Davi Lopes Introducao As Equacoes Funcionais
Davi Lopes Introducao As Equacoes Funcionais
Davi Lopes Introducao As Equacoes Funcionais
1. Introdução
Estudaremos aqui um dos assuntos mais requisitados no mundo olímpico: as
equações funcionais. Tema que aparece com bastante frequência nas olimpíadas ao
redor do mundo, especialmente nas competições internacionais.
O que torna esse assunto mais fascinante (Pode ser fácil, pode ser difícil, mas é
fascinante do mesmo jeito) é que não existe muita teoria profunda para resolvermos esse
tipo de problemas. Os conceitos básicos sobre funções como injetividade,
sobrejetividade, domínio, imagem, pontos fixos, e assim por diante, são pré-requisitos,
mas dependeremos de muito treino para saber quando esses conceitos serão utilizados.
O segredo está aí: treino (muito treino!) e mente aberta. Isso é tudo o que você vai
precisar para resolver esses problemas.
Note que 𝑎 = 𝑏 implica 𝑓(𝑎) = 𝑓(𝑏), mas que a afirmação contrária nem
sempre é verdade. Só podemos afirmar que 𝑓(𝑎) = 𝑓(𝑏) implica 𝑎 = 𝑏 quando 𝑓 for
injetora. De maneira mais informal: Numa igualdade, podemos colocar quantos 𝑓’s
quisermos, mas só podemos “cancelar” 𝑓’s quando 𝑓 foi uma função injetora.
Se 𝑓: 𝐴 → 𝐵 é injetora, então 𝑚 ≤ 𝑛.
Se 𝑓: 𝐴 → 𝐵 é sobrejetora, então 𝑚 ≥ 𝑛.
Se 𝑓: 𝐴 → 𝐵 é bijetora, então 𝑚 = 𝑛.
Por isso que, em muitos problemas de combinatória, para provarmos que dois
conjuntos dados possuem a mesma quantidade de elementos, basta construir uma
bijeção de um desses conjuntos até outro.
𝑓(𝑥) = 𝑓(𝑦)
Função Inversa: Dada uma função 𝑓: 𝐴 → 𝐵 bijetora, pode-se provar que existe
uma função 𝑓 −1 : 𝐵 → 𝐴 tal que 𝑓 −1 (𝑥) = 𝑦 ⇔ 𝑓(𝑦) = 𝑥. Tal função é conhecida como
a inversa de f , e nesse caso dizemos que 𝑓 é inversível.
1
Exemplo: 𝑓: ℝ − {1} → ℝ − {0}, 𝑓(𝑥) = 1−𝑥 tem como inversa a função
𝑥−1
𝑓 −1 : ℝ − {0} → ℝ − {1} dada por 𝑓 −1 (𝑥) = . De fato:
𝑥
1 1 𝑦−1
𝑦= ⇔1−𝑥 = ⇔𝑥 =
1−𝑥 𝑦 𝑦
Solução: Esse exemplo é bem interessante, pois mostra o poder de trocar uma
variável por uma nova variável, só que levemente diferente. Como assim? Vejamos...
Na equação 𝑓(𝑥 + 12) = 𝑓(𝑥 + 21) = 𝑓(𝑥), trocando 𝑥 por 𝑦 − 12, temos
que 𝑓(𝑦 − 12 + 12) = 𝑓(𝑦 − 12 + 21) = 𝑓(𝑦 − 12) ∴ 𝑓(𝑦) = 𝑓(𝑦 + 9). Porém,
como 𝑥 varia sobre todos os real, 𝑦 também varia, de modo que podemos afirmar que
𝑓(𝑦) = 𝑓(𝑦 + 9), ∀𝑦 ∈ ℤ. Trocando 𝑦 por 𝑥 (só pra mudar a letra da variável), temos
𝑓(𝑥) = 𝑓(𝑥 + 9), ∀𝑥 ∈ ℤ. Poderíamos ter resumindo tudo isso dizendo 𝑥 ← 𝑥 − 12, de
modo que, no próximo passo, faremos isso.
𝑥, 𝑠𝑒 𝑥 ≥ 0 𝑥, 𝑠𝑒 𝑥 ≥ 1 𝑥, 𝑠𝑒 𝑥 ≥ 2
𝑓(𝑥) = { ; 𝑓(𝑥) = { ; 𝑓(𝑥) = {
0, 𝑠𝑒 𝑥 < 0 0, 𝑠𝑒 𝑥 < 1 0, 𝑠𝑒 𝑥 < 2
Obviamente podemos trocar 0,1,2 por qualquer número real. E como há infinitos
números reais, há infinitas funções 𝑓 ∎
i) 𝑓(3𝑛) = 3𝑓(𝑛) + 1;
ii) 𝑓(3𝑛 + 1) = 3𝑓(𝑛) + 2;
iii) 𝑓(3𝑛 + 2) = 3𝑓(𝑛);
Determine 𝑓(2012).
