Organização e Trato Pedagógico... Lutas

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Motrivivência Ano XX, Nº 31, P. 36-49 Dez.

/2008

Organização e Trato Pedagógico


do Conteúdo de Lutas na Educação
Física Escolar

Paulo Rogerio Barbosa do Nascimento1

Resumo Abstract
A sistematização do tema/conteúdo The systematization of the topic/
de lutas para a disciplina de content of wrestling for the subject
Educação Física escolar é uma of Physical Education at school is a
carência desta área de estudo. deficiency of this area of study. This
Este fato é considerado por alguns fact is considered by some teachers as
professores como restritivo ao trato limited to the pedagogical treatment
pedagógico deste tema/conteúdo. of such topic/content. We understand
Entendemos ser possível contrapor that it is possible to oppose such
esta suposta restrição, considerando: alleged limitation by considering: our
nossa concepção sobre a função da understanding of the function of Phy-
Educação Física escolar; um projeto sical Education at school, a curricu-
curricular de Educação Física; os lum for the suject, the time at school,
tempos escolares e as características and the characteristics of the student
do educando em cada etapa. Assim, in every phase. Thus, this topic/
este tema/conteúdo se justifica e pode content appears justified and can be
ser organizado, edificando-se uma organized by building a grounding so
base para que futuras intervenções that future pedagogical interventions

1 Prof. Licenciado em Educação Física - UNICRUZ/Cruz Alta-RS, Mestre em Educação nas Ciências
- UNIJUI/Ijuí-RS. Prof. Curso de Educação Física - UNIJUI/Ijuí-RS e do Curso de Educação Física
- URI/Santo Ângelo-RS. Contato: paulonascimento@urisan.tche.br
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pedagógicas tornem possível a sua make its presence and study in the
vivência e estudo no âmbito escolar. educational sphere possible. 

Palavras-chaves: Educação Física; Keywords: Physical Education; Wres-


Lutas; Conteúdo. tlings; Content. 

Introdução

A indicação do conteú- estudos e sistematizações que subsi-


do de “lutas” para a disciplina de diem o seu trato pedagógico efetivo
Educação Física escolar consta dos na escola.
Parâmetros Curriculares Nacionais A intenção deste estudo é
(PCNs), bem como é suscitada em esboçar uma possibilidade de organi-
reflexões pedagógicas de autores zação e também diretrizes para o trato
como Daolio (1996) e Soares (1995), pedagógico do conteúdo de lutas no
entre outros, que consideram a Ensino Fundamental, visualizando-o
“cultura corporal de movimento” num projeto curricular de Educação
objeto de estudo deste componente Física e adequando-o às respectivas
curricular. Na perspectiva dessas etapas escolares e características espe-
obras, as manifestações de “luta” cíficas do educando em cada etapa2,
são compreendidas como produções considerando: objetivos, conteúdos,
humanas carregadas de significados características das atividades a serem
construídos historicamente e que es- propostas e do método de ensino a
tabelecem relações constantes com e ser empregado.
nas sociedades onde estão inseridas,
são praticadas e desenvolvidas e, Metodologia
portanto, um significativo conteúdo
a ser estudado na escola. Metodologicamente, o
Indicações à parte, este caminho percorrido por esta elabo-
tema, no momento, necessita de ração compreendeu:

2 Para efeito de organização consideramos neste estudo as faixas etárias que dizem respeito a cada
etapa escolar, dentro de uma regularidade, embora não desconhecemos totalmente a realidade
encontrada no Brasil, que devido à repetência ou atrasos de aprendizagem faz com que alunos
de faixas etárias avançadas permaneçam em etapas escolares que, teoricamente, já deviam ter
sido superadas. Porém, em casos como estes, acreditamos que a necessidade passa a ser de (re)
adequarmos conteúdos, ou as formas de trabalhar estes conteúdos, procurando respeitar os tempos
de vida dos educandos (ARROYO, 2004).
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1) Revisão de bibliografia, ciplina de Educação Física escolar


