1995 - o Doce e Tortuoso Caminho Da Sensibilidade
1995 - o Doce e Tortuoso Caminho Da Sensibilidade
1995 - o Doce e Tortuoso Caminho Da Sensibilidade
FORTALEZA - CEARÁ
1995
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
CURSO DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO
BH/UFC
Fortaleza - 1995
BH/UFC
o TORTUOSO E DOCE CAMINHO DA SENSIBILIDADE
Aprovada em _----C/_----C/ __
BANCA EXAMINADORA:
Página
RESUMO: .
ABSTRACT: .
INTRODUÇÃO:.................................................................................... 02
QUADRO DE MATÉRIAS:.................................................................. 04
CAPÍTULO I:........................................................................................ 09
CAPÍTULO 11:....................................................................................... 18
CAPÍTULO III:...................................................................................... 33
CAPÍTULO IV:...................................................................................... 59
CONCLUSÃO:...................................................................................... 214
BIBLIOGRAFIA:................................................................................... 240
RESUl\1o
BH/UF
INTRODUÇÃO
QUADRO DE MATÉRIAS
CAPÍTULO I
CAPÍTULO 11
DA EXPLICITAÇÃO DO PROBLEMA:
CAPÍTULO 111
DA METODOLOGIA UTILIZADA
CAPÍTULO IV
CONCLUSÃO
CAPÍTULO I
Tanto num tipo de visão que nega como que afirma a formação
social da mente, a ação educativa costuma dar prevalência quase que absoluta a
aspectos cognitivos, como se eles estivessem imunes à dimensão do sentir
humano.
.
.Traduzir uma parte na outra parte, como diria Ferre ira Gullar, é
uma questão de amor e arte.
CAPÍTULO 11
DA EXPLICITAÇÃO DO PROBLEMA:
vista que esta nova aprendizagem pode se dar, como se dizia na cultura da
cana-de-açucar no Nordeste, assassinando as outras culturas, plantações e
terrenos; essa nova cultura sufocava o que nascesse perto.
reflexão sobre esse "vivido" pode não ter profundidade e atuar reforçando o
senso comum e sua imediaticidade.
AI
visão de Arte, de Adorno, como Crítica Social,
essencialmente, em que perfura (e como) esse edifício pedagógico do que se
tem hoje como realidade na Escola? Que contribuições para a compreensão
destas questões nos dá a Teoria Critica?
trabalharmos essa tensão entre o que está posto e dado como ideologia e os
conflitos radicais que aí estão intervindo. E mostrarmos como o fazer artístico
no nível cultural", no dizer de Willis, poderemos ver que "há algum espaço
para a ação no nível cultural e certamente que há um espaço aqui para expor a
seus membros mais claramente o que suas próprias culturas "dizem" a eles
Educação.
25
Essa visão da história da arte ocidental (eu diria que "a história
da arte segundo o contar de um dado ponto de vista") coloca a Arte enquanto
trabalho humano, correspondendo a necessidades de gostos produzidos
socialmente, em determinadas condições históricas. Todavia, como diz Arnold
Hauser (HAUSER, 1973, capo 1), "embora toda arte esteja condicionada
socialmente, nem tudo na arte é definível socialmente". Já que, no capitalismo,
tudo o que se toca vira mercadoria, como a arte incorpora novas funções
SOCIaISna modernidade? Que especificidades tem a Arte como trabalho
humano?
Da idéia de omnilateralidade
deve considerar sobretudo o gozo daqueles bens espirituais, além dos materiais,
trabalho" (1991:81).
nada mais é do que aquilo que Marx identifica como limitação da sociedade
capitalista"(p. 86; op. cit.). Quando Marx fala em termos de Politecnia não
•
exclui a Arte mas recoloca a necessidade de uma articulação entre ciência e
trabalho. Por ciência ele abrange o estatuto dos conhecimentos que a Escola
não são produzidos por uma classe dominante mas são patrimônio (e também
capitalismo lhe obriga, que se insurge a pedagogia radical. Uma das expressões
d sta unilateralidade é a atrofia da formação geral no tipo de ensino dado às
comportava. Um homem casado, próspero, com urna vida sob todos os ângulos
Uma parte insurge-se contra o sistema fechado desta racionalidade e essa fenda
que se inicia com um insuportável sentimento de ciúme vai tomando
proporções várias, se agigantando, fazendo ruir o que parecia tão sólido. Pari
passu, a soberania do latifúndio vai tendo que buscar mecanismos de parceria
cimento.
iluminista (ou o que se fez dela) em suas fendas, que aportes nos dá para uma
análise de processos semelhantes na Escola? Como essa agência educacional
30
tem funcionado de modo a comportar (em parte, de que modo?) todo este
fermento crítico?
Vemos que uma análise dos gestos, dos símbolos, dos ritos da
Escola e fora dela, mais que um simples reflexo da realidade, poderia vir a ser
uma "construção social"(porque discutida coletivamente com os alunos) da
realidade.
CAPÍTULO m
DA METODOLOGIA UTILIZADA
momento de "preparo" para este mercado também seja visto como sacrificioso,
uma cultura do sacrificio.
- Metalinguagem (Bateson).
o Processo Ritual
hora de ... vamos cantar?): são esses os momentos da música na escola, além
dos momentos nas festas comemorativas.
o lugar da pesquisa
outro.
Questões de validade
que supracitei e que releva o fato de que "as ciências humanas não são uma
série de técnicas ou métodos. É uma posição epistemológica aplicada - por
observar serem tratadas na escola era de tal monta, que eu senti necessidade de
ter um contraponto mais feliz.
trabalhos últimos que lidavam com códigos que não eram apenas verbais (Paul
Willis, McLaren) eram estudos que se incluíam nessa linha antropológica. E
por que eu me preocupava em utilizar códigos outros e não apenas a linguagem
modo tão contundente quanto a linguagem verbal. São signos que estão
expressões corporais não verbais dizem o que a fala pode querer negar. Eu não
queria fazer um levantamento do que o senso-comum diz sobre alie, apesar de
julgar esse ponto de partida também importante. O senso-comum está prenhe
de ideologia e, se esse material me é caro não é, todavia, suficiente.
.
estudos de estética, entre outros, que fui fazendo, ao lado da minha prática
como artista (e arte-educadora) me faziam querer sair do "fosso" inarredável
dos silêncios e das ausências na Escola.
o lugar do observador
.
carregava esse viés de ser, também, trabalhadora em serviço. As anotações de
campo eram complementadas com momentos que eu estruturava para este fim.
No entanto, o traço pelo qual eu me fazia conhecer na escola era, antes, o de
trabalhadora (professora). O de pesquisadora era um papel coadjuvante.
