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Aula 03

Carreira Jurídica 2022 (Curso Regular)


Formação Humanística - Prof. Jean
Vilbert

Autor:
Jean Vilbert, Equipe Materiais
Carreiras Jurídicas

24 de Dezembro de 2021

66038788360 - Emanuela Barbosa Dias


Jean Vilbert, Equipe Materiais Carreiras Jurídicas
Aula 03

CIÊNCIA POLÍTICA

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Emanuela Barbosa Dias
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SUMÁRIO
1 Considerações Iniciais ................................................................................................. 4
2 Política ....................................................................................................................... 6
3 Pensamento Antigo: a resposta está nas virtudes ..................................................... 10
3.1 Confúcio .....................................................................................................................11
3.2 Platão .........................................................................................................................12
3.3 Aristóteles ..................................................................................................................15
3.4 Cícero .........................................................................................................................17
4 Era Medieval: na paz de Deus ................................................................................... 18
4.1 Santo Agostinho.........................................................................................................19
4.2 São Tomás de Aquino ................................................................................................20
4.3 Egídio Romano ...........................................................................................................22
4.4 Al-Farabi .....................................................................................................................24
4.5 Ibn Khaldun ................................................................................................................25
5 Absolutismo: quem é o estado? “O Estado sou EU”! ................................................ 29
5.1 Nicolau Maquiavel .....................................................................................................30
5.2 Thomas Hobbes .........................................................................................................36
5.3 John Locke .................................................................................................................39
5.4 Montesquieu .............................................................................................................44
6 Era das Revoluções: hora de mudar o mundo ........................................................... 51
6.1 Jean-Jacques Rousseau..............................................................................................55
6.2 Frédéric Bastiat ..........................................................................................................61
6.3 Edmund Burke ...........................................................................................................68
6.4 Jeremy Bentham ........................................................................................................72
6.5 Immanuel Kant ..........................................................................................................76
6.6 John Stuart Mill ..........................................................................................................79
7 Duelo de Ideologias: quem tem a razão? .................................................................. 86
7.1 Alexis Tocqueville ......................................................................................................87
7.2 Karl Marx....................................................................................................................91
7.3 Anarquistas ..............................................................................................................105
7.4 Georges Sorel...........................................................................................................115

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7.5 Max Weber ..............................................................................................................117


7.6 Giuseppe Mazzini.....................................................................................................120
7.7 Giovanni Gentile ......................................................................................................122
7.8 Antonio Gramsci ......................................................................................................125
7.9 Friedrich Hayek ........................................................................................................130
7.10 Georg Jellinek .......................................................................................................135
8 Política de Guerra e do Pós-Guerra: entre bombas e ideias ..................................... 138
8.1 Carl Schmitt..............................................................................................................141
8.2 Abul Ala Maududi ....................................................................................................144
8.3 Arne Naess ...............................................................................................................147
8.4 John Rawls ...............................................................................................................152
8.5 Robert Nozick ..........................................................................................................155
8.6 Michael Walzer ........................................................................................................158
9 Questões ................................................................................................................ 166
9.1 Questões SEM comentários ....................................................................................166
9.2 Gabarito ...................................................................................................................171
9.3 Questões COM comentários ...................................................................................173
10 Resumo .................................................................................................................. 180
11 Bibliografia ............................................................................................................. 186
12 Considerações Finais............................................................................................... 187

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1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Você já parou para pensar por que algumas nações (como os EUA, o Japão e a Inglaterra)
são ricas e outras (como o México, a África do Sul e o Brasil) são pobres? Claro que sim,
né?! Desde a escola falamos sobre o assunto, muitas vezes sendo levados a repetir, daí em
diante e durante toda a vida, uma série de achismos e soluções simplistas. Mas quer saber?
A resposta para o enigma está em uma palavra: POLÍTICA.
Daron Acemoglu (professor do MIT) e James Robinson (Professor de Harvard) se
debruçaram sobre o assunto, descendo às minúcias no livro “Por que as nações fracassam:
as origens do poder, da prosperidade e da pobreza”1. Segundo eles, classicamente, há três
teorias principais que buscam explicar o sucesso ou o fracasso das nações: geográfica,
cultural e cognitiva (sabedoria). Vejamos.
Pela teoria GEOGRÁFICA, não é por acaso que a maioria dos países pobres está na África,
América Central e Sul da Ásia, entre os trópicos de Câncer e de Capricórnio, ao passo que as
nações ricas estão concentradas principalmente nas latitudes temperadas. Em suporte, o
grande pensador Montesquieu chegou a afirmar que o clima tropical tende a produzir
pessoas preguiçosas, que não trabalham duro e nem são inventivas; pior: acabam sendo
governadas por déspotas. Será mesmo? Então tamo pedido!
O problema é que a hipótese geográfica não consegue explicar as diferenças entre as
Coreias do Norte (pobre de marré deci) e do Sul (rica como os Lannisters), nem entre as
Alemanhas Oriental (comunista... não precisa dizer que era pobre, né?) e Ocidental (para
onde, surpreendentemente, as pessoas do paraíso comunista, antes da queda do Muro de
Berlim, tentavam desesperadamente fugir).
E nem é verdade que os trópicos sempre foram mais pobres: o Oriente Médio liderou a
revolução neolítica – as primeiras cidades de que se têm notícia se desenvolveram no que
hoje é o Iraque e o ferro foi fundido pela primeira vez na Turquia.
Por fim, fatores geográficos são inúteis não só para justificar a diferença entre as várias
partes do globo atualmente como para explicar por que nações como Japão e China
estagnaram por longos períodos e, de repente, passaram a crescer com vigor.
Passemos então à teoria CULTURAL. O sociólogo Max Weber foi um dos primeiros a afirmar
que os princípios e a ética revelados pela reforma protestante facilitaram o surgimento de
sociedades industrializadas no Europa Ocidental, o que logo se transformou em
prosperidade econômica.

1
Lido no original: Why nations fail: the origins of power, prosperity and poverty. New York: Crown Publishers, 2012. Há
edição em português disponível pela Editora Elsevier.

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É certo que a cultura impacta no modo de vida das pessoas e, por consequência, nos
resultados obtidos por uma nação ao longo do tempo. Mas seria isso suficiente para
explicar por que a inequidade entre os países persiste? Parece que não... Ademais, como
explicar que nações como a Argentina e o Chile tenham níveis de prosperidade bem
superiores a Peru e Bolívia (de mesma colonização espanhola)? Por último, a hipótese
cultural não consegue encontrar uma solução para o rápido crescimento dos Tigres
Asiáticos – a cultura, como é sabido, é de transformação lenta e gradual.
Resta a teoria COGNITIVA: as inequidades são explicadas na medida em que algumas
nações são governadas (agraciadas) por pessoas que sabem como levá-las à prosperidade –
é tudo uma questão de saber fazer a coisa certa (nos países pobres os políticos são
ignorantes). Será mesmo? Você acredita nisso?
Assim como fizemos com a teoria cultural, em partes, podemos até aceitar essa hipótese da
ignorância: um ou outro político até cai mesmo em discursos malucos aqui ou acolá (o
canto da sereia), como quando a maioria dos governos democráticos ocidentais (alguns até
com boas intenções) adotou o keynesianismo (teoria que defende o aumento dos gastos
públicos e a intervenção governamental em larga escala) e deu no que deu – os efeitos
estão aí hoje: Estados quebrados e comoção social.
Mas, no todo, é preciso considerar que há sempre uma oposição lógica e organizada contra
o crescimento econômico. “What??? Por que alguém seria contra o desenvolvimento da
própria nação?” Entendo sua indignação. Você deve estar se perguntando se não seria
esperado que cada cidadão, cada político e mesmo cada ditador fosse querer que a nação
se tornasse o mais rica quanto possível? Só posso responder: de jeito NENHUM!
O desenvolvimento geral da nação gera aquilo que o economista Joseph Schumpeter
chamou de criação destrutiva – a substituição do velho pelo novo; novos setores atraem
recursos e substituem os antigos; novos nichos empresariais tomam os negócios dos que
eram estabelecidos; novas tecnologias tornam as existentes obsoletas... no processo há
ganhadores e perdedores... e não só na arena econômica como também na política.
Tomemos como laboratório a Revolução Industrial no século XVIII. Até então, a maior fonte
de riqueza era a propriedade de terras, acompanhada pelos privilégios garantidos aos
nobres pelos monarcas. De repente, surgem as indústrias, as fábricas, o comércio, as
cidades... levando os recursos para longe do meio rural, reduzindo os alugueis das glebas,
aumentando o salário dos lavradores. As elites viram ainda seus privilégios erodirem com o
surgimento de uma nova classe de homens de negócio. Para piorar, seu poder foi desafiado
pela urbanização e pela emergência de uma classe média trabalhadora, dotada de uma
surpreendente consciência social. Ao final, a derrota dos aristocratas feudalistas foi
esmagadora, tanto na área econômica quanto na política.
Por isso, não é surpresa que os detentores do poder, em vez de buscarem instituições
econômicas inclusivas (que permitiriam e encorajariam um grande número de pessoas a
aplicar seus talentos e habilidades, na área que escolhessem, para gerar desenvolvimento
econômico), prefiram instituições econômicas extrativas (desenhadas para extrair a
riqueza, ainda que menor, de toda a sociedade e canalizar a uma pequena elite).

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O Reino do Congo é um bom exemplo disso. Visitantes Portugueses e Holandeses que por
lá passaram nos séculos XV e XVI se abismaram com a “miserável pobreza” que imperava.
Ainda assim, havia uma elite congolense muito rica, a ponto de, em seus castelos, cercar-se
de luxos, servos e escravos – com o passar dos tempos, passaram a comprar terras na
Bélgica. Em tal situação de extremo conforto, essa elite não iria animar-se a uma abertura
econômica, com os riscos inerentes, para tirar os OUTROS da miséria.
Deu para compreender? Muito longe de falta de conhecimento, é justamente o
conhecimento apurado, a capacidade de antever que os privilégios econômicos poderão
ser perdidos e que haverá perdedores políticos no processo, a responsável por frear o
crescimento econômico generalizado.
Isso nos leva a concluir que são as instituições (inclusivas ou extrativas) que influenciam o
comportamento e os incentivos na vida real, levando as nações ao sucesso ou ao
fracasso.

Os países diferem em seu sucesso econômico em razão de possuírem diferentes


instituições, regras que influenciam como a economia funcionará.

E, como visto, a imposição de instituições inclusivas (que levam ao sucesso) não é fácil, pois
sempre encontrará oposição nos que gozam de benefícios (manejam instituições extrativas
em benefício próprio). Há um esperado conflito entre as instituições e o que acontecerá
depende de qual pessoa ou grupo vencerá o jogo político, o que, por sua vez, depende da
distribuição política do poder na sociedade. Em suma, as instituições políticas são
determinantes para o resultado do jogo.
Países como os EUA e a Inglaterra são ricos porque seus cidadãos conseguiram vencer o
jogo político (bater, mesmo que parcialmente, as elites) e criar uma sociedade em que o
poder político é distribuído de forma (mais ou menos) ampla e na qual a grande maioria
das pessoas pode tirar vantagem das oportunidades econômicas.
Em miúdos, a política é a chave da prosperidade ou do fracasso das nações.
Está vendo o quão importante é falar sobre política?
Dito isso (demonstrada para além de qualquer dúvida a relevância do tema), agora
podemos falar especificamente sobre política.

2 POLÍTICA

A palavra política tem sua origem no termo grego polis (cidade-estado grega) ou politikos
(coisas da polis).

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Ano: 2009 Banca: ESAF Órgão: MPOG Prova: ESAF - 2009 - MPOG - Especialista
em Políticas Públicas e Gestão Governamental) O termo Política diz respeito ao
funcionamento do Estado e ao exercício do poder. Quanto à sua origem, está correto
afirmar que:
a) foi criado por Maquiavel.
b) tem sua origem na Revolução Francesa.
c) deriva da palavra grega polis.
d) surgiu com a formação dos partidos políticos.
e) resultou das disputas dinásticas na antiguidade.
Comentários
O termo política é derivado do grego antigo e se refere a todos os procedimentos
relativos à polis, ou à cidade-estado. Assim, pode se referir tanto ao Estado, quanto à
sociedade, à comunidade e definições que se refiram à vida humana.
Logo, a assertiva C está correta.

(Ano: 2014 Banca: INSTITUTO AOCP Órgão: MPE-BA Prova: INSTITUTO AOCP - 2014
- MPE-BA - Assistente Técnico – Administrativo - ADAPTADA) Quanto ao Estado, à
Política e à Cidadania. Julgue o item seguinte:
A política relaciona-se com a cidade, com o cidadão e os modos de organização do
espaço público e do convívio social.
Comentários
Apenas reforçando o que vimos acima!
Por conta disso, o item está CORRETO.

A política, assim como a economia, existe e funciona em razão da escassez. Se pudéssemos


ter tudo o que quiséssemos, na hora em que quiséssemos, não haveria necessidade de
regularmos as relações.
Imagine você vivendo com mais dez pessoas em uma ilha lotada de palmeiras, onde os
cocos são inesgotáveis e de idêntica qualidade. Não haverá qualquer motivo para que haja
uma política sobre os cocos. Agora, basta que surjam cocos de qualidades diversas
(melhores e piores) para que nasça a imperatividade de se regular quem fica com o que e

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quando. Não demorará a aparecerem discursos, teses, defesas para indicar qual a divisão
justa dos melhores cocos... logo teremos direito, economia e POLÍTICA, que nada mais é do
que a atividade na qual os homens deliberam as regras que regerão sua convivência e os
objetivos que buscarão coletivamente.

Política é a arte de unir os homens entre si2.

A política é a organização harmônica da oposição de vontades, influenciada e


condicionada por todo o agir do ser-humano, ao mesmo tempo em que influencia e
condiciona esse mesmo agir, em sua totalidade (Hermann Heller). É a orientação dada à
gestão dos negócios na comunidade; é o conjunto dos atos e posições tomada para
empurrar em certa direção a estrutura e a marcha do aparelho governamental – engloba a
totalidade dos fatores do homem: ideologias, crenças religiosas, interesses de classe (Jean
Meynaud). Para os mais beligenrates, política é a luta pelo poder dentro de um Estado –
tomando-se o poder como “conjunto dos meios que permitem conseguir os efeitos
desejados” (Bertrand Russel).

Segundo Max Weber, a análise política deve ser realizada pela sua
característica principal (meio ou instrumento), isto é, pelo uso da
força (coação) para imposição da vontade. A política não é o
instrumento para a busca de uma finalidade específica (virtudes),
mas o meio coativo para o alcance de uma finalidade variável.
A finalidade seria variável de acordo com as condições vivenciadas.
Exemplo: em tempos de paz interna, a finalidade poderia ser o bem-
estar de maioria; em tempos de guerra, a finalidade é a vitória; em
tempos de opressão por um poder despótico, a finalidade é a
conquista de direitos; em tempos de dependência de uma potência
estrangeira, a finalidade é a independência. Essa escola remove o juízo teleológico da
política (neutralidade axiológica e relatividade dos valores).
Noberto Bobbio, porém, entende que é possível observar um “fim mínimo” da política: a
ordem pública nas relações internas e a integridade nacional na ordem externa entre os
Estados (soberania).

A política também pode ser definida como a arte de transformar tendências sociais em
normas jurídicas (Herman Heller). Sendo assim, é pela política que decidimos as estruturas
sociais e econômicas que organizarão toda a vida em sociedade (matéria mais sensível e

2
Johannes Althusius.

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fundamental impossível). Essas decisões, normalmente, dão-se pelo debate de ideias


(quem convence mais chora menos), mas, em alguns casos, podem se dar pela força
(revolução, golpe, guerra). Esse é o “singelo” âmbito da política.

Como fica fácil perceber: (1) política (em sentido amplo) não
se confunde com política partidária (o partido político é uma
agremiação civil, reunião de pessoas com interesses afins,
que busca participar do processo político), sendo
plenamente possível discutir política sem sequer passar
perto de partidarismos; (2) a política e o direito estão
intimamente ligados. Os debates políticos findam na
positivação de normas jurídicas que estabelecem regras de
convivência obrigatória a todos. Ignorar a política é fechar os olhos à fonte do direito e
deixar de participar justamente da construção do modelo que determinará a sociedade.
Não é à toa que Charles de Gaulle afirmava: “a política é uma questão muito séria para ser
deixada para os políticos”.

(Ano: 2017 Banca: CESPE Órgão: DPU Prova: CESPE - 2017 - DPU - Defensor
Público Federal) Em relação ao conceito de ciência política e à legitimidade do
poder político, julgue o item a seguir.
De forma geral, define-se ciência política como toda interpretação de fenômenos
políticos fundada na observação dos fatos e na argumentação racional, em oposição
às afirmações derivadas do senso comum.
Comentários
Moleza, não é? Aqui noix faiz política de maneira racional!
O item está CORRETO.

Está dipost@ a aprender mais sobre política? Sim? Eu já imaginava! Vamos então fazer uma
agradável viagem, de conversível (com vento no rosto), passando pelas ideias de alguns dos

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principais pensadores que se atreveram a discernir sobre o tema3. Coloque alguns


sanduíches em sua mochila, passe na conveniência do posto comprar um suco de graviola
(não posso dizer Coca-Cola porque seria propaganda) e enjoy it!

3 PENSAMENTO ANTIGO: A RESPOSTA ESTÁ NAS


VIRTUDES

É muito difícil falar em origem do pensamento político. Por um lado, quando é que o
homem não discutiu política? Falamos sobre ela desde SEMPRE. Por outro viés, parece
pouco provável que os egípcios (uma das primeiras civilizações) fossem ficar discutindo
racionalmente a organização social (o Faraó era um deus vivo e ponto final).
Bem, não vamos já (de saída) entrar de polêmica. Melhor seguir pela linha ordinária e ligar
o início das discussões políticas ao surgimento da Filosofia, há cerca de 2500 anos, na
Grécia Antiga. Passaremos, então, pelos pré-socráticos, por Sócrates, Platão, Aristóteles e
terminaremos no Helenismo, que se estendeu até pelo menos o século II depois da era
cristã.

Confúcio propõe um Sólon cria uma


governo baseado em constituição para Atenas
É fundada a República
valores tradicionais e que abre caminho para
Romana (510 a.C.)
administrado por uma cidade-estado
eridutos (Século VI a.C.) democrática (594 a.C.)

Aristóteles descreve as Sócrates é condenado à


Platão advoga pelo
formas de governo e morte por questionar a
governo dos "reis-
sugere a politeia (335- política e a sociedade
filósofos" (380-360 a.C.)
323 a.C.) grega (399 a.C.)

Teríamos, só aqui, material suficiente para escrever muitos livros. Mas fique CALM@! Não
farei isso. Fui bem seletivo ao escolher os pensadores que ainda têm impacto prático em
nossas vidas (inclusive ao cair em provas rsrsrs) e cujas ideias estão intimamente
relacionadas à política (a Filosofia ficará mais para frente).

3
Note que NÃO adotamos um rigor cronológico inflexível. Há aglutinações e alteração na ordem de apresentação dos
autores para fins de melhor entendimento dos grupos de discussão (prevalência do aspecto material sobre o histórico).
Trata-se de esforço para potencializar a sua COMPREENSÃO – no fim, é isso que importa, não é verdade?

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3.1 CONFÚCIO

Você já ouviu a frase: “um exemplo vale mais do que mil palavras”? Pois, em miúdos, é
justamente isso que Kong Fuzi (Mestre Kong) pregava.

Apesar da enorme importância de suas ideias, pouco se sabe sobre a


vida de Confúcio. Acredita-se que seu nome original era Kong Qiu
(551-479 a.C.). Nasceu de família de posses, mas após a morte do pai
teve de trabalhar como servo e estudar nas horas vagas (pretendendo
ser funcionário público). Chegou a se tornar administrador de Corte,
mas suas ideias (de que os homens deveriam governar pelo exemplo –
a virtude transforma o que está à sua volta) resultaram em demissão.
Passou o resto da vida viajando pelo império a ensinar sua filosofia.

A proposta de Confúcio era de que o líder fosse um homem superior, uma vez que as
pessoas mudam pelo exemplo sincero. Assim, o governo tem por obrigação pautar-se por
princípios tradicionais (bondade, virtude, fé, sinceridade), o que invariavelmente levaria o
povo a ser bom e a nação à prosperidade. Nesse sistema, os funcionários públicos, como
não poderia deixar de ser, devem ser escolhidos pelos méritos pessoais (concurso público).

Na China os concursos públicos iniciaram em 605 d.C. com base


em textos confucionistas. A prática perdurou até o século XX.
Após a revolução comunista, evidentemente, os concursos foram
extintos – se tem uma coisa que comunista objeta (tem ódio
mortal) é o tal do mérito.

O certo é que Confúcio estava à frente do seu tempo (literalmente rsrsrs). Explico: ao
tempo em que viveu, enquanto tentava pregar meritocracia e governo pelo exemplo
(bondade), o pau comia solto: os reinos estavam sendo unificados pelo Imperador e, sem
maiores surpresas, o confucionismo era considerado mole demais para o contexto então
experimentado (que demandava autoritarismo e pragmatismo). Muito depois da morte do

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pensador, no século II a.C., a paz voltou à China e o confucionismo foi adotado como
filosofia oficial de Estado pela dinastia Han.

3.2 PLATÃO

Desde os tempos imemoriais, o homem é dado a utopias: modelos que não existem no
presente, que podem ou não existir no futuro, mas que seriam perfeitos, maravilhosos.
Platão (um dos maiores filósofos da história) foi um dos primeiros (que se tem notícia), a
entrar na brincadeira: em sua obra-prima, “A república”, ele descreveu como seria uma
cidade-estado ideal.

Platão é um apelido (significa algo como “grande”). O nome do sujeito


era Aristócles (423-347 a.C.). Oriundo de família nobre, esperava-se que
seguisse carreira política. Só não contavam que ele encontraria Sócrates
pelo caminho, de quem se tornou discípulo. Depois da morte do mestre,
viajou bastante pelo mediterrâneo e, ao voltar para Atenas, abriu sua
escola de filosofia, a qual chamou de Academia (está aí a origem do
termo hoje utilizado em todo o mundo).

Você já imaginou a raiva que passou a família do Platão quando este encontrou Sócrates
(que o tirou do caminho “certo”)? Talvez tenha sido justamente esse encontro que
permitiu a Aristócles (futuro Platão) marcar seu nome (apelido) na História. Quem diria?!

E qual seria esse modelo ideal que tornou Platão tão famoso? Lembre-se que não é apenas
“esse modelo”, pois as contribuições do filósofo grego se estendem a outras áreas fora da
política (não trabalhadas aqui – apenas para citar uma: a teoria das formas).
Pois bem. Platão, seguindo em boa medida o que ensinava seu mestre (Sócrates), entendia
que o objetivo das pessoas deveria ser ter uma vida digna (eudaimonia), o que significa não
prazer, dinheiro, fama, mas virtude: sabedoria, piedade e, principalmente, justiça. Essa
constatação é a base teórica de um sem número de teorias que seriam construídas depois
por pensadores de renome (Aristóteles, Santo Agostinho, Al-Farabi, São Thomas de
Aquino...).
O problema é que os governantes tendem a agir conforme seus próprios interesses e, para
isso, compram o povo com a oferta de prazeres transitórios (normalmente glória e
riqueza). As verdadeiras virtudes ficam completamente esquecidas. Por isso a infelicidade é
geral. Alguma semelhança com a realidade que vivemos?

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Há, porém, um modo de resolver essa balbúrdia (moral) e guiar o povo para a boa vida;
existem alguns sujeitos que entendem o real significado de viver bem: os filósofos e, por
isso, eles é que devem governar.

“Reis-filósofos”: a sociedade só poderá prosperar se os filósofos forem reis ou (ao menos)


se os reis forem filósofos.

Para ilustrar sua ideia, Platão usou a metáfora do navio


(oh homem para gostar de uma alegoria – vide mito da
caverna): o dono do navio é o povo (não sabe navegar);
os marinheiros são os políticos (competem entre si pelos
favores do dono do navio); o capitão (navegador) é o
filósofo, o único que, além de não estar envolvido nas
disputas de poder, sabe para onde ir (o rumo a tomar).

Como Platão tinha consciência de que seria difícil para os filósofos se tornarem reis,
propunha que se educasse os reis para que se tornassem filósofos. Ele chegou a arquitetar
que uma classe governamental fosse criada. Para tanto, as crianças com potencial
intelectual (para governar) deveriam ser retiradas de suas famílias (sequestradas) e
levadas para comunas especiais. Já pensou???
Esses reis-filósofos, que Platão chamava de GUARDIÕES, teriam de ser incorruptíveis. Para
isso, além da educação, eles não teriam direito a guardar propriedades (“não colocarão
suas mãos em ouro ou prata”), devendo receber um salário que lhes garantisse nada além
da subsistência.
Aliás, Platão NÃO era lá o maior fã da propriedade privada. Em seu pensamento, as terras
tinham origem coletiva, devendo ser distribuídas pela sociedade dentro de um modelo
matemático, em que cada cidadão receberia uma fração. Dessa forma, a polis (cidade)
deveria ter 5.040 habitantes (número divisível pelos números de 1 a 10), entre os quais o
território seria repartido.

Um ponto digno de nota em Platão (há mais de um rsrsrs) é que, apesar da fama em vida,
manteve a humildade, a capacidade de parar, pensar, admitir erros e reformular suas
teorias (raro, não?).

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Inicialmente, ele considerava a lei uma violência contra a natureza (uma injustiça) – o
verdadeiro direito seria aquele inscrito na natureza (direito natural) do mais forte sobre os
mais fracos. A suposta lei democrática da polis, ao instituir a igualdade quando os seres
humanos são por natureza desiguais, representava um artifício utilizado pelos mais fracos
contra os mais fortes. O exquema era simples: as classes sociais deviam ser condicionadas
pela educação, de modo a se adequarem às suas respectivas funções (cada um na sua).
Sequer seria necessário limitar o poder do filósofo-rei (governante perfeito).
Ocorre que, após perceber que nem os filósofos chegavam ao governo, nem os tiranos
tinham a mínima disposição para a filosofia, nosso “amigo da sabedoria” revisou seu
entendimento e passou a considerar as leis como imprescindíveis para a constituição das
sociedades humanas (realismo).

As ideias platônicas foram muito influentes no Mundo Antigo (em especial no Império
Romano) e em parte da Era Medieval, ao serem incorporadas por Santo Agostinho. Na
Modernidade, acabaram ofuscadas por Aristóteles, que defendia uma democracia mais
semelhante à pretendida pelos renascentistas. Atualmente, muitos consideram que suas
noções políticas são autoritárias e elitistas, além de um tanto paternalistas – governo de
poucos (intelectualmente hábeis) a dizer o que é bom para todos.
É preciso lembrar, todavia, que os escritos de Platão eram revolucionários para a época,
pois praticamente mandavam os reis estudar e se preocuparem com as virtudes,
justamente em um mundo no qual a fama e a fortuna ditavam as regras e os reis eram os
“sabe-tudo”. Além disso, estamos falando de alguém cujo mestre acabara de ser
condenado à morte por questionar as regras da sociedade ateniense (aceitando o destino
que lhe fora imposto injustamente, Sócrates bebeu cicuta em 399 a.C.).

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Em suma, é fácil criticar agora da poltrona confortável, debaixo do ar condicionado (com


plena liberdade de expressão, garantida constitucionalmente). Quero ver ir para o debate
de ideias quando isso podia custar a vida

3.3 ARISTÓTELES

O homem é destinado naturalmente a viver na polis, que lhe é tão natural quanto o
formigueiro é para a formiga – é inconcebível que o homem viva de outro modo. É isso:
para Aristóteles, o homem é um animal político (zoon politikon - realismo empírico).

Fora da sociedade só há deuses e feras.

Nas palavras do mestre: “abandonado a si mesmo não sai do puro reino animal, não se
eleva acima da pura animalidade. A verdadeira artífice criadora do homem, no significado
espiritual da palavra, naquilo que o homem tem de mais próprio e de mais característico, é
a polis. [...] Por isso, fora das comunidades políticas, não encontramos homens, mas
apenas animais selvagens, guiados pelos instintos naturais”.
Assim como Platão, Aristóteles acreditava que o propósito do homem é viver uma vida
digna (virtuosa) – a finalidade social imperativa é capacitar o homem a viver de acordo com
as virtudes (o que diferencia o homem dos outros animais, além da linguagem, é
justamente a capacidade racional, que o permite escolher o bom em detrimento do mau).

Aristóteles (384-322 a.C.) era filho de um médico da família real


da Macedônia. Aos 17 anos foi mandado para Atenas para estudar
com Platão. Com a morte deste, para a surpresa de todos, não foi
escolhido para sucedê-lo na Academia. Resolveu então sair pela
Grécia a turistar e estudar, até que foi convidado para ser tutor do
jovem Alexandre, o Grande. Voltou a Atenas anos mais tarde e
abriu uma escola rival à Academia, o Liceu. Ao final da vida, após a
morte de Alexandre, foi obrigado a deixar Atenas em razão do
sentimento antimacedônico. Morreu no ano seguinte.

Em sua obra mais famosa, “Ética a Nicômaco”, Aristóteles classifica as formas de governo
por meio de duas questões fundamentais: (1) Quem governa? (2) A favor de quem se
governa? A simplicidade genial do raciocínio permite que as respostas elucidem os sistemas

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de governo adotados até hoje: (1) uma única pessoa, poucos ou muitos; (2) no interesse
próprio, no interesse de poucos (classe dominante) ou para toda a população. Com base
nisso (que coisa espetacular... fico pasmo), o filósofo categorizou seis espécies de governo,
organizadas em pares.

Governo de uma
- Governo de POUCOS Governo de MUITOS
ÚNICA pessoa

Governo
Monarquia Aristocracia Politeia
VERDADEIRO

Governo CORRUPTO Tirania Oligarquia Democracia

CORRUPÇÃO das espécies de governo:

• A monarquia descamba para a tirania.


• A aristocracia se degenera em oligarquia.
• A politeia decai em democracia.

Na visão aristotélica, a politeia (modelo ideal) é o governo de muitos em favor de todos. A


democracia seria um modelo corrompido (de politeia), representando o governo de muitos
em favor de muitos (e não em favor de cada indivíduo separadamente, até que se alcance o
TODO).

POLITEIA é o governo de muitos em favor de TODOS.


DEMOCRACIA é o governo de muitos em favor de MUITOS.

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Apesar de categorizar a democracia como um regime falho, Aristóteles reconhece que ele
só perde para a politeia (ainda seria melhor que a “boa” monarquia ou aristocracia). No
geral, os muitos governando serão melhores do que os poucos ou o único.
Não é preciso mais palavras para justificar o porquê de Aristóteles ser um dos pensadores
mais influentes da história (isso porque você não viu ainda o modelo de justiça por ele
criado – veremos no encontro de Filosofia). O cara era foda!!! Com o perdão do termo.

3.4 CÍCERO

Cícero não foi o inventor da República Romana, fundada em 510 a.C., mas sim um
destacado defensor, que se utilizou de sua retórica impecável para advogá-la como forma
ideal de governo (garantia de estabilidade e prevenção às tiranias) – buscou
desesperadamente demonstrar que não era à toa que o modelo tinha funcionado (muito
bem, obrigado) por quase meio milênio.

Advogado, político, escritor, orador e filósofo, Marco Túlio Cícero (106-43


a.C.) nasceu em família rica e se tornou Cônsul em Roma. Embora seja
notável por sua escrita (além de ter introduzido aos romanos às principais
escolas da filosofia grega, é um dos maiores prosistas de que se tem notícia),
considerava de maior importância seus feitos políticos, os quais cobraram
um alto preço: durante a ditadura de Júlio César, Cícero liderou a campanha
pelo retorno do governo republicano. Após a morte de César, voltou-se
contra Marco Antônio. Acabou proscrito como inimigo do estado, capturado
e executado. Suas mãos e cabeça foram exibidas no Fórum Romano.

Gerida pela constituição MISTA, a República Romana reunia elementos de três diferentes
regimes: (a) monarquia (substituída pelos Cônsules); (b) aristocracia (representada no
Senado, composto por cidadãos capacitados moral e intelectualmente); e (c) democracia
(Assembleia Popular). A ideia era (e parecia funcionar) que essas esferas de poder se
equilibrassem entre si (mais ou menos como a atual tripartição das funções estatais). Os
Cônsules funcionavam como chefes do Poder Executivo (equivalentes a um Presidente da

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República atual); os Senadores eram representantes do povo, responsáveis por discutir e


levar as propostas à Assembleia Popular, ao povo, para votação.

O estandarte romano (bela águia dourada) trazia a legenda SPQR, que


significa Senatus Populusque Romanus (O Senado e o Povo Romano). Era
o nome oficial do Império Romano. Hoje continua presente não apenas
no brasão da cidade como em boa parte de seus edifícios (públicos ou
privados) e ainda nas tampas de esgoto e bueiros.

Cícero advertiu que o rompimento da república causaria um ciclo destrutivo de governos –


a monarquia logo passaria a tirania (será que ele conhecia Aristóteles?); do tirano o poder
seria usurpado por uma aristocracia ou pelo povo; do povo seria conquistado por
oligarquias (olha aqui Aristóteles outra vez) ou novos tiranos.

Sem controles e equilíbrios recíprocos, o governo é jogado de um lado para o outro,


como uma bola.

Não adiantou e as previsões se confirmaram: em 48 a.C., Júlio Cesar recebeu poderes sem
precedentes e sua ditatura pôs fim à República Romana. Após sua morte, Otaviano foi
proclamado Augusto, o primeiro Imperador romano4. Depois dele vieram muitos outros
governos tirânicos até que, ao final, o Império se esfacelou.

4 ERA MEDIEVAL: NA PAZ DE DEUS

Com a fragmentação (derrocada) do Império Romano, os centros de difusão cultural


também se desagregaram. Enquanto uns juntavam os cacos, os teólogos se aproveitavam
para buscar consolidar o papel da Igreja e propagar os ideais do cristianismo (patrística).
Mas, verdade seja dita, alguns deles (como Santo Agostinho e São Tomás de Aquino)
tiveram importante papel ao tentar conciliar a herança clássica greco-romana com o
pensamento cristão (escolástica).

4
O seriado da HBO, “Roma”, retrata esse período. É sensacional.

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Muito embora esse período seja muitas vezes chamado de “Idades das Trevas”, a “noite
negra” da história da Humanidade (há quem diga, de outro lado, que esta é mais uma
daquelas mentiras que, contadas mil vezes, viram verdades), é nele que surgem as
universidades e os centros de ensino – o conhecimento é protegido, organizado e
retransmitido de forma sistemática. Há vozes inflamadas que perguntam: “se se vivia uma
escuridão acachapante, de onde é que brotou todo o conhecimento manejado no
Renascimento?”. Ao que parece, se a Idade Média não foi lá a idade das luzes (resguardada
ao Iluminismo da Idade Moderna), também não foi tão sombria assim.

O rei João "Sem-Terra"


Al-Farabi usa ideias de
Santo Agostinho prega a assina a Magna Charta
Platão e Aristóteles para
necessidade de influência Libertatum, limitando os
esboçar um Estado
da Igreja no Estado (413) poderes do soberano
islâmico ideal (940-950).
(1215)
2

Ibn Khaldun afirma que o Egídio Romano observa


São Tomás de Aquino
papel do governo é que o que diferencia o
distingue as leis natural,
prevenir a injustiça tirano do político é a
humana e divina (1267).
(1377) sujeição à lei (1243-1316)

4.1 SANTO AGOSTINHO

Em 380 o cristianismo foi declarado religião oficial do Império Romano. A partir de então,
as relações entre Estado e religião passaram a ser coisa séria. Um dos primeiros filósofos a
abordar a questão foi Santo Agostinho.

Agostinho de Hipona (354-430) se interessou por filosofia pelas


obras de Cícero (Cícero é o cara!). Após mudar-se para Milão,
conheceu um bispo e teólogo que o apresentou ao cristianismo e
às obras de Platão – Agostinho abraçou a ambos: converteu-se à
Igreja Apostólica e passou a buscar conciliar os princípios da
religião com as ideias platônicas. Fixou-se em Hipona (por isso o
nome), onde estabeleceu uma comunidade religiosa. Morreu
bem ao estilo medieval: em um cerco à cidade por vândalos.

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Revivendo as ideias platônicas, Agostinho pregou que a meta


do Estado deveria ser fazer com o que povo vivesse uma vida
digna (virtuosa), o que significa viver pelas leis divinas
prescritas pela Igreja. O problema é que a maioria do povo
vive no pecado e nem sempre as leis estatais (humanas) são
adequadas às leis divinas.
Em sua obra mais importante “Cidade de Deus”, ele distinguiu
dois reinos: civitas Dei (cidade de Deus) e civitas terrea
(cidade terrena – onde predomina o pecado). A única
madeira de se fazer com que o povo ascenda (suba) à cidade
de Deus é garantir a influência da Igreja no Estado, de modo
que as leis terrenas estejam adequadas às leis divinas.

1
Se não houver adequação entre a lei humana e a lei divina, teremos meras regras injustas
(que levam à perdição). E é preciso lembrar que ladrões e piratas também têm regras (nem
que seja roubar o próximo). Logo, se a injustiça das regras não faz diferença, o que são os
governos senão um bando de ladrões? Essa é a pergunta que devem responder os
positivistas

4.2 SÃO TOMÁS DE AQUINO

As adaptações das ideias gregas aos preceitos do cristianismo não findaram em Santo
Agostinho. Séculos mais tarde, Tomás de Aquino trilhou caminho semelhante ao capitanear
a escolástica (racionalização do cristianismo, com ênfase na dialética como forma de
adquirir conhecimento). Bora conferir.

Nascido de família nobre, Tomás de Aquino (1225-1274) tornou-se


monge dominicano e conselheiro papal. Durante sua vida transitou entre
Nápoles e Paris. Foi um grande estudioso de Aristóteles – as tentativas de
conciliar as noções do filósofo grego com os ideais cristãos chegaram a lhe
causar problemas. No final da vida teve um surto (que relatou como uma
“revelação”) e passou a afirmar que tudo o que havia escrito (incluindo o
clássico atemporal “Suma teológica”) era a mais pura besteira.

Aquino tomou como base inicial de seus estudos a obra de Santo Agostinho, que havia
integrado com sucesso ao cristianismo a noção grega de que o propósito do Estado é o de
promover a vida digna (virtuosa). O Estado tem o dever de realizar o bem comum – caso

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não tenha esse firme intento, não pode ser considerado como uma forma justa de
organização do poder político.
Também defendeu que a noção de justiça é o elemento central da governança: o que
distingue um bom governo de um mau governo (e lhe dá legitimidade) é a produção de leis
justas. E o que é uma lei justa?

Como bom cristão, Aquino acreditava que o Universo era


regido por uma lei eterna (divina) e que o homem (único
animal racional) é capaz entendê-la e aplicá-la (formando a lei
natural, que guia a moral e a ética). Haveria ainda a lei humana
(positiva), que funciona como um regulamento (os princípios
estão na lei natural; as penas pelo descumprimento na
legislação humana). Tanto mais justa será af lei positiva quanto
mais próxima estiver da lei natural.

A lei natural (código moral) define o certo e o errado; a lei humana fixa os castigos e sua
aplicação.

(1) Lei ETERNA = vinda diretamente de Deus para reger o Universo; (2) Lei NATURAL =
tradução da lei divina para a linguagem dos homens (por meio do dom da razão),
estabelecendo o código moral e ético (certo e errado, justo e injusto); (3) Lei HUMANA
(positiva) = lei criada pelo homem para governar questões cotidianas e viabilizar o
funcionamento das comunidades (regulamenta a lei natural).

Lei ETERNA Deus

Lei NATURAL Razão

Lei HUMANA Homens

Para Aquino, o papel do Estado na promoção da vida digna está na capacitação dos
cidadãos à razão, de maneira que possam se apropriar da lei divina e, assim, desenvolver o

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senso moral e ético (lei natural), o que os guiará a viver bem. Quanto às leis humanas,
essas são tão falíveis como os homens que a criaram, podendo levar a injustiças – a
justeza das leis humanas deve ser medida pela adequação à lei natural e pelo interesse que
atendem (devem ser pensadas conforme o interesse do povo, não dos governantes – aí é
difícil, viu!).
Por fim, quem é que deve governar? Alinhando-se a Platão, Aquino não acreditava na
capacidade da maioria (as pessoas em geral não possuem o poder racional e a moralidade
necessários para gerir o governo). Assim, o governo não deve estar nas mãos do povo, mas
de um monarca ou de uma aristocracia (os quais devem ser justos - virtuosos). Ciente da
possibilidade de que o governante se corrompesse, como medida de controle ele propõe
uma forma de constituição mista (como a presente na República Romana, lembra-se?).
Novecentos anos depois, as ideias do teólogo italiano podem parecer um tanto
retrógradas, mas na época desafiavam vários preceitos impostos pelo catolicismo
9
tradicional e ainda serviram para acalentar o debate sobre a necessidade de uma legislação
secular em meio às cisões entre Estado e Igreja ocorridas nos países europeus – tem
estudante/pensador por aí (ohhh se tem...) que adora criticar os autores clássicos, mas o
faz seguindo rigidamente os paradigmas, sem trazer uma linha de inovação contra
establishment. Não seja desses

É bom lembrar que com o retorno da moral ao direito (pós-positivismo), o ordenamento


jurídico busca se adequar a um código comum de ética, em um modelo muito parecido
com o esquema (de lei natural em relação à lei humana) proposto por Aquino.

4.3 EGÍDIO ROMANO

Egídio adotou a concepção aristotélica de “animal político” como sendo aquele que vive na
polis (em comunidade com seus semelhantes) e fez coro às vozes que pregam que o
objetivo da sociedade é levar os cidadãos à vida digna – como dá para notar, essa era uma
constante na Antiguidade e na Idade Média (essa noção só vai se quebrar com Maquiavel).

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Egídio Romano ou Frei Gil de Roma (1243-1316) foi um arcebispo de


Bourges (comuna francesa). Protegido de São Tomás de Aquino, foi
mais um que ajudou a reviver no Ocidente as obras clássicas greco-
romanas (em especial Aristóteles). A propósito, se Aristóteles foi tutor
de Alexandre, o Grande, Egídio foi tutor de Felipe IV (rei francês de
1285 a 1314).

A inovação do seu pensamento (embora Sócrates tenha desenvolvido tese semelhante)


está na afirmação de que a boa vida só pode ser alcançada pelo respeito às leis (boas leis
devem garantir e proteger as virtudes). Em suma, todos devem cumprir a lei (tanto o
cidadão comum como o governante). Aqueles que não se sujeitam à lei excluem-se da
sociedade civil.
3

O que diferencia o HOMEM da FERA e o TIRANO do POLÍTICO é a sujeição à lei.

Analisando hoje as ideias de Egídio, em cotejo com autores que lhe sucederam, temos uma
visão ampla do fenômeno político-jurídico, com reflexos práticos importantes. Para
entendê-los, temos de complicar um pouco!
A noção de que aqueles que estão foram da proteção e do cumprimento das leis ficam
excluídos da sociedade civil leva à possibilidade (ou necessidade) de releitura da
mitologema hobbesiana (que estudamos em Teoria Geral do Estado) sob uma nova luz: o
homo homini lupus (homem como lobo do homem) não alude somente a uma condição
pré-jurídica (estado de natureza) totalmente indiferente ao direito da polis, mas à vida fora
da sociedade com a não sujeição à ordem jurídico-política5.
A lembrar que Hobbes afirmava que no estado de natureza “nada pode ser injusto. As
noções de certo e de errado, de justiça e injustiça, não podem aí ter lugar”6. Logo, quem
está nesse estado pode fazer simplesmente o que quiser. É mais ou menos o que pensam
alguns criminosos convictos: "tô nem aí pras leis: eu vendo dorgas, eu furto, eu assalto, eu
pico eu mato". Volte e meia sou testemunha ocular disso. Como juiz, quantas vezes já vi

5
AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua I. Belo Horizonte: UFMG, 2002, p. 112.
6
HOBBES. Idem, p. 77.

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(em audiência), sujeito com tatuagem “só Deus pode me julgar” (na cabeça do abençoado,
a lei dos homens não se aplica a ele).
É com base nessa argumentação que Günther Jakobs propõe a teoria do “direito penal do
inimigo”7, referindo-se aos agentes que, por não se submeterem (aceitarem) as normas da
sociedade, deveriam receber tratamento jurídico diverso (estariam voluntariamente se
colocando fora da sociedade) – seria o caso do terrorista, que vê uma injustiça ou
imoralidade inaceitável no modelo social adotado e busca alterá-lo por meio de atos
capitais que afrontam profundamente a ordem jurídica posta.
E você realmente achou que esses autores antigos não servem de base para provocar as
mais acaloradas discussões modernas?? Errouuu!!! Claro que é fácil caricaturizar (como se
faz com Jakobs no Brasil) e deixar de discutir as questões profundamente. Mas se o
objetivo é, efetivamente, saber das coisas, o negócio é escavar para baixo da linha da
superficialidade.
e

4.4 AL-FARABI

Temos costume de estudar apenas os acontecimentos (e autores) oriundos da porção


Ocidental do globo, o que é até normal e compreensível, dada a nossa cultura judaico-cristã
e a herança greco-romana.
Acontece que nos séculos VII e VIII, o Oriente experimentou a chamada “era de ouro
islâmica”, período em que houve visível expansão da produção cultural – muitas bibliotecas
foram abertas e os estudiosos aproveitaram o clima propício para se debruçar sobre os
pensadores clássicos. Entre os que surfaram essa onda está Abū Naṣr Muḥammad ibn
Muḥammad Fārābī (ou simplesmente Alfarábi), sujeito esperto que ganhou fama como
comentarista das obras de Aristóteles.

Pouco se sabe sobre a vida de Al-Farabi (870-950). Ele possivelmente


nasceu em Farab (hoje Cazaquistão) e mais tarde se mudou para Bagdá,
onde estudou alquimia e filosofia. Como o cara era bão, tornou-se um
qadi (juiz) e professor. O que se sabe é que o sujeito era sabido (com o
perdão das repetições): do seu nome deriva o termo português
“alfarrábio” (dicionário ou livro antigo e velho kkkk).

7
Jakobs propõe a distinção entre um direito penal do cidadão (Bürgerstrafrecht), com plena vigência das normas
ordinárias, e um direito penal para os inimigos (Feindstrafrecht), orientado à excecionalidade (o necessário à proteção
da sociedade).

