cachoeira, que ligava o distrito de Itabuna ao porto de exportação de
Ilhéus421.
Outros exemplos semelhantes podem ser encontrados entre os negociantes e donos de
engenho, que também eram escravistas e utilizavam canoas e outras embarcações no
transporte de suas mercadorias pelos caminhos fluviais e pela costa marítima. Joaquim José
da Costa Seabra, por exemplo, tinha dois escravos com ofício de marinheiro: Pedro, crioulo
de 35 anos de idade, avaliado em Rs. 1.200$000 e Antônio, crioulo de 28 anos, avaliado em
Rs. 1.000$000. Ademais, este negociante possuía um barco, denominado Oriente, avaliado
em Rs. 3.000$000 e três canoas, todas por Rs. 105$000, entre outros bens avaliados em seu
inventário, aberto em 1856, por ocasião da sua morte422.
Em 1861 o Engenho Castelo Novo possuía duas canoas grandes, cada uma avaliada
em Rs.100$000, sendo que neste engenho trabalhavam como escravos 54 pessoas, entre
crioulos e africanos, adultos, idosos e crianças, de ambos os sexos. Este engenho tinha
421
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. João Segismundo Cordier. Est. 08, Cx. 3424, Maço n/c, Doc. 06,
25 de maio 1849.
422
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Joaquim José da Costa Seabra. Est. 08, Cx. 3424, Maço n/c,
Doc.06, 17 de set. 1856.
218
plantação de cacau, produzia açúcar, cachaça, farinha e tinha balcão com armação para
negócio423.
Outros exemplos como estes podem ser citados para ilustrar a importância das canoas
na economia cacaueira, bem como a participação do trabalho de crioulos, africanos e
indígenas nessas embarcações, transportando cacau, café, cachaça, farinha e outras
mercadorias. É oportuno lembrar da intensa exploração de madeira em Ilhéus nessa época,
sendo comum extração de paus de cedro, jacarandá e paus de jangada. 424 Essa atividade era
lucrativa e dela participaram diversos grupos sociais, em posições diferenciadas. Os grupos
escravizados deviam trabalhar no corte e beneficiamento das madeiras, que eram entregues ou
vendidas aos negociantes, que pagavam imposto pelo direito de praticar a atividade, com
vistas à exportação ou abastecimento interno.
Encontramos serrarias entre os bens inventariados em Ilhéus nesse período, embora
com baixa frequência. Elas tinham importância para a economia e nelas também trabalhavam
escravos. No Engenho Itaipe, por exemplo, onde viviam 44 pessoas escravizadas,
encontramos, entre outros bens, “uma máquina para serrar madeiras com todos os seus
pertences, avaliada na quantia de um conto e cem mil réis”425. No inventário do negociante de
madeira Manoel Brígido da Silva, morador da povoação de Una, dono de dois escravos,
encontramos, entre outros “uma máquina de serrar madeira, nova, com todos os seus
acessórios, avaliada na quantia de dois contos e duzentos mil réis”426. Na Fazenda Bom
Sucesso, onde trabalhavam como escravos onze pessoas, consta, entre outros bens “uma serra
d`água com tanque, avaliada na quantia de dois contos de réis”427
Esses exemplos mostram o alto valor que as serrarias tinham naquele contexto. Poucas
pessoas tinham serrarias ou serras para beneficiar madeiras. Assim, os donos desses
423
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Maria José Leola Del Rey e Carolina Leola Del Rey. Est. 02, Cx.
786, Maço 1253, Doc. 06, 28 de fev. 1861.
424
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de Lançamento dos rendimentos relativos a direitos de madeira. Maço
5438. Ilhéus, 1862-1870. Sobre o assunto ver, entre outros, DIAS, Marcelo Henrique. Farinhas, madeiras e
cabotagem: a capitania de Ilhéus no antigo sistema colonial. Ilhéus: Editus, 2011.
425
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Maria da Piedade Melo e Sá. Est. 02, Cx. 781, Maço 1248, Doc.
03, 12 de jul. 1876.
426
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Manoel Brígido da Silva. Est. 02, Cx. 786, Maço 1253, Doc. 12,
18 de jul 1856.
427
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Alferes Augusto de Sá Bitencourt Câmara. Est. 02, Cx. 785,
Maço 1252, Doc. 13, 05 de nov. 1868.
219
equipamentos deviam obter bons lucros com a venda e/ou fabricação de móveis. Os
indígenas, crioulos e africanos (escravos, livres e libertos) também deviam participar dessa
atividade em proveito próprio, mas as suas chances de lucros deviam ser bem menores que a
dos donos de serrarias. Nas casas de negócios era possível encontrar machados, facões e
foices, ferramentas com preços mais acessíveis à população menos favorecida
economicamente. A derrubada das árvores podia ser feita com machado, porém cortes mais
sofisticados exigiam ferramentas mais fortes, como era o caso das serras e serrarias. Os donos
desses equipamentos deviam lucrar muito, explorando o trabalho escravo nas lavouras,
derrubada de matas, na fabricação dos móveis de madeira e outras atividades. No caso dos
móveis das casas e sobrados, descritos nos inventários post mortem de Ilhéus, encontramos
vários tipos de madeira que serviam para a fabricação deles, como demonstra o Gráfico 6.3.
2% 1%
Madeira
11%
29%
Madeira Jacarandá
17%
Madeira Vinhático
Madeira Louro
18% 22%
Madeira Branca
Madeira Putumujú
Outras Madeiras *
O Gráfico 6.3 mostra que 29% dos móveis de casas e sobrados foram construídos com
madeiras, mas os avaliadores não discriminaram o tipo. A outra parcela expressiva era
composta por móveis fabricados com madeira jacarandá (22%), seguida por vinhático (18%),
220
louro (17%) e madeira branca (11%), sendo os demais fabricados com cedro, oiticica, pinho e
mogno.
A casa do negociante Joaquim José da Costa Seabra era dotada de várias mesas,
cadeiras e marquesas de madeiras, além colheres de platina para sopa, colheres de platina para
chá, quatro pianos, sendo um inglês e outro hamburguês, entre outros bens que compunham
sua riqueza e o diferenciava da maior parte dos inventariados428.
A casa dos proprietários do Engenho Castelo Novo possuía mesa de jantar de madeira
branca, cadeiras, guarda roupas, camas e cômodas de madeira branca, garfos e colheres de
metal, bandejas, entre outros móveis429.
Adelina Sellmam, casada com o negociante Bernardo Sellmam, possuía casa
mobiliada com camas francesas de madeira vinhático, lavatório de jacarandá, sofás, cadeiras,
cômodas, guarda louça e outras mobílias de madeira jacarandá430. Essas mobílias eram típicas
das casas dos negociantes, donos de engenho e alguns inventariados que pertenciam a família
rica, como os Sá Bitencourt Câmara, por exemplo.
A maioria residia em casas simples, feitas de taipa e cobertas de palha, sem variedades
de móveis e utensílios domésticos. Narcisa Maria da Conceição, por exemplo, morava no
lugar Ponta do Ramo quando faleceu em 1885, tinha plantação de cacau, coco e casa de
farinha. Sua casa foi descrita como arruinada e os únicos bens móveis descritos em seu
inventário foram dois tachos de cobre e os utensílios de fazer farinha431.
Antes de falecer em 1884 Constança Aranha morava na Cachoeira de Itabuna, no lugar
denominado molha farinha, onde tinha plantação de cacau. Sua casa foi descrita como “uma
casa de palha velha na fazenda molha farinha”432, sem nenhum tipo de móveis descritos em
seu inventário433.
428
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Joaquim José da Costa Seabra. Est. 08, Cx. 3424, Maço n/c,
Doc.06, 17 de set. 1856.
429
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Maria José Leola Del Rey e Carolina Leola Del Rey. Est. 02, Cx.
786, Maço 1253, Doc. 06, 28 de fev. 1861.
430
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Adelina Sellman. Est. 02, Cx. 781, Maço 1248, Doc. 07, 13 de
mar. 1876.
431
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Narcisa Maria da Conceição. Est. 02, Cx. 762, Maço 1228, Doc.
04, 05 de out. 1885.
432
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Constança Aranha. Est. 02, Cx. 760, Maço 1226, Doc. 09, 29 de
set. 1884.
433
Ibidem.
221
Bernardo José Demétrio morava no lugar Sambaituba, onde tinha plantação de cacau
antes de falecer, em 1883434. Sua morada foi descrita como uma casa coberta de palha, entre
seus bens móveis constam duas arcas de madeira louro, uma bacia de ferro, dois machados
estragados, um pilão, um cordão e uma medalha de ouro e um alfinete de peito, também de
ouro.
Esses exemplos mostram alguns contrastes no modo de vida da população residente no
território da comarca de Ilhéus na segunda metade do século XIX. Ademais, é oportuno
lembrar que somente aqueles que tinham bens para legar realizavam a abertura de inventário,
representando estes uma fração pequena da população. Desse modo, podemos inferir que a
maioria vivia com poucos recursos, em moradias simples, feitas de taipas e cobertas de palha,
com poucos mantimentos.
Nesse contexto a exploração do trabalho escravo assumiu importância crucial para
aqueles que pretendiam aumentar a riqueza. Talvez isso explique os elevados investimentos
em escravos, como demonstramos no quarto capítulo da tese. Podemos avaliar melhor essa
hipótese investigando a presença de animais nos inventários. O que permitirá compreender,
entre outras questões, a importância que tiveram no contexto econômico de Ilhéus da segunda
metade do século XIX.
434
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Bernardo José Demétrio. Est. 02, Cx. 759, Maço 1225, Doc. 02,
14 de ago. 1883.
222
distâncias eram consideráveis. Assim o uso das canoas foi imprescindível no transporte dos
gêneros da lavoura e outras mercadorias, ao passo que os animais eram utilizados como força
de tração, principalmente, no interior das fazendas e engenhos.
A combinação desses fatores, aliado ao uso do trabalho escravo, promoveram a
circulação da produção destinada ao abastecimento interno e à exportação, sendo incomum
nesse período as tropas de muares para carregamento e transporte de mercadorias. Assim,
notamos que nessa época a lavoura cacaueira estava condicionada pelo ritmo das canoas e dos
carros de boi, sendo que as enchentes dos rios interferiam no transporte das mercadorias.
Para investigar essa questão inicialmente vamos analisar a participação dos inventários
com presença de animais durante o período 1850-1888, o que permitirá saber se houve
crescimento da presença deles nos inventários de Ilhéus ao longo do tempo.
100
80
60
40
20
0
1850-1859 1860-1869 1870-1879 1880-1888
Observando os dados do Gráfico 6.4 percebemos que ao longo das décadas não houve
acelerado crescimento do número de inventários com presença de animais. Do total de 333
processos investigados 145 (43,5%) continha ao menos uma referência a algum tipo de
criação, demonstrando que esta atividade não se disseminou muito entre os inventariados. A
maior parte se concentrou no período 1880-1888, quando 53% dos processos tinham animais.
223
435
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Francisco Gomes de Castro Aguiar. Est. 02, Cx. 783, Maço
1250, Doc. 12, 27 de maio 1856.
436
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Adelina Tavares Bronze. Est. 02, Cx. 737, Maço 1202, Doc. 20,
18 de ago. 1874.
224
437
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Maria José Leola Del Rey e Carolina Leola Del Rey. Est. 02, Cx.
786, Maço 1253, Doc. 06, 28 de fev. 1861.
438
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Capitão Pascoal Gonçalves de Paiva. Est. 02, Cx. 750, Maço
1216, Doc. 13, 17 de set. 1878.
225
valorizados. Entre os 293 bois descritos nos inventários, 191 (65%), possuíam algumas dessas
especializações.
Na década de 1850 um boi de brocha chegou ao valor máximo de Rs. 50$000 em
Ilhéus439. Os vinte e três bois de carro do Engenho Castelo Novo foram avaliados em Rs.
1.380$000, cada um por Rs. 60$000440. Na década de 1880 um boi do serviço alcançou valor
máximo de Rs. 80$000441. Acima desses valores encontramos apenas os bovinos declarados
como touros, que provavelmente eram reprodutores. O touro malabar da Fazenda Piratiquisse
foi avaliado em Rs. 180$000442 e o touro da Fazenda São João do Pasto, da raça guadima, foi
avaliado em Rs.100$000443.
Além desses bovinos existiam as vacas, que no geral possuíam valor inferior ao dos
bois de serviço. No computo geral, o preço médio deles chegou a Rs. 71$000 e o delas a Rs.
60$000. Em relação aos bezerros, garrotes, novilhas, de ambos os sexos, o preço médio
alcançou a cifra de Rs. 33$000.
Analisando agora os equinos, segundo grupo em importância nos inventários,
percebemos que esse tipo de criação estava menos disseminado que os bovinos. Do total de
145 inventários com criações encontramos equinos em 75 processos, 52% dos casos. O
registro mais frequente foi de um cavalo por propriedade. O maior número de equinos entre
os inventariados foi localizado na Fazenda Olandi, que possuía quatro cavalos, sendo três de
cela e um ruivo, muito velho, avaliado em Rs. 30$000444.
A soma de todos os equinos totalizou 105 animais, dos quais cem (95%) eram cavalos
e apenas cinco (5%) éguas. Entre os cavalos 29% foram descritos como cavalos de cela, com
preço médio de Rs.93$000, outros dez (10%) foram descritos como do serviço de carga ou
cangalha e o preço médio destes alcançou Rs. 62$000. As éguas, por sua vez, obtiveram preço
439
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. João Luiz de Magalhães. Est. 02, Cx. 786, Maço 1253, Doc. 11,
16 de nov. 1856.
440
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Maria José Leola Del Rey e Carolina Leola Del Rey. Est. 02, Cx.
786, Maço 1253, Doc. 06, 28 de fev. 1861.
441
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Adão Felipe Brait. Est. 02, Cx. 758, Maço 1224, Doc. 16, 12 de
nov. 1883.
442
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Capitão Pascoal Gonçalves de Paiva. Est. 02, Cx. 750, Maço
1216, Doc. 13, 17 de set. 1878.
443
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Firmino Pires Caldas. Est. 03, Cx. 1372, Maço 1841, Doc. 14, 10
mar. 1888.
444
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Alferes Francisco Vitorio de Sales Leite. Est. 04, Cx. 1372,
Maço 1841, Doc. 01, 24 de fev. 1875.
226
médio de Rs. 38$000. Assim, de modo geral os cavalos de cela eram os animais mais
valorizados entre os equinos.
Os caprinos estão entre os tipos de animais menos frequentes nos inventários de
Ilhéus. Do total de 145 processos com criações declaradas apenas seis inventários, 4% dos
casos, possuíam caprinos. Ao todo contabilizamos 99 cabeças, estando a maior criação (42%)
no Engenho Castelo Novo445. O preço médio dos caprinos chegou a Rs. 2$500.
As criações de suínos raramente aparecem nos inventários de Ilhéus. Apenas três
processos declararam a existência deste tipo de animal, contendo juntos 10 cabeças de porcos,
dos quais cinco eram propriedade de Manuel José de Carvalho Lessa, declarados como
pequenos, cada um avaliado em Rs. 8$000446, outros quatro pertenciam a José Lopes da Silva,
dono da Fazenda Morro de São Francisco, sendo um capado, avaliado em Rs. 8$000, outro
descrito como barrão, no valor de Rs. 5$000 e duas porcas, uma por Rs. 8$000 e outra por Rs.
5$000447.
O grupo de ovino também estava entre os menos frequentes. Apenas três inventários
possuíam criações de ovelhas, totalizando 29 cabeças desse tipo de animal. A maior parte na
Fazenda Jetimana-Acu, que possuía, entre outros bens, quinze ovelhas, cada uma avaliada em
Rs. 2$400448, preço que corresponde à maior avaliação. Outras nove ovelhas estavam na
Fazenda Morro de São Francisco, cada uma avaliada em Rs. 2$000449.