Na fala dos alunos apareceu algo como "a alie que precisa
haver na escola é algo assim como a que nasce nos fundos de quintal e na rua".
"Porque todo o mundo que tá fazendo aquilo tá porque quer". "Porque todo
mundo ali tá fazendo aquilo, com gosto, não tem ninguém vigiando". "Porque
nessas horas a gente é o que é. Diz esculhambação, briga". (Outro interrompe:
"Beija". Riem). "É o mundo", concluiu. "Escola num é dessas coisa não, tia.
Aqui é para se educar". "Se a tia for fazer essas coisa aqui, deixar a gente fazer
como faz na rua ... A tia perde a moral". "Se for assim, eu nem venho para aula.
Fico por aí que é melhor".
Essa arte que os alunos dizem ter lugar nos quintais e nas ruas
certamente traz marcas culturais de classe, de gênero - o que faz com que as
vestimentas que se quer para elas na escolas não as comportem.
outras. Essas usurpações não são obra de uma instituição (apenas) como a
alegoria de tudo o que a história tem de sofrido, falho, imprimido num rosto.
Flávio René Kothe (1978:64) diz que esta "não é uma visão otimista da
história, é uma visão que recolhe tudo aquilo que ela poderia ter realizado e não
CAPÍTULO IV
Estudo de Cinco Rituais onde se diz que está a Arte da Escola ou Cinco
Fugas para uma Dimensão Desejante.
Ritual I
O Espaço do Pátio
escola mas se estar num recanto dela onde "se soltam as crianças", também se
expressa espacialmente, uma vez que essa área, do pátio, fica na confluência
entre as salas de aula e a rua.
palhaçada, a molecagem - que é o que eles dizem que estão a fazer nessas
horas. Parece ser a "resposta" corporal ao que está sem espaço para ser
elaborado, escutado de outro modo na sala de aula. Essa "resposta" escorre
pelas margens. Essa "resposta" à forma e ao conteúdo da cultura escolar
necessita de um corpo inteiro que pulse, sinta, pense, aja. E esse corpo inteiro
"solta-se" no pátio. Diz-se até o seu contrário: "hoje eu vou prender a 4<1 até
9:30, depois é que eu solto". O olhar do adulto aprende com ou apreende esse
desnudamento de se estar solto no pátio? Acompanha esse desnudamento?
Nessas horas em que se está "solto no pátio", as crianças e os maiores ensaíam
tomar contato com suas emoções sobre o que vem sendo colocado pela
"cultura do antes e depois do recreio". Um respingo, outro de riso vai
atravessando o medo, a repressão internalizada (também) e se articulando num
amálgama de irreverência e molecagem. Com o riso, vem depois o chiste, a
"presepada", a "lorota", a esculhambação (que é a crítica com seu peso e
brutalidade), vem também a gozação, a ridicularização, a baderna e as
combinações mais "pesadas" para o que fazer dos momentos fora de escola.
Escola Pública é outra". "É a outra" - brincou outra professora que falava
vilipendiada por ser "a outra" num triângulo amoroso. E completa, mordaz,
sem querer saber de fato (não nessa hora): "Por que é que você acha que não
dão certo essas coisas aqui na nossa escola?"
sugerir wna experiência de autonomia das crianças sobre o que fazer do tempo
do pátio. Esse "que fazer" desse tempo é negociado entre grupos. "Vamos
brincar de elástico" (um elástico que é segurado por duas crianças, uma em
frente à outra e que dá margem a que façam simultaneamente uma série de
palmas ritmadas, com as mãos wna da outra e, também, alguns malabarismos
de mãos e pés). As outras: "Não. De pega, hoje". "Eu não vou" - disse lima. E
outra também. A maiorzinha disse: "Quando tu quiser brincar de elástico, a
gente também não vai". Houve wna negociação longa de silêncios e olhares e,
ao cabo de alguns minutos mai , foram brincar de pega.
63
A Cena I
"As outras danças são bestinha, tia. Bom é a quadrilha. Mas a tia só quer fazer
com os maiores ..." A quadrilha, portanto, é o último número - o ponto alto da
festa. É acompanhada por um som que fica sempre chiado, ao amplificar-se.
Nos ensaios não havia música, só os ensaios dos passos. "Se a gente não botar
para ensaiar bem direitinha, na hora eles erram". A preparação, os ensaios,
portanto, tinham "o objetivo de não errar no dia".
As representações
Quadro I
Professores
algo a ver com aquilo? E se Jesus nascesse hoje ali? Eu acho isso melhor que
aquela decoração toda que tinha nessas horas. (Rí). Tudo era muito decorado.
Nos dois sentidos.
Ahmo:
(Era recreio e esse era o "grupo dos fora de faixa". Da 4:1 Série.
Algumas professoras dizem que "é a turminha que não quer nada". A diretora
"tá de olho neles, para botar para fora. Porque ela soube que eles tão formando
uma "gangue" - disse outra professora).
- "Nas festas da escola. De entrega de notas em meio de ano ...
- ... O Grêmio ... dos caras do outro tumo ... Do sistema de TV ...
Eles organizavam esse lance .
•
- Parece que teve um que foi criticar a escola. Ela cortou. Com
o Grêmio organizando, eu acho que tinha arte. Com a diretora é paieza*. A
gente fica só se lembrando de quando o Grêmio se metia.
- Queixudo.
" quando a gente vai querer fazer algo junto aos temas e
situações que são trabalhados pelos outros professores, fica aquele ar de
constrangimento ... Como se a gente tivesse fora do lugar. .. Tomando lUTI
lugar ... Como se a gente quisesse entrar na seara alheia ..."E, doutra feita: " ...
um trabalho cotidiano, mais prolongado com a criança não é nem pedido nem
querido ... O que se deseja é essa coisa de ter aquela apresentação, de ver
aquela coisa arrumadinha e bonita no final. .. Porque a maioria dos professores
acha que educação artística bagunça a cabeça das crianças. Na questão da
disciplina. E, para fazer qualquer coisa, toma um tempo muito grande. Ai fica
72
Noutro momento, ainda: "tudo parece dizer que esse pátio nas
festas e datas assim é o espaço permitido para trabalhar com essa parte das
pessoas que a gente esqueceu. Qual parte? Eu poderia dizer que é aquele dom
da música, por exemplo. Mas não é dom não, que todos têm e dom parece ser
COIsa de privilégio. Poderia dizer expressão, criatividade, alegria,
espontaneidade ... Mas não é. Prá mim é uma pessoa inteira que fica muda ...
assistindo ... as aulas. Assistindo que lhe digam que é só aquilo ... Prá mim,
religião acorda a pessoa para justiça do mundo. E arte, para vida ..."
percebidas, como deveria ocorrer numa proposta de educação estética". " ... a
ducação estética assemelha-se profundamente com a educação intelectual,
principalmente por aprofundar o interesse cognoscitivo e desenvolver o
processo de percepção e capacidade de observação". (ibidem p. 57).