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Al-Farabi se alinhava a Platão ao defender um governo dos capazes (de entender as


virtudes que levam a uma vida digna) – divergia apenas na natureza e origem da virtude,
imputando-a à sabedoria divina: por isso falava em profeta-filósofo (e não rei-filósofo).
Para ele, há três razões pelas quais os homens não chegam a uma vida virtuosa: (a)
ignorância: o povo não sabe que a felicidade vem das virtudes; (b) enganação: o povo não
entende as virtudes; (c) perversão: o povo sabe o que é uma vida virtuosa, mas escolhe não
a seguir (prefere o prazer e a riqueza).

Mas o povo
NÃO entende
O Estado que a O povo
ideal assegura felicidade vem
da virtude O povo RECUSA o
que o povo Para isso,
viva de modo temos de ter
prefere a governo dos
riqueza e os
virtuoso governantes prazeres virtuosos
virtuosos baixos

Os cidadãos ignorantes, enganados e pervertidos, vão rejeitar um governante virtuoso,


pois esse não lhes dará o que acreditam querer (prazer e riqueza). O modelo ideal de
Estado (utópico) é aquele dirigido por um governante virtuoso (profeta-filósofo), capaz de
vencer esse desafio (rejeição), instruir e guiar o povo à vida virtuosa.

4.5 IBN KHALDUN

As investigações de Abu Zaide Abdal Ramane ibne Maomé ibne Caldune Alhadrami (eita
nome kkkk) têm enfoque bastante diverso (em relação a outros pensadores do seu tempo),
pautando-se em elementos históricos, sociológicos e econômicos para explicar a ascensão
e queda das instituições políticas. É considerando, por muitos, pai das Ciências Sociais –
antecipou elementos da Filosofia da História, da Sociologia e da Economia séculos antes de
essas disciplinas serem fundadas no Ocidente.

Ibn Khaldun ou Ibne Caldune (1332-1406) é um pensador tunisiano.


Durante sua vida, assumiu cargos políticos na África, onde chegou a ser
preso (após uma mudança política) e em outra oportunidade teve de se
refugiar em uma tribo no deserto, quando suas tentativas de reforma
foram rejeitadas pelo governo. Já mais velho, estabeleceu-se no Cairo,
onde atuou como qadi (juiz), sendo removido e recolocado no cargo
nada menos do que cinco vezes. Ele tinha uma veia de agitador

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Entre tantos méritos, o antropólogo britânico Ernest Gellner apontou Ibn Khaldun como o
responsável pela melhor definição de governo da história da teoria política:

“O governo evita a injustiça, menos a que ele mesmo comete”

Mas ora, o governo não é formado para guiar os cidadãos à vida digna (como vimos
repetidamente)? Como é que o governo chega ao ponto de ser fonte de injustiças? Fácil!
Lembram-se que São Tomás de Aquino media a justeza das leis humanas pela régua do
interesse que atendiam (deveriam ser pensadas conforme o interesse do povo, não dos
governantes)? É isso!
Ibn Khaldun aponta que todo governo, qualquer que seja a sua forma, contém dentro de si
as sementes da sua própria corrupção: o poder. Conforme o poder dos governantes sobre a
vida das pessoas aumenta, eles tornam-se menos preocupados com o bem-estar dos
cidadãos e mais preocupados em atender (com ações governamentais) a seus próprios
interesses – ao invés de impedir injustiças, o governo passa a cometê-las. Como diria
Thomas Paine: “quando nos planejamos para a posteridade, devemos nos lembrar de que a
virtude não é hereditária”. No mesmo sentido o economista americano Murray Rothbard:

Ao certo, historicamente, nenhum governo se manteve limitado por muito


tempo. E há excelentes razões para se supor que nenhum jamais irá. Quanto
mais os poderes coercitivos do Estado são expandidos para além dos limites
estimados, maior é o poder e a riqueza acumulada pela classe dominante que
opera o aparato Estatal8.

Uma questão interessante é que o teórico entende que a solidariedade de grupo (ele utiliza
o termo árabe asabiyyah) é a base da sociedade, responsável por gerar uma unidade
política (coesão social) que nos une desde as tribos mais remotas até a complexa
organização estatal. Se os governantes voltarem seus olhos para esse espírito coletivo,
suas decisões serão capazes de prevenir injustiças. Acontece que os produtores de injustiça
atuam precisamente no intuito de deprimir esse elemento.

8
ROTHBARD, Murray Newton. The ethics of liberty. Nova York: New York University Press, 1998, p. 176.

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Os
governantes O goveno evita
O espírito passam a a injustiça,
comunitário é a explorar os
Com o cidadãos menos a que
BASE do avanço da ELE MESMO
governo sociedade,
esse espírito
comete
desaparece

Vai me dizer que você nunca teve a impressão de que é intento voluntário de alguns (ou de
muitos) gerar desunião social? As teorias que propagam a luta social sabem bem como isso
funciona – jogar uns contra os outros, desagregar a sociedade, separá-la em classes, raças,
extinguir as perspectivas de convivência pacífica, criar conflitos... Já estamos acostumados
a essas táticas e elas nem nos chocam mais (virou modelo político ordinário e até mesmo
parte do ideário do politicamente correto).
Outra estratégia (mais dissimulada) é a publicização: além de alargar os poderes dos
governantes, com a assunção de um grande número de tarefas pelo poder público 9,
esmaga-se o espírito voluntário das massas. Percebe?
Eu, por exemplo, cresci em Chapecó, uma cidade de porte médio em Santa Catarina. Lá, até
a década de 1970, o Estado quase não chegava. Foram os moradores que se reuniram e
abriram estradas, construíram o clube recreativo, a igreja, escolas, o hospital… Esse modelo
de organização comunitária é um perigo para o governo (mostra que as pessoas podem
atuar sem uma força motriz centralizada). Não sem razão, o Estado moderno atua
infatigavelmente para tomar todos os espaços (mostrar-se necessário em todas as áreas).

9
“Todo avanço do Estado se realiza em tempos de miséria pública; necessidade de proteção do indivíduo, de defesa
para a comunidade. Em suma, as forças de expansão do Estado estão sempre em atividade. [...] Em certos momentos
ela se abate e o Estado dá um grande passo, e não se pode mais em seguida fazê-lo recuar, pois toda função uma vez
exercida pelo estado se junta a seu repertório mágico” (FEDER. Idem, p. 156).

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A propósito, na visão do pensador tunisiano, no começo das sociedades políticas os


tributos são utilizados apenas para suprir as necessidades básicas de manutenção da
asabiyyah. Com o passar do tempo, a ânsia arrecadatória aumenta e os governantes
exigem mais e mais10, o que não só é injusto como ineficiente: a maior taxação
desincentiva a produção e, a longo prazo, leva a uma arrecadação menor, não maior.

Em pleno século XX, o economista americano Arthur Laffer


redescobriu as ideias de Ibn Khaldun e as utilizou para
desenvolver sua teoria, que ficou conhecida como Curva de
Laffer: nem sempre elevar os tributos vai aumentar a receita
estatal – uma alíquota de 100% gerará tanta receita quanto uma
de 0% (uma vez que não haverá incentivo para o contribuinte
produzir); se ambas não geram receitas, deve existir uma
alíquota na qual se atinja a arrecadação máxima (ponto a partir

10
O poder público moderno coloca essencialmente como instância de confisco, mecanismo de subtração, exercendo,
com amparo legal, o direito de se apropriar de uma parte das riquezas, em uma extorsão dos produtos, bens, serviços,
trabalho e sangue dos súditos. O poder, nesse aspecto, é, antes de tudo, o direito de apreensão das coisas, do tempo,
dos corpos, culminando, finalmente, no direito de se apoderar da própria vida (FOUCAULT, Michel. História da
sexualidade I: a vontade de saber. 13. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1988, p. 128).

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do qual o aumento da alíquota gera desincentivo à produção e queda na arrecadação). A


Curva de Laffer é um modelo aceito largamente pelos economistas modernos. A discussão
hoje recai sobre qual seria essa alíquota máxima11.

A conclusão de Khaldun é que a organização estatal é tão natural quanto a injustiça a ela
inerente. É normal e esperado que o homem, em sociedade, vá criar uma força
organizacional para uniformizar os agires. Por outro lado, que ideia mais maluca essa de
controle de uns homens por outros.

O governo é um mal necessário.

Você já parou para pensar por que cargas d’água devemos admitir o largo controle sobre
nossas vidas pelos governantes? Veja o caso do Brasil: 200 milhões de habitantes. E lá no
topo está Renan Calheiros, um sujeito que tem poderes há tanto tempo... OK. Ele foi eleito
para sucessivas legislaturas... Mas não parece surreal que tenhamos de nos submeter ao
controle (quase totalitário) de nossas vidas por homens de reputação tão questionável?12
É por isso que, visionário como foi (deixei transparecer que gosto muito das ideias do
cara?), Ibn Khaldun assenta: o poder governamental deve ser mantido no mínimo!

5 ABSOLUTISMO: QUEM É O ESTADO? “O ESTADO SOU


EU”!

Os séculos XV a XVIII seriam testemunha de intensas transformações no campo político,


econômico, artístico, científico, social.
No campo político, experimentamos a unificação dos reinos, com a consolidação do poder
nas mãos do soberano e, porventura em virtude disso, as discussões descolam do âmbito
religioso e se pautam no Estado em si (fundamento, limites de atuação, poderes...) – a ideia

11
Christina Romer, Professora de Economia da Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-presidente do Conselho de
Assessores Econômicos da administração Obama estimou o ponto de máximo da Curva de Laffer em 33% de
tributação.
12
“Nunca se encontrou o meio de os governantes serem de moralidade notavelmente superior à média do povo. São
egoístas e orgulhosos como os outros, ou mais precisamente, tão egoístas quanto os outros e mais orgulhosos.
Orgulhosos, julgam que o que decidem é necessariamente o bem e creem que o maior interesse da comunidade é o de
os ter como chefes. Egoístas, servem-se a si próprios sob o pretexto de servir ao bem público” (Leclercq apud FÉDER,
João. Estado sem poder. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 97).

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inicialmente prevalente de que o poder humano (estatal) advinha do divino (os reis são
representantes de Deus na Terra) começa a ser questionada. Os filósofos racionalistas e
iluministas passam a encontrar fundamentos racionais para o poder.
É essa visão que conduzirá as discussões que estudaremos agora, sem demora.

Maquiavel escreve o Locke defende os Montesquieu


Hobbes afirma que o
príncipe e dá início à direitos naturais e de desenvove a
homem é o lobo do
ciência política resistência contra a tripartição dos
homem (1651)
moderna (1513) tirania (1689) poderes (1748)

5.1 NICOLAU MAQUIAVEL

Alguém aí gosta de Game of Thrones (ou de “As Crônicas do


Gelo e do Fogo: a tormenta de espadas – livro três”)? Há um
episódio em que Robb Stark (então declarado o rei do Norte)
se encontra diante de um dilema: um aliado histórico (Rickard
Karstark) matou Lannisters que estavam na condição de
reféns. Robb entende que se permitisse esse tipo de
comportamento (traição interna?), logo perderia o respeito, a
autoridade e, consequentemente, o poder. O que ele fez? O
que pensou ser necessário para reestabelecer a ordem no
agrupamento: decapitou o traidor – na série, a morte é rápida
e limpa: um golpe bem dado de espada; no livro o negócio é
um pouco mais sangrento, se é que me entende. Polêmico...

“Jean, por que é que você está falando de séries? Eu fujo delas como o diabo foge da cruz
porque preciso estudar e você fica me tentando?” Desculpe-me, é que o exemplo é
perfeito: em algumas situações, o príncipe precisará tomar decisões muito difíceis
(terríveis, cruéis... até mesmo derramar o sangue de aliados) para manter o poder
(pensando, teoricamente, em um bem maior – no caso da série, marchar até o Sul,
conquistar a independência do Norte e vingar o assassinato de Ned Stark). O pensador
italiano Niccolò di Bernardo dei Machiavelli, para nós Nicolau Maquiavel, retratou essas
relações como ninguém, imortalizadas na frase: “ao julgar ações políticas devemos
considerar os resultados por elas alcançados, e não os meios pelas quais foram
executadas”.

Os fins justificam os meios.

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A constatação é que os governantes não são julgados por sua ideologia ou moralidade,
sequer pelas ações que tomam, mas sim pelas consequências de suas ações. Em tempos de
absolutismo, não há tribunal a que se possa recorrer contra as ações dos governantes – o
que importa é a finalidade pretendida e o resultado alcançado.

O BEM-ESTAR do
... que deve manejar
O que importa não é a Os FINS
Estado é moralidade da ação,
responsabildiade
todos os meios
mas o RESULTADO justificam os
necessários para tanto
do governante... alcançado MEIOS

De olho nesse cenário, Maquiavel substituiu os conceitos de certo e errado e de justo e


injusto pelas noções práticas de utilidade, necessidade, sucesso, perigo e dano. Sua
monumental criação, “O príncipe”, é um guia objetivo, implacavelmente pragmático, sobre
como o governante deve agir para obter a glória pessoal e conduzir o Estado ao sucesso.
A obra desprende-se dos valores morais e éticos (até então prevalentes nos tratados
políticos), que por vezes poderiam atrapalhar a caminhada do príncipe – o soberano não
pode ser limitado pela moralidade, devendo fazer o que for necessário para alcançar seus
objetivos. Em miúdos: o governante deve buscar ser amado e temido e, se precisar
escolher, melhor ser temido.

CUIDADO! O governante sábio deve evitar os meios que o tornem odiado,


pois poderiam desencadear uma revolta – o servo é capaz de absorver a
violência justa (que pode ser vista como motivada, ainda que
questionável), mas não a gratuita.

Se tiver de
escolher, Mas deve
O governante
melhor ser evitar ser
deve buscar ser TEMIDO ODIADO (para
AMADO e
distanciar-se de
TEMIDO
revoltas)

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(Ano: 2018 Banca: IBFC Órgão: SEPLAG-SE Prova: IBFC - 2018 - SEPLAG-SE -
Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental) “(...) Aquele que quer
governar a multidão, sob uma forma republicana ou monárquica, deve saber com
certeza quais os que são inimigos da nova ordem. Sem isso o governo terá uma
existência efêmera. (...) Tendo a multidão por inimiga, são obrigados, para afirmar seu
poder, a empregar meios extraordinários. De fato, aquele que tem número reduzido
de inimigos pode saber com certeza o seu número sem grande trabalho ou esforço,
enquanto que aquele que é objeto do ódio geral nunca tem certeza de nada, e, tanto
mais se mostra cruel, tanto mais enfraquece seu próprio poder.” Assinale a alternativa
correta, respectivamente quanto ao autor e a sua obra.
a) Max Weber, Ciência e Política, duas vocações
b) August Comte, Apelo aos Conservadores
c) Émile Durkheim, As Formas Elementares da Vida Religiosa
d) Nicolau Maquiavel, O Príncipe
Comentários
Fácil, não é?! Maquiavel! O príncipe deve ter muito cuidado para ser temido, mas não
odiado.
A assertiva correta é a D.

(Ano: 2017 Banca: IFB Órgão: IFB Prova: IFB - 2017 - IFB - Professor) A Filosofia
Política quando discutida com os estudantes é de grande valia para desenvolver o
espírito de cidadania. Um clássico desta discussão é a obra “O Príncipe” de Maquiavel
[...]. No Capítulo VIII o filósofo trata “Dos que chegaram ao principado pelos crimes”.
Segundo o pensamento do autor qual das afirmações abaixo está CORRETA em
relação ao tema em tela?
a) Ao conquistar um Estado, precisa o conquistador ter em mente o mal que terá que
executar continuamente, embora tenha que parecer bom.
b) Um príncipe deve, sobretudo, viver com os súditos, de modo que nenhum fato,
bom ou mau, o faça mudar, pois, chegando a adversidade, não haverá tempo para o
mal.
c) O príncipe deve conquistar os homens com vantagens dadas de uma só vez, pois o
bem que fizer irá favorecê-lo, de modo que todos lhe serão gratos.
d) Se bem usadas, as crueldades, que no princípio do governo podem ir aumentando
paulatinamente, poderão com o tempo ir se extinguindo até desaparecer totalmente.
e) O príncipe deve estar sempre pronto a praticar ofensas, pois a confiança em seus
súditos poderá ser sua ruína.
Comentários
Vamos ler o trecho de “O Príncipe” que resolve nossa questão: “ao apoderar-se de
um Estado, o conquistador tem de determinar as ofensas, que precisa executar, e
fazê-las todas de uma vez para não ter que repeti-las todos os dias. Assim, poderá

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incutir confiança nos homens e conquistar-lhes o apoio com benefícios. As ofensas


devem-se fazer todas de uma vez, a fim de que, tomando-se-lhes menos o gosto
ofendam menos, e os benefícios precisam ser realizados pouco a pouco, para
serem mais bem saboreados. Principalmente, um príncipe deve viver com seus
súditos de maneira a que nenhum acidente, bom ou mau, o faça variar, pois vindo
com os tempos difíceis, as adversidades, não sobrará tempo a ti de fazer o mal; e o
bem que fazes não poderá beneficiar-te, pois é considerado forçado, e ninguém
agradecerá a sua prática”.
Logo, a assertiva B está correta.

(Ano: 2017 Banca: FADESP Órgão: COSANPA Prova: FADESP - 2017 - COSANPA
– Sociólogo) Para Nicolau Maquiavel, o príncipe deve, para se manter no poder
a) usar só da força.
b) ficar ocioso nos tempos de paz.
c) desconsiderar as ações dos grandes homens.
d) incorporar a arte da guerra, tanto do ponto de vista do pensamento quanto da
ação, mesmo no momento de paz.
Comentários:
ALTERNATIVA A = se usar a força o tempo todo será odiado e aí já viu né...
ALTERNATIVA B = claro... esperando (marcando bobeira) para ser derrubado, morto,
decapitado...
ALTERNATIVA C = um bom príncipe é aquele que não desconsiderada nada
(quanto negação em uma única frase). O príncipe deve estar sempre de olhos abertos
a tudo, saber de tudo, tomar providências quanto a tudo!
ALTERNATIVA D = “Deve o príncipe, portanto, não ter outra finalidade nem outro
pensamento, nem qualquer outra atividade como prática, senão a guerra, seu
regulamento e disciplina, pois essa é a única arte que se atribui a quem comanda [...].
Não deve, portanto, o príncipe deixar de se preocupar com a arte da guerra e praticá-
la na paz”
Assim, a assertiva D está correta.

Ao tratar a política dessa forma (em termos realistas), apartando-a da filosofia moral ou
ética, Maquiavel acabou por fundar a Ciência Política moderna (assim é reconhecido). À
ciência polícia antiga ficou a característica de ser altamente moralista – apenas para citar
alguns nomes, temos Confúcio, Platão e Aristóteles, sendo que os dois últimos
influenciaram Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, todos eles preocupados em
esboçar governantes virtuosos, que serviriam de exemplo e ajudariam os cidadãos a atingir
uma vida virtuosa.

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Quem merece menção honrosa aqui é Cautília ou Kautilya (c. 370 a.C. -
283 a.C.), filósofo que viveu no império Indiano do século IV a.C. e que,
em sua obra mais notória, Arthashastra Neetishastra, também retratou a
atuação estatal de modo amoral e prático: o bem-estar e a segurança do
Estado justificam o uso de quaisquer meios necessários – inclusive
assassinatos políticos são aceitáveis para se livrar da oposição.

Política na ANTIGUIDADE Política na MODERNIDADE

Abarcava todos os assuntos que diziam respeito Passa a se basear sobretudo nas
à vida na cidade (exemplo: questões religiosas, implicações do poder, afastando-se da
bélicas, comerciais...) e carregava forte sentido ética e desfragmentando-se em várias
ético – a política era vista como meio para que o áreas (ciência política, filosofia política,
homem se aproximasse da plena virtude. teoria geral do Estado, sociologia).

Maquiavel era cristão e, como tal, defendia a obediência aos preceitos religiosos (virtudes
morais) na vida diária. O ponto é que, em se tratando de questões relativas ao Estado, o
fator preponderante deveria ser a utilidade, em prol da segurança pública (a moralidade
tinha de ceder). Assim, se a violência, a intriga e a dissimulação eram inaceitáveis na vida
privada, eram plenamente justificáveis na esfera pública (se voltadas ao bem comum).

Nicolau Maquiavel (1469-1527), filho de advogado, tornou-se


funcionário público e por mais de década viajou entre Itália, França
e Espanha para tratar de assuntos diplomáticos. Em 1512 a família
Médici retomou o poder em Florença e mandou que Maquiavel
fosse preso e torturado por ter (supostamente) contra eles
conspirado. Quando solto, mudou-se para uma fazenda onde se
dedicou a escrever. Em que pesem todos os seus esforços, não
mais obteve projeção política.

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A obra clássica de Maquiavel foi escrita como presente para o chefe da


Família Médici, em uma tentativa do autor de retomar uma função
política. O presente não surtiu o efeito esperado. Pior: após a deposição
dos Médici, em 1527, o governo republicado recusou-se a conceder um
cargo a Maquiavel justamente pelos vínculos que ele teria com a família
desposta. Desgostoso, morreu naquele mesmo ano.

De toda maneira, não é “do nada” que Maquiavel desenvolveu sua teoria (apenas para
contentar ao rei); ao construir e fundamentar suas teses, ele realizou uma análise atenta da
natureza humana, essencialmente focada em si mesma (comportamento observado ao
longo da história): (a) a maioria das pessoas é egoísta, de visão curta, volúvel e facilmente
ludibriável; (b) temos forte tendência de imitar comportamentos em vez de refletir sobre
eles; (c) tendemos a acreditar no que nos é falado. Essas falhas poderiam ser bastante úteis
ao estabelecimento de uma sociedade bem-sucedida – o governante habilidoso e
benevolente poderia canalizar o egoísmo em prol de boas realizações, manipular
comportamentos e mentir com sucesso em nome do bem comum (“um governante
prudente não pode nem deve manter sua palavra”).

Antes de julgá-lo com todo o rigor (safado, imoral, desalmado), é preciso avaliar o contexto
histórico em que Maquiavel esteve inserido: viveu em Florença em uma época de agitações
políticas e invasões estrangeiras em uma península itálica não unificada. Como aponta
Wilhelm Dilthey, somos criaturas do nosso tempo.
De qualquer forma, o termo maquiavélico acabou universalizado a identificar alguém que é
capaz de qualquer coisa (sem escrúpulos) para alcançar seus objetivos. O próprio
Maquiavel se defende: “todos veem o que você parece ser, mas poucos sabem o que você
realmente é”.
E ninguém pode negar que o legado de Maquiavel é extenso e duradouro. Diversos foram
os governantes que declaradamente utilizaram suas ideias: Henrique VIII, da Inglaterra;
Carlos V, do Sacro Império Romano; Oliver Cromwell, Napoleão Bonaparte e Bento
Mussolini. Sua influência se estendeu ainda a pensadores como Karl Marx e Antonio
Gramsci. Seu conceito de utilidade deu suporte às ideias utilitaristas e liberais nos séculos
XVIII e XIX. Em sentido amplo, a dicotomia que propôs entre moral e política serviu de base
ao realismo político. Enfim, sua obra deu jeito de compensar o fato de não ter conseguido
retornar a vida pública conforme era sua vontade.

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Há uma versão de “O Príncipe” comentada por Napoleão Bonaparte. Os


comentários são demais e incluem Napoleão tachando Maquiavel, várias
vezes, de moralista, como quando qualifica os modos de tomada do poder

5.2 THOMAS HOBBES

Lá vem ela na passarela (da pré-história). Com curvas tão atraentes,


impossível que não chamasse a atenção de vários dos machos-alfa da
tribo. E na sede de possuí-la (como se fosse um objeto), eles lutam, socam,
mordem, matam-se entre si. Esse é o retrato hobbesiano da vida do
homem no estado de natureza: “solitária, pobre, sórdida, embrutecida e
curta”.

“Durante o tempo em que os homens vivem sem um poder comum capaz de os manter a
todos em respeito, eles se encontram naquela condição chamada guerra; e uma GUERRA
que é de todos os homens contra todos os homens”.

Mas por que isso??? Opa, na própria “natureza do homem encontramos três causas
principais de discórdia. Primeiro, a competição; segundo, a desconfiança; e terceiro, a
glória” 13.

O estado de natureza (que vimos em Teoria Geral do Estado) não identifica apenas os
estágios mais primitivos da história, mas também a situação de desordem que se verifica
sempre que os homens não têm suas ações reprimidas, ou pela voz da razão ou pela
presença de instituições políticas eficientes. O estado de natureza é uma permanente

13
HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Rideel, 2005, p. 76.

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ameaça que pesa sobre a sociedade e que pode irromper sempre que a paixão silenciar a
razão ou a autoridade fracassar14.

Mas de onde vem tanto ódio no coraçãozinho tão amado (ou seria peludo?) do ser
humano? Não é difícil entender: se dois homens desejam a mesma coisa, ao mesmo tempo
em que é impossível que seja gozada por ambos, eles tornam-se inimigos, e, no caminho
para seu fim, esforçam-se para destruir ou subjugar um ao outro.
Eitaaa muleke! “O homem é [...], por fidelidade à sua natureza animal, um ser egoísta,
enroscado em si mesmo, dedicado, prioritariamente, às necessidades de seu ego,
concentrado, de maneira visceral, em seus próprios interesses” 15.
E para piorar ainda tem a igualdade...

“A natureza fez os homens tão iguais, quanto às faculdades do corpo e da


mente, que, embora por vezes se encontre um homem manifestamente mais
forte de corpo, ou de mente mais rápida do que outro, mesmo assim, quando se
considera tudo isso em conjunto, a diferença entre um e outro homem não é
suficientemente considerável [...]. Pois à força corporal o mais fraco tem força
suficiente para matar o mais forte, quer por secreta maquinação, quer aliando-
se com outros que se encontrem ameaçados pelo mesmo perigo”16.

Está entendendo? A igualdade é o grande problema. Como todos são iguais e, portanto,
capazes de (por um outro modo) infligir dano aos demais, na natureza somos levados a agir
por antecipação – ataque preventivo (ataco antes que me ataquem).

Deus do céu! Essa situação é terrível. Como podemos vencê-la? Ora, pelo CONTRATO.
“Um contrato? Só isso?” Só! Hobbes é precursor do contratualismo: o ingresso do homem
em sociedade civil é um ato de razão, de vontade consciente, ao qual chamou de pacto
social. “Certo. Mas quais seriam as cláusulas desse contrato?” Ótima pergunta!

14
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 24.
15
CARVALHO, João Andrade. Ruptura da sociedade conjugal: danos, prejuízos e reparações. Porto Alegre: Síntese,
2002.
16
HOBBES. Idem, p. 74.

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O PACTO SOCIAL é composto por duas cláusulas básicas: (1ª) eu entrego minhas
armas, desde que os demais também entreguem as suas (abdico do direito de
violência); (2ª) eu me comprometo a obedecer ao soberano (sua autoridade e
leis), cujo poder reconheço como absoluto.

“Eihn?? Absoluto? Quer dizer, ilimitado?” É... pois é... o Estado precisa de poderes
ilimitados (um mal necessário17), para que possa, com efetividade, frear os impulsos
destrutivos dos homens. Não adianta criar um Estadinho... é preciso criar um Estado (com
letra maiúscula)... um Estadão! Investimos todas as nossas fichas no soberano.
Entregamos TUDO em troca de proteção, de segurança, de paz e tranquilidade (de sombra
e água fresca?).

No estado de Para ser O cidadão


naureza há a eficiente, o NÃO tem
guerra de soberano qualquer
O Contrato
TODOS contra precisa de direito contra
Social sumete
TODOS. poder O Estado o Estado
os homens à
ilimitado. precisa ser
autoridade e à
proteção do ABSOLUTISTA
soberano.

Thomas Hobbes (1588-1679) foi educado em Oxford. Só que com o


estouro da Guerra Civil Inglesa (1642-1651), acabou obrigado a se exilar
em Paris por uma década, onde escreveu sua obra clássica “Leviatã”
(1651), uma ode ao absolutismo, com a qual angariou muito prestígio
junto à nobreza (chegou a ser preceptor do rei Carlos II da Inglaterra).

O LEVIATÃ é um monstro bíblico (descrito no livro


de Jó). A nomenclatura é conveniente: na visão

17
No século IV a.C. o filósofo indiano Kautilya já havia afirmado que o Estado era um mal necessário para garantir a
estabilidade social.

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hobbesiana, o Estado é um gigantesco homem artificial, cuja alma é a soberania (que lhe
dá vida e movimento), criado pelos homens naturais para corporificar um poder visível,
apto a forçar a todos ao cumprimento das cláusulas do contrato social. Sim, é um monstro
terrível, mas necessário para a defesa dos próprios cidadãos (como os dragões da belíssima
Daenerys Targaryen).

Se você está pensando onde é fica a liberdade nessa história... NÃO FICA! O homem não
precisa sair do destrutivo estado de natureza? Então... com os bônus vêm os ônus, oras.
GANHA-SE a paz. PERDE-SE a liberdade. Além disso, liberdade é uma preocupação
secundária quando a questão é sobrevivência: o principal objetivo do governo é a paz e a
estabilidade para que os homens possam sobreviver – nesse contexto, a liberdade é luxo
dispensável.

5.3 JOHN LOCKE

O estado deve ser absoluto? Você está de brincadeira? Sai fora! É isso que diria (e disse,
mas com mais estilo e refinamento, claro) John Locke ao ser apresentado às ideias
absolutistas. “É inviável imaginar que os homens, ao instituir a sociedade, iriam conceder
ao legislador um poder arbitrário sobre suas ações, vidas, liberdade e posses, pois se assim
o fizessem, estariam se colocando em situação muito pior do que no estado de natureza,
onde ao menos dispunham de liberdade para defender, por sua própria força, seus direitos
perante as agressões alheias”18 – o governo autoritário é mais perigoso do que a desordem
civil (antes o estado de natureza que a subordinação cega).

Com sarcasmo ímpar, Locke observa que se Hobbes está


certo (e abrimos mão de tudo em nome da proteção
prometida pelo soberano), então “os homens são tolos o
bastante para se proteger dos danos que podem sofrer por
parte das doninhas e das raposas, mas ficam contentes e
tranquilos ao ser devorados por leões”.

18
LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. 2. ed. São Paulo: Martin Claret, 2006, p. 101-102.

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(Ano: 2013 Banca: CESPE Órgão: ANTT Prova: CESPE - 2013 - ANTT - Analista
Administrativo) Com relação ao Estado e sua evolução histórica, julgue o item
seguinte.
A visão de Estado, no pensamento político de Locke, consiste na tríade que se
estrutura, conforme o estado de natureza, passando pela constituição de sociedade
civil, fundada no pacto ou contrato social e desemboca no Estado Absolutista.
Comentários
A primeira parte do enunciado está ok. As fases são (1) estado de natureza e (2)
sociedade civil (pós-contrato social). Entretanto, afirmar que o destino final é o
absolutismo é sacanagem. Locke rechaçava fortemente a ideia de um soberano
absoluto (ideia alinhada a Hobbes).
Logo, o item está ERRADO.

John Locke (1632-1704) nasceu na Inglaterra, mas viveu por muitos anos
exilado na França e Holanda, suspeito de tramar para o assassinato do
rei Carlos II. Disso ele pode até ser inocente, mas suas ideias mataram o
poder real absoluto: foram a base teórica da Revolução Gloriosa (1688),
que alterou em definitivo o equilíbrio do poder, limitando duramente as
atribuições do monarca e fortalecendo o Parlamento.

Normalmente, a esta altura do campeonato surge a seguinte dúvida: “poxa, então qual o
objetivo do Estado (se não é a paz e a tranquilidade)?” O escopo do Estado é o de proteger
os direitos naturais (vida, propriedade e liberdade) e punir quem quer que se atreva a violá-
los. O governo só é legítimo enquanto seguir essa cartilha.
O contrato social, portanto, NÃO é uma renúncia à liberdade em troca de paz, mas a
substituição de uma liberdade anárquica (de fazer tudo, como se não houvesse amanhã)
por uma liberdade racional (que respeita o outro), segura, certa e, logo, reforçada.

“O homem não pode renunciar à sua qualidade humana e àquilo que a


caracteriza (a liberdade e a igualdade) ou está intimamente inerente a ela
(propriedade). Estas exigências humanas fundamentais devem ser respeitadas

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pelo Estado quando nasce e, depois de instalado, no seu funcionamento


concreto19”.

Locke foi um dos primeiros a identificar20 as funções estatais. Em sua visão: (a) ao
Legislativo cabe assentar uma lei que defina o que é justo e injusto e a medida comum para
resolver as controvérsias entre os homens; (b) ao Judiciário compete ajuizar as
controvérsias de acordo com a lei estabelecida; (c) ao Executivo incumbe garantir a devida
execução das leis e senteças.
Dentre essas funções, considerava o LEGISLATIVO o poder por excelência: “quem tem a
tarefa de definir o modo com que se deverá utilizar a força da comunidade para a
preservação dela própria e dos seus membros é o legislativo”21, que “constitui a essência e
a união da sociedade em agir por uma só vontade, este, uma vez instituído pela maioria, é
depositário da declaração da expressão e da conservação dessa vontade. Constituir o
legislativo é o primeiro ato fundamental da sociedade, princípio da continuação da união
de todos sob a direção de pessoas escolhidas e vínculos das leis elaboradas por estas” 22
Quando me deparei com essa passagem pela primeira vez, pensei: “como que pode um
entusiasta da liberdade ser defensor das restrições impostas pela lei? Não entendo!” Ora,
Jeremy Betham diria dois séculos depois que “cada lei é uma infração da liberdade”. Hoje
sei (e você também saberá agora): as coisas NÃO funcionam desse modo na cabeça Locke!
Para ele, o propósito da lei NÃO é o de restringir a liberdade, mas de preservá-la e
aumentá-la.

Onde não há lei não há liberdade.

“Mas como assim?”. Simples! A liberdade “não é, como nos foi dito, uma permissão para
todo homem agir como lhe apraz. (Quem poderia ser livre se outras pessoas pudessem lhe
impor seus caprichos?). Ela se define como a liberdade, para cada um, de dispor e ordenar

19
PALLIERI, Giorgio Balladore. A doutrina do Estado. Volume I. Coimbra: Coimbra, 1969, p. 61-62.
20
Identificar é diferente de separar, para exercício por pessoas diversas, o que fará Montesquieu.
21
LOCKE. Idem, p. 106.
22
LOCKE. Idem, p. 145.

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sobre sua própria pessoa, ações, possessões e tudo aquilo que lhe pertence, dentro da
permissão das leis”.
Sem a lei, a liberdade seria meramente formal, ameaçada a todo tempo por um estado de
natureza anárquico, incerto, inserguro. Na prática, não haveria liberdade. A lei é a muralha
dentro da qual a liberdade floresce tranquila.
Captou? Sim? Então prossigamos.
O governo legítimo deve atuar com o consensentimento do povo, o que NÃO quer dizer
necessariamente democracia. A maioria pode decidir, de forma racional, pela monarquia
ou aristocracia, por exemplo.

(Ano: 2015 Banca: VUNESP Órgão: Prefeitura de São Paulo - SP Prova: VUNESP -
2015 - Prefeitura de São Paulo - SP - Analista de Políticas Públicas e Gestão
Governamental) O que inicia e constitui realmente qualquer sociedade política nada
mais é senão o assentimento de qualquer número de homens livres e capazes de
maioria em se unirem e incorporarem a tal sociedade. E isto, e somente isto, deu ou
poderia dar origem a qualquer governo no mundo. (John Locke, Dois Tratados sobre
o Governo. Adaptado)
John Locke foi um importante filósofo inglês do século XVII. Esse trecho, destacado
de um dos textos do autor, discute um aspecto fundamental da ciência política
contemporânea, o conceito de
a) conflito.
b) dominação.
c) hegemonia.
d) soberania.
e) legitimidade.
Comentários
Só o consentimento dos homens confere LEGITIMIDADE ao Estado, não a força ou
qualquer outra entidade.
Assim, a alternativa D é a correta.

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Em 21 de abril de 1993, o povo brasileiro foi às urnas para ESCOLHER entre a monarquia e a
república (forma de governo) e entre o presidencialismo e o parlamentarismo (sistema de
governo). Venceu a república (86%) e o presidencialismo (69%).
Apesar de pouco se falar sobre o assunto, até hoje a vitória (“esmagadora”) é questionada
pelos partidários da monarquia e do parlamentarismo. Adivinha por quê... A Constituição
determinava que o plebiscito ocorresse em 7 de setembro de 1993. Contudo, a Emenda
Constitucional nº 2, de 25 de agosto de 1992, antecipou a data para 21 de abril de 1993
(dia de Tiradentes, personagem normalmente relacionado a valores republicanos).
Promulgada pelo Presidente Itamar Franco (do PMDB, partido que liderava o movimento
republicano presidencialista), a Lei nº 8.624, de 4 de fevereiro de 1993, regulamentou a
votação: concedeu aos brasileiros dois meses para deliberar sobre a eventual mudança de
um regime que já vigorava há 104 anos.
Os números porventura até apoiem a tese de falta de tempo para uma melhor reflexão.
Apesar da obrigatoriedade do voto, a abstenção às urnas foi considerável e bem acima da
média (26%). Em ambas as votações o número de votos em branco e nulos somados
chegou a 20%. Ou seja, apenas metade dos eleitores efetivamente realizou opção nas
urnas23.

Por derradeiro, Locke levou ao extremo sua aceitação de


resistência contra um governo ilegítimo (que descumprisse o
contrato social) ao admitir o regicídio (execução do monarca).
Essa defesa, vinda de um filho de puritanos que apoiaram a causa
parlamentarista na guerra civil inglesa, não era mera retórica:
que o diga o rei Carlos I, executado em praça pública (em 1649)
por ser “tirano, traidor, assassino e inimigo público da nação”.

Alguns séculos depois, nos EUA (nação construída sobre as ideias iluministas de Locke),
Henry David Thoreau daria feição prática à desobediência civil. Opositor ferrenho da
escravidão, ele considerava que a aceitação do modelo escravista tornava o governo dos
EUA ilegítimo, o que lhe permitia, como cidadão, desobedecer às leis.

23
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral - TSE. Resultado geral do plebiscito de 1993. Disponível em:
http://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/plebiscito-de-1993.

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Thoreau conclamava seus concidadãos a agir e se indignava com aqueles que silenciavam,
tachando-os de cúmplices: o Estado se tornava facilmente um veículo de injustiças quando
os homens concordavam (ou se omitiam), passivos, perante ações injustas. Os homens de
sentimento moral indiferente são os paus e as pedras da máquina da opressão.
Mas o que fazer? Revoltar-se! O cidadão insatisfeito precisava fazer mais do que só
registrar sua desaprovação nas urnas. O voto é parte do modelo governamental, mas a
consciência moral está acima e fora das instituições estatais. O indivíduo deve depositar
toda a sua influência, não apenas um pedaço de papel.
Em termos práticos: não reconhecer o Estado, não cooperar com seus funcionários, não
pagar impostos... A propósito, em 1846 Thoreau passou um tempo em cana (na prisão) por
se recusar a recolher tributos ao Estado de Massachusetts.
A escravidão pode até não ter acabado por causa da resistência proposta por Thoreau, mas
ele foi citado como inspiração por ninguém menos que Martin Luther King, cuja
desobediência civil é considerada peça-chave na derrocada do sistema que
(inacreditavelmente) segregava os negros em plena década de 1960 nos EUA – as boas
ideias plantadas hoje podem ser colhidas amanhã.

5.4 MONTESQUIEU

Deitado em sua cama, as luzes já apagadas, esperando pelo sono chegar (coçando seu nariz
de respeito – faça uma pausa e confira a foto do homem mais adiante), Montesquieu
deixava a mente viajar em pensamentos: “de onde é que Hobbes e Locke tiraram que os
homens do estado de natureza ficariam se atacando? Esses homens sentiriam, antes de
tudo, fraqueza e estariam constantemente atemorizados. TODOS se sentiriam inferiores e
dificilmente alguém se sentiria igual a outrem. NINGUÉM procuraria, obviamente, atacar.
Só posso concluir que a paz natural seria a primeira lei da natureza”.
Após nos apropriamos dessa visão radicalmente diversa sobre o homem na pré-sociedade,
somos levados a acreditar que o narigudo iria se aprofundar no tema. ERRAMOS!!!
Contemporâneo dos contratualistas, Montesquieu desenvolveu uma teoria que fez pouco
caso do contratualismo, dando mais importância à lei (existente no mundo real) do que a
uma abstração teórica do contrato social.
Sua grande preocupação era com a liberdade vs. despotismo – a questão-chave da relação
homem-estado era como garantir a liberdade e frear o despotismo. Fácil? Qual seria a
solução que você proporia? Bem, para Montesquieu, um primeiro passo era submeter o
governo às leis (Estado de Direito).

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(OAB XXIV 2017) “É verdade que nas democracias o povo parece fazer o que quer,
mas a liberdade política não consiste nisso.” (Montesquieu)
No preâmbulo da Constituição da República, os constituintes afirmaram instituir um
Estado Democrático destinado a assegurar, dentre outras coisas, a liberdade. Esse é
um conceito de fundamental importância para a Filosofia do Direito, muito debatido
por inúmeros autores. Uma importante definição utilizada no mundo jurídico é a que
foi dada por Montesquieu em seu Do Espírito das Leis.
Assinale a opção que apresenta a definição desse autor na obra citada.
a) A liberdade consiste na forma de governo dos homens, e não no governo das leis.
b) A disposição de espírito pela qual a alma humana nunca pode ser aprisionada é o
que chamamos de liberdade.
c) Liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem.
d) O direito de resistência aos governos injustos é a expressão maior da liberdade.
Comentários
ALTERNATIVA A = ao contrário! A liberdade começa pelo governo das leis!
ALTERNATIVA B = “disposição de espírito”... “alma”... visão muito metafísica.
Montesquieu se voltava muito mais a uma noção política de liberdade.
ALTERNATIVA D = como vimos há pouco, a noção do direito de resistência se liga ao
pensamento de Locke.
ALTERNATIVA C = Montesquieu advoga a importância das regras jurídicas para
garantir a liberdade dos indivíduos. Conforme trecho de sua obra clássica: “Num
Estado, quer dizer, numa sociedade onde há leis, a liberdade só pode consistir em
poder fazer o que se deve querer, e em não ser obrigado a fazer o que não se deve
querer. É preciso ter presente o que é independência, e o que é liberdade. Liberdade
é o direito de fazer tudo o que as leis permitem. Se um cidadão pudesse fazer o que
elas proíbem, ele já não teria liberdade, pois os outros teriam igualmente esse
poder’’.
Logo, a assertiva C está correta.

Mas isso seria suficiente? Pouco provável. “Montesquieu acreditava que a natureza
humana no poder NÃO é confiável – sobre isso ainda hoje poucos discordariam dele – e,

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por isso, queria outro poder para controlar o poder. Assim afirma no Livro XI: ‘para que não
se possa abusar do poder é preciso que, pela disposição das coisas, o poder freie o
poder’”24.

“A separação e a divisão dos poderes foram concebidas como fórmulas práticas


de obter a limitação efetiva do Poder político e a garantia dos direitos
individuais”25, isto é, visavam “à proteção da liberdade individual contra o
arbítrio de um governante onipotente”26.

Nas palavras do próprio barão: “quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo de


magistratura, o poder legislativo está reunido ao poder executivo, não existe liberdade;
porque se pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tirânicas para
executá-las tiranicamente. Tampouco existe liberdade se o poder de julgar não for
separado do poder legislativo e do executivo. Se estivesse unido ao poder legislativo, o
poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se
estivesse unido ao poder executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor”27.

“Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais, ou dos
nobres, ou do povo exercesse os três poderes: o de fazer as leis, o de executar as
resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as querelas dos particulares”

Embora Montesquieu receba, hodiernamente, boa parte dos méritos (se não todos eles) de
criação da teoria, não é verdade que a tenha desenvolvido de maneira plenamente original
(do zero), uma vez que se inspirou em autores de renomada monta que haviam se
destacado na produção político-filosófica dos séculos anteriores.

24
FÉDER. Idem, p. 29-30.
25
CAETANO, Marcello. Manual de ciência política e direito constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1996, p. 320.
26
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 23. ed. São Paulo: Atlas, 200, p. 406.
27
MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 168.

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O hoje ministro do STF, Alexandre de Moraes (também conhecido


como Tio Chico, da Família Adams), esclarece que a divisão segundo
o critério funcional foi esboçada pela primeira vez por Aristóteles, na
obra “Política”, detalhada posteriormente por John Locke, no
“Segundo tratado do governo civil”, e, finalmente, consagrada na
obra de Montesquieu “O espírito das leis” – a quem devemos a
divisão e distribuição clássicas, tornando-se princípio fundamental da
organização política liberal e dogma jurídico (art. 16 da Declaração
Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789).

Confira as diferenças no tratamento da matéria pelos autores citados.

+ Poder Executivo = atribuições casuísticas.


ARISTÓTELES + Poder Judiciário = administração da Justiça.
+ Poder DELIBERATIVO = assembleia que delibera os negócios estatais.

+ Poder Legislativo = elaboração de leis, disciplinando o uso da força civil.


JOHN LOCKE + Poder Executivo = aplicação da lei nas esferas judicial e administrativa.
+ Poder FEDERATIVO = relacionamento com os demais Estados.

+ Poder Legislativo = legisla (cria normas abstratas e gerais).


MONTESQUIEU + Poder Executivo = executa as leis, administrando.
+ Poder Judiciário = exerce a jurisdição, julgando conforme as leis.

O fato é que os autores precedentes NÃO traziam uma fórmula efetiva ao exercício dos
Poderes, de modo que estes pudessem funcionar dentro de um modelo equilibrado, razão
pela qual a teoria clássica da separação é creditada ao teórico francês. Explicitando: “muito
embora a ideia da separação dos poderes tenha sido defendida muito antes de

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Montesquieu, neste período os governos exerciam os poderes das mais variadas maneiras,
sendo constante a presença de um poder superior aos demais”28.

A maior inovação da obra de Montesquieu parece estar mesmo na estruturação


de instituições SEPARADAS para exercer os poderes, evitando que uma única
(mão) assuma a todos.

“Em termos elementares, já que tudo pode ser explicado de modo simples, sem floreio,
cada compartimento recebeu o nome de Poder. Um, encarregado de confeccionar as leis,
que devem ser a diretriz máxima de uma sociedade organizada. Outro, incumbido de
executá-las. O terceiro, árbitro das controvérsias criadas em torno da lei. Legislativo.
Executivo. Judiciário”29.

Charles-Louis de Secondat (1689-1755) nasceu na França e herdou o


título de barão de Montesquieu com a morte de seu tio. Estudou
direito em Bordeaux, mas a advocacia não lhe interessava. Então a
sorte lhe sorriu: com o pomposo dote recebido ao se casar, pôde
concentrar-se nos estudos e em escrever. Em 1748 publicou
anonimamente “O espírito das Leis”, obra que se tornaria um dos
maiores clássicos de todos os tempos.