considerando autores que passa, inclusive, pelo entendimento
se ocupam do tema “lutas de que ela ocorre no e a partir do
e Educação Física”: um processo dinâmico de mudanças
autor que reflete sobre paradigmáticas na área de estudos
currículo e conteúdo na da Educação Física.
Educação Física escolar; Na atualidade, o conceito
autores que pensam a de “cultura” tem sido, segundo
tematização da cultura Daolio (2004, p. 2), “a principal
corporal de movimento na categoria conceitual da área de Edu-
Educação Física Escolar; e cação Física”. O autor, ao analisar o
autores que pensam espe- conceito de cultura em produções
cificamente a luta como acadêmicas relevantes da área,
conteúdo na Educação propôs como contribuição a visão
Física escolar; antropológica de Clifford Geertz,
2) Diálogo com a literatura, “que enfatiza a dimensão simbólica
estabelecendo coerências no comportamento humano, não
entre as compreensões um simbolismo individual fruto de
explicitadas pelos diversos ações humanas isoladas, mas um
autores estudados; processo coletivo de significações
3) Esforço propositivo no inserido na própria dinâmica cul-
sentido de organizar e/ tural da sociedade”. A principal
ou visualizar a presença mudança a partir desta concepção,
e as possibilidades de segundo o autor, é a visão de Educa-
trato pedagógico deste ção Física como “área que trata do
conteúdo na disciplina de ser humano nas suas manifestações
Educação Física escolar, culturais relacionadas ao corpo”,
considerando o referencial e não mais como “área que trata
teórico adotado. apenas do corpo e do movimento”,
exclusivamente a partir da matriz
O porquê das lutas enquanto dos conhecimentos biológicos.
Entendemos a Escola como
tema/conteúdo da Educação um espaço social no qual se fazem
Física escolar presentes contínuos processos de
significações. Concordamos com
A compreensão sobre o González (2004/2005), de que en-
porquê da indicação do trato peda- tre as funções da Escola está a de
gógico do conteúdo de lutas na dis- “introduzir o aluno no mundo so-
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ciocultural que a humanidade tem que a Educação Física possa


construído, com o objetivo de que proporcionar o estudo, a apro-
eles possam se incluir no projeto, ximação e a valorização de
sempre renovado, de re-construção diversas formas de produção e
desse mundo”. Posicionamo-nos no expressão cultural dos alunos e
de outros grupos [...].
sentido de que os conhecimentos a
serem tratados por este componente
Esta concepção paradig-
curricular não devem permanecer
mática que envolve o conceito de
restritos exclusivamente a três ou
“cultura”, em nosso entendimento
quatro conteúdos. É necessário
torna as manifestações de luta um
que a Escola e a Educação Física
conteúdo justificável e passível de
considerem a ampliação das pos-
ser tematizado na escola.
sibilidades de vivências e estudos
das práticas da cultura corporal
de movimento, democratizando o
A necessidade de organização
acesso ao conhecimento, vivências do conteúdo de lutas no cur-
e significações destas práticas. Seria rículo escolar
uma Educação Física que primas-
se por contemplar, como afirma No espaço de intervenção
Daolio (1996), uma pluralidade. da escola, na atualidade, o conte-
Ou, ainda, como assinalam Neira údo de lutas é pouco acessado e,
e Nunes (2006, p. 233), a partir de inclusive, o seu trato pedagógico
um lastro teórico multicultural, suscita questionamentos e preo-
cupações diversas por parte dos
vistas no tempo, na transfor- profissionais atuantes na disciplina
mação de seus significados, na de Educação Física.
sua apropriação para posterior Nascimento e Almeida
transformação, na construção (2007) citam um trabalho de pesqui-
permanente de práticas de sa realizado pelos alunos do curso
significação, as vivências das
de graduação em Educação Física
manifestações da cultura cor-
da Unijuí/Ijuí-RS e Santa Rosa/RS
poral instigadas poderão levar
os discentes a compreender e
e da Uri/Santo Ângelo-RS na disci-
formular opiniões a respeito do plina de Metodologia do Ensino de
mundo em que vivem e aces- Lutas, desenvolvido no primeiro
sar, mesmo que parcialmente, semestre do ano de 2006.
elementos de outras culturas. O trabalho, um quesito
Nesta perspectiva, acreditamos exigido na disciplina citada, cons-
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tou de pesquisa de campo de caráter os conteúdos da área, verificaram