73
Nenhuma atividade é operar se não for também formar, e não há obra acabada
que não seja forma", (ibidem, p. 20).
diante". Susane Langer não aceita que haja de fato polaridade entre sentimento
e forma mas uma associação. Sentimento, para Langer, são qualidades não-
para as quais queremos chamar sua atenção". (BAENSCH, Kunst und Gefuh1.
Com isto, vê-se que o problema da arte não seria mobilizar uma
experiência, somente, mas para o conhecimento sobre eles. Para Baensch, esta
on ciência sob urna forma uni ersal, sem que sejam entendidos no sentido
78
•
o conceito de "importe" talvez esclarecesse melhor o que
Langer tem perseguido nesse sentido. Ela parte do estudo da música para
concluir que:
Lidar com o paladar, sentir perfume doce, pôr o tato num tecido
delicado, macio, sentir prazer através do sensório, não é experiência estética.
Também a produção de uma mercadoria é diferente de quando um artesão cria
uma coisa bela - haveria de ter, nessas formas algo de "criação" que faz com
que arte seja "a criação de formas simbólicas do sentimento humano" (p. 42).
Segundo ainda Langer:
.
Poder-se-ia dizer também que é característico desse modo de fazer arte que o
olhar do adulto se faça dentro e antes de qualquer experimentação mais
espontânea.
Nesse Ritual ou Cena pode-se ver (e ter sobre ela) falas que nos
remetem às primeiras incursões da arte na escola: um discurso sobre Cultura
omo uma espécie de humanismo no plano ético e político, vago, que não
apontava para contradições nem conflitos reais. Uma certa idéia de cultura
orno ilustração, aliada à civismo. Um civismo que compunha-se, em grande
arte, de um trabalho sobre o hinário oficial e sobre danças evocadas como
82
"A galinha que não queria sacrificar a sua vida. A que optou por
querer ser "feliz". A que não percebia que, se passasse a vida desenhando
dentro de si como numa iluminura o ovo, ela estaria servindo. A que não sabia
perder a si mesma. A que pensou que tinha penas de galinha para se cobrir por
possuir pele preciosa, sem entender que as penas eram exclusivamente para
suavizar a travessia ao carregar o ovo, porque o sofrimento intenso poderia
prejudicar o ovo. A que pensou que o prazer lhe era um dom, sem perceber que
era para que ela se distraisse totalmente enquanto o ovo se faria. A que não
sabia que "eu" é apenas uma palavra que se desenha enquanto se atende ao
telefone, mera tentativa de buscar a forma mais adequada. A que pensou que
"eu" significa ter um si-mesmo. As galinhas prejudiciais ao ovo são aquelas que
são um "eu" sem trégua. Nelas o "eu" é tão constante que elas já não podem
mais pronunciar a palavra "ovo". Mas, quem sabe, era disso mesmo que o ovo
precisava. Pois se elas não estivessem tão distraídas, se prestassem atenção à
grande vida que se faz dentro delas, atrapalhariam o ovo".
É com a idéia de que essa grande vida não seja apenas uma
palavra vã que os pensadores da chamada Escola de Frankfurt vão se insurgir e
elaborar as bases do que eles intitularam de Teoria Crítica.
saber, no tempo mais breve possível depois de um amigo ter atingido seu
destino, que ele concluiu incólume a longa e difícil viagem? Não significa nada
uma longa lista que poderia ser acrescentada a esse tipo de benefícios, que
devemos à tão desprezada era dos progressos científicos e técnicos". (p. 107.
que a ciência açambarca, volta ao que ele chama "voz da crítica" e relativiza
esses legados. Ao colocar a felicidade em outro lugar que nós não temos (ao
admitir que a natureza dessa civilização não nos trouxe a felicidade que
iceberg que se quer ver por inteiro. Compreender a natureza dessa civilização,
à custa de que tensões ela se mantém, como se dá a luta entre o campo dos
•
desejos e o da realidade existente é começar a desconfiar da natureza profunda
manifestações no mundo.
pessoal e coletiva:
90
liA teoria ... deve transformar os conceitos que ela traz, como se
fosse, de fora, para aqueles que o objeto tem de si mesmo; deixada a si mesma,
procura ser, e se confronta com o que é. Ela deve dissolver a rigidez do objeto
temporal e especialmente fixado em um campo de tensão entre o possível e o
real: cada um, a fim de existir, depende do outro. Em outras palavras, a teoria é
incontestavelmente crítica (GIROUX, 1986:34), entendendo-se por crítica tanto
o olhar para trás na história, como, desde o presente, ir levantando pontos de
luz para com ele tecer o imaginário do futuro.
é diferente. Não a admitimos de modo algum; não podemos perceber por que
os regulamentos estabelecidos por nós mesmos não representam, ao contrário,
sofrimento, surge em nós a suspeita de que também aqui é possível jazer, por
trás desse fato, uma parcela de natureza inconquistável - dessa vez uma parcela
enorme de energias para pôr limites a essas paixões instintivas? Claro está, que
"a tendência por parte da civilização em restringir a vida sexual não é menos
arte deixa de ser uma grande dama, a estética, como uma irmã caridosa, abre
seus braços para protegê-Ia.
"A arte se tomará assim, uma procura cada vez mais marginal,
mas a estética, não. De fato, pode-se dizer, de modo um tanto exagerado, que a
estética nasce no momento da falência da arte como força política, e que ela
cresce sobre o cadáver de sua relevância social. Embora a produção artística
represente um papel cada vez menos significativo na ordem social, ela
transmite a esta ordem, de certo modo, um modelo ideológico que pode ajudá-
Ia a sair de sua própria confusão - tendo marginalizado o prazer, reificado a
razão e esvaziado inteiramente a moral.
funciona resolutamente contra si mesma, e isso por muitos caminhos. Ela luta
por uma autonomia pura, mas sabe que sem wn aspecto de heterogeneidade
não seria nada, desapareceria no ar. Ela é ao mesmo tempo um ser-para-si e um
ser-para-a-sociedade, distanciada criticamente de sua história, mas incapaz de
assumir uma melhor perpectiva fora dela" (1993:255).
Sobreviver é a salvação. Pois parece que viver não existe. Viver leva à morte.
