Território
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A cidade constitui um dos objetos mais importantes no que respeita à investigação mais
recente no campo dos estudos sociais da infância. Vários congressos internacionais
sobre o tema têm-se vindo a realizar com uma frequência impressionante, em vários
pontos do globo. Sucedem-se os dossiês em revistas internacionais e nacionais. Tem
vindo a crescer o numero de teses e dissertações que focam a vida das crianças na
cidade, em vários dos seus aspetos, dos lugares de brincar às representações sociais da
criança, da autonomia de mobilidade às “affordances”, das políticas urbanas
geracionalmente orientadas às condições de acesso à habitação e à educação. Os
municípios têm estado a organizar-se em torno de grandes programas ou plataformas
internacionais como as Cidades Educadores, as Cidades Amigas das Crianças, ou a
Cidade da Criança (Citá dei Bambini). As redes internacionais de pesquisadores e
ativistas (como Child in the City, por exemplo) intensificam a sua ação.
Mas há razões específicas, próprias do campo dos estudos da infância, também, para
que a relação entre as crianças e as cidades sejam objeto de uma especial atenção e
visibilidade contemporânea.
Ademais, o estudo das crianças na cidade traz para a atualidade alguns dos temas que
são mais prementes nos estudos da infância. Desde logo, as caraterísticas comuns à
geração infantil e os fatores de desigualdade entre crianças, no quadro da espacialização
e estratificação social do espaço (bairros pobres versus bairros ricos, asfalto versus
favela). Como se conjuga tudo isto: precisamos de ter uma política de infância na
cidade: como conjuga-la com as desigualdades e a diversidade? Mas, também, a
questão do digital e do acesso a dispositivos de comunicação que caraterizam muito do
nosso tempo, no que respeita ao acesso à informação e à comunicação interpessoal
(crescentemente virtual e a distância). A “geração digital” está particularmente apta para
lidar com o que se vem convencionado designar por “smart cities”, antecipando, de
algum modo, nos seus comportamentos e ações, formas de sociabilidade antecipatórias
do que será o usufruto e conformação tecnológica do espaço urbano do futuro. A
relação com a natureza e com os animais constitui um outro tópico muito atual nos
Mas há, finalmente, uma questão central na relevância da cidade para os estudos da
infância. As cidades são o lugar político por excelência, a polis, onde se estabelecem as
condições da decisão coletiva sobre a vida em comum e se estruturam os laços sociais
pautados por valores partilhados. São, outrossim, o espaço onde as controvérsias pelo
devir das comunidades se exprimem em opções politicamente geríveis. As cidades
possibilitam a civilidade, enquanto atitude de reconhecimento e de respeito pelo outro.
Ora, as cidades, são também o lugar de afirmação possível da condição política das
crianças, enquanto seres sociais plenos e cidadãos. Não que, à semelhança das escolhas
feitas pelos adultos para os representantes parlamentares e governamentais, os
municípios possam ser espaços de mobilização para as lutas partidárias das gerações
mais jovens. Nada há de mais sinistro do que a endoutrinação e adestramento de
crianças nos exércitos partidários, projeto que, como sabemos, foi sempre prosseguido
pelas ditaduras. Ao invés, o que está em causa é a possibilidade da expressão da voz das
crianças na construção das opções possíveis, face às oportunidades e dilemas que se
colocam na construção da cidade.
Um dossiê formado por artigos tão diversificados na abordagem, tão rigorosos no modo
como mobilizam os conceitos, tão atentos às ações das crianças e à expressão das suas
perceções, representações e sentimentos e tão implicados na promoção da cidadania da
infância, como este que aqui se apresenta, exemplifica e, simultaneamente, fortalece o
campo dos estudos da infância num tema, afinal, tão decisivo para a compreensão da
condição social contemporânea das crianças e, sobretudo, para a luta pela realização dos
seus direitos e bem-estar social e pessoal.