Este Negocio e Polissemia Ou Homonimia L
Este Negocio e Polissemia Ou Homonimia L
Este Negocio e Polissemia Ou Homonimia L
1251
Robson Deon
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Aquidauana, Mato Grosso do Sul, Brasil
Resumo: Este artigo, a partir de um ponto de vista semântico, analisa o item lexical
“negócio” usado em diferentes contextos no Português Brasileiro, desde os mais formais até
os mais informais. Analisam-se as características do item, utilizando o conceito de
ambiguidade. Tal fenômeno diz respeito à capacidade múltipla de significado que uma mesma
palavra pode ter em determinados contextos. Mais especificamente, o estudo procura
esclarecer se a ambiguidade lexical da palavra “negócio” é gerada por polissemia e/ou
homonímia, dois tipos particulares de ambiguidade. As principais concepções teóricas são de
Ilari e Geraldi (1987), Ilari (2002), Cambrussi e Poll (2015), Ferraz (2014), Pustejovsky,
(1995) e Lyons (1977). Após análises, verificou-se que a palavra “negócio” pode tanto
apresentar usos em que apresenta ambiguidade por polissemia quanto ambiguidade por
homonímia. Até onde se pode verificar, esse tipo de análise de “negócio” é inédito na
literatura linguística.
Palavras-chave: Polissemia; Homonímia; Semântica; Ambiguidade; Negócio
Abstract: This article analyzes the item “negócio” from a semantic point of view. This
expression is used in different contexts - formal and informal ones - in Brazilian Portuguese.
“negócio” is discussed using the concept of ambiguity, which is the multiple capacity of
signification of a word in certain contexts. More specifically, this study investigates if the
lexical ambiguity of “negócio” is generated by Polysemy or/and by Homonymy, two different
types of ambiguities. The main concepts came from the following works: Ilari and Geraldi
(1987), Ilari (2002), Cambrussi and Poll (2015), Ferraz (2014), Pustejovsky, (1995) and
Lyons (1977). We conclude that “negócio” is able to establish a semantic relation of
ambiguity either by polysemy or by homonymy, depending on the linguistic context.
Keywords: Polysemy; Homonymy; Semantics; Ambiguity; Negócio
INTRODUÇÃO
Um dos tópicos que mais intriga os linguistas, sobretudo os semanticistas, é o fato de
muitas das palavras das línguas naturais possuírem mais de um significado e, ainda assim, os
falantes nativos saberem utilizar tais itens nos contextos adequados. Uma das provas de que as
palavras possuem, em sua maioria, mais de um significado são os verbetes dos dicionários.
Após uma consulta a qualquer dicionário, verificamos que não é possível encontrar uma
palavra que tenha apenas um significado listado. Isso gera dificuldades tanto para falantes
nativos de uma língua, quanto para os aprendizes de uma segunda língua.
Na maioria dos casos, a escolha por um ou por outro significado só é resolvida
quando consideramos o contexto linguístico ou extralinguístico (lugar, tempo, interlocutores)
do proferimento. Por exemplo, a palavra “canto” na seguinte sentença:
pode se referir ao ato de cantar, se o interlocutor é o Lulu Santos (um cantor). Ou também,
pode-se referir à moradia (metaforicamente), se o interlocutor estiver reclamando da sujeira
que os amigos deixaram no seu apartamento; ou ainda, pode dizer respeito ao lugar onde se
encontram duas paredes, quando o interlocutor é um pedreiro que está numa disputa (com
outros pedreiros) em que vence quem demonstrar a capacidade de construir um canto com um
ângulo perfeito. No caso de (1), temos um contexto extralinguístico que ajuda na resolução da
ambiguidade.
No exemplo (2), o contexto linguístico colabora para que a ambiguidade seja
desfeita:
(2) a. Estou fazendo aula com uma soprano e tocando toda noite em barzinhos, ainda
assim, ninguém valoriza o meu canto.
b. Você mora numa enorme casa com piscina, por isso ninguém (da família) valoriza
o meu canto.
c. Coloca a luminária mais para a direita, talvez isso valorize aquele canto.
Vemos que (i) o elemento que gera ambiguidade é o item “banco”; (ii) há, no mínimo dois
significados para a palavra e, por isso, duas leituras para a sentença em (3)1, as quais podem
ser parafraseadas como (4) e (5):
Sendo assim, em (3) temos um exemplo de ambiguidade lexical em que um único item lexical
é responsável pela multiplicidade de leituras da sentença. Note que em (3), é o contexto
extralinguístico que resolve a ambiguidade. Para que o contexto linguístico deixasse clara a
leitura, para cada um dos casos, teríamos que ter algo como as seguintes sentenças.
(6) Eu estou no “banco”, vim trocar um cheque que tinha sido preenchido errado.
(7) Eu estou no “banco”, corri demais e resolvi descansar um pouco.
Fonte: Os autores
2
A gíria “tira”, se referindo a policial, e “tira” do verbo “tirar” não são exemplos de polissemia, pois não
possuem vínculo semântico que lhes garanta uma intersecção de sentidos.