Exercício 3 (OBM/2002 – 1ª Fase): Seja f uma função real de variável real que
satisfaz a condição:
2002
f ( x) 2 f 3x
x
𝑥 1 2 3 4 5
𝑓(𝑥) 4 1 3 5 2
𝑓(𝑓(… (𝑓(𝑓 (4)) … )))?
Quanto vale ⏟
2004 vezes
4. Equações Funcionais
A partir de agora, vamos aprender a resolver algumas equações funcionais. A
resposta de uma equação funcional é, como o próprio nome diz, uma função, com leis
bem estabelecidas, que dependem apenas da variável. O desafio dessas questões é
justamente isolar a função da equação.
Exemplo 5 (OBM/2003 – 2ª Fase): Determine todas as funções 𝑓: ℝ∗ → ℝ∗ tais
que, para todos 𝑥, 𝑦 ∈ ℝ∗ :
𝑥 𝑦
𝑓(𝑥)𝑓(𝑦) − 𝑓(𝑥𝑦) = +
𝑦 𝑥
1 1
𝑓(1)𝑓(1) − 𝑓(1.1) = + ⇒ 𝑓(1)2 − 𝑓(1) − 2 = 0
1 1
Resolvendo a equação do segundo grau em 𝑦 = 𝑓(1), obtemos 𝑓(1) = −1 ou
𝑓(1) = 2. Como saber qual dos dois valores é o verdadeiro? Vejamos cada caso.
𝑥 𝑦
𝑓(𝑥)𝑓(𝑦) − 𝑓(𝑥𝑦) = + ⇔
𝑦 𝑥
1 1 1 1 1 1 𝑥 𝑦
⇔ (− (𝑥 + )) (− (𝑦 + )) − (− (𝑥𝑦 + )) = + ⇔
2 𝑥 2 𝑦 2 𝑥𝑦 𝑦 𝑥
1 1 1 1 1 𝑥 𝑦
⇔ (𝑥 + ) (𝑦 + ) + (𝑥𝑦 + ) = + ⇔
4 𝑥 𝑦 2 𝑥𝑦 𝑦 𝑥
3 1 𝑥 1 𝑦 3 1 𝑥 𝑦 1 𝑥 𝑦
⇔ 𝑥𝑦 + . + . + . = + ⇔ 𝑥𝑦 + = + (∗)
4 4 𝑦 4 𝑥 4 𝑥𝑦 𝑦 𝑥 𝑥𝑦 𝑦 𝑥
Para todos os números reais não-nulos 𝑥, 𝑦. Porém, a fórmula “não bate”, não é
mesmo? Isso significa que isso não é verdade, e uma forma bem rápida de verificar isso
é atribuir valores de 𝑥, 𝑦 que invalidam (∗). Por exemplo, se 𝑥 = 𝑦 = 2, deveríamos ter
1 2 2 1
2.2 + 2.2 = 2 + 2 ⇒ 4 + 4 = 2, o que claramente é um absurdo. Portanto, esse caso é
1
inválido, e apenas (2) é solução do problema. Portanto, 𝑓(𝑥) = 𝑥 + 𝑥 , ∀𝑥 ∈ ℝ∗
Mas, espere! Onde está o quadradinho preto que indica que o problema foi
resolvido? A gente achou a lei de formação de 𝑓, então acabou! Só que não...
Na verdade, pode acontecer com essa lei de formação o mesmo que aconteceu
com a lei de formação anterior: não dar certo. Por isso, toda vez que encontrarmos uma
solução, é preciso testá-la, ainda que essa função seja a única resposta possível. Pode ser
que dê certo, pode ser que não, de modo que só há uma maneira de saber: testando.
1
Testando 𝑓(𝑥) = 𝑥 + 𝑥 , ∀𝑥 ∈ ℝ∗ :
𝑥 𝑦 1 1 1 𝑥 𝑦
𝑓(𝑥)𝑓(𝑦) − 𝑓(𝑥𝑦) = + ⇔ (𝑥 + ) (𝑦 + ) − (𝑥𝑦 + ) = + ⇔
𝑦 𝑥 𝑥 𝑦 𝑥𝑦 𝑦 𝑥
𝑥 𝑦 1 1 𝑥 𝑦 𝑥 𝑦 𝑥 𝑦
⇔ 𝑥𝑦 + + + − 𝑥𝑦 − = + ⇔ + = + (𝑂𝐾!)