Você deve estar se perguntando por que cargas d’água Montesquieu publicou sua obra
prima de forma anônima... ora, porque esse negócio de separação dos poderes era
bastante controverso à época e encontrou, como era de se esperar, forte resistência dos
poderes constituídos, concentrados nas mãos do monarca.
A vingança veio a cavalo: com a independência da colônia britânica na Americana do Norte
(em 1776), a teoria foi adotada pela Constituição do Estudos Unidos da América (de 1787)
e, com a Revolução Francesa, acabou sacramentada na Declaração dos Direitos do Homem
e do Cidadão de 1789: “a sociedade que não adote a separação dos poderes não tem uma
constituição” – simples assim.

28
CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional. Curitiba: Jaruá, 2001, p. 99.
29
ANDRADE, Luciano Benévolo de. Ato político: omissão judicial. Revista Jurídica Consulex. Brasília, ano XIV, nº 316, p.
47, 15 de março de 2010, p. 47.

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Constituição da República Federativa do Brasil:


“São Poderes da União, independentes e
harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e
o Judiciário” (art. 2º) – são de competência
diversa, agindo separadamente e por autoridade
própria; são independentes porque têm esfera
própria; são harmônicos porque não se isolam.

Outro ponto muito interessante da obra do barão é o relativa às formas de governo e seus
princípios. Lembra que Aristóteles classificou os governos (item 2.3)? Pois Montesquieu
também arriscou uma categorização: (a) REPÚBLICA = o corpo do povo ou apenas uma
parte do povo detém a força suprema; (b) MONARQUIA = um só governa, mas por meio de
leis fixas e estáveis; (c) DESPOTISMO = governo de um só, sem lei e sem regras, tudo sendo
arrastado segundo a sua vontade e os seus caprichos.
Essas definições mostram, de modo imediato, que a natureza de um governo NÃO depende
apenas do número dos que detêm o poder, mas também da maneira como o poder é
exercido. Monarquia e despotismo são ambos regimes que concentrados em uma só figura,
mas no caso do governo monárquico o detentor único do poder governa segundo leis fixas
e estabelecidas, enquanto que no despotismo o governante atua à margem de leis ou
regras.

Democracia e aristocracia eram dois regimes distintos na classificação de Aristóteles. Na


visão de Montesquieu, compõem duas modalidades de um mesmo regime, o republicano.

Cada forma de governo possui seu princípio motriz, que é o sentimento que deve animar
os homens no interior do respectivo tipo de governo para que ele funcione
harmoniosamente (faz o governo ser o que ele deve ser). Na república temos a virtude
(amor pelas leis e dedicação à coletividade); no despotismo o medo, o terror (noção

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autoexplicável, elementar e, por assim dizer, infrapolítica); na monarquia deve viger a


honra (tratada de maneira polêmica e, em especial, amoral).

“Nas monarquias a política faz com que sejam feitas grandes coisas com a menor
virtude possível. Como nas mais belas máquinas a arte emprega tão poucos
movimentos, forças e rodas quanto possível, o Estado subsiste
independentemente do amor pela pátria, do desejo da verdadeira glória, da
renúncia a si mesmo, do sacrifício dos interesses mais caros e de todas essas
virtudes heroicas que encontramos nos antigos, e das quais somente ouvimos
falar” (Livro III, Capítulo 5).

Note que a honra do barão não é mesmo moral, mas política (busca do melhor resultado).
O mesmo acontece com a virtude: o fato de o princípio da república ser a virtude não
significa que nela os homens sejam virtuosos, mas que deveriam sê-lo, e que as repúblicas
só serão prósperas se os cidadãos forem virtuosos – viverem para e pela coletividade, na
qual se sentem cidadãos, o que implica que sejam e se sintam iguais uns aos outros.
E qual era a forma ideal para Montesquieu? A democracia? NÃO!!! A leitura de “O Espírito
das Leis” não deixa dúvida de que a preferência do autor se inclina à monarquia – além de
prescindir (dispensar) da virtude para bem funcionar, a monarquia é forma de governo
que se distingue mais do despotismo do que a própria república democrática. “Mas
como???” Calma! Não se indigne. Vamos aprofundar.

Segundo Montesquieu, o poder do monarca é controlado pelos chamados corpos


intermediários. No capítulo “A Excelência do Governo Monárquico”, ele afirma: “o governo
monárquico apresenta uma grande vantagem com relação ao despótico. Como sua
natureza exige que o príncipe tenha debaixo de si várias ordens relativas à constituição, o
Estado é mais resistente, a constituição mais inabalável, a pessoa dos governantes mais
segura”.
E o que catapultas são esses corpos intermediários? São poderes que se estabelecem
entre os súditos e o soberano, passando a atuar como “contrapoderes”, impedindo o
abuso, pelo monarca, da sua própria autoridade – ao impossibilitar a concentração total do
poder. São entidades ou práticas autônomas que a sociedade mesma produz quando
permitido (e incentivado) o pluralismo (cada um puxa a brasa para o seu assado, reúne-se
em associações, grupos, entidades e, ao cabo, freiam o poder soberano).

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Essa ideia se contrapõe não só à teoria despótica de Hobbes como também à teoria da
república democrática de Rousseau, que se prende à vontade geral (única titular da
soberania) e deixa de admitir as “sociedades parciais”, que se interpõem entre os
indivíduos e o total social – essa vedação levaria não só ao despotismo tradicional como à
ditadura jacobina (triste efeito da supressão dos corpos intermediários).

(Ano: 2012 Banca: CESPE Órgão: MCT Prova: CESPE - 2012 - MCT - Analista em
Ciência e Tecnologia Pleno - Tema I) Com relação aos modelos de distribuição de
poder e às teorias da democracia, julgue o item seguinte.
Uma das fontes do pluralismo moderno é a teoria dos corpos intermediários, cujo
princípio básico consiste na divisão de poderes.
Comentários
Montesquieu caracterizou os corpos intermediários como condições essenciais para o
governo moderado, descrevendo-os como compensatórios contra a tendência
endógena de qualquer soberano de monopolizar os poderes. O soberano precisa ser
limitado tanto pela divisão das funções estatais quanto por entidades ou práticas
autônomas que a sociedade mesma produz. O pluralismo, portanto, é necessário à
moderação do poder.
Não se pode, de todo modo, confundir as partes da teoria: corpos intermediários e
divisão dos poderes são coisas distintas (um não é princípio básico do outro), muito
menos fonte do pluralismo moderno.
Logo, o item está ERRADO.

Ademais, um Estado só é próspero quando os homens querem diretamente o bem da


coletividade, ou, uma vez que isso é impossível, um bom regime é aquele em que os vícios
dos homens conspiram para o bem de todos (por exemplo, a ambição, que é perniciosa nas
repúblicas, tem bons efeitos nas monarquias) – o bem da coletividade é garantido, senão
pelos vícios dos cidadãos, ao menos por suas qualidades menores ou até por atitudes que,
moralmente, seriam repreensíveis. A teoria da honra de Montesquieu é uma modalidade,
sem ilusões, desta segunda hipótese.

(Ano: 2012 Banca: CESPE Órgão: MCT Prova: CESPE - 2012 - MCT - Analista em
Ciência e Tecnologia Pleno - Tema I) Com relação aos modelos de distribuição de
poder e às teorias da democracia, julgue o item seguinte.

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Uma das fontes do pluralismo moderno é a teoria dos corpos intermediários, cujo
princípio básico consiste na divisão de poderes.
Comentários
Montesquieu caracterizou os corpos intermediários como condições essenciais para o
governo moderado, descrevendo-os como compensatórios contra a tendência
endógena de qualquer soberano de monopolizar os poderes. O soberano precisa ser
limitado tanto pela divisão das funções estatais quanto por entidades ou práticas
autônomas que a sociedade mesma produz. O pluralismo, portanto, é necessário à
moderação do poder.
Não se pode, de todo modo, confundir as partes da teoria: corpos intermediários e
divisão dos poderes são coisas distintas (um não é princípio básico do outro), muito
menos fonte do pluralismo moderno.
Logo, o item está ERRADO.

6 ERA DAS REVOLUÇÕES: HORA DE MUDAR O MUNDO

No taxation without representation!


As colônias britânicas na América do Norte pagavam pesados impostos à metrópole
europeia sem receber, como retribuição, qualquer participação política no Parlamento. Os
colonos sulistas, que já haviam percebido não mais precisar do pacto colonial, uniram-se à
elite do Norte e ergueram-se contra a dominação externa. Contando com o apoio dos
inimigos dos ingleses no velho continente (especialmente os franceses), conquistaram a
independência30, formando um Estado liberal sobre bases iluministas.

30
PARKER, Philip. Guia ilustrado Zahar: história mundial. Rio de Janeiro: Zahar, 2011, p. 262-263.

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Liberté, egalité, fraternité!


Na véspera da Revolução Industrial, a França ainda conservava uma estrutura absolutista e
aristocrática ultrapassada em relação aos demais países europeus, conservando o caráter
originário da época em que a terra era a única forma de riqueza social 31. A nobreza e o
clero, que representavam 3% da população, detinham 40% das terras e ainda eram isentos
de muitos impostos, o que causava um imenso descontentamento social com o Ancien
Régime. Para piorar, em 1778 uma grave crise econômica assolava o país, gerada em muito
pelo envolvimento francês na Revolução Americana e por colheitas ruins32: o país era um
barril de pólvora. A burguesia aproveitou o momento e o local e, apoiada pelo povo,
levantou-se contra o sistema. A queda da Bastilha, milenar fortaleza-prisão, em 14 de julho
de 1789, marca simbolicamente a vitória dos revolucionários33.

31
SOBOUL, Albert. A Revolução Francesa. São Paulo: Difel, 1974, p. 9.
32
PARKER. Idem, p. 272.
33
ORDOÑES, Marlene; QUEVEDO, Júlio. História. São Paulo: IBEP, 2002, p. 146-149.

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Sem dúvida alguma, o século XVIII (especialmente o seu final) foi a Era das Revoluções. As
estruturas sociais que vivenciamos hoje (democracia, república, presidencialismo, direitos
fundamentais) foram forjadas nesse período, mas não sem sangue, suor, lágrimas, caneta
(pena) e papel. Deixemos o sangue para os fãs de MMA, o suor para os marombeiros e as
lágrimas para os noveleiros. Vamos nos concentrar no que foi produzido pela caneta sobre
o papel

Kant defende a liberdade


Rousseau propõe um Bentham advoga que a
como princípio básico de
novo contrato social e busca da felicidade para
convivência e rechaça as
fixa as bases da o maior numero é o
imposições igualitárias
soberania popular (1762) objetivo do Estado (1780)
(1788)

Mill defende que o


Bastiat questiona o papel Burke adverte sobre os
governo só deve intervir
dos governantes como perigos de se tentar
nas liberdades individuais
escultores da massa reconstruir a sociedade
se essas prejudicarem
popular (1850). via revolução (1790).
terceiros (1861).

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6.1 JEAN-JACQUES ROUSSEAU

Lembra daquele homem malvadão descrito por Hobbes? Pode esquecê-lo! E da guerra de
todos contra todos? Deixa pra lá! Na visão de Rousseau, no estado de natureza o homem
era livre e feliz, como os animais. NÃO é a natureza que nos faz maus, mas a sociedade:
sociedades más produzem maus cidadãos.

A diferença de contexto moldou as teorias de Hobbes e Rousseau. O autor britânico


escreveu durante a Guerra Civil Inglesa e concluiu que o questionamento da autoridade é o
retorno à selvageria do estado de guerra. Já o nosso amiguinho francês, ao tempo de seus
principais escritos políticos, vivia na tranquila Genebra, na Suíça34. Compreensível, não?

Qual é que era a realidade no estado de natureza, então? Era de paz e amor. Em uma
conjuntura em que “NÃO HÁ PROPRIEDADE CONSTANTE”35, o homem é guiado por dois
princípios bem simples: (a) desejo de autopreservação; e (b) compaixão pelos outros.
Ocorre que o surgimento da propriedade privada criou uma desigualdade imediata entre
os proprietários e os sem-propriedade.

“O primeiro homem que cercou um pedaço de terra e disse ‘isso é meu’, e


encontrou pessoas que acreditaram nele, é o autêntico fundador da sociedade
civil. De quantos crimes, guerras, assassínios, desgraças e horrores teria se
livrado a humanidade se alguém, arrancando as cercas, tivesse gritado: ‘Não,
impostor’”.

Estabelecida a propriedade, rapidamente, a compaixão desapareceu e o senso de


autopreservação se transformou em um destrutivo desejo de posses, de orgulho e de

34
Quem viu Tropa de Elite 1 vai entender a tirada: “do apartamentinho da Zona Sul não dá pra ver esse tipo de coisa
não” (André Mathias) kkkkk.
35
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. 3. ed. São Paulo: Martin Claret, 2008, p. 26.

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inveja – os homens passaram a se julgar em relação aos outros com base na riqueza
material.

Isso quer dizer que Rousseau é um socialista? Sim e não. Melhor: Não exatamente... É
certo que as ideias rousseaunianas seriam aproveitadas por autores marxistas, mas o autor
francês, pessoalmente, ainda que choramingasse a criação da propriedade privada, não
defendia sua completa extinção. Para ele, o modelo ideal de Estado seria uma pequena
república agrária, em que os cidadãos seriam proprietários de fazendas coletivas (como se
fossem condomínios rurais). Ele acreditava que abolição total da propriedade geraria um
conflito entre liberdade e igualdade. Sua proposta era uma distribuição que, em sua
concepção, pudesse ser considerada razoavelmente justa.
Mas não seria mais fácil retornar ao estado de natureza, onde havia liberdade plena? Não.
No estado primitivo as pessoas não conseguiriam levar adiante ideais mais elevados do que
seus apetites animais – desejos mais sofisticados dependem da sociedade civil.

“Suponho os homens terem chegado a um ponto em que os obstáculos que


atentam à sua conservação no estado natural excedem, pela sua resistência, as
forças que cada indivíduo pode empregar para manter-se nesse estado. Então
esse estado primitivo não pode subsistir, e o gênero humano pereceria se não
mudasse de modo de ser”.

Bom, se não podemos voltar ao estado anterior, ao menos podemos construir uma
sociedade que melhore a vida de todos. Mas como? A força e a liberdade são os
instrumentos fundamentais para a conservação do homem... o que precisamos é encontrar
um modo de combiná-las de maneira adequada... “achar uma forma de sociedade que
defenda e proteja com toda força a pessoa e os bens de cada sócio, e pela qual, unindo-se
cada um a todos, não obedeça todavia senão a si mesmo e fique tão livre como antes”36. É
justamente essa equação que o contrato social soluciona.

36
ROSSEAU. Idem, p. 29.

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A ordem social é um direito sagrado que serve de base para todos os demais
(não provém de Deus nem da natureza, mas das convenções).

O problema é que contrato social nos moldes originais se torna uma armadilha dos ricos
contra os pobres, um pacto que preserva a desigualdade. O estado e a sociedade acabam
atuando como um peso sobre os indivíduos, desigualando-os pela propriedade e, ao
mesmo tempo, privando-os da liberdade natural.
É possível, entretanto, mudar todo esse quadro se as instituições políticas e a sociedade
forem organizadas de modo eficiente. Se isso for feito, o novo contrato social realizará uma
correção, suprindo as desigualdades e fazendo com que os homens, desiguais em força ou
engenho, tornem-se iguais por convenção e de direito: “o pacto social estabelece entre os
cidadãos uma igualdade tal, que eles se obrigam todos debaixo das mesmas condições, e
todos devem gozar dos mesmos direitos”37.

Liberdade e igualdade marcham juntas, não em sentidos opostos.

O contrato social reformulado produz um corpo moral e coletivo (Estado), que é mero
executor das decisões – o soberano é o conjunto de pessoas, que tem uma vontade
própria, a VONTADE GERAL, a qual NÃO se confunde com a simples soma das vontades
individuais (vontade de todos), mas é uma síntese delas e, por isso, é sempre reta e tende
constantemente à utilidade pública.

A vontade geral NÃO é o mero somatório das vontades particulares, mas a sua intersecção,
voltada à realização do interesse comum, em detrimento dos interesses particulares. Cada

37
ROSSEAU. Idem, p. 41.

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indivíduo pode ter uma vontade própria (particular) até mesmo contrária à vontade geral
que tem como cidadão. A vontade geral não é necessariamente unânime, mas permite a
participação de todos, vencendo o interesse da maioria voltado ao bem comum.
Imagine que você está em uma assembleia em que se discute um empréstimo compulsório
em favor do Estado. Você sabe que terá de abrir sua carteira para o poder público e que
isso é importante para atender a uma emergência (ocorreu uma enchente devastadora no
povoado). Só que você, claro, tinha outros planos para esse dinheiro (um cavalo novo,
porque o seu já está perdendo os dentes). Na visão rousseauniana, você pode até ter uma
vontade particular de negar ao Estado o empréstimo, mas ciente do interesse público,
votaria favoravelmente ao empréstimo, guiado pela vontade geral (bem comum). Será
mesmo? Kkkkk
Essa noção um tanto quanto abstrata (e de difícil visualização prática) é a base das
democracias modernas.

(2017 OAB XXIII) ...só a vontade geral pode dirigir as forças do Estado de acordo
com a finalidade de suas instituições, que é o bem comum... (Jean-Jacques Rousseau)
A ideia de vontade geral, apresentada por Rousseau em seu livro Do Contrato Social,
foi fundamental para o amadurecimento do conceito moderno de lei e de
democracia.
Assinale a opção que melhor expressa essa ideia conforme concebida por Rousseau
no livro citado.
a) A soma das vontades particulares.
b) A vontade de todos.
c) O interesse particular do soberano, após o contrato social.
d) O interesse em comum ou o substrato em comum das diferenças.
Comentários
ALTERNATIVA A = os interesses das pessoas são variados e até contraditórios, de
modo que a vontade geral não pode ser a “soma das vontades particulares”.
ALTERNATIVA B = a vontade de todos é a soma das vontades particulares, que, por
serem díspares, podem estar em contradição com a vontade geral.
ALTERNATIVA C = soberano é o povo. O interesse particular, evidentemente, não se
confunde com a vontade geral.
ALTERNATIVA D = exatamente! A intersecção dos interesses privados, que forma o

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que podemos chamar de bem comum.


Logo, a assertiva D está correta.

E se alguém (ou um grupo) clamar por ser a voz da vontade geral, quando, na verdade,
expressa uma vontade particular? Sim: aí está a porta ao totalitarismo (os déspotas
costumam jurar que agem em prol do bem comum e que são porta-vozes da vontade
geral... vide Hugo Chávez, Fidel Castro e Cia Ltda).
Para remediar esse perigo, Rousseau, aproveitando para admitir a impossibilidade de se
evitar facções (vontades particulares organizadas), propunha multiplicá-las
indefinidamente, criar tantas quanto possível, de modo que nenhuma poderia alegar ser a
geral ou ser dominante o suficiente para se opor à vontade geral.

Rousseau NÃO igualou soberania popular à democracia – um governo de democracia


direta poderia levar à corrupção e à guerra civil. O ideal seria que fossem formadas
assembleias populares que delegassem ao governo as tarefas. O povo soberano
manifestaria sua vontade geral, indicando a direção para que, no dia a dia, o governo
pudesse atuar.
Aliás, o soberano não pode ter autoridade absoluta, já que é inaceitável que um homem
livre se coloque espontaneamente em uma condição de total subordinação – de modo
voluntário escravize a si mesmo. O governo não está acima da sociedade, o que
transformaria a igualdade natural em desigualdade política permanente; o governo serve à
sociedade.

“Renunciar à liberdade é renunciar à qualidade de homem. Não há nenhuma reparação


possível para quem renuncia a tudo”38

Como diria Hegel: o espírito que prefere a liberdade à vida torna-se senhor (de si mesmo);
o espírito que prefere a vida à liberdade torna-se escravo (dos outros).

38
ROSSEAU. Idem, p. 25.

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Herdeiro de uma enorme biblioteca e com um voraz apetite pela leitura,


Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) dispensou a educação formal.
Deserdado pelo pai, acabou exilado em Genebra. Tornou-se secretário do
embaixador em Veneza e depois se mudou para Paris. Como ensaísta
controverso, teve suas obras proibidas na França e em Genebra. Fugiu por
breve período para Londres e depois voltou à capital francesa, onde
permaneceu o resto da vida. Em 1794 seus restos mortais foram transferidos
para o Panteão, em Paris, e acomodados com honrarias de herói nacional.

Em uma das pequenas-grandes incongruências verificadas em sua obra, Rousseau admite


que “para descobrir as melhores regras de sociedade que convêm às nações, seria
necessária uma inteligência superior que visse todas as paixões sem experimentar
nenhuma; que, sem relação com a nossa natureza, a conhecesse profundamente; que se
dignasse a entender a nossa felicidade, sendo a sua independente de nós; que buscando
enfim no andar dos tempos uma glória distante, pudesse trabalhar num século e gozar no
outro. Seriam necessários deuses para dar leis aos homens”39.
Ainda assim, inaugura (por assim dizer) o pensamento de que a sociedade é algo separado
das instituições políticas. É com ele que temos uma diferenciação mais precisa do
fenômeno sociedade-estado-governo e que ganha vez a ideia de que a sociedade pode ser
moldada pela ação política.
Uma década depois da sua morte, os Jacobinos adotaram essas concepções como
estandarte da Revolução Francesa, pregando a necessidade de uma reforma igualitária
completa e impiedosa e assentando a capacidade do governo revolucionário de promovê-
la. Como se sabe, muito sangue foi derramado com base nisso (cabeças rolaram).

39
ROSSEAU. Idem, p. 46.

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E não parou por aí: Rousseau continua vivo nas noções de povo como soberano, de
igualdade como objetivo da sociedade, da existência de interesses coletivos distintos dos
de cada membro da coletividade. Serve ainda de alicerce para todos os autores
transformistas, que figuram poder modelar a sociedade para o melhor (de Marx a Rawls).

6.2 FRÉDÉRIC BASTIAT

Onde você está lendo este material? Em casa? Não? Em uma biblioteca, café, ou outro local
qualquer? Ótimo! O que garante que quando você voltar para casa estará tudo lá? Sua
cama, televisão, mesa, geladeira, comida, roupas, cachorro, gato, passarinho... Quer dizer,
vivemos em um país que admite a propriedade privada (até que se prove o contrário) e se
alguém for lá e pegar o que é seu haverá furto (artigo 155 do Código Penal). Ok. Mas quem
fará cumprir uma sentença penal condenatória? Não está entendendo onde estou
querendo chegar com essa história? Deixe-me
explicar...

Cogitemos que o Estado ainda não existe. Você sai


da sua caverna para ir até o riacho pegar uma água.
Em sua humilde residência está a caça do dia (morta
a pauladas), aguardando para ser devorada. Quando
você retorna, ela não está mais lá. Você
imediatamente desconfia do Buba (seu vizinho)...
ele vive se apropriando de coisa alheia móvel para si

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ou para outrem. O que você faz? Você convida seus amigos e vai lá no Buba tentar
recuperar a carne à força. Era assim que funcionava: na FORÇA!

Bem, mas se você tem o “direito” de defender sua caça por sua própria força e até mesmo
de se agrupar com outros (força coletiva aumentada) para fazer valer seus direitos (no
caso, de propriedade), por que não criar uma força pública e pô-la a funcionar em prol de
direitos estabelecidos, como a vida, a liberdade e a propriedade? Ótima ideia, não?
Teremos uma organização coletiva do direito individual de legítima defesa como base do
Estado, a operar conforme a LEI.
Essa alegoria descreve o pensamento simples, mas brilhante, de Frédéric Bastiat.

“Cada um de nós tem o direito natural de defender sua própria pessoa, sua
liberdade, sua propriedade. Se cada homem tem o direito de defender – até
mesmo pela força – sua pessoa, sua liberdade e sua propriedade, então os
demais homens têm o direito de se concentrarem, de se entenderem e de
organizarem uma força comum para proteger constantemente esse direito”40.

Transformando a conclusão em premissa, temos ainda: “o direito coletivo tem, pois, seu
princípio, sua razão de ser, sua legitimidade, no direito individual. E a força comum,
racionalmente, não pode ter outra finalidade, outra missão que não a de proteger as forças
isoladas que ela substitui”41. Logo, os limites da atuação estatal são bem definidos, NÃO
admitindo que sejam extrapolados. Alguém se atreveria a dizer que a força serve não para
defender nossos direitos, mas para aniquilar os iguais direitos dos semelhantes? Não? Ok.
Mas se isso não é certo para as forças individuais, porque seria certo para a força coletiva,
que nada mais é do que a união organizada das forças individuais?

A força pública criada


Cada um pode defender As pessoas podem reunir
pela união das legítimas
seus direitos até mesmo os direitos de legítima
defesas NÃO pode ir além
com a utilização da força defesa em uma
do que um indivíduo
(legítima defesa) instituição (Estado)
isolado poderia

40
BASTIAT, Frédéric. A lei. 2. ed. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1991, p. 4-5.
41
BASTIAT. Idem, p. 5.

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Claude Frédéric Bastiat (1801-1850) ficou órfão aos nove anos. Aos
17 deixou a escola para cuidar dos negócios da família. Aos 24, com a
morte do avô (que o criara e deixou-lhe bens suficientes para uma
vida confortável), pôde dedicar-se aos estudos e à vida política,
tornando-se deputado. A partir de 1844 passou a escrever sobre
economia e rapidamente ganhou notoriedade. Por infelicidade do
destino, poucos anos depois foi vencido pela tuberculose.

Esse francesinho arretado protagonizou acirrados DEBATES. Em famosa troca de


correspondências logo após a Revolução Francesa (na época as discussões eram por carta),
Alphonese de Lamartite escreveu-lhe: “sua doutrina é somente a metade do meu
programa; você parou na liberdade; eu já estou na fraternidade.” Com a costumeira
perspicácia e acidez, Bastiat respondeu: “a segunda metade de seu programa destruirá a
primeira”. Wow! Por essa Lamartite não esperava. E Bastiat continua “é-me impossível
separar a palavra fraternidade da palavra voluntária. Eu não consigo sinceramente
entender como a fraternidade pode ser legalmente forçada, sem que a liberdade seja
legalmente destruída e, em consequência, a justiça legalmente pisada”
Ele merecia aquela musiquinha (“Turn down for what”42) e até mesmo os óculos da zoeira,
não merecia? Vamos tentar, em poucos parágrafos, resumir o pensamento político
deste cara (praticamente ignorado no brasil), mas que tem muito a nos ensinar.
O Estado deve ser uma força negativa destinada a reprimir injustiças. E só! Sempre que o
poder público vai além dessas fronteiras, acaba ele mesmo se tornando fonte de injustiças,
de privilégios, de desigualdades, de espoliação, que é quando uma porção de riqueza passa
daquele que a adquiriu, sem seu consentimento e a compensação devida, para alguém que
não a gerou.
Mas por que o Estado atuaria de modo espoliador? Fácil e até mesmo compreensível.
Indignado com as mazelas sociais, o homem lança mão do poder público para intervir
diretamente na comunidade, no intuito (a rigor bem-intencionado) de equalizar o festival
de desigualdades que se desnuda diante dos seus olhos, crendo ser capaz de impor limites
a tal atuação, o que se mostra, rapidamente, um erro: o Estado se agiganta sem que nada
mais possa fazê-lo encolher. O resultado final é a injustiça generalizada (vide experiências
da URSS, Cuba, China, Coreia do Norte...).
Existe alternativa? Claro! Garantir que cada pessoa tenha segurança pessoal, seja livre para
trabalhar e gozar os frutos da aplicação de suas habilidades, sem obstáculos, sem receios,

42
Quando escrevi esta parte do livro, fiz a besteira de dar uma checada no vídeo original da música. Meu Jesus
Amado!!! Para quem não tem humor (nem um pouco) refinado, até que pode render algumas risadas kkkk. Olha só:
https://goo.gl/AASV1d.

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sem ataques injustos, com incentivos positivos (percepção de que valha a pena se esforçar
e de que seja por demais arriscado ou custoso tentar espoliar os demais).
E olha que tivemos uma grande chance de seguir por esse caminho no seio das revoluções
“liberais” (ou, como preferem alguns, burguesas). Poderíamos ter acabado com os
privilégios da nobreza e instalado a igualdade, mas, tão rápido as classes antes espoliadas
obtiveram poder político, preferiram estabelecer um sistema de espoliação generalizado,
em que TODOS brigam com unhas e dentes para obter vantagens legais.
Ao cabo, “não se julga suficiente que a lei garanta a cada cidadão o livre e inofensivo uso de
suas faculdades para o seu próprio desenvolvimento físico, intelectual e moral. Exige-se, ao
contrário, que espalhe se diretamente sobre a nação o bem-estar, a educação e a
moralidade”43.
Ora, mas se o poder público parece ser teoricamente funcional para organizar a justiça, por
que mesmo não o deixar organizar o trabalho, a educação e a saúde? Porque ele não tem
condições de fazer isso... ao menos não sem desorganizar a justiça e criar uma série de
conflitos.
É o que vemos com clareza hoje em dia: as casas legislativas e os centros de poder político
em geral, ao redor do mundo todo, transmutaram-se em verdadeiras arenas de combate,
nas quais os grupos sociais se digladiam em busca dos seus “direitos” (interesses privados).
Essa sim é a guerra de todos contra todos.

“Eu desafio qualquer uma dizer de onde poderia sair a ideia


de uma revolução, insurreição ou simples motim, contra
uma força pública limitada a reprimir a injustiça. [...] E
quanto aos sofrimentos que são inseparáveis da
humanidade, a ninguém ocorreria culpar o governo por
causa deles, pois o governo é tão inocente com relação a
esses sofrimentos quanto o é com relação às variações de
temperatura. [...] Mas façam-se leis baseadas na
fraternidade, proclamando que dela emanam os bens e os
males, que é responsável por toda a desigualdade social, e
se verá abrir a porta para uma interminável série de
queixas, ódios, transtornos e revoluções”44.

43
BASTIAT. Idem, p. 16.
44
BASTIAT. Idem, p. 46.

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Nadando contra a correnteza, Bastiat ataca ainda, a golpes de machado, dois pontos-chave
do pensamento de Rousseau que ganharam o mundo (tornaram-se paradigmáticos): (a) o
fator democrático (sufrágio universal); e (b) o governo como gestor da sociedade.

1) Por que tanta fuzarca pelo sufrágio universal? Se a força pública é destinada apenas a
garantir que as pessoas não sejam lesadas em sua vida, liberdade e propriedade, não muda
muita coisa poder votar. O papel do governo é restrito e a sociedade como um todo é que
ganha peso. Agora, claro, quando o Estado é o distribuidor e redistribuidor de riquezas,
quando a ele compete tudo, ele faz tudo, manda em tudo, então realmente cada um de
nós quer fazer parte do poder público, seja para participar da farra na distribuição de
benefícios, seja para evitar que sejamos os prejudicados. O grau de importância do sufrágio
se liga intrinsicamente ao modelo de intervenção estatal: quanto maior a intervenção,
maior a necessidade de se participar do governo; quanto menor a intervenção, menor o
interesse em atuar junto à força pública.

Isso funciona mais ou menos como o síndico de um prédio simples e com poucos
apartamentos (nem elevador têm). A função é basicamente garantir a segurança da porta
principal e contratar alguém para realizar os serviços de limpeza e reparos (manutenção).
Não há função ativa de investimentos e coisas do tipo. As reuniões desse condomínio não
têm apelo (há pouco dinheiro para farrear) e o cargo de síndico é mais ônus do que bônus.
Agora, peguemos um edifício complexo, de alto padrão, com vários blocos (estilo colmeia
de abelha) e muito dinheiro, ampla área comum, piscina, teatro, playground, campinho...
as empresas lutam com todas as forças para ganhar a administração do condomínio
(envolve muita grana) e o síndico é um cargo importantíssimo, não raro gerando brigas
entre os condôminos (disputa pelo poder).
Quando o Estado é grande (tem muitos poderes) e você não faz parte dele, a chance de sair
prejudicado é enorme. O sufrágio, nesse modelo, é mesmo fundamental. Com a redução
das atribuições estatais, a tendência é que cada um se preocupe mais com a própria vida

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do que com a esfera pública. As casas legislativas perderiam a graça... As programações da


TV Câmara e da TV Senado teriam de ser reformuladas (talvez exibir as disputas pelo poder
no Dragon Ball Z kkkkkk).

2) O governo é o responsável por moldar a sociedade e garantir a felicidade geral da


nação? O governo mal consegue cumprir seu papel de garantir justiça e ainda quer assumir
responsabilidades muito além de suas capacidades.
Ideias como a do pensador chinês Mozi (o governo precisa ser conduzido por sábios que
cultivem a prosperidade do Estado para o bem-estar do povo em geral) e do indiano
Kautilya (o governo é responsável pelo bem-estar do povo, de modo que os governantes
têm de ser sábios na arte de mover a roda do desenvolvimento) são tão utópicos como
prejudiciais à sociedade, pois colocam o cidadão “comum” como subjugado dos
governantes (superiores?).
A rememorar a observação de Jacques Leclercq: “nunca se encontrou o meio de os
governantes serem de moralidade notavelmente superior à média do povo. São egoístas e
orgulhosos como os outros, ou mais precisamente, tão egoístas quanto os outros e mais
orgulhosos. Orgulhosos, julgam que o que decidem é necessariamente o bem e creem que
o maior interesse da comunidade é o de os ter como chefes. Egoístas, servem-se a si
próprios sob o pretexto de servir ao bem público”45.

Apesar disso, Rousseau teima em afirmar que “entre o legislador e o príncipe, entre o
príncipe e os súditos existem as mesmas relações que entre o agrônomo e o agricultor, que
entre o agricultor e a terra”. Bastiat se pergunta: “E como ficam os homens nisso tudo? [...].
A que altura, acima da humanidade, está, pois, colocado o escritor? Rousseau reina sobre
os próprios legisladores e ensina-lhes seu ofício em termos imperativos: ‘Quer-se dar
estabilidade ao estado? Então aproximem-se os extremos tanto quanto possível. Não se
tolerem nem os ricos nem os mendigos’ [...]. Pobre espécie humana! O que se tornaria a
dignidade da pessoa se fosse confiada aos seguidores de Rousseau?”46.

45
FÉDER. Idem, p. 97.
46
BASTIAT. Idem, p. 36 e 38.

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As pessoas já não deram provas suficientes de sabedoria e maturidade? Já não se


mostraram capazes de se guiar por si mesmas? E para quem acredita que a natureza do
homem é má, de modo que a concessão da liberdade de decidir os próprios passos levaria
à selvageria, como suportar a ideia de que os legisladores são tão bons? Eles por acaso
não fazem parte da raça humana? São compostos de material diferente? Se eles
receberam dos céus inteligência e virtudes para além da humanidade, que nos mostrem
(comprovem) seus títulos de superioridade. Se a humanidade não é competente para julgar
por ela mesma (se precisamos de organizadores com poderes quase absolutos para ditar os
rumos de nossas vidas), por que se fala tanto em sufrágio universal?

Henry David Thoreau (1817-1862), filho de um produtor de canetas,


deu um jeito de estudar em Harvard. É pouco ou quer mais? Morreu
de tuberculose! Isso diz muito, não é?! Todos os gênios parecem ter
morrido assim rsrsrsrs Ele tinha uma visão bem particular do governo:
o progresso vem da engenhosidade do povo, não do governo, que
até é útil (segurança), mas ao se intrometer no que não é chamado
provoca danos e injustiça. Logo, a melhor coisa que o governo pode
fazer é deixar o povo se desenvolver. Em suma, o melhor governo é
aquele que NÃO GOVERNA.

Não somos massa de modelar! “Há no mundo excesso de grandes homens. Há legisladores
demais, organizadores, fundadores de sociedades, condutores de povos, pais de nações,
etc. Gente demais se coloca acima da humanidade para regê-la, gente demais para se
ocupar dela [...]. E posto que se infligiram inutilmente ao corpo social tantos sistemas, que
se termine por onde se deveria ter começado: que se rejeitem os sistemas; que se coloque,
por fim, a Liberdade à prova”47.

Não são poucos os que criticam as ideias de Bastiat 48 (em geral os pensadores de
esquerda), acusando-o de ser insensível à pobreza, às
dificuldades alheias, aos “desfavorecidos”. Ele se defende com
vigor, assentando não ser, de modo algum, contra a organização
natural, apenas contra a organização forçada; nada contra a livre
associação, apenas contra a associação imposta; nada contra a
fraternidade espontânea, apenas contra a fraternidade
normativa; nada contra a solidariedade providencial, apenas
contra a solidariedade artificial (que soterra a responsabilidade);

47
BASTIAT. Idem, p. 56 e 57.
48
A foto à direita é de um busto de Bastiat na comuna francesa de Mugron.

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nada contra a filantropia altruísta, apenas contra a falsa filantropia. Nas suas próprias
palavras: “eu combato uma ideia que acredito ser falsa; um sistema que me parece injusto;
uma injustiça tão independente das intenções pessoais, que cada um de nós tira proveito
da ideia do sistema sem o querer e sofre por sua causa sem o saber”49.

6.3 EDMUND BURKE

Final do século XVIII. Ainda que a França não fosse uma potência como a Grã-Bretanha, era
a mais poderosa das velhas aristocracias monárquicas da Europa. Ocorre que nela o
conflito entre os interesses estabelecidos no Ancien Régime e os interesses dos grupos
sociais ascendentes (em especial a burguesia) era mais agudo do que em qualquer outro
lugar50.
O território francês apresentou-se, então, como o palco perfeito para a ruptura dos
paradigmas vigentes na civilização europeia, em um movimento que operou modificações
irreversíveis, em especial na ligação do Estado com a religião e nas relações com a
sociedade civil51, conjuntura que rapidamente despertou acirrados debates entre
intelectuais e políticos.
Um dos mais destacados pensadores a se insurgir com veemência contra a revolução foi
Edmund Burke. Membro do partido conservador Whig, que defendia o progresso gradual
da sociedade, em contraste com o partido Tory, que lutava para manter as coisas como
estavam (restauração da monarquia com poder absoluto do rei).

A publicação da Declaração de direitos galvanizou imediatamente a opinião


pública mundial sobre o tema, tanto contra como a favor. Em um sermão
proferido em Londres em 4 de novembro de 1789, Richard Price, amigo de
Benjamin Franklin e crítico frequente do governo inglês, bradou: “vivi para ver os
direitos dos homens mais bem compreendidos do que nunca, e nações ansiando
por liberdade que pareciam ter perdido a ideia do que isso fosse”. Indignado
com o entusiasmo (ingênuo?) de Price pelas “abstrações metafísicas” dos
franceses, Edmund Burke trovejou uma resposta furiosa. Seu panfleto,

49
BASTIAT. Idem, p. 24
50
HOBSBAWM, Eric. The age of revolution: 1789-1848. New York: Vintage books, 1996, p. 55.
51
RÉMOND, René. O antigo regime e a revolução: 1750-1815. 2. ed. São Paulo: Cultrix, 1986, p. 137-139.

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“Reflexões sobre a revolução em França” (1790), foi logo reconhecido como o


texto fundador do conservadorismo52.

Burke admirava o espírito revolucionário (chegava a elogiar os americanos na luta contra a


própria coroa britânica), mas alertava que os revolucionários franceses seguiam uma
política metafísica, como “especuladores” ‒ a especulação é a crença de que a política, a
arte do possível, deve ser guiada pela teoria, por receitas filosóficas, por algum plano
concebido pela razão. “Mas essa é a maior tolice”: nenhum aspecto da política pode ser
concebido em abstrato. O ponto de vista do absoluto, do universal, do imutável (campo da
teoria) cega o político diante das realidades do particular e do concreto e o torna
metafísico e profético, repleto de hipérboles retóricas incapazes de governar53.
Tentar quebrar a continuidade da história é sempre uma aventura perigosa. Não se pode
pulverizar as instituições, negar os costumes, tomar os homens como moléculas e produzir
novas combinações a partir das ideias de um filósofo. Nenhuma sabedoria pode substituir a
experiência acumulada por um povo ao longo de gerações54.
Para Burke, os franceses não estavam se atentando ao perigo do que estava diante dos
seus olhos (revolução reconstrucionista): pela facilidade desordenada de mudar de regime
(solapando a história), a política metafísica era uma ameaça aberta à composição orgânica
da sociedade, podendo pô-la na poeira das vontades individuais, carregadas de caprichos e
modismos.

Qualquer um que acredite que pode usar seus poderes racionais para destruir a
sociedade e construi-la de novo (melhor e a partir do nada), tal como Rousseau, é tolo e
arrogante.

No pensamento burkeano o governo é como um ser vivo, com um passado, um presente e


um futuro. Não é possível matá-lo e reiniciá-lo, como os revolucionários franceses
pretendiam fazer. Os homens não podem (nem devem) ser reconstruídos, desrespeitados
seus princípios, sua história, seu modo de vida: “o contrato social é entre os que estão
vivos, os que estão mortos e os que ainda vão nascer”.

52
HUNT, Lynn. A invenção dos direitos humanos: uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 14-15.
53
DOUZINAS, Costas. O fim dos direitos humanos. São Leopoldo: Unisinos, 2009, p. 161.
54
KRITSCH, Raquel. Política, religião, revolução e soberania em Reflexões sobre a revolução em França do conservador
E. Burke. In: Revista espaço acadêmico. Londrina, n. 123, p. 68-82, ago. 2011, p. 72-73 e 77.

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Os anos vindouros mostrariam que todas as tentativas de recriar o homem carregariam a


HOLOCAUSTOS. Basta observar os regimes totalitários impostos pelo nazismo (o homem
ariano perfeito), o fascismo (o homem do Estado e para o Estado) e o socialismo (o homem
escoimado de seus instintos individualistas). O homem NÃO é matéria prima para que
possa ser moldado pelo escultor e suas ferramentas (pelo governante e suas leis).

Os direitos teóricos (declarados e positivados), tampouco entusiasmavam a Burke: eles não


servem de nada se não há meios concretos de garanti-los (situação material). Pode parecer
uma visão demasiadamente pessimista. Alguém como Konrad Hesse bradaria a capacidade
desses mandamentos de alterar a realidade. Será?
Tomemos como exemplo a Constituição Mexicana (que serviu de modelo para as novas
constituições sociais, garantindo todos os direitos possíveis e imagináveis) e vejamos como
está a realidade do povo mexicano... E o que falar da nossa Constituição Cidadã (de 1988)?
Nas palavras de Roberto Campos, “seu teor socializante nos promete uma segurança social
sueca com recursos moçambicanos [...]. Durante a gravidez e parto da nova Constituição,
os constituintes brincaram de Deus. Concederam imortalidade aos idosos. Aboliram a
pobreza por decreto. Legislaram custos, acreditando que legislavam benefícios” 55. E aqui
estamos nós, ainda um país subdesenvolvido, o país do futuro (que nunca chega), um
gigante adormecido (em coma).
Ideias como direito e liberdade nada significam, insistia Burke, se não forem associadas a
situações concretas; declaram uma irrealidade, despojada dos elementos fundamentais
necessários à sua aplicação prática. Representam uma razão sem tempo nem espaço.
Representam o nada.

“Sua perfeição abstrata é seu defeito prático”.

Ao se discutir o direito a alimentos ou medicamentos, a questão que se coloca é o método


para fornecê-los ou ministrá-los: faz-se necessário um agricultor e um médico, não um
teórico. A questão, portanto, não é metafísica e sim concreta: o desafio do governo é
encontrar soluções empíricas para os problemas humanos56, não positivar utopias.

55
CAMPOS, Roberto. O século esquisito. Rio de Janeiro: Topbooks, 1990, p. 198 e 205.
56
BURKE, Edmund. Reflexões sobre a Revolução em França. Brasília: UnB, 1982, p. 90.

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Pior, desvinculada das situações práticas, dos espaços e da cultura, a seara dos direitos
torna-se um campo de batalha em que os interesses de poder se digladiam para
institucionalizar universalmente seus pontos de vista 57. Outra vez, temos a guerra de todos
contra todos.
E não há mesmo limites para aquilo que as pessoas podem racionalmente exigir como de
direito. Os direitos se tornam aquilo (qualquer coisa) que as pessoas querem. Se você está
se perguntado qual o problema disso... “Quanto mais direitos melhor, não?” Não é bem
assim...
Se o governo se voltar à coletivização de cada necessidade, de cada paixão, de cada
capricho, o resultado será o caos. É tarefa do Estado mediar os desejos das pessoas, não
atender à sua integralidade, afinal, nenhum homem deve ser juiz em causa própria – temos
forte inclinação a achar que é justo e de direito aquilo que nos favorece.

Os
interesses Cabe ao
podem Estado julgar
O Estado é uma entrar em os conflitos: Cabe ao Estado
conflito dizer o JUSTO O governo
invenção do submeter as
NÃO pode
homem para vontades a uma
atender a
mediar os LEI que respeite
TODOS os
interesses em a realidade.
interesses
sociedade

Edmund Burke (1729-1797) nasceu em Dublin, na Irlanda. Iniciou a vida


adulta como advogado, mas logo largou o Direito para se tornar escritor.
Como político, alçou a uma cadeira no Parlamento inglês, mas a perdeu
mais tarde em razão de suas ideias impopulares, como a emancipação
dos católicos (embora fosse protestante), as críticas à administração
inglesa da colônia norte-americana (tributação excessiva), além da
contraposição à pena de morte. Apesar das posições liberais, ficou mais
conhecido pelo conservadorismo58.

Burke, o profeta: em 1790, enquanto todos


estavam deslumbrados com a Revolução Francesa,
a liberdade, a igualdade e a fraternidade, este
irlandês perspicaz advertiu que a luta entre facções,
tentando ocupar o vácuo do poder, inevitavelmente

57
HERRERA FLORES, Joaquín. A (re)invenção dos direitos humanos. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2009, p. 172.
58
Burke (assim como ocorre com quase todos os conservadores) é demonizado pelos progressistas, que figuram nele
uma defesa dos privilégios e desigualdades existentes (status quo), o que absolutamente não é verdade: Burke deu
demonstrações durante toda sua vida e obra de amplo comprometimento na defesa daqueles que julgava injustiçados.

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levaria a um banho de sangue e terror, um caos tão avassalador que conduziria os militares
a assumir o poder. Muita gente riu da previsão...

E veio o Terror. Entre 1793 e 1794 (Período dos Jacobinos), as


garantias civis (tão comemoradas) foram suspensas e mais de 16 mil
pessoas perderam a cabeça (não figurativamente, mas literalmente:
foram executadas), sem contar as que morreram nas prisões.
E veio o golpe militar. Em 1979, Napoleão Bonaparte tomou o poder,
sendo proclamado primeiro-cônsul, cônsul vitalício e, em seguida,
autoproclamou-se imperador.