Então o que a galinha faz é estar permanentemente sobrevivendo. Sobreviver
chama-se manter luta contra a vida que é mortal. Ser uma galinha é isso."
ovo? É quase certo que sei. Assim: existo, logo sei. - O que em não sei do ovo
é o que realmente importa. O que eu não sei do ovo me dá o ovo propriamente
dito. - A Lua é habitada por ovos" (ibidem, p.58 ).
desejos passa a ftmcionar nos indivíduos como uma neblina, que a tudo abarca.
Cada indivíduo quer ser igual aos outros no modo de ser, de viver e, sobretudo,
no possuir - essa dimensão devoradora. A fragmentação, a homogeneização e a
hierarquização (categorias que Marx utilizou para sua análise do capitalismo)
vai solapando o humano nas relações sociais e na intimidade da vida privada,
distanciando o homem de sua vocação ontológica.
Sena, em frente à sua casa são símbolo desta ruína. São também imagens que
nos fazem chegar ao centro do problema hegeliano: o mundo antigo é
inaceitável - há que se criar um outro, obra da razão. A obra de Hegel é esta
profunda fé na capacidade do homem de ser sujeito da história e de
compreender-se (e compreender) o real. A dialética é uma lógica do conflito e,
nela, as relações humanas e as coisas acham-se em relações de enfrentamento.
"Cada vez que trabalha, o artista se opõe a uma coisa, a esse ser
obscuro, estranho e próximo que se apresenta diante dele como seu outro e que
é preciso reduzir" (ibidem, p. 104). O artista vai dialogar com esse escuro e
estranho mundo que o seu Outro e que ele se esforçaria por compreender e
humanizar, humanizando-se também. É neste campo de tensões, onde se acha o
devir permanentemente sendo ge tado, que se pode mirar o ideal, para Hegel o
119
reino das sombras, que transcende o imediato da vida. Nesta "outra cena"
estaria o nascedoura da arte?
cada figura sua um Argus com mil olhos para que a alma e a espiritualidade
nas atitudes, mas também nos atos e nos eventos, nos discursos e nos sons, pois
olhar que reflete a alma livre em sua infmitude intema". (HEGEL, s/d p.8-9).
'estranha-se" o ter-se ficado tão apartado do olhar de mil olhos das superfícies
reino das sombras, que transcende o imediato da vida. Nesta "outra cena"
estaria o nascedoura da arte?
Veja como Hegel situa ainda este (parece-me) espanto" ... a arte
e constitui nesse confronto com o obscuro, com a alteridade, fundando-se
numa relação arcaica com o mundo, que não desaparece coin a civilização"
lliEGEL, p. 104).
sempre sob forma sensível. O Belo é a Idéia concebida como unidade imediata
do conceito e de sua realidade, na medida em que essa unidade se apresente em
sua manifestação real e sensível" (HEGEL, p.62).
interesse que jogamos cartas, bebemos... Ora, prossegue Hegel, o que atrai
nestes conteúdos quando representados pela arte, "é precisamente essa
manifestação dos objetos enquanto obras do espírito, que transforma em
profundidade o mundo material, exterior e sensível" (HEGEL, p.24).
exemplo,ao holocausto dos judeus na 2a. Guerra é sutil, mas uma evidência. A
transformação do que era exterior em íntimo, com a câmera do cinema, que
estabelece um campo relacional amplo com as imagens, é do fôlego de uma
revolução copernicana. Esta alteridade que Hegel frisa, com relação ao mundo
I
dos objetos naturais, poderíamos dizer que é uma das funções sociais da arte.
Viver vicariamente a experiência do Outro através da identificação e
personificação no drama, por exemplo, (televisivo, cinematográfico ou teatral)
proporciona um "ficar no lugar no outro", muna espécie de descentramento que
poucas experiências podem dar.
.
dizer. Como se este vestido da mercadoria fosse uma persona (sentido
etimológico= máscara) e também na acepção junguiana de falsa personalidade,
capa de uma personalidade que não tem a verdade do self. E esta persona ,
como diz a poesia de Femando Pessoa, fica pregada à cara:.
130
TABACARIA
... "Fiz de mim o que não sou,
E o que podia fazer de mim não ofiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e
perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi no espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha
tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo.
E vou escrever esta história para provar que sou sublime ... "
(pESSOA, 1992:217-218)
Ritual 11
o Tempo-
Os corredores, geralmente, são lugares por onde se passa. "Não
se pode ficar vagando nos corredores", diz-se. "Nos corredores se passa, não
se fica muito tempo neles. Se se quisesse saber do tempo, pelos corredores não
se sabia, porque a luz que entra neles é pouca. Há clarabóias ou combogós,
espécies de linhas geométricas formando buracos na parede e, por isso, a luz
que entra por eles é rala. O tom fica meio noturno, nos corredores, e o ar
pesado deixa uma espécie de mormaço causado pela ausência de luz, se assim
se pudesse dizer.
O espaço do Corredor
Cena 11
meninas reclamam para as professoras - isso faz parte - ainda que estejam rindo
e gostando.
Um parêntese:
que se perde acreditando que ela vai por si, que se a reencontra, ao contrário,
fazendo-a aparecer sobre um fundo de natureza inumana" (ibidem, p. 49).
Embora os sentidos já estejam condicionados pelo aparelho conceitual antes
que a percepção ocorra, é a partir deles (e agora sentido tem a acepção de
significado, que é o sentido aprisionado pelo conceito) que se vai "ancorar" o
novo. Na verdade, é neles que se ancora o "novo" que, por sua vez, vai causar
a "acomodação" de que fala Piaget, uma espécie de rearranjo - como mexer
com uma peça no jogo de xadrez: modifica-se todo o quadro anterior e já se
configura um vir-a-ser.
