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FRANCA
2019
/
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
FRANCA
2019
/
2
/
BRUNO GUARALDO DE PAULA SILVEIRA
BANCA EXAMINADORA
Orientadora:____________________________________________________________
Profa. Dra. Valéria dos Santos Guimarães (UNESP/Franca)
Membro Titular:_________________________________________________________
Profa. Dra. Márcia Pereira da Silva (UNESP/Franca)
Membro Titular:_________________________________________________________
Profa. Dra. Maria Lúcia Dias Mendes (Unifesp)
/
à Ana Poema, o meu brilho eterno.
/
A
/
barras entre o fim da graduação e o início do Mestrado. Obrigado Karol, sem a sua ajuda eu
não seria nada do que sou hoje.
Agradeço à minha mãe, Fernanda D’Andrea Guaraldo, e ao meu pai, Bruno Faleiros
de Paula Silveira, por terem me dado a chance de conhecer esta vida. A criação que tive dos
meus pais foi essencial para a minha formação, minha mãe sempre batalhou muito por nós,
sempre trabalhando, estudando e cuidando de mim e da casa, e meu pai me ofereceu
oportunidades ímpares, de estudar e aprender, sempre financiou e apoiou meus objetivos,
esteve sempre presente, quando não de corpo, de alma. Agradeço à minha madrasta, Flávia
Cintra do Nascimento, por ser uma segunda mãe, que sempre cuidou de mim e me ensinou, e
me abençoou com um irmão, o Thomás. Agradeço ao meu padrasto Anselmo, por ser um
segundo pai, homem trabalhador e dedicado, que me abençoou com um irmão, o Túlio.
Agradeço à minha companheira, Pâmela Virgínia dos Santos, que muito me acolheu e
me ouviu durante os momentos difíceis, principalmente na reta final da pesquisa. Sem a sua
assistência e prontidão, sem as nossas conversas, sem o tempo que passamos juntos, sem a
calma que você me inspira, eu não teria conseguido seguir adiante. Obrigado por me
completar e ser o meu ponto de paz. Obrigado por fazer parte de minha vida. Eu amo você.
Agradeço a todos os meus amigos, das épocas de República Só o Resto e Acapulco,
Mário Jonas da Silva, Marcos Eugênio Ortolan, Marco Túlio Souza Lima, Felipe Mezzarana,
Felipe Macahuba, Uirê Torquato, Gabriel Cortilho, Thales Reis Alecrim, a Leopolda, o Bóris,
a Lilica, o Hoffman e o Beethoven. Com vocês, amigos, aprendi muito e vivi os melhores
anos de minha vida. Sem vocês, eu seria ninguém. Obrigado por trazerem tanta alegria.
Agradeço aos meus avós maternos, Marcos e Ângela, e paternos, Leda e Nelson, pelo
cuidado que sempre ofereceram para mim. Agradeço aos meus tios, Camilo, Ricardo,
Fabrício, Eduardo e Flávio. Agradeço às minhas tias, Mônica e Paula, por me incentivarem no
caminho do saber, no caminho dos idiomas estrangeiros e no caminho acadêmico.
Agradeço, finalmente, a todos os funcionários da FCHS da UNESP/Franca, da
biblioteca, do corpo docente, da zeladoria e limpeza, da segurança e do Centro de
Convivência Infantil, que trabalham constantemente para fazer as coisas funcionarem, em
especial ao CCI pela qualidade e dedicação ao cuidar de minha filha, Ana Poema. A todos
vocês, tenho muita gratidão e uma dívida eterna. Obrigado.
/
SILVEIRA, Bruno Guaraldo de Paula. O Guru de Papel: Livros de Ioga na São Paulo
da Belle Époque (1910-1925). Dissertação (Mestrado em História) — Faculdade de Ciências
Humanas e Sociais. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, São
Paulo, 2019.
Palavras-chave: História do Livro; História da Leitura; Mercado Editorial; Ioga; São Paulo;
/
SILVEIRA, Bruno Guaraldo de Paula. The Guru made of Paper: Yoga Books in São
Paulo’s Belle Époque (1910-1925). Dissertation (Master's Degree in History) — Faculdade de
Ciências Humanas e Sociais. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”,
Franca, São Paulo, Brazil, 2019.
São Paulo’s reading public in the beginning of the XX century had at their disposal a
significant offer of books about yoga. The Library and Publishing House “O Pensamento”,
founded in 1907, played a major role in the mediation, traduction, edition and distribution of
theses books, being the only specialized in the branch of yoga in São Paulo, starting what can
be understood as an yoga editorial market in Brazil. The Publishing House “O Pensamento”
already had, in 1920, an extensive catalogue of spiritualism books, about magic and yoga, a
national distribution network through correspondence, yearly production of 25.000 books, not
to mention a magazine, O Pensamento, which is being published initerruptly since 1907.
What are the first books of yoga in São Paulo? Who were their authors and translators? How
was the distribution? How did they fit in the editorial market context at the time? The
objective of this work is to demonstrate how was the beginning and consolidation of this
branch of the editorial market, starting from the analysis of historical sources. Based on
“Communications’ Circuit”, methodology offered by Robert Darnton, the hypothesis that will
be defended is that books about yoga arised and consolidated in editorial market through the
efforts of Antonio Olívio Rodrigues and associates in the production, distribution and creation
of a reading public of their own, in a very eclectic and cosmopolite São Paulo, during the
Belle Époque, where a critical economical and populational growth, resulted from a
successful coffee-based economy and mass immigration, generated a significant increase and
diversification on the demands for new books, always more mysterious ones, like, in the case
of this work, books about yoga.