As profecias de Burke não se aplicam apenas à Revolução Francesa. Seus escritos são mais
precisos (no alvo) e atuais do que nunca. É claro que as proclamações à superioridade do
povo inglês hoje soam hilárias até mesmo entre os britânicos e sua crítica provinciana
tornou-se um tanto obsoleta. Por outro lado, as considerações tecidas há mais de duzentos
anos soam mesmo proféticas à luz dos fardos colocados sobre o mundo contemporâneo.
Duvida? Confira comigo.
De que adianta proclamar o direito abstrato à vida às vítimas da fome e da guerra; ou à
liberdade de expressão e de imprensa às pessoas incapazes de ler por falta de acesso à
educação? De que adianta aclamar o direito à saúde em um lugar como o Haiti, onde um
hospital básico atende a mais de dois milhões de pacientes e, diariamente, portadores de
HIV são dispensados pela falta de recursos?59
Como é de costume ocorrer com as ideias bem cultivadas (já falamos disso), sobrevivem à
morte de seus lavradores.

6.4 JEREMY BENTHAM

Na obra “Investigação sobre o entendimento humano” (1748), David Hume propôs que o
bem e o mal devem ser distinguidos pela utilidade: uma ação boa é aquela que tem um
bom resultado.
Vinte anos depois, Jeremy Bentham aproveitou-se da ideia: tanto a moralidade privada
quanto as políticas públicas devem ser reduzidas a esse princípio, de modo que os homens

59
DOUZINAS. Idem, p. 165.

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possam trabalhar juntos para atingir o mesmo fim (um ato bom é aquele que traz a maior
felicidade para o maior número de pessoas possível).

Essa razão (da utilidade), vale para todas as instâncias – tudo


que se aplica ao privado aplica-se também ao público. Ao
decidir entre dois filmes no cinema, o espectador busca
escolher o melhor (o que lhe trará maior satisfação); não
haveria porque ser diferente com o poder público ao tomar
uma decisão: construir uma ponte para ligar a cidade ao
mundo (abrir fronteiras, o comércio, possibilidades...) ou
mandar lavar as ruas da cidade para que os cidadãos possam
andar de meias pelo centro sem sujar os pés? Eu sei que há
Prefeito Brasil afora que ficaria na dúvida, mas parece que a
primeira opção é melhor... E assim por diante: hospitais x
estádios (para a Copa do Mundo, em locais em que eles serão inúteis logo após o evento);
escolas x praças esportivas (para as Olimpíadas, as quais ficarão abandonadas, vendo o
mato crescer, após o evento)... Talvez os governantes brasileiros tenham alguma
dificuldade em calcular a utilidade (a calculadora deles é diferente...).

De toda forma, mesmo a melhor ação traz consigo algum efeito colateral negativo (um mal
ao lado do bem). Exemplo: ao fazer uma cirurgia para salvar a vida de um paciente, o
médico normalmente precisa fazer um corte. Isso é aceitável, não é? Claro... mas, também,
o médico só deve realizar o tratamento se este trouxer mais benefício do que dano – em
vários casos de câncer, a quimioterapia é tão lesiva que simplesmente não vale a pena (a
expectativa de aumento na sobrevida é pequena perto da perda na qualidade de vida
provocada pela intervenção). O mesmíssimo raciocínio vale para a lei: mesmo a melhor lei
tem, em sua natureza, um mal.
Se você está confus@ com que tipo de mal a lei poderia trazer sem seu bojo, pense bem:
toda lei é uma restrição da liberdade – a lei impede o indivíduo de agir da maneira como
bem entenda. Justamente por isso, a lei só pode se justificar se causar mais bem do que
mal (o que, convenhamos, não é tão simples).

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Bentham ficaria completamente abismado com a produção legislativa brasileira. Desde a


promulgação da atual Constituição da República foram editadas no Brasil nada menos que
5,2 milhões de normas, o que representa uma média de 764 regras por dia útil 60. É regra
que não acaba mais... é restrição da liberdade sem fim, sem planejamento, sem
consciência... Ao certo, nosso estimado filósofo se perguntaria como um povo que tem
tantas restrições em sua liberdade pode se considerar livre? Como diria Syme, personagem
do clássico 1984 (de George Orwell): “chegará o dia em que a palavra liberdade não
representará qualquer coisa, porque a própria concepção de liberdade terá desaparecido”.

De maneira semelhante, uma pena só deve ser aplicada se gerar algum benefício social ou
se servir para, razoavelmente, piorar a situação do criminoso (o crime não pode
compensar: a punição serve também para garantir que o lucro eventualmente obtido com
o delito não faça a ação, com o risco embutido, valer a pena).
Perceba que “na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se
as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção
penal se torne desnecessária” (artigo 121, § 5º, do Código Penal). O que estamos lendo
aqui é que a punição aumentaria ainda mais o sofrimento do autor do ato ilícito, chegando
ao ponto de se tornar desproporcional. Quando o próprio resultado do delito já causar um
mal grave (suficiente) ao causador, a aplicação da pena se torna desnecessária.

Toda lei é A lei, às


uma ... ou evitar
vezes, é um
um mal
restrição da mal
MAIOR
NECESSÁRIO
liberdade!

Mas a lei Governar é


Logo, a lei é pode trazer
um mal um grande fazer OPÇÃO
BENEFÍCIO... entre males

Após fixadas essas premissas, a análise sobre os governos se


torna simples e direta: maus governos permitem que alguns
poucos obtenham felicidade (riqueza, saúde, conforto, lazer...)

60
AMARAL, Gilberto Luiz (Coord.), et al. Quantidade de normas editadas no Brasil: 27 anos da Constituição Federal de
1988. Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário – IBPT, Curitiba, 30 de setembro de 2015. Disponível em:
<http://www.ibpt.com.br/img/uploads/novelty/estudo/2272/QuantidadeDeNormas201527AnosCF01102015.pdf>

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à custa da maioria. Bons governos produzem o máximo de felicidade para o maior número
possível de pessoas. Temos aqui uma aritmética moral e governamental: o governante
deve decidir com uma “calculadora social” sempre em mãos.

Ao desenvolver essa teoria, Bentham criou a corrente de pensamento conhecida como


Utilitarismo, segundo a qual as pessoas possuem dois senhores: o prazer e a dor. Buscamos
evitar a dor e ter prazer. Este raciocínio que deve ser manejado tanto em decisões
individuais quanto sociais – é base para as escolhas que norteiam o ordenamento jurídico e
orientam a autoridade estatal na implementação de políticas públicas (sempre voltadas à
maximização da felicidade coletiva).

O pragmatismo imperante nesse modelo pode desconsertar algumas mentes idealistas. E


onde ficam os direitos naturais? A democracia não é, por acaso, um direito fundamental?
Tolice!!! A visão de Bentham sobre as instituições sociais, políticas e econômicas era
completamente prática: essas instituições tornam as pessoas mais felizes do que infelizes?
Se a resposta for positiva: mantenha-as! Se for negativa: sai dessa! A questão é se dá ou
não certo: o importa não é o método, mas o resultado (aumento da felicidade).

A democracia é boa porque as pessoas gostam de decidir (ou de pensar que decidem) os
rumos da nação. Isso as torna felizes. E os políticos, em uma democracia, tendem a ter
interesse pessoal em aumentar a felicidade da maioria para garantir a reeleição. Fecha
certinho... simples assim! Se encontrarmos outro modelo que nos traga maior felicidade,
tchau para a democracia.

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Jeremy Bentham (1748-1832) ingressou em Oxford aos doze anos de


idade (e nóis tamo aqui se matando, já com barba na cara). Formou-se
em Direito e, no alto de sua maturidade, aos quinze anos, passou a
advogar em Londres. As trapaças jurídicas, porém, o deprimiram.
Largou tudo e decidiu se dedicar à Política (teórica) e à Filosofia.

6.5 IMMANUEL KANT

Imagine o seguinte cenário: um homem das cavernas, Caio,


conseguiu uma bela caça. Só que o sujeito mais forte do bando,
Mévio, que passou o dia inteiro dormindo, quer a caça para si
(para servir no jantar). Tício, que é o mais sábio, adverte Mévio
que aquilo não é correto, pois ele, até por ser mais forte, deveria
ir caçar e dar um jeito de conseguir seu próprio jantar. Mévio
responde que, como mais forte (e esperto), ele prefere dormir
durante o dia e pegar a caça dos mais fracos para comer à noite.
E assim ele o faz... No dia seguinte, enquanto ele dormia, Caio
põem em prática o plano bolado por Tício e, utilizando-se de
uma alavanca, derruba uma enorme pedra em Mévio. E assim se
resolveu o conflito... Era assim que caminhava a sociedade...

Kant percebe alguma dramaticidade nesse quadro. Se estamos falando do estado de


natureza, em se tratando de uma condição de anarquia, as disputas não podiam ser
resolvidas de maneira pacífica (o pau comia mesmo: lei do mais forte e do mais esperto).
Não é sem razão (é pela razão) que as pessoas, por sua própria vontade, deixam essa
condição para se sujeitar à coerção externa (ao poder público), com mediação da lei –
trocam uma liberdade absoluta, mas insegura, por uma liberdade relativa, mas segura e
racional.
Até aqui é fácil: já vimos isso na Teoria Geral do Estado (e repassamos ao tratar há pouco
dos autores contratualistas). O nó górdio61 está em definir qual princípio deve orientar a

61
“O nó górdio é uma lenda que envolve o rei da Frígia (Ásia Menor) e Alexandre, o Grande. É comumente usada como
metáfora de um problema insolúvel (desatando um nó impossível) resolvido facilmente por ardil astuto ou por "pensar
fora da caixa". Conta-se que o rei da Frígia (Ásia Menor) morreu sem deixar herdeiro e que, ao ser consultado, o
Oráculo anunciou que o sucessor chegaria à cidade num carro de bois. A profecia foi cumprida por um camponês, de

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feitura da lei. E nisso Kant é categórico e imperativo (com o perdão do trocadilho – se não
entendeu a tirada, entenderá em instantes): nenhum princípio válido pode ser baseado na
felicidade, afinal, ninguém deve (ou pode) tentar impor o que é felicidade para outra
pessoa – as regras baseadas na felicidade jamais podem ser aplicadas a todos de maneira
consistente. Alguma dúvida de que ele discorda do utilitarismo de Jeremy Bentham?
Não é papel do estado cuidar da felicidade, muito menos obrigar os indivíduos a fazerem os
outros felizes. Por exemplo, não poderia (ou deveria) o poder público obrigar os netos a
visitarem suas avós, mesmo que se verificasse ser bom para a felicidade geral da nação que
as avós sejam amadas (e visitadas para que o amor seja demonstrado).

Em voto que alterou a jurisprudência do STJ à época, a


Ministra Nancy Andrighi, ao julgar ação que requeria
indenização por “abandono afetivo”, afirmou que: “vê-se
hoje nas normas constitucionais a máxima amplitude
possível e, em paralelo, a cristalização do entendimento, no âmbito científico, do que já era
empiricamente percebido: o cuidado é fundamental para a formação do menor e do
adolescente; ganha o debate contornos mais técnicos, pois não se discute mais a
mensuração do intangível – o amor – mas, sim, a verificação do cumprimento,
descumprimento, ou parcial cumprimento, de uma obrigação legal: cuidar [...]. Em suma:
amar é faculdade, cuidar é dever”. O que diria Kant sobre esse entendimento?

Poxa, mas se não cabe ao Estado garantir o sorriso no rosto de cada cidadão, então para
que serve o Leviatã? Na visão kantiana cumpre ao Estado garantir a liberdade das pessoas
dentro da lei. Nada além disso. Cada um que busque sua própria felicidade naquilo e da
forma que julgar melhor, desde que não viole a liberdade e os direitos dos outros.

nome Górdio, que foi coroado. Para não esquecer de seu passado humilde ele colocou a carroça, com a qual ganhou a
coroa, no templo de Zeus. E a amarrou com um enorme nó a uma coluna. O nó era, na prática, impossível de desatar e
por isso ficou famoso. Górdio reinou por muito tempo e quando morreu, seu filho Midas assumiu o trono. Midas
expandiu o império, mas não deixou herdeiros. O Oráculo foi ouvido novamente e declarou que quem desatasse o nó
de Górdio dominaria todo o mundo. Quinhentos anos se passaram sem ninguém conseguir realizar esse feito, até que
em 334 a.C Alexandre, o Grande, ouviu essa lenda ao passar pela Frígia. Intrigado com a questão, foi até o templo de
Zeus observar o feito de Górdio. Após muito analisar, desembainhou sua espada e cortou o nó. Lenda ou não o fato é
que Alexandre se tornou senhor de toda a Ásia Menor poucos anos depois. É daí também que deriva a expressão
‘cortar o nó górdio’, que significa resolver um problema complexo de maneira simples e eficaz” (fonte: Wikipédia).

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O pensamento kantiano sobre certo x errado NÃO se pauta no resultado obtido com a ação
(se positivo ou negativo: felicidade ou dor) e nem se liga a elementos circunstanciais
(contingências). O núcleo do seu raciocínio está nas noções de imperativos: categórico e
hipotético62.

Imperativo CATEGÓRICO Imperativo HIPOTÉTICO

Apenas as ações universalizáveis podem ser Raciocínio condicional e consequencial


consideradas justas, boas, corretas. do tipo “se x então y”.

Para saber se algo é certo ou errado, devemos É o modelo utilizado pelas leis:
universalizar a ação e verificar se, como “subtrair de coisa alheia móvel, de que
resultado, haveria lesão à liberdade alheia – se tem a posse ou a detenção: Pena -
todos poderiam assim agir sem prejudicar a reclusão, de um a quatro anos, e
liberdade geral de agir de igual modo multa” (artigo 155 do Código Penal). Se
(compatibilização das liberdades). furtar, deve ficar recluso.

No plano político, mais especificamente, Kant observa que o governo só pode gerir
legitimamente a sociedade (governar) se a sua existência contar com o consentimento do
povo, não de alguns, nem da maioria, mas de toda a população. As leis de um governo
estrangeiro (força de ocupação ou potência colonialista) não têm qualquer legitimidade.
Em miúdos: a legitimidade do governo e das leis depende de estarem firmados nos desejos
racionais das pessoas (com base no imperativo categórico) – o contrato social é baseado
em uma coalizão das vontades de todos os indivíduos (as leis são a vontade do povo).
Se a lei não for tal que todo o povo possa com ela concordar (se enguiçar na
universalização), será injusta. Isso não quer dizer que se um jagunço doido resolver
encrencar com uma lei ela passará automaticamente a poder ser descumprida, mas sim
que é preciso que toda lei parta do princípio de que seja pelo menos possível (razoável) que
o povo em geral a aceite.

62
Não avançaremos de maneira mais aprofundada no estudo dos imperativos nesta oportunidade. Cabe à Filosofia
Jurídica debruçar-se sobre o tema e esmiuçar essa que é uma das teorias mais importantes para o Direito. Faremos
isso no encontro pertinente, pode deixar.

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Já pensou se é promulgada uma lei que proíbe o casamento heterossexual... você acha que
as pessoas concordariam com essa lei no Brasil? Pouco provável. Assim como seria pouco
provável que gozasse de consentimento popular uma lei que, hoje em dia, proibisse o
casamento homossexual. Ambas as leis seriam evidentemente injustas e desafiariam as
pessoas a resistir a elas (descumpri-las).
Agora, quando há a possibilidade de que a lei seja justa (mesmo que eu, isoladamente
tenha as minhas ressalvas) é meu dever (e de cada um) respeitá-la – não pode alguém
deixar de pagar impostos porque considera que o dinheiro está sendo investido para os
esforços de guerra (sendo o sujeito um pacifista); há ao menos uma chance de a guerra ser
justa e até mesmo inevitável). PAGUE o imposto e não pegue em armas, se esse for o caso!
Quer outro exemplo: quem nunca ouviu empresários reclamando dos impostos (que
seriam extorsivos)? Por isso, sabemos, alguns deles acabam sonegando (evasão fiscal). Há
quem chame isso de legítima defesa contra o roubo estatal legalizado. Kant concorda?
NÃO! Mesmo que eles se indignem com a exação (e que tenham certa razão: o sistema
publicizador implica a necessidade de uma voraz máquina arrecadatória), o
descontentamento em vista do interesse pessoal não autoriza ao descumprimento de uma
lei que conta com o presumível consentimento popular – sobra como alternativa chegar ao
poder e mudar a política econômica, fiscal, tributária...

Immanuel Kant (1724-1804) nasceu em Königsberg, na Prússia Oriental,


então Império Alemão, hoje Caliningrado, na Rússia. Foi professor
voluntário e bibliotecário assistente por nada menos que 15 anos antes
de ser aceito como professor titular de lógica e metafísica, aos 46 anos
de idade (pense num cara humilde e persistente). É considerado por
muitos (com inteira razão) como o maior pensador do século XVIII
(certamente um dos maiores de todos os tempos).

6.6 JOHN STUART MILL

Você é o governante de uma cidade-Estado, o soberano. Estudado como é, acabou de ler as


obras de Jeremy Bentham e Immanuel Kant. Os problemas vão se avolumando e você
precisa de solução, precisa decidir.
A primeira questão é sobre o limite de velocidade. Foi-lhe apresentada uma moção para
limitar a 15km/h a velocidade das carruagens e cavalos, evitando acidentes. Houve

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imediata comoção. Os que são contrários reclamam que isso causará engarrafamentos e
que a lentidão no escoamento de grãos, vinho e leite trará enormes prejuízos à
economia63. Aderindo às ideias de Bentham, você calcula que o índice de felicidade geral
sofreria abalo com a redução da velocidade. Vamos mantê-la mais elevada (e que os
carroceiros e cavaleiros cavalguem com cuidado). Ponto para o pragmatismo utilitarista.
A segunda demanda é sobre mendicância. Os cidadãos estão reclamando que há muitos
pedintes pelas ruas, dormindo próximo dos estábulos, implorando por migalhas. Alguns até
cometem assaltos. Há os que não são perigosos, mas que ficam ali aporrinhando os
transeuntes, jogando lixo em local impróprio, fazendo suas necessidades fisiológicas nos
canteiros. A coisa está feia. A situação de desconforto é geral. Um Senador propõe adotar
uma ideia de Bentham e recolher, se for o caso à força, todos os mendigos a uma casa de
tratamento em que trabalharão para pagar suas próprias despesas. A reação contrária é
forte. Você titubeia. A imagem dos pedintes sendo recolhidos na marra te incomoda. E
onde fica a liberdade deles de ir e vir? Você lembra de Kant. Será que essa ação enérgica
poderia ser universalizada? Você fica em severa dúvida. É difícil negar a noção de
imperativo categórico... de homem como fim em si mesmo... de direito individual
inalienável de liberdade...
Esse choque entre a busca do bem-estar coletivo vs. a defesa dos direitos individuais está
no seio das críticas tanto a Bentham (onde ficam os direitos do homem?) como a Kant
(onde fica o bem-estar social?). Atento a isso, um inglês de cabelo engraçado (confira a
fotografia de John Stuart Mill adiante para saber do que estou falando) buscou fazer uma
espécie de fusão ou compatibilização entre os dois pensamentos (de Bentham e de Kant),
pretendendo encontrar o ponto de equilíbrio entre a liberdade individual e a busca da
felicidade coletiva.

Herdeiro das ideias UTILITARISTAS64, Mill mantinha vivo o argumento de que as ações
deveriam ser julgas (boas ou más, certas ou erradas, justa ou injustas) de acordo com a
contribuição que oferecessem para a soma total de felicidade da comunidade. Adicionou
ao raciocínio, entretanto, o elemento de defesa das liberdades individuais.

63
Essa discussão ocorreu na transição entre os prefeitos de São Paulo Fernando Haddad (PT) e João Dória (PSDB),
quando o tucano aumentou o limite de velocidade vigente para as marginais (que havia sido reduzido pelo petista).
64
Jeremy Bentham era amigo pessoal de James Mill (pai de John Stuart) e ajudou diretamente na criação do garoto,
inspirando ideias e hábitos. Só podia dar certo...

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Ao esticarmos nossos olhos ao tempo em que os monarcas absolutistas exerciam o poder


(sem que urnas pudessem desafiá-los), fica fácil ver que os interesses do Estado podiam (e
normalmente estavam) em contraposição com os dos indivíduos – toda interferência
estatal em tal contexto tem razão de ser vista com automática desconfiança. Não é à toa
que os direitos fundamentais de primeira dimensão são os negativos (Estado, NÃO atue).
Com a ascensão do modelo democrático, poderíamos ter um giro completo nessa lógica (de
180⁰), afinal, as interferências estatais na vida dos indivíduos haveriam de ser vistas com
bons olhos, uma vez que presumidamente voltadas a oferecer prestações sociais sempre
benéficas (direitos sociais, econômicos e culturais) – partindo do pressuposto de que a
interferência do governo jamais se daria em detrimento dos indivíduos que o elegeram. A
democracia teria resolvido a tensão governo-indivíduo.
As coisas, infelizmente, não são tão simples assim.
O governo eleito, em muitos casos, pode selecionar visões da maioria (que o elegeu ou que
o reelegerá) e acabar oprimindo a minoria, fenômeno que podemos chamar (Mill assim
chamava) de tirania da maioria, muito conhecido dentro do populismo. Nosso filósofo da
vez alerta para esse perigo: tão séria quanto a tirania política é a tirania da opinião
pública.

“A tirania da maioria está agora incluída entre os males contra os quais a sociedade
precisa estar sempre vigilante”

Voltamos à sua cidade-Estado (aquela que você governa). Um cidadão inventou um


dispositivo que chamou de lâmpada incandescente, utilizada para iluminar a vida com
eletricidade. Você fica maravilhado. Chega de ter de se recolher após o pôr do sol. Haverá
vida na madrugada!
O inventor pede para receber uma patente: proteção estatal da propriedade intelectual,
para que possa explorar, por certo tempo, com exclusividade os frutos do seu trabalho
duro, da sua inventividade65. Mas há quem discorde: todo mundo se beneficiará se não
houver patente alguma. A maioria se reúne para lutar pelo direito de ter a iluminação ao
alcance de TODOS: “abaixo à patente” é o lema das massas. Se você sucumbir a essa
maioria barulhenta, acabou de negar a propriedade. As consequências: (a) ausência de
incentivos para a inventividade; (b) o inventor contratará capangas para garantir sua
exclusividade na marra (na força)... e a guerra de novo se faz presente.

65
Movido por interesses pessoais, Thomas Edison, o inventor da lâmpada incandescente, registrou o recorde mundial
de patentes. Foram 1.093 patentes nos EUA e 1.500 em todo o mundo. Ao cabo, todos nos beneficiamos de sua
genialidade. Você só está lendo este livro digital porque ele e Nicolas Tesla deram aplicação industrial à eletricidade.

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Mill observa que as opiniões do povo são com frequência impensadas, arraigadas em
pouco mais que o próprio interesse e as preferências pessoais... Se o governo democrático
se guiar sempre pela (sucumbir à) voz da maioria, o resultado previsível será a prevalência
dos interesses dos grupos dominantes da sociedade, o que invariavelmente dará vazão a
uma tendência geral de aumento do controle social, coletivização escorchante e
desaparecimento da noção de indivíduo (como sujeito de direitos).
Diante dessa conjuntura preocupante, Mill tentou estabelecer um princípio claro que
definisse os limites e o equilíbrio entre a autonomia individual e a interferência
governamental, uma fronteira entre o Estado e o indivíduo, entre o público e o privado: o
governo só deve (pode) intervir na liberdade dos indivíduos para evitar que uns causem
danos aos outros.

O Estado só deve intervir


... Mas ao assim
Os indivíduos devem ser para evitar que os
proceder, NÃO podem
livres para pensar e agir... indivíduos causem danos
causar danos aos demais
uns aos outros

Aos casos de autolesão (preocupação com o bem-estar do indivíduo em relação às suas


próprias ações), o Estado poderia até tentar persuadir o sujeito, mas jamais o forçar a algo:
“sobre si mesmo, sobre seu próprio corpo e mente, o indivíduo é soberano”.
O tabaco causa inegável mal aos humanos (ao menos é o que dizem os médicos), mas é
liberado na maioria dos países. De tempos em tempos há alguma discussão sobre a
proibição, mas essas ideias nunca emplacam. A estratégia historicamente adotada sempre
foi mais ao estilo Stuart Mill: informação massiva sobre os malefícios da prática. Os
resultados foram impressionantes: em poucas décadas, fumar deixou de ser chique e
passou a ser motivo de desagrado social (quem que gosta de ficar com aquele fedor na
roupa?). Os números de fumantes despencaram66.

66
Mais recentemente, surgiram pesquisas tratando dos fumantes passivos e vários países proibiram o fumo em locais
fechados (públicos ou acessíveis ao público, como restaurantes), o que já começa a ser um tanto questionável na visão
liberal de Mill... e se eu quiser ter um restaurante fumódromo, não posso?

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Richard Thaler ganhou o prêmio Nobel de Economia em 2017


com a obra “Nudge: o empurrão para a escolha certa” (escrito
em coautoria com o jurista Cass Sunstein). Sua teoria parte da
ideia de arquitetura da escolha (nudging): podemos influenciar
positivamente as escolhas dos outros apenas pela forma como as
opções são apresentadas. Ilustrando: o responsável pela
lanchonete de uma escola pode “esconder” as guloseimas,
deixando os alimentos mais saudáveis em locais de acesso mais
fácil – priorizando, assim, a saúde dos alunos. Ninguém os força a
pedir frutas, mas a escolha mais saudável é facilitada.

Essas questões (de escolha individual e consequência) se tornam palpitantes na atualidade,


quando vige o paradigma da publicização e universalização dos mais variados serviços
(intervenção estatal em larga escala). Por exemplo, o uso obrigatório do capacete (para
motociclistas) e do cinto de segurança (para condutores de veículo automotor) se
encaixaria em uma questão de interesse apenas individual (autolesão)? Até poderia ser,
mas como temos saúde pública com cobertura universal, havendo acidente, TODOS os
contribuintes pagarão a conta.

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Mais recentemente, a acesa polêmica está na descriminalização do uso da maconha, em


discussão no STF67 – após um esforço homérico para reduzir o tabagismo, que custa
milhões aos cofres públicos, tudo caminha para a legalização da cannabis. Ao votar pela
legalização, o Ministro Edson Fachin já ressaltou expressamente a necessidade de políticas
públicas eficazes para amenizar os danos causados pela dependência, sendo acompanhado
pelo Ministro Luís Roberto Barroso. Quando tudo é coletivizado, é difícil falar em
individualismo. A liberdade demanda criteriosamente a responsabilidade pelas escolhas...

John Stuart Mill (1806-1873) tinha enorme apreço pela


excentricidade. Valorizava por demais a individualidade e a
originalidade (motrizes da inovação). Para ele, os não conformistas
descobriam novas formas de fazer as coisas – os espíritos livres e
excêntricos ajudam a inspirar pessoas a fazer as coisas de modo
diferente. Devemos agir conforme nossa consciência e não guiados
pelas convenções sociais: a falta de excentricidade é perigosa.

Em sua obra “Sobre a liberdade” (1859), Mill alertou que a restrição da


liberdade de pensamento e de ação individual (aceitando-se apenas o
normal, o ordinário, o ortodoxo, o politicamente correto) tem um efeito
social deveras (extremamente) danoso: a produção de conhecimento útil
à sociedade e a capacidade inventiva são prejudicados (limitados na
mesma proporção da restrição imposta à liberdade de pensar e agir).

Pelo fato de a mente humana ser falível, a veracidade


(correção) ou mentira (equívoco) de uma ideia somente
pode ser revelada ao se testá-la no caldeirão
borbulhante das ideias contrárias (que funciona como
um alambique: as ideias falsas evaporam e as
verdadeiras se fortalecem). Ao reprimir certas ideias

67
Recurso Extraordinário nº 635.659/SP.

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(sob qualquer justificativa), a sociedade perde o mecanismo de confirmação das verdades –


toda ideia, mesmo falsa, tem ao menos uma grande função: confirmar a veracidade de
outra.

Para que um conceito verdadeiro mantenha sua vitalidade e poder, ele precisa ser
constantemente desafiado e investigado, o que se aplica em especial às ideias a
respeito da sociedade e da política, as quais jamais alcançam (ou devem alcançar)
a certeza própria das verdades matemáticas.

É inviável que algumas ideias recebam uma espécie de certificação (carimbo ideológico) de
que são sagradas, infalíveis e inquestionáveis, ao passo que outras sejam consideradas
socialmente inaceitáveis – está em voga ultimamente que certas linhas de pensamento não
têm o direito sequer de ser expressadas, apondo-se-lhas algum rótulo depreciativo
(discurso do ódio ou quejandos). Mill anota que apesar de os hereges não serem mais
queimados em fogueiras, a intolerância social quanto às opiniões não ortodoxas
(contraparadigmáticas) ameaça insensibilizar as mentes e turbar o desenvolvimento das
ideias que moverão as rodas da sociedade.

Sem o debate livre (noção americana de free speech, combatida no Brasil), as ideias se
tornam dogmas repetidos sem qualquer entendimento real (será que vemos isso hoje em
dia?). O drama é esse mesmo: “princípios e comportamentos, quando convertidos em
slogans estéreis, não são mais capazes de motivar ações autênticas”.

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Mill acreditava que a liberdade sempre conduziria a inovações sociais e à evolução do


conhecimento – no longo prazo, toda a sociedade se beneficia de um modelo liberal. Por
isso é que não havia conflito entre a defesa da liberdade e o princípio da utilidade (busca
da felicidade social). Seus críticos alegam que ele é muito otimista nessa relação, além,
claro, de os pensadores de esquerda apontarem para a insuficiência da liberdade
“negativa” – os marginalizados não conseguiriam expressar suas opiniões (em situação de
assimetria, não há como haver debate justo).
Choradeira à parte, é certo que Mill exerceu (e ainda exerce) profunda influência no
desenvolvimento das democracias liberais, ao fornecer um modelo pragmático de
liberalismo, mais ligado ao bem-estar coletivo do que a discussões sobre direitos abstratos.

7 DUELO DE IDEOLOGIAS: QUEM TEM A RAZÃO?

A origem do termo ideologia é imputada a Destutt de Tracy (filósofo e soldado francês,


tendo se tornado deputado após a Revolução Republicana). Identifica a ciência das ideias.
Posteriormente, o termo ganharia um sentido pejorativo quando Napoleão chamou De
Tracy e seus seguidores de “ideólogos”, no sentido de “deformadores da realidade”.
Seguindo a linha napoleônica, Karl Marx popularizou a ideia de que a ideologia age
mascarando a realidade. Seus seguidores, os pensadores adeptos da Teoria Crítica da
Escola de Frankfurt, passaram a considerar a ideologia como uma ideia, discurso ou ação
que mascara um objeto, mostrando apenas sua aparência e escondendo suas demais
qualidades – enquanto falsa consciência, geraria a inversão ou a camuflagem da realidade,
colaborando com os ideais ou interesses da classe dominante.

Os pensadores da antiguidade clássica e da Idade Média entendiam que a ideologia (ou


vocábulos que hoje são traduzidos por ela) como o conjunto de ideias e opiniões de uma
sociedade.

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Retomando essa noção, um conceito moderno possível (neutro), trata a ideologia como
conjunto de valores e/ou regras que tem como objetivo guiar a sociedade a um status
considerado ideal, seja ele no âmbito político, econômico ou social (ou todos eles).

Pois bem. Foi Karl Marx, junto com seu amigo Friedrich Engels, que, ao publicar o
“Manifesto Comunista”, em 1848, acendeu o estopim para uma enorme batalha ideológica.
O mundo nunca mais seria o mesmo. Salvo um ou outro pensador que escapa do padrão,
as discussões políticas foram polarizadas entre apoiadores e detratores dos sistemas
capitalista e socialista. De certo modo, até hoje é assim...
Com o desenrolar dos séculos, surgiram os subtipos (modelos que estão mais para cá, mais
para lá) como o Nazismo e o Fascismo, entremeados pelas duas Grandes Guerras
(Mundiais). Não foram tempos banais...
Nas trincheiras desse embate, contendem alguns dos mais destacados pensadores da
contemporaneidade, cuja fama e ideias mantêm-se vivas até hoje. Vamos ver o que
conseguimos levantar sobre esses caras (e suas mentes).

7.1 ALEXIS TOCQUEVILLE

Como já referido alhures (em diversas passagens), a França do final do século XVIII era uma
bomba-relógio: um Estado esperando por uma revolução. Acabou que os burgueses
tomaram a frente (e a Bastilha) e fizeram seu estrago primeiro. Poderiam ter sido outros.
Discursos bem mais à esquerda ressoavam pelos círculos intelectuais, bares, cafés e
lupanares.
Importada da Inglaterra vinha a inspiração de Robert Owen, um reformista social galês
que, filho de artesãos, conseguira se tornar coproprietário de uma fábrica têxtil, na qual
estabelecera um modelo de produção que se preocupava com os trabalhadores – apenas
como exemplo, reduziu a jornada de trabalho para 10,5 horas diárias (um avanço para uma
época, em que a rotina diária de trabalho normalmente era de 14 a 16 horas) e abriu uma
loja em que os empregados podiam comprar produtos de qualidade por pouco mais que o
preço de custo.

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Claude Henri de Rouvroy (1760-1825), o Conde de Saint-Simon, foi um


filósofo e economista francês, considerado o primeiro a utilizar o termo
socialismo. Irônico é que, embora bradasse que as classes
trabalhadoras exigiam reconhecimento pelos seus feitos, ele criticava
fortemente a intervenção estatal na economia – exceto para combater
o que chamava de classe dos preguiçosos (os que eram capazes para o
trabalho, mas preferiam viver à custa dos outros).

Esses autores, como se pode notar, estavam longe de apresentar o extremismo que se
veria adiante na obra de Marx e Engels. Owen, inclusive, originalmente havia sido seguidor
de Jeremy Bentham e, mesmo quando bem mais inclinado ao socialismo, ainda incorporava
elementos utilitaristas e liberais em sua teoria. Já Rouvroy utilizava abertamente vários
conceitos de Adam Smith e inspirou John Stuart Mill (ambos autores liberais).

O contato com as sementes do modelo coletivista que brotaria a seguir, de toda sorte, foi
suficiente para que Alexis Tocqueville lhe lançasse uma crítica arrebatadora, afirmando que
o socialismo brinca com as (aproveita-se das) paixões materiais do homem. Ele se indignava
com quem, aqui e acolá, anunciava um modelo que poderia garantir uma igualdade forçada
de posses, terra aos desabrigados, comida aos famintos, lazer e cultura aos que, até então,
mal se sustentavam (promessas que, evidentemente, encontravam corações abertos a
recebê-las).
Sua teima com os socialistas começava pela propriedade privada, que para ele é o
resultado da livre aplicação das faculdades humanas. O homem é livre para trabalhar e
gozar dos frutos do seu trabalho (propriedade). Se a propriedade é minada pelo socialismo,
onde ficar a liberdade? Não fica. No socialismo o indivíduo (e sua liberdade) simplesmente
não importa.
Assim, apesar de todo o falatório humanista, na visão de Tocqueville o socialismo trata os
trabalhadores como meras engrenagens na máquina coletivista operada pelo Estado.

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O socialismo é a doutrina do desprezo ao indivíduo.

E as desigualdades sociais? Ficam sem solução? Tocqueville admitia com tranquilidade que
algo estava errado na sociedade e que a revolução era mesmo inevitável. Só que, para ele,
a resposta NÃO estava na luta de classes. O socialismo atiçava não apenas o proletariado,
mas também os proprietários (uns contra os outros). O Estado político de paz descrito por
Hobbes se transformava no Estado de guerra68. A luta de classes, muito longe de ser
superada, perpetuava-se. O caminho seria reafirmar o ideal revolucionário de uma
sociedade livre, sem classes.
Outro ponto de tensão para o pensador francês era que o modelo coletivista ignorava a
generosidade (virtude mais elevada do homem), abordando as relações sociais como se
esta não existisse. Em um modelo de liberdades, que dê espaço à fraternidade espontânea,
argumentava ele, os pobres são protegidos pela caridade. Mas em um modelo dominador,
a iniciativa individual é sufocada pelo Estado, que devora pouco a pouco todos os âmbitos
da sociedade, até que se torna “o senhor de cada homem”.

Para Tocqueville, democracia e socialismo são modelos inconciliáveis (jamais poderão


seguir de mãos dadas): a democracia pretende aumentar a autonomia do homem, o
socialismo fulminá-la.

68
Marx admitiria isso mais tarde: “o Estado é guerra”, diria ele.

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“A democracia visa à igualdade na liberdade. O socialismo deseja a igualdade na


limitação e na servidão”.

O socialismo
O socialismo O socialismo
sufoca o O socialismo é
ignora as destroi a
indivíduo e o um sistema
VIRTUDES propriedade e
torna mera de SERVIDÃO
humanas a LIBERDADE
engrenagem

Alexis de Tocqueville (1805-1859) nasceu em uma família aristocrática


parisiense. Em 1830, assumiu um posto na recém instalada monarquia
de Louis-Philippe d’Orléans, mas as mudanças políticas o fizeram fugir
para os EUA, um país em que, segundo ele, “a democracia e a igualdade
haviam progredido mais do que em qualquer outro lugar”. Voltou à
França para ser membro da Assembleia Constituinte de 1848. Deixou a
política em 1851, após fazer oposição ao golpe dado por Luís Napoleão
(sobrinho de Napoleão Bonaparte) e ser preso. Viu-se a vida toda às
voltas com uma saúde frágil e acabou vencido pela tuberculose (assim
como Bastiat) aos 53 anos.

Tocqueville morreu mais de meio século antes que a primeira experiência socialista real se
concretizasse (em 1917). Suas previsões, porém, mostrar-se-iam bastante apuradas. Ao se
comparar seus escritos com a realidade que viria a ser vivenciada pelos cidadãos nos
regimes coletivistas (não apenas na URSS, como também na Alemanha Oriental, China, boa
parte da África, Coreia do Norte, Cuba e, mais recentemente, na Venezuela) é incrível sua
capacidade de antecipar alguns dos terríveis desdobramentos práticos que poderiam advir
de uma teoria que, já em seu nascedouro, arrogava resolver o enigma da história.
A obra de mais este francês que marcou época, a propósito, é manejada por muitos
atualmente como uma réplica eficaz (antídoto) contra a afirmação desgastada de que o
socialismo pode dar certo (apenas foi mal aplicado), pois as críticas de Tocqueville são
anteriores à colocação do modelo em prática (analisam os possíveis desdobramentos da
teoria como ela foi apresentada em seus primórdios)... ponderações que se mostraram,
infelizmente (para o povo das citadas nações), de uma exatidão surpreendente e
desconcertante.

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7.2 KARL MARX

A Revolução Industrial não só produziu riqueza como antes nunca visto, mas também
barateou produtos além de qualquer expectativa prévia. As descobertas tecnológicas e os
processos de produção em massa permitiram que a população em geral passasse a ter
acesso a produtos que, pouco antes, apenas os nobres podiam comprar.

“Do começo do século 18, o consumo de açúcar por inglês passou de 1,8 quilo
por ano para mais de 10 quilos, a quantidade de chá quadruplicou, e a de café
também. Nas casas, a mesa de jantar ficou maior – e começaram a aparecer
objetos como relógios de parede, pratos de porcelana, copos de vidro, cortinas,
toalhas. O armário ficou sem espaço. ‘Roupas eram um dos produtos mais
roubados no século 18, somando 27% dos casos registrados de furto e a maior
porcentagem das condenações por roubo’ [...]. Por causa da concorrência
desleal dos moinhos e teares automáticos, o preço dos tecidos de algodão caiu
90% durante a Revolução Industrial, levando os ladrões a procurarem coisas
mais caras que roupas. A carne para o churrasco na varanda também ficou mais
barata. Por causa de outro filhote da Revolução Industrial – a refrigeração –, foi
possível importar carne de muito longe. [...] Nos primeiros cinquenta anos do
século 19, os trabalhadores ingleses passaram a considerar a carne como parte
da dieta normal” [...]. Mesmo os historiadores marxistas admitem que as
fábricas deixaram os produtos mais acessíveis”69.

Isso não quer dizer que tudo era uma maravilha (um mar de rosas). A falta de comida
fresca, de água de qualidade e as doenças deixavam a vida na cidade mais curta. Em 1841,
a expectativa de vida em Manchester era de 25 anos; em Londres, de 36; na zona rural, de
45. A jornada de trabalho média dos operários ingleses ultrapassava 12 horas por dia
(3.500 horas ao ano) – é difícil encontrar uma época histórica em que as pessoas
trabalharam tanto. Em 1851, 36% das crianças entre 10 e 14 anos trabalhavam fora de
casa. Mendigos, meninos de rua, bêbados, prostitutas e desempregados vagavam pelas
ruelas enlameadas e escurecidas pela fumaça das chaminés. Nas palavras do poeta William
Blake: “vagueio por essas vielas violadas e noto em todas as faces encontradas sinais de
fraqueza e de dor”70.

69
NARLOCH, Leandro. Guia politicamente incorreto da história do mundo. São Paulo: Leya, 2013, p. 98-99.
70
NARLOCH. Idem, p. 90-91.

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Testemunhas desse mundo em transformação, Karl Marx resolveu seguir a linha reformista
de Rousseau: se a sociedade não é como queremos, por que não a moldar ao nosso
agrado? E como fazê-lo? Via revolução, destruindo o sistema econômico capitalista.

Para Marx, a força produtiva representava a soma da força do trabalho humano com os
meios de produção. No capitalismo, poucas pessoas detêm os meios de produção e o
trabalhador é obrigado a se submeter ao capital, o que deixa clara a lógica subversiva do
==21f93e==

sistema, a diferença de classes e a exploração do assalariado – ao proletariado resta nada


além de sua força de trabalho, que acaba sendo comprada e vendida no mercado: o
trabalho se transfora em mercadoria.

A base da teoria marxista é o valor do trabalho: entre as atividades humanas, o trabalho


pode ser uma das maiores fontes de satisfação – o trabalhador aplica seu esforço e
engenhosidade em transformar matérias-primas em produtos úteis à sociedade (o que se
enraíza na própria identidade humana).
Só que no sistema capitalista, os proprietários dos recursos de produção (fábricas e
máquinas) se apropriam dos frutos do trabalho alheio (os bens produzidos nas fábricas são
dos respectivos donos, não dos trabalhadores). A economia capitalista torna a atividade
produtiva um meio para um fim (lucro), afastando-a de sua natureza fundamental: ser uma
extensão da identidade dos indivíduos ao corporificar bens.
Na cabeça de Marx, não há maior satisfação a um alfaiate do que ver o resultado do seu
trabalho, um belo terno acabado. Esse júbilo é substituído pelo tédio no modelo de
produção em massa, em que o trabalhador atua como mera engrenagem na máquina de
produção especializada.

Com a
divisão das
funções...

o trabalho
se torna
massante
... e o
trabalhador
vira mera
ENGRENAGEM
na produção

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No marxismo, pagar mais (melhores salários) aos trabalhares NÃO resolverá a


exploração, pois o proletariado continuará escravizado, tendo os frutos do seu
trabalho extirpados.

Essa divisão entre capital e trabalho gera inevitável tensão (luta de classes) entre o
proletariado (empobrecido e explorado) e os capitalistas (proprietários enriquecidos), que
detém e controlam os meios de produção para seu exclusivo benefício. Qual a solução?
Abolir a propriedade privada (que está na raiz da alienação), oras!

“O comunismo é a abolição positiva da propriedade privada, da autoalienação humana”.

No comunismo, o trabalho recobraria seu verdadeiro fim, o que faria surgir um sentimento
de irmandade entre os trabalhadores (ninguém tralharia por obrigação, mas por amor).

O trabalho dignifica o O sistema aliena os


Só que o capistalismo
homem: os bens que trabalhadores,
transforma o trabalho
são produzidos espoliando os frutos do
em mercadoria.
corporificam o esforço. trabalho.

O comunismo é o O comunismo abole a


enigma da história propriedade privada e
RESOLVIDO. acaba com a alienação.

E para quem era cético com relação à possibilidade de implementação de um sistema


comunista na realidade, Marx acreditava que esse era um caminho sem volta, inevitável.
Ademais, “os trabalhadores não têm nada a perder a não ser suas correntes” (fala isso para
os coitados dos venezuelanos kkkk).

Os seres humanos têm necessidades e, para atendê-las, aplicam suas habilidades para
produzir os bens que as satisfaçam. Essa atividade (produção de bens) pode ser organizada

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de diversas maneiras, dando ensejo a diferentes arranjos sociais e políticos. Os fatores


econômicos (materiais) são o motor da história, determinando qual modelo vai
prevalecer. Temos aqui o materialismo histórico.
O capitalismo, por exemplo, surgiu quando as velhas formas feudais de produção davam
sinais de esgotamento. O feudalismo ruiu e o comércio prosperou. Aos olhos de Marx, a
história se moveria fatalmente em direção à implantação do comunismo em substituição
ao capitalismo.

Se você está se perguntando onde é que entra o Estado nessa história toda, respondo: o
poder público, em aporte à economia de mercado, serve para garantir ao capitalismo a
exploração dos trabalhadores – é por meio dele que os indivíduos das classes dominantes
fazem valer os seus interesses. O Leviatã atua como um muro entre as classes, cujo intento
é manter protegido o modelo vigente, em especial a consagração da propriedade privada.
Como o Direito não é muito diferente. A ordem jurídica opera como legitimadora do
capitalismo – à medida que o sistema apresenta certas necessidades a lei é criada.
Ilustrando: a liberdade de contrato e a autonomia da vontade entre as partes são
essenciais para a circulação de bens e o acúmulo de capital. Portanto, o Direito NÃO surge
da natureza (direito natural), da racionalidade ou das necessidades comuns da população,
mas sim das necessidades do sistema econômico burguês.

O materialismo histórico-dialético de Marx propõe que o modo de produção de riquezas da


sociedade (infraestrutura econômica) reflete na superestrutura político-ideológica (Estado,
moral e Direito). A infraestrutura (parte econômica) sustenta o modelo (é mais relevante),
mas a superestrutura (ideologia) também mostra sua importância na medida em que utiliza
instrumentos como o direito e a moral para manter a dominação das classes
desfavorecidas.

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SUPERESTRUTURA
instrumentos de poder

INFRAESTRUTURA
relações econômicas

Karl Marx (1818-1883) nasceu na Prússia, de onde foi expulso.