Esta visão de arte trazida pela Missão Francesa, que junta Arte
e Técnica foi reforçada pelo positivismo e o processo de industrialização, que
nfatizavam a Arte como Desenho Geométrico e não incluíam o aspecto da
riação Artística. Deduz-se daí uma visão de arte como algo que forçosamente
e ser útil ao industrialismo.
da outra, ainda que com intensidade variável em cada caso. Convém anotar,
eio, captados pelos órgãos receptores do homem. Antes, vai tentar mostrar o
uão é ativa esta apreensão, que utiliza processos de campo perceptivos (que
Amheim chama intuição) e que funcionam secundariamente apoiados pelo
Diz Arnheim:
ais nobres do pensamento. Mesmo assim, desde o início era claro que a
Essa relação com o que nos escapa, esse jogo que empurra a
ercepção para o não visto, não dito, para o reino da imaginação, nós
poderíamos admitir que, mais que uma discussão sobre as possibilidades da
•
agem no cinema da contemporaneidade, parece ser o grande problema da
ercepção intuitiva como aspecto do pensamento na Arte.
intolerável, alguma coisa de muito forte ou muito bela que nos retira toda
possibilidade de ação, que nos cega. Algo ficou forte demais na imagem. A
percepção do visionário é uma experiência que resulta do ofuscamento do olhar
abitual, o excesso que acompanha a falta de visão comum. Ele fala por
enigmas. A visão é uma evidência do invisível. Tentativa de apresentar pela
. guagem aquilo que se experimenta como radicalmente ausente, ela convoca o
ímbolo a exercer-se na sua plenitude"(ibidem p. 381). Fazendo uma analogia,
eu diria: Seria esse o desafio da percepção intuitiva na Arte?
ausa e pela tenninalidade sem fim com a qual ela acena. "Aprender algo útil
om as mãos é uma forma de se fazer com que o belo sirva pra alguma coisa" -
isse uma professora. E outra apartou: "- O pessoal é pobre de um tudo. Se
les aprendem aqui uma coisinha a mais pra vida prática, isso é melhor do que
car fazendo coisas sem utilidade. Beleza não põe mesa, diz o ditado. "A visão
de arte como omamento, fazia esta professora pensar em supérfluo. A
polarização com o útil (já que omamento é supérfluo e supérfluo é inútil, numa
ultura da necessidade) era evidente.
148
.
geralmente). Invariavelmente, todavia, na maior parte do 2°. tempo, em todas as
classes, praticamente, se ficava a copiar um extensíssimo dever de casa, da
lousa e vagarosamente. Decerto que, mexer com o dever de casa também era
mexer com uma pedra que calçava muito do edificio escolar.
melhor, e vice-versa. Já vimos como esta esfera do mundo da vida foi apartada
da política - desde a própria história do socialismo. Aprofundemos um pouco
ainda estas questões.
para trabalhar com as 4as séries (os expulsos eram os quase ou já adolescentes,
os rotulados "fora de faixa". Alguns comentários eram precisos: "Ele "até" fora
de faixa era ..." e o tom era: "devia dar graças a Deus a Escola lhe ter
aceitado") sobre Sexualidade (o que os professores acharam "um alívio" para
eles), pensei que devia também ver a percepção das professoras sobre esta
"agressividade" que "era o problema maior da Escola", diziam. Eu sabia como
a vida tem pressa e como era fatal uma expulsão na vida de lima criança ou
adolescente pobre das favelas de Fortaleza. Eu os pegava logo depois, no
movimento de meninos e meninas de rua para de algum modo trabalhar com
eles. E lá, nas ruas, era pior. (Ainda que no geral permanecessem "em casa",
morando, quero dizer ou mantendo algum tipo de vínculo, mesmo assim
pareciam viver só "nas ruas", pelo modo de sobreviver, de estar ali o dia todo e
de se ofertar feito fruta de várzea a toda sorte de situações de violência que
passavam então a compactuar. Eram os "improvisos" da vida, como eles
diziam. Um iinproviso definitivo nas suas vidas, eu sabia). Eu estava dizendo
que fui conversar sobre agressividade na Escola. Nós, os professores, ( a
direção se excluíra desde o início) , fizemos um trabalho para "tomar contato
om a infância que nós tivemos", "com a criança que fomos".
o que foi respondido foi:: que "a fome era intensa" (nunca
havia merenda escolar, eles não tinham dinheiro, no geral, para comprar nada,
era comum saírem sem comer ou comer quase nada de manhã e no 2°. tempo já
não se agüentavam); "devia haver uma bola ou qualquer coisa pra se jogar
(porque não havia); a direção os tratara mal e a seus pais, reclamando deles,
"humilhando", como diziam; o pai estava dando de beber, tinham deixado a
casa, estava desempregado, a mãe pegara ele na rua e dera Limasurra e dizia
"que ele ia dar pra ruim", a irmã estava grávida "e ia ser uma boca a mais", já
nem ... E por aí ia .. Isso pra não entrar no mais miúdo dali: não tinham lápis
nunca (se acabavam, se perdiam ou ), nem borracha, nem lápis de cor, nem
livro didático (só uns poucos), nem (aquilo eram uma "fuleragem", era o que
os mais afoitos diziam). E ... as filas antes da aula, pra rezar (rezar obrigado) era
a hora dos carões (dos intermináveis preconceitos "em nome de Deus"). O que
elas perceberam no fim dessa manhã (foi uma manhã): "só uma parte era pra
gente, mas tudo se ligava".
Ritual rn
.
rque a gente ama viver. Lá a gente fica entre colegas. Não há pai nem mãe,
. . iguais": os outros que são um coletivo de gente.
Sala de Aula
A Cena nr.
Não há hora para se brincar com aquilo ali. "A sala não é lugar
de brincadeira" - diz sempre a professora. Nunca mesmo se fez brincadeiras na
sala de aula com estes brinquedos. "Foi da cabeça da gente mesmo" - disse
uma menina pra mim, logo depois que a professora dissera aquilo para a outra
que entrou.
Diz-se
I
dessas professoras que "são umas artistas, fazem
trabalhinhos de arte com as crianças, uma riqueza ..." - "Um artesanato lindo -
ajunta outra - e além de ser útil, é bonito". (A velha questão do útil e do belo).
franca (por esse corredor se vê a saudade de uma escola risonha e franca, como
dizia o poeta)?
fizera nos idos de 80). O canto de romana tinha uma parte que dizia o
seguinte:
No caminho de Juazeiro
nunca ninguém "se areia",
por causa da luminura da mãe
de Deus das Candeia ..."
melhor ..."Houve uma parceria muito grande dos professores com os alunos, dos
funcionários com os alunos ... E a escola toda foi envolvida nesse processo ... Os
trabalhos com sucata... eram de uma criatividade impressionante. A gente se
espanta de ver como eles sabem coisas que a gente nem imagina, como
percebem aspectos da realidade que nem se tinha reparado ... Tudo aparecia ali,
naqueles trabalhos de sucata. Expressão deles ... Uns olhos de gigante, eu senti
que é como se eles tivessem olhando tudo com olhos de gigante e eu me sentia
bem pequenininha. Tinha prof ora qu comentava na sala dos professores:
"puxa eles abiam tudo isto? : ida com a arte. É como a
162
música da Banda: "eu estava à toa na vida" ... Depois que passa a semana
cultural, a gente já fica imaginando a próxima ..."
nossa frente. Quer-se ancorar esse fazer no seio do povo que o elabora e, em o
fazendo, reler os significados que estão à sua disposição na leitura de mundo.