O grupo dos muares estava presente em apenas seis inventários, totalizando 30
cabeças deste tipo animal. Jose de Carvalho da Silva Lessa possuía dez burros quando faleceu
em 1885, cada um avaliado em Rs. 80$000450. Neste mesmo ano faleceu o Capitão Raimundo
Nonato do Amaral, que possuía, entre outros bens, dez burros encangalhados, cada um
445
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Maria José Leola Del Rey e Carolina Leola Del Rey. Est. 02, Cx.
786, Maço 1253, Doc. 06, 28 de fev. 1861.
446
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Manoel José de Carvalho Lessa. Est. 02, Cx. 737, Maço 1202,
Doc. 06, 23 de jul. 1872.
447
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. José Lopes da Silva. Est. 02, Cx. 760, Maço 1226, Doc. 04, 10 de
ago. 1888.
448
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Felipa de Melo Sá Bandeira. Est. 02, Cx. 785, Maço 1252, Doc.
07, 16 de mar. 1866.
449
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. José Lopes da Silva. Est. 02, Cx. 760, Maço 1226, Doc. 04, 10
de ago. 1888.
450
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. José de Carvalho da Silva Lessa. Est. 03, Cx. 1295, Maço 1764,
Doc. 12, 05 de mar. 1885.
227
***
451
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Raimundo Nonato do Amaral. Est. 02, Cx. 762, Maço 1228,
Doc. 5, 29 de set. 1885.
452
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Alferes Acrísio Januário Cardoso. Est. 03, Cx. 1298, Maço 1767,
Doc. 08, 21 de abr. 1887.
453
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Ilhéus. Porcina Groeszner de Figueredo Rocha. Est. 03, Cx. 1372, Maço
1841, Doc. 11, 05 de jun. 1888.
228
recursos suficientes para comprar escravos e nem animais e recorreram ao trabalho familiar e
à produção de farinha como meio de garantir a sobrevivência.
A grande quantidade de casas de farinha, bem como de móveis relacionados com essa
atividade, demonstra o quanto esse alimento foi importante naquele contexto, certamente
servindo à exportação e ao abastecimento interno.
Em contra partida observamos que as casas de beneficiar cacau não se mostraram
muito numerosas, bem com os muares que apareceram com pouca frequência nos inventários.
Do total de 333 processos investigados encontramos 37 casas de beneficiar cacau contra 113
casas de farinha, e 166 canoas contra 30 burros de carga.
Ao que parece, muitos dos pequenos produtores, que não tinham condições de
beneficiar a produção, entregavam o cacau colhido aos negociantes como pagamento pelas
compras realizadas nas casas de negócio, sendo que essa relação pautou a vida de muitos
lavradores de Ilhéus no período 1850-1888.
Ademais, percebemos que os gêneros vendidos nessas casas tinham importância
econômica significativa no conjunto dos bens móveis. Ao longo da tese evidenciamos que os
negociantes, junto com os donos de engenho, possuíam no geral, as maiores fortunas. A
riqueza dos negociantes, muito provavelmente, provinha dessas relações com os pequenos
lavradores, que forneciam a produção a eles como pagamento. Dessa forma, os negociantes,
que normalmente tinham casas para beneficiar cacau e transportes marítimos, além de
contatos na capital, exportavam os produtos e obtinham maiores lucros com a
comercialização.
No próximo capítulo vamos analisar as dívidas ativas e passivas declaradas nos
inventários post mortem de Ilhéus, para entendermos o funcionamento do sistema de crédito e
as relações entre os credores e devedores. Este último capítulo da tese possui importância
fundamental para entendermos essas relações, um dos traços marcantes da economia de Ilhéus
durante a expansão do cultivo do cacau.
229
CAPÍTULO VII
CREDORES E DEVEDORES NA ECONOMIA DE ILHÉUS, 1850-1888
7.1 - Introdução
455
Algumas análises sobre o sistema de crédito em Ilhéus podem ser vistas em: SANTOS, Leandro Dias dos;
SANTOS, Zildemar Alves; DIAS, Marcelo Henrique. Mecanismo de acesso ao crédito na vila de Ilhéus na
primeira metade do século XIX: o caso de Joaquim José da Costa Seabra. Revista de História Econômica &
Economia Regional Aplicada. Juiz de Fora, v.7, n. 12, jan./jun. 2012.; SILVA, Neila Oliveira da. A elite local na
vila de São Jorge dos Ilhéus, século XVIII. In: DIAS, Marcelo Henrique; CARRARA, Ângelo (Org.). Um lugar
na História: a capitania e comarca de Ilhéus antes do cacau. Ilhéus: Editus, 2007. p. 169-181.
231
Durante a segunda metade do século XIX muitas pessoas faleceram em Ilhéus com
dívidas ativas na praça, ou seja, aquelas em que os inventariados eram credores. Às vezes os
valores desses créditos compunham parte significativa da riqueza do falecido, e os herdeiros
tinham interesse nas somas. Nessa seção vamos avaliar os grupos que detinham as maiores e
menores porções dessas dívidas para entender o sistema de crédito em Ilhéus. Queremos saber
se havia grupos que controlavam esse sistema e qual o lugar dos produtores de cacau,
negociantes, donos de engenho e demais inventariados nesse contexto.
As origens dos créditos descritos nos inventários post mortem de Ilhéus são
diversificados, porém, infelizmente, na maioria das vezes elas não foram mencionadas com
detalhes. Encontramos indicação de dívidas provenientes de letras (empréstimos com nota
assinada), dívidas de compras realizadas nas casas de negócio, dinheiro de herança (legítima)
e dinheiro de transações comerciais, entre outras origens.
Inicialmente vamos analisar a distribuição dos inventários que apresentaram dívidas
ativas ao longo do período. Isso permitirá conhecer, num primeiro momento, a movimentação
da oferta de crédito ao longo do tempo.
100
80
60
40
20
0
1850-1859 1860-1869 1870-1879 1880-1888
Os dados do Gráfico 7.1 mostram que no decorrer das décadas as dívidas ativas
ficaram relativamente concentradas em poucos inventários. Ao que parece o sistema de
crédito estava restrito nas mãos de poucas pessoas. Analisar a distribuição dessas dívidas de
acordo com a ocupação principal dos inventariados pode ajudar a entendermos quem eram os
credores mais importantes de Ilhéus nessa época. Para realização dessa tarefa cruzamos os
dados sobre as categorias ocupacionais de acordo com o montante das dívidas ativas alocadas
em cada um dos inventários. A Tabela 7.1 mostra o resultado dessa distribuição na década de
1850.
denominado oriente e ao que parece transportava mercadorias, incluindo escravos, para serem
comercializadas nas vilas e povoações da província da Bahia e outras partes do Império.456
Quanto aos produtores de cacau, o único com dívida ativa declarada no inventário foi
João Segismundo Cordier, dono da Fazenda Santa Cruz, localizada na Cachoeira de Itabuna.
Ele faleceu em 1849 e a lista de seus devedores também é grande e diversificada, entre seus
devedores encontramos Fernando Steiger, Guilherme Mor, Pedro Bonin, Firmino Pires
Caldas, além de índios da aldeia de ferradas, escravos, crioulos forros e outros. 457
Ao que parece o sistema de crédito estava em expansão em Ilhéus desde a primeira
metade do século XIX, sendo que os negociantes eram os principais agentes dessa expansão.
Todavia, a década de 1850 apresenta o problema da baixa representatividade do número de
processos investigados, apenas 19 inventários, dos quais 6 (31,6%) declararam algum tipo de
dívida ativa. Vamos avançar no estudo das próximas décadas para saber se esse quadro
mudou. A década de 1860, por exemplo, apresenta uma quantidade maior de processos
investigados, o que permite conferir essa hipótese com mais segurança.
O Gráfico 7.2 mostra que os negociantes representavam 30,4% dos inventariados com
dívidas ativas e concentraram 90% da soma dos créditos. Isso confirma que na década de
456
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Joaquim José da Costa Seabra. Ilhéus. Est. 08, Cx. 3424, Maço n/c,
Doc.06, 17 de set. 1856.
457
APEB, Seção Judiciária, Inventários, João Segismundo Cordier. Ilhéus. Est. 08, Cx. 3424, Maço n/c, Doc.06,
25 de maio 1849.
234
1860 eles continuaram retendo a maior parte dos créditos, indicando que eles foram os
principais responsáveis pela expansão desse sistema. O negociante que concentrou maior
parte dos créditos, Joaquim Lopes da Silva, faleceu em 1866 com o montante de Rs.
13.645$288 em dívidas ativas, perfazendo 78% do monte-mor, sendo que a lista de seus
devedores é extensa: José, escravo de Luiz Carlos Cordier, lhe devia a quantia de Rs. 4$480;
Manuel Nunes Melgaço, a quantia de Rs. 30$630; Felippe, escravo de José Lopes, a quantia
de Rs.8$940; Fulgêncio, marinheiro, a quantia de Rs.5$220; Pedro, escravo da senhora Ana,
viúva, a quantia de Rs. 4$440; Ignacio Jorge, índio, a quantia de Rs.9$840; entre outros.458
Olhando para os dados da Tabela 7.2 e 7.1 notamos que os negociantes preponderaram
na distribuição do sistema de crédito. Até agora os dados dessas tabelas levam a crer que eles
concentraram o sistema de crédito em Ilhéus.
Quanto aos donos de engenho, na década de 1860 os proprietários do Engenho Castelo
Novo se destacaram, acumulando dívidas ativas no valor de Rs. 1.648$530, mas apenas
quatro devedores foram listados, sendo um da Barra do Rio de Contas (Miguel Coutinho) que
lhe devia Rs. 100$000; outro tinha uma dívida de saldo de conta corrente no valor de Rs.
1.499$170; os demais tinham dívidas menores referente a letras.459 Isso indica que os donos
deste engenho também participavam do sistema de crédito, mas em proporção bem menor que
os negociantes.
Entre os produtores de cacau as dívidas ativas eram bem reduzidas se comparadas às
dos negociantes. O produtor de cacau com a maior dívida ativa declarada entre os
inventariados da década de 1860 foi Agostinho Antônio da Silva, dono da Fazenda Barão,
com uma Letra no valor de Rs. 400$000 na mão de Feliciano José dos Santos.460 Entre os
produtores de farinha/café/coco as dívidas ativas foram ainda mais reduzidas, demonstrando
que no geral a participação dos lavradores na distribuição do crédito era insignificante.
Vamos avançar na investigação das próximas décadas para conferirmos se houve
alteração nesse quadro.
458
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Joaquim Lopes da Silva. Ilhéus. Est. 02, Cx. 785, Maço 1252, Doc. 06,
24 de abr. 1866.
459
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Maria José Leola Del Rey e Carolina Leola Del Rey. Ilhéus. Est.02, Cx.
786, Maço 1253, Doc. 06, 28 de fev. 1861.
460
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Agostinho Antônio da Silva. Ilhéus. Est. 02, Cx. 742, Maço 1207, Doc.
08, 28 de jun. 1869.
235
461
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Adelina Sellman. Ilhéus. Est. 02, Cx. 781, Maço 1248, Doc. 07, 13 de
mar. 1876.
236
maior parte delas referente a letras.462 Ao que parece ele era exceção, pois ao longo das
décadas percebemos que a maioria dos produtores de cacau não atuou como credores.
O dono do Engenho União, José Antônio de Guimarães Bastos, acumulou o valor de
19.342$707 em dívidas ativas, sendo que a lista de seus devedores é grande, alguns com conta
em livro, outros com dívidas de letra, porém na maior parte das vezes não foi declarada a
origem dessas dívidas, apenas os nomes dos devedores.463
Esses exemplos demonstram a existência de um sistema de crédito distribuído
amplamente na sociedade de Ilhéus, mas que estava concentrado, sobretudo, nas mãos dos
negociantes. Os donos de engenho também emprestavam dinheiro e ofereciam crédito à
população, assim como ocorreu com determinados produtores de cacau. Todavia, se
comparados aos negociantes as diferenças são notórias, como se ver nos dados das tabelas
(7.3; 7.2 e 7.1).
A oferta de crédito acompanhou o crescimento da economia cacaueira. Vamos
conferir se no período 1880-1888 a participação dos negociantes nesse sistema se intensificou
ou se houve disseminação para outros segmentos da população inventariada.
462
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Major Joaquim José de Oliveira. Ilhéus. Est. 02, Cx. 749, Maço 1215,
Doc. 07, 30 de out. 1875.
463
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Alferes José Antônio de Guimarães Bastos. Ilhéus. Est. 02, Cx. 738,
Maço 1203, Doc. 12, 10 de fev. 1875.
237
464
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Tenente Coronel Domingos Lopes da Silva. Ilhéus. Est. 02, Cx. 759,
Maço 1225, Doc. 03, 10 de out. 1883.
465
Ibidem.
466
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Luiz Adami. Ilhéus. Est. 03, Cx. 1372, Maço 1841, Doc. 18, 28 de maio
1887.
467
Ibidem.
238
468
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Acrísio Januário Cardoso. Ilhéus. Est. 03, Cx. 1298, Maço 1767,
Doc.08, 21 de abr. 1887.
469
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Aristides Francisco de Vasconcelos Gusmão. Ilhéus. Est. 02, Cx. 762,
Maço 1228, Doc.09, 30 de ago. 1886.
239
devedores: Antônio Henrique de Aguiar (Rs. 1.985$264) e Gentil José de Castro (Rs.
500$000)470.
O único dono de engenho que apresentou dívida ativa no período 1880-1888 acumulou
a quantia de Rs. 20.159$448, correspondendo a 33% de sua fortuna. Entre os devedores
constam seu irmão, o Capitão José de Melo Sá (Rs. 3.464$4480); seu genro Fernando Steiger
a quantia de Rs. 800$000 (dinheiro da venda de um escravo); sua nora Paulina Kahene de Sá,
a quantia de 2.450$000 (dinheiro da venda de dois escravos e da liberdade da escrava Lina
que ofereceu seu valor); Tenente Coronel Joaquim José de Calazans Bitencourt (Rs.
4.445$000) e a própria esposa, Rita Constança de Melo Sá, que devia a quantia de Rs.
9.000$000 referente ao dinheiro da venda do Engenho Esperança.471
Esses exemplos mostram alguns aspectos do sistema de crédito que se espalhou pelo
território da comarca de Ilhéus ao longo da segunda metade do século XIX, precisamente
entre 1850-1888. Os negociantes foram os grupos que mais se destacaram entre os credores,
sendo que a principal oferta de crédito era por via de compras realizadas em suas casas de
negócio. Não obstante, eles emprestavam dinheiro e cobravam juros por esses empréstimos,
que muitas vezes aparecem nos inventários com a descrição de letras. Alguns donos de
engenho também tinham balcão com armação para negócio, forneciam crédito e emprestava
dinheiro, como ocorria nos engenhos Castelo Novo e União.
Por outro lado, a maioria dos produtores de cacau, bem como os demais lavradores
tinham participação relativamente baixa no sistema de crédito. Existiam famílias abastadas
envolvidas com plantação de cacau que emprestavam dinheiro, mas no geral eles não eram os
principais credores da praça de Ilhéus.
Analisar as dívidas passivas ajudará a entender o outro lado desse sistema, ou seja,
quais os grupos que mais acumularam dívidas passivas. Qual o lugar dos produtores de cacau,
negociantes, donos de engenho e demais inventariados nesse sistema? Na próxima seção
tentamos elucidar essas questões.
470
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Alferes João Carlos Hohlenwegner. Ilhéus. Est. 02, Cx. 762, Maço
1228, Doc. 12, 20 de abr. 1886.
471
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Rita Constança de Melo Sá. Ilhéus. Est. 02, Cx. 759, Maço 1225, Doc.
04, 28 de ago. 1880.
240
As dívidas passivas permitem avaliar os devedores que foram descritos nos inventários
post mortem de Ilhéus. Já constamos que os negociantes concentraram os créditos (dívidas
ativas), agora queremos saber quais foram os grupos que mais acumularam dívidas a pagar, as
chamadas dívidas passivas. Estamos interessados em verificar se os produtores de cacau eram
os principais devedores e qual o lugar dos negociantes, donos de engenho e demais
inventariados nesse contexto.