qualitativo, em que, balizados por que muitos conteúdos, como o de
algumas questões norteadoras, os “lutas”, não são referendados pela
acadêmicos entrevistaram profes- escola, devido à insegurança e à
sores de Educação Física que atuam falta de preparo e/ou domínio dos
em escolas locais. Basicamente, o professores.
que se buscou verificar foram as Ao tratamos a abordagem
concepções dos professores sobre pedagógica do conteúdo de lutas na
o conteúdo de lutas na disciplina escola, não podemos desmerecer que
de Educação Física, as intervenções há estranhamentos, como evidencia-
já realizadas e as formas como per- ram as pesquisas citadas. Os argumen-
cebem que o tema deve ser tratado tos favoráveis e contrários, porém,
pelo componente curricular. devem ser entendidos como elemen-
Entre outras constatações, tos importantes a serem analisados
foi possível perceber que a maioria no embate em torno da validação do
dos professores reconhece a indica- tratamento e da forma de tratamento
ção e a importância desse conteúdo, de um novo conteúdo no contexto da
porém, mencionam fatores limi- Educação Física escolar.
tantes para o seu trato pedagógico.
Citam a falta de subsídios teórico- Revisão de literatura
práticos, a ausência deste tema nos
seus cursos de graduação, a falta Encontramos na literatura
de vivência pessoal dessas práticas, da área de Educação Física algumas
assim como a preocupação com o tentativas de sistematizar o conte-
fator violência, que julgam estar údo de lutas, porém, em muitos
intrínseco a essas atividades3. Estes casos, com o foco voltado a uma
indicadores também foram percebi- ou outra modalidade de luta em
dos por Ferreira (2005), em trabalho específico.
de pesquisa semelhante. Rosário e Olivier (2000) fundamen-
Darido (2005), num trabalho que tou e sistematizou o conteúdo
objetivou compreender princípios de lutas para a Educação Infantil,
utilizados pelos professores de apresentando, inclusive, uma sé-
Educação Física para sistematizarem rie gradual de atividades ou jogos

3 Nascimento e Almeida (2007), em seus relatos de intervenção e análise contextualizada, de certa


forma relativizaram o argumento de que a “falta de vivência pessoal” em “lutas” por parte do
profissional de Educação Física e o fator “violência” impedem o trato pedagógico deste tema/
conteúdo na disciplina curricular de Educação Física.
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que contemplam diversas lógicas utilizando-se, para isto, atividades