𝑦 𝑥 𝑥𝑦 𝑥𝑦 𝑦 𝑥 𝑦 𝑥 𝑦 𝑥
1
Deu certo! Isso significa que 𝑓(𝑥) = 𝑥 + 𝑥 , ∀𝑥 ∈ ℝ∗ é a solução, e depois de
testar todos os casos, podemos dizer que concluímos o problema. Ou seja, podemos
colocar o quadradinho preto: ∎
1 1
𝑓(−𝑥) + 𝑓 ( ) = 𝑥, ∀𝑥 ∈ ℝ∗
𝑥 𝑥
1 1 1 1 1 1
𝑓 (− (− )) + 𝑓 ( ) = − ⇒ −𝑥𝑓 ( ) + 𝑓(−𝑥) = − (∗)
1 𝑥 1 𝑥 𝑥 𝑥
−𝑥 −𝑥
1
1 𝑓(−𝑥)+
𝑥
De (∗), temos 𝑓 (𝑥) = , e substituindo na equação original:
𝑥
1
1 𝑓(−𝑥) + 𝑥 1
𝑓(−𝑥) + = 𝑥 ⇒ 2𝑓(−𝑥) = 𝑥 2 − (1)
𝑥 𝑥 𝑥
Se fizermos 𝑥 ← −𝑥 em (1):
1 1 1
2𝑓(−(−𝑥)) = (−𝑥)2 − ⇒ 𝑓(𝑥) = (𝑥 2 + ) , ∀𝑥 ∈ ℝ∗
−𝑥 2 𝑥
1 1 1 1 1 1 2 1
𝑓(−𝑥) + 𝑓 ( ) = 𝑥 ⇔ ((−𝑥)2 + ) + (( ) + ) = 𝑥 ⇔
𝑥 𝑥 2𝑥 −𝑥 2 𝑥 1
𝑥
𝑥 1 1 𝑥
⇔ − 2 + 2 + = 𝑥 ⇔ 𝑥 = 𝑥 (𝑂𝐾!)
2 2𝑥 2𝑥 2
1 1
Conclusão: 𝑓(𝑥) = 2 (𝑥 2 + 𝑥) , ∀𝑥 ∈ ℝ∗ ∎
Agora, veja que, de (1), 𝑓(𝑓(𝑦)) = ℎ(𝑦), para todo 𝑦 ∈ ℝ. Dessa forma, 𝑓 é
injetora, pois 𝑓(𝑎) = 𝑓(𝑏) ⇒ 𝑓(𝑓(𝑎)) = 𝑓(𝑓(𝑏)) ⇒ ℎ(𝑎) = ℎ(𝑏) ⇒ 𝑎 = 𝑏 (pois ℎ é
injetora). Além disso, 𝑓 também é sobrejetora, pois dado 𝑦 ∈ ℝ, existe 𝑥 ∈ ℝ tal que
𝑓(𝑥) = 𝑦. De fato, basta tomar 𝑥 = 𝑓(𝑥′), onde 𝑥 ′ ∈ ℝ é tal que ℎ(𝑥′) = 𝑦 (tal 𝑥′
existe, pois ℎ é sobrejetora). Assim, 𝑓(𝑥) = 𝑓(𝑓(𝑥′)) = ℎ(𝑥′) = 𝑦 ∴ 𝑓(𝑥) = 𝑦.
Portanto, 𝑓 é bijetora, e assim existe 𝑥0 ∈ ℝ tal que 𝑓(𝑥0 ) = 0.
𝑓(𝑎 − 𝑏 2 ) = 𝑎 + 𝑏 2 (5)
Solução: Espere um pouco! Isso não é uma equação funcional, mas sim uma
INEQUAÇÃO FUNCIONAL! Como a gente resolve essa coisa? O segredo está
justamente em usar duas desigualdades para provar uma igualdade. Em termos
matemáticos, se provarmos que 𝑎 ≥ 𝑏 e que 𝑎 ≤ 𝑏, provamos que 𝑎 = 𝑏, convertendo
as inequações em equações. Devemos usar isso em nosso favor nesse problema.
Quase! Mas podemos fazer 𝑥 ← 𝑥/2 em (1) para ter 𝑓(𝑥) ≥ 𝑓(0), ∀𝑥 ∈ ℝ (∗∗).
Isso significa que, de (∗), (∗∗), 𝑓(𝑥) = 𝑓(0), e como 𝑓(0) é constante, concluímos que
𝑓(𝑥) = 𝑐, ∀𝑥 ∈ ℝ, onde 𝑐 = 𝑓(0) é essa constante. Falta só testar essa função, e mesmo
que o teste seja trivial, devemos fazê-lo sempre!