Também o “convidaram a se retirar” a Bélgica e a França – em Paris,
ele conheceu Friedrich Engels, com quem dividiu a autoria do
“Manifesto Comunista” (1848). Radicou-se em Londres, onde
escreveu “O capital” (1867). Viveu na pobreza (nas favelas do Soho),
ajudado financeiramente por amigos, em especial Engels.

Os ecos de Marx seriam sentidos nas décadas seguintes, com a colocação das suas ideias
em prática na Rússia, na China e em Cuba. O ponto é que Marx pouco disse sobre detalhes
de como o sistema comunista deveria funcionar (após a revolução) – suas únicas
prescrições claras era a propriedade comum e a economia centralizada (para garantir o
encontro da oferta com a demanda). O negócio virou meio que experimento social –
tentativa e erro.

LÊNIN

Na virada do século XX o Império Russo era


uma potência agrária que havia parado no
tempo (estava muito atrás das nações
industrializadas da Europa Ocidental). Para
piorar, o governo absolutista e autoritário
do czar Nicolau II fazia de tudo para manter
os privilégios da nobreza, o que condenava a
esmagadora maioria da população à miséria.
Com o ódio ao monarca se acumulando e a
difusão do senso generalizado de injustiça,
Maquiavel levaria um segundo para conferir
que uma revolta era iminente.

Foi o que aconteceu. Em outubro de 1917, as forças populares lideradas por Vladimir Lênin
tomaram o poder. Pela primeira vez na história, o sistema comunista sairia do papel para a
prática.

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Vladimir Ilich Ulyanov (1870-1924) adotou mais tarde o pseudônimo


Lênin. Nasceu em uma família russa de classe média alta, mas com
tendências revolucionárias – seu irmão foi executado por tentar
assassinar o czar Alexandre III. Entrou para a universidade de Direito,
mas acabou expulso por organizar protestos estudantis (só
conseguiria o diploma anos depois). Refugiou-se nas terras do avô,
onde mergulhou nas obras de Marx. A partir de então se tornou
revolucionário profissional. Preso e condenado, foi exilado na Sibéria
(para congelar). Após o exílio, radicou-se na Europa, retornando à
Rússia para liderar a vitoriosa Revolução de Outubro.

Mas não que tenha sido fácil (tomar o poder).


O primeiro desafio foi encontrar uma massa disposta a se rebelar. A revolução espontânea
do proletariado não era faticamente viável, muito pelo contrário: nas nações ocidentais,
tão logo os salários subiam e as condições de trabalho e vida melhoravam, os
trabalhadores passavam a pretender se aliar à burguesia, não lutar contra ela. Lênin referia
pejorativamente a esse grupo como “aristocracia do trabalho”.
Os camponeses também não serviam: eles queriam ter sua própria terra, o que afrontava
diretamente o princípio comunista de destruição da propriedade privada.

Por sorte, na Rússia a classe trabalhadora industrial ainda não gozava


das boas condições europeias e, se elas não se levantariam por si,
cabia a um “partido de vanguarda” (um grupo de indivíduos
determinados e com claro entendimento político) organizá-las e
liderá-las para rumo à revolução (conforme orientação do “Manifesto
Comunista”). Sem esses “revolucionários profissionais”, o proletariado
não conseguia atingir uma “consciência socialista revolucionária”. O
partido bolchevique de Lênin cumpriu essa função (depois se
transformou no Partido Comunista da União Soviética).

Em teoria, a revolução comunista imporia a democracia para os


pobres, com a destruição da classe exploradora e opressora (que
seria excluída do novo sistema: varrida do mundo). A ditadura inicial
do proletariado seria substituída gradativamente pelo comunismo
definitivo, sem classes, sem propriedade privada.
O que se viu na prática foi bem diferente. Nos primeiros três anos
após a revolução, milhões de camponeses morreram de fome,
enquanto sua produção era confiscada pelo governo, que,

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ironicamente, teve de lutar contra os levantes promovidos pela classe que há pouco o
colocara no poder.

As condições na URSS só melhoram quando Lênin estabeleceu a nova política econômica,


que chamou de “Capitalismo de Estado”: foram permitidos pequenos negócios e os
fazendeiros podiam vender (para proveito próprio) o excedente de produção. Com o
incentivo capitalista (kkkkkk), a produção agrícola cresceu e a fome foi momentaneamente
superada.

Lênin foi grande entusiasta do comunismo internacional. Em sua concepção, o comunismo


(o modelo social definitivo – verdade única e absoluta, que não admitia contestação) iria se
espalhar pelos países desenvolvidos, gradativamente cercando e sufocando o capitalismo
ocidental, até sua extinção. Hoje, podemos dizer: só que não

Há ainda vários intelectuais que se autodeclaram lenistas, incluindo o filósofo eslavo (pop)
Slavoj Zizek, que diz admirar a disposição de Lênin de “sujar as mãos” (de sangue?) para
aplicar a teoria marxista e atingir seus objetivos.

STÁLIN

Em 1922, Lênin sofreu um derrame, o que o forçou a uma semiaposentadoria. Stálin


assumiu a função de secretário-geral, servindo como intermediário entre o moribundo e o
mundo exterior. A relação, contudo, azedou e Lênin passou a criticar Stálin – pelas
maneiras rudes, autoritarismo e ambição desmedida.
Com a morte de Lênin, em 1924, houve luta pela sucessão. Stálin levou a melhor.

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Ioseb Besarionis dze Jughashvili (1878-1953). Conhece esse cara? Em


1913 ele adotaria o nome Josef Stálin (stal – aço). Pois bem. Ele
começou cedo sua vida de arruaceiro, sendo expulso do seminário
teológico em que estudava. Ativo na vida política revolucionária, foi
exilado na Sibéria várias vezes. Sua vida pessoal foi tão conturbada
quanto a pública: tanto seu primeiro como seu segundo filho
cometeram suicídio.

Muito mais radical do que Lênin (que já não era lá flor que se cheirasse), Stálin não
demorou a reverter as concessões leninistas à economia de mercado. Nacionalizou
empresas e ativos e coletivizou toda a estrutura industrial. As fazendas foram
desapropriadas (transformaram-se em “propriedade socialista estatal”) e reunidas sob
controle do governo.
Como retaliação, os camponeses queimaram parte das plantações e mataram animais, o
que levou a uma dramática escassez. A resposta do governo foi enérgica: as colheitas
remanescentes foram confiscadas e levadas para as cidades, resultando em uma tragédia
sem precedentes. Na Ucrânia (conhecida como “cesta de pão” pela produção agrícola) 5
milhões de pessoas morreram de fome71 (holocausto genocida conhecido como
Holodomor).

Para substituir os incentivos mínimos providos do Capitalismo de


Estado, o governo stalinista espalhou cartazes com propaganda que
encorajava os fazendeiros a cultivar cada hectare disponível. Imagina se
deu certo... a produção despencou e uma onda de fome varreu toda a
nação.
Enraivecido, Stálin inaugurou uma temporada de perseguição aos
fazendeiros, que eram enviados para locais remotos ou mesmo
“eliminados” (executados com um tiro na nuca).

Em 1956, o secretário-geral do Partido Comunista, Nikita Kruschev, revelou que Stálin


executou milhares de comunistas leais durante os grandes expurgos. As estimativas atuais
são de que até 20 milhões de pessoas tenham sido mortas diretamente pelo regime
stalinista.

MAO TSE-TUNG

71
Se quiser saber mais sobre Holodomor, assista a este documentário impactante: https://goo.gl/vBhP8u.

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Marx havia dito que o comunismo substituiria o modelo capitalista. Em miúdos, a revolução
socialista pressupunha uma sólida sociedade capitalista anterior, a qual formava os meios
de produção que seriam tomados pelo proletariado. O problema é que a China era uma
terra de camponeses.
Mao não se deu por vencido, aproveitou a ideia de “partido de vanguarda” utilizada por
Lênin (na Rússia czarista a industrialização também era embrionária) e adaptou o modelo a
uma nação predominantemente agrícola: iria insuflar a consciência de classe nos
camponeses (era claro para ele que seria um proletariado rural, não urbano, que faria a
revolução) – os países ainda estagnados em estruturas semifeudais pulariam a fase
capitalista e iriam direito para o socialismo pleno.

Os
A China era camponeses
mais agrária são o
que industrial proletariado
Nos países
da China
industrializados Os países
o comunismo agrários, como
substitui o a China,
capitalismo PULARÃO a
fase capitalista

A tomada do poder, claro, não se daria com rosas. Embora Mao tenha passado a década de
1920 organizando protestos e greves, ele tinha consciência de que agitações não seriam,
nem de longe, suficientes. Só a luta militar faria a revolução ser vitoriosa. Os camponeses,
desarmados, nada poderiam fazer contra as forças capitalistas armadas. A liberdade só
seria conquistada quando os revolucionários pegassem em armas. “O poder político vem
do cano de um revólver”.

“Sem um exército para o povo, nada há para o povo”.

E os camponeses pegaram em armas. No caminho de sua “liberdade”, milhares de


assassinatos (outros tantos viriam após a formação do governo). Os opositores não
contaram com qualquer piedade. Na visão maoísta, “a política é a guerra sem
derramamento de sangue, enquanto a guerra é a política com derramamento de sangue”
– a dificuldade era definir quando a guerra acabava (o regime maoísta manteve-se em
guerra permanente, sufocando qualquer resistência com violência brutal).

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Mao Tsé-Tung (1893-1976) nasceu no centro da China, filho de um


rico camponês, um homem disciplinador e rígido, que batia nos filhos
a qualquer pretexto. Formou-se professor e instalou-se em Pequim,
onde trabalhou na biblioteca da universidade. Ao se deparar com a
obra de Marx, entrou de cabeça na política. Foi membro fundador do
Partido Comunista Chinês, em 1921. Chegou ao poder em 1949, com a
proclamação da República Popular da China, colocou-se como o
“grande timoneiro” (assim se intitulava) até sua morte.

Em 1953 foi lançado o primeiro plano quinquenal pelo governo comunista, o qual obteve
resultados relativamente positivos no aumento da produção, escolarização e expectativa
de vida. O sucesso, no entanto, foi efêmero.
Em 1958 foi anunciado o “Grande Salto Adiante”, plano que previa uma série de medidas
que incluíam investimentos na indústria e infraestrutura, desapropriação de terras e
planificação da economia (bem ao estilo Stálin). As fazendas foram organizadas em
comunas, com metas de produção. As pessoas foram deslocadas de regiões com alta
produtividade para onde ela era baixa. A ideia era forçar a economia chinesa a alcançar o
Ocidente.

Mas o tiro (para quem tanto gostava de armas) saiu pela culatra. O plano miraculoso de
Mao causou uma das maiores catástrofes que o mundo já viu. Como a produtividade não
aumentou (caiu), iniciou-se a repressão. Entre 1958 e 1962, pelo 45 milhões de chineses (a
maioria camponeses) foram sujeitos a trabalhos forçados exaustivos, os que se recusaram

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foram torturados, houve confisco de alimentos e execuções em massa. Por uma estimativa
conservadora, 18 milhões de pessoas morreram, mas há quem sugira que foram mais de 55
milhões de mortes.

A crítica viva ao maoísmo é que a “classe revolucionária”, responsável por instalar o


modelo perfeito de justiça social, era tratada por Mao como uma massa descartável. No
comunismo chinês (e talvez em todos os outros), o conceito de homem (como indivíduo)
simplesmente não existe... há apenas a sociedade (um ser sem rosto).

De quebra, em 1966 foi anunciada a “Revolução Cultural”, destinada a “limpar” a China das
influências burguesas – além de alienar o povo, a política tinha como objetivo neutralizar a
crescente oposição que faziam ao governo alguns setores menos radicais do partido.
Imagina o que aconteceu... os “comitês revolucionários” perseguiam todo e qualquer
suspeito de deslealdade política ao regime; o ensino superior (dispensável né) foi
praticamente desativado; “O Livro Vermelho” (coletânea de citações de Mao que exaltam
sua ideologia e professam uma forma de culto à sua personalidade) foi distribuído aos
milhões. A China toda foi “reeducada”. E quem não concordou? Fácil: muitos foram
exilados ou tiveram de fugir... tantos outros foram executados (especialidade da casa).

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A imagem de Mao sobreviveu como figura controversa. Na China, o culto à sua


personalidade ainda é presente (após a Revolução Cultural... compreensível). No plano
internacional, o fracasso colossal das políticas maoístas e a arbitrariedade violenta com que
governou causam, em geral, repulsa, mas ainda há quem o considere um grande e
habilidoso líder – na linha de que os fins (instalação e manutenção do comunismo)
justificam os meios (morte, miséria e alienação de milhões).

CHE GUEVARA

Há quem seja teórico. Há quem seja prático. Em vez de ficar preso às questões teóricas
(análise econômica do marxismo), o companheiro Che se aprofundou em como tomar o
poder para implementar o comunismo. Em vez de esperar pelo advento das condições
ideais para a revolução, ele se propunha a fazê-la desde logo – as condições favoráveis
poderiam ser criadas com uma estratégia de guerrilha que inspiraria o povo a revoltar-se.
E, assim como Mao, Che não esperava que a ponta de lança da revolução estaria nas
cidades, nos locais industrializados. Os países da América Latina e Central e da África
também mereciam as maravilhas do comunismo e não podiam esperar pela formação de
uma classe proletária (industrialização). Era nas áreas rurais que pequenos grupos rebeldes
armados deveriam agir, justamente onde poderiam obter o máximo de resultado contra as
forças do regime (grupos militantes tinham uma vantagem na guerrilha em espaço rural).

“Não existem libertadores. O povo liberta a si mesmo”.

Em 1954, Che conheceu Fidel Castro no México e viu chegar sua oportunidade de colocar
suas ideias em prática: os dois se uniram na luta contra o governo cubano de Fulgêncio
Batista (apoiado pelos EUA) e criaram uma base militar em plena floresta (Sierra Maestra).
O grupo militar que ficou conhecidos como barbudos (as condições na mata não permitiam
o corte regular de cabelos e barba) alcançaria o poder em 1959, instalando o primeiro
governo comunista das Américas.

Ernesto Guevara (1928-1967), mais conhecido pelo apelido Che


(amigo), nasceu em Rosário, Argentina, em uma família com
posses. Formou-se em medicina, mas abandonou a carreira para
ser revolucionário. Ao lado de Fidel Castro, liderou os rebeldes na
revolução cubana. Em 1965 deixou Cuba para lutar em outras
frentes. Tomou parte das guerrilhas do Congo e da Bolívia, onde
acabou capturado e morto.

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Na juventude, Che fez duas viagens de motocicleta pela América Latina,


quando pôde ver a pobreza que tomava (e ainda toma) o continente (só é
menor que a vista hoje em dia em Cuba rsrsrs). Em 2004, os diários que
Che escreveu na expedição de 1952 foram adaptados para o cinema, no
filme “Diários de motocicleta”, dirigido pelo aclamado diretor brasileiro
Walter Salles.

“Não temos como negar: na América Latina e mesmo


fora dela, Che é o cara. Seu nome e seu retrato estão em
álbuns de rock, na capa de livros, no estepe externo de
carros esportivos. O guerrilheiro argentino dá nome a
dezenas de espaços públicos com funções bonitinhas [...],
além de ruas e praças em todo o continente [...]. Se não
há mais camisetas com a imagem de Che, é porque elas
saíram de moda por saturação. Quem exibe a imagem de
Che tem seus motivos para admirá-lo. Dizem que, diante
de um mundo tão voltado à competição, ao sucesso
individual e ao dinheiro, é bom se lembrar de alguém
que deu a vida por uma sociedade diferente. Se não se
pode mudar o sistema por completo, pelo menos se pode fazer um pequeno ato de
protesto, estampando o rosto de um jovem aventureiro que, argumentam alguns,
renunciou ao próprio bem-estar em prol de uma ideia, libertou-se da vida convencional
para defender os oprimidos e apostar no sonho de um mundo melhor” 72. Só que há o outro
lado da moeda.

Uma das primeiras medidas do governo revolucionário foi


expropriar os bens dos americanos e dos cubanos que haviam
deixado a ilha com a revolução. Como resposta, os EUA
impuseram o famoso bloqueio econômico (não comprariam,
nem venderiam nada da Cuba socialista), o que foi seguido
por outros países e fez com que a ilha caribenha, até então
próspera (muito em razão do investimento estrangeiro),
caísse na pobreza. O embargo americano é utilizado até hoje
por muitos como justificativa (desculpa?) para o não
desenvolvimento da economia cubana, uma das mais improdutivas do planeta 73.

72
NARLOCH, Leandro; TEIXEIRA, Duda. Guia politicamente incorreto da América Latina. São Paulo: Leya, 2011, p. 25-26.
73
A charge ao lado é do cartunista político (de esquerda) Carlos Latuff..

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Como se não bastasse, em 1962, misseis nucleares


russos foram instalados na ilha e apontados para
os EUA (crise dos mísseis), o que levou ao
enrijecimento das restrições econômicas. Quando
a diplomacia russa (que não estava
verdadeiramente interessada em um conflito
nuclear) resolveu recuar, Fidel e Che foram à
loucura e afirmaram que se os mísseis tivessem
ficado, teriam apontado para o coração americano
(Nova Iorque) e disparado sem pestanejar.

Como em todos os países que adotaram o comunismo até então, não demorou para o
governo cubano iniciasse a matança em massa: pelotões de fuzilamento foram formados.
Em “La Cabaña” (uma prisão política), realizaram-se centenas de julgamentos
“revolucionários”, seguidos de execuções. Che Guevara estava à frente de tudo, tanto que
recebeu a alcunha de “carniceiro de la cabaña”. Em plena assembleia da ONU, em 1964, ele
respondeu aos questionamentos recorrentes que lhe eram feitos pelos delegados de outras
nações: “fuzilamentos? Sim, temos fuzilado, fuzilamos e continuaremos fuzilando, caso
seja necessário. Nossa luta é uma luta à morte”74.
Braço direito de Fidel, Che ocupou os cargos de embaixador, presidente do Banco Nacional
e ministro da indústria. Não se saiu bem. A economia definhou, a produção despencou e a
população como um todo empobreceu. Em vez de pregar cartazes (como na URSS), Che
fazia apelos efusivos (em discursos dirigidos à nação) para que os agricultores plantassem
mais e atingissem as metas de produção. Vou te dar uma chance de adivinhar o desfecho...
Sem os incentivos individuais, o resultado (previsivelmente) foi o mesmo que na União
Soviética e na China.

Mais recentemente, Hugo Chávez (1954-2013) implementou


um sistema semissocialista na Venezuela (bolivarianismo).
Não precisamos nem dizer o que aconteceu, né? Miséria
(estão comendo os pobres dos cachorros), repressão violenta
e êxodo (fuga em massa) – 2,3 milhões de venezuelanos
deixaram o país após 2015 e a previsão é de que 5,3 milhões
o façam em 2019.

Apesar de todos os percalços (tragédias práticas), o comunismo continua fascinando


pessoas ao redor do mundo.

74
Se não acredita em mim, confira o trecho do discurso em VÍDEO.

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Em uma entrevista realizada em 2018, Caetano Veloso disse o seguinte: “A esquerda tem
um problema e que terá sempre, enquanto precisar ser esquerda, que é defender algo que
não está estabelecido, demonstrado. A direita tem sempre essa vantagem. Isso é
indiscutível. E nós tivemos as experiências das revoluções socialistas e do próprio histórico
do marxismo, nas tentativas práticas, que foram desastrosas”. Estabelecida essa premissa,
ele pergunta ao então presidenciável Ciro Gomes de que maneira o candidato pesava essas
questões. A resposta: “eu tenho pensado muito nisso aqui com os meus botões, quando eu
volto da luta da rua e tal... eu paro para pensar e eu acabo chegando ciclicamente à mesma
conclusão: EU QUERO CORRER ESSE RISCO”75. Ciro Gomes teve 13,3 milhões de votos no
primeiro turno das eleições.

7.3 ANARQUISTAS

A sociedade é constituída pelos elementos finalidade, organização e


poder. É isso que aprendemos em Teoria Geral do Estado. Acontece que
há alguns autores que NEGAM a necessidade do poder. São eles os
anarquistas.
Ainda que a ideia técnica de anarquismo seja mais recente, suas raízes
podem ser identificadas na Grécia antiga (séculos VI e VI a.C.), quando os
cínicos (como Diógenes) pregavam abertamente o desrespeito às convenções sociais
(inclusive a lei estatal). Os estoicos, na mesma linha, incitavam os homens a viver conforme
a natureza. Já na idade média, Santo Agostinho afirma que “Deus concedeu aos homens
que dominassem os irracionais, não os outros homens”. Chegando à modernidade, Léon
Duguit conclui que o poder é e sempre será um mero fato, sendo prescindível à ordem
social, que pode muito bem ser dirigida pelos sentimentos de justiça e sociabilidade inatos
nos homens. William Godwin acredita que esse estado natural de simpatia e justiça
instintiva seria alcançado quando a sociedade se livrasse dos efeitos perniciosos da
propriedade privada76
Do ponto de vista teórico, os anarquistas partem da crença fundamental de que o homem
é bom e justo se não sofre coação. Max Stirner (pseudônimo de Johan Kasper Schmidt)
prega que o indivíduo e seus fins são os únicos valores fundamentais; o Estado é mau
porque limita, reprime e subjuga o indivíduo, obrigando-o a se sacrificar pela comunidade –
nessa senda ele chega a justificar o terrorismo, pois seria o meio justo de eliminar as
injustiças do Estado77.

75
Confira a entrevista na íntegra. O trecho citado é a partir de 17min27seg.
76
DALLARI. Idem, p. 45-47.
77
DALLARI. Idem, p. 47.

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O grande problema (e desafio) dos anarquistas é indicar de maneira prática o modo como a
sociedade se libertaria do Estado e implementaria uma sociedade desprovida de um poder
central organizador. Alguns pensadores ficaram famosos por suas tentativas de responder a
essa questão. Vamos a eles.

7.3.1 PIERRE-JOSEPH PROUDHON

Já cansou dos franceses? Não? Então pega aí mais um


Joseph Proudhon defendia que a liberdade, a igualdade e a segurança era direitos naturais,
absolutos e invioláveis. Sentiu falta de algum? Talvez a propriedade. Pois é, Proudhon
considerava que a propriedade era essencialmente antissocial e minava os verdadeiros
direitos fundamentais: enquanto a liberdade dos ricos e dos pobres coexistia, a
propriedade de poucos se mantinha à margem da pobreza de muitos.
Talvez ele nem saiba, mas acabou imortalizado por uma frase (título da sua obra mais
conhecida): “a propriedade é um roubo”.
Segundo sua linha de pensamento, a ocupação original do solo, como hipotético substrato
primitivo da propriedade, não levaria em conta o direito similar dos outros homens,
coagidos também a prover o seu próprio sustento, a ter igual acesso aos recursos naturais.
Tampouco o trabalho poderia ser invocado como alicerce último da propriedade,
porquanto, ao se extinguir a capacidade laboral do indivíduo, cessaria o direito à livre
disposição do que fosse seu? A propriedade do produto, por sua vez, não assegura a
propriedade do instrumento que lhe deu forma, assim como o viajante não se apropria do
caminho em que passa. Nem mesmo as diferenças de talento poderiam justificar as
desigualdades, dado que tudo que se faz depende de uma infinidade de produtos e
serviços ofertados pelos outros, cada qual devendo receber não pelo que executou, mas de
acordo com as suas necessidades. A propriedade é pura força bruta.

“Do direito da FORÇA derivam a exploração do homem pelo homem ou, dizendo
doutro modo, a servidão, a usura, o tributo imposto pelo vencedor ao inimigo
vencido, e toda essa família numerosa de impostos, gabelas, revelias, corveias,
derramas, arrendamentos, aluguéis etc., numa palavra, a PROPRIEDADE”.

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Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865) nasceu em uma família


bastante modesta (de pai cervejeiro e mãe cozinheira). Começou a
estudar tarde (aos dez anos) e demonstrou muito talento
intelectual. Na juventude, teve de parar os estudos e trabalhar
como tipógrafo para sustentar a família – só terminou a faculdade
após ganhar um prêmio literário. Foi um político importante de seu
tempo. Além dos escritos e discursos publicados nos jornais que
dirigiu, chegou a ser membro do Parlamento após a revolução de
1848 – ficou preso por três anos por escrever contra Luís Napoleão.

Ele foi o primeiro pensador a se autoproclamar anarquista (o termo era considerado


pejorativo entre os revolucionários). Muitos o apontam como autor da frase “Anarquia é
Ordem”, que inspira o símbolo anarquista (colacionado no início deste capítulo) tão
presente em pichações (um A = anarquia dentro de um O = ordem).

Entre 1949 e 1850, PROUDHON e BASTIAT (lembra dele?) protagonizaram um acalorado


debate em artigos sucessivos publicados em um Jornal da época, “A voz do Povo” (La Voix
du Peuple)78.
Bastiat defendia a justiça e as vantagens econômicas do empréstimo a juros: o mútuo é ato
voluntário no qual o indivíduo exerce o direito de propriedade sobre o fruto do seu
trabalho e, por isso, exige remuneração (a renda do capital é proveniente da capacidade do
homem de aumentar o resultado do trabalho). Além disso, o juro incentiva a criação de
capital, faz aumentar a poupança e, consequentemente, a oferta de crédito, gerando
riqueza (financiamento de ideias) e o aumento dos empregos e dos salários (beneficiados
pelas novas empresas). Em perspectiva temporal ampla, todos ganham (trabalhadores e
proprietários).
Proudhon advogava a necessidade de crédito gratuito e a antieticidade dos juros: a usura
estaria apoiada na desigualdade de condições entre os atores sociais (ricos e pobres).
Ademais, o capitalista não se abstém de qualquer coisa ao emprestar o seu capital (é
apenas dinheiro), não havendo justificativa para que haja retribuição pelo devedor. O juro,
muito ao contrário de incentivar, é empecilho à formação de capital ao separar a sociedade

78
Há um belo artigo a respeito do debate: “Quando o liberal e o socialista se defrontam: Bastiat, Proudhon e a renda
do capital”. Disponível AQUI.

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em duas classes antagônicas, trabalhadores e capitalistas. A solução seria institucional:


criar um banco provedor de crédito gratuito (um BNDS ainda mais solidário), que
incentivaria o desenvolvimento produtivo, resolvendo as contradições da sociedade
capitalista assentada na propriedade privada.
Como se nota, Bastiat utilizava argumentos econômicos; Proudhon argumentos sociais e, o
que é pouco elogiável, o ataque pessoal ao adversário.
No artigo final, ciente da frágil saúde do seu antagonista, o anarquista bradou: “sua
inteligência está adormecida, se é que algum dia esteve acordada... você é um homem para
quem a lógica não existe... você não ouve nada, você não entende nada... você não tem
filosofia, não tem ciência, não tem humanidade... sua habilidade para a razão, como a sua
habilidade para prestar atenção e fazer comparações, é zero... cientificamente, Sr. Bastiat,
você é um homem morto”.
Embora a controvérsia tenha se encerrado nas páginas do panfleto, Bastiat voltou ao
assunto ao compilar o debate no livro Gratuité du crédit (1850). Assombrado com a
violência de seu interlocutor, ele compara as investidas desse com o rito católico da
excomunhão, atribuindo tal ira à falta de argumentos racionais. O liberal também
apresentou seu argumento final: quando Proudhon recomenda cautela na concessão do
crédito gratuito, acaba por admitir que apenas que os ricos e abastados, capazes de
apresentar as garantias habituais aos bancos, usufruiriam da gratuidade, enquanto os
pobres seriam barrados nas portas da instituição por incapacidade de hipotecarem algo
além de sua palavra. Esse Bastiat era fera mesmo

O anarquismo de Proudhon passava pelo fato que a união deveria ser entre as pessoas, os
indivíduos, não entre elas e uma instituição coercitiva, que nada mais fazia além de
sustentar a noção falsa de propriedade.

O contrato social deve ser entre os indivíduos, não entre esses e o Estado.

Proudhon se considerava um revolucionário, mas sua revolução não implicava a violência


(com requintes de crueldade), mas sim a reforma social (essencialmente de natureza moral
e legal). Nisso ele discordava de Marx e advertia que a ação revolucionária acabaria
apelando à força e à arbitrariedade (que o diga a URSS... e não foi por falta de aviso).

7.3.2 MIKHAIL BAKUNIN

O poder corrompe. Essa afirmação sintetiza todo o pensamento de Bakunin. Os


governantes, ao assumirem o posto de guardiães da sociedade, mesmo que eruditos e,

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inicialmente, cheios de boas intenções (virtuosos), acabam sendo corrompidos: o poder


perverte o coração e a mente. Por corolário, toda autoridade deve ser rejeitada, mesmo a
mais democrática possível (advinda de eleições livres, com sufrágio universal).

O anarquismo ilumina o caminho do homem para a liberdade.

A sociedade é uma associação de indivíduos sob uma autoridade: ou do governo ou da


Igreja: (a) a “alucinação religiosa” anestesia a razão e atua como uma ferramenta de
opressão para manter o povo servil e reforçar o status quo (o poder nas mãos dos
poderosos); (b) o Estado, por seu turno, é uma instituição criada pelos homens para
suplantar as leis da natureza e escravizar o povo – se conhecemos as leis naturais NÃO
precisamos de qualquer organização política. Os homens só se realizam com plenitude ao
se rebelarem contra a autoridade, seja dos homens (Estado), seja dos deuses (Igreja).
Os homens podem racionalmente obedecer às leis da natureza porque podemos confiar
em sua autenticidade. O mesmo não se pode dizer das leis humanas, que, mesmo as mais
verdadeiras, encerram em restrição da liberdade natural. Ao obedecer à lei dos homens,
deixamos de ser livres.

O PODER
corrompe
mesmo os As massas
virtuosos acabam
As escravizadas
A sociedade é instituições se A liberdade e a
uma união de tornam plenitude são
homens sob corrompidas alcançadas pela
autoridade rejeição da
autoridade

O Estado deve ser sempre visto como um mal. Sua função prática é organizar e manter a
exploração dos pobres pelos ricos. Mas NÃO se engane: essa aparente superioridade da
classe dirigente é ilusória – o Estado também age arbitrariamente contra a elite quando

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julga necessário (vide Revolução Francesa). TUDO deve ser feito para destruir o Estado,
inclusive sacrificar temporariamente a ordem púbica por medidas revolucionárias79.

Destruídas as instituições burguesas, o Estado e a religião, os homens


seriam livres para dirigir suas vidas pelo princípio da solidariedade e
gozar os frutos do seu próprio trabalho. As associações voluntárias
iriam se unindo umas às outras, em esferas cada vez mais amplas, até
que se chagasse à unificação internacional, desprovida de explorações
e de injustiças (quando eu imagino esse paraíso na Terra não consigo
deixar de lembrar das ilustrações e imagens que colorem as revistas
Sentinela e Despertai, tão presentes na minha infância).

Mikhail Bakunin (1814-1876), esse cheirosinho aí ao lado (de


expressão amigável), ainda jovem, desertou do exército russo e
dedicou-se a estudar a filosofia alemã (especialmente Hegel)
em Moscou e Berlim. Seus escritos revolucionários logo
chamaram a atenção das autoridades e, após fomentar uma
revolta em 1849, acabou preso por oito anos. Ao ganhar a
liberdade, viajou para Londres e depois para a Itália, onde deu
prosseguimento às suas atividades. Juntou-se à Primeira
Internacional (movimento comunista), mas suas discordâncias
com Marx (ele rejeitava o autoritarismo do Estado socialista)
resultaram na sua expulsão. Morreu na Suíça.

7.3.3 PIOTR KROPOTKIN

Não concordo, nem deixo de discordar. Esse era o lema de Kropotkin. Um dos mais
importantes pensadores anarquistas do século XIX, ele transitou entre a Rússia e diversos
países da Europa (Inglaterra, França, Suíça, apenas para citar três) escrevendo, participando
de manifestações, divulgando suas ideias.

79
DALLARI. Idem, p. 48.

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Piotr Alexeyevich Kropotkin (1842-1921) é considerado o criador do


anarcocomunismo. Nasceu príncipe (membro da família real), mas
renunciou ao título de nobreza – para o azar da aristocracia, o jovem
tivera contato com a literatura revolucionária da época. Dividiu-se
entre a vida de geógrafo (inclusive explorou o círculo polar ártico) e
de agitador político. Por suas atividades, foi expulso da sociedade
geográfica russa, preso e exilado diversas vezes. Ao falecer, o
governo bolchevique ofereceu um enterro oficial, que foi recusado
pela família – mesmo assim, uma multidão de mais de cem mil
pessoas acompanhou o cortejo até o cemitério (o enterro de
Kropotkin é considerado por historiadores como a última
manifestação massiva do anarquismo na URSS).

Esse russo singular (possivelmente irmão perdido de Gandalf e Albus Dumbledore) chegou
a se aliar a Marx e Bakunin, embora discordasse de ambos: ele não admitia concessões às
instituições burguesas (como fazia Marx, acusado por ele de esboçar um capitalismo de
Estado, com a mera estatização dos meios de produção) e nem achava que a violência era o
único modo de se chegar ao anarquismo (como entendia Bakunin): o verdadeiro
anarquismo social (sem Estado) podia ser implementado por meios pacíficos porque é a
evolução natural da sociedade cooperativa.

Dotado de grande cultura, Kropotkin inseriu elementos científicos na fundamentação do


anarquismo, em especial o argumento de base evolucionista: no reino animal a cooperação
é uma força mais importante para a evolução do que a luta pela vida ou mesmo a seleção
natural. Na sociedade humana não é diferente: a ajuda mútua toma a forma de equidade,
justiça e simpatia, forjando o princípio “não faça para o outros o que não quer que te
façam”80.
A ideia-base de que a força institucional de coação é necessária para que os homens ajam
corretamente do ponto de vista social não só é incorreta como impede ações livres e
espontâneas. O resultado final é que o Estado é efetivo para um fim: evitar a hostilidade,
fazendo com que os mais pobres obedeçam aos mais ricos.

A ordem mantida sob coação é desprovida de qualquer valor.

Na base de todo o mal está a propriedade privada. O Estado só aparece quando a


propriedade privada distingue as pessoas em classes reciprocamente hostis. Ademais, a

80
DALLARI. Idem, p. 49.

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ideia de propriedade é, por si só, antiética e injusta, uma vez que as riquezas são geradas
pelo esforço conjugado de homens de todas as classes, não havendo qualquer justificativa
plausível para que os benefícios sejam acumulados por uma classe menos numerosa,
composta, em grande parte, justamente pelos que pouco ou nada produzem.

7.3.4 ANARCOCAPITALISTAS

NÃO PRECISAMOS DO ESTADO! Só que, diferentemente dos


anarquistas “clássicos”, que defendem um comunitarismo
(com a extinção da propriedade privada), o que os aproxima
muito dos comunistas, os anarcocapitalistas endentem que
as livres pactuações entre os homens é que devem reger uma
sociedade voluntária e autorregulada.

As origens desse pensamento remontam a Ludwig Von Mises, um economista responsável


pela criação da escola austríaca de economia, a qual põe fé na capacidade do mercado de
resolver problemas que são centralizados (indevidamente) pelo Estado.
A ideia base do anarcocapitalismo é que o impulso inato nos homens em atender a seus
próprios interesses leva aos melhores resultados sociais, o que se aplica mesmo às
matérias mais sensíveis, como a educação e a saúde (serviços que são considerados
essenciais e de atendimento público em praticamente todos os países). Essas matérias são
importantes demais para serem deixadas apenas ao altruísmo público.

A possibilidade de lucrar resolvendo problemas alheios alinha o egoísmo ao altruísmo,


transformando a ganância em benevolência.

Não é pela boa-vontade do padeiro que devemos esperar pelo pão quentinho às 6h da
manhã, mas sim pela sua intenção de lucrar. O mesmo vale para medicina. A
ultrassonografia médica (que salva milhares de bebês ao detectar malformações) não foi
resultado da bondade desinteressada de alguém, mas de uma corrida tecnológica que
rendeu lucros à empresa vencedora.

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Murray Rothbard (1926-1995) é considerado o fundador


técnico do anarcocapitalismo. De mãe russa e pai polonês que
imigraram para os EUA, cresceu em Nova Iorque e estudou na
Universidade de Columbia. Demorou a obter seu PhD em
Economia em razão das divergências com seu orientador. E era
só o começo... suas ideias pouco convencionais fariam com que,
segundo o economista Jeffrey Herbene, recebesse “apenas
ostracismo” da academia convencional. Em 1982, uniu-se a Lew
Rockwell Jr. e fundou o Instituto Ludwig von Mises, destinado a
difundir as ideais sobre livre mercado81.

Mas, sem o Estado, como ficaríamos sem os serviços públicos de transporte e


iluminação? Haveria quem, para lucrar, encontraria maneiras de atender aos interessados.
Ora, não foi isso que ocorreu com a telefonia no Brasil?

A redação original da Constituição de 1988 estabelecia o monopólio estatal de todas as


telecomunicações. Se você é muito novo e não sabe, ou é velho demais e não lembra,
nesse turvo período, telefone era artigo de luxo, coisa de rico. Havia lista de espera de anos
e a linha telefônica era disputada nos divórcios e inventários, suas ações negociadas na
bolsa – tudo em nome do direito fundamental à comunicação.
A Emenda Constitucional nº 8/1995 deu nova redação ao artigo 21, inciso XI, da
Constituição, permitindo que os serviços de telecomunicações passassem a ser explorados
por empresas privadas mediante concessão, permissão ou autorização do poder público
(privatização do setor). O resultado? Até telefone fixo virou coisa do passado e hoje todo
mundo, absolutamente todo mundo, tem celular e não vive sem ele.

Outra questão interessante é: se os homens fossem liberados para pensar soluções sobre
necessidades básicas, talvez, vários serviços que hoje são públicos teriam uma cara
completamente diferente. No caso da iluminação, por exemplo, quem sabe não teríamos
outro modelo menos ridículo do que esse de uma montoeira de fios passando por postes e

81
O Instituto está presente no brasil e sempre tem textos interessantes para leitores não letrados em Economia:
https://www.mises.org.br.

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se ligando às casas. A capacidade do homem de pensar em soluções é subestimada pelos


estadistas. Quando o Estado toma conta de certo serviço ele impede (ao retirar os
incentivos) que os homens se debrucem a achar soluções melhores.
Interessante, não?
Mas nesse modelo anárquico não haveria nem judiciário, nem polícia? Não. A justiça se
organizaria inicialmente em um modelo parecido com o adotado na arbitragem: as partes
firmariam contratos de resolução de conflitos e escolheriam um árbitro para resolver as
contendas. A segurança seria provida como é hoje pelas empresas privadas que monitoram
as casas dos ricos e lhes prestam serviços de segurança (ou outra solução que fosse
encontrada por mentes geniosas).
Se você está pensando na educação, lembre-se que nos EUA as melhores escolas e
universidades são as privadas; há instituições confessionais (religiosas) e fundacionais que
oferecem ensino gratuito para os necessitados, sem contar as bolsas de estudos providas
pela iniciativa privada, que financiam grande parte dos estudantes.
No caso da saúde, os EUA viveram por séculos apenas com o setor privado (o Obamacare
recentemente implantado encontra forte resistência, inclusive com juízes declarando sua
inconstitucionalidade). No Brasil, recentemente, uma leva de clínicas populares (com
preços bem “em conta”) vem buscando atrair como público-alvo os pobres cansados das
filas e do mau atendimento do SUS.
Mesmo assim, não daria para ter, então, um Estado-mínimo? Na visão dos
anarcocapitalistas, NÃO! O Estado-mínimo logo se torna um Estado-médio e, com o tempo,
um Estado-máximo (o Leviatã, que, nas palavras de Darcy Azambuja, “a todos protege... e
depois devora”).

“No decorrer da história nenhum governo se manteve limitado por muito


tempo. E há excelentes razões para se supor que nenhum jamais irá. Quanto
mais os poderes coercitivos do Estado são expandidos para além dos limites
estimados, maior é o poder e a riqueza acumulada pela classe dominante
que opera o aparato estatal”82.

Por fim, normalmente o individualismo exacerbado presente nas ideias anarcocapitalistas


recebe críticas severas de pensadores mais voltados ao atendimento público de demandas
sociais, pintando Mises, Rothbard, Rockwell e outros anarquistas do capital como se
pretendessem “jantar” os pobres. As coisas não são bem assim. Tal maniqueísmo parece
ter mais a ver com as pretensões de um mecanismo ideológico hegemonizador.

82
ROTHBARD, Murray Newton. The ethics of liberty. Nova York: New York University Press, 1998, p. 176.

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A leitura dos escritos anarcocapitalistas deixa antever que esses pensadores acreditam
piamente que o sistema publicista é que impõem a miséria a uma parcela da população e
reforça a posição dos ricos – em nome de uma redistribuição capenga, de uma suposta
filantropia governamental, uns poucos se aliam ao Estado e lucram muito. Aos demais resta
lutar contra o sistema para conseguir alguma coisa ou amargar uma desventura alienada.
Fique espert@!

7.4 GEORGES SOREL

Aquela que foi considerada a filósofa mais


importante do Brasil pela Revista Cult, Marilena
Chaui, em evento de lançamento do livro do
sociólogo Emir Sader, “10 anos de governos pós-
neoliberais no Brasil: Lula e Dilma”, no Centro
Cultural São Paulo, destilou seu ódio e encheu a
boca para dizer: “eu ODEIO a classe média. A
classe média é o atraso de vida. A classe média é
estupidez... é o que tem de reacionário,
conservador, ignorante, petulante, arrogante,
terrorista... é uma coisa fora do comum a classe
média [...]. A classe média é uma abominação
política porque ela é fascista; ela é uma abominação ética porque ela é violenta e ela é uma
abominação cognitiva porque ela é ignorante”. E veio a chuva de aplausos da plateia83.
Essa é uma ideia nova? De jeito nenhum. Georges Sorel já afirmava isso no início do século
XX, a ponto de, um pensador historicamente alinhado à esquerda e “defensor” dos
trabalhadores, admitir coligar-se às elites monárquicas para destruir a classe média.

83
Se você, mais uma vez, não acredita em mim, mais uma vez, CONFIRA em vídeo.

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Georges Sorel (1847-1922) nasceu na França e estudou engenharia, tendo


trabalhado nessa área até os 45 anos, quando pediu demissão do emprego
para dedicar-se ao estudo das teorias sociais por conta própria
(autodidata) – percebeu que área de exatas é muito chata rsrsrs. Aliou-se
à linha revisionista do marxismo e ganhou seguidores da esquerda racional
francesa. Mais tarde, desiludido, voltou-se à extrema direita, acreditando
que uma aliança entre trabalhadores e aristocracia poderia derrubar a
classe média. No fim da vida ainda ficou indeciso entre os bolcheviques e
os fascistas (o homem era uma metamorfose ambulante).

Ligado ao movimento sindical e considerado socialista, refutava o marxismo ortodoxo, que


teria em sua origem a semente do governo da classe média – em vista do entendimento
científico de que a economia determina a sociedade e o comprometimento com a política
parlamentar.
Sua implicância com classe média se devia ao fato de que ela dominaria o sistema
parlamentar, que, surgido no seio das revoluções, ofereceria meios para que pequenos
burgueses medíocres se impusessem sobre o restante da sociedade.
E qual era o meio de dar um jeito nisso? VIOLÊNCIA! A classe trabalhadora deveria
acreditar em mitos políticos e colocá-los em prática por meio da violência. Os franceses,
historicamente, são bons nisso!

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O que é um mito político? É um “conjunto de imagens capazes de evocar em


bloco e somente pela intuição, antes de qualquer análise refletida, a massa dos
sentimentos”. Resumindo: são noções irrefletidas.

A violência heroica é eticamente necessária para estabelecer a nova ordem no mundo.

Sorel, não sem razão, é um autor controverso. Suas ideias influenciaram tanto os fascistas
(Giovanni Gentile e Benito Mussolini) quanto os comunistas (como Antonio Gramsci) e
mesmo anarcossindicalistas (a exemplo de Walter Benjamin).

Quem seguiu à risca essas ideias foi Mao Tsé-Tung. Em 1956 ele
afirmou: “é apenas através de discussão, crítica e raciocínio que nós
podemos promover a correção das ideias, superando as ruins e
realmente fixar nossos objetivos” (parecia John Stuart Mill). Deu-se
início à Campanha das Cem Flores – “que flores de todos os tipos
desabrochem, que diversas escolas de pensamento se enfrentem”.
O Partido Comunista Chinês, destarte, incentivou a expressão das
mais variadas escolas de pensamento (inclusive anticomunistas). O
que aconteceu? Os ingênuos criticaram pesado e foram logo
taxados de “direitistas burgueses”. Identificados, foram expurgados
sem dó nem piedade. A revolução não poderia correr riscos e a
violência era o meio de assegurá-la. Maquiavel adoraria a tática.

O sociólogo José Ortega Y Gasset, em “A rebelião das massas”, (1930) observou que o
levante das massas é acompanhado de um declínio dos intelectuais, com o triunfo do
pseudointelectual, uma nova força na história (sem senso, nem direção). Como essa nova
classe “pensante” não tem uma noção apurada de tradição, de propósito ou de
moralidade, a sociedade que é por ela conduzida fica sem um código moral. Tudo se
justifica. Inclusive a violência (física e verbal).

7.5 MAX WEBER

O que é o Estado? Ao estudarmos Teoria Geral do Estado nos deparamos com essa questão
intrigante. E nos atentamos para o quão difícil é respondê-la. Max Weber, entre outras
preocupações, procurou solucionar a charada secular: o Estado é uma comunidade humana
que reivindica o monopólio legítimo do uso da força em um território.

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Essa noção pressupõe a dominação, que conjuga a legitimidade com o poder – os


governantes são considerados legítimos e seu poder se impõe, normalmente pela
concordância voluntária dos cidadãos.

Poder é a probabilidade de se impor a vontade em uma relação social, mesmo


contra resistências. Dominação é a probabilidade de se encontrar obediência a
uma certa ordem dentro de um grupo. Legitimidade é a justificativa para a
obediência à dominação imposta pelo poder político84.

PODER LEGITIMIDADE DOMINAÇÃO

Toda a teoria política de Weber, portanto, se liga aos conceitos de força (poder),
legitimidade e dominação. Em um dos esquemas mais famosos (e cobrados em provas) ele
identifica a existência de três tipos ideais de dominação (poder + legitimidade).

Tipos de DOMINAÇÃO:

a) carismática: o líder, por meio de suas qualidades carismáticas, reivindica a


legitimidade, recebendo devoção pessoal de seus seguidores (ex: demagogos e heróis).

b) tradicional: certos costumes são institucionalizados como práticas e reproduzem um


padrão estável de dominação ao longo do tempo (ex: patriarca e monarca).

c) racional (ou legal-burocrática) tem como base regras impessoais e princípios


universais que são encontrados por meio de um raciocínio jurídico adequado – a
dominação acontece com base nos direitos e com limites definidos (ex: primeiro-

84
WEBER, Max. Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro: Guanabara, 1981

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ministro no parlamentarismo).