Estes significados têm núcleos abastardados, mas têm núcleos de reelaboração
e resistência.
apenas ampara o cotidiano mais duro do trabalho, vê-se que sai um objeto que
vai ser estetizado para consumo, geralmente do turismo. O objeto artesanal
criado na escola parece-me situar-se nesta região de algo quase casual, furtivo,
mais que já se lhe põe no fazer a idéia de que pode ser consumido
esteticamente, "pode também dar um dinheirinho, tia".
... "o sujeito pode até se entreter com essas COIsasmas para se
ocupar, porque tudo que se faz tem sua valia e ainda mais uma coisinha dessas
que serve para quem queira ... mas isso num deve distrair os meninos do estudo
não ..." e, depois, "dessa escravidão de trabalhar com as mãos eu já vim. Na
idade o negócio é ter cabeça boa para coisa de livro, que aí você pode arrumar
um emprego melhorado. Nunca ... nem nunca ... como o deles lá ... mas
melhorado. Já num é aquele cativeiro sem fim das mão na palha".
" ... muitas dessas coisas que a gente faz assim de criação, com
ucata, com materiais ... pobre, é .... muitas delas já sabiam fazer. Para uso
assim, de casa mesmo, como ma coisa que passava de pai e mãe
166
para filho, como um conselho. Hoje os meninos já vêem que aquilo ali tem um
valor, e até dá wna renda, um dinheiro, ouviu? Sempre eles sabem que na
EMCETUR, na Beira-Mar, por aí... tem gente que acha lindo aquilo e compra.
Alguns fazem essas coisas para ajudar, então, no sustento. Mas aí o bordado, a
palha, aqueles enfeitinhos são feitos já para isso".
.
espírito. Esse mesmo que se supunha em retirada e volta, ainda, para ser
perseguido. Vejamos como Adomo se expressa sobre o que vinha alinhavando:
Ritual IV
o Tempo
como esse passado que não se entendeu e que volta para ser reencenado como
jogo. O espaço protegido do jogo trazendo o difícil, o susto para ser revisitado
no presente.
A Cena IV ou Ritual IV
"- Eu tava falando. Sou eu. Tinha uma vida aSSIm igual.
Comidinha, a gente fazia. As "mulher". Os "homem" iam fazer coisa nas
árvores. Para lá.
(A outra interrompendo) : "- Caçar, porque a cabana era no fim
da cidade. Já quase mata. Ficava perto da mata".
"- ... Tinha a outra hora. (Riem, fazem fita para dizer, suspense
e mudam o tom de voz): - A que a gente ficava de bem. Cada uma ficava com
um. E aquele que a gente pegou ia ser o macho da gente, tia.
(A outra, interrompendo): "- Fala assim, não ... Não é assim ..."
"- A mãe quando fala assim diz macho. Ele não "tando", a gente
fala assim. Na presença dele é o nome dele. Eu vejo que é..."
ninguém trata de achá-Ias. A paixão toma sua posse e sonha acordada. "Vai
acontecendo tudo ali..."
Por sair "cada coisa que a gente nem tinha pensado antes", vê-
se que é jogo, o espaço onde o imaginário faz e acontece. O desejo de viver no
jogo as "coisas da vida mesmo, que a gente viu" mostra os conteúdos psíquicos
•
inquietantes querendo ser elaborados na ação de se ir sendo só por ser. A
ultrapassagem da fronteira do bom e mau, do que é prazer e do que é guerra - a
transgressão do que é costumeiramente vivido, sendo o encantamento mesmo
do jogo. Poderíamos ver aí uma distinção feita, sem a consciência dela, do que
é individualidade e subjetividade? O "ser para o povo ver", o ser tenso, cindido
por um aparecer social que o constrange não seria uma crítica à mediação feita
pelo sistema capitalista aos processos de desejo enunciados pela infância? Vê-
se claro aí a pretensão do ego de tentar nos papéis sociais que deixam
174
.
(GUATTARI e ROLNIK, 1986:28) .
2 ).
175
Essa
, espécie de "escuta" do grupo aos seus processos, de
desvestiduras (a partir do trabalho crítico) das "camadas" que se depositam no
er, formando a socialidade capitalista, se efetiva quando o grupo vive seu
processo de autonomização.
no modo como ele se relaciona com a vida ou com aspectos desta. Guattari diz
pela cultura de massas. Parece propor que a categoria da Infância, por exemplo,
poderia fornecer elementos para se pensar a possibilidade do resgate do sentido
modernidade.
Na
, escola, por exemplo, vemos que a infância (como algo não
modelizados. A peça "Fiapo", encenada cerca de cem vezes, por todo o ano de
Estado, mostra bem esse olhar enviesado ao convívio com a escola. Fiapo é
popular que, no decorrer de toda a encenação, tenta se ajustar à escola, que ela
ão compreende.
178
.
se, desde o início, o ponto de vista da criança fosse seu olhar - o que confere o
estranhamento desejado. Façamos mn parêntese.
:z::
" Fenomenismo e egocentrismo, tais são os dois aspectos a::l
indissociados da consciência elementar, por oposição à objetividade
xperimental e à dedução racional ulteriores.
.
abrigavam o desejo de pertencimento e de identidade, eram menos propensos a
manipulações de líderes que tomavam o espaço de fala e de singularização de
cada um. Todavia, por ocasião da Romaria, momento em que todos os grupos
se encontravam, as questões agrárias, sindicais e o enfrentamento dos
problemas com os grandes projetos (Carajás, Vale do Rio Doce, etc.) não eram
tratados minimamente. À parte análises sobre o oportunismo de determinadas
facções políticas ou religiosas ou o receio de perda da hegemonia, viu-se que
havia dificuldades, da parte dos setores mais progressistas da Igreja, de aceitar
o Partido em sua função de edu ador oleti o. Apenas quero usar essa imagem
para que ejam as difi I alho nos pequ nos grupos (como
186
os das CEBs) tem para transpor esse estágio de politização que atinge a esfera
do mundo da vida e tenta perfurar a esfera sistêmica. Para que, então, esses
processos de singularização não acabem funcionando com o espírito de
grupelho, com o fanatismo ou o separatismo dos guetos, e também não sejam
racionalizações de um psiquismo que se atrofia, é necessário, talvez, que se
atente para o seu potencial revolucionário. Acordar esta potência revolucionária
é certamente deixar que estes processos de grupo sujeito deságüem numa
práxis social efetiva nos movimentos sociais e que, por sua vez, esta prática se
alimente da esfera do mundo da vida. Caso não haja canais de expressão dessa
ordem de contribuições expressa pelos processos de singularização, por
exemplo, dos grupos de minorias (que, no geral, são maiorias), eles redundam
numa sementeira de formas moleculares destrutivas que Guattari chama de
microfascismo.