Inicialmente vamos analisar a distribuição dos inventários que apresentaram dívidas
passivas ao longo do período 1850-1888. Isso permitirá conhecer, num primeiro momento, a
movimentação dessas dívidas no decorrer das décadas.
100
80
60
40
20
0
1850-1859 1860-1869 1870-1879 1880-1888
O Gráfico 7.2 mostra que ao longo das décadas ocorreu aumento do número de
inventários com dívidas passivas. Ao que parece durante a expansão da lavoura cacaueira
muitas pessoas se endividaram. Conhecer essas pessoas pode revelar outro aspecto importante
do sistema de crédito que se desenvolveu em Ilhéus no período 1850-1888. Vamos avaliar
241
472
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Joaquim José da Costa Seabra. Ilhéus. Est. 08, Cx. 3424, Maço n/c,
Doc.06, 17 de set. 1856.
242
administrador da mesa de rendas da vila, que não prestou contas na tesouraria mas consta
recibo dos contribuintes”, além de outras dívidas.473
Esse negociante parece ter se destacado em Ilhéus nos meados do século XIX, como
evidenciam os informes do seu inventário. Quanto aos demais inventariados da década de
1850 percebemos que eles ficaram com 6% da soma das dívidas passivas, ou seja, uma
pequena parte, constituída por diferentes tipos de dívidas.
Manoel Rodrigues de Brito, por exemplo, tinha propriedade em Itabuna, criava
bovinos e produzia farinha, seu inventário foi aberto em 1855 e entre as dívidas passivas
consta Rs. 7$360 à Irmandade do Santíssimo Sacramento; despesas com o funeral, Rs.
44$460; despesas com o padre Pedro Januário Cardoso, Rs. 15$760, “de exigências feitas
pelo falecido”.474
Manoel Brígido da Silva era negociante em Ilhéus, dono de dois escravos e serraria
quando faleceu em 1856, ano de abertura de seu inventário.475 Entre suas dívidas passivas
consta o valor de Rs. 1.998$054 devido à Constantino Pereira da Costa, da vila de Camamu,
que declarou ao juiz “que emprestou diversas quantias ao inventariado quando vivo, para
compras de jacarandá, arroz e outros gêneros”476. Nos autos do processo a viúva reconheceu a
dívida como verdadeira e disse “que há muito tempo o suplicante supria com dinheiro seu
marido para carregamento das embarcações, tendo a meação dos lucros e prejuízos”.477
Todavia, no final do processo o juiz acatou apenas o valor de Rs. 335$724 para pagamento
desta dívida.
Esses exemplos ilustram algumas das articulações dos negociantes de Ilhéus com a
praça de Salvador e com outras vilas do sul da Bahia. Essa dinâmica parece ter se
intensificado ao longo das décadas, influenciada pelo crescimento do número de engenhos e
pela expansão do cultivo de cacau, que motivou os negociantes a expandirem o sistema de
473
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Joaquim José da Costa Seabra. Ilhéus. Est. 08, Cx. 3424, Maço n/c,
Doc.06, 17 de set. 1856.
474
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Manoel Rodrigues de Brito. Ilhéus. Est. 02, Cx. 783, Maço 1250, Doc.
10, 12 de maio 1855.
475
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Manoel Brígido da Silva. Ilhéus. Est. 02, Cx. 786, Maço 1253, Doc.12,
18 de jul. 1856.
476
Ibidem.
477
Ibidem.
243
crédito em Ilhéus. Vamos avançar na investigação das próximas décadas para avaliar melhor
essa hipótese.
478
Ver o nome de Afonso de Ayala Vasconcelos no livro de imposto sobre casas de negócio. APEB, SCP.
Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre casas de negócios. Maço 5455. Ilhéus, 1874-1892.
479
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Eugenia Renaud Vinch. Ilhéus. Est. 02, Cx. 742, Maço 1207, Doc. 10,
09 de set. 1869.
244
Antes de falecer, em 1860, Maria Alexandrina de Jesus era casada com Domingos da
Silva Santos e o casal possuía três filhos com idades entre 6 e 15 anos, uma plantação com
311 cacaueiro no lugar Itaípe, além de plantações de café, coco e dendê, entre outros bens,
sendo a fortuna da família calculada no valor de Rs. 1.181$780 e entre as dívidas passivas
constam as seguintes somas: Rs. 523$000 ao negociante Joaquim Lopes da Silva, referente
aos suprimentos que lhe fizera em vida; Rs. 20$000 ao médico estrangeiro, morador na vila,
pelas visitas feitas; e Rs. 240$000 à filha de Joaquim, sem especificação da origem480.
Esse quadro revela que durante o processo de expansão da lavoura cacaueira os
produtores de cacau contraíram dívidas com os negociantes, que lhes forneciam suprimentos
essenciais para a sobrevivência, pagos com cacau e outros gêneros da lavoura, como
ressaltamos em várias passagens da tese.
Na década de 1860 os negociantes continuam concentrando a maior parcela das
dívidas passivas (48%), mas a outra parte, pouco mais da metade, estava disseminada entre os
inventariados com menos cabedal econômico, constituída por produtores de cacau (22,3%);
produtores de farinha/café/coco (10,7%) e demais inventariados, a exemplo dos profissionais
liberais, funcionários eclesiásticos, pequenos criadores etc., que acumularam 18,7% das
dívidas passivas declaradas nos inventários da década de 1860.
Entre os negociantes Joaquim Lopes da Silva foi o que acumulou a maior parte das
dívidas passivas (Rs. 6.850$454), devendo para três firmas estabelecidas na praça de
Salvador, quais sejam: Manoel Joaquim Rodrigues & Cia, a quantia de Rs. 332$625; Batista
& Silva, a quantia de Rs. 562$795 e a José de Souza Rocha & Irmão, a quantia de Rs.
5.955$034, todas referentes a artigos comerciais e sortimentos comprados para sua casa de
negócio em Ilhéus. A fortuna desse negociante foi calculada em Rs. 17.501$615.481
Antônio da Cunha Marelim foi outro negociante que possuía dívidas na praça de
Salvador, proveniente de gêneros comprados para abastecimento de sua casa de negócio em
Ilhéus, entre as firmas da capital que ele devia encontramos: José de Souza Rocha & Irmão,
devia Rs. 1.052$712; Gomes & Irmão, Rs. 77$380; Bastos & Almeida, Rs. 85$856, entre
480
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Maria Alexandrina de Jesus. Ilhéus. Est.02, Cx. 784, Maço 1251, Doc.
20, 24 de ago. 1864.
481
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Joaquim Lopes da Silva. Ilhéus. Est.02, Cx. 785, Maço 1252, Doc. 06,
24 de abr. 1866.
245
outras dívidas que o negociante tinha na praça de Ilhéus. A fortuna desse negociante foi
calculada em Rs. 11.700$473.482
Esses exemplos demonstram que havia uma dinâmica intrínseca entre os negociantes
que atuavam em Ilhéus com aqueles estabelecidos em Salvador, capital da província, que
abrigava um dos maiores portos do Império, recebendo mercadorias vindas de outras partes
do Brasil e de países estrangeiros.
Analisar as outras décadas pode revelar se o quadro de alocação das dívidas passivas
sofreu alteração ou se a tendência do decênio anterior se manteve.
482
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Antônio da Cunha Marelim. Ilhéus. Est.02, Cx. 785, Maço 1252, Doc.
02, 06 de ago. 1866.
246
483
APEB, Seção Judiciária, Inventários, José Joaquim Monteiro. Ilhéus. Est. 02, Cx. 753, Maço 1219, Doc. 10,
26 de jul. 1876.
484
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Alferes Francisco Vitório de Salles Leite. Ilhéus. Est. 04, Cx. 1372,
Maço 1841, Doc. 01, 24 de fev. 1875.
485
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Adelina Sellmam. Ilhéus. Est. 02, Cx. 781, Maço 1248, Doc. 07, 13 de
mar. 1876.
247
Os dados da Tabela 7.8 mostram que os produtores de cacau representaram 64,5% dos
inventariados com dívidas passivas e concentraram quase um quarto (24,2%) da soma dessas
dívidas na década de 1880. Os negociantes, acumularam a maior parte das dívidas passivas
neste período (70,2%), mas representaram 21% dos inventariados.
O produtor de cacau com a maior soma em dívidas passivas foi Carlos Stephanie
Hohlenweger, dono da Fazenda São Thiago, com uma quantia de Rs. 7.384$228 de dívidas
contraídas com os seguintes negociantes: Tenente Antônio Henrique de Aguiar (Rs.
3.000$000) e ao seu sogro, Domingos José de Lemos, a quantia de Rs. $.384$228. Ele
também pagava suas dívidas com cacau.486
A viúva Adelaide de Melo Sá Oliveira, que tinha fazenda de cacau na Cachoeira de
Itabuna, acumulou dívidas no valor de Rs. 4.546$366. Ela devia ao negociante de Salvador,
Major José da Cunha Marelim, a quantia de Rs. 1.232$388 proveniente de conta corrente,
incluindo compras de gêneros e empréstimos; devia ao negociante de Ilhéus, Albino Francisco
Martins, a quantia de Rs. 2.415$998, entre outras dívidas.487
486
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Carlos Stephanie Hohlenweger. Ilhéus. Est. 02, Cx. 762, Maço 1228,
Doc. 10, 20 de abr. 1886.
487
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Adelaide de Melo Sá Oliveira. Ilhéus. Est. 08, Cx. 3424, Maço n/c, Doc.
04, 17 de fev. 1888.
.
248
Francisca Xavier dos Santos, também tinha fazenda de cacau na Cachoeira de Itabuna,
no lugar denominado jacarandá e acumulou dívidas passivas no valor de Rs. 3.662$441, boa
parte contraída com Albino Francisco Martins (Rs. 3.429$761), negociantes de Ilhéus.
Existem outros exemplos semelhantes, indicando que frequentemente os produtores de cacau
contraíam dívidas, sobretudo com os donos de casas de negócio.
As dívidas passivas dos negociantes representaram somas expressiva na década de
1880, totalizando Rs. 183.934$618. O Tenente Coronel Domingos Lopes da Silva concentrou
(33%), ou seja, Rs. 60.400$245, correspondente a dívidas com credores de Ilhéus e Salvador.
O monte-mor deste negociante chegou a Rs.68.103$308 e as dívidas passivas comprometeram
88% da sua fortuna, sendo que a viúva, por meio do seu curador, reuniu os credores e fez uma
partilha amigável com eles, sobrando para ela a quantia de Rs. 6.500$000.488
Bernardo Sellman foi outro negociante que se destacou neste período, falecendo com
dívidas passivas no valor de Rs.33.884$699, sendo que o montante da sua fortuna (Rs.
26.718$588) foi insuficiente para o pagamento de todas as dívidas. Neste processo o juiz
separou os credores em dois grupos: credores privilegiados, que ficaram com Rs. 10.043$577
e os não privilegiados, que ratearam entre eles Rs. 16.675$015. Este homem, que atuou como
presidente da Câmara municipal, devia a diversos negociantes de Ilhéus e Salvador, além
disso, também devia impostos municipais489.
Esses exemplos demonstram que a relação dos negociantes de Ilhéus com a praça de
Salvador foi constante durante todo o período 1850-1888. Encontramos muitos casos
comprovando essas ligações, evidenciando assim uma rede de trocas de mercadorias entre as
aludidas localidades. Os negociantes compravam mercadorias na capital para abastecer o
mercado interno de Ilhéus, oferecendo crédito aos agricultores que pagavam suas contas com
produtos da lavoura, que eram remetidos para a capital, onde eram comercializados e
utilizados para pagamento de dívidas.
488
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Tenente Coronel Domingos Lopes da Silva. Ilhéus. Est. 02, Cx. 759,
Maço 1225, Doc. 03, 10 de out. 1883.
489
APEB, Seção Judiciária, Inventários, Major Bernardo Sellmam. Ilhéus. Est. 02, Cx. 755, Maço 1221, Doc.
01, 11 de nov. 1881.
249
***
Esse capítulo abordou as dívidas ativas e passivas declaradas nos inventários post
mortem de Ilhéus entre 1850-1888. Os informes obtidos com a compulsão dos dados indicam
forte concentração do sistema de crédito nas mãos dos negociantes. Contudo, as compras
realizadas nas casas de negócio não constituíram o único mecanismo de acesso ao crédito, o
sistema monetário parece estar se expandindo em Ilhéus nesta época e foi comum
encontrarmos empréstimos entre os inventariados, sobretudo a partir da década de 1870.
Os negociantes se tornaram os principais agentes da expansão desse sistema, com
casas de negócio espalhadas na vila e no interior. Constatamos a existência de redes de
ramificações entre eles, sendo que os mais afortunados abasteciam os pequenos negociantes,
que por sua vez se espalharam pelo interior, fornecendo crédito a várias pessoas, inclusive
indígenas, crioulos e africanos.
Notamos que as dívidas passivas dos produtores de cacau cresceram ao longo das
décadas investigadas, embora os negociantes também concentrassem boa parte delas. Se por
um lado os negociantes forneciam crédito, do outro encontramos muitos produtores de cacau
se endividando ao longo do período. Essa relação incidiu entre muitos inventariados e as
implicações disso merecem estudo aprofundado, que no momento não temos condições de
realizar.
Existem evidências indicando que os produtores de cacau e outras pessoas que
contraíam dívidas e ao fim da vida não podiam quitá-las perdiam suas propriedades.
Encontramos vários inventários com termos de transmissão de propriedade no final do
processo. Outrossim, encontramos herdeiros que se queixavam das contas apresentados ao
juiz pelos negociantes. Esses casos mostram um emaranhado de relações de trocas
estabelecidas no mercado interno de Ilhéus.
Os negociantes e donos de engenho estavam entre os mais ricos inventariados que
investigamos e neste capítulo percebemos que muitos tinham fortes relações comerciais com a
praça de Salvador, onde eles também contraíam dívidas. Encontramos muito negociantes
cujas riquezas estavam comprometidas com dívidas passivas e outros cujo patrimônio foram
completamente destinados ao pagamento das dívidas, isso ocorreu, por exemplo, como
250
Bernardo Sellman490 e com José Simeão Moreno491, este último um dos homens que mais
atuou na economia de exportação de Ilhéus.
Esses e outros casos em que as dívidas passivas comprometeram parcela significativa
da riqueza do falecido sugere que, talvez, naquela época a rentabilidade da lavoura cacaueira
ainda não era capaz de gerar divisas suficiente para compensar os gastos com compras de
mercadorias em Salvador, destinadas ao abastecimento do mercado interno de Ilhéus.
Todavia, essa situação certamente se modificou nos próximos decênios, quando as plantações
cresceram e os preços do cacau no mercado externo se elevaram. Não obstante, a escravidão
estava com os dias contados e o trabalho escravo não participou dessa nova fase de
consolidação da economia cacaueira em Ilhéus, porém, acreditamos que a estrutura de oferta
de crédito pelos negociantes continuou, além do sistema de cobrança de impostos, que
impunham dificuldades ao enriquecimento dos pequenos produtores e favoreciam o aumento
dos lucros dos negociantes, como ressaltou Antônio Fernando Guerreiro de Freitas492.
490
APEB, Seção Judiciária, Inventários. Ilhéus. Major Bernardo Sellman. Est. 02, Cx. 755, Maço 1221, Doc. 01,
11 de nov. 1881.
491
APEB, Seção Judiciária, Inventários. Ilhéus. José Simeão Moreno dos Reis. Ilhéus. Est. 02, Cx. 781, Maço
1248, Doc. 10, 09 de jul. 1881.
492
FREITAS, Antônio Fernando Guerreiro. Os donos dos frutos de ouro. Dissertação (Mestrado em Ciências
Sociais). ICS-UFBA. Salvador, 1979.
251
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Essa pesquisa analisou a comarca de Ilhéus entre 1850 e 1888 dedicando atenção aos
aspectos econômicos e às relações escravistas. A documentão que serviu de suporte para as
análises é composta, principalmente, por inventários post mortem, Livros de cobrança de
impostos e o Livro de classificação dos escravos493.