das lutas (tocar/golpear, derrubar, de oposição ou jogos de luta. Esta
imobilizar). Essa elaboração situa- forma de conceber as atividades
se num projeto específico que visa para o trato com o conteúdo de
auxiliar na resolução de conflitos lutas, que tem como característica
em sala de aula, superar a violência principal a estimulação da inteligên-
e buscar a estruturação e a melhora cia tática, fica no extremo oposto a
das relações interpessoais. metodologias centradas na reprodu-
Carratalá (s/d), Amador ção e repetição de gestos específi-
(1995) e Castarlenas (1990), no cos das lutas, típicos nos processos
contexto espanhol, desenvolveram de especialização precoce.
suas propostas para o ensino do No Brasil, Júnior e Ferreira
judô. Em comum, estas propostas (1999), de maneira diferente dos
defendem o ensino do judô median- autores já citados, desafiaram-se a
te uma metodologia ativa, baseada pensar na sistematização de uma
na resolução de problemas, desvin- proposta de ensino do judô para a
culada da ideia de especialização Educação Física escolar, pautada
precoce, contrapondo-se aos mo- na ótica denominada de crítico-
delos metodológicos que primam superadora. Nesta proposta perpas-
pelo ensino técnico, desvinculado sa uma visível preocupação com
de ações contextualizadas de luta. o estudo de questões históricas,
Estes autores não explicitam em sociais e culturais relacionadas ao
suas propostas, preocupação direta judô, além das técnicas que lhe são
com questões de ordem histórica constituintes.
e sociocultural, que entendemos Também no Brasil, Souza
conter significativos conhecimentos e Oliveira (2001) apresentaram
a serem estudados. proposta de sistematização da ca-
Os trabalhos de Olivier poeira para o Ensino Fundamental
(2000), Carratalá (s.d), Amador e Médio, igualmente demonstrando
(1995) e Castarlenas (1990), os preocupação quanto a aspectos
últimos três elaborados com vistas históricos e socioculturais e com
ao ensino do judô, trazem em co- uma maior integração da Educação
mum a compreensão de que nos Física e o tema capoeira com outras
primeiros anos escolares devem disciplinas escolares. Estes autores
ser contempladas habilidades e ou propuseram um trabalho específico
competências genéricas de luta, com técnicas próprias da capoeira,
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linearmente desenvolvidas, e ou corpo do trabalho, perpassam-no,


gradualmente compartimentaliza- constituindo no momento, a nos-
das nas específicas séries ou anos sa concepção de Educação Física
escolares. escolar, entendemos ser possível
Carreiro (2005) justifica explicitar de maneira fundamenta-
e fundamenta estratégias didáticas da, nosso entendimento atual sobre
possíveis para o trato pedagógico do a organização e trato pedagógico
tema “lutas” a partir da perspectiva deste conteúdo na escola.
da cultura corporal de movimento,
enfatizando o conhecimento em Categorias epistemológicas
detrimento de um mero fazer, pon- de referência para a constru-
tuando aspectos como lutas e mídia, ção do currículo escolar em
concentração e filosofia. O autor Educação Física
considera ainda o trato pedagógico
do conteúdo nas três dimensões: con- Primeiramente, optamos
ceitual, procedimental e atitudinal. em visualizar o lugar do conteúdo
Freitas (2007) teve como de lutas no currículo escolar de
uma das intenções de seu trabalho, Educação Física para depois espe-
demonstrar a “aplicabilidade da cificar os objetivos, exemplificar
motricidade das lutas no âmbito conteúdos para cada etapa escolar
escolar e sua importância”. O autor e delinear características das ativi-
cita “movimentos de lutas básicos” dades e do método de ensino.
que podem ser estimulados pelo Para situarmos os lugares
do conteúdo de lutas num projeto
professor de Educação Física: “chu-
de currículo escolar para o Ensino
tar, socar, cair, rolar, esquivar, agar-
Fundamental e assim melhor visu-
rar e projetar”. O trabalho nas três
alizá-los, levamos em consideração
dimensões do conteúdo também é categorias epistemológicas e seus
indicado pelo autor. desdobramentos, que foram expli-
Ao analisarmos estas pro- citadas por González (2004/2005)
duções acadêmicas e somarmos como referência para a construção
algumas de suas contribuições às de um Projeto Curricular-Guia para
reflexões pedagógicas preconizadas a Educação Física Escolar.
por Daolio (1996), Neira e Nunes As categorias epistemo-
(2006), Kunz (1994), Fensterseifer lógicas de referência e seus res-
(2001), Betti (1998), além de outros pectivos sub-eixos foram assim
autores que, mesmo não citados no especificadas:
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Categoria Motricidade

Sub-eixos Percepção do corpo e Habilidades motoras de Capacidade de jogo


ambiente base

Categoria Cultura Corporal de Movimento

Sub-eixos Esporte Ginástica Atividades rítmicas Jogo motor Atividades na


e expressivas natureza

Representações Sociais sobre as


Categorias
Práticas da Cultura Corporal de Movimento
Temas da cultura corporal de Temas da cultura corporal de
Sub-eixos
movimento - corpo e sociedade movimento e saúde

