Roggero - Existe Direito e Literatura Na Argentina
Roggero - Existe Direito e Literatura Na Argentina
Roggero - Existe Direito e Literatura Na Argentina
v. 2, n. 2, julho-dezembro 2016
© 2016 by RDL – doi: 10.21119/anamps.22.269-292
J ORGE R OGGERO 1
269
ANAMORPHOSIS – Revista Internacional de Direito e Literatura, v. 2, n. 2, p. 269-292
270
ROGGERO | Existe direito e literatura na Argentina
271
ANAMORPHOSIS – Revista Internacional de Direito e Literatura, v. 2, n. 2, p. 269-292
272
ROGGERO | Existe direito e literatura na Argentina
4 Cabe mencionar também uma segunda publicação decisiva para o desenvolvimento dos
estudos críticos na Argentina: Materiales para una Teoría Crítica del Derecho (Marí et
al., 1991).
273
ANAMORPHOSIS – Revista Internacional de Direito e Literatura, v. 2, n. 2, p. 269-292
274
ROGGERO | Existe direito e literatura na Argentina
INTERDISCIPLINARIDADE
Em Law, Literature, and the Vanishing Real: On the Future of an
Interdisciplinary Illusion, Julie Stone Peters sustenta que toda
interdisciplinaridade é um tipo de histeria disciplinar, uma deslocação
interior. Peter (2005, p. 448) afirma que os estudos de Direito e Literatura
sintomatizam o interior de cada disciplina: de um lado, sintomatizam a
literatura que se reconhece incapaz de alcançar uma práxis; de outro,
sintomatiza o direito que evidencia, em si próprio, uma carência central em
relação a uma dimensão humana e crítica. Cada disciplina a partir de sua
somatização, projeta na outra algo que imagina que ela possui. A literatura
projeta o real político no direito e, desta maneira, assume a apoliticidade
como própria da arte. O direito projeta o real humano na literatura e, desse
5 A título ilustrativo, esses são alguns dos novos autores citados por Cárcova e Ruiz,
pertencentes a diversas escolar e tradições de pensamento: Claude Lefort, Ernesto Laclau,
Jacques Derrida, Gianni Vattimo, Richard Rorty, Martha Nussbaum, Boaventura de
Sousa Santos, Pietro Barcellona, Eligio Resta, Bert van Roermund, Niklas Luhmann.
275
ANAMORPHOSIS – Revista Internacional de Direito e Literatura, v. 2, n. 2, p. 269-292
276
ROGGERO | Existe direito e literatura na Argentina
277
ANAMORPHOSIS – Revista Internacional de Direito e Literatura, v. 2, n. 2, p. 269-292
278
ROGGERO | Existe direito e literatura na Argentina
A ILUSÃO DA ILUSÃO
Em Screening Law, Peter Goodrich responde às objeções de Julie
Stone Peters, resignificando a ideia de “ilusão interdisciplinar”. Frente a
uma realidade evanescente, é necessário o auxílio de uma disciplina que
esteve a evanescência, a ilusão. A literatura é, precisamente, isso: o estudo
da ilusão, da ficção e encenação:
A literatura é, ao fim e ao cabo, entre outras coisas, o
estudo da ilusão, da ficção e da representação, e faz
sentido que, ao abordar essas bases imaginárias da
sociedade, a invenção das instituições sociais e as ficções
que as sustentam, o literário e o jurídico, indistintamente,
encarreguem-se das ilusões e das figuras do teatro social
que descrevem (Goodrich, 2009, p. 2).
279
ANAMORPHOSIS – Revista Internacional de Direito e Literatura, v. 2, n. 2, p. 269-292
7 Cabe destacar que Enrique Marí dedicou boa parte de sua produção intelectual ao
desenvolvimento de uma teoria filosófica das ficções (Marí, 2002).
280
ROGGERO | Existe direito e literatura na Argentina
281
ANAMORPHOSIS – Revista Internacional de Direito e Literatura, v. 2, n. 2, p. 269-292
PENSAR A ARGENTINA
Com o golpe militar de 1976, muitos destes autores críticos foram
perseguidos e expulsos da Universidade e alguns deles tiveram que se
exilar. É o caso de Enrique Marí, que após a desaparição forçada de Jorge
Lucio Rébori, titular da cátedra de Filosofia do Direito na qual trabalhava,
radicou-se na Alemanha, em 1977, com sua família (Martyniuk, 2003, p.