Inicialmente o estudo demonstrou alguns aspectos do mercado interno até agora pouco
examinado pela historiografia. Os livros de cobrança de impostos revelaram a existência de
diversos estabelecimentos comerciais, com negociantes oferecendo carne bovina e suína,
ferramentas, pólvora, utensílios domésticos, e outros gêneros necessários à sobrevivência da
população.
Esses negociantes desempenharam papel relevante no processo de abastecimento
interno, vendendo mercadorias, fornecendo crédito, promovendo a circulação de produtos e a
exploração dos recursos do território. Os negócios incluíam a derrubada da mata para extração
de madeiras, exportações de cacau, café, cachaça, piaçava e couros.
Os negociantes foram agentes importantes do processo de expansão da lavoura
cacaueira e dinamizaram a economia de Ilhéus como um todo. Não só porque ofereciam
crédito, mas também porque detinham os recursos necessários à exportação dos artigos e
comercialização na capital (Salvador) e outras regiões do Império.
José Carlos Adami, por exemplo, dono da Loja e armazém Guarany, se destacou nesse
contexto494. Muitos inventariados faleceram com dívidas referentes às compras realizadas em
sua casa de negócio. Ademais, ele aparece, juntamente com o seu pai, Luiz Adami, na lista
dos principais exportadores de cacau e café de Ilhéus495. Essa família se destacou nas relações
comerciais internas e nas exportações. Outro integrante desse grupo, Domingos Adami de Sá,
era coletor da mesa de rendas provinciais e integrou a junta de classificação dos escravos para
493
Ver listagem dos inventários e Livros de impostos em Anexo. p. 289.
494
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre casas de negócios. Maço 5455. Ilhéus, 1874-1892.
495
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre exportação de cacau e café. Maço 5459. Ilhéus, 1871-
1885.
252
496
APEB, SCP. Livro de classificação dos escravos para serem libertos pelo fundo de emancipação. Lv. 7008.
Ilhéus, 1874-1886.
497
APEB, Seção Judiciária, Inventários. Ilhéus. José Simeão Moreno dos Reis. Est. 02, Cx. 781, Maço 1248,
Doc. 10, 09 de jul. 1881; APEB, Seção Judiciária, Inventários. Ilhéus. Major Bernardo Sellman. Est. 02, Cx. 755,
Maço 1221, Doc. 01, 11 de nov. 1881.
253
os ramos mais rentáveis da economia. A investigação dos bens móveis das casas desses
grupos revelou a diversidade de mobílias: utensílios domésticos, talheres de prata, objetos de
ouro, sofás, cômodas e mesas de madeira branca, dentre outros móveis.
Por outro lado, a maioria dos produtores de cacau, café, coco e farinha de mandioca
era composta por pequenos lavradores, pessoas de pouco cabedal econômico, que no geral
viviam em casas de taipa cobertas de palha, com poucos móveis e algumas ferramentas.
Analisando a distribuição da população escrava entre os diferentes grupos sociais
percebemos alguns desses contrastes. A posse de escravos estava disseminada em 36% dos
inventários, com muitas propriedades contendo entre 1 e 3 cativos, sendo que a maior
concentração de escravos se encontrava nos engenhos. Os donos do Engenho Castelo Novo,
com 54 escravos, dentre outros bens, foi a família com a maior fortuna inventariada,
Rs.89.797$030498.
Também encontramos escravos nas fazendas de cacau e outras atividades, mas a
maioria dos lavradores deste fruto (76,3%) era formada por famílias que não possuíam cativos
e a maior parte dos cacaueiros era cultivada com uso do trabalho familiar, sendo que no geral
as plantações eram pequenas, grande parte chegando no máximo a 5 mil cacaueiros.
Embora estivesse presente na pauta de exportações da Bahia desde o início do século
XIX, o cacau não se destacou entre os principais itens de exportação, pelo menos até a década
de 1870. Mesmo assim, aos poucos a cultura foi sendo disseminada no sul da Bahia, com
várias espécies da planta sendo testadas e adaptadas ao território. A partir de 1880 o produto
alcançou maior valorização, chegando a custar Rs. 7$000 o preço da arroba499.
Ao longo desse período a cultura do cacau se expandiu principalmente por meio das
pequenas propriedades, instaladas nas margens dos rios e no interior da mata. Nessa época os
preços dos escravos sofreram elevação e poucas famílias tinham condições de comprar
cativos para investir na expansão da cultura. Assim, muitos lavradores também se dedicavam
à fabricação de farinha de mandioca, consorciando plantações de cacau com café, coco, dendê
e outras culturas, importantes para a subsistência.
498
APEB, Seção Judiciária, Inventários. Ilhéus. Maria José Leola Del Rey e Carolina Leola Del Rey. Est. 02, Cx.
789, Maço 1253, Doc. 06, 28 de fev. 1861.
499
Ver, por exemplo: APEB, Seção Judiciária, Inventários. Ilhéus. Tenente Coronel Domingos Lopes da Silva.
Est. 02, Cx. 759, Maço 1225, Doc. 03, 10 de out. 1883.
254
Vários escravos possuíam dívidas com os negociantes, possivelmente pagas com produtos da
lavoura e/ou prestação de serviços.
A escravidão marcou de modo indelével a vida dessas pessoas. Encontramos vários
casos de crianças separadas de seus familiares, sendo doadas ou vendidas. Outras eram
exploradas desde tenra idade nos serviços domésticos e nas lavouras sendo que essa questão
merece estudo particular, que infelizmente não conseguimos realizar na tese.
Em algumas situações encontramos escravizados sendo arrematados em praça pública
para o pagamento das dívidas dos inventariados, bem como a declaração de escravos
foragidos. A abertura dos inventários e divisão do patrimônio entre herdeiros e credores era
quase sempre um momento de incertezas para os escravizados, talvez por isso alguns
optassem pela fuga.
De todo modo, viver como fugitivo também significava enfrentar diversos riscos,
próprios da escravidão. Assim, acreditamos que eles se articularam e resistiram de diferentes
formas ao cativeiro. Trabalhar, construir família, criar os filhos e estabelecer laços de
solidariedade pode ter sido a opção de muitos, mesmo com os riscos de separação dos entes
queridos.
Essa tese abordou a escravidão com maior atenção nos aspectos econômicos e
demográficos. Muitas questões merecem aprofundamentos, como é o caso da resistência e da
família escrava. Outrossim, existem Livros de Notas contendo várias transações, inclusive
registros de compra e venda de cativos que não conseguimos investigar. A análise desses
registros pode revelar se durante a expansão da lavoura cacaueira os escravistas de Ilhéus
estavam comprando ou vendendo mais cativos, o que pode contribuir para confirmar ou não
algumas de nossas hipóteses.
No que diz respeito à economia e abastecimento interno existem outros livros de
impostos aguardando investigação: relativos às décimas urbanas, à vendagem de pólvora,
espíritos fortes e os relativos aos impostos sobre balança grande e direitos de passagem 500. O
500
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto das décimas urbanas. Maço 5431. Ilhéus, 1857-1858; Livro
de imposto das décimas urbanas. Maço 5450. Ilhéus, 1872-1888; Livro de imposto sobre vendagem de pólvora e
fogos de artifício. Maço 5454. Ilhéus, 1862-1890. Livro de imposto sob direitos de balança grande. Maço 5452.
Ilhéus, 1880-1888; Livro de imposto sob direitos de passagens. Maço 5440. Ilhéus, 1865-1878.
256
estudo dessa documentação pode contribuir para descortinar outros aspectos do contexto
socioeconômico de Ilhéus na segunda metade do século XIX. A nossa expectativa é que as
problemáticas analisadas e discutidas nessa pesquisa possam contribuir com a historiografia e
estimular outros estudos.
257
FONTES E BIBLIOGRAFIA
1. Fontes Manuscritas
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre casas de negócios. Maço 5455. Ilhéus,
1874-1892.
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre gado vacum abatido. Maço 5442.
Ilhéus, 1862-1879.
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre gado vacum abatido. Maço 5451.
Ilhéus, 1879 - 1888.
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre gado suíno abatido. Maço 5447.
Ilhéus, 1872-1885.
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de lançamento dos rendimentos relativos a direitos de
madeira. Maço 5438. Ilhéus, 1862-1870.
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre exportação de cacau e café. Maço
5459. Ilhéus, 1871-1885.
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre exportação de aguardente de cana
(cachaça). Maço 5441. Ilhéus, 1870-1878.
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre exportação de Jacarandá. Maço 5443.
Ilhéus, 1870-1879.
258
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre exportação de piaçava. Maço 5458.
Ilhéus, 1879-1888.
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre exportação de couros secos ou
salgados. Maço 5456. Ilhéus, 1879-1888.
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre vendagem de pólvora e fogos de
artifício. Maço 5454. Ilhéus, 1862-1890.
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto das décimas urbanas. Maço 5431. Ilhéus,
1857-1858.
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto das décimas urbanas. Maço 5449. Ilhéus,
1874-1887.
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto das décimas urbanas. Maço 5450. Ilhéus,
1872-1888.
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sob direitos de balança grande. Maço 5452.
Ilhéus, 1880-1888.
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sob direitos de passagens. Maço 5440.
Ilhéus, 1865-1878.
APEB, SCP. Livro de classificação dos escravos para serem libertos pelo fundo de
emancipação. Lv. 7008. Ilhéus, 1874-1886.
2. Fontes Impressas
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304-350, 1789.
Fala com que abriu no dia 1º de maio de 1878 a 57a legislatura da Assembleia Legislativa
Provincial da Bahia o Sr. Barão Homem de Mello. Bahia, Typ. do Diario, 1878. Disponível
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APÊNDICE METODOLÓGICO
Esse Livro está muito deteriorado e não contém a folha de abertura, provavelmente se
perdeu. Como o presidente também rubricava as folhas de dentro do Livro, no canto superior
direito, conseguimos identificar que se tratava de Bernardo Sellmam, pois a sua rubrica
(Sellmam) aparece nos demais livros.
501
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre casas de negócios. Maço 5455. Ilhéus, 1874-1892
502
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre gado vacum abatido. Maço 5442. Ilhéus, 1862-1879.
279
O segundo Livro de cobrança de impostos sobre gado vacum abatido contém a folha
de abertura que foi assinada, datada e rubricada em 12 de fevereiro de 1879 por Bernardo
Sellmam, presidente interino da Câmara Municipal de Ilhéus, sendo o procurador Francisco
Antônio de Salles Silva.
Inicialmente a cobrança de impostos continuou no valor de Rs. $820 (oitocentos e
vinte réis) por cada boi abatido, porém essa tarifa foi reajustada em novembro de 1883 para
Rs.1$000, mantendo assim até o final do período.
Os procedimentos adotados para calcular a quantidade de fornecedores e de gado
vacum abatido são os mesmos descritos na seção anterior. De modo geral, essa metodologia
também foi adotada para os cálculos dos outros livros, mas em alguns as tarifas oscilaram
muito no decorrer do tempo, além disso houve necessidade de proceder com a conversão de
medidas, como será explicado na devida ocasião.
503
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre gado vacum abatido. Maço 5451. Ilhéus, 1879 - 1888.
504
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre gado suíno abatido. Maço 5447. Ilhéus, 1872-1885.
280
O Livro de imposto sobre gado suíno abatido contém folha de abertura assinada em 28
de junho de 1872, por Joaquim Pereira Caldas, presidente da Câmara Municipal de Ilhéus,
sendo o procurador Francisco Antônio de Salles Silva. Identificamos nesse livro a presença de
outra pessoa que também atuou como procurador, Joaquim Roiz de Santa Ana.
O lançamento da primeira receita foi realizado em julho de 1872 e a última
arrecadação data do mês de setembro de 1885. O imposto cobrado pelo abatimento de cada
suíno foi da quantia de Rs. $320 (trezentos e vinte réis), tarifa que se manteve até o final do
período. Normalmente cada pessoa realizava um abatimento no mês e as listas não são
extensas, além disso existem lacunas.
Para contabilizarmos o total de pessoas que pagaram imposto pelo abatimento de gado
suíno em Ilhéus consideramos cada um individualmente e depois somamos os totais de
abatimento a partir da frequência com que eles aparecem no decurso do tempo. Desse modo
conseguimos identificar os maiores fornecedores, a quantidade de suínos abatidos e o valor
dos impostos pagos. A distribuição da quantidade de abatimentos por mês ao longo dos anos
pode ser vista em anexo.
Livro de impostos sobre exportações de cacau e café. Ilhéus, 1871- 1885 505
Vamos começar pelo Livro de impostos sobre exportação de cacau e café (1871-
1885), assinado por Joaquim Pereira Caldas, presidente da Câmara Municipal, e por Francisco
Antônio de Salles Silva, procurador responsável pela arrecadação dos impostos mês a mês. Na
maior parte do período, que vai de janeiro de 1871 até junho de 1885, com algumas lacunas,
os lançamentos dos dois produtos foram feitos em arrobas, por isso decidimos converter todas
as exportações para esta unidade de medida, que equivale a 14,746 quilogramas (1 arroba =
14,746 Kg). Entre outubro de 1874 e junho de 1877 as exportações foram registradas em
quilogramas, e a conversão para arrobas foi simples. Todavia, em poucas ocasiões, quais
sejam outubro de 1877 e julho de 1878 houve registros de exportações de cacau e café em
sacas, o que dificultou a conversão desejada, pois não conseguimos saber a capacidade de
505
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre exportação de cacau e café. Maço 5459. Ilhéus, 1871-
1885.
281
armazenamentos dessas sacas. Nestes casos, a saída encontrada foi se basear na cobrança de
impostos. Como nos meses anteriores e posteriores aos referidos casos analisados o imposto
era de Rs. 0,120 (cento e vinte réis por arroba) e permanece sendo o mesmo para cada saca
exportada, seja de cacau ou café, acreditamos ser plausível pensar que cada saca equivalia a
uma arroba (1 saca = 1 arroba = 14,746 kg). Parece ser justo pensar assim porque quando as
exportações foram registradas em quilogramas o imposto sofreu modificação e nos casos dos
registros em sacas a tarifa permanece a mesma. Esse procedimento, no entanto, apresenta
riscos mas foi o caminho possível que encontramos para elucidar a questão.
Com relação a cobrança de impostos as oscilações são significativas durante o
período. Os dois produtos começam recebendo a mesma tributação, ou seja Rs. 0,020 (vinte
réis) por cada arroba exportada, isso até setembro de 1873. No mês seguinte essa tarifa foi
ajustada para Rs.0,040 (quarenta réis), vigorando assim até setembro de 1874. Em seguida os
produtos passam a serem exportados em quilogramas, e o imposto incidente é de Rs. 0,002
(dois réis) por cada Kg de cacau ou café exportados, o que permanece até junho de 1877. Em
Julho do dito ano as exportações voltam a ser registradas em arrobas e percebe-se uma
diferenciação nas tarifas dos produtos, sendo que sobre o cacau recaía Rs. 0,120 (cento e vinte
réis) por cada arroba exportada e sobre o café Rs. 0,090 (noventa réis). A partir de outubro de
1878, as tarifas serão ajustadas, respectivamente, para Rs. 0,200 (duzentos réis) e Rs. 0,150
(cento e cinquenta réis), permanecendo assim até o final do período.
506
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre exportação de aguardente de cana (cachaça). Maço
5441. Ilhéus, 1870-1878.
282
parte do período para litros. O problema começa a partir de julho de 1877, quando as
exportações da bebida passam a ser registradas em quartadas, o que dificultou a conversão
desejada, já que não conseguimos avaliar, nem encontrar referências a respeito desta unidade
de medida. Houve também nesse período alguns poucos registros em barris, ao todo foram
seis registros totalizando 10 barris exportados. Neste caso adotamos a referência do barril
mineiro, que segundo Marcelo Magalhães Godoy equivale a 21 litros. Ficamos então com a
questão da quartada, e mais uma vez a única saída possível foi se basear na cobrança de
imposto para tentar avaliar o volume dessa unidade de medida. Ao que parece a quartada tem
capacidade quatro vezes maior que a do barril, tendo em vista que o imposto que incidia sobre
este era quatro vezes que o incidente sobre a quartada. Em 19 de novembro de 1877 uma
pessoa exportou 1 quartada de aguardente e pagou Rs. 0,600 de imposto, no mesmo dia ela
também exportou 1 barril e pagou Rs. 0,150. Nesse sentido, acreditamos ser possível pensar
que uma quartada podia ter capacidade de 4 barris, ou seja, 84 litros (1 Quartada = 4 Barris =
84 litros).