Organização e trato pedagógi- dades motoras básicas de exigência


co do conteúdo de “lutas” nas comum às lutas e estimular o desen-
respectivas etapas escolares volvimento da capacidade de tomada
de decisões específicas, que são de-
1) Anos iniciais do Ensino mandadas em situação de oposição,
Fundamental ou seja, a capacidade de jogo;
em uma segunda etapa: tematizar as
Considerando a categoria
lutas, compreendendo-as como cria-
epistemológica “motricidade” e seus
ções humanas, com características e
sub-eixos: “habilidades motoras de
base” e “capacidade de jogo”, assim lógicas diferenciadas, vivenciando-
como a categoria epistemológica as, (re)construindo-as e ou as (re)
“cultura corporal de movimento” e significando, num processo coletivo
o sub-eixo “esporte”, teremos para de estudo e apropriação das suas
os anos iniciais do Ensino Funda- lógicas e seus elementos básicos
mental os seguintes objetivos: que lhe são estruturantes.
numa primeira etapa: gradualmente Temos como possíveis
mobilizar e desenvolver as habili- conteúdos4 de ensino:

4 Ao exemplificar neste estudo (com o auxílio da literatura), como referência, alguns possíveis
conteúdos de ensino, não houve a preocupação em esgotá-los, nem em citá-los e classificá-los nas
dimensões conceituais, procedimentais e atitudinais. Cada professor, estudioso do tema, poderá
aprofundá-los e classificá-los de acordo com seus objetivos e planejamentos.
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a) desempenhar papel de As atividades práticas a


atacante e defensor; situar- serem propostas devem, como
se nos espaços; deslocar- propõe Castarlenas (1990 apud
se nos diversos planos, ESPARTERO; GUTIÉRREZ, 2004),
atacando e defendendo; ser as atividades de luta não co-
coordenar seus desloca- dificadas (atividades de luta sem
mentos; mudar de posição a complexidade técnico-tática das
em função do adversário; lutas formais), o que podemos cha-
b) desenvolver e dispo- mar, segundo Amador (1995), de
nibilizar ações motoras jogos de oposição e ou jogos de
específicas (agarrar, reter, luta. Estas atividades contemplam
desequilibrar, imobilizar, ações motoras comuns às diversas
esquivar-se, resistir, livrar- formas de luta, como “empurrar,
se) e essenciais em situ- puxar, desequilibrar, golpear, etc”,
ação de ataque e defesa além de todas as questões de ordem
nas suas diversificações cognitiva e sócio-afetiva intrínseca
possíveis, combinando-as às mesmas (OLIVIER, 2000, p. 20;
e encadeando-as inteligen- CASTARLENAS, 1990 apud ESPAR-
temente com vistas aos TERO; GUTIÉRREZ, 2004, p. 7).
fins desejados; Nesta fase, conforme Da-
c) apreciar as distâncias, o olio (1996, p. 2), as atividades são
momento de intervenção vivenciais, pois “devem propiciar
e a retomada de curso nas uma ampla gama de oportuni-
suas ações, em função da dades motoras, a fim de que o
reação de seu oponente e aluno explore sua capacidade de
ou do resultado obtido; movimentação, descubra novas
d) compreensão, apropria- expressões corporais, domine seu
ção e construção das regras corpo em várias situações, experi-
e normas das atividades; mente ações motoras com novos
e) analisar e compreender implementos, com ritmos variados,
sobre a lógica intrínseca a etc”. Será construída a ideia de se
cada modalidade de luta; opor, de combater, de lutar, através
f) adaptar, construir, (re) do jogar, de forma gradual, ativa e
construir lutas a partir de contextualizada. É o que Amador
suas lógicas, adaptando- (1995, p. 366) denominou etapa de
as ao contexto da turma, “Pré-luta”, que comporta as fases de
da escola e da Educação aproximação macrogrupal e micro-
Física. grupal. Inicia-se com tarefas moto-
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ras com grau menor de oposição, o pectivos sub-eixos, teremos para os