Tendo em vista que temos por meta analisar se o item lexical “negócio” possui
ambiguidade por polissemia ou por homonímia, faz-se necessário que, primeiramente,
apresentemos as acepções já sedimentadas do termo, uma vez que para se chegar aos
contextos de uso é importante conhecer os sentidos já dicionarizados para somente, então, dar
sequência à análise e, finalmente, descobrir se “negócio” é polissêmico ou homonímico, ou
ainda pertence às duas classes.
Considere os dados encontrados no dicionário Michaelis online da Língua
Portuguesa (2018)4.
ne.gó.cio
1 Comércio, tráfico, transação comercial. 2 Contrato, ajuste. 3 Qualquer casa
comercial. 4 Empresa. 5 Questão pendente; pendência. 6 pop. Coisa, objeto. 7 pop. Qualquer
coisa cujo nome não ocorre no momento.
3
Acreditamos que as sentenças contendo o item lexical “negócio” fornecem suficiente material linguístico para
uma análise efetiva das suas possíveis significações.
4
No Novo Dicionário da Língua Portuguesa (1986), escrito pelo gramático Aurélio Buarque de Holanda
Ferreira, a palavra negócio possui definições similares:
“Negócio. [Do lat.negotiu.] S.m. 1. Comércio, tráfico, negócio de bebidas. 2. Relações comerciais; negociação,
transação: Tem negócio com uma firma do Pará. 3. Convenção, combinação. 4. Empresa, ajuste, questão: O
negócio foi resolvido com agrado geral. 5. Negócio vantajoso; bom negócio: Aquele apartamento por 500 mil
cruzados não é um bom negócio. 6. Caso, coisa; assunto; fato: De que negócio você está falando (DE
HOLANDA FERREIRA, 1986, p.1187).
5
As significações de “negócio” listadas são as que estão disponíveis aos falantes do PB. Assim, toda vez que
estiverem em contextos de enunciação, o falante e o ouvinte escolherão qual das concepções de “negócio” é a
mais adequada para a situação.
a) O termo pode ocorrer com o sentido das palavras meta, objetivo, vontade ou
desejo:
(21) Esse “negócio” da dupla personalidade explicaria quem dos personagens, enfim,
tem o tal “irmão gêmeo”.
(22) [...] e ele é um padre espetacular, ele fala muito bem, sabe, até o meu marido
que não gosta de missa, não gosta de saber nada desses “negócios”, ele gosta da
missa de lá.
(23) Esses caras são demais, essa empresa é excelente, fazer “negócio” com
brasileiro é ótimo. (transação comercial)
(24) O “negócio” é tocar em frente porque a nenê precisa do meu melhor. (objetivo)
(25) Eu queria falar um “negócio” sobre o trabalho de Geografia. (coisa, algo)
Perceba que nesses exemplos os significados não são relacionados, nem interligados, i.e., as
diferentes acepções não têm um eixo significativo em comum.
Essa ideia se mantém nas situações, exemplificadas abaixo, em que o item lexical
“negócio” assume um significado similar ao de assunto, acepção que também não se relaciona
ao sentido denotativo do termo, i.e., atividade comercial:
(26) Quando estou com meus amigos, meu “negócio” é relembrar o passado.
(27) Se o “negócio” contar com mais de dez empregados, o dono terá de contratar um
jovem aprendiz.
(28) Nossa ideia é resolver o mais rápido possível esse “negócio” de divergências
entre currículos de cursos de informática.
(29) Percebe-se que o “negócio” dele é não fazer nada.
Como vimos na seção 1.2, a ambiguidade por homonímia pode se dar por meio de
palavras homófonas, homógrafas ou por homônimos perfeitos. O termo alvo deste artigo pode
ser classificado como um homônimo perfeito, pois é tanto graficamente como foneticamente
idêntico em todos os seus contextos de uso, independentemente do fato de possuir
significados completamente diferentes. No entanto, Pustejovsky (1995) sugere que na
homonímia há mudança de categoria lexical, mas essa alteração não ocorre nos contextos em
que “negócio” é utilizado: o item permanece sendo um substantivo em todos os casos que
temos em mãos.
Portanto, tendo em vista as diferentes acepções de “negócio” discutidas nesta seção,
concluímos que o item lexical desenvolve ambiguidade por homonímia, já que os significados
Em (32) e (33), o item lexical está sendo usado de modo que não identifica o referente do
termo, seja porque o falante não deseja particularizar o referente (como quando queremos
tratar de um assunto e não desejamos que os outros saibam o teor da conversa e dizemos:
‘Vem aqui, quero te falar um “negócio”’) ou porque naquele momento ele não consegue
nomear a entidade (por esquecimento ou desconhecimento) a qual deseja se referir (como
quando vemos um objeto sobre a mesa e dizemos: ‘Qual o nome daquele “negócio” ali?’).
Em (32), o item “negócio” tem acepção de assunto não-especificado e, em (33) de
objeto não-especificado. Sendo assim, em ambos os casos há uma intersecção de significação
– a não-especificação. Em outras palavras, não é possível/desejável identificar o referente da
expressão em nenhuma das sentenças. Sendo assim, podemos classificar a ambiguidade
gerada entre (32) e (33) como polissemia.