Esses modelos, claro, interligam-se, sendo incomum que se encontre um sistema puro.
Exemplo: é possível, e até mesmo corriqueiro, que o líder escolhido pelo meio racional
(eleições) consiga inspirar dominação carismática (herói em guerras militares, políticas,
sociais).

Max Weber (1864-1920) nasceu na Alemanha e estudou direito em


Heidelberg. Desde cedo demonstrou engajamento político e se
voltou aos estudos de questões sociais. Sua vida consolidada de
professor teve um colapso em 1897, quando seu pai faleceu (com
quem sempre teve uma relação tempestuosa). Passou a sofrer de
depressão aguda e chegou a ficar internado em sanatórios.
Transitou entre universidades, sem se fixar em nenhuma (nunca
mais obteve um posto permanece). Suas obras foram escritas entre
crises de insônia e surtos depressivos.

Os problemas pessoais e de saúde não impediram Weber de escrever um dos livros mais
influentes do século XX, “A ética protestante e o espírito do capitalismo” (1905), por alguns
(especialmente sociólogos) considerada a obra mais importante do século. Nela Weber
discorda de Marx, negando que a infraestrutura econômica seja o fator determinante da
organização social (se não lembra do que estamos falando, vide específico sobre MARX).
Após estudar os modelos capitalistas europeus e norte americano, comparando-os com os
modelos orientais (onde o capitalismo ainda não se fazia presente), Weber chegou à
conclusão de que a ética religiosa protestante (vocação para o trabalho, aceitação do lucro,
hábito de economizar, assunção de responsabilidades individuais) havia pavimentado o
caminho para o capitalismo – os valores culturais é que determinam o modelo econômico,
e não o inverso. O que Marx apresentou como causa é, na verdade, EFEITO.

MODELOS DE GESTÃO

Max Weber sistematizou os modelos pelos quais o Estado administra a máquina pública,
esboçando três sistemas: patrimonialista, burocrático e gerencial.
No modelo PATRIMONIALISTA há confusão entre o patrimônio público e o patrimônio
particular do governante, o que leva o aparelho administrativo do Estado a ser percebido
como uma extensão do poder do agente político.

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O modelo BUROCRÁTICO, por sua vez, é caracterizado pela administração com caráter
“racional”, pela formalização de regras por escrito, pela definição de funções específicas
para cada pessoa (profissionalização), com visão piramidal e hierárquica. A marca aqui é a
impessoalidade – seleção com base na qualificação técnica e no mérito. Como se pode
antever, há separação entre a propriedade e a administração e previsibilidade do
comportamento funcional.
O problema é que o modelo burocrático pode apresentar
dificuldades com relação à eficiência – os procedimentos, que
trazem muitas vantagens, têm como efeito colateral certo
engessamento da máquina pública.
O próprio Weber anteviu que eventuais problemas na
racionalização não são estruturais, mas de gestão e
competência: uma burocracia muito rígida faz com que,
paradoxalmente, a eficiência caía, em vez de aumentar. É
preciso gerenciamento.
Mais recentemente surge, então, o modelo GERENCIAL, que abranda o rigor excessivo da
burocracia, mediante gestão profissional, com a fragmentação das unidades
administrativas, a adoção de modelos de gestão empresarial (competição e padrões de
performance), voltando o foco aos resultados, por meio do uso eficiente dos meios
existentes.

No Estado monárquico antigo, sem dúvidas, o


modelo era o patrimonialista. Com a ascensão da
república, especialmente democrática, ocorre a
passagem para o sistema burocrático (ao menos
do ponto de vista formal). O desafio do Estado
hoje é implementar o modelo gerencial. É claro
que, mais uma vez, esses modelos não costumam
ser puros. Por exemplo: ainda há franco
patrimonialismo no loteamento dos cargos
públicos não providos por concurso (cargos em
comissão) e nas indicações políticas (como aos
Tribunais de Segundo Grau e Superiores).

7.6 GIUSEPPE MAZZINI

Quantas e quantas vezes ouvimos o termo “Fascismo” como um rótulo pregado em ideias
liberais (geralmente aos berros, com dedo em riste e eventual cusparada...). Nada poderia

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ser mais impreciso. O Fascismo finca firme suas raízes no nacionalismo coletivista,
justamente como repulsa ao individualismo.

“NÃO diga EU, diga NÓS”

O pensador político e ativista Giuseppe Mazzini, em sua obra “Deveres do homem” (1860)
foi um dos primeiros a propalar como teoria política a ideia de que os deveres para com o
Estado estão acima dos interesses individuais do homem.

Como antecedente histórico é possível citar Johann Gottfried Herder,


precursor do nacionalismo exacerbado. Em sua obra já estava presente
a noção de que cada nacionalidade abrange uma essência de felicidade
em si mesma. Segundo seu pensamento, a cultura forma um espírito
nacional (volksgeist), pelo qual as pessoas são moldadas e, por isso,
dependem da comunidade nacional para serem felizes. Essa ideia foi
aproveitada tanto pelo Fascismo como pelo Nazismo.

Mazzini culpava as revoluções liberais (e a busca dos direitos individuais, em especial a


liberdade) pelas mazelas do século XIX. Ele reclamava que o avanço da liberdade, a
expansão geral do comércio e, por consequência, da riqueza, não havia importado na
melhoria das condições dos trabalhadores: a liberdade é “uma ilusão e amarga ironia” para
as massas.
O remédio, para ele, era reconhecer que os deveres vêm antes dos direitos – há um dever
mais elevado do homem para com a humanidade, o que coloca a busca de direitos em
segundo plano. Esses deveres se ligam à humanidade, ao país, ao Estado. O país serviria
como uma “oficina” por meio da qual os indivíduos poderiam servir à humanidade. O
Estado é o gestor dessa relação.

Ao trabalharmos por nosso país e pelo princípio correto, trabalhamos para a humanidade

É essa visão coletiva que levaria o povo à prosperidade. O país é muito mais do que um
grupo de indivíduos reunidos em um território, é uma associação de pessoas ligadas por
uma irmandade.

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Giuseppe Mazzini (1805-1872) nasceu em Gênova, na Itália. Filho de


médico, por volta dos vinte anos envolveu-se com a política do
submundo. Aos 26 foi preso e exilado. Fundou uma organização
política responsável por agitações e levantes em busca da unificação
da Itália (na época, o atual território italiano estava fragmentado em
oito Estados, alguns deles controlados pela Áustria). Retornou para o
país em 1948 para liderar uma república em Roma. Acabou exilado
mais uma vez. Morreu em Pisa, dois anos depois da unificação ser
concluída com Tomada de Roma (1870).

7.7 GIOVANNI GENTILE

Ao final da 1ª Guerra Mundial, em 1918, a Itália se encontrava em franca agitação social e


política – enquanto o desemprego crescia, a economia encolhia. A política tradicional
parecia incapaz de oferecer respostas. Foi nesse terreno “adubado” que germinaram as
sementes do Fascismo.

O Partido Nacional Fascista, sob a liderança de Benito Mussolini e a


orientação teórica de Giovanni Gentile, prometia uma nação forte, unida sob
uma bandeira (bem-comum) e que seria conduzida a um futuro glorioso.
Anestesiada pelo momento de forte crise, a população comprou a ideia.

“Todo avanço do Estado se realiza em tempos de miséria pública; necessidade


de proteção do indivíduo, de defesa para a comunidade. Em suma, as forças de
expansão do Estado estão sempre em atividade. [...] Em certos momentos ela se
abate e o Estado dá um grande passo, e não se pode mais em seguida fazê-lo
recuar, pois toda função uma vez exercida pelo estado se junta a seu repertório
mágico”85.

85
FÉDER. Idem, p. 156.

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Seguindo pela linha coletivista e nacionalista esboçada por Giuseppe Mazzini, Gentile
rejeitava o individualismo e defendia que o coletivismo era a resposta tanto para o
propósito do povo quanto para a vitalidade e coesão do Estado – os indivíduos e as
gerações são unidos por uma vontade maior (mais elevada), a vontade da nação: é
necessário MOLDAR todas as vontades individuais em uma só!

Giovanni Gentile (1875-1944), filósofo, político e educador italiano, foi a


mente por trás do Fascismo. Muitos afirmam que a obra “A Doutrina do
Fascismo” (1932), atribuída a Benito Mussolini, na verdade, foi escrita por
Gentile. Ministro da Educação do regime fascista, recebeu a incumbência
de organizar a política educacional e cultural para uma nova sociedade.
Permaneceu fiel a Mussolini até o final. Acabou assassinado por membros
da resistência antifascista.

Entre as medidas para moldar as vontades, Gentile incluía reescrever a história. Entre 1929
e 1936 ele atuou como editor chefe da Enciclopédia Italiana, um esforço homérico para
recontar a história da nação ao gosto fascista. E olha que a tática pegou. Eric Hobsbawm,
considerado o maior historiador moderno (autor dos best sellers “A Era das Revoluções”, “A
Era do Capital” e “A Era dos Impérios”) é conhecido como criador da história social, uma
interpretação dos fatos históricos ao gosto socialista.
Mais uma vez, sou obrigado a citar, oportunamente, o genial romance de George Orwell,
1984: se todos os registros contam o mesmo conto, então a mentira passa a ser a história e
se torna verdade. “Quem controla o passado”, diz o slogan do partido, “controla o futuro:

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quem controla o presente controla o passado”. O passado, ele refletia, não foi meramente
alterado, ele foi, na verdade, destruído. A história toda é um palimpsesto 86, raspada e
reescrita tantas vezes quantas se mostrou necessário. E uma vez procedida à adulteração,
não é mais possível provar que qualquer uma tenha sido feita. Pode ser muito bem que
literalmente cada palavra nos livros de história, mesmo aquilo que é aceito sem
questionamento, seja pura fantasia. Tudo desapareceu em meio à névoa. O passado foi
apagado, o apagamento foi esquecido, a mentira se tornou verdade87.

O modelo de Estado fascista pensado por Gentile aliava-se à ideia de conformação das
vontades individuais e de prevalência total do público sobre o privado, do coletivo sobre o
individual. Todas as instituições da sociedade civil que atuavam ao largo da organização
estatal deveriam ser reprimidas; todos os valores humanos (legais, morais, éticos,
espirituais), todas as esferas da vida do cidadão (econômica, social, cultural, religiosa)
deveriam atuar sob subordinação do Estado.

Só se admitem ações individuais que preservem ou ampliem os horizontes do Estado.

86
Palimpsesto (do grego antigo palímpsêstos = “aquilo que se raspa para escrever de novo”) designa um pergaminho
ou papiro cujo texto foi eliminado para permitir a reutilização. Tal prática foi adotada na Idade Média, sobretudo entre
os séculos VII e XII, devido ao elevado custo do pergaminho. A eliminação do texto era feita através de lavagem ou,
mais tarde, de raspagem com pedra-pomes. A reutilização do suporte de escrita conduziu à perda de inúmeros textos
antigos – desde normas jurídicas em desuso até obras de pensadores gregos pré-cristãos. A recuperação dos textos
eliminados tem sido possível em muitos casos, através do recurso a tecnologias modernas (Fonte: Wikipédia).
87
“If all records told the same tale—then the lie passed into history and became truth. ‘Who controls the past,’ ran the
Party slogan, ‘controls the future: who controls the present controls the past.’” (p. 27) “The past, he reflected, had not
merely been altered, it had been actually destroyed.” (p. 28) “All history was a palimpsest, scraped clean and
reinscribed exactly as often as was necessary. In no case would it have been possible, once the deed was done, to
prove that any falsification had taken place.” (p. 31) “It might very well be that literally every word in the history books,
even the things that one accepted without question, was pure fantasy. […] Everything faded into mist. The past was
erased, the erasure was forgotten, the lie became truth.” (p. 58) (Orwell, George. 1984. Houghton Mifflin Harcourt.
Edição do Kindle) (Tradução própria... e não reclame, dando para entender é a conta...)

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A vontade da
nação
prevalece
sobre a do
indivíduo
O Estado
Fascista
abarca a
Nada pode
TUDO
estar fora do
âmbito do
Estado

O Fascismo se AFASTA do: (a) comunismo: embora compartilhem as ideias coletivistas, os


fascistas não admitem a luta de classes (o povo deve estar unificado); (b) sistema
democrático: o sufrágio é ideia que submete o governo à vontade da maioria, o que é
inadmissível (o que deve prevalecer é a vontade da nação, uma espécie político-prática da
enigmática vontade geral proposta por Rousseau); (c) liberalismo: a liberdade individual
deve ser exercida consoante os objetivos da nação e as instituições devem todas se voltar
ao Estado (a livre iniciativa não existe).

Como se pode notar, as ideias fascistas de coletivização e busca estatal do bem-comum se


aproximam muito das que são defendidas hoje por aqueles que, ao menor sinal de
oposição, rotulam os argumentos alheios de fascistas, em uma ironia que não pode ser
considerada uma inteira surpresa (pois prevista)...

7.8 ANTONIO GRAMSCI

Qualquer governo, por mais poderoso que seja, não consegue se sustentar apenas pela
força: a noção de legitimidade e o consentimento popular são fundamentais. A visão
mecanicista de Estado como a força a serviço da classe dominante (tão ressaltada por
Engels) é estreita e deixa de perceber elementos fundamentais da disputa pelo poder.
Assentando essa percepção apurada como premissa, Gramsci revisou radicalmente o
pensamento marxista, preparando-o para os desafios da modernidade no Ocidente.

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Antonio Gramsci (1891-1937), fundador e líder do Partido Comunista


italiano, foi preso pelo regime fascista de Mussolini em 1926. Em seu
julgamento, o acusador foi enfático: “temos de impedir que esse
cérebro funcione por pelo menos vinte anos”. E foi o que fizeram:
condenaram-no a vinte anos de reclusão. Sem ter muito o que fazer
na cadeia, Gramsci escreveu mais de três mil páginas de anotações,
que se tornariam a obra “Cadernos do Cárcere” (publicada pela
primeira vez em 1950). Após onze anos de encarceramento, com a
saúde deteriorada, sem os dentes e vomitando sangue, um dos
homens mais influentes dos tempos modernos pereceu, aos 56 anos.

Com uma leitura da realidade de perspicácia acima da média, Gramsci notou que uma coisa
era fazer revolução socialista no Império Russo do início do século XX, cujos cidadãos
(russos, bielo-russos, ucranianos, polacos e germânicos) sequer formavam uma unidade
(60% não falavam russo), outra coisa era implementar um sistema coletivista em uma
sociedade como a inglesa, a italiana, a francesa, em que a individualidade era acentuada
(arraigada por séculos) e os princípios legados pela civilização judaico-cristã haviam deixado
marcas profundas.
Nesses países, a luta de classes NÃO podia ser travada apenas no campo político (muito
menos militar), mas também (e principalmente) no campo social, cultural, educacional.
Daí a necessidade de se criar intelectuais orgânicos, pessoas que não só pensassem como
também participassem da construção e da formação dos significados culturais e
informacionais da população (escritores, juristas, professores, jornalistas, religiosos,
artistas...). Ou seja: o esquema era conseguir fazer com que pessoas influentes
espalhassem as ideias socialistas, de maneira que fossem adotadas pelas massas e
(re)disseminas sem resistência.

Quem faz a revolução são os intelectuais: deixem os quartéis em paz e tomem as escolas,
as universidades, as igrejas, os teatros, a imprensa...

Toninho (como podemos chamá-lo carinhosamente) foi prodígio em entender que o Estado
(como poder público) NÃO pode ser reduzido ao governo se quisermos avaliar e influenciar
seus desdobramentos. Há pelo menos duas esferas: a sociedade política e a sociedade civil
(Estado ampliado).

SOCIEDADE POLÍTICA SOCIEDADE CIVIL

Instituições públicas oficiais de Instituições normalmente privadas (ou públicas


controle social, como a polícia, as sem natureza tradicional de controle social), como

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forças armadas, o sistema jurídico... a família, as escolas, a imprensa, os sindicatos...

Anos depois, o pensador francês Michel Foucault (1926-1984)


ainda perdia a paciência com a filosofia política dominante,
que insistia em basear suas noções em uma autoridade
formal. Ele chamava a atenção para o fato de o poder estar
difundido em “microlugares”. O Estado é uma simples
expressão das estruturas e da configuração do poder na
sociedade, não uma entidade centralizada que exerce
dominação. Seu conceito de governalidade envolve a arte de
manejar um leque de técnicas de controle e disciplina em
contextos diversos (família, instituições de ensino, trabalho).

Enquanto o Fascismo queria destruir a sociedade civil (as instituições fora do


Estado-governo), a ideia de Gramsci era utilizá-la para alterar a cultura da
população e tornar hegemônico o pensamento socializante.

A chave do neomarxismo está, portanto, em tentar quebrar


com o determinismo econômico tradicional no marxismo
clássico (concepção derivada da própria obra de Karl Marx) por
meio da tomada das instituições da sociedade civil, que atua,
por vezes, como mediadora entre o governo e os fatores
econômicos, por vezes se misturando com a esfera
governamental (exemplo: educação pública), de maneira que a
divisão é puramente conceitual – ambas as esferas regem a
realidade.

O Estado governa com base na força + consentimento. A sociedade política é o


reino da força e a sociedade civil é o reino do consentimento.

Se você ainda não está entendo completamente onde está o ponto de atrito entre as
teorias de Marx e Gramsci, esclareço. Algumas (para não dizer todas rsrsrs) as previsões de

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Marx não se cumpriram. A primeira delas é que as desigualdades do sistema capitalista


observadas em meados do século XIX NÃO se mostraram como fértil terreno para a
revolução (suficientes a incitar o proletariado a buscar tomar o poder). Ao contrário, com o
tempo, as condições da classe trabalhadora nos países industrializados (Europa Ocidental)
melhoraram sensivelmente, levando o capitalismo a se consolidar como sistema econômico
e social prevalente.

Eduard Bernstein (1850-1932) já havia percebido que Marx


errara ao afirmar que o capitalismo reduziria o proletariado
à pobreza e encetaria a marcha revolucionária. Muito pelo
contrário, a economia de mercado vinha se mostrando
relativamente estável e segura. De forma gradativa, a
riqueza dos trabalhadores aumentava. Como consequência
previsível, a classe operária, cada vez mais, aceitava o
capitalismo de bom grado. Cabia aos socialistas se adequar
(aceitar o mundo como é) e atuar por meio de reformas
graduais, que levariam, passo a passo, ao socialismo.

Mais do que sugerir um socialismo reformista (gradual), Gramsci propôs a mudança radical
do foco da batalha, saindo do campo dos fatores político-econômicos para invadir o campo
da dominação ideológica. Ele aperfeiçoou a dialética marxista ao conceber que o poder da
classe dominante não reside apenas no controle dos aparatos políticos, econômicos e
repressivos. Se fosse, seria mais fácil modificar a ordem das coisas, pois a força pura e
simples sempre pode ser desafiada.
Esse gênio (do mal? kkkk) ressaltou que o principal aspecto de consolidação do poder é a
hegemonia cultural, exercida por intermédio, principalmente, do controle do sistema
educacional, das instituições religiosas e dos meios de comunicação, o que atua de forma
“silenciosa” (sem gerar alardes, inibindo a potencialidade de oposição) e duradoura
(impõe-se às gerações do futuro, reduzindo as chances de reversibilidade).
Como se fazer esse controle? Infiltrando intelectuais orgânicos (comprometidos com o
socialismo) nesses espaços. Esse é o modo de implodir o sistema capitalista de dentro para
fora, derruindo-o por suas próprias instituições. Impressionante, não?

Segundo Karl Marx a infraestrutura econômica (base da pirâmide) determina a moral, a


religião, a família, o direito... É na base que ocorreria a luta de classes (nas relações

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econômicas) e o proletariado se revoltaria, substituindo o modelo econômico capitalista


pelo comunista. Como consequência, as relações da superestrutura também seriam
alteradas (cairia a moral burguesa, a arte burguesa, os direitos burgueses).
Antonio Gramsci vira as coisas, literalmente, de ponta cabeça. Na sua visão, é a moral, a
família, a arte, a religião, a ciência burguesa que sustentam o modelo social e econômico
capitalista. Portanto, as relações econômicas jamais se alterarão antes que a hegemonia
cultural seja alterada88. O conflito deve ser provocado entre os agentes culturais (a cultura
judaico-cristã deve ser minada, com infiltração de intelectuais orgânicos marxistas nesses
espaços), o que, isso sim, derrubará o modelo de produção capitalista. Essa é a ideia de
marxismo cultural.

SUPERESTRUTURA
Cultura Economia

INFRAESTRUTURA
Economia CULTURA

Agora você entendeu o porquê da Revolução Cultural promovida por Mao Tsé-Tung?
No Brasil, em que pese a ditadura militar (1964-1985) tenha sido posicionada sempre à
direita (mesmo que sua política econômica e social tenha traços claros de intervenção e
coletivismo), com a abertura, em meados da década de 1980, o cenário político
imediatamente se mostrou fortemente alinhado à esquerda. Como explicar isso? Simples:
GRAMSCI.
Já a partir da década de 1960, com ou sem repressão, as universidades vinham sendo
tomadas por pensadores de inspiração marxista, o mesmo ocorrendo com as escolas, a
mídia (escrita e falada), o mundo cultural em geral (cinema, televisão, teatro, dança, artes

88
Nas palavras de Millôr Fernandes: “o comunismo é como um alfaiate que quando o terno não serve faz alterações no
cliente”

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plásticas...) e até mesmo as igrejas (a Pastoral da Terra é apenas um exemplo). Hoje, ao que
parece, o autor italiano estaria satisfeito com o cenário ideológico brasileiro.

7.9 FRIEDRICH HAYEK

Kodak. Você já deve ter ouvido falar


dessa marca. Se não, é porque é
muito nov@. Fundada em 1888, a
Kodak se transformou em uma das
empresas mais valiosas do mundo no
século XX, produzindo filmes para
máquinas fotográficas (garanto que
você nem sabe o que é isso... revelar
fotografias kkkk). Pois bem. A Kodak
demorou a fazer a transição para a
era digital, lendo o mercado e acreditando que, por alguns anos, ainda se manteria em uma
posição relevante. O resultado? Em 2013 ela pediu falência!!!
É assim que as coisas funcionam no mercado... são tantas informações, tantas variáveis... a
luta pelo market share leva a inovações constantes... quem está hoje lá em cima amanhã
pode estar lá embaixo – eu lembro que o Orkut dominava as paradas de sucesso; de
repente, veio o Facebook e varreu os depoimentos (lembra deles?) do mapa; agora o
Facebook é que está ficando para trás.... está todo mundo usando o Instagram.
Por que eu estou falando sobre tudo isso? Para introduzir a crítica matadora de Friedrich
Hayek ao Estado gestor da economia, aquele que atua como se fosse um grande
empresário (o maior de todos), incentivando aqui, alocando recursos ali, fomentando acolá
e fazendo com que todos paguemos pela sua administração. Está entendendo?

Friedrich Hayek (1899-1992), economista austríaco, foi aceito na


universidade de Viena quando esta era uma das três melhores do
mundo. Na juventude, espantado com a pobreza do pós-guerra,
tendeu a uma solução socialista. Só que em seu caminho estava o
livro “Socialismo”, de Ludwig von Mises, uma crítica devastadora
ao planejamento central da economia. Foi o que bastou. Em
1931, como professor de economia em Londres, Hayek já
lecionava a teoria de Mises sobre os ciclos econômicos. Depois,
veio a integrar a Escola de Chicago (junto com Milton Friedman),
defendendo com unhas e dentes o livre mercado.

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Ora, se os donos da Kodak, que tinham tudo a perder e sabiam tudo sobre o seu nicho de
negócios, não conseguiram ler bem as intrincadas informações disponíveis (erraram) e
foram à falência, como podemos acreditar que um bando de burocratas (o Estado) possa
conhecer todos os ramos e dirigir, de cima, a economia INTEIRA com sucesso? Isso é
IMPOSSÍVEL.
Hayek torna pública a constatação óbvia (não é de hoje que precisamos falar o óbvio e ele
ainda soa estranho) de que o planejamento central estava fadado ao fracasso porque os
planejadores (supostos magos da administração e da economia) jamais têm acesso a todas
as informações necessárias para acompanhar as mudanças sociais, de mercado, das
necessidades dos indivíduos. Seria um delírio imaginar que esses administradores possuem
consciência de tudo (onisciência divina) e capacidade de atender a tantas necessidades
individuais distintas e mesmo contraditórias.
Quem já jogou SimCity sabe do que estamos falando: as usinas pegam fogo, as estradas
ficam esburacadas, o dinheiro acaba, sobra aqui, falta lá... esse negócio de administrar uma
cidade inteira com economia planificada é para lá de complicado... imagina só um país
inteiro. Mas talvez seja isso mesmo, há algo de mágico, um desejo humano irrefreável de
poder, de dirigir os demais, de marcar o nome na História como grande líder... ou talvez
seja mais simples... e a ideia seja lucrar, mantendo os benefícios concentrados em uma
elite privilegiada, enquanto o povo trabalha amarrado a um sistema espoliador. O que você
acha?

A ideia de planejamento central da economia, na leitura hayekiana, é um contrassenso


prático: a economia é a soma da demanda com a oferta. As necessidades individuais
(demandas) dão estímulo (incentivos) para que os empresários façam ofertas públicas de
bens e serviços em quantidade e nos locais certos. Imaginar um ente externo ingressando
nessas esferas é ilógico: ou estará criando necessidades (demandas) que não são suas ou
ofertando bens e serviços de maneira aleatória (não tem informação e agilidade suficientes
para confirmá-los).

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A História nos oferece exemplos hilários de como o planejamento central pode dar
muitooo errado – e todos os cidadãos pagam a conta, não apenas o empresário
malsucedido (o que aconteceria no modelo de economia de livre-mercado).
Na década de 1960, o primeiro-ministro de Gana, Kwame Nkrumah (um dos queridinhos do
Pan-Africanismo), colocando adiante seus planos de modernizar e industrializar o país,
determinou a construção de uma fábrica de mangas enlatadas (a maior do mundo), com
capacidade para processar 7 mil toneladas por ano. Só que, quando a fábrica estava pronta,
os gênios do governo perceberam que não havia mangueiras na região. Foi preciso plantá-
las e esperar quase uma década para colher o primeiro fruto auahuhauuhaahua (é de
chorar de rir). E não terminou por aí! Quando a produção começou, notaram que a
demanda MUNDIAL do produto era menor do que a produção da fábrica, sem contar os
concorrentes. Falam as más línguas que os ganeses estão comendo manga enlatada em
três refeições diárias (mentira, com governos desse tipo, os pobres coitados nem tem o que
comer).
E antes fosse uma questão apenas financeira (e tivéssemos de suportar a pobreza gerada
pelo fracasso estatal em gerir sua colossal empresa pública)... a interferência do Estado na
economia tem efeitos muito mais profundos – há uma razão lógica para uma das obras de
Hayek ser intitulada “O CAMINHO PARA A SERVIDÃO” (1944).

“O controle econômico NÃO é meramente o controle de uma parte da vida que pode ser
separada do restante; é o controle dos meios para TODOS os nossos fins”

A brecha entre a economia planejada e o livre mercado não é somente uma questão
econômica, mas um aspecto fundamental de liberdade política. A concessão do
planejamento central da economia carrega consigo o poder de administrar as vontades, de
ditar as necessidades – um plano econômico amplo, passo a passo, avança sobre as
escolhas individuais, sufocando-as. No final dessa alameda encontra-se o TOTALITARISMO.

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Os indivíduos têm necessidades NÃO há como criar uma


individuais inconciliáveis necessidade social coletiva

O planejamento central da
Os livres mercados atendem às
economia ignora as necessidades
necessidades dos indivíduos...
individuais...

... sem sacrificar a liberdade dos


... e envolve, necessariamente,
demais em atender às suas próprias
coerção e restrição das liberdades
necessidades

Os mercados devem operar A interferência estatal na economia


livremente, sem interferência estatal leva a Estados TOTALITÁRIOS

Nas palavras de Gerald Ford (38º Presidente americano): “um governo grande o suficiente
para lhe dar tudo o que você quer é forte o bastante para tirar tudo o que você tem”.

Em 1975, a recém-eleita líder do Partido Conservador inglês (que


seria primeira-ministra britânica entre 1979 e 1990), Margaret
Thatcher, jogou um livro sobre a mesa durante uma reunião com
correligionários e disse: “é nisso que acreditamos”. O livro era “The
Constitution of Liberty”, obra de Hayek publicada em 1960. Em
uma época dominada pela política bonitinha do welfare-state,
Thatcher implementou um modelo liberal, o que lhe rendeu a
alcunha de “Dama de Ferro”.

Hayek ainda observa que há uma tensão ética e prática entre a centralização da economia
e o sistema democrático: os planos econômicos estatais, mesmo quando pretensamente
voltados a beneficiar a todos, possuem tantas questões políticas-chave, as quais precisam
ser delegadas a tecnocratas não eleitos, que, em última instância, o programa é
antidemocrático. E mesmo que assim não fosse, ninguém é qualificado para exercer o
poder ilimitado (absoluto), nem mesmo o povo.
“Entendi, Jean, mas qual o papel do Estado, então?” Na visão de Hayek, cumpre ao governo
a manutenção do Estado de Direito, com o mínimo de interferência possível na vida das
pessoas. O Estado deve ser uma associação civil que oferece uma área segura, dentro da
qual cada indivíduo pode desenvolver seus próprios projetos.
E onde fica a igualdade? Como combater a pobreza? A igualdade deve ser perante a lei,
não forçada pela lei. A pobreza e a riqueza são situações da vida que envolvem os
indivíduos e suas escolhas e ações. De toda forma, o livre mercado concede incentivos para

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que todos busquem ser o melhor possível e alcancem benefícios que lhes permitirão ter
uma boa vida. A liberdade enriquece a nação como um todo. Parece pouco? O Estado deve
intervir para forçar a igualdade? Essa ideia não ficará sem consequências... “uma
reivindicação por igualdade material só pode ser satisfeita por um governo com poderes
totalitários”.

Aposto que você nunca tinha ouvido falar sobre Hayek ou, se é que ouviu, pouco sabia
sobre ele. Pois é... não é de se surpreender... o Brasil é reduto gramscista e a teoria
austríaca não encontra muita simpatia nessas terras tupiniquins...

Por vários anos, os avisos contra a farra com o dinheiro público foram complemente
desprezados (e em parte ainda o são, por diversas questões, inclusive o interesse de
políticos e de megaempresários, que lucram muito com governos agigantados). Vários
Estados caíram no canto da sereia da teoria de John Maynard Keynes89 (criticada
severamente pelo austríaco) e realizaram gastos públicos massivos. O resultado veio, a
galope, na forma de déficits nos orçamentos e crise econômica generalizada90.

89
O economista britânico John Maynard Keynes defende que o modo de se lidar com as crises econômicas é a
intervenção governamental em larga escala, especialmente mediante gastos públicos.
90
Quer rir um pouco? E aprender ao mesmo tempo? Boa! Confira a paródia “Luta do século - Keynes x Hayek”:
https://goo.gl/CgCMpb. Gostou? Tem o “Segundo Round”: https://goo.gl/61T6jx.

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No início da década de 1970, alguns governantes, desesperados com a situação crítica (em
meio à crise do petróleo), voltaram seus olhos à obra liberal da escola austríaca. A
recuperação econômica dessas nações chamou a atenção da academia dorminhoca. Em
1974 veio o reconhecimento: Hayek recebeu o Prêmio Nobel – ainda assim, continua a ser
praticamente ignorado no Brasil, até mesmo nos cursos de Economia... Por que será?

7.10 GEORG JELLINEK

Olhe à sua volta. Prédios. Casas. Pessoas caminhando para lá e para cá. Todos subordinados
às leis. Agora ligue a TV. Notícias. O STF disse isso. O Presidente disse aquilo. O Congresso
Nacional votou não sei o que. A estrutura estatal nos cerca, nos regula, nos limita. Que
loucura, não? Mesmo após termos vistos tantas ideias (de anarquistas a socialistas, de
liberais a fascistas)... do nada de Estado ao tudo de Estado... ainda fica aquela sensação da
dúvida. Por que submetemos nossa vontade ao império e ao poder do Estado? Por que, e
em que medida, devemos nos sacrificar pela instituição estatal? Você se sente
incomodado? Essas as questões aporrinhavam tanto Jellinek, que ele precisou sentar e
tentar respondê-las – não conseguia mais sequer dormir...

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Georg Jellinek (1851-1911) nasceu em Leipzig, no Império Alemão, filho


de um famoso pregador religioso. Estou em Viena e se tornou professor
nas Universidades da Basileia e de Heidelberg (foi o primeiro reitor
judeu desta instituição), dedicando-se em especial à Teoria Geral do
Estado. Lecionou para uma grande leva de juristas que obteriam fama
internacional, entre eles Hans Kelsen. A origem judia faria com que um
dos seis filhos de Jellinek morresse nas mãos da Gestapo (polícia
secreta nazista) e uma filha fosse enviada para um campo de
concentração (Theresienstadt).

Ao tentar dar solução aos problemas que se colocavam diante de si, Jellinek sistematizou as
justificativas historicamente apresentadas para a existência do Estado: (a) teológica =
conforme o evangelho de São Lucas, Deus concedeu à Cristandade duas espadas para o
combate do mal: a espada espiritual (Igreja – Papa) e a espada terrena (Estado –
Monarca)91; (b) força = o Estado é o domínio dos fortes sobre os fracos, é um poder natural
inescapável, como o calor do Sol, os movimentos da Terra e o fluxo e refluxo dos mares”;
(c) jurídica = o Estado deriva de uma ordem jurídica que lhe precede e é superior, noção
que se subdivide em patriarcal (a base estatal é a família), patrimonial (o cerne do Estado é
a defesa da propriedade) e contratual (os homens voluntariamente aderem a uma união
social); (d) ética = o Estado é obra da necessidade moral; (e) psicológica = o Estado é uma
formação natural, um produto do espírito ou um fato histórico, determinado por certos
impulsos humanos (como o impulso social, a tendência à utilidade e o medo).

Isoladamente, para Jellinek, nenhuma dessas teorias de mostra suficiente. O Estado, na sua
forma concreta, na variedade de suas manifestações históricas, somente pode ser
justificado mediante os fins que executa – a justificação do Estado perpassa
necessariamente a definição da sua finalidade.

91
Lucas 22, 35-38: “E perguntou-lhes: Quando vos mandei sem bolsa, alforje, ou alparcas, faltou-vos porventura
alguma coisa? Eles responderam: Nada. Disse-lhes pois: Mas agora, quem tiver bolsa, tome- a, como também o alforje;
e quem não tiver espada, venda o seu manto e compre-a. Porquanto vos digo que importa que se cumpra em mim isto
que está escrito: E com os malfeitores foi contado. Pois o que me diz respeito tem seu cumprimento. Disseram eles:
Senhor, eis aqui duas espadas. Respondeu-lhes: Basta.”

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As teorias de justificação explicam a dimensão do “ser” do Estado, enquanto as teorias dos


fins explicam a dimensão do “dever-se” (ação do Estado). Ambas, juntas, contêm a
justificativa completa da vida do Estado.

Jellinek REJEITA tanto a teoria dos fins ampliativos do Estado (teoria eudemonista utilitária,
que pressupõe que a organização política tenha de garantir o bem-estar do indivíduo e da
comunidade), pois esta daria margem a estados absolutistas, policialescos e socialistas,
quanto a dos fins limitativos (mera garantia da segurança e da liberdade), pois ensejaria
que o fim do Estado é a própria limitação do Estado diante da ordem jurídica.
Ele se alinha à teoria dos fins RELATIVOS: além das funções essenciais e limitativas, o
Estado teria o dever inarredável de ordenar e auxiliar as manifestações da solidariedade
social, já que esta seria responsável pela possibilidade de vida coletiva e do próprio
desenvolvimento social.

Com base nessa situação de finalidade, Jellinek propõe que há quatro posições (status) em
que um indivíduo pode estar em relação ao Estado: passiva, ativa, negativa e positiva. Este
é o ponto de sua obra mais cobrado em provas.

Quatro STATUS:

a) passivo (status subjectionis) = o indivíduo encontra-se em posição de subordinação


com relação aos poderes públicos – o Estado tem competência para vincular o indivíduo
por meio de mandamentos e proibições.

b) ativo (status libertatis) = representa o poder de o indivíduo interferir na formação da


vontade estatal → manifestação dos direitos políticos (ex: voto).

c) negativo (status activus civitatis) = representa o espaço que o indivíduo tem para agir
livre da atuação do Estado, podendo autodeterminar-se sem ingerência estatal.

d) positivo (status civitatis) = possibilidade de o indivíduo exigir atuações positivas do


Estado em seu favor (ex: direitos sociais).

Na órbita desses status se organizariam, mais tarde, os direitos


fundamentais: os direitos de liberdade (defesa) relacionados ao status

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negativo; os direitos de participação (políticos) relacionados ao status ativo;


e as prestações (sociais) relacionadas ao status positivo. O status passivo
sempre se relacionou com as sujeições legais (subordinação ao Estado).

8 POLÍTICA DE GUERRA E DO PÓS-GUERRA: ENTRE


BOMBAS E IDEIAS

Você gosta de poesia? Sim? Ótimo! Não? Ihhh, não me xingue Eu sei que este é um
material objetivo, científico, concursístico, mas e quando o negócio (poema) é muito, muito
oportuno, adequado ao momento? Eu não quero ficar aqui descrevendo os horrores da
guerra. Delego esta missão a uma das maiores escritoras que o Brasil já teve o prazer de
produzir.

Tanto é o sangue... que os rios desistem de seu ritmo,


e o oceano delira... e rejeita as espumas vermelhas.
Tanto é o sangue... que até a lua se levanta horrível,
e erra nos lugares serenos, sonâmbula de auréolas rubras,
com o fogo do inferno em suas madeixas.

Tanta é a morte... que nem os rostos se conhecem, lado a lado,


e os pedaços de corpo estão por ali como tábuas sem uso.
Oh, os dedos com alianças perdidos na lama...
Os olhos que já não pestanejam com a poeira...
As bocas de recados perdidos...
O coração dado aos vermes, dentro dos densos uniformes...

Tanta é a morte... que só as almas formariam colunas,


as almas desprendidas... – e alcançariam as estrelas.
E as máquinas de entranhas abertas,
e os cadáveres ainda armados ... e a terra com suas flores ardendo,
e os rios espavoridos como tigres, com suas máculas,
e este mar desvairado de incêndios e náufragos,
e a lua alucinada de seu testemunho,
e nós e vós, imunes ... chorando, apenas, sobre fotografias,

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– tudo é um natural armar e desarmar de andaimes


entre tempos vagarosos ... sonhando arquiteturas.

Cecília Meireles, “GUERRA”.

Agora sim. Podemos continuar.

É... para nós, que nascemos após a década de 1950, o mundo é de algodão doce. Estamos
sempre reclamando de alguma coisa, mas o fazemos de barriga cheia. Claro que temos
muitos desafios: doenças, miséria, desigualdades sociais, mortes no trânsito, criminalidade,
etc., etc. e etc. Mas, convenhamos, nada disso se compara com o barulho das bombas
zunindo em nossos ouvidos; a ameaça constante de nossas casas serem reduzidas a pó; a
morte de pessoas queridas não como fatalidade inesperada, mas como iminência
irrefreável; a conquista de nosso país por uma nação estrangeira, que marcha sobre
monumentos nacionais falando uma língua incompreensível. É... a guerra é a desgraça
humana em sua face mais perversa.
Imagine-se agora como Nicolas Flamel (o inventor da pedra filosofal e que vive até hoje...
tanto que apareceu em “Animais Fantásticos: os crimes de Grindelwald”). Ele viu tantas
guerras na Europa que não é mais capaz de contar. Hoje vivemos, felizmente, tempos de
relativa (e duradoura?) PAZ.

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Mas isso não quer dizer que não devamos nos preparar para o pior92 (que o diga Carl
Schmitt) – inclusive, recentemente (em 20/12/2018), o anjinho do Vladmir Putin disse
categoricamente (em aviso aos EUA) que não podemos subestimar a possibilidade de uma
guerra nuclear. Durma-se com esse barulho... De toda forma, não estamos falando em
preparação apenas do ponto de vista militar, bélico, mas sim teórico.

As guerras, por maior que tenha o sido o infortúnio impingido, nos ensinaram muito
(teóricos como Hannah Arendt têm tanto a dizer...). Além disso, os horrores verificados ao
final da Segunda Grande Guerra (holocausto e bombas nucleares) nos levam a refletir sobre
os limites éticos da batalha e sua fundamentação (Michael Walzer dedicou parte de sua
vida a isso).
Por último, o terreno do pós-guerra foi remexido, o mundo não é mais o mesmo (o mundo
é outro), o que abre espaço a novas discussões, possibilidades e problemas a serem
resolvidos. Neste capítulo final, avançaremos sobre os pensamentos que surgiram nesse
período marcante da nossa história, fechando a porta do nosso encontro e abrindo as
portas dos novos tempos. Simbora!

92
Enquanto Hitler ascendia ao poder na Alemanha, uma voz solitária bradava que o homem do bigodinho iniciaria uma
nova guerra na Europa. Era preciso se preparam. Com a necessidade de investimentos em outras áreas após a Primeira
Guerra Mundial, poucos lhe deram crédito, alguns até o zombaram. Pois dito e feito! Em maio de 1940, um mês antes
da queda da França, Winston Churchill foi escoltado de seu velho ancoradouro até o comando da frota do país.
Raramente na história tanta responsabilidade recaíra sobre os ombros de apenas um homem: o primeiro-ministro da
última nação livre na Europa inteira (BLAINEY, Geoffrey. Uma breve história do século XX. São Paulo: Fundamento
Educacional, 2008, p. 137-138).

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8.1 CARL SCHMITT

Certamente, você já se deparou com o conceito político de constituição: “a constituição é


uma decisão política fundamental”, o que interfere na classificação das normas
constitucionais – em sentido material e formal (leis constitucionais). Pois então, o autor
dessa teoria é Carl Schmitt. Mas ele não escreveu apenas isso... teve muito mais coisa
saindo da cachola desse germânico (coisas boas e ruins...).

Carl Schmitt (1888-1985), renomado professor alemão, fez a besteira


de entrar para o partido nazista em 1933 (notou o broche na lapela do
terno?), o que mancharia sua biografia e lhe renderia, após o término
guerra, uma cela na prisão por quase dois anos (entre 1945 e 1946) –
mesmo que tenha sido denunciado pela SS (por alguma ideia
indesejada) e expulso do partido em 1936. Libertado, mas esquecido
pela comunidade jurídica internacional, voltou para a vila em que
nascera (Plettenberg, na Westphalia) e lá continuou a estudar e
escrever até sua morte, aos 95 anos.

Crítico do liberalismo e da democracia parlamentar, Schmitt recriminava os liberais por


terem prestado o desserviço à humanidade de divulgar a possibilidade de um mundo em
permanente paz. A vida política é uma constante iminência de luta entre amigos e inimigos
(seja no plano interno ou internacional). Se os Estados e indivíduos acreditarem na
promessa de cordialidade perpétua, arriscarão a vida de todos, ao não se prepararem para
o excepcional, que se abaterá sobre eles com força destruidora.
Os indivíduos e os governos devem ter como premissa o risco constante e perpétuo do
conflito, da guerra, da revolta, do desastre. Devemos estar sempre prontos para a
excepcionalidade e manter na manga mecanismos aptos a enfrentá-la.

A vida política de uma nação sempre inclui circunstâncias excepcionais, que devem ser
manejadas.

Segundo a teoria de Schmitt, a lei provê o arcabouço pelo qual se pode gerenciar situações
normais, mas ela NÃO consegue lidar com conjunturas excepcionais – a teoria legal é
distante da prática (sociedade em movimento), não conseguindo resolver com a agilidade e
força necessárias (eficácia) questões em uma sociedade em transformação, marcada por
mudanças sociais inesperadas, que poderiam ameaçar a própria existência do Estado.

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Como corolário, o governante deve estar acima da lei, para que possa decidir (legislar)
diante de situações excepcionais.

Normalidade Excepcionalidade

As leis atuam bem em


situações NORMAIS
O soberano é aquele
que, estando acima da Estado de Direito Soberano Legislador
lei, decide na EXCEÇÃO.
Na EXCEPCIONALIDADE,
é preciso que alguém
possa decidir

E quem define se a situação é de normalidade ou de exceção? Ora, o SOBERANO93. Aí você


já imagina o que vem pela frente, não é? A grande crítica ao pensamento político de
Schmitt é que a exceção logo se torna, em todo lugar, a regra. Pior: a suspensão temporária
da lei nunca é temporária, porque leva a um estado de coisas imprevisível, cujas
consequências sequer podem ser desfeitas com a restauração da lei (Giorgio Agamben).

“Para Schmitt é difícil prever e definir com clareza quais são os limites do
estado de exceção. É certo que uma Constituição pode até mesmo prever a
competência do governante durante o período de exceção. Todavia, NÃO pode
determinar com toda precisão o limite deste poder soberano. O soberano decide
tanto sobre a ordem que subsiste no caso extremo de emergência, quanto sobre
as ações que devem ser realizadas para superar o caos, trazendo de volta a
normalidade. Ele está fora do ordenamento jurídico normalmente vigente e,
entretanto, pertence a este, pois cabe a ele a competência para decidir se a
Constituição in toto pode ser suspensa”94.

93
SCHMITT, Carl. Teologia Política. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.
94
MACEDO JÚNIOR, Ronaldo Porto. Carl Schmitt e a fundamentação do direito. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 137.

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Na visão de Schmitt, faz parte do papel do soberano poder declarar a excepcionalidade e


ditar quais leis devem ser mantidas e quais devem ser suspensas. NÃO há limitação, NEM
condicionantes.
A Constituição Federal de 1988 estabelece que “o Presidente da República pode, ouvidos o
Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, solicitar ao Congresso Nacional
autorização para decretar o estado de sítio nos casos de: I - comoção grave de repercussão
nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o
estado de defesa; II - declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada
estrangeira” (artigo 137).
O texto magno também prevê que “só poderão ser tomadas contra as pessoas as seguintes
medidas: I - obrigação de permanência em localidade determinada; II - detenção em
edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns; III - restrições
relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de
informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei; IV -
suspensão da liberdade de reunião; V - busca e apreensão em domicílio; VI - intervenção
nas empresas de serviços públicos; VII - requisição de bens” (artigo 139).
Tudo isso, para Schmitt, é a mais pura BESTEIRA! O soberano não tem de ficar consultando
ninguém, nem pedindo autorização para quem quer que seja. Muito menos cabe ao texto
indicar previamente (de maneira estática e sem ter ciência de qual a gravidade da
excepcionalidade) quais medidas podem e devem ser tomadas para reestabelecer a ordem.