.
forma que se pôde ou soube para negar a insânia?
vai-se ver o que a classe popular se envergonha de ser, dizer e sentir e que é
sua mina de poesia. Até a nossa tristeza, secura, falta.... é digna de ser
assumida. É a partir de se assumir o que nos constrói na nossa singularidade
que nós vamos aprendendo a ousar o que não se é ainda. E vamos incluindo
esse singular no mundo, no movimento do rnundo, nos movimentos sociais de
emancipação. Rejeitar a unitotalidade do capitalismo na conformação que ele
tem hoje, no Terceiro Mundo, não é render-se à segmentarização dos grupos e
colocar-se impotente diante das mudanças que hão de ser feitas de um modo
coletivo, em escala mundial.
essoas que querem organizar sua vida de um outro modo; de uma minoria
ocial que quer se desfazer dos sistemas de coação que tendem a modelizá-las;
um grupo de mulheres que, mesmo em pequena escala, querem se libertar do
istema opressivo de que são objeto há milênios; de um grupo de criadores que
uerem se livrar dos sistemas padronizados em seu campo, ou até de crianças
que se recusam a aceitar o sistema de educação e de vida que lhes é proposto -
ara que esses processos se efeti em eles devem criar suas próprias
rtografias, de em in entar s a ráxi d modo a fazer brechas no sistema de
ubj ti idade dominem e" G 1986:50), E ainda mais além: A
190
Sonhos: que a carne dos dias tenha por dentro a água dos
sonhos. O sonho, porém, é de uma matéria que, para não ser sombra, precisa se
plantar na vegetação da vida, dos corpos, da existência concreta mesmo. O
sonho seria como uma planta que parasita a vida: se alimenta dela e salta nela
para viver. Mas a vida também precisa dessa alma estranha dos dias. Um e
outro - sonho e vida - têm esse consórcio etemo mas, cada um habita um
mundo e funciona de um modo bem diverso um do outro. Por isso fica o
I
problema: que ação revolucionária pode dar à essa pulsão de Eras, à potência
revolucionária das gangues do subúrbio (as também chamadas "turmas de trás"
das Escolas Públicas da periferia) de Fortaleza, o espaço para a construção de
devires singulares? Como construir esses veios na Escola - onde o desejo
escorre? Onde então se lhe estanca o que deveria verter?!
.
zangado, dizendo que, se se soltasse daria uma surra na Catirina. E a cada
junho a tal festa se repete do mesmo modo: o Pai Francisco amarrado, sendo
alvo da chacota (e perversidade) dos outros escravos, para regozijo do coronel,
que a tudo assiste deliciado. Nesta segunda versão, há o seguinte detalhe: Pai
Francisco confessa, logo que foi capturado pelos escravos, que tudo fizera para
satisfazer o desejo de Catirina e por medo de que ela perdesse a criança que
esperava.
ao modo de ser das coisas do lugar. Ela quer comer a carne do boi de
estimação do coronel. O boi é propriedade e a propriedade uma lei do lugar. Há
duas situações que ainda são dados importantes sobre a história:
O desencantamento
I
do mundo, tema que se canta sobre a
odernidade, pede uma nova relação com o mundo. Não pede que se negue o
undo. Assim também, a racionalidade é uma aquisição - pede-se que se veja
sujeito dela e, nele, um ser inteiro. E não se jogue a água suja do banho com
criança dentro.
198
Ritual V: A Rua
o Tempo
A outra, ajunta: "Tudo bem, hoje tem o forró. Pode até ser.
Mas parece mais um desses enlatados como a lambada ... Porque era uma coisa
de rua mas quando vem para nós vem com o rótulo como ... qualquer outro
produto novo". E outra professora: "O lugar da arte é nas ruas. Nas coxias,
para se ser sincera. Beirada de rua, de estrada, de casa (margem). Tinha uma
convivência, a infância, a juventude. Aconteciam coisas, dramas, estórias,
paixões. Era como uma quadrilha: o amor, os pares, os amigos, o "drama" se
.
misturando às realidades ... e tinha a revolta. Tinha ..."
E, outro, conclui:
.
as luzes e sombras que se sabe de fora como são .
Por isso que dá revolta. Porque a gente vê os outros e a gente ... Na mesma.
Essa coisa de ser povo, será que é isso"?
o espaço nas rua ainda era íntimo. Tinha os palhaços das mas,
as doidas, os amores conhecidos e os secretos (aqueles a que não se concedia
legitimidade mas que todos sabiam).
Não se sabe ao certo quantos são, mas são muitos. Uma espécie
de bando de garotos (já rapazes), com peitos nus cantam e dançam capoeira. É
capoeira? Maculelê? "Funk"? "Break"? Têm acompanhamento: violões
(acústicos) e percussões. Também se escuta um berimbau e uma flauta de
madeira. Passa-se na ma, essa cena. De início parece algo em surdina que vai
crescendo. Depois, eles ganham o calçamento e encorpam canto e voz, e vêm
risos fortes, como se fizessem um levante popular. Uns são meninos ainda,
outros já homens feitos. Em certo momento, no rítmo com que o berimbau
marcava a capoeira, todos cantam os versos de Caetano Veloso, "Cajuína":
201
"Essa coisa de ser povo, será que é isso?" Ainda não ensaiaram
as linguagens comuns, de um dado jeito, de um determinado modo de se lidar
com a racionalidade? No entanto, de corpo inteiro, estavam em grupo,
ensaiando uma luta que é canto que fica travesti do de briga, ora de arte. A
mistura herdada do negro: mestiçagem e Quilombo.
.
nca, a intimidade entre os iguais, na rua, fá-los pertencer a um rosário de
estórias e vida que os singulariza. Se são mercadoria - e de pouca valia, como
percebem - ainda se permitem ao canto e à poesia das coxias, à dança que é
briga travestida de arte, nas ruas. É aí, no coração das ruas, que mora a
juventude, eterna província da alma?
.
E, mais adiante, contrapõe velhos a jovens, novamente:
Depois:
206
moda cultural.
.
que é necessário re-pensar e integrar num ser inteiro dimensões esquecidas ou,
ainda, não vistas antes com a complexidade que os novas contribuições das
ciências hwnanas e sociais trouxeram.