que permite, inclusive, gerenciar o anos finais do Ensino Fundamental
aspecto principal que está intrínseco o seguinte objetivo: proporcionar o
às atividades de luta, que é o fator estudo e as vivências5 de elementos
medo ou o exagerar na ação que técnico-táticos básicos das práticas
fica mais evidente quando está em de capoeira, karatê e judô6 e estudar
jogo o contato corporal total. Aos as dimensões históricas, sociais,
poucos é possível passar a graus culturais e filosóficas, intrínsecas a
maiores de oposição até chegar à essas atividades, e outras questões
luta corpo a corpo que, para Ama- relacionadas.
dor (1995), se constitui na etapa de Os conteúdos podem ser
luta que comporta a fase de aproxi- assim visualizados:
mação dual. È importante começar a) conhecimentos sobre
a favorecer o desenvolvimento da o que estrutura as ativi-
capacidade de análise, modificação dades: rituais, filosofias,
e ou criação das regras e acordos códigos, símbolos, regras,
de forma coletiva nas atividades, organização;
assim como as (re)leituras das lutas b) conhecimentos da di-
mais conhecidas, adaptando-as ao mensão técnico-tática:
universo infantil e escolar. elementos técnicos bási-
cos (bases/posturas, gol-
pes de ataque, golpes de
2) Anos finais do Ensino Fun- defesa), princípios táticos
damental elementares (movimen-
tações intencionais de
Considerando a categoria caráter tático, contragol-
epistemológica “práticas da cultura pes, fintas, apreciação das
corporal de movimento” e o sub-ei- distâncias...);
xo “esporte”, assim como a catego- c) conhecimentos de cará-
ria epistemológica “representações ter crítico: brigas x espor-
sociais sobre as práticas da cultura tes de luta x artes marciais,
corporal de movimento” e seus res- a violência nas lutas, riscos

5 Segundo Sbórquia e Galhardo (2006), é possível abordar conteúdos de Educação Física através de
vivências. Nessas situações, “o interesse pedagógico não está centrado no domínio técnico dos
conteúdos, mas no seu domínio conceitual, na perspectiva de um saber sistematizado que supere o
senso comum, inserido num espaço humano de convivência, em que possam ser vivificados aqueles
valores humanos que aumentem o grau de confiança e de respeito entre os integrantes do grupo”.
6 Não é descartada a possibilidade de vivência de outras modalidades de luta, como a esgrima,
por exemplo.
46

dos esportes de luta, a do o senso crítico, estaríamos, con-


presença da mulher nos forme Neira e Nunes (2006, p. 233),
esportes de luta, a forma- possibilitando a tematização junto
ção do mestre em artes aos alunos deste tema/conteúdo, o
marciais/lutas, a multipli- que tem implicação na percepção
cação dos estilos de lutas, e estudo dos “sentidos produzidos
lutas clandestinas, doping culturalmente” e manifestados nes-
nas lutas, qualidade dos tas práticas, ou seja, “as relações
serviços prestados em de poder, as questões do consumo,
academias de lutas, méto- gênero, classe, entre outras”. Nos
dos de treinamento, artes aproximaríamos, assim, do enten-
marciais e a relação com o dimento de Fensterseifer (2001, p.
crime e a política... 272), de que a legitimidade escolar
Quanto às atividades a da Educação Física estaria na “pro-
serem desenvolvidas podemos dução de um conhecimento crítico
citar: pesquisas, leituras, debates, a partir de seus conteúdos”.
palestras, visitações, análises de Durante todo o processo
vídeo, de filmes ou de fotos, ence- de ensino-aprendizagem é preciso
nações, produção textual, produção estimular a capacidade de análise,
de áudio-visual, mostra fotográfica, reflexão, compreensão, co-decisão,
vivência prática de elementos téc- interação, diálogo, criação e (re)
nicos e aspectos táticos básicos e criação coletiva de novas possibili-
específicos (individualmente e em dades e acordos (DAOLIO, 1996).
duplas), releitura ou criação de ou- Acreditamos que a metodologia de
tras possibilidades de regras ou de ensino-aprendizagem, ao privilegiar
rituais, releitura ou criação de outras estes aspectos, amplia a estimulação
formas de ataque e defesa segundo e o desenvolvimento de capacida-
lógicas diferenciadas de luta. des e ou habilidades humanas para
A temática de caráter his- além da exercitação física somente,
tórico, cultural e social deve estar no sentido do estímulo-resposta,
mais presente nas etapas finais e para além da ênfase na aquisi-
do Ensino Fundamental, pois aí o ção do gesto motor específico de
educando já possui a capacidade determinada modalidade de luta,
de abstrair e relacionar fatos, as- visando ao rendimento esportivo
sim como uma maior capacidade exclusivamente. Isto significa,
de percepção crítica da realidade segundo Kunz (1994), que além
(DAOLIO, 1996). Ao trabalhar estas de uma competência objetiva/ins-
dimensões do conteúdo, estimulan- trumental é necessário oferecer a
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possibilidade de desenvolvimento seu cotidiano de vida, no caso de