Como vimos até aqui, a palavra “negócio” pode significar (i) área de atuação e
empreendimento comercial, ambos unidos semanticamente pelo campo relacionado ao retorno
financeiro, e (ii) assunto/objeto não especificado, e substitui um substantivo que o locutor não
sabe/deseja nomear, unidos semanticamente pelo traço da “não-especificação” do referente.
Analisando as sentenças de (30) a (33) e comparando os sentidos de “negócio” temos
que:
(i) o par (30) e (31) possui uma acepção de significado comum relacionado ao
retorno financeiro – apresentando ambiguidade por polissemia;
(ii) o par (32) e (33) possui acepção de significado comum relacionado à não
especificação do referente – apresentando ambiguidade por polissemia;
(iii) os pares quando comparados entre si apresentam homonímia, pois não possuem
uma intersecção semântica.
Uma vez discutidos e analisados esses dois grupos de exemplos, vemos que, em
certas ocasiões e contextos, a palavra “negócio” assume também a ambiguidade por
polissemia. De acordo com Ravin e Leacock (2000), isso não seria um problema para as áreas
de estudos dedicadas ao uso da linguagem (análise do discurso, pragmática, análise da
conversação, etc). No entanto, tal aspecto é uma dificuldade para as áreas da lexicografia e da
tradução. Por isso, há testes para se diferenciar quando é polissemia e quando é homonímia,
como o teste da identidade9 (elaborado por Lakoff (1970) para distinguir sentenças ambíguas
de sentenças vagas) e mostrado por Ferraz (2014). Esse teste consiste em realizar uma elisão
de um, ou mais, constituinte incluindo o termo ambíguo, como ocorre abaixo:
O termo “negócio”, como visto, dentre outros, possui dois significados: “empreendimento
comercial” e “campo de atuação específico”, ambos compartilhando uma relação semântica
de retorno financeiro. Nesse caso, uma paráfrase da leitura de (36) poderia ser “Meu retorno
financeiro vem de jogar futebol e o do João também”, ou ainda, “Meu empreendimento
comercial e o campo de atuação de João é jogar futebol”. E, portanto, ambos remetem ao
retorno financeiro, configurando, assim, um caso de polissemia.
Agora, aplicando o teste da elipse à sentença já exemplificada em (15), acima, em que
“negócio” aparece com sentido de “objetivo”, temos (37):
(37) *10 O “negócio” é tocar em frente porque a nenê precisa do meu melhor e o meu
9
Ferraz (2014) também aponta que o teste de identidade de Lakoff (1970) não é uma unanimidade na literatura,
mas fornece uma pista para diferenciarmos polissemia de homonímia.
10
O asterico marca uma sentença agramatical.
também.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar de o termo “negócio” ser utilizado produtivamente e frequentemente em
contextos informais, ele não pode ser considerado um item lexical semanticamente simples.
Afinal, após as análises dos diferentes sentidos que “negócio” pode assumir que tal palavra
suscita leituras complexas que merecem uma análise e descrição mais apurada, que até o
presente artigo não tinha sido feita. Após a análise dos contextos em que “negócio” aparece e
as significações que o item lexical assume em cada um deles, reforça-se a tese de que as
palavras não possuem um significado a priori, elas adquirem significação quando as
utilizamos nas interações. O contexto linguístico e extralinguístico é crucial para que se
compreenda e se analise as expressões linguísticas, visto que alteram seu significado
substancialmente. Sendo assim, as expressões linguísticas não podem ter seu significado
reduzido às suas definições dicionarizadas, posto que nos inúmeros contextos (formais ou
informais, linguísticos ou extralinguísticos) nos quais elas figuram, fazem com que elas
assumam diferentes roupagens semânticas. Desse modo, enriquecem-nas semanticamente e as
tornam instrumentos linguísticos adequados às mais variadas finalidades e situações.
Mas, afinal, esse “negócio” é polissemia ou homonímia? Diante de um ‘ou’
exclusivo, a resposta é negativa, pois nesse caso “negócio” somente pode pertencer a um
conjunto – ou homonímia ou polissemia. Se estivermos diante de um ‘ou’ inclusivo,
equivalente a uma conjunção aditiva ‘e’, a resposta é “sim”, i.e., “negócio” veicula
ambiguidade por homonímia e por polissemia a depender do contexto em que está inserido.
Sendo assim, para que a pergunta reflita os achados semânticos descritos neste artigo, seria
melhor se a reescrevêssemos como: Então, afinal, esse “negócio” é polissemia e homonímia?
Sim, dependendo do contexto, esse “negócio” é polissemia e homonímia.
Referências
ARISTÓTELES. Organon VI Elencos Sofísticos. In: ARISTÓTELES. Os pensadores. São
Paulo: Nova Cultural, 1996.
LAKOFF, G. A note on ambiguity and vagueness. Linguistic Inquiry, n.1, p. 357-359, 1970.
Robson Deon
robson_deon@hotmail.com