Se o domínio fosse o conjunto dos reais, teríamos mais dificuldade, mas o bom
de termos 𝐷𝑜𝑚(𝑓) = ℕ é que podemos aplicar indução, e essa é uma arma fortíssima
para se resolver equações funcionais com domínio natural (e até mesmo inteiro ou
racional). Provaremos por indução em 𝑛 que 𝑓(𝑛) = 𝑛 + 1.
O caso inicial 𝑛 = 1 já foi feito acima. Suponha que 𝑓(𝑘) = 𝑘 + 1, para algum
𝑘 ∈ ℕ. Nosso objetivo é provar que 𝑓(𝑘 + 1) = 𝑘 + 2. Para tanto, substitua 𝑛 por 𝑘 na
equação original:
𝑓(𝑓(𝑘)) + 𝑓(𝑘) = 2𝑘 + 3 ⇒ 𝑓(𝑘 + 1) + 𝑘 + 1 = 2𝑘 + 3 ⇒ 𝑓(𝑘 + 1) = 𝑘 + 2
((𝑛 + 1) + 1) + 𝑛 + 1 = 2𝑛 + 3 ⇔ 2𝑛 + 3 = 2𝑛 + 3 (𝑂𝐾!)
Conclusão: 𝑓(𝑛) = 𝑛 + 1, ∀𝑛 ∈ ℕ ∎
5. Problemas
Calcule 𝑓(1996).
Problema 3 (Itália/96): Seja 𝑓 uma função dos reais nos reais, tal que para
qualquer real 𝑥:
1
(a) 𝑓(𝑥) = 𝑥𝑓 (𝑥), para 𝑥 ≠ 0
(b) 𝑓(𝑥) + 𝑓(𝑦) = 1 + 𝑓(𝑥 + 𝑦), ∀𝑥, 𝑦 ∈ ℝ∗ , com 𝑥 + 𝑦 ≠ 0.
1−𝑥
[𝑓(𝑥)]2 . 𝑓 ( ) = 64𝑥, ∀𝑥 ≠ 0,1, −1
1+𝑥
3 3
𝑓(𝑥𝑦) = 𝑓(𝑥). 𝑓 ( ) + 𝑓(𝑦). 𝑓 ( ) , ∀𝑥, 𝑦 ∈ ℝ∗+
𝑦 𝑥
𝑓(1995) = 1996;
𝑓(𝑥𝑦) = 𝑓(𝑥) + 𝑓(𝑦) + 𝑘. 𝑓(mdc(𝑥, 𝑦)), ∀𝑥, 𝑦 ∈ ℕ
1 1
𝑓(𝑥 + 𝑥𝑦 + 𝑓(𝑦)) = (𝑓(𝑥) + ) (𝑓(𝑦) + ) , ∀𝑥, 𝑦 ∈ ℝ
2 2
Problema 23: Existe uma função limitada 𝑓: ℝ → ℝ (ou seja, existe um número
𝑀 > 0 tal que |𝑓(𝑥)| < 𝑀, para todo 𝑥 ∈ ℝ) tal que 𝑓(1) = 1 e que, para todo número
2
1 1
real 𝑥, tem-se 𝑓 (𝑥 + 𝑥 2 ) = 𝑓(𝑥) + (𝑓 (𝑥)) ?
Problema 24 (Austrália/98): Determine todas as funções 𝑓: ℝ → ℝ tais que:
𝑓(𝑥) = 𝑓(−𝑥), ∀𝑥 ∈ ℝ;
1 1 1
𝑓 (𝑥+𝑦) = 𝑓 (𝑥) + 𝑓 (𝑦) + 2𝑥𝑦 − 2000, ∀𝑥, 𝑦 ∈ ℝ∗ com 𝑥 + 𝑦 ≠ 0.
Problema 25 (Lista IMO/2009): Ache todas as funções 𝑓: ℝ∗+ → ℝ∗+ tais que:
𝑓(1) = 2008;
|𝑓(𝑥)| ≤ 𝑥 2 + 10042 ;
1 1 1 1
𝑓 (𝑥 + 𝑦 + 𝑥 + 𝑦) = 𝑓 (𝑥 + 𝑦) + 𝑓 (𝑦 + 𝑥)
𝑓(2𝑓(𝑥)) = 𝑥 + 1998, ∀𝑥 ∈ ℕ
Problema 35 (IMO/2009): Determine todas as funções 𝑓: ℕ → ℕ tais que, para
todos os inteiros positivos a e b, existe um triângulo não degenerado com lados de
comprimentos 𝑎, 𝑓(𝑏) e 𝑓(𝑏 + 𝑓(𝑎) − 1).