Inicialmente o imposto cobrado pelas exportações da bebida foi de Rs.0,010 por
canada, isso até setembro de 1874. Quando as exportações passaram a ser registradas em
litros o imposto reduziu para Rs. 0,005 por cada litro exportado, sendo que em outubro de
1875 reduziu-se ainda mais, indo para Rs. 0,002 por litro. A partir de julho de 1877 as
exportações passam a ser registradas em quartadas, incidindo o imposto de Rs.0,600 por cada
quartada, nos poucos casos de registros em barris o imposto foi de Rs. 0,150 por cada barril, o
que permanece até o final do período.
507
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre exportação de Jacarandá. Maço 5443. Ilhéus, 1870-
1879.
283
unidade de medida para confecção da tabela e análise dos dados. Cada pau podia significar o
tronco das árvores cortadas nas matas, com prováveis variação de tamanhos, mas a
documentação nada informa a esse respeito. Na maior parte do período o imposto foi de Rs.
0,167 por cada pau de Jacarandá exportado, exceção em outubro de 1873 (Rs. 0,169); março
de 1864 (Rs. 0,168); dezembro de 1875 (Rs. 0,166) e durante o ano de 1879, quando houve
aumento para Rs. 0,333 por cada pau de Jacarandá exportado.
508
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre exportação de piaçava. Maço 5458. Ilhéus, 1878-
1892.
509
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre exportação de couros secos ou salgados. Maço 5456.
Ilhéus, 1879-1892.
284
mantivemos essa unidade de medida para confecção da Tabela e análise dos dados. O imposto
inicial era de Rs. $100 por cada couro deportado, a partir de janeiro de 1874 aumentou para
Rs. 0,320, sofrendo redução para Rs. 0,200 em abril de 1890, permanecendo este último valor
até o final do período.
285
Anexos
286
Tabela 2 –Imposto sobre gado vacum abatido (em réis). Ilhéus, 1864-1879
MÊS/ANO 1864 1865 1866 1867 1868 1869 1870 1871 1872 1873 1874 1875 1876 1877 1878 1879 TOTAL MÉDIA
JAN. 4,100 3,280 4,100 7,380 4,920 1,640 0,820 5,740 4,920 6,560 8,200 7,380 7,380 4,920 71,340 5,096
FEV. 1,640 3,280 2,460 3,280 5,740 4,100 0,820 3,280 1,640 3,280 1,640 5,740 4,920 2,460 6,560 7,380 58,220 3,639
MAR. 2,460 2,460 3,280 3,280 4,100 5,740 4,920 2,460 4,100 4,100 4,100 6,560 4,920 3,280 6,560 4,920 67,240 4,203
ABR. 4,920 2,460 4,920 3,280 4,100 2,460 4,920 0,820 3,280 4,100 4,920 7,380 2,460 5,740 55,760 3,983
MAIO 4,920 1,640 4,920 1,640 4,920 4,920 3,280 1,640 1,640 5,740 3,280 9,840 4,920 4,920 58,220 4,159
JUN. 2,460 3,280 1,640 4,100 2,460 2,460 3,280 4,920 7,380 4,100 7,380 7,380 4,920 4,100 59,860 4,276
JUL. 3,280 1,640 3,280 1,640 3,280 4,100 1,640 1,640 3,280 4,920 2,460 8,200 4,920 4,920 3,280 52,480 3,499
AGO. 2,460 3,280 3,280 1,640 3,280 1,640 0,820 3,280 3,280 6,560 6,560 8,200 4,100 8,200 5,740 62,320 4,155
SET. 6,560 4,100 4,100 2,460 4,100 8,200 3,280 4,920 2,460 6,560 8,200 5,740 3,280 9,020 4,100 77,080 5,139
OUT. 2,460 2,460 4,100 3,280 4,100 2,460 1,640 3,280 3,280 2,460 3,280 6,560 4,100 4,920 4,920 53,300 3,553
NOV. 2,460 2,460 2,460 4,920 5,740 3,280 2,460 1,640 2,460 4,100 4,100 5,740 3,280 6,560 1,640 53,300 3,553
DEZ. 5,740 6,560 4,100 4,920 4,920 4,920 5,740 2,460 5,740 4,920 7,380 7,380 7,380 9,840 4,920 86,920 5,795
TOTAL 39,360 37,720 41,820 34,440 55,760 46,740 31,160 32,800 34,440 59,040 54,120 82,820 59,860 68,880 59,860 17,220 756,040 47,253
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre gado vacum abatido. Maço 5442. Ilhéus, 1862-1879.
289
Tabela 4 – Imposto sobre gado vacum abatido (em réis). Ilhéus, 1879-1888
MÊS/ANO 1879 1880 1881 1882 1883 1884 1885 1886 1887 1888 TOTAL MÉDIA
JAN. 18,040 3,280 5,740 5,740 12,000 13,000 3,000 8,000 68,800 8,600
FEV. 9,020 4,100 6,560 4,100 13,000 13,000 6,000 55,780 7,969
MAR. 12,300 5,740 9,020 8,200 15,000 15,000 9,000 4,000 78,260 9,783
ABR. 6,560 9,840 7,380 4,920 5,740 10,000 15,000 15,000 6,000 80,440 8,938
MAIO 9,020 11,480 3,280 4,920 4,920 8,000 16,000 13,000 6,000 76,620 8,513
JUN. 9,020 13,940 5,740 5,740 6,560 5,000 9,000 12,000 5,000 72,000 8,000
JUL. 4,920 7,380 4,920 4,920 9,840 10,000 12,000 7,000 7,000 67,980 7,553
AGO. 11,480 13,120 8,200 7,380 14,760 12,000 18,000 8,000 6,000 98,940 10,993
SET. 9,840 9,840 4,920 5,740 10,660 9,000 10,000 9,000 7,000 76,000 8,444
OUT. 12,300 8,200 6,560 5,740 12,820 11,000 10,000 6,000 72,620 9,078
NOV. 9,020 13,940 7,380 8,200 12,000 11,000 13,000 5,000 79,540 9,943
DEZ. 11,480 16,400 13,120 10,660 24,000 12,000 14,000 7,000 108,660 13,583
TOTAL 83,640 143,500 74,620 79,540 119,340 128,000 158,000 3,000 91,000 55,000 935,640 93,564
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre gado vacum abatido. Maço 5451. Ilhéus, 1879 - 1888.
291
Tabela 6 – Imposto sobre gado suíno abatido (em réis). Ilhéus, 1872-1885
MÊS/ANO 1872 1873 1874 1875 1876 1877 1878 1879 1880 1881 1882 1883 1884 1885 TOTAL MÉDIA
JAN. 0,960 0,640 1,600 2,500
FEV. 0,960 0,320 1,280 2,000
MAR. 0,960 0,640 0,960 0,320 1,000 0,820 4,700 2,100
ABR. 0,320 0,640 0,320 0,640 0,640 0,960 0,960 4,480 2,000
MAIO 0,320 0,640 1,600 0,320 1,600 4,480 2,800
JUN. 0,320 0,960 0,320 0,640 0,320 0,960 0,640 4,160 2,200
JUL. 0,640 0,320 0,960 0,320 0,320 0,320 2,880 1,500
AGO. 0,640 0,960 0,960 1,280 0,960 4,800 3,000
SET. 0,320 2,240 0,960 0,320 1,280 0,640 0,320 0,640 6,720 2,600
OUT. 0,320 1,600 0,640 0,960 0,640 0,320 0,640 0,640 5,760 2,200
NOV. 0,320 0,640 0,960 1,920 2,000
DEZ. 0,960 1,280 1,280 1,600 0,640 0,320 0,640 6,720 3,000
TOTAL 2,560 7,360 8,960 6,400 3,520 3,520 1,600 0,960 1,920 4,840 1,600 6,260 49,500 13,000
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre gado suíno abatido. Maço 5447. Ilhéus, 1872-1885.
293
JAN. 5.656 12.230 3.772 1.742 1.547 3.249 1.108 1.062 1.509 741 748 1.511 1.390 1.323 934 38.522 2.568
FEV. 6.692 3.569 - 1.300 24 333 668 218 73 52 273 169 630 297 265 14.563 1.040
MAR. 568 322 512 200 120 119 - 40 - 538 10 41 230 - - 2.700 245
ABR. 178 - - 32 108 8 8 92 8 30 72 3 - 25 15 579 48
MAIO 48 291 604 144 - 100 328 872 113 236 896 91 23 158 17 3.921 280
JUN. 552 364 1.484 316 - 752 1.532 1.591 848 5 1.745 462 6 2.132 256 12.045 860
JUL. 718 1.312 2.972 1.268 660 3.188 674 2.176 1.587 1.416 2.396 1.037 225 2.883 - 22.512 1.608
AGO. 976 2.443 4.540 1.500 816 7.916 482 1.741 951 2.206 791 2.012 1.394 2.856 - 30.624 2.187
SET. 2.922 2.561 3.432 3.128 1.349 3.352 511 740 1.645 1.218 3.101 835 772 1.337 - 26.903 1.922
OUT. - - 1.636 3.772 3.284 3.823 529 2.001 779 1.207 524 492 1.641 2.504 - 22.192 1.849
NOV. - 5.356 1.072 1.211 4.476 1.550 880 1.356 580 958 2.061 472 1.000 2.287 - 23.259 1.789
DEZ. 3.019 8.890 4.560 1.700 5.116 4.300 812 699 1.023 1.913 1.536 1.508 1.401 586 - 37.063 2.647
TOTAL 21.329 37.338 24.584 16.313 17.500 28.690 7.532 12.588 9.116 10.520 14.153 8.633 8.712 16.388 1.487 234.883 15.659
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre exportação de cacau e café. Maço 5459. Ilhéus, 1871-1885.
295
JAN. 113.120 244.600 75.440 69.920 46.410 97.470 33.240 127.440 301.800 88.920 89.760 271.980 250.200 238.140 168.120 2.216.560 147.770
FEV. 133.840 71.380 52.000 720 9.990 20.040 26.160 14.600 6.240 32.760 30.420 113.400 53.460 47.700 612.710 43.765
MAR. 11.360 6.440 10.240 8.000 3.600 3.570 4.800 64.560 1.200 7.380 41.400 162.550 14.777
ABR. 3.560 1.280 3.240 240 240 11.040 1.600 3.600 8.640 540 4.500 2.700 41.180 3.431
MAIO 960 5.820 12.080 5.760 3.000 9.840 104.640 22.600 28.320 107.520 16.380 4.140 28.440 3.060 352.560 25.182
JUN. 11.040 7.280 29.680 12.640 22.560 45.960 190.920 169.600 600 209.400 83.160 1.080 383.760 46.080 1.213.760 86.697
JUL. 14.360 26.240 59.440 50.720 19.800 95.640 80.880 261.120 317.400 169.920 287.520 186.660 40.500 518.940 2.129.140 152.081
AGO. 19.520 48.860 90.800 60.000 24.480 237.480 57.840 208.920 190.200 264.720 94.920 362.160 250.920 514.080 2.424.900 173.207
SET. 58.440 51.220 68.640 125.120 40.470 100.560 61.320 88.800 329.000 146.160 372.120 150.300 138.960 240.660 1.971.770 140.840
OUT. 65.440 113.160 98.520 114.690 63.480 327.800 93.480 144.840 62.880 88.560 295.380 450.720 1.918.950 159.912
NOV. 107.120 42.880 36.330 134.280 46.500 105.600 271.200 69.600 114.960 247.320 84.960 180.000 411.660 1.852.410 142.493
DEZ. 60.380 177.800 182.400 51.000 153.480 129.000 97.440 139.800 122.760 229.560 276.480 271.440 252.180 105.480 2.249.200 160.657
TOTAL 426.580 746.760 637.040 585.930 525.000 860.700 575.880 1.762.640 1.632.640 1.262.400 1.790.520 1.553.940 1.568.160 2.949.840 267.660 17.145.690 1.143.046
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre exportação de cacau e café. Maço 5459. Ilhéus, 1871-1885.
296
Tabela 19 – Imposto sobre exportação de couros secos ou salgados (em réis). Ilhéus, 1878-1888
MÊS/ANO 1878 1879 1880 1881 1882 1883 1884 1885 1886 1887 1888 TOTAL MÉDIA
JAN. 6,400 2,500 6,300 11,840 27,200 8,640 11,520 74,400 10,629
FEV. 3,500 1,200 4,480 8,000 9,600 12,160 38,940 6,490
MAR. 4,500 10,000 1,000 6,700 7,800 8,440 9,600 22,400 70,440 8,805
ABR. 1,600 2,700 0,900 4,800 8,320 1,280 19,600 3,267
MAIO 2,900 5,760 11,520 8,000 5,760 33,940 6,788
JUN. 3,400 11,400 7,360 24,640 2,560 7,680 57,040 9,507
JUL. 8,500 7,600 8,000 1,600 16,440 7,680 49,820 8,303
AGO. 7,900 16,960 3,840 13,440 2,240 44,380 8,876
SET. 8,600 2,000 1,900 3,200 10,560 6,400 32,660 5,443
OUT. 18,500 4,000 1,280 9,600 33,380 8,345
NOV. 1,900 7,500 0,700 1,200 19,200 7,680 2,560 3,200 43,940 5,493
DEZ. 1,800 2,300 3,700 21,760 10,880 40,440 8,088
TOTAL 20,400 31,500 32,200 25,300 25,800 15,700 78,080 130,040 18,240 87,800 73,920 538,980 48,998
APEB, SCP. Câmara de Ilhéus. Livro de imposto sobre exportação de couros secos ou salgados. Maço 5456. Ilhéus, 1879-1888.