Keywords: History of the Book; History of Reading; Editorial Market; Yoga; São Paulo;
/
L F
Fig.02 Térreo do C.E.C.P., onde funcionavam a Editora e a Livraria d’O Pensamento, circa 1925. P.21
Fig.04 Sede da Editora e Livraria d’O Pensamento, na Rua Senador Feijó, nº 1-A, em 1909. P.30
Fig.05 Capa do livro Quatorze Lições de Philosophia Yogi e Occultismo Oriental. P.37
Fig.06 Capa do livro Hatha Yoga ou Philosophia Yogi do bem estar physico. P.44
Fig.07 Capa do livro Curso Adeantado de Philosophia Yogi e Occultismo Oriental. P.51
Fig.14 Denúncia de A. O. Rodrigues contra Benedicto José Baptista, que o feriu levemente na rua P.69
da sede da Livraria d’O Pensamento, na rua Senador Feijó.
Fig.15 Desfecho do caso de A. O. Rodrigues, o absolvimento de Benedicto José Baptista, em 1912 P.69
Fig.16 A.O.R. adquire o prédio número 23 à rua Rodrigo Silva, por 24:300$00, em 1919. P.70
Fig.24 Anúncio na revista O Pensamento do livro Sciencia Hindu Yogi da Respiração, 1910. P.85
Fig.25 Anúncio do Quatorze Lições sobre Philosophia Yogi na revista O Pensamento, em 1911. P.89
Fig.26 Anúncio dos livros Rabindranath Tagore e Rama Prasad, na revista O Pensamento. P.90
Fig.27 Extrato do Catálogo Geral da Emp. Typ. Ed. O Pensamento, na revista O Pensamento. P.91
/
Fig.28 Reclame do livro O Evangelho de Sri Ramakrishna, na revista O Pensamento. P.92
Fig.30 Anúncio na contra-capa do Hatha Yoga ou Philosophia Yogi do Bem Estar Physico, em P.99
1911.
Fig.31 Anúncio ao final do Hatha Yoga ou Philosophia Yogi do Bem Estar Physico, 1911. P.100
Fig.32 Subscrição para receber o Quatorze Lições sobre Philosophia Yogi, contra-capa, 1911. P.101
Fig.33 Reunião lotando o Salão Nobre do C.E.C.P. para discutir assuntos esotéricos, ca. 1925. P.106
Fig.34 Reunião lotando o Salão Nobre do C.E.C.P. para discutir assuntos esotéricos, ca. 1925. P.106
Fig.37 Resenhas de redatores sobre livros de ioga na revista O Pensamento, em 1910. P.121
Fig.38 Resenhas de redatores sobre livros de ioga na revista O Pensamento, em 1910. P.122
Fig.42 Resenha e indicação do redator do Reformador, do RJ, na revista O Pensamento, 1910. P.127
L S
10
/
L T
Tab.02 Produção de Livros de Ioga pela Editora Pensamento entre 1910 e 1920 P.36
Tab.03 Estrutura do livro Quatorze Lições de Philosophia Yogi e Occultismo Oriental (1910) P.39
Tab.04 Estrutura do Hatha Yoga ou Philosophia Yogi do bem estar physico (1911) P.47
Tab.05 Estrutura do Curso Adeantado de Philosophia Yogi e Occultismo Oriental (1912) P.53
Tab.08 Anúncios no Quatorze Lições de Philosophia Yogi e Occultismo Oriental (1910) P.95
Tab.09 Anúncios no Hatha Yoga ou Philosophia Yogi do bem estar physico (1911) P.96
Tab.10 Anúncios no Curso Adeantado de Philosophia Yogi e Occultismo Oriental (1911) P.97
Tab.14 Análise Diacrônica dos Livros de Ioga no Mercado Editorial Paulista (1910 - 1970) ANEXO
Tab.15 Catálogos das revistas L’Initiation, Le Voile d’Isis e La Vie Mystérieuse (1908-1910) ANEXO
Tab.16 Mediação Direta de Revistas Estrangeiras pela revista O Pensamento (1907-1908) ANEXO
11
/
S
INTRODUÇÃO 13
CAPÍTULO 3 - Apontamentos Sobre a Leitura dos Livros de Ioga em São Paulo 102
3.1 - O Círculo 104
3.1.1 - O Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento: Sociedade Livresca 104
3.2 - Os Adeptos 112
3.2.1 - Os Delegados do Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento 112
3.3 - Os Discípulos 117
3.3.1 - Assinantes e Associados 117
3.4 - O Público em Geral 119
3.5 - Resenhas e Cartas de Leitores 120
CONCLUSÃO 128
ANEXO 133
Figuras 133
Tabelas 140
12
/
I
1
BURROW, T. The Sanskrit Language. Grã-Bretanha: The University Press of Glasgow, 1955, p. 35.
2
AYYANGAR, T. R Srinivasa. The Yoga Upanishads. Adyar: Vasanta Press, 1938. pp. 7-8
3
Swami Vivekananda (1862 - 1902) foi um iogue indiano, proveniente da casta dos Kshatriyas, que recebeu
desde a infância uma excelente educação, foi discípulo de Ramakrishna Paramahamsa e é uma figura chave na
disseminação da ioga e do hinduísmo no Ocidente, principalmente na América e na Europa, após discurso
famoso no Parliament for World Religions em Chicago no ano de 1893. GEORGE, Feuerstein. Yoga Tradition:
Its History, Literature, Philosophy and Practice. Delhi: Bhavana Books and Prints, 2002. p. 600.
4
Paramahansa Yogananda (1893 - 1952) foi um iogue indiano famoso também por