CONCLUSÃO
.
da história, para superar as contradições que se punham na casa do mundo. A
razão ficava a fazer sua ponte sobre esta dilaceração percebida no mundo.
mundo. Estes sentidos migram, têm muitas vozes - mas necessitam ter seu lugar
de expressão, de elaboração e interação com os outros. Buscar o humano - este
paradigma que se pergunta - nas ciências é não reduzir o que se toma por razão
à sua dimensão instrumental. A arte tem essa função de dar sentido humano ao
mundo, na imaginação, ao expressá-Ia e reorganizá-Ia numa obra feita. Mas
este ser criador, onde? Conhecer envolve criação. E nas formas da arte as
pessoas experimentam os sentidos da vida. Poderíamos dizer que no campo dos
desejos passeia a errância dos sentidos.
"- Você podia vir ajudar na festinha das mães? A gente fazia
uma fiores ..."
logo?"
o nome certo: coisa. Uma coisa para botar ali num lugar entre.
Entre um de er e outro. Entre. Como se faz com a música, por exemplo. A
música é a que e oi a e outra. A música ali ai entrando
218
Em que pese o respeito que temos por algo dessas visões das
qUaIS depreende-se certo apreço pelo potencial lúdico da arte, constata-se,
porém, o modo instrumental de tomá-Ia na Escola.
"A triste ciência, da qual ofereço algo a meu amigo ..." diz
AdoTIlO na dedicatória que faz a Max Horkheitner, do seu livro "Mínima
Moralia - reflexões a partir da vida danificada", esta triste ciência, digo, funda
um modo de relação com a realidade e o Outro coisificante. O que se conhece
•
na Escola são "coisas". Então o professor me convida: - "Bota uma coisa ali
naquele lugar?"
sob o significante. Poder-se-ia dizer que, como num jogo de bilhar, ao bilar
(tocar) uma bola, esta impulsiona outra tantas, como campos de significado que
se reorganizam em novas configurações, a partir de reordenações do
significante. Por isso os lapsos de linguagem, ao acontecerem, fazem com que
essa bola (significante) vá "bilar" (tocar) outras bolas (significantes) e, ao
fazer emergir uma cadeia delas, está-se na possibilidade de se ter nova
configuração de significados. Claro que esta cadeia trazida pelo significante (de
outros significantes) não é casualmente constituída. O significante que rompe
suas defesas (do inconsciente) e vem "espiar" neste buraco do lapso, por
exemplo, faz parecer fortuito o que é fio de uma longa estória inscrita na came
dos dias. As conexões de significantes, portanto, aportam via o "buraco" da
falta (exposto em lapsos, sonhos, etc.) por onde o desejo mostra sua cara e
realiza sua busca.
.
Portanto, admitir este deslizamento do significado é contar com
a dimensão do inconsciente nos vários textos que dialogam com esses sujeitos,
também narradores, é contar com este abeirar-se permanente do desejo em sua
errância. Na relação dialogal que se estabelece entre esses intertextos dos
outros e os nossos, deixa-se que um ego ponha-se a espiar o seu desejo.
Porque, como venho dizendo, na Escola há uma hipertrofia do superego. Por
isso insisto em não deixar a libido calar o poder de autonomia e de consciência
do ego, pelo superego do professor.
222
potência que têm as várias formas expressivas na arte, para falar do real. A
visual idade - o trato com imagens - é algo avassalador hoje. Esse trato mudou,
por exemplo, ao longo da história do cinema, como também mudaram as
funções da arte ao longo da história. Poder-se-ia apontar para investigações
sobre as especificidades desses meios expressivos vários, como sobremaneira
importantes. No entanto, por ora interessa-me propor a potência desses textos
para falar das virtualidades do real e dar conta de se porem a dialogar uns com
os outros, considerando esta pauta polifônica (das vozes dos sujeitos) e
polissêmica (das multiplicidades de sentidos) que têm.
pés enérgicos e rijos, a menina viu a professora. Olhou-a pelos pés. Melhor:
adivinhou-a. A professora a an ou no segredo ... e quase matou a esperança,
aquele insetinho erde de e fininhas. A um olhar surpreso da professora, a
223
menina quis um sorriso que não saiu. A professora insistiu: - Tá vendo? O que
significa isso? O que você estava fazendo com isso?
E a menina: - Eu olhava.
- É um cínico. Ri muito".
Outra cena: uma mulher flagra seu marido com outra, traindo-a.
A partir de situações dramáticas semelhantes, como uma cadeia de
significantes a quem se vai perquirir os significados, passa-se a estudar o que
foi aprendido sobre o que é ser mulher. Como se sentiu e se leu este sentimento
advindo da situação de flagrante - e das outras semelhantes. Até que ponto
você foi ensinada sobre isso: que construção social gestou este modo de agir?
O que importa imensamente trabalhar é a confluência dos processos de
socialidade com a expansão da nossa singularidade. Desvestir os processos de
reprodução de subjetividades serializadas é ir tentando ver no que foi aprendido
nos processos sociais, o que pode ser rompido ou continuado.
.
processos de experimentação e criação de sentidos que, no próprio ato de irem
se fazendo obra vão se configurando. Na doação ou estabelecimento de
sentidos (ou nem isso) há uma mecânica que simula o utilitarismo fabril
dominante. A arte na educação vai sucumbindo ao medo de produzir e
experienciar sentidos, ensaiarem-se obras.
Outra imagem.
- "Eu olhando o que eu fiz estes dias vejo que quando eu falo da
infância, olha aqui, no começo da minha história, eu falo muito ... É cheio de
açude, de cheia, tem até invemo, olha aí...
Olha, se eu não conseguir dizer essa ... esses ... essa ... Eu posso
botar meu sonho, não é?".
.
A fantasia: o Outro do existente. A travessia fácil para o invemo
sonhado. Se mun momento é um ponto de fuga, noutro pode ser um dos
possíveis.
garçom só servirá algo a quem possa pagá-Io e o pague, sem fazer descontos
aos amigos nem praticar a caridade com os que tem sede mas não dinheiro.
(ENGUITA, 1989: 169).
.
Já se alinhou, ao longo deste texto de dissertação, quão
insidiosas são estas formações culturais e sistêmicas, que chegam a imiscuir-se
mesmo na estrutura mais profunda das subjetividades. A minha própria
produção cultural, nesse período do estágio, transbordou para as margens: o
musical "Míria ou Lá se Vem a Lua, Quem te disse que Ela é Tua" e a peça
para atores e bonecos "Fiapo - a silenciosa canção das coxias" alentaram meu
coração dos ensonhados nunca tidos. Nesse campo crestado de fogos tão
vários, entretanto, a necessidade da arte fala seu incansável amor pelos
possí eis. Eu ainda escuto essa música. É através do esforço de enxergar essas
23
.
A arte que estaria também na Escola migra para as ruas e os
fundos de quintais - porque para lá também se vão dimensões silenciadas.
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.
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