306
20 1860 3 1270 1739 5 DOMINGOS ANTONIO BIZERRA FAZENDA PIMENTA PRODUTOR DE CACAU 2.250 4 9.547,920
21 1860 3 1270 1739 6 JOÃO PEREIRA GUILHERME FAZENDA JOEIRANA PRODUTOR DE FARINHA 0 0 581,400
22 1860 3 1270 1739 7 VITORIA INACIA DO AMPARO CASA NA VILA PRODUTOR DE CACAU 50 0 316,000
23 1861 2 783 1250 18 ANACLETO BARBOSA DOS SANTOS FREIRE CASA NA VILA NÃO IDENTIFICADA 0 0 500,000
24 1861 2 786 1253 3 CATHARINA GONCALVES DOS SANTOS NA FREGUESIA DE UNA PRODUTOR DE COCO 0 4 3.315,300
25 1861 2 783 1250 19 FRANCISCO SOARES FERREIRA NÃO IDENTIFICADA NEGOCIANTE 0 1 14.016,091
26 1861 2 786 1253 1 JOÃO PEDRO SITIO EM UNA PRODUTOR DE CACAU PLT 0 30,000
27 1861 2 786 1253 5 DOUTOR JOAQUIM THEODORO MOREIRA FAZENDA DA ILHA NEGOCIANTE 0 1 8.117,780
MARIA JOSE LEOLA DELREI E CAROLINA LEOLA
28 1861 2 786 1253 6 ENGENHO CASTELO NOVO DONO DE ENGENHO 2.000
DELREI 54 89.797,030
29 1861 2 786 1253 7 ROSA ALEXANDRA WENS FAZENDA DA LAGE PRODUTOR DE CACAU 2.800 5 9.015,000
30 1862 3 1270 1739 9 ANGELICA MARIA SOARES TENDA DE FERREIRO NEGOCIANTE 0 7 6.820,000
31 1862 2 784 1251 15 SANTOS ANTONIO TEIXEIRA SITIO JACARANDA PRODUTOR DE CACAU 125 1 940,000
32 1862 2 786 1253 19 BERNARDINO PEREIRA DA SILVA ENGENHO ITACANOEIRA DONO DE ENGENHO 80 3 4.765,000
33 1862 2 786 1253 8 DOMINGOS ALVES DOS REIS FAZENDA DA BARRA DO ITAIPE DONO DE ENGENHOCA 0 0 541,394
34 1862 2 784 1251 12 DOMINGOS ALVES DA SILVA EM ARITACUA PRODUTOR DE CACAU 250 0 1.181,533
35 1862 2 784 1251 13 JOAO MENDES COELHO FAZENDA JACARANDA PRODUTOR DE CACAU 3.000 2 8.710,000
36 1862 2 784 1251 14 JOSE ALEXANDRE DA SILVA FAZENDA CABRUNEMA PRODUTOR DE COCO 0 1 417,000
37 1862 3 1270 1739 8 MARCELINO DE ARAUJO SANTIAGO ARITANA PRODUTOR DE CAFE 0 0 395,000
38 1863 2 784 1251 16 JOÃO BERNARDINO SITIO EM UNA PRODUTOR DE FARINHA 0 0 160,000
39 1863 2 784 1251 18 JOAO DE SOUZA TAVARES BONZE EM OLIVENCA NEGOCIANTE 0 0 4.663,376
40 1863 2 784 1251 19 JOSEFA MARIA DA VITORIA FAZENDA ALDEIA VELHA PRODUTOR DE COCO 0 0 1.090,000
41 1863 3 1270 1739 11 MANOEL ANTONIO LISBOA NA ILHA DO BARBOSA PRODUTOR DE CACAU 400 0 200,000
42 1863 2 784 1251 11 MANOEL JOAQUIM DE SANTA ANA NO LUGAR JACARANDA PRODUTOR DE CACAU 830 4 2.465,000
43 1864 2 784 1251 20 MARIA ALEXANDRINA DE JESUS EM ITAIPE PRODUTOR DE CACAU 311 0 1.181,780
44 1864 2 784 1251 3 JOSE DE SOUZA VIEIRA COMERCIO NA VILA NEGOCIANTE 0 1 2.001,000
308
45 1864 2 784 1251 2 MANOEL DA ENCARNACAO FAZENDA URUCUTUCA PRODUTOR DE FARINHA 0 18 11.999,420
46 1864 2 784 1251 4 MANOEL IZIDORIO FURTADO LUGAR [MULUCUGE] E OUTRO PRODUTOR DE CACAU 243 0 347,000
FAZENDA PONTAL DA BARRA ITAIPE E
47 1865 2 784 1251 6 ANTONIO FRANCISCO DE ECA E CASTRO PRODUTOR DE COCO 60
TARIRI 0 808,940
48 1865 3 1270 1739 13 ANTONIO MANOEL DA COROA DE CRSITO LUGAR PUTUMUJU PRODUTOR DE CACAU PLT 0 346,080
49 1865 2 784 1251 7 FREDERICO HOEVERMAN [SCHRODER] LUGAR CACHOEIRA PRODUTOR DE CACAU 1.134 2 2.182,200
50 1865 2 784 1251 9 JOAO ADAO SCHAUM PADARIA NA VILA NEGOCIANTE 0 7 5.182,000
51 1865 2 784 1251 8 JOSE FRANCISCO DE ABREU NO PONTAL E TARIRI PRODUTOR DE CACAU 750 7 7.397,300
52 1865 9 3901 19 MANOEL PEREIRA DOS SANTOS FAZENDA DA TAPERA NEGOCIANTE 0 6 11.023,950
53 1866 2 785 1252 2 ANTONIO DA CUNHA MARELIM COMERCIO NA VILA NEGOCIANTE 0 1 11.700,473
54 1866 3 1270 1739 15 ANTONIO NUNES DA SILVA PROCESSO INCOMPLETO PROCESSO INCOMPLETO 0 0 EXCLUIDO
55 1866 2 785 1252 3 ELIZA FERREIRA ALVES BRASIL TENDA DE FERREIRO E OUTRAS PRODUTOR DE CAFE 0 0 1.810,000
56 1866 2 785 1252 7 FELIPA DE MELO SA BANDEIRA FAZENDA JETIMANA-ACU PRODUTOR DE FARINHA 0 14 16.935,600
57 1866 2 785 1252 4 JANUARIO DOS REIS FIGUEREDO FAZENDA MAMOAM E OUTRAS PRODUTOR DE COCO PLT 1 2.263,000
58 1866 2 785 1252 5 JOÃO FRANCISCO DA MATA SITIO SAMBAITUBA PRODUTOR DE CACAU 570 0 595,000
59 1866 2 785 1252 6 JOAQUIM LOPES DA SILVA COMERCIO NA VILA NEGOCIANTE 0 3 17.501,615
60 1867 2 786 1253 22 ALBINA CAETANA SITIO PERUANHAGA E OUTROS PRODUTOR DE CACAU 355 0 543,440
61 1867 2 785 1252 8 APOLONIO DE SANTIAGO E SILVA SITIOS UNA E [CABRENUMA] PRODUTOR DE CACAU 225 0 558,000
62 1867 2 786 1253 20 BERNARDA MARIA DE SANTA ANA FAZENDA BOA VISTA PRODUTOR DE CACAU 3.400 1 4.916,400
63 1867 2 785 1252 10 HENRIQUE DIAS DE MENDONÇA EM UNA PRODUTOR DE CACAU 49 0 86,800
64 1867 2 786 1253 1 MANOEL GOMES BARACHO PROCESSO INCOMPLETO PROCESSO INCOMPLETO 0 0 EXCLUIDO
65 1867 2 786 1253 21 MARIA DA COSTA PROCESSO INCOMPLETO PROCESSO INCOMPLETO 0 0 EXCLUIDO
66 1868 2 785 1252 13 ALFERES AUGUSTO DE SA BITENCOURT CAMARA FAZENDA BOM SUCESSO PRODUTOR DE CACAU 5.500 11 20.697,800
67 1868 2 742 1207 1 FLORIANA GOMES BARACHO LUGAR OUTEIRO E OUTRO PRODUTOR DE COCO 0 0 900,000
68 1868 2 742 1207 2 JOAO PEDRO BONIN FAZENDA MONTE ALTO E OUTRA PRODUTOR DE CACAU 2.415 4 7.973,000
69 1868 2 742 1207 3 JOAQUIM RODRIGUES DA SILVA FAZENDA ÁGUA BRANCA E OUTRA PRODUTOR DE CACAU 643 0 1.475,880
309
70 1868 3 1270 1739 16 MANOEL GERALDO DE NAZARET EM TARIRI PRODUTOR DE CACAU 188 0 412,000
71 1868 2 742 1207 5 MARCOS FRANCISCO ANTONIO DA GLORIA FAZENDA UNA E OUTRA PRODUTOR DE CACAU 493 0 1.729,000
72 1868 2 742 1207 4 MARIA DE JESUS AFONSO FAZENDA PORTO DOS BARCOS PRODUTOR DE FARINHA 0 16 12.394,260
73 1868 2 742 1207 6 PEDRO RENAUD FAZENDA BOA VISTA PRODUTOR DE CACAU 1.000 1 3.148,000
74 1868 3 1270 1739 17 VERISSIMO BATISTA DA LAPA FAZENDA SÃO JOSÉ PRODUTOR DE CACAU 1.250 0 2.554,000
75 1869 2 742 1207 8 AGOSTINHO ANTONIO DA SILVA FAZENDA BARAO PRODUTOR DE CACAU 1.085 1 2.403,000
76 1869 2 742 1207 7 ANTONIO JOAQUIM DUARTE NA ILHA ALFANDEGA PRODUTOR DE CACAU 236 0 677,000
PRODUTOR DE
77 1869 3 1270 1739 1 TENENTE CANDIDO NARCISO SOARES CALDEIRAS E RIO DE UNA 0
MADEIRA 7 11.303,410
78 1869 2 742 1207 9 DOMINGOS JOSE DE CARVALHO NÃO IDENTIFICADA PRODUTOR DE CACAU 526 0 576,000
79 1869 2 742 1207 10 EUGENIA RENAUD VINCH NÃO IDENTIFICADA PRODUTOR DE CACAU 834 0 1.497,600
80 1869 2 742 1207 11 FRANCISCO ANTONIO DA GLORIA EM CACHOEIRA DE ITABUNA PRODUTOR DE CACAU 1.606 0 2.920,140
81 1869 2 742 1207 13 JOANA FRANCISCA DE ECA E CASTRO PROCESSO INCOMPLETO PROCESSO INCOMPLETO 0 0 EXCLUIDO
82 1869 2 742 1207 12 JOÃO RIBEIRO DE VASCONCELOS NA FREGUESIA DE UNA PRODUTOR DE CAFE 48 2 639,600
83 1869 2 741 1206 1 JOAQUIM FRANCISCO BARROSO EM PONTA DO RAMO PRODUTOR DE CACAU 1.000 0 806,000
84 1869 2 741 1206 2 JOSE ANTONIO COUTINHO NÃO IDENTIFICADA PRODUTOR DE CACAU 640 0 891,000
85 1869 2 741 1206 3 MARIA ANA DO AMPARO NÃO IDENTIFICADA PRODUTOR DE CACAU 1.360 0 1.165,500
86 1869 2 741 1206 4 MARIA DA CONCEICAO NÃO IDENTIFICADA PRODUTOR DE CACAU 3.360 0 2.350,000
87 1870 2 741 1206 7 ANA ROSA DOS REIS NÃO IDENTIFICADA NÃO IDENTIFICADA 0 0 700,000
88 1870 2 741 1206 6 ANA JOAQUINA DE JESUS EM ARITAQUA PRODUTOR DE CACAU 600 0 1.496,000
89 1870 2 741 1206 8 DONA EMERENCIANA DE PAIVA AROUCA FAZENDA SÃO THIAGO PRODUTOR DE CACAU 1.065 1 4.114,185
90 1870 2 741 1206 9 FREDERICO BALDOINO RODRIGUES DE SOUZA NA CACHOEIRA DE ITABUNA PRODUTOR DE CACAU 342 0 792,000
91 1870 2 741 1206 10 JOÃO RIBEIRO DE VASCONCELOS NA POVOACAO DE UNA PRODUTOR DE CAFE 48 2 2.683,170
92 1870 2 741 1206 11 JOSE CARDOSO DE JESUS NA CACHOEIRA DE ITABUNA PRODUTOR DE CACAU 300 0 240,000
93 1870 2 741 1206 12 JOSE PEDRO DA PENHA FAZENDA BURUNDANGA PRODUTOR DE CACAU 776 0 676,000
94 1870 2 741 1206 13 LIDIA FLORENTINA DIAS ESCRIVAO DO JUIZO (CONJUGE) ESCRIVAO (CONJUGE) 0 0 905,000
310
95 1870 2 741 1206 14 PEDRO ANTONIO PUPE NA CACHOEIRA DE ITABUNA PRODUTOR DE CACAU 261 0 205,000
96 1871 2 740 1205 1 ANA MARIA AFONSO DE GUSMAO NA POVOACAO DE UNA NEGOCIANTE 0 2 16.299,851
97 1871 2 740 1205 18 APOLONIA DA ESCADA NA CACHOEIRA DE ITABUNA PRODUTOR DE CACAU 250 0 200,000
98 1871 2 740 1205 3 ERMELLINA DE FIGUEIREDO DA PEDRA BRANCA NA CACHOEIRA DE ITABUNA PRODUTOR DE CACAU 1.000 0 1:170$000
99 1871 2 740 1205 5 JOÃO MAURICIO DE SOUZA NA CACHOEIRA DE ITABUNA PRODUTOR DE CACAU 128 0 140$000
100 1871 2 740 1205 4 JULIAO RODRIGUES NO LUGAR PAU BRASIL PRODUTOR DE CACAU 734 0 734$000
101 1871 2 740 1205 6 LUCIO ANTONIO BRANDAO FAZENDA MORRO DOS MIRIQUIS PRODUTOR DE CACAU 365 0 465$000
102 1871 2 740 1205 7 LUIZA AMELIA VAILL BENEVIDES FAZENDA ERMO NOBRE PRODUTOR DE CACAU 2.268 0 5: 819$000
103 1871 2 740 1205 8 MARIA FRANCISCA DOS SANTOS NÃO IDENTIFICADA PRODUTOR DE CACAU 4.066 0 2.984,000
104 1871 2 740 1205 9 MARIA JULIANA SCHAUM NÃO IDENTIFICADA NÃO IDENTIFICADA 0 8 6.530,000
105 1871 2 740 1205 12 SERAFINA DO AMARAL NA CACHOEIRA DE ITABUNA PRODUTOR DE CACAU 100 0 160,000
106 1871 2 740 1205 11 TITO GALIÃO NA CACHOEIRA DE ITABUNA PRODUTOR DE CACAU 1.278 0 1.538,000
107 1872 2 740 1205 14 AMELIA MARIA DOS NASCIMENTO CASA NA VILA NÃO IDENTIFICADA 0 0 600,000
108 1872 3 1372 1841 7 ANGELA MARIA FAZENDA BARRA NOVA PRODUTOR DE CACAU 261 0 502,900
109 1872 2 740 1205 13 ANTONIO LIBORIO AMBROZIO SITIO PAU BRASIL PRODUTOR DE CACAU 2.525 0 2.128,000
110 1872 2 740 1205 15 CATARINA DE SOUZA GOMES UNA/ EM COMANDATUBA NÃO IDENTIFICADA 0 0 1.000,000
111 1872 2 737 1202 1 JOAQUIM DA SILVA VELOZO NÃO IDENTIFICADA PROCESSO INCOMPLETO 0 0 EXCLUIDO
112 1872 2 740 1205 16 JOSE ANTONIO BITENCOURT NA FREGUESIA DE UNA NÃO IDENTIFICADA 0 0 134,000
113 1872 2 740 1205 17 JOSEFA MARQUES DO AMARAL SOUZA FAZENDA MARUY PRODUTOR DE CACAU 800 4 11.200,000
114 1872 2 737 1205 4 MANOEL CARDOSO DA SILVA FAZENDA RETIRO NÃO IDENTIFICADA 0 9 10.190,000
115 1872 2 737 1202 6 MANOEL JOSE DE CARVALHO LESSA SITIO JAQUEIRA PRODUTOR DE FARINHA 0 0 787,400
116 1872 2 737 1202 7 MANOEL LUCIANO JESUS SITIO SAPUCAEIRA PRODUTOR DE CACAU PLT 0 500,000
117 1872 2 737 1202 9 MANOEL PLACIDO SÃO THIAGO EM ÁGUA BRANCA PRODUTOR DE CACAU 376 0 906,916