16). O retorno da democracia em 1983 apresentava-se como uma
oportunidade para reformular as categorias jurídicas e políticas, além de
questionar a ideologia hegemônica argentina, com a finalidade de alcançar
o regime democrático e impedir que um episódio tão horrível voltasse a se
repetir. A teoria crítica do direito oferecia as ferramentas adequadas para
este tipo de análise, pois revelavam o que Carlos Cárcova chama a “função
paradoxal” do direito. Para o enfoque crítico, o direito é tanto o discurso
legitimante do poder, um instrumento de conservação do status quo,
como também uma ferramenta de emancipação e transformação social:
O papel do direito depende, pois, de uma relação de
forças no campo do conflito social. Nas mãos de grupos
dominantes, constitui um mecanismo de preservação e
condução de seus interesses e finalidades; nas mãos de
282
ROGGERO | Existe direito e literatura na Argentina
283
ANAMORPHOSIS – Revista Internacional de Direito e Literatura, v. 2, n. 2, p. 269-292
284
ROGGERO | Existe direito e literatura na Argentina
social, ela faz algo além disso: a deseja” (1990, p. 70). A pergunta “a
Argentina tem saída?”, formulada a partir dessa ideologia, não busca uma
resposta fundamentada com vista a um contexto temporal futuro, mas
revela o desejo de retornar a um passado não democrático. Diante desse
quadro, Marí destaca que não se trata de abandonar a crítica, “toda
sociedade democrática necessita, para construir o sentido de sua estrutura,
da presença da crítica, em particular sobre aqueles que governam” (1990, p.
71), mas é imprescindível exigir que se debata aportando razões
fundamentadas e não meros “exercícios da imaginação” (1990, p. 71). Esse é
o limite em que o dissenso se torna discórdia. Não é inadmissível uma
“teoria da crise” – inclusive é necessária no âmbito da crise do capitalismo
tardio –, porém o são as bases dogmáticas e infundadas da “ideologia da
crise”.
Pensar a Argentina exige investigar criticamente a dimensão
ideológica, as crenças, ficções e ilusões articuláveis com um direito capaz de
sustentar a democracia. Essa é a tarefa que a primeira geração de estudos
jurídicos críticos nos impõe continuar.
285
ANAMORPHOSIS – Revista Internacional de Direito e Literatura, v. 2, n. 2, p. 269-292
286
ROGGERO | Existe direito e literatura na Argentina
287
ANAMORPHOSIS – Revista Internacional de Direito e Literatura, v. 2, n. 2, p. 269-292
288
ROGGERO | Existe direito e literatura na Argentina
REFERÊNCIAS
BÖHMER, M. An Oresteia for Argentina: Between Fraternity and the Rule
of Law. In: POWELL, H. J.; WHITE, J. B. (Eds.). Law and Democracy in
the Empire of Force. Ann Harbor: University of Michigan Press, 2009. p.
89-124.
CÁRCOVA, C. M. ¿Hay una traducción correcta de las normas? Revista
Electrónica del Instituto de Investigaciones Jurídicas y Sociales “Ambrosio
L. Gioja”, v. 4, p. 33-42, 2009. Disponível em:
<http://www.derecho.uba.ar/revistas-digitales/index.php/revista-
electronica-gioja/article/view/152/121>. Acesso em: 20 mar. 2015
CÁRCOVA, C. M. Acerca de las funciones del derecho. Crítica Jurídica -
Revista Latinoamericana de Política, Filosofía y Derecho, v. 9, p. 47-58,
1988. Disponível em: <https://revistas-
colaboracion.juridicas.unam.mx/index.php/critica-
juridica/article/view/3007/2809>. Acesso em: 20 mar. 2015
289
ANAMORPHOSIS – Revista Internacional de Direito e Literatura, v. 2, n. 2, p. 269-292
290
ROGGERO | Existe direito e literatura na Argentina
291
ANAMORPHOSIS – Revista Internacional de Direito e Literatura, v. 2, n. 2, p. 269-292
292