Não por outra razão nosso querido autor apoiou o nazismo até o
fim – mesmo expulso do partido e preso após a guerra, jamais
renegou as ideias que o aproximaram de Hitler. Sua lógica era
simples: a sobrevivência do Estado é mais importante do que a
liberdade e, algumas vezes, até mesmo a vida dos indivíduos.
Para o desespero dos estudiosos, Schmitt descreveu “A Noite das
Facas Longas” (1934), quando 85 oponentes de Hitler foram
assassinados, como a “forma mais elevada de justiça
administrativa”. Ou seja: o Fünher estava apenas agindo (legítima
e corretamente) como soberano ao garantir a ordem no Estado. É
mole ou quer mais?

A fidelidade a essas ideias rendeu a Schmitt o ostracismo no pós-


guerra. Foi só no alvorecer do século XXI que o interesse por sua
obra se renovou, quer seja para análise crítica dos eventos da
atualidade, como o Patriot Act (medida tomada pelo governo
americano após os atentados de 11 de setembro e que permite o
manejo de “poderes emergenciais” em caso de suspeita de

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terrorismo), muito criticado por (alegadamente) invadir a privacidade dos cidadãos,


moldando um Estado-policialesco.

8.2 ABUL ALA MAUDUDI

Uma das questões mais palpitantes da atualidade vem sendo ignorada por alguns teóricos
políticos, uma vez que envolve o ingresso em um campo minado: a RELIGIÃO.
Segundo o instituto americano de
pesquisa Pew Research Center, a
população muçulmana na Europa pode
triplicar até 2050, o que franqueia o
púlpito a um debate acalorado. Há quem
não veja qualquer problema nisso, afinal,
qual é o problema mesmo? Mas há quem
diga que a cultura europeia está
seriamente ameaçada de extinção e
compare o evento às invasões bárbaras ao
Império Romano no século V – que
acabaram criando as condições para a transformação total do modelo social (ensejaram o
Feudalismo). Isso sem falar nos atos terroristas cometidos pelos extremistas... o assunto é
para lá de tormentoso.
O cerne (núcleo) do problema é orbitado por dois pontos (elétrons): (a) uma das
características para se identificar uma religião é que ela busca convencer os demais de que
a sua visão de mundo é a correta (arregimentar fieis), ou seja, tenta se colocar como
entidade única de leitura da realidade; (b) a religião islâmica NÃO admite lei fora da sharia
– não há separação entre a religião e o Estado (direito), de modo que todas as leis devem
ser fundamentadas nas escrituras sagradas (Alcorão). A conclusão é que, uma vez que a
população muçulmana se torne maioria em certo local, e venha a assumir (de algum
modo) o poder político, a sharia (lei religiosa islâmica) é estabelecida como lei única95.

Assim, não há como imaginar (ou realizar) a


França ou a Alemanha (ou qualquer outro país)
mantendo suas instituições históricas (seu

95
Dando bobeira pelo YouTube, encontrei alguns vídeos (por alguns questionáveis, mas certamente assustadores)
sobre o assunto: https://goo.gl/Uoy4Dw (A Sharia na Europa); https://goo.gl/Uh3oLS (Islamismo espalha ódio na
Europa com a implementação da Sharia); https://goo.gl/oH4C8R (Patrullas de Sharia en Europa) e
https://goo.gl/NvZy3S (Germany Enforces Sharia Blasphemy Laws).

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modo de governo, seu sistema jurídico) com uma população majoritariamente muçulmana.
Só que, em meio à acesa polêmica sobre a liberdade religiosa, a não discriminação, a
garantia de direitos a refugiados, essa discussão essencialmente política é jogada para
baixo do tapete pelos teóricos sérios, que prezam por suas vidas acadêmicas rsrsrsrs (fica
relegada a discussões em blogs, parte da mídia e ao underground).
Para não empacarmos apenas no que é concreto, vamos à teoria (geralmente, fazemos o
caminho inverso... da teoria à prática, mas aqui também vamos da prática à teoria). Nesse
intento, valioso conferir a pregação do filósofo político Abul Ala Maududi.

Syed Abul A'la Maududi Chishti (1903-1979) nasceu na Índia e foi educado
em casa por seu pai (um fervoroso religioso). Iniciou a vida profissional
como jornalista e depois passou a escritor – ganhou fama com “Para
compreender o Islamismo” (1928). Apoiador inicial do nacionalismo de
Gandhi, distanciou-se do Mahatma por cobrar dos muçulmanos indianos
que reconhecessem o Islã como única identidade. Mudou-se para o
Paquistão (de maioria muçulmana), onde chegou a ser preso e condenado
à morte por liderar um levante. A sentença foi abrandada e Maududi
terminou a vida, tranquilamente, em Nova Iorque.

Para Maududi (ou Sr. Mau), o islamismo NÃO é só uma religião, mas um programa
revolucionário. Cabe aos muçulmanos executar esse plano por meio da jihad (guerra
santa). O propósito final do islã é construir um Estado islâmico MUNDIAL, se for preciso
destruindo os que se opuserem a ele.
Unidos por essa ideia, os muçulmanos se tornam politicamente indivisíveis, o que faz com
que os Estados-nação percam a razão de existir. A jihad é uma guerra tanto espiritual como
política: objetiva ao mesmo tempo impor a ideologia islâmica como controlar os recursos
do Estado, para, finalmente, estabelecer o reino de Alá na Terra.

“O islã não tem intenção de confiar seu governo a um único Estado ou a um grupo de
países. A meta do islã é provocar uma revolução UNIVERSAL”.

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O islã NÃO é ...pela luta


só uma revolucionária
(jihad)
religião...

...mas um
programa
revolucionário
Os
muçulmanos
devem
executar o
programa...

Conforme estrutura o Sr. Mau, Estado islâmico


começa de cima, com as leis de din (religião),
refutando-se qualquer princípio celular
ocidental de governança democrática – NÃO há
como conferir à maioria o direito de escolher
algo que já está definido nas sagradas
escrituras... cabe à população seguir o que está
96
escrito na sharia (simples assim) . A democracia do Estado islâmico não está do sufrágio
ou na possibilidade (impensável) de a população decidir os rumos da nação, mas sim na
natureza inata de que o governo reflete a vontade de Alá (pela aplicação da sua lei).
Claro que para isso é preciso que a população toda seja convertida de sua ignorância e
erro (das ideias ocidentais) para o entendimento inflexível e autêntico de que o islã é o
único modo de vida pleno (e aceitável).

Nas palavras de Maomé (o profeta da fé islâmica):


“o islã é uma religião pacífica, mas NÃO pacifista”.
O islã deve ser defendido dos infiéis (a defesa da fé
islâmica é uma obrigação moral de todos os
muçulmanos), o que pode implicar ações ofensivas
preventivas. A violência é um ato repulsivo, mas
algumas vezes necessário.

Para fechar de vez a ideia e não deixar dúvidas: “lutem em nome de Alá e
segundo Alá. Lutem contra aqueles que não acreditam em Alá” (Sunni
Hadith).

96
Charge sagaz de Carlos Latuff, extraída de https://bibliaspa.org/exposicoes/charges-de-carlos-latuff.

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Obviamente, nem todo muçulmano compra a ideia de sair atacando, por meios violentos
ou políticos, os infiéis – há tantos que são (a esmagadora maioria, imagina-se)
louvavelmente rebeldes em seu pacifismo e ainda há pensadores fantásticos, como Ibn
Khaldun. Mas isso não altera o fato de que o Islã se coloca como resposta última à
organização humana, rechaçando a divisão entre o divino e o secular. A vitória do islã como
religião importa, nessa intepretação, na destruição do modelo de pensamento político
ocidental (tudo o que estudamos até agora vira letra morta).

É por essas e outras razões que o avanço do islã no mundo é uma


preocupação política séria, especialmente àqueles que defendem o
sistema democrático, os direitos humanos (que derivam da
individualidade) e os princípios judaico-cristãos, lembrando ainda que
os países islâmicos (com alguma ressalva para os enriquecidos pelo
petróleo, como os Emirados Árabes e a Arábia Saudita) não estão,
nem de longe, entre os Estados com melhor IDH, o que pode indicar
que a sharia (não bastasse as questões vinculadas à liberdade) não é
lá a melhor maneira de levar as nações à prosperidade.

8.3 ARNE NAESS

Já no início do século XIX, pensadores como John Ruskin e William Morris demonstravam
preocupação com os impactos da industrialização no meio ambiente. A ideia foi
caminhando a passos de formiga, arregimentando alguns adeptos após a Primeira Guerra
Mundial, com a publicação de estudos científicos sobre a extensão dos danos causados
pelo homem à natureza.
Em 1962 a calmaria estremece de vez com a publicação de “Primavera silenciosa” (um
relato dos problemas ambientais causados pelos pesticidas), pela bióloga marinha
americana Rachel Carson. Tem início, de fato, a guerra verde (nada silenciosa). O
movimento ambientalista ganha voz e corpo e chega ao século XXI como uma agenda
fundamental para os governos.

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Arne Naess seguiu pelo caminho traçado por Carson e incluiu o homem no ecossistema,
em vez de pensá-lo como separado da natureza. Segundo sua ordem de ideias, nós
fazemos parte de um ecossistema complexo e interdependente. Não podemos ver a Terra
como um recurso a ser explorado pelos humanos (consumidores de bens naturais). Nossa
ambição egoísta e ilimitada coloca o planeta em risco.

Arne Naess (1912-2009) nasceu na Noruega e já na juventude


ganhou fama como montanhista. Mas não só isso! A mente
acompanha o corpo... Aos 27 anos, tornou-se o mais jovem
professor de Filosofia na Universidade de Oslo. Só que em
1969 demitiu-se do cargo para se dedicar de corpo e alma aos
estudos da ética ecológica e para encontrar soluções práticas
para os problemas ambientais. Isolou-se um chalé remoto nas
montanhas e lá viveu por anos, produzindo inúmeros livros e
quase quatrocentos artigos sobre ambientalismo.

Algumas das noções de Naess passeiam pelo campo ético, como o desenvolvimento da
compaixão humana em relação aos outros seres – todas as criaturas (animais ou vegetais)
têm direito à vida. Mas há uma parte do seu pensamento que trouxe importante
contribuição para a seara política.

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A afirmação de que “diante do desconhecimento sobre as consequências da atividade


humana, a inércia é a única opção ética” fundamenta os atuais princípios da precaução
(atuação antecipada perante a incerteza científica – dano incerto, desconhecido, perigo em
abstrato – tome-se como exemplo os transgênicos regulados pela Lei nº 11.105/2005), do
in dubio pro natureza (na dúvida, não se deve intervir no meio ambiente – aguarda-se a
realização de pesquisas conclusivas), da inversão do ônus da prova (cabe ao empreender
provar que a sua atividade econômica não coloca em risco a saúde econômica e o meio
ambiente) e da prognose negativa (conhecimento antecipado de forma negativa, como um
exercício de probabilidade – na falta de dados, o juiz deve pautar-se pela probabilidade, de
maneira que, em vista da precaução, tende à negatividade, vedando eventuais danos
ambientais).

E Naess não para por aí. Segundo ele, a ecologia rasa (crença de que os problemas
ambientais podem ser resolvidos pela adequação do modelo capitalista de produção
industrial) está fadada ao insucesso, pois centra sua ótica no ser humano. Não que ela não
tenha qualquer valor, mas é capaz apenas de soluções superficiais. Ao conceber a
humanidade como um ser superior dentro do ecossistema, deixa de reconhecer a
necessidade de reformas sociais mais amplas.
A natureza não aguenta o ritmo do progresso humano. Na busca de saciar seus desejos
incontroláveis, o homem vem alterando o delicado equilíbrio da natureza, o que pode
conduzir não apenas a danos ambientais irreparáveis como à própria destruição da raça
humana.
Ele propõe, então, a ecologia profunda, uma substancial reforma do comportamento do
homem e do modelo organizacional da sociedade: precisamos compreender que a natureza
possui um valor intrínseco e que os seres humanos somente habitam a Terra, não são os
donos dela. Ao usarmos os recursos naturais, temos de fazê-lo de modo que preservemos
toda a vida existente no planeta.

A Terra NÃO pertence aos homens.

A maneira prática de aprofundarmos nossa ecologia é a redução drástica dos padrões de


vida (consumismo), especialmente nos países desenvolvidos, como parte de um amplo
programa de reforma social e econômica, que inclui alternativas de geração de energia e
produção de bens. Só assim poderemos evitar o apocalipse ambiental.

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ECOLOGIA RASA ECOLOGIA PROFUNDA

Defende que as atuais estruturas Entende que é necessária uma radical


econômicas e sociais podem ser adaptadas mudança social e política para se evitar uma
para resolver os problemas ambientais. catástrofe ambiental.

Ao que se percebe, a ecologia é um tema mais atual (palpitante) agora do que na época em
Naess escreveu. A recente saída dos EUA do Acordo de Paris estremeceu o mundo político
e revoltou pessoas comuns do povo (de japoneses a esquimós, de indígenas a aborígenes).
É... o ambientalismo está na ordem do dia e, para muita gente, virou praticamente uma
religião.
Só que aqui, amig@s, estamos no mundo da zetética. Gostamos é de gerar controvérsia...
viemos para causar discórdia
Como contraponto, apresentamos as opiniões minoritárias que questionam a catástrofe
ambiental antropogênica (provocada pelo homem). Apenas de modo ilustrativo, o
documentário “A grande farsa do aquecimento global” 97, produzido pelo Channel 4
britânico, traz uma leitura alarmante da realidade: Paul Driessen, autor do livro “Green
Power, Black Death” (“poder verde, morte negra”), assevera que as políticas que buscam
supostamente evitar o aquecimento global estão tendo um desastroso efeito sobre as
pessoas mais pobres do mundo. Dizer ao Terceiro Mundo que somente podem usar energia
solar ou eólica (instável e três vezes mais cara) é o mesmo que lhes dizer: ‘vocês não
podem ter eletricidade’, com todas as malesas daí decorrentes. A variável ambiental
deveria considerar não apenas os danos da utilização de certo recurso natural, mas
também os danos de sua não utilização.
Em um de seus quadros, o documentário mostra as campanhas ambientalistas pela não
utilização de energia termelétrica a óleo ou carvão na África ‒ a despeito das grandes
reservas desses minérios no continente. Nas palavras do economista queniano James
Shikwati: “alguém está interessado em matar o sonho africano, e o sonho africano é se
desenvolver. Mas como se poderia promover, nos países mais pobres do mundo, a
industrialização movida a energia solar?” Patrick Moore, cofundador do Green Peace

97
Confira o documentário legendado (The great global warming swindle) em: https://goo.gl/aNgEqb.

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endossa a crítica: “o movimento ambiental tem se transformado na maior força que existe
contra o desenvolvimento dos países em desenvolvimento” – é do interesse das nações já
desenvolvidas que não haja novos atores concorrenciais no mercado internacional: o
ambientalismo teria uma faceta perversa.
Polêmico, não? Independentemente do mérito (que é negócio para cientista e é difícil de
achar o erro e a razão no meio de tantos interesses), a parte mais valiosa do programa é
demonstrar que todos aqueles que ousam questionar as conclusões do vigoroso
movimento ambientalista atual são rapidamente esmagados (perdem o emprego, a
credibilidade, o financiamento de suas pesquisas...). E onde não tem debate...
Se ficou curios@ com essas teorias (da conspiração?), há vários vídeos na internet do Prof.
Ricardo Augusto Felício98, um professor brasileiro da USP que costuma questionar o
aquecimento global e que o homem tenha influência sobre o clima do planeta. Em uma
entrevista, inclusive, ele confessa que vem sendo perseguido pela academia (não conseguiu
se tornar livre docente e teve seu salário drasticamente reduzido), o que não é surpresa:
uma pesquisa conduzida pela Universidade de Oxford (Inglaterra) descobriu que a
imprensa brasileira é a que menos dá voz aos céticos das mudanças climáticas provocadas
pelo homem99.
E você, o que acha? O ponto é da mais ressaltada relevância (advirto). É como se perguntar
se Deus existe... se ele existe, melhor que você escute os padres, pastores, pregadores...
porque senão a coisa vai ficar feia para o seu lado na eternidade; agora, se ele não existe, aí
tem muita gente dedicando a vida à religião sem razão. O mesmo se diga do
ambientalismo: se os pregadores da catástrofe ambiental estão com a razão, amig@,
melhor que tomemos jeito, ou vamos acabar ficando sem planeta e ainda não temos
alternativa viável (esperando o Elon Musk dar um jeito nisso); mas se o furor ecológico é
balela, tem muito país deixando de se desenvolver, muita gente sem eletricidade por
nada... estamos matando o sonho africano sem razão verdadeira.
O que temos de ter em mente é que em qualquer movimento da amplitude do
ambientalismo, há o risco de imperar (e de turbar a verdade dos fatos) o jogo político-
econômico (devemos estar sempre atentos a ele). Há quem diga que vivemos um momento
histórico em que gradativamente passamos de uma biopolítica (controle do Estado sobre o
corpo humano) para uma bioecopolítica – ao tempo em que se aprofunda o poder sobre a
vida, avança-se sobre um novo polo: o ecossistema. Nem o corpo como máquina, nem o
corpo como espécie; o objeto de seu controle é o corpo como planeta 100. Todo cuidado é
pouco...

98
Veja ele no Jô Soares: https://goo.gl/Yn6yhf.
99
Confira a reportagem: https://goo.gl/Zhq4oc.
100
BOTH, Vlademir. O biopoder e o discurso dos direitos humanos: um estudo a partir de M. Foucault. 2008. 121 f.
Dissertação (Mestrado em Filosofia) Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, São Leopoldo, 2008, p. 109.

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8.4 JOHN RAWLS

John Rawls dedicou sua vida a estudar a justiça. E para fazer isso ele adentrou ao âmbito
político (mais do que costumam fazer os autores que tratam sobre o tema). Isso porque,
segundo seu entendimento, a justiça não se aplica apenas às relações interindividuais, aos
fatos do cotidiano, muito pelo contrário, seu campo principal está nas instituições sociais –
ao focar na justiça redistributiva e nos parâmetros para a distribuição de direitos e deveres
pelos organismos sociais, Rawls modificou o papel do governo e proveu forte fundamento
teórico às ações afirmativas.

Pelo contrato,
os indivíduos
devem ser A igualdade é A base da
A chave para tratados com As instituições
obtida
IGUALDADE são justas se sociedade
uma sociedade mediante
acessíveis a
melhor na instituições está em
TODOS e
adequação do
sociais justas
distributivas INSTITUIÇÕES
contrato social SOCIAIS
justas

No que tange ao aspecto político, o pensamento rawlseniano assevera que as diferenças de


riqueza se traduzem em diferentes níveis de influência política, resultando em um viés
imanente da estrutura social e política em favor dos mais poderosos (ricos, inteligentes,
estudados, em posições de autoridade). Os poderes políticos, derivados da riqueza, de
arranjos sociais ou mesmo de dons naturais (como a inteligência), permitem com que
algumas pessoas obtenham uma porção de bens sociais muito maior do que seria “justo”.

O pensador americano Noam Chomsky (1928-) chega a


concluir, com ironia sagaz, que TODOS devem garantir que os
ricos sejam felizes. Isso porque as instituições sociais
dominantes (como os meios de comunicação os bancos) são
controlados por uma minoria rica, a qual as dirige de modo a
favorecer os seus próprios interesses. Qualquer tentativa de
reforma leva a uma redução dos investimentos e a economia à
ruína. Por isso, mesmo os pobres são levados a apoiar o
sistema dirigido em favor dos ricos.

Vamos ilustrar. A tenista russa Maria Sharapova (cuja fotografia, por exclusivo interesse
científico-filosófico, colaciono abaixo) é um atentado contra a justiça! A mulher é gata e
dotada de grande habilidade atlética (muito valorizada atualmente). Jogando tênis, ficou

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rica e influente. Aí não tem como tolerar! É preciso dar um jeito de compensar tantos
“privilégios” ou de fazer com que os frutos que ela colhe sejam socialmente
compartilhados, ora essa... E para as meninas, que talvez estejam questionando o fato de
eu não ter usado o David Beckham como exemplo, digo que é lógico que eu não colocaria
aqui uma imagem daquele feioso, fedido e metido a boleiro.

Bem, concentrando-se novamente após admirar por alguns instantes a fotografia supra ,
cabe concluir que é por isso que, na teoria rawlseniana, os princípios de justiça NÃO se
pautam na moralidade individual das pessoas, mas se voltam a instituições sociais que
possam corrigir as desigualdades por meio: (a) de serviços públicos (especialmente
educação) e vantagens razoáveis (tributação escalonada) em favor dos menos favorecidos;
(b) da abertura de cargos públicos e mesmo posições na iniciativa privada para TODOS
(quer seja por meio de cotas); e ainda (c) pela concessão de amplos poderes políticos
(sufrágio universal com igualdade material de condições para o debate).

O processo de debate e de deliberação prévia são mais importantes do que o próprio voto
em si e dão o verdadeiro valor à democracia. Por isso a necessidade de se garantir uma
igualdade material na dialética pública.

Em suma, não se deve admitir que a sociedade seja construída (que os resultados sociais
sejam distribuídos) por fatores aleatórios como os dotes naturais (força, inteligência,
perspicácia, habilidades artísticas ou esportivas), a fortuna (a sorte, como o nascimento em
uma família estruturada), a riqueza (que abre mil possibilidades), convenções sociais que

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beneficiam os mais poderosos perpetuamente... As instituições sociais devem ser dotadas


de senso e capacidade para, justamente, reequilibrar a balança em favor dos menos
favorecidos (pobres, apedeutas, incultos, fracos...).

PRIVILÉGIOS INSTITUIÇÕES

EDUCAÇÃO
Inteligência
Pública

Acesso a
Riqueza
TRABALHO

Direito de
Poder
DEBATE e VOTO

Rawls acredita que esses princípios (liberdade como regra e igualdade como fator
determinante, só podendo se empreender pela diferença para beneficiar os menos
desfavorecidos e, por consequência, restabelecer a igualdade estremecida por fatores
aleatórios) permitiriam a CONCORDÂNCIA COLETIVA (todos seriam capazes de
razoavelmente com eles concordar), pois se pautam em uma ideia de justiça baseada na
equidade, não nos interesses individuais.
A propósito, para Rawls a democracia liberal é o melhor modelo político para garantir a
redistribuição dos bens sociais com equidade (justiça). O sistema socialista foca
demasiadamente na igualdade completa, mesmo que essa não traga resultados positivos à
maioria e ainda que a igualização se dê com o sacrifício da liberdade. O melhor seria
mesmo manter o capitalismo e garantir que, onde aparecessem resultados desiguais,
instituições sociais imbuídas de forte senso de justiça pudessem corrigir as distorções.

John Rawls (1921-2002), filho de um advogado famoso, cresceu em


Baltimore, uma cidade com enorme segregação racial, o que ajudou
a moldar sua visão de mundo, por certo. Como se não bastasse, sua
infância foi marcada pela morte de seus dois irmãos, vitimados pela
difteria, uma doença contagiosa que ele lhes transmitiu. O rapaz
gago e tímido estudaria Filosofia em Princeton e se tornaria um dos
mais celebrados professores de Harvard. Em 1999, recebeu do então
Presidente Bill Clinton a Medalha Nacional de Humanidades e o
elogio de que havia ajudado a revigorar a fé na democracia.

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Claro que os socialistas não deixariam por menos. Eles criticam a crença de que é possível a
um regime capitalista liberal garantir que os princípios propostos (igualdade e diferença)
sejam realmente cumpridos. Bradam também que o modelo não é aplicável a sociedades
em que as desigualdades sociais já são muito profundas e por demais arraigadas nas
instituições sociais.
Não fosse seu refinamento, Rawls diria que o choro é livre, pois suas ideias, bem ou mal,
tornaram-se alicerce para as sociais-democracias modernas. Ele é, sem sombra de dúvidas,
um dos autores com maior influência nas políticas públicas dos dias de hoje.

8.5 ROBERT NOZICK

Redistribuição forçada de bens pela sociedade?


Interferência estatal massiva na vida, na
liberdade e no patrimônio das pessoas? O
queeeê? Robert Nozick entrou de sola no
liberalismo igualitário de John Rawls ao buscar
demonstrar os perigos que habitavam as
profundezas (os locais de pouca luz) da
“cooperação” boazinha e inocente proposta na
forma de justiça como equidade.

Robert Nozick (1938-2002), de família judia, nasceu em


Nova Iorque e estudou nas universidades de Columbia,
Princeton e Oxford. Na juventude, foi atraído pelas ideias
de esquerda. Só que, na pós-graduação, a leitura de
Friedrich Hayek e Ayn Rand o levou a mudar de direção.
Professor de Harvard na mesma época que John Rawls,
escreveu a obra “Anarquia, Estado e Utopia” (1974) como
resposta à teoria do colega. É considerado precursor do
libertarismo, escola que dá ampla prevalência à liberdade.

A primeira pergunta que Nozick procura responder é se é justificável a existência de um


Estado (não seria melhor a anarquia?). Ele segue a linha de John Locke para compreender
que sem um ente que garanta o exercício dos direitos, as noções de vida, liberdade e
propriedade pouco valem (só enquanto durar a força). Então, é aceitável que haja um

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poder capaz de fazer com que os direitos sejam respeitados – admite-se a criação e
organização pública, por exemplo, da polícia e dos tribunais.

Agora, admitido disso, pode a sociedade firmar


um contrato social que redistribua aqui,
equalize acolá, franqueie às instituições sociais
interferir em todos os lugares? Lógico que
NÃO! A saga da justiça como equidade (cuja
ação interventiva se pretende limitar com
preceitos que formam um muro de palitos de
fósforo) finda em um Estado totalitário e, como
corolário, na morte de todos os direitos
individuais. O liberalismo igualitário entrega a
chave do galinheiro à raposa.

Ora, cada pessoa é dotada de uma vida individual, separada do todo, da sociedade. Esse
fato (existência de seres humanos com vidas distintas uns dos outros), concede a cada um
o poder de governar a si mesmo (ser o senhor soberano de si próprio), desde que, em seu
modo de vida, não lese os demais. Não há justificativa plausível para que o homem tenha
sua individualidade desrespeitada, sendo tratado como peça em uma engrenagem social
maior.

A sociedade NÃO é um corpo vivo em que as partes devem ser equalizadas à força; a
sociedade é uma união de indivíduos, cada um de valor inestimável, um fim em si
mesmo.

Como se pode perceber, temos aqui forte inspiração em Immanuel Kant. É de se


rememorar que o filósofo prussiano fincou os alicerces da dignidade humana ao afirmar
que as pessoas são fins em si mesmos e não podem ser tratadas, jamais, como meios para
outros fins. Lendo esse preceito básico, Nozick se pergunta: mas como é, então, que o
Estado pode ficar atuando como o Robin Hood esboçado por Rawls (fazendo caridade com
o chapéu alheio)?
Com essa questão ressoando, o criador do libertarismo adverte que o modelo da
socialdemocracia (tão aplicado modernamente) coloca os homens como meio para os fins
do Estado.

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Um exemplo claro disso é a TRIBUTAÇÃO escorchante, utilizada


para permitir a redistribuição de renda e o financiamento de
políticas públicas assistencialistas. Na visão libertarista, a
prática nada mais é do que trabalho forçado, no qual uma
porção do trabalho de uma pessoa é utilizada coercitivamente
para o benefício de outras – uma parte da sociedade reivindica
os frutos do trabalho alheio. Vários autores liberais identificam
o tributo como uma espécie de roubo institucionalizado
(legalizado)101.

O principal livro de Nozick (“Anarquia, Estado e Utopia”) foi escrito com base em um curso
lecionado em parceria (na forma de debate) com Michael Walzer, o qual, logo após a
publicação da obra, tornar-se-ia (eu já falei que adoro mesóclise?) um dos maiores críticos
aos argumentos nela defendidos.

Dando prosseguimento à sua tese, Nozick defende que qualquer forma de Estado diversa
do Estado mínimo é incompatível com os direitos individuais. Quando o Estado promete
ter como base a liberdade, mas, no passo seguinte, constitui um monopólio para si de
alguma atividade (em prol do “bem comum”), acabou de negar o que prometeu defender.
Quando o Estado diz tutelar a propriedade, mas em seguida a espolia para redistribuir
renda, legaliza o roubo institucional. Quando o Estado brada a igualdade, mas sem demora
instaura diferenciações (para equalizar desigualdades), transforma a exceção em regra
jurídica e impede que as pessoas possam, por si mesmas, encontrar formas de vencer as
dificuldades.

Sempre que o Estado abandona seu caráter negativo e protetivo dos direitos básicos,
passando a atuar positivamente, começa a infringir os direitos que jurou proteger.

O revolucionário Simón Bolívar (1783-1830) liderou a independência de


Equador, Venezuela, Panamá, Peru e Colômbia. Em teoria, ele advertiu que
“um Estado grande demais em si mesmo, ou em virtude de suas dependências,
acaba, por fim, decadente. Seu governo livre torna-se uma tiraria, seus
princípios fundadores são desrespeitados e ele degenera em tirania”. Na
prática, parecia estar se descrevendo: abandonando o idealismo iluminista e
declarou-se presidente vitalício (ditador) da Colômbia em 1928. Morreu dois
anos depois, desiludido com os resultados das revoluções. As experiências de
bolivarianismo, inspiradas em suas ideias, tornaram-se exemplo ilustrativo de

101
Gostou da charge? Há mais em Charges do Lane: http://chargesdolane.blogspot.com.

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Estados grandes em si mesmos, decadentes e tiranos (vide Venezuela).

Retomando a noção de direitos fundamentais como concretização da dignidade humana,


Nozick os define como imperativos categóricos. Como tal, não admitem
contingenciamento. Não dá para defender a vida, exceto... a liberdade, mas... a
propriedade, só que... Esses direitos devem ser respeitados independentemente de
quaisquer circunstâncias – eles são incondicionais (Kant aqui de novo).
Ademais, ninguém deu (ou deveria dar) aos governantes o poder de brincar de
experimentalismo social, equilibrando pesos e medidas, “benefícios” naturais com
vantagens providas pelas instituições públicas, alocando recursos, criando esquemas. A
vida dos homens não é brincadeira e não pode ficar na mão de burocratas. O Estado foi
criado para proteger os direitos dos cidadãos contra a força bruta, as fraudes e o roubo,
não para colocar a sociedade sobre a mesa e passar a geri-la, como se fosse um jogo de
tabuleiro.

A conclusão é que o Estado deve ser nada mais que a ordem coercitiva para o cumprimento
dos contratos, a proteção contra a força ilegítima e a segurança contra os ataques à
propriedade, à vida e à liberdade (Estado mínimo). Tudo que for além disso (maior do que
isso), em termos de efetiva proteção aos direitos individuais, NÃO pode ser justificado.

8.6 MICHAEL WALZER

Sabe aquele cara que entra na briga não para apartar, mas para bater nos dois
contendores? Esse é o Michel Walzer. Em 1983, ele publicou a obra “Esferas da justiça”, na
qual propôs a noção de “igualdade complexa”, a qual seria capaz de embasar um sistema

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equilibrado e estável de organização social. Ao fazê-lo, criticou tanto a teoria de Rawls


como de Nozick.

Michael Laban Walzer (1935-) nasceu em Nova Iorque e passou pelas


universidades de Brandeis e Boston (EUA), além de Cambridge (Inglaterra),
antes de concluir seu doutorado em Harvard, onde também lecionou. É
professor emérito da Universidade de Princeton. Embora não se sinta
confortável com o rótulo, é considerado um dos líderes do
comunitarianismo, por defender que as teorias político-filosóficas devem ser
baseadas nas tradições e na cultura de cada sociedade em particular, não em
visões abstratas.

Pelo pensamento walzeriano, a igualdade simples, como fundamento dos sistemas de


justiça redistributiva, busca dar a todos as mesmas condições por meio da repartição de
bens (é o que pretendia John Rawls), mas o faz, inadvertidamente, sem considerar as
características imanentes dos bens e das pessoas a quem eles serão distribuídos. Ou seja:
simplifica demasiadamente relações que não são simples, ignorando o processo social de
concepção e criação dos bens (de onde vieram, por que vieram e para onde vão).
A relação do homem com bens sociais (físicos e não físicos, a riqueza, a cultura, a tradição,
a honra, a posição social) compõe a própria identidade do sujeito. NÃO é possível, ou é
inútil, separar as pessoas dos bens sociais que possuem, pois eles integram a compreensão
do indivíduo sobre quem ele é. Tanto é assim que falamos “sou juiz” ou “sou advogado” e
dificilmente “ocupo o cargo público de promotor de justiça”. O mesmo serve para sou
católico, sou rico ou sou pobre, sou estudante e sou estudioso, tanto quanto sou burro e
sou preguiçoso. Em português temos a cisão dos verbos ser/estar; em inglês, nem isso (to
be).

“É muito difícil traçar o limite entre o que sou e o que é meu” (William James)

O problema é que certos bens são predominantes – os indivíduos que os possuem podem
comandar uma vasta série de outros bens. É o caso da riqueza e do poder político. E o pior
é quando esses bens se encontram monopolizados nas mãos de uma pessoa ou grupo de
pessoas, o que gera inevitável conflito social quanto à sua (re)distribuição.
Perdida na complexidade dinâmica das sociedades capitalistas, a igualdade simples vê-se às
voltas em um eterno leva-e-traz, debatendo-se sem conseguir dissolver os monopólios
sobre os bens predominantes (que podem variar, e variam, de cultura para cultura, de
sociedade para sociedade).

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Walzer, então, propõe uma visão revolucionária, um foco totalmente distinto para o
problema. Ele organiza os bens em ESFERAS. Por exemplo: a riqueza não está (não pode
estar) na mesma esfera que a religiosidade: “o dinheiro é inadequado na esfera dos ofícios
eclesiásticos”. Hoje, ficamos indignados ao lembrar do comércio de indulgências na Idade
Média. A venda de terrenos no céu, mais do que estelionato, é-nos uma afronta.
Com base nisso, a igualdade complexa deixa de tentar controlar os monopólios sobre os
bens sociais predominantes. O ataque se dá em outra frente de batalha: busca-se combater
o predomínio, desfazendo-se a capacidade desses bens de comandar bens de esferas
distintas.
Exemplo: não se pode admitir que o dinheiro influencie no ofício religioso. E essa conclusão
não parte de um consenso sobreposto (como advogaria Rawls), em que as pessoas, em
meio ao pluralismo, acordam sobre a imoralidade da prática, mas sim da valoração
inerente ao bem social em questão – como a prática religiosa reside em campo diverso do
mercado, o critério de distribuição de bens baseado no capital não deve ser válido para as
relações espirituais.
A vantagem desse modelo (em relação à igualdade simples) é que ele seria capaz de
trabalhar com eficácia dentro da complexidade inerente a uma sociedade que desenvolve
suas relações em diversas esferas, cada uma com critérios valorativos díspares.

Cada bem deve ser distribuído de acordo com seu significado social e de forma que
nenhum possa dominar ou distorcer a distribuição nas esferas de justiça distintas.

Não gostou do exemplo dado acima? “Mercado x religião” não está com nada? Então
vamos a situações mais presentes na atualidade (de amplo debate público).
Você acha justo que a falta de dinheiro faça com que alguém, trabalhador, morra por falta
de atendimento médico? Ou que alguém com potencial intelectual deixe de receber
instrução em razão de sua ascendência? Em um cenário de igualdade complexa, a etnia ou
a raça e a riqueza não podem importar nas esferas da saúde e da educação. Saca?
Claro que, sem mistérios, essa tese (bem ou mal
redistributiva e interventiva) choca-se frontalmente com
as ideias de Nozick, segundo o qual, entre pessoas
adultas, capazes e conscientes, a liberdade deve reger as
relações. Cada um que se vire! Se quer se entregar à
simonia (compra e venda de favores divinos), que o faça!
Engraçado que, ao ler as propostas de Nozick, de maneira
nua e crua, ainda nos espantemos com sua “dureza”.
Mas, na prática, vemos isso todos os dias. É o caso de
algumas igrejas evangélicas, em que há franca monetarização das relações. O que o Estado
faz para impedir tais práticas? Nada! A liberdade religiosa vem servindo de escudo eficiente

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para que surjam até mesmo “empresários da fé”, alcunha que foi dada ao Pastor Edir
Macedo.
Seria esse o preço que cobra (o ônus de) um sistema real de liberdades? Talvez...

Ainda me soa estranho que Tiririca seja Deputado Federal. Em


um mundo normal (poderíamos dizer, ideal), o bem social da
fama, da capacidade de humor, não deveria estender seus
tentáculos à esfera do poder político. As habilidades esportivas
e artísticas, de todo modo, vêm tendo franca predominância
(para além da sua esfera própria). É... a moda realmente pegou.
Em 2018 foram eleitos: Batoré, Dr. Ray, Frank Aguiar,
Marcelinho Carioca, Popó, MC Carol e Cia Ltda. Bem, se for para
reclamar, que seja do coronelismo e do poder econômico (cuja
esfera de influência na política é mais do que criticável, é
inaceitável). O clã Sarney é um exemplo ilustrativo dessa velha
política que teima em ser atual...

Walzer tenta reforçar aquilo que Rousseau havia afirmado no século XVIII: é possível que
igualdade e liberdade caminhem juntas. Para ele, o regime de igualdade complexa é o
inverso da tirania, pois impede que o monopolista de um bem predominante controle a
distribuição de outros bens em seu próprio benefício e instale o ciclo vicioso dos privilégios
(monopólio dos bens predominantes): riqueza leva a melhores posições sociais, que
carregam ao poder político, que permite a organização do sistema de modo a franquear a
acumulação de riqueza nas mãos da elite, que lhes garante riqueza, que dá a seus filhos
educação de qualidade, o que lhes abre melhores oportunidades, o que lhes traz riqueza...

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RIQUEZA EDUCAÇÃO

PODER POLÍTICO OPORTUNIDADES

RIQUEZA

Terminou? Poderíamos parar por aqui, mas vamos aproveitar que Walzer é um dos grandes
teóricos do direito de guerra para construir uma espécie de apêndice sobre o tema:
GURRAS justas x injustas.
“Jeannnn. O que tem a ver guerra com política?” TUDO! Nas palavras de Carl Von
Clausewitz: “a guerra é a continuação da política por outros meios”. Para o vitorioso, o
armistício encerra um duelo de grande escala em que a força obriga o inimigo a ceder à
vontade prevalente; para o derrotado, resta retornar à política ordinária para minorar os
danos sofridos na batalha. Em seu cerne, a guerra envolve sempre um objetivo
primordialmente político (quer seja a salvação da nação, a manutenção da soberania, a
imposição da independência).
Dito isso, indago: considerando os preceitos humanistas que regem a contemporaneidade,
é possível, em alguma hipótese, justificar a guerra? Quer dizer: vestir uniformes e sair
matando pessoas do lado inimigo (às vezes, civis inocentes) em prol de um objetivo
político... E ainda que admitida essa possibilidade, quais condutas são aceitáveis no campo
de batalha? Em sua obra “Guerras justas e injustas” (1977), complementada por “War and
justice” (2001), Michael Walzer traçou os elementos básicos para a justificação de uma
guerra e as ações que podem ser consideradas admissíveis em meio ao conflito.
Claro que ele não foi o primeiro. As guerras fazem parte da história da humanidade. São
parte relevante, bastando ver que, mesmo no Brasil, que teve participação apagada nos
maiores conflitos e poucas batalhas próprias, gastamos vários semestres na escola a
estudar esses eventos.
Santo Agostinho foi um dos primeiros a se aventurar pelo assunto. Ele afirmou que a
defesa contra agressões e a busca da restauração da paz é mais do que uma necessidade, é
um imperativo para justificar a guerra (com remorsos e como último recurso).

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São Tomás de Aquino, por seu turno, é o responsável pela base moderna da teoria de
guerra justa (jus ad bello), que depende, segundo ele, de três fatores: (a) intenção correta;
(b) autoridade do soberano; e (c) causa justa. A declaração, destarte, deve ser feita pela
autoridade legítima e ter como objetivo principal a garantia da paz – a guerra jamais pode
ser lutada visando ao ganho particular (como a guerra de conquista). Ademais, deve ser
defensiva, não preventiva.
Walzer aproveita o aporte e sacramenta: a guerra, em certas circunstâncias, é necessária.
Só que as condições para o combate estão sujeitas a fortes limitações morais e éticas.
Normalmente, não se pode atacar alvos civis (o foco deve ser sobre as bases militares), há
o tempo consensual para recolhimento dos corpos (tempo de não agressão), não se deve
executar prisioneiros de guerra (soldados rendidos), é proibido o ataque de médicos e da
cruz vermelha...

Um protocolo adicional à Convenção de Genebra (1949) proíbe o ataque


da tripulação de aeronaves abatidas que estejam salvando-se com
paraquedas. Deve ser primeiro concedida a oportunidade de rendição, em
solo, salvo se ficar evidente a manutenção da hostilidade ou houver clara
intenção de fuga.

Apesar de defender os códigos de guerra, que evitam o barbarismo, Walzer é um realista,


isto é, ele rejeita um absolutismo moral (a ideia de que alguns atos jamais são moralmente
aceitáveis). Uma guerra necessária (justa) talvez tenha de ser travada até o limite dos
meios disponíveis, não importa o quão horrível isso possa parecer. Vale dizer: é certo que,
mesmo nesses tempos funestos, os governantes estão sujeitos a limitações morais, mas
essas NÃO são absolutas, podendo ceder à oportunidade de pôr fim ao conflito, mesmo
que isso (como recurso necessário), demande o manejo de medidas extremas.

A guerra é tão INFERNAL que as restrições morais devem ser afastadas se isso puder
acelerar o final do conflito.

Você está entendendo o que estamos querendo


(Walzer quer) dizer? A guerra é o pior dos cenários
e, porventura, seja justificável um ato bárbaro para
pôr fim ao inferno. É uma escolha entre males. Em
tempos de paz, esses atos poderão eventualmente
ser condenados por algumas pessoas, mas a guerra
está em outra realidade e NÃO pode ser julgada
pela moralidade (certo e errado) ordinária. Em
termos poéticos: “vale tudo no amor e na guerra”.

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Eu já citei Game of Thrones (As Crônicas do Gelo e do Fogo) neste encontro? Acho que sim
kkkk Há uma passagem (Batalha do Bosque dos Murmúrios) em que Robb Stark utiliza
parte dos seus soldados (a infantaria) em uma armadilha para atrair os exércitos inimigos
para a sua cavalaria. O resultado foi uma vitória esmagadora e, de quebra, Jaime Lannister
capturado. A questão moral da escolha, porém, não ficou desapercebida: Robb teve de
dormir dali em diante sabendo que havia enviado milhares de homens para a morte.

Saindo das páginas dos livros (e das telas das séries), a vida real não é diferente. Uma das
questões mais polêmicas do Século XX é a utilização, pelos EUA, de armas atômicas no
ataque ao Japão, ao final da Segunda Guerra Mundial. Conquanto a crítica ácida seja
destilada pela grande maioria dos estudiosos, há quem veja nas bombas de Hiroshima e
Nagasaki o exemplo perfeito de aplicação da teoria walzeriana.

Transcrevo aqui a interessantíssima passagem do livro “Guia politicamente incorreto da


história do mundo”, de Leandro Narloch102. Do ponto de vista do rigorismo histórico (da
forma como a história vem sendo contada), a obra é muito criticada. Mas garanto: ela é

102
São Paulo: Leya, 2013, p. 132-133.

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divertidíssima e sua visão crítica ajuda, no mínimo, a repensarmos o que apreendemos e a


ficar atentos com o que nos é ensinado – seguindo na linha das advertências de Hannah
Arendt e George Orwell.

Em junho de 1945, a Segunda Guerra Mundial terminava. Na Europa, Hitler e Mussolini


já estavam mortos e, no Pacífico, os americanos haviam derrubado as defesas
japonesas. Faltava o mais difícil: invadir o território central do Japão. No dia 18 de
junho, o presidente americano Harry Truman recebeu a estimativa de mortes que essa
operação causaria. Os generais falavam em 70 mil vítimas e em pelo menos cinco vezes
mais entre o inimigo. Em vez de dar ok a esse plano, Truman resolveu usar uma nova
tecnologia. Assim, às 8h15 do dia 6 de agosto, uma manhã de uma segunda-feira
ensolarada, um clarão silencioso destruiu a cidade de Hiroshima.
Ao decidir pelos terríveis ataques nucleares contra Hiroshima e Nagasaki, Truman não
deve ter se preocupado em evitar mortes de japoneses. Além de salvar americanos, a
estratégia já era parte da Guerra Fria: servia para afastar a União Soviética, que se
preparava para invadir territórios sob domínio japonês. No entanto, ao apressar a
rendição do Japão e evitar a invasão por terra, as bombas atômicas pouparam boa
parte do povo japonês.

A BOMBA DE HIROSHIMA SALVOU


MILHÕES DE JAPONESES

É razoável acreditar que, houvesse uma operação anfíbia rumo a Tóquio, morreriam
muito mais japoneses que as cerca de 200 mil vítimas das bombas atômicas. Só na
invasão ao arquipélago de Okinawa, pelo menos 100 mil civis morreram (um quarto da
população local), além de 70 mil soldados. Depois dessa derrota, prevendo o próximo
passo dos americanos, o exército japonês guardava10 mil aviões camicases, preparava
cerca de 800 mil soldados e instruía mulheres e crianças a lutar até a morte com facas e
espadas.
O país ainda teria de se defender das tropas soviéticas, que talvez tentassem conquistar
Tóquio antes dos americanos. O Japão tinha na época uma população do tamanho da
alemã – cerca de 70 milhões. Caso sofresse uma invasão americana e soviética ao
mesmo tempo, provavelmente teria também o mesmo destino da Alemanha, que
perdeu 10% de sua população durante a guerra, cerca de 7milhões de pessoas. Mas no
fim do conflito as mortes de japoneses ficaram na casa dos 3 milhões.
Talvez a tragédia fosse ainda maior que a da Alemanha, pois nem mesmo os nazistas
eram nacionalistas tão fanáticos quanto os japoneses. Não só pilotos camicases
acreditavam ser honrado sacrificar-se pela pátria – boa parte dos japoneses preferia
morrer lutando a se render. Em Okinawa, milhares de cidadãos, ao perceberem a vitória
dos Aliados, participaram de suicídios coletivos para evitar serem capturados – ou foram
forçados a isso pelos militares.
O nacionalismo japonês era tão forte que, mesmo depois dos ataques nucleares a
Hiroshima, ainda havia oficiais contra a rendição incondicional. Só após o bombardeio a

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Nagasaki, a cúpula militar passou a acreditar que os americanos tinham várias bombas
atômicas e se deu por vencida. Mesmo depois disso, jovens militares se revoltaram para
seguir em guerra. Entre os dias 13 e15 de agosto de 1945, homens liderados pelo
major Kenji Hatanaka, de 21 anos, tentaram dar um golpe de estado para evitar a
rendição, mas foram controlados.
Em 15 de agosto, o imperador Hiroíto pôde, enfim, anunciar a rendição pelo rádio. Seu
discurso continha um dos mais extraordinários eufemismos da história: “a situação de
guerra não se desenvolveu necessariamente para a vantagem do Japão”.