118 1872 2 737 1202 8 MANOEL VICENTE ROCHA VIEIRA NA CACHOEIRA DE ITABUNA NEGOCIANTE 0 0 1.288,466
119 1872 2 737 1202 5 MANOEL E JOSE NA FREGUESIA DE UNA NÃO IDENTIFICADA 0 19 9.778,980
311
120 1872 2 737 1202 2 MARIA MADALENA DE JESUS NÃO IDENTIFICADA NÃO IDENTIFICADA 0 0 27,000
121 1872 2 737 1202 10 PEDRO RIBEIRO DE CARVALHO NA COLONIA DE COMANDATUBA NÃO IDENTIFICADA 0 5 2.050,000
122 1872 3 1372 1841 6 QUINTINA MARTA DE ABREU FAZENDA ITARIRY DO PORTO PRODUTOR DE CACAU 531 0 1.293,770
123 1873 2 737 1202 11 CLAUDINA MARIA DE JESUS PROCESSO INCOMPLETO PROCESSO INCOMPLETO 0 0 EXCLUIDO
124 1873 2 737 1202 12 EZEQUIEL DE AMORIM NA CACHOEIRA DE ITABUNA PRODUTOR DE CACAU PLT 0 500,000
125 1873 2 737 1202 13 IGNEZ MARIA DO ESPÍRITO SANTO FAZENDA TABOCAS PRODUTOR DE CACAU 700 0 1.474,000
126 1873 2 737 1202 14 JOAQUIM IGNACIO DE ARAUJO CARNEIRO SITIO SÃO JOAO PRODUTOR DE CACAU PLT 0 720,000
127 1873 3 1372 1841 5 LUIZA DA CRUZ DO ESPÍRITO SANTO CASA NA VILA NÃO IDENTIFICADA 0 0 300,000
128 1873 2 737 1202 17 MANOEL ANTONIO CALIXTO SITIO PERUANHAGA PRODUTOR DE CACAU 50 0 209,000
129 1873 2 737 1202 18 MANOEL FRANCISCO DUNDA FAZENDA TABOCAS PRODUTOR DE CACAU 6.020 3 8.304,800
130 1873 2 737 1202 19 MANOEL SERAFIM DOS ANJOS SITIO SÃO JOÃO PRODUTOR DE CACAU PLT 0 350,000
131 1873 2 737 1202 16 MARIA MADALENA DE CASTRO CASA NA VILA NÃO IDENTIFICADA 0 2 1.024,980
JOSE FRANCISCO RENOVATO E INGNEZ MARIA DO
132 1873 2 737 1202 25 NA CACHOEIRA DE ITABUNA PRODUTOR DE CACAU 568
ESPÍRITO SANTO 0 568,000
133 1874 2 737 1202 20 ADELINA TAVARES BRONZE NA CACHOEIRA DE ITABUNA PRODUTOR DE CACAU 2.500 0 2.320,000
134 1874 3 1372 1841 4 CLAUDINA BEZERRA DAS NEVES CASA NA VILA NÃO IDENTIFICADA 0 0 480,000
135 1874 2 737 1202 21 JOANA MARIA DA CONCEICAO NA CACHOEIRA DE ITABUNA PRODUTOR DE CACAU 518 0 507,480
136 1874 2 737 1202 22 TENENTE JOAO BATISTA GUALBERTO NA CACHOEIRA DE ITABUNA PRODUTOR DE CACAU PLT 4 EXCLUIDO
137 1874 2 737 1202 23 CAPITAO JOAQUIM FERREIRA DE PAIVA CASA NA VILA NÃO IDENTIFICADA 0 0 4.500,000
NO LUGAR CAPITAO E PONTA DO
138 1874 2 737 1202 24 JOAQUINA MARIA DA CONCEICAO PRODUTOR DE CACAU 200
RAMO 0 225,000
TENENTE CORONEL JOSE VICENTE DO AMORIM FAZENDA ROSARIO DO ITAHIPE E
139 1874 2 738 1203 1 NÃO IDENTIFICADA 0
BEZERRA OUTRAS 0 1.335,780
140 1874 4 1372 1841 3 LUIZ JOSE DE CARVALHO (IRMAO J.J. SEABRA) FAZENDA JARDIM DA SAUDADE PRODUTOR DE CACAU 4.154 2 7.895,590
141 1874 2 738 1203 2 MANOEL JOSE FERREIRA NO LUGAR CAPITAO PRODUTOR DE COCO 0 0 309,500
142 1874 2 738 1203 4 NARCIZA DOS ANJOS NÃO IDENTIFICADA NÃO IDENTIFICADA 0 0 EXCLUIDO
143 1874 2 738 1203 3 REQUELINA MARIA DA CONCEICAO NO LUGAR ILHA DA ALFANDEGA PRODUTOR DE CACAU 667 0 1.645,000
312
144 1874 2 738 1203 5 THOMAS DIAS DOS INOCENTES NA CACHOEIRA DE ITABUNA PRODUTOR DE CACAU 430 0 434,500
145 1874 2 738 1203 6 VITORIANA DE JESUS NO LUGAR BANCO RASO PRODUTOR DE CACAU 1.490 0 1.191,000
146 1875 2 738 1203 7 DOMINGOS JOSE LEANDRO NA CACHOEIRA DE ITABUNA PRODUTOR DE CACAU 320 0 268,000
147 1875 4 1372 1841 1 ALFERES FRANCISCO VITORIO DE SALES LEITE FAZENDA OLANDI E OUTRAS NEGOCIANTE 2.509 8 29.240,772
148 1875 2 738 1203 8 FREDERICO CARLOS DE SA NO LUGAR ALMADA PRODUTOR DE CACAU 500 3 1.855,000
EMPREGADO
149 1875 2 738 1203 9 FREDERICO DEFAMBISSES NÃO IDENTIFICADA 0
TELEGRÁFICO 0 92,300
150 1875 2 750 1216 3 HERCULANO QUINTINO DOS SANTOS NO LUGAR ALMADA PRODUTOR DE CACAU 620 0 558,500
151 1875 2 738 1203 11 JOAO RODRIGUES CEZAR LUGAR PERUANHAGA PRODUTOR DE CACAU 300 0 392,000
152 1875 2 749 1215 7 MAJOR JOAQUIM JOSE DE OLIVEIRA FAZENDA NA CACHOEIRA DE ITABUNA PRODUTOR DE CACAU 19.404 28 62.180,824
ENGENHO UNIAO E FAZENDA
153 1875 2 738 1203 12 ALFERES JOSE ANTONIO DE GUIMARÃES BASTOS DONO DE ENGENHO 400
CALDEIRAS 16 55.042,167
154 1875 2 738 1203 13 JOSE DIAS RIBEIRO NO IGUAPE PRODUTOR DE CACAU 500 3 2.279,300
155 1875 2 738 1203 10 LUIZ DE GRAVA NÃO IDENTIFICADA FREI 0 0 1.473,760
156 1875 2 749 1215 1 MANOEL ANTONIO VIANA NA CACHOEIRA DO ITAIPE PRODUTOR DE CACAU 361 3 1.895,600
157 1875 2 749 1215 3 PEDRO DE CALAZANS NO LUGAR BARRA NÃO IDENTIFICADA 0 3 5.066,900
158 1875 2 749 1215 4 UMBELINA MARIA DE SOUZA NÃO IDENTIFICADA PRODUTOR DE CACAU 3.000 0 1.420,000
159 1876 2 781 1248 7 ADELINA SELLMANN CASAS DE COMERCIO E FAZENDA NEGOCIANTE 0 2 47.317,404
160 1876 2 749 1215 5 ANA MARIA VELOZO FAZENDA PIMENTA PRODUTOR DE CACAU 85 5 3.833,400
161 1876 2 749 1215 6 ANTONIO ALVES DE CERQUEIRA LUGAR ÁGUA BRANCA PRODUTOR DE CACAU 1.150 1 3.748,965
162 1876 2 781 1248 8 ANTONIO MATHEUS DA SILVA NOBRE OLIVENCA/LUGAR AQUI NEGOCIANTE 0 0 594,180
163 1876 2 781 1248 6 CAETANO JOSE FIGUEREDO LUGAR JACARANDA PRODUTOR DE CACAU 248 0 214,000
JOAO VIEIRA DE SOUZA (VIGARIO DA VILA DE
164 1876 2 781 1248 5 VIGARIO DE OLIVENCA 0 0
OLIVENCA) VILA DE OLIVENCA 531,000
165 1876 2 753 1219 10 JOSE JOAQUIM MONTEIRO LUGAR ALMADA PRODUTOR DE CACAU 3.150 1 5.431,307
166 1876 2 781 1248 4 LIBORIO FRANCISCO AMBROZIO LUGAR ALMADA PRODUTOR DE CACAU 3.228 0 3.192,100
167 1876 3 1372 1841 8 MANOEL GONCALVES DE ARAUJO CASA NA VILA NÃO IDENTIFICADA 0 0 520,000
313
168 1876 2 781 1248 3 MARIA DA PIEDADE MELO E SA ENGENHO ITAIPE DONO DE ENGENHO 0 48 53.097,000
169 1876 2 753 1219 11 SEVERIANO JOSE DA ROCHA (CAPITAO) SITIO BOA VISTA NÃO IDENTIFICADA 0 3 1.270,000
170 1877 2 781 1248 2 ADAO SCHAUM PADARIA NA VILA COMERCIANTE/PADARIA 0 4 9.286,610
171 1877 2 750 1216 14 CAROLINA MARIA DE JESUS AGREGADO NO ALMADA PRODUTOR DE CACAU 1.700 0 1.360,000
172 1877 2 750 1216 15 FRANCISCO JOAQUIM PEREIRA NO ENGENHO ALMADA PRODUTOR DE CACAU 1.482 0 1.786,000
173 1877 2 750 1216 16 HERMENEGILDO FRANCISCO DA SILVA COMERCIO NO LUGAR ÁGUA BRANCA NEGOCIANTE 885 1 4.409,076
NA ILHA DOS QUIRICOS/CACHOEIRA
174 1877 2 750 1216 17 JOANA DIONIZIA DA VITORIA PRODUTOR DE CACAU 383 0
DE ITABUNA 383,000
175 1877 2 750 1216 19 JOAO ALVES DA SILVA FAZENDA BOQUEIRÃO E OUTRAS PRODUTOR DE CACAU 5.290 0 8.591,325
176 1877 2 750 1216 20 JOSE DO NASCIMENTO MOREIRA FAZENDA NA CACHOEIRA DE ITABUNA PRODUTOR DE CACAU 2.101 0 2.221,718
177 1877 2 750 1216 21 MARIA MADALENA NA CACHOEIRA DE ITABUNA PRODUTOR DE CACAU 1.100 0 880,000
178 1877 2 750 1216 12 RAIMUNDO DOS REIS E SILVA FAZENDA NO LUGAR SAO JOAO PRODUTOR DE CACAU 570 0 1.748,700
179 1878 2 751 1217 1 ANA FRANCISCA PLACIDA CASA NA VILA PROCESSO INCOMPLETO 0 0 EXCLUIDO
180 1878 2 751 1217 3 CRISPIM DOMINGUES DO COUTO (LIBERTO) TERRA DENOMINADA CONSCIENCIA PRODUTOR DE INHAME 0 0 526,250
181 1878 2 750 1216 1 FRANCISCA FLORENTINO VILAS BOAS LEMOS TERRA NO MORRO PERNAMBUCO NÃO IDENTIFICADA 0 0 1.000,000
182 1878 2 750 1216 4 IGNEZ MARIA DA CONCEICAO NA CACHOEIRA DE ITABUNA PRODUTOR DE CACAU 500 0 500,000
183 1878 2 750 1216 5 IGNEZ MARIA DA VITORIA NO LUGAR TERRA NOVA PRODUTOR DE CACAU 400 0 400,000
JOAO DIAS PEREIRA GUIMARAES CALDAS
184 1878 2 750 1216 6 PRODUTOR DE COCO 0 0
(PROFESSOR) NÃO IDENTIFICADA 3.895,000
185 1878 2 750 1216 11 MANOEL FRANCISCO DA RESSUREICAO NO ALMADA PRODUTOR DE CACAU 2.458 0 2.279,040
186 1878 2 750 1216 10 MANOEL JOSE DE SANTO AMARO NO ALMADA PRODUTOR DE CACAU 3.800 0 2.073,200
187 1878 2 750 1216 8 MARIA CLEIFA DE MENEZES SOUZA NA CACHOEIRA DE ITABUNA PRODUTOR DE CACAU 906 0 2.100,000
188 1878 2 750 1216 9 MARIA LAVIGNE FAZENDA ITARIRI PRODUTOR DE CACAU 15.100 18 36.341,500
189 1878 2 750 1216 7 MARIANA JOAQUINA DE QUEIROS CALDAS ENGENHO SAO JOAO DONO DE ENGENHO 0 22 22.186,960
190 1878 2 751 1217 4 ELIZA MARIA BONIN FAZENDA MONTE ALTO PRODUTOR DE CACAU 600 1 2.990,000
191 1878 2 750 1216 13 PASCOAL GONCALVES DE PAIVA (CAPITAO) FAZENDA PIRATAQUISSE PRODUTOR DE CACAU 20.889 21 49.742,100
314
192 1878 2 753 1219 1 PEDRO BELIZARIO DE SOUZA FAZENDA BANCO PRODUTOR DE CACAU 906 0 6.326,000
193 1878 2 781 1248 17 PEDRO VALLETE NA CACHOEIRA DE ITABUNA PRODUTOR DE CACAU 6.254 0 5.603,200
194 1879 2 751 1217 2 ANA VITORIA FRANCISCA DOS REIS NA CACHOEIRA DE ITABUNA PRODUTOR DE CACAU 2.000 0 2.040,000
195 1879 3 1295 1764 5 ANTONIO HENRIQUE MARQUES DE OLIVEIRA CASA DE NEGÓCIO NEGOCIANTE 0 4 31.995,006
196 1879 2 753 1219 2 CRISTIANO MANOEL DE SA BITENCOURT CAMARA ENGENHO ITAIPE DONO DE ENGENHO 0 23 17.674,200
NO LUGAR SAMBAITUBA/SESMARIA
197 1879 2 753 1219 3 DOMINGOS ANTONIO FERREIRA PRODUTOR DE CACAU 1.600 0
ITAIPE 1.121,000
198 1879 2 753 1219 4 FELIPE BENICIO MENDES NO LUGAR CORONEL/ALMADA PRODUTOR DE CACAU 2.438 0 1.775,200
SITIO JACARANDA DE
199 1879 2 781 1248 9 FLORENCIA DIAS DOS SANTOS PRODUTOR DE CACAU 1.700 0
DENTRO/CACHOEIRA DE ITABUNA 1.665,000
FLORINDA FRANCISCA DA VITORIA PAIVA (SOGRA
200 1879 4 1372 1841 2 PRODUTOR DE CACAU 10.059 11
DO PRESIDENTE DA CAMARA J.P. CALDAS) FAZENDA PIRATAQUICE 24.206,503
201 1879 2 753 1219 5 FREDERICO BERGINN NA CACHOEIRA DE ITABUNA PRODUTOR DE CACAU 2.798 0 2.743,000
JACARANDA DE DENTRO/CACHOEIRA
202 1879 2 753 1219 7 GUILHERMINA EUSEBIO DE ASSUNCAO MENDES PRODUTOR DE CACAU 600 0
DE ITABUNA 444,000
SEQUEIRO DO IMBU/ CACHOEIRA DE
203 1879 2 753 1219 8 JOAQUIM PRIMO DA COSTA PRODUTOR DE CACAU 1.931 0
ITABUNA 1.924,800
EM SAMBAITUBA, URUCUTUCA E
204 1879 4 1406 1875 24 JOAQUINA ISMERIA DOS REIS MARQUES PRODUTOR DE CACAU 1.327 0
SESMARIA ITARIRI 1.728,600
205 1879 2 753 1219 9 JOSE PEREIRA DE ANDRADE CASA DE NEGÓCIO NA RUA DA BANCA NEGOCIANTE 0 0 2.479,751
206 1879 2 754 1220 2 LUIZ GASTAO LAVIGNE FAZENDA ITARIRI PRODUTOR DE CACAU 7.906 6 19.420,000
FAZENDA MOLHA
207 1879 2 754 1220 5 MACRINA DA COSTA LOUP PRODUTOR DE CACAU 2.800 0
FARINHA/CACHOEIRA DE ITABUNA 2.795,000
208 1879 2 754 1220 4 MANOEL JOSE DOS SANTOS NÃO IDENTIFICADA NÃO IDENTIFICADA 0 3 2.962,500
209 1879 4 1406 1875 25 MANOEL JOSE FELIX NO LUGAR ÁGUA BRANCA/ITAIPE PRODUTOR DE CACAU 1.600 0 1.890,000