das capacidades de interação social passarem num momento ou outro
e comunicativa. a terem contato com alguma ativi-
dade de luta, como praticante ou
Considerações Finais expectador7. É imprescindível que
da releitura de cada profissional,
Na perspectiva deste es- considerando as peculiaridades de
tudo, a escola definitivamente não cada contexto escolar, resultem in-
será o local de formação do “luta- tervenções práticas fundamentadas,
dor” de específica modalidade de e que as mesmas sejam socializa-
luta, e sim do cidadão que poderá: das, experimentadas, confrontadas,
experimentar, usufruir da experiên- debatidas e avaliadas, contribuindo
cia singular de se opor em situação assim para enriquecer o processo de
de combate corporal, contemplar e construção de um corpo de conhe-
formar opinião em relação a estas cimentos significativos a respeito
atividades e a respeito de suas tra- deste tema.
jetórias históricas, a forma como se
apresentaram no passado e se apre-
sentam na atualidade nos diversos Referências
segmentos sociais juntamente com
os significados que foram e lhe são AMADOR, F. La enseñanza de los
atribuídos. Esta possibilidade pode deportes de lucha. In: SÁNCHEZ,
ser fomentada a partir de vivências Bañuelos F. Didáctica de la
e leituras críticas, inicialmente es- Educación Física y el deporte.
timuladas na escola, que poderão Madrid: Gimnos, 1995.
ser posteriormente recuperadas ARROYO, Miguel G. Imagens
e reformuladas pelos alunos no quebradas: trajetórias e tempos de

7 Em conversa pessoal, um professor de Karatê, ao relatar como havia chegado até sua iniciação
nesta prática, explicou que inicialmente realizara uma observação duradoura, em várias academias
de Karatê, até se decidir a respeito daquela que mais lhe agradasse e combinasse com o conceito
que tinha desta luta. Tal atitude presume um conhecimento e posicionamento prévio a respeito do
Karatê por parte do professor citado, o que de certa forma lhe deu capacidade de julgamento. Se
a pessoa não tiver o mínimo de acesso e leitura crítica a respeito daquilo que se coloca para sua
apreciação, daquilo que está a praticar ou do que um dia poderá se tornar aprendiz, como no caso
de alguma prática de luta, será mais fácil de ser levada por modismos, aparências e estimulações
da mídia. Sabemos também que há certo descontrole na proliferação das chamadas “academias
de luta”, assim como uma gama enorme de atribuições de significados a estas práticas, que nem
sempre estão relacionadas a comportamentos sociais, considerados mais aceitáveis, ou a uma
relação mestre x discípulo das mais sadias. Esta estimulação do senso crítico, acreditamos, deva
fazer parte do trabalho pedagógico do professor de Educação Física.
48

alunos e mestres. 3. ed. Petrópolis, ESPARTERO, J.; GUTIÉRREZ, C. El


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