Certamente, haverá, com razão, corações que palpitarão pela desumanidade do ato. Mas
como refere Walzer: na guerra, a desumanidade é nada mais que a humanidade sob
pressão. Resta-nos refletir e, de todas as maneiras possíveis, evitar que o inferno da guerra
se inicie, porque uma vez encetado, os atos que levam a seu desfecho são da pior estirpe.

9 QUESTÕES

9.1 QUESTÕES SEM COMENTÁRIOS

Q1. Ano: 2010 Banca: CESPE Órgão: DPU Prova: CESPE - 2010 - DPU - Defensor Público
Federal
De acordo com as concepções teóricas do marxismo, julgue o item seguinte.
Segundo Louis Althusser, o aparelho ideológico de Estado dominante para a burguesia
era a Igreja

Q2. Ano: 2014 Banca: CESPE Órgão: Câmara dos Deputados Prova: CESPE - 2014 -
Câmara dos Deputados - Analista Legislativo
A respeito da teoria política, julgue o item subsecutivo.

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A partir de uma abordagem marxista, Antonio Gramsci reforçou o sentido da ação


política subordinada às forças materiais e enfatizou a supremacia da estrutura
econômica sobre a superestrutura ideológica.

Q3. Ano: 2015 Banca: VUNESP Órgão: Prefeitura de São Paulo - SP Prova: VUNESP -
2015 - Prefeitura de São Paulo - SP - Analista de Políticas Públicas e Gestão
Governamental
É preciso que, pela disposição das coisas, o poder freie o poder. (Montesquieu, O
Espírito das Leis. Adaptado)
A afirmação de Montesquieu, filósofo iluminista francês do século XVIII, indica uma
importante característica das democracias contemporâneas, expressa corretamente
na ideia de
a) dissociação do poder soberano e sua partição com base nas três funções
fundamentais do Estado – a legislativa, a executiva e a judiciária.
b) pertencimento a uma comunidade política nacional, com direitos e deveres comuns
e responsabilidades sobre os poderes constituídos.
c) controle do território por um governo amparado por um sistema legal e com
capacidade de utilizar a força militar para implementar suas políticas.
d) autoridade do governo sobre uma área com fronteiras claras, dentro da qual ele
representa o poder supremo e soberano.
e) autodeterminação dos povos baseada no direito natural das nações que
compartilham uma origem, uma cultura e uma língua comuns.

Q4. Ano: 2012 Banca: CESPE Órgão: MCT Prova: CESPE - 2012 - MCT - Analista em
Ciência e Tecnologia Pleno
Com relação aos modelos de distribuição de poder e às teorias da democracia, julgue
o item seguinte.
Poliarquias são regimes políticos cujas estruturas possuem altos índices de
liberalização, mas não de inclusão.

Q5. Ano: 2017 Banca: IFB Órgão: IFB Prova: IFB - 2017 - IFB - Professor
Ao discutir a Filosofia Política de Maquiavel fica mais fácil compreender as manobras
políticas contemporâneas. O filósofo ao discorrer sobre o “Principado Civil” (O
Príncipe, cap. IX), debatendo os cuidados que se deve ter tendo em vista a forma
como chegou ao poder, afirma:

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I) o principado é causado pelo povo ou pelos poderosos, conforme haja oportunidade


de agir para uma ou outra destas partes;
II) o povo vendo que não pode resistir aos poderosos, volta a atenção a um, e o elege
príncipe, para poder defender-se com a autoridade dele;
III) aquele que atinge o principado com a ajuda dos poderosos consegue manter-se
com mais facilidade no poder;
IV) aquele que chega ao principado com o favor popular, acha-se só, e tem em torno
de si ou nenhum ou pouquíssimos que não estão preparados para obedecê-lo;
V) do povo inimigo o príncipe nunca pode estar seguro, por serem muitos, ao passo
que pode defender-se contra os poderosos, por serem poucos.
Estão CORRETAS as afirmativas:
a) I, II, III e IV
b) V, I, II e III
c) IV, V, I e II
d) III, IV, V e I
e) II, III, IV e V

Q6. Ano: 2010 Banca: ESAF Órgão: MPOG Prova: ESAF - 2010 - MPOG - Analista de
Planejamento e Orçamento - Planejamento e Orçamento
A discussão sobre os temas centrais da Teoria Clássica formaram a base da moderna
Ciência Política. Assinale a opção correta.
a) No mundo antigo, a ética estava inextricavelmente atrelada à política, pois que o
pressuposto diretor desta era aquele que apontava a associação humana em
comunidades políticas, como algo teleologicamente natural. A divisão entre esfera
pública e privada, no campo político, não estava muito clara, uma vez que a política
era considerada uma extensão dos assuntos particulares.
b) A filosofia política clássica, sobretudo interpretada pelo sistema teórico platônico,
comporta que a finalidade da política é um preceito oriundo da natureza humana,
distinguível pelo logos, em cumprir a excelência virtuosa, por meio de opções e
escolhas que permitam se alcançar o bem comum, sem se preocupar com a essência
das coisas.
c) No Renascimento, o rompimento com o ideal da política clássica se dá com Spinoza,
quando este rechaça a moral cristã como fundamento e finalidade da política,
teorizando a construção de uma "moral própria" da natureza "passional" humana
aplicada ao "como" manter a unidade e logro de um "poder externo" que preveja e
conserve os homens em certa direção, evitando o supremo mal da aglutinação
irracional de uns contra outros.

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d) Bodin justifica que a instabilidade do conviver humano deve ser erradicada por um
poder soberano, indivisível, uno e inalienável, que tenha o condão de evitar o sumo
malus; mas que, sobretudo, seja forte o sufi ciente de modo a evitar a anarquia para
ele, a ameaça de prevalecer as condições objetivas do que denomina Estado de
natureza. Bodin denomina tal Estado de Leviatã.
e) Os contratualistas Hobbes e Rosseau, bem como o precursor da ciência política,
Karl Marx, tiveram seus pensamentos aplicados na estrutura das convenções
modernas e, sobretudo, foram responsáveis pelo projeto político sob o qual se vive
hoje. A concepção de direito natural, no que toca a um código de preceitos dados ao
homem pela razão de assim ser, justificam os limites do império das legislações
normativas contemporâneas, notadamente as Constituições.

Q7. Ano: 2014 Banca: MPE-SC Órgão: MPE-SC Prova: Promotor de Justiça
Analise o enunciado da questão abaixo e assinale se ele é Certo ou Errado.
Na obra de Jean-Jacques Rousseau, nota-se a preocupação com o respeito à vontade
geral dos indivíduos que compõem o Estado, além de uma constante crença na
bondade da natureza humana, ao contrário do que defendeu Hobbes. Para Rousseau
o homem nasce bom, porém, com as disputas existentes no meio em que se encontra
inserido, acaba se degenerando. Enfatizando o valor ao predomínio da vontade
individual, defende que direitos essenciais possam ser renunciados, como a liberdade
e igualdade.

Q8. Ano: 2017 Banca: UFMT Órgão: POLITEC-MT Provas: UFMT - 2017 - POLITEC-MT -
Papiloscopista
"O modelo contratualista [...] é essencialmente um método para dar uma resposta
racional à pergunta que num certo sentido faz unidade com o pensamento político, a
saber: como deve ser organizado um estado legítimo, ao qual todos os cidadãos sejam
obrigados a dar o seu assentimento" (Stefano Petruccini. Modelos de Filosofia
Política. São Paulo: Paulus, 2014.)
A partir das informações do texto, analise as afirmativas.
I - O modelo contratualista apresenta uma contraposição entre um estado de
natureza (pré-político) e um estado civil (político).
II - O estado de natureza, para Thomas Hobbes, é caracterizado como uma "guerra de
todos contra todos".
III - Na concepção lockeana do contrato social, a propriedade privada não constitui um
direito inviolável.
IV - Para Rousseau, no pacto social, o indivíduo abdica de sua liberdade em prol da
segurança de sua vida.

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Está correto o que se afirma em


a) II e III.
b) I e IV.
c) III e IV.
d) I e II.

Q9. Ano: 2017 Banca: FGV Órgão: OAB Prova: FGV - 2017 - OAB - Exame de Ordem
Unificado - XXIV
É verdade que nas democracias o povo parece fazer o que quer, mas a liberdade
política não consiste nisso (Montesquieu)
No preâmbulo da Constituição da República, os constituintes afirmaram instituir um
Estado Democrático destinado a assegurar, dentre outras coisas, a liberdade. Esse é
um conceito de fundamental importância para a Filosofia do Direito, muito debatido
por inúmeros autores. Uma importante definição utilizada no mundo jurídico é a que
foi dada por Montesquieu em seu Do Espírito das Leis.
Assinale a opção que apresenta a definição desse autor na obra citada.
a) A liberdade consiste na forma de governo dos homens, e não no governo das leis.
b) A disposição de espírito pela qual a alma humana nunca pode ser aprisionada é o
que chamamos de liberdade.
c) Liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem.
d) O direito de resistência aos governos injustos é a expressão maior da liberdade.

Q10. Ano: 2018 Banca: FCC Órgão: Câmara Legislativa do Distrito Federal Prova: FCC -
2018 - Câmara Legislativa do Distrito Federal - Consultor Legislativo - Redação
Parlamentar
A política não é necessária, em absoluto – seja no sentido de uma necessidade
imperiosa da natureza humana como a fome ou o amor, seja no sentido de uma
instituição indispensável do convívio humano. Aliás, ela só começa onde cessa o reino
das necessidades materiais e da força física. Como tal, a coisa política existiu sempre e
em toda parte tão pouco que, falando em termos históricos, apenas poucas grandes
épocas a conheceram e realizaram. Esses poucos e grandes acasos felizes da História
são, porém, decisivos; é só neles que se manifesta de cheio o sentido da política e, na
verdade, tanto o bem quanto a desgraça da coisa política. Com isso, eles tornam-se
determinantes, mas não a ponto de poder ser copiadas as formas de organização que
lhes são inerentes, e sim porque certas ideias e conceitos que se tornaram plena
realidade para um curto período de tempo, também co-determinem as épocas para
as quais seja negada uma experiência plena com a coisa política.

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(Adaptado de: ARENDT, Hannah. O que é Política? – fragmentos das obras póstumas
compilados por Úrsula Ludz. Tradução de Reinaldo Guarany, 11.ed., Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2013, pp. 50-51)
O texto acima é classificado como parte de uma obra de
a) Ciência Política.
b) História Política.
c) Análise Política.
d) Filosofia Política.
e) Sociologia Política.

9.2 GABARITO

Q1. ERRADO

Q2. ERRADO

Q3. A

Q4. ERRADO

Q5. C

Q6. A

Q7. ERRADO

Q8. D

Q9. C

Q10. D

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9.3 QUESTÕES COM COMENTÁRIOS

Q1. Ano: 2010 Banca: CESPE Órgão: DPU Prova: CESPE - 2010 - DPU - Defensor Público
Federal
De acordo com as concepções teóricas do marxismo, julgue o item seguinte.
Segundo Louis Althusser, o aparelho ideológico de Estado dominante para a burguesia
era a Igreja.

Comentários
Essa é para ficar ligado! Não trabalhamos especificamente as ideias de Louis Althusser. Isso
porque vimos a teoria abrangente de Antonio Gramsci, que segue na mesma linha e tem
maior envergadura e peso histórico. De toda forma, quanto ao autor demandado na
questão, embora a Igreja também seja importante para o desenvolvimento da dominação,
o principal aparelho ideológico do poder é a ESCOLA. Não é à toa que, no Brasil e no
mundo, o marxismo cultural se atirou de cabeça nas instituições de ensino (primeiro
universidades, depois escolas).
Em vista disso, o item está ERRADO.

Q2. Ano: 2014 Banca: CESPE Órgão: Câmara dos Deputados Prova: CESPE - 2014 -
Câmara dos Deputados - Analista Legislativo
A respeito da teoria política, julgue o item subsecutivo.
A partir de uma abordagem marxista, Antonio Gramsci reforçou o sentido da ação
política subordinada às forças materiais e enfatizou a supremacia da estrutura
econômica sobre a superestrutura ideológica

Comentários
Para Marx, a infraestrutura (relações sociais de produção) era base da ideologia dominante,
ou seja, de toda a superestrutura – o proletariado sequer tinha uma ideologia própria, mas
apenas uma falsa consciência. A mudança dessa realidade, então, só poderia ser operada
por um único caminho: a revolução, que extinguiria as relações sociais de produção
capitalistas (infraestrutura) e, por consequência, derrubaria a superestrutura.
Com Gramsci, a teoria marxista ganha uma nova dimensão: a superestrutura passa a ter
importância prevalente sobre a infraestrutura – o caminho seria quebrar a hegemonia que

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o grupo dominante exerce por meio de aparatos considerados privados (igreja, escola,
mídia, etc.).
Alcunhado de marxismo das superestruturas, o modelo de Gramsci atribui um papel
central à ideologia (construída pelas instituições) e, pautando-se no conceito de “bloco
hegemônico”, esclarece que o poder das classes dominantes no seio do modo de produção
capitalista NÃO reside apenas no controle dos aparelhos repressivos do Estado, mas
também no sistema de ideias, doutrinas e crenças de uma sociedade.
Em suma, é na sociedade civil que ocorrerá a revolução silenciosa.
Logo, o item está ERRADO.

Q3. Ano: 2015 Banca: VUNESP Órgão: Prefeitura de São Paulo - SP Prova: VUNESP -
2015 - Prefeitura de São Paulo - SP - Analista de Políticas Públicas e Gestão
Governamental
É preciso que, pela disposição das coisas, o poder freie o poder. (Montesquieu, O
Espírito das Leis. Adaptado)
A afirmação de Montesquieu, filósofo iluminista francês do século XVIII, indica uma
importante característica das democracias contemporâneas, expressa corretamente
na ideia de
a) dissociação do poder soberano e sua partição com base nas três funções
fundamentais do Estado – a legislativa, a executiva e a judiciária.
b) pertencimento a uma comunidade política nacional, com direitos e deveres comuns
e responsabilidades sobre os poderes constituídos.
c) controle do território por um governo amparado por um sistema legal e com
capacidade de utilizar a força militar para implementar suas políticas.
d) autoridade do governo sobre uma área com fronteiras claras, dentro da qual ele
representa o poder supremo e soberano.
e) autodeterminação dos povos baseada no direito natural das nações que
compartilham uma origem, uma cultura e uma língua comuns.

Comentários
Não vamos nem ficar aqui tergiversando em circunlóquios desnecessários (falei pouco, mas
falei bonito, não é?). A frase do enunciado é uma flecha de luzes piscando a apontar para a
tripartição das funções estatais. Sem mais!
Em vista disso, a alternativa A é a correta e gabarito da questão.

Q4. Ano: 2012 Banca: CESPE Órgão: MCT Prova: CESPE - 2012 - MCT - Analista em
Ciência e Tecnologia Pleno

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Com relação aos modelos de distribuição de poder e às teorias da democracia, julgue


o item seguinte.
Poliarquias são regimes políticos cujas estruturas possuem altos índices de
liberalização, mas não de inclusão.

Comentários
Aproveitamos o espaço aqui para tratar de pequenos tópicos que não foram abordados
especificamente no encontro. Fazendo o acabamento. Conferindo os detalhes. Lapidando o
diamante. Pois bem. Poliarquias são democracia no seu mais alto nível de
desenvolvimento. Tendo, portanto, altos índices de inclusão popular.
Em vista disso, o item está ERRADO.

Q5. Ano: 2017 Banca: IFB Órgão: IFB Prova: IFB - 2017 - IFB - Professor - Filosofia
Ao discutir a Filosofia Política de Maquiavel fica mais fácil compreender as manobras
políticas contemporâneas. O filósofo ao discorrer sobre o “Principado Civil” (O
Príncipe, cap. IX), debatendo os cuidados que se deve ter tendo em vista a forma
como chegou ao poder, afirma:
I) o principado é causado pelo povo ou pelos poderosos, conforme haja oportunidade
de agir para uma ou outra destas partes;
II) o povo vendo que não pode resistir aos poderosos, volta a atenção a um, e o elege
príncipe, para poder defender-se com a autoridade dele;
III) aquele que atinge o principado com a ajuda dos poderosos consegue manter-se
com mais facilidade no poder;
IV) aquele que chega ao principado com o favor popular, acha-se só, e tem em torno
de si ou nenhum ou pouquíssimos que não estão preparados para obedecê-lo;
V) do povo inimigo o príncipe nunca pode estar seguro, por serem muitos, ao passo
que pode defender-se contra os poderosos, por serem poucos.
Estão CORRETAS as afirmativas:
a) I, II, III e IV
b) V, I, II e III
c) IV, V, I e II
d) III, IV, V e I
e) II, III, IV e V

Comentários
I = isso! Ao “principado se chega pelo favor do povo ou pela graça dos poderosos”.

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II = exato! O “povo, do mesmo modo, vendo que não resistirá aos grandes, dá reputação a
um cidadão e o elege príncipe para defender-se sob sua autoridade”.
III = nops! “O que sobe ao principado auxiliado pelos grandes, mantém-se com maiores
dificuldades do que o que se elege pelo povo; acha-se aquele que tem muita gente ao
redor que lhe parece igual a ele e por isso não pode comandá-la nem manejar como
quiser”.
IV = perfeito! “aquele que alcança o principado pelo favor do povo, acha-se só e ao seu
redor, ou não tem ninguém ou alguns poucos que não estão aptos a obedecê-lo”.
V = não é exatamente o que está no texto, mas está valendo. “Contra a hostilidade popular,
não pode o príncipe jamais estar seguro, pois são muitos; com relação aos grandes, pode,
porque são poucos. O pior que um príncipe pode esperar do povo hostil é que ele o
abandone. Da inimizade dos grandes, porém, não só deve temer que o abandonem, mas
que também o ataquem, pois estes têm maior alcance de vistas é astúcia maior, e sempre
têm tempo de se salvar, procurando achegar-se dos prováveis vitoriosos”.
Em vista disso, a alternativa C é a correta e gabarito da questão.

Q6. Ano: 2010 Banca: ESAF Órgão: MPOG Prova: ESAF - 2010 - MPOG - Analista de
Planejamento e Orçamento - Planejamento e Orçamento
A discussão sobre os temas centrais da Teoria Clássica formaram a base da moderna
Ciência Política. Assinale a opção correta.
a) No mundo antigo, a ética estava inextricavelmente atrelada à política, pois que o
pressuposto diretor desta era aquele que apontava a associação humana em
comunidades políticas, como algo teleologicamente natural. A divisão entre esfera
pública e privada, no campo político, não estava muito clara, uma vez que a política
era considerada uma extensão dos assuntos particulares.
b) A filosofia política clássica, sobretudo interpretada pelo sistema teórico platônico,
comporta que a finalidade da política é um preceito oriundo da natureza humana,
distinguível pelo logos, em cumprir a excelência virtuosa, por meio de opções e
escolhas que permitam se alcançar o bem comum, sem se preocupar com a essência
das coisas.
c) No Renascimento, o rompimento com o ideal da política clássica se dá com Spinoza,
quando este rechaça a moral cristã como fundamento e finalidade da política,
teorizando a construção de uma "moral própria" da natureza "passional" humana
aplicada ao "como" manter a unidade e logro de um "poder externo" que preveja e
conserve os homens em certa direção, evitando o supremo mal da aglutinação
irracional de uns contra outros.
d) Bodin justifica que a instabilidade do conviver humano deve ser erradicada por um
poder soberano, indivisível, uno e inalienável, que tenha o condão de evitar o sumo
malus; mas que, sobretudo, seja forte o sufi ciente de modo a evitar a anarquia para

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ele, a ameaça de prevalecer as condições objetivas do que denomina Estado de


natureza. Bodin denomina tal Estado de Leviatã.
e) Os contratualistas Hobbes e Rosseau, bem como o precursor da ciência política,
Karl Marx, tiveram seus pensamentos aplicados na estrutura das convenções
modernas e, sobretudo, foram responsáveis pelo projeto político sob o qual se vive
hoje. A concepção de direito natural, no que toca a um código de preceitos dados ao
homem pela razão de assim ser, justificam os limites do império das legislações
normativas contemporâneas, notadamente as Constituições.

Comentários

Eita questão difícil! Essa é para desafiar geral! Vamos lá, sem desespero!
Assertiva B = “sem se preocupar com a essência das coisas”? Todo o modelo platônico é
voltado à essência das coisas (ideias). O mesmo se diga de Aristóteles, que em um deslize
(perdoável, para quem tanto acertou) chegou a dizer haver escravos por natureza (cuja
essência existencial era servir).
Assertiva C = foi Maquiavel, em 1532 (e não Spinoza) quem rompeu com o ideal da política
clássica (baseada na crença política das ideias inatas e das virtudes).
Assertiva D = essa era fácil. Quem fala em Leviatã é Thomas Hobbes.
Assertiva E = Marx precursor da ciência política? Faz-me rir. Fica para a próxima,
barbudinho.
Assertiva A = no mundo antigo (Grécia, sobretudo), a política se relacionava
intrinsicamente à ética. Sócrates, Platão... todos esses caras tratavam do bom governo
relacionando-o às virtudes morais do governante. É apenas com Maquiavel, e sua obra “O
Príncipe”, que é quebrada essa lógica finalística (ou teleológica, no termo utilizado pela
afirmativa).
Em vista disso, a alternativa A é a correta e gabarito da questão.

Q7. Ano: 2014 Banca: MPE-SC Órgão: MPE-SC Prova: Promotor de Justiça
Analise o enunciado da questão abaixo e assinale se ele é Certo ou Errado.
Na obra de Jean-Jacques Rousseau, nota-se a preocupação com o respeito à vontade
geral dos indivíduos que compõem o Estado, além de uma constante crença na
bondade da natureza humana, ao contrário do que defendeu Hobbes. Para Rousseau
o homem nasce bom, porém, com as disputas existentes no meio em que se encontra
inserido, acaba se degenerando. Enfatizando o valor ao predomínio da vontade
individual, defende que direitos essenciais possam ser renunciados, como a liberdade
e igualdade.

Comentários

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Para Hobbes, o Estado de Natureza é um estado de guerra contra todos, em que cada um
busca atropelar o outro para satisfazer os próprios desejos. O contrato social surge para
resguardar a paz, mediante a renúncia da liberdade. Já para Rousseau, no estado primitivo
o homem vivia em feliz harmonia. É com o surgimento da propriedade privada que o
conflito se instaura. O contrato social, nesse cenário, tem como função garantir a igualdade
entre as pessoas. O que lasca o item é a seguinte afirmação: “defende que direitos
essenciais possam ser renunciados, como a liberdade e igualdade”. Rousseau adverte que o
homem NÃO se pode renunciar à liberdade (questão ínsita à natureza humana) – não há
compensação possível para que renuncia a tudo e se coloca como escravo.
Logo, o item está ERRADO.

Q8. Ano: 2017 Banca: UFMT Órgão: POLITEC-MT Provas: UFMT - 2017 - POLITEC-MT -
Papiloscopista
"O modelo contratualista [...] é essencialmente um método para dar uma resposta
racional à pergunta que num certo sentido faz unidade com o pensamento político, a
saber: como deve ser organizado um estado legítimo, ao qual todos os cidadãos sejam
obrigados a dar o seu assentimento" (Stefano Petruccini. Modelos de Filosofia
Política. São Paulo: Paulus, 2014.)
A partir das informações do texto, analise as afirmativas.
I - O modelo contratualista apresenta uma contraposição entre um estado de
natureza (pré-político) e um estado civil (político).
II - O estado de natureza, para Thomas Hobbes, é caracterizado como uma "guerra de
todos contra todos".
III - Na concepção lockeana do contrato social, a propriedade privada não constitui um
direito inviolável.
IV - Para Rousseau, no pacto social, o indivíduo abdica de sua liberdade em prol da
segurança de sua vida.
Está correto o que se afirma em
a) II e III.
b) I e IV.
c) III e IV.
d) I e II.

Comentários
I = descrição perfeita: estado de natureza (pré-político) e estado civil (político).
II = Hobbes: o homem é o lobo do homem. Logo, no estado de natureza há "guerra de
todos contra todos".

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III = Opa! Locke prevê a propriedade como direito natural inviolável.


IV = é só em Hobbes que o homem abdica de sua liberdade. Locke e Rousseau são enfáticos
em afirmar que a sociedade política cria um novo tipo de liberdade.
Em vista disso, a alternativa D (I e II) é a correta e gabarito da questão.

Q9. Ano: 2017 Banca: FGV Órgão: OAB Prova: FGV - 2017 - OAB - Exame de Ordem
Unificado - XXIV
É verdade que nas democracias o povo parece fazer o que quer, mas a liberdade
política não consiste nisso (Montesquieu)
No preâmbulo da Constituição da República, os constituintes afirmaram instituir um
Estado Democrático destinado a assegurar, dentre outras coisas, a liberdade. Esse é
um conceito de fundamental importância para a Filosofia do Direito, muito debatido
por inúmeros autores. Uma importante definição utilizada no mundo jurídico é a que
foi dada por Montesquieu em seu Do Espírito das Leis.
Assinale a opção que apresenta a definição desse autor na obra citada.
a) A liberdade consiste na forma de governo dos homens, e não no governo das leis.
b) A disposição de espírito pela qual a alma humana nunca pode ser aprisionada é o
que chamamos de liberdade.
c) Liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem.
d) O direito de resistência aos governos injustos é a expressão maior da liberdade.

Comentários
Assertiva A = se as leis não servem para nada, o que rege o governo e a relação entre os
homens? Melhor seria então retornar ao estado de natureza...
Assertiva B = muito fresco (poético) para uma obra que cria a ciência política justamente
pelo seu realismo.
Assertiva D = essa seria mais a pegada de Locke.
Assertiva C = exato! No livro décimo, em seu capítulo III, Montesquieu lacrou: “a liberdade
é o direito de fazer tudo o que as leis permitem; e se um cidadão pudesse fazer o que elas
proíbem ele já não teria liberdade, porque os outros também teriam este poder”.
Em vista disso, a alternativa C é a correta e gabarito da questão.

Q10. Ano: 2018 Banca: FCC Órgão: Câmara Legislativa do Distrito Federal Prova: FCC -
2018 - Câmara Legislativa do Distrito Federal - Consultor Legislativo - Redação
Parlamentar

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A política não é necessária, em absoluto – seja no sentido de uma necessidade


imperiosa da natureza humana como a fome ou o amor, seja no sentido de uma
instituição indispensável do convívio humano. Aliás, ela só começa onde cessa o reino
das necessidades materiais e da força física. Como tal, a coisa política existiu sempre e
em toda parte tão pouco que, falando em termos históricos, apenas poucas grandes
épocas a conheceram e realizaram. Esses poucos e grandes acasos felizes da História
são, porém, decisivos; é só neles que se manifesta de cheio o sentido da política e, na
verdade, tanto o bem quanto a desgraça da coisa política. Com isso, eles tornam-se
determinantes, mas não a ponto de poder ser copiadas as formas de organização que
lhes são inerentes, e sim porque certas ideias e conceitos que se tornaram plena
realidade para um curto período de tempo, também co-determinem as épocas para
as quais seja negada uma experiência plena com a coisa política.
(Adaptado de: ARENDT, Hannah. O que é Política? – fragmentos das obras póstumas
compilados por Úrsula Ludz. Tradução de Reinaldo Guarany, 11.ed., Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2013, pp. 50-51)
O texto acima é classificado como parte de uma obra de
a) Ciência Política.
b) História Política.
c) Análise Política.
d) Filosofia Política.
e) Sociologia Política.

Comentários
Para quem marcou a assertiva A: PEGADINHA! A Filosofia tem por objetivo a análise crítica
dos modelos de pensamento em geral. Ela olha os fefômenos de cima de busca atuar
universalmente no que é especializado. O texto de Arendt tem essa característica, pois
ingressa fundo na essência (necessidade) da própria política, sem a tomar como uma
premissa e buscar modelos de organização social (ciência política).
Em vista disso, a alternativa D é a correta e gabarito da questão.

10RESUMO

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POLÍTICA
 Política é a atividade na qual os homens deliberam as regras que regerão sua convivência e os objetivos
que buscarão coletivamente.

 Política é a organização harmônica da oposição de vontades, influenciada e condicionada por todo o agir do
ser-humano, ao mesmo tempo em que influencia e condiciona esse mesmo agir, em sua totalidade. É arte de
transformar tendências sociais em normas jurídicas (Hermann Heller).

EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO POLÍTICO


 Antiguidade: prevalece a ligação da moral com a política (Confúcio, Platão, Aristóteles, Cícero).

 Idade Medieval: escolástica e patrística. Forte ligação da religião com a política (Santo Agostinho, São Tomás de
Aquino, Egídio Romano, Al-Farabi, Ibn Khaldun).

 Absolutismo: objetivismo, com quebra da ligação entre política e moral. Discussões que envolvem os limites do
Estado e sua fonte de legitimidade (Maquiavel, Hobbes, Locke e Montesquieu).

 Era das Revoluções: as estruturas sociais são completamente alteradas pelas Revoluções Americana e Francesa, que
trazem ao mundo a república presidencialista e os direitos fundamentais. Os autores discutem a possibilidade de se
modificar a sociedade pela atividade política (Rousseau, Bastiat, Burke, Bentham, Kant, Mill).

 Embate ideológico: com a publicação do “Manifesto Comunista”, em 1848, os debates da ciência política são
galvanizados para as discussões entre capitalistas e comunistas, bem como subtipos (como Fascismo e Nazismo). A
grande questão é a intervenção do Estado, a liberdade das pessoas e as desigualdades sociais (Tocqueville, Marx,
Anarquistas, Weber, Gentille, Gramsci, Hayek, Jellinek).

 Guerra e Pós-guerra: A Segunda Guerra Mundial trouxe para a política não apenas questões relativas ao direito de
guerra, mas também em relação ao âmbito de atuação estatal. A Guerra Fria manteria vivas as chamas do debate e
abriria espaço para discussões acerca de uma sociedade melhor nos tempos modernos (Carl Schmitt, Maududi, Arendt,
Rawls, Nozick, Walzer).

AUTORES

As pessoas mudam pelo exemplo sincero. Assim, o governo tem por obrigação servir
de exemplo, pautando-se por princípios tradicionais (bondade, virtude, fé,
Confúcio
sinceridade), o que invariavelmente levaria o povo a ser bom e a nação à
prosperidade. O líder tem de ser um homem superior.

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A sociedade só poderá prosperar se os filósofos forem reis ou (ao menos) se os reis


Platão forem filósofos. Os reis-filósofos são os únicos capazes de guiar o povo para a vida
digna (justa).

(1) Quem governa? Uma única pessoa (monarquia), poucas pessoas (aristocracia),
muitos (politeia). (2) A favor de quem se governa? No interesse próprio (tirania), no
Aristóteles interesse da classe dominante (oligarquia), no interesse de muitos (democracia). A
politeia é o governo de muitos em favor de todos. A democracia (forma
corrompida) é o governo de muitos em favor de muitos.

Sem controles e equilíbrios recíprocos, o governo é jogado de um lado para o outro,


Cícero
como uma bola.

Há a cidade de Deus e a cidade terrena (onde predomina o pecado). A única madeira


Santo Agostinho de se fazer com que o povo suba à cidade de Deus é garantir a influência da Igreja
no Estado, de modo que as leis terrenas estejam adequadas às leis divinas.

O que distingue um bom governo de um mau governo (e lhe dá legitimidade) é a


produção de leis justas (de acordo com a lei divina). Há três leis: (1) Lei eterna =
vinda diretamente de Deus para reger o Universo; (2) Lei natural = tradução da lei
São Tomás de
divina para a linguagem dos homens (por meio do dom da razão), estabelecendo o
Aquino
código moral e ético (certo e errado, justo e injusto); (3) Lei humana (positiva) = lei
criada pelo homem para governar questões cotidianas e viabilizar o funcionamento
das comunidades (regulamenta a lei natural).

O que diferencia o homem da fera e o tirano do político é a sujeição à lei. Todos


Egídio Romano devem cumprir a lei (tanto o cidadão comum como o governante). Aqueles que não
se sujeitam à lei excluem-se da sociedade civil.

Razões para os homens não chegarem a uma vida virtuosa: (a) ignorância: o povo
não sabe que a felicidade vem das virtudes; (b) enganação: o povo não entende as
Al-Farabi virtudes; (c) perversão: o povo sabe o que é uma vida virtuosa, mas escolhe não a
seguir (prefere o prazer e a riqueza). O profeta-filósofo pode guiar o povo à vida
virtuosa.

Todo governo contém dentro de si as sementes da sua própria corrupção: o poder,


que enfeitiça os homens e os fazem querer privilegiar seus próprios interesses, em
Ibn Khaldun detrimento da sociedade – os governantes devem voltar seus olhos para o espírito
coletivo de solidariedade (asabiyyah). O governo evita a injustiça, menos a que ele
mesmo comete (o governo é um mal necessário).

Os governantes não são julgados por sua ideologia ou moralidade, sequer pelas
Nicolau ações que tomam, mas sim pelas consequências de suas ações. O soberano não
Maquiavel pode ser limitado pela moralidade, devendo fazer o que for necessário para alcançar
seus objetivos (manutenção do poder). Os fins justificam os meios.

No Estado de natureza o homem vive uma guerra de todos contra todos. Pelo
contrato social, o homem abdica do direito de violência e confere poder absoluto
Thomas Hobbes
para o governante manter a paz, criando-se o Levitã (poder visível, gigantesco
homem artificial, para proteção da sociedade).

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Ao ingressar em sociedade o homem NÃO confere poderes absolutos ao soberano,


apenas substitui uma liberdade anárquica por uma liberdade racional (mais segura).
John Locke O contrato social visa à defesa da vida, da liberdade e da propriedade – direitos
naturais que estão acima do Estado, e que se forem desrespeitados dão ensejo ao
direito de resistência.

Para que não se possa abusar do poder é preciso que, pela disposição das coisas, o
poder freie o poder (tripartição dos poderes). Categorização dos governos: (a)
república = o corpo do povo ou apenas uma parte do povo detém a força suprema;
Montesquieu
(b) monarquia = um só governa, mas por meio de leis fixas e estáveis; (c)
despotismo = governo de um só, sem lei e sem regras, tudo sendo arrastado
segundo a sua vontade e os seus caprichos.

A criação da propriedade dividiu os homens em proprietários e sem propriedade,


afetando a compaixão natural e transformando o desejo de autopreservação em
Jean-Jackes
desejo de posses e orgulho autodestrutivo. O contrato social busca restaurar a
Rosseau
igualdade sem prejuízo da liberdade. A sociedade, guiada pela vontade geral, pode
ser moldada pela ação política para ser mais justa.

O Estado nada mais é do que a organização coletiva do direito individual de


legítima defesa. Logo, não pode fazer o que um homem, sozinho, não poderia
Frédéric Bastiat (como tomar a propriedade alheia). O Estado deve ser uma força negativa destinada
a reprimir injustiças. Não cabe à ação política moldar a sociedade – os homens não
são massa de modelar para a mão dos governantes.

Qualquer um que acredite que pode usar seus poderes racionais para destruir a
sociedade e construi-la de novo (melhor e a partir do nada) é tolo e arrogante. O
governo é como um ser vivo, com um passado, um presente e um futuro. NÃO é
Edmund Burke
possível matá-lo e reiniciá-lo. As ideias de direitos abstratos, por sua vez, nada
significam se não forem associadas a situações concretas: a política é a arte do
possível.

Tanto a moralidade privada quanto as políticas públicas devem ser reduzidas ao


princípio da utilidade (um ato bom é aquele que traz a maior felicidade para o
Jeremy Bentham maior número de pessoas possível). E como mesmo a melhor lei tem, em sua
natureza, um mal (restrição da liberdade), só são admissíveis leis que tragam mais
benefício do que malefício. Governar é escolher entre males.

Nenhum princípio válido pode ser baseado na felicidade, afinal, ninguém pode
impor o que é felicidade para outra pessoa. NÃO é papel do estado cuidar da
Immanuel Kant
felicidade de quem quer que seja. Cumpre ao Estado garantir a liberdade das
pessoas dentro da lei.

Buscou encontrar o ponto de equilíbrio entre a liberdade individual e a busca da


felicidade coletiva: cada um deve buscar sua própria felicidade e o governo só deve
(pode) intervir na liberdade dos indivíduos para evitar que uns causem danos aos
John Stuart Mill
outros. Preocupado com a tirania da maioria, Mill defendeu a importância da ideias
heterodoxas, mesmo que falsas, para possibilitar o debate e reformar as ideias
verdadeiras.

Alex Tocqueville O socialismo ignora as virtudes humanas (como a fraternidade espontânea), destrói
a propriedade (fruto da liberdade) e sufoca o indivíduo, tornando-o mera

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engrenagem na máquina coletivista. O socialismo é uma doutrina da servidão, que


despreza o indivíduo e se afasta da democracia – a democracia pretende aumentar a
autonomia do homem, o socialismo fulminá-la.

Os fatores econômicos (materiais) são o motor da história, determinando qual


modelo vai prevalecer. O capitalismo substituiu o feudalismo e será superado pelo
comunismo que abole a propriedade privada e extingue a divisão entre
Karl Marx proprietários e proletariado (os que vendem seu trabalho como se fosse
mercadoria). Como as relações econômicas são a base da pirâmide social
(infraestrutura), afetam a superestrutura (instrumentos de poder, como o Estado e
o Direito).

Pierre-Joseph São direitos naturais a liberdade, a igualdade e a segurança. E a propriedade? A


Proudhon propriedade é um roubo!

A sociedade é uma associação de indivíduos sob uma autoridade: ou do governo ou


da Igreja. Destruídas as instituições burguesas (o Estado e a religião), os homens
Mikhail Bakunin seriam livres para dirigir suas vidas pelo princípio da solidariedade e gozar os frutos
do seu próprio trabalho. TUDO deve ser feito para destruir o Estado, inclusive
sacrificar temporariamente a ordem púbica por medidas revolucionárias.

Inseriu elementos científicos na fundamentação do anarquismo, em especial o


argumento de base evolucionista: no reino animal a cooperação é uma força mais
Piotr Kropotkin importante para a evolução do que a luta pela vida ou mesmo a seleção natural. N
sociedade humana não é diferente. A ordem mantida sob coação é desprovida de
qualquer valor.

Não precisamos do Estado: o impulso inato nos homens em atender a seus próprios
Murray Rothbard interesses leva aos melhores resultados sociais. A sociedade deve ser regida pela
livre pactuação (sociedade voluntária e autorregulada).

Eu odeio a classe média. Ela dominaria o sistema parlamentar, que ofereceria meios
para que pequenos burgueses medíocres se impusessem sobre o restante da
George Sorel
sociedade. O modo de resolver isso era a violência. A classe trabalhadora deveria
acreditar em mitos políticos (noções irrefletidas) e colocá-los em prática.

O Estado é uma comunidade humana que reivindica o monopólio legítimo do uso da


força em um território (poder + legitimidade = dominação). A dominação pode
Max Weber derivar de três modelos: (a) carismático: o líder recebe devoção (ex: demagogos e
heróis); (b) tradicional: padrões culturais institucionalizados (ex: patriarca); (c)
racional: é a legal-burocrática (ex: primeiro-ministro eleito no parlamentarismo).

NÃO diga eu, diga nós. Os deveres para com a nação vêm antes dos direitos
Giuseppe Mazzini
individuais. É essa visão coletiva que levaria o povo à prosperidade.

O coletivismo é a resposta tanto para o propósito do povo quanto para a vitalidade


e coesão do Estado. Teórico do Fascismo, Gentille aliava-se à ideia de conformação
das vontades individuais e de prevalência total do público sobre o privado, do
Giovanni Gentile
coletivo sobre o individual. Todas as instituições da sociedade civil que atuam ao
largo da organização estatal devem ser reprimidas. Só se admitem ações individuais
que preservem ou ampliem os horizontes do Estado.

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Como o Estado deve ser visto de forma ampliada (para englobar a imprensa, as
escolas, a Igreja, os sindicatos), intelectuais com ideias socialistas deveriam ser
infiltrados nos espaços de influência da sociedade civil para derrubar a hegemonia
Antonio Gramsci cultural burguesa (era isso que alteraria a infraestrutura econômica, e não o
contrário, como entendia Marx). A luta de classes NÃO pode ser travada apenas no
campo político (muito menos militar), mas também (e principalmente) no campo
social, cultural, educacional.

A ideia de planejamento central da economia, é um contrassenso prático: (a) os


planejadores jamais têm todas as informações necessárias; (b) as escolhas acabam
sendo realizadas por burocratas (antidemocrático); (c) e o controle econômico NÃO
Friedrich Hayek é meramente o controle de uma parte da vida que pode ser separada do restante; é
o controle dos meios para todos os nossos fins. Aliás, uma reivindicação por
igualdade material só pode mesmo ser satisfeita por um governo com poderes
totalitários.

O Estado, na sua forma concreta, na variedade de suas manifestações históricas,


somente pode ser justificado mediante os fins que executa. Além das funções
essenciais e limitativas, o Estado tem o dever de ordenar e auxiliar as manifestações
da solidariedade social (é responsável pela possibilidade de vida coletiva e do
George Jellinek próprio desenvolvimento social).
O sujeito, em relação ao Estado, pode estar nas seguintes posições (status): (a)
passivo: subordinação (legal); (b) ativo: direito de influência (política); (c) negativo:
campo de liberdade; (d) positivo: possibilidade de exigir prestações (sociais).

As leis atuam bem em situações normais. Mas a vida política de uma nação sempre
inclui circunstâncias excepcionais, que devem ser manejadas. Portanto, o
Carl Schmitt
governante deve estar acima da lei, para que possa decidir (legislar sem limites ou
condicionantes) em situações excepcionais (estado de exceção por ele declarado).

O islã NÃO é só uma religião, mas um programa revolucionário, que deve ser
Abul Ala executado pelos muçulmanos por meio da luta revolucionária (guerra santa - jihad).
Maududi Os opositores devem ser destruídos, até que se alcance o Estado islâmico mundial,
governado pela sharia (lei derivada das escrituras sagras e a única aceitável).

Liberdade, espaço público e cidadania são elementos indissociáveis. A liberdade


(capacidade de agir) só ocorre quando as opiniões do homem importam (no espaço
de debate público, o qual vem sendo distorcido pela generalização da mentira: todo
Hannar Arendt
fato conhecido e estabelecido pode ser negado). Ocorre que se o homem perde a
cidadania (apátrida) fica sem qualquer ordem jurídica que o proteja. O primeiro
direito do homem é o direito a ter direitos.

A ecologia rasa (crença de que os problemas ambientais podem ser resolvidos pela
adequação do modelo capitalista de produção industrial) está fadada ao insucesso,
pois centra sua ótica no ser humano. A ecologia profunda propõe uma substancial
Arne Naess reforma do comportamento do homem e do modelo organizacional da sociedade
(com redução do consumismo e busca de fontes alternativas de energia):
precisamos compreender que a natureza possui um valor intrínseco e que os seres
humanos somente habitam a Terra, não são os donos dela.

John Rawls A chave para uma sociedade melhor está na adequação do contrato social, tratando-

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se os indivíduos com efetiva igualdade, a qual só pode ser obtida por meio de
instituições sociais justas, que equilibrem as desigualdades existentes (derivadas de
dotes naturais como a inteligência ou de posições sociais de poder), distribuindo
benefícios sociais (como educação pública, tributação escalonada e acesso a cargos).

Cada pessoa é dotada de uma vida individual (um fim em si mesmo), o que lhe
confere (deve conferir) o poder de governar a si própria, desde que, em seu modo
Robert Nozick de vida, não lese os demais. As pessoas não podem ser tratadas como meio para os
fins do Estado redistributivo. A conclusão é que qualquer forma de Estado diversa
do Estado mínimo é incompatível com os direitos individuais.

A igualdade simples busca a justiça redistributiva por meio da repartição de bens


(evitando que sejam monopolizados). Mas ela é ineficaz. A igualdade complexa
ataca a predominância dos bens, evitando que sejam capazes de comandar esferas
Michael Walzer
distintas (ex: a riqueza não pode interferir na política). Cada bem deve ser
distribuído de acordo com seu significado social e de forma que nenhum possa
dominar ou distorcer a distribuição nas esferas de justiça distintas.

11 BIBLIOGRAFIA

Gostou muito do assunto e quer estudar mais? Está com tempo? Ótimo! Seguem as minhas
recomendações bibliográficas para estudos adicionais – baseio-me tanto na cobrança em
OAB/concursos quanto no aprofundamento do tema.
Se você não puder ler todos esses livros, apenas tenha certeza de que sabe a que eles se
referem e quais linhas gerais são defendidas por seus autores. Isso é bastante importante.
Depois não diga que eu não avisei ;)

ARISTÓTELES. Política.
BASTIAT, Frédéric. A lei.
HOBBES, Thomas. Leviatã.
LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo.
MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe.
MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis.
PLATÃO. A República.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social.

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Boa leitura!

12 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chegamos ao final deste nosso encontro instigante. Tenho convicção de que com as
informações disponibilizadas estamos muito mais preparados para discutir política, tentar
resolver problemas do dia a dia e, claro, responder questões de prova.
Em nossa viagem de conversível, visitamos autores que não são objeto de cobrança direta
em prova (ao menos não vi até agora), mas que podem ser tão bem manejados em uma
avalição escrita e ou oral... Nossa caixa de ferramentas sai desse encontro recheada de
novos alicates, chaves, parafusos... aparecendo qualquer problema, estaremos prontos a
resolvê-lo.
E no mais, você tá ligad@: quaisquer dúvidas, sugestões e críticas, ou se você viu algum
erro no material (ajude a melhorá-lo a cada dia), entre em contato sem hesitação. Estou
disponível no fórum do Curso ou por e-mail!
Aguardo @ amig@ na próxima aula. Até lá!
Jean Vilbert

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