210 1879 2 754 1220 3 MARIA DO CARMO MENDES LUGAR BANCO DO PEDRO PRODUTOR DE CACAU 500 0 2.377,000
FAZENDA E ENGENHO NO IGUAPE E
211 1879 2 754 1220 1 LOURENCO DIAS RIBEIRO DONO DE ENGENHO 0 15
OUTROS 17.457,800
212 1879 2 755 1221 13 QUINTINO FRANCISCO DE ECA E CASTRO FAZENDA BARREIRO PRODUTOR DE CACAU 3.547 0 6.890,200
213 1880 2 754 1220 10 CAROLINO JOSE DUARTE FAZENDA ILHA DA ALFANDEGA PRODUTOR DE CACAU 1.175 0 1.625,140
315
214 1880 2 754 1220 13 ETELVINA MARIA RAMOS FAZENDA CAJUEIRO PRODUTOR DE CACAU 2.500 0 2.915,200
215 1880 2 754 1220 7 ANTONIO FERNANDES SOL FAZENDA IGUAPE PRODUTOR DE CACAU 1.320 0 1.400,000
216 1880 2 754 1220 6 ANA MARIA DA CONCEICAO EM SAMBAITUBA PRODUTOR DE CACAU 750 0 990,500
EM UNA, LUGAR CAJUEIRO E
217 1880 2 754 1220 12 EUCLIDES COUTINHO DOS SANTOS PRODUTOR DE CACAU 1.104 0
ARITAQUA 935,200
218 1880 2 755 1221 7 JOVENCIO JOSE DUARTE ITAIPE/LUGAR ARITAQUA PRODUTOR DE CACAU 1.136 0 1.064,480
219 1880 2 755 1221 8 MARIA FRANCISCA DE JESUS ITAIPE/LUGAR SÃO JOÃO PRODUTOR DE CACAU 458 0 1.503,000
220 1880 2 755 1221 9 MARTINHA MARIA DA CONCEICAO LUGAR SAMBAITUBA PRODUTOR DE CACAU 2.000 0 1.575,000
221 1880 2 755 1221 14 ROMUALDO JOSE CAETANO EM PONTA DO RAMO PRODUTOR DE CACAU 1.400 0 1.345,000
222 1880 2 755 1221 6 HIPOLITO GASTAO LAVIGNE LUGAR BARRA PRODUTOR DE FARINHA 0 1 339,700
223 1880 2 755 1221 12 PEDRO ANTONIO DO BONFIM ALMADA/LUGAR BARBOZINHA PRODUTOR DE CACAU 3.027 0 2.927,000
224 1880 2 754 1220 8 ANTONIO JOSE DE CASTRO LUGAR MORRO DOS MIRIQUIS PRODUTOR DE CACAU 400 0 460,000
EGIDIO LUIZ DE SA BITENCOURT CAMARA
225 1880 2 754 1220 11 PRODUTOR DE CACAU 11.622 29
(CAPITAO) FAZENDA BOA VISTA SA E OUTRAS 25.575,000
226 1880 4 1406 1875 26 CLAUDINO JOSE DE OLIVEIRA FAZENDA MAPENDIPE E OUTRAS PRODUTOR DE FARINHA 0 3 4.773,840
POCO DO JUNDIAY/CACHOEIRA DE
227 1880 2 755 1221 10 MELANIA EUGENIA DO ESPÍRITO SANTO PRODUTOR DE CACAU 4.600 0
ITABUNA 4.580,000
228 1880 2 754 1220 9 BONIFACIO ALVES DA SILVA AREAL DE CIMA/RIO ITAIPE PRODUTOR DE CACAU 800 1 1.615,000
229 1881 2 757 1223 3 PEDRO GONCALVES DE VASCONCELOS GUSMAO CASA DE COMERCIO NA VILA NEGOCIANTE 0 0 1.489,470
230 1881 2 757 1223 5 ROMAO TELES DE SOUZA LUGAR RIACHO PRODUTOR DE CACAU 4.048 0 5.199,000
231 1881 2 757 1223 4 ROSA CANDIDA DE CASTRO LUGAR BARREIRO PRODUTOR DE CACAU 327 0 502,500
232 1881 2 755 1221 2 BENVENUTA RIBEIRO LOPES NA VILA NEGOCIANTE 0 2 9.004,016
233 1881 2 781 1248 11 IGNACIO MANUEL DO BONFIM LUGAR PONTA DO RAMO PRODUTOR DE CACAU 500 0 590,000
234 1881 3 1298 1767 2 PORFIRIA MARIA DE PAIVA GUSMAO FAZENDA OLANDI E OUTRAS NEGOCIANTE 150 7 17.266,411
235 1881 4 1406 1875 28 ANTONIO MANOEL DO BONFIM LUGAR TERRA NOVA PRODUTOR DE CACAU 1.780 0 1.038,000
236 1881 2 781 1248 10 JOSE SIMIAO MORENO DOS REIS CASA DE COMERCIO NA VILA NEGOCIANTE PLT 1 4.249,902
237 1881 3 1298 1767 3 THOME ALVES DOS REIS NO IGUAPE PRODUTOR DE CACAU 1.062 0 1.222,000
316
238 1881 4 1406 1875 27 ANA JOAQUINA DE ALVES NUNES LUGAR ITARIRI PRODUTOR DE CACAU 1.861 0 2.826,600
LUGAR QUIRICOS/CACHOEIRA DE
239 1881 2 755 1221 4 FELIPE WENSE PRODUTOR DE CACAU 725 1
ITABUNA 2.080,000
FAZENDA RIBEIRAO DAS
240 1881 2 781 1248 12 FRANQUELINA FERREIRA DA SILVA PRODUTOR DE CACAU 4.500 0
ALEGRIAS/CACHOEIRA DE ITABUNA 5.570,000
JACARANDA DE DENTRO/CACHOEIRA
241 1881 2 757 1223 1 MANOEL FAUSTINO TEIXEIRA MENDES PRODUTOR DE CACAU 2.000 0
DE ITABUNA 2.220,000
RIBEIRAO DAS PREGUICAS/CACHOEIRA
242 1881 2 781 1248 13 FRANCISCA BAZILIA DA SILVA PRODUTOR DE CACAU 1.635 0
DE ITABUNA 1.378,000
243 1881 4 1406 1875 23 MARIA FRANCISCA DE AMORIM NA VILA PRODUTOR DE COCO 0 0 495,000
JACARANDA DE DENTRO/CACHOEIRA
244 1881 2 757 1223 2 MARTINHO JOSE DA SILVA PRODUTOR DE CACAU 1.380 0
DE ITABUNA 1.134,000
245 1881 2 755 1221 1 BERNARDO SELLMAM (MAJOR) CASA DE COMERCIO NA VILA NEGOCIANTE 0 3 26.718,588
246 1882 2 758 1224 11 PEDRO CARDOSO DO NASCIMENTO NO LUGAR BARRA DO ITAIPE PRODUTOR DE CAFE 0 0 884,600
247 1882 2 758 1224 12 PEDRO JOSE DUARTE EM SAMBAITUBA PRODUTOR DE CACAU 70 0 365,000
JOSEFA AMALIA IZABEL DE BITENCOURT SA DE
248 1882 2 781 1248 16 PROCESSO INCOMPLETO 0
ELREI PROCESSO INCOMPLETO 0 EXCLUIDO
249 1882 2 758 1224 10 MARIANA NASCIMENTO BENEVIDES CASA NA VILA PRODUTOR DE CACAU PLT 0 1.300,000
250 1882 2 758 1224 17 JOSE VERISSIMO MARQUES NO LUGAR TERRA NOVA PRODUTOR DE CACAU 1.577 0 1.727,000
251 1882 2 758 1224 9 MANOEL FELIX DA SILVA LUGAR SAO JOAO - RIO ITAIPE PRODUTOR DE CACAU 600 0 1.029,000
252 1882 2 758 1224 8 MANOEL APOLINARIO BATISTA SANTOS LUGAR TABOCAS PRODUTOR DE CACAU 3.600 0 3.349,400
253 1882 2 758 1224 13 ROBERTO GASTON LAVIGNE FAZENDA ALMADA PRODUTOR DE CACAU 3.000 1 4.809,900
254 1882 2 758 1224 15 SOFIA CLAUDENTINA BATISTA FAZENDA CACHOEIRA DE ITABUNA PRODUTOR DE CACAU 7.100 1 8.600,000
255 1882 2 758 1224 2 JOAO ADOLFO SCHIMIDT LUGAR TABOCAS PRODUTOR DE CACAU PLT 0 349,800
256 1882 2 758 1224 7 MARIA CAETANA DA ESCADA RIO ALMADA PRODUTOR DE CACAU 303 0 322,700
257 1882 2 757 1223 6 ANA JOAQUINA DA SILVA LUGAR ARITAQUA - RIO ITAIPE PRODUTOR DE CACAU 400 0 748,000
258 1882 2 758 1224 5 LODONIO FRANCISCO DE CAMARGO LUGAR SAMBAITUBA PRODUTOR DE CACAU 1.818 0 2.330,500
259 1882 2 758 1224 14 VERISSIMO FRANCISCO DAS CHAGAS FAZENDA JACARANDA DE DENTRO PRODUTOR DE CACAU 971 0 1.061,000
260 1882 2 757 1223 9 AUGUSTO FERREIRA ESCHER FAZENDA RIO COMPRIDO PRODUTOR DE CACAU 13.890 12 23.006,000
317
284 1883 2 760 1226 1 JOAO DOS SANTOS DA ROCHA NO LUGAR PAU BRASIL PRODUTOR DE CACAU 600 0 720,000
LUGAR QUEBRA CANELA-CACHOEIRA
285 1883 2 758 1224 16 ADAO FELIPE BRAIT PRODUTOR DE CACAU 2.350 0
DE ITABUNA 6.942,200
286 1883 3 1298 1767 6 JOAQUINA MARIA MOREIRA LUGAR PONTA DO RAMO PRODUTOR DE CACAU 5.250 0 6.905,000
287 1884 2 761 1227 6 PEDRO JOSE MENDES LUGAR BANCO DO PEDRO PRODUTOR DE CACAU 2.563 0 2.163,000
LUGAR BOM JESUS-CACHOEIRA DE
288 1884 2 761 1227 8 TEODORO CONSTANTINO DE SANTANA PRODUTOR DE CACAU 2.200 0
ITABUNA 1.570,000
289 1884 2 760 1226 12 JOAO LODUVICO MARTINS NA VILA PROCESSO INCOMPLETO 0 0 EXCLUIDO
290 1884 2 760 1226 11 JOAO BATISTA HOMEM DEL REI (CAPITAO) ENGENHO SANTANA DONO DE ENGENHO 0 10 11.219,000
LUGAR RIBEIRAO DAS CANABRAVAS-
291 1884 2 760 1226 10 EMILIA MARIA NINCH PRODUTOR DE CACAU 4.540 1
CACHOEIRA DE ITABUNA 5.530,000
292 1884 2 760 1226 13 JOAQUIM DA COSTA FUCHS NA FREGUESIA DE UNA PRODUTOR DE CACAU 330 0 500,000
293 1884 2 761 1227 5 MANOEL JOSE VIEIRA NA FREGUESIA DE UNA NEGOCIANTE 0 3 11.891,890
POCO DO JUNDIAY/CACHOEIRA DE
294 1884 2 761 1227 4 LUIZA MARIA DA MOTA PRODUTOR DE CACAU 3.100 0
ITABUNA 3.060,000
LUGAR MOLHA FARINHA-CACHOEIRA
295 1884 2 760 1226 9 CONSTANCA ARANHA PRODUTOR DE CACAU 2.380 0
DE ITABUNA 1.840,000
FAZENDA CONCEICAO-CACHOEIRA DE
296 1884 2 761 1227 7 ROMAO GOMES PACHECO PRODUTOR DE CACAU 14.000 1
ITABUNA 14.300,000
297 1884 3 1298 1767 7 TRIFINA DE MELO E SA BANDEIRA NA VILA NÃO IDENTIFICADA Z 0 10.127,733
FAZENDA MASSAQUARA-CACHOEIRA
298 1884 2 761 1227 1 JORGE MATHIAS SCHER PRODUTOR DE CACAU 4.400 0
DE ITABUNA 5.674,000
FAZENDA RIBEIRAO DAS
299 1884 2 761 1227 9 THEODORA MARIA DOS SANTOS PRODUTOR DE CACAU 900 0
ALEGRIAS/CACHOEIRA DE ITABUNA 960,000
LUGAR RIBEIRAO DAS ALEGRIAS-
300 1884 2 761 1227 3 JOVINO MANOEL FRANCISCO PRODUTOR DE CACAU 300 0
CACHOEIRA DE ITABUNA 370,000
LUGAR MESSO, VILA DE OLIVENCA E
301 1885 3 1295 1764 12 JOSE DE CARVALHO DA SILVA LESSA TROPEIRO (10 BURROS) PLT 1
SAMBAITUBA 3.858,400
302 1885 2 762 1228 7 SILVANO JOSE DE SANTA ANA LUGAR CANABRAVA PRODUTOR DE CACAU PLT 0 210,000
303 1885 2 761 1227 13 JOAQUIM ALVES DA SILVA LUGAR ARITAQUA E OUTROS PRODUTOR DE CACAU 3.687 17 8.058,000
304 1885 3 1295 1764 14 APOLONIA LAURIANA DE BRITO LOPES CASA DE COMERCIO NA VILA NEGOCIANTE 0 3 17.472,027
305 1885 2 761 1227 12 HELENA LAVIGNE SCHAUM CASA DE COMERCIO NA VILA NEGOCIANTE 0 4 12.910,480
319
329 1887 3 1372 1841 15 MATHEUS ROQUE DE ARAUJO LUGAR ÁGUA BRANCA-ITAIPE PRODUTOR DE CACAU 1.500 0 970,000
330 1887 3 1298 1767 8 ACRISIO JANUARIO CARDOZO (ALFERES) NA CACHOEIRA DE ITABUNA NEGOCIANTE 4.155 7 46.864,778
331 1887 3 1295 1764 6 MARIA SEVERA DE FARIA CASA NA VILA NÃO IDENTIFICADA 0 0 500,000
332 1887 3 1372 1841 18 LUIZ ADAMI NA VILA NEGOCIANTE 0 5 46.707,468
ANTONIO NUNES MELGACO E ANA MARQUES
333 1887 3 1298 1767 9 PRODUTOR DE CACAU 343 0
MELGACO NO LUGAR ITARIRI E SAMBAITUBA 374,876
334 1887 3 1298 1767 1 FLORENCIO MARCELINO BANDEIRA LUGAR ITARIRI PRODUTOR DE CACAU 730 0 696,000
335 1887 3 1372 1841 16 MARIA IZABEL DE SOUZA NA VILA PRODUTOR DE CACAU 700 0 1.050,000
336 1887 3 1298 1767 10 BERNARDO FERNANDES DA SILVA NA CACHOEIRA DE ITABUNA PRODUTOR DE CACAU 8.978 0 20.679,000
337 1887 4 1372 1841 19 LEONIDIA MARIA DOS SANTOS FAZENDA UNIAO-ALMADA PRODUTOR DE CACAU 4.104 0 3.994,000
FAZENDA MASSAQUARA-CACHOEIRA
338 1888 3 1372 1841 10 JOAO PINHEIRO DO NASCIMENTO PRODUTOR DE CACAU 4.500 0
DE ITABUNA 3.310,000
FAZENDA SERIGUE-CACHOEIRA DE
339 1888 3 1372 1841 13 JOSE PINHEIRO DO NASCIMENTO PRODUTOR DE CACAU 5.200 0
ITABUNA 3.300,000
FAZENDA BOA VISTA DO BOM GOSTO-
340 1888 8 3424 4 ADELAIDE DE MELO SA OLIVEIRA PRODUTOR DE CACAU 7.500 0
CACHOEIRA DE ITABUNA 16.294,909
341 1888 3 1372 1841 14 FIRMINO PIRES CALDAS FAZENDA SAO JOAO DO PASTO DONO DE ENGENHO 0 9 11.275,000
FAZENDA VISTA DO PARAISO-
342 1888 3 1372 1841 11 PORCINA GROESZNER DE FIGUEREDO ROCHA NEGOCIANTE 4.444 0
CACHOEIRA DE ITABUNA 10.801,076
LUGAR JACARANDA-CACHOEIRA DE
343 1888 3 1372 1841 12 MARIA IGNEZ DA CONCEICAO PRODUTOR DE CACAU 5.000 0
ITABUNA 5.510,000
LUGAR JACARANDA-CACHOEIRA DE
344 1888 2 755 1221 5 FRANCISCA XAVIER DOS SANTOS PRODUTOR DE CACAU 5.607 0
ITABUNA 6.056,660
345 1888 2 760 1226 4 JOSE LOPES DA SILVA FAZENDA MORRO DE SAO FRANCISCO NEGOCIANTE 8.030 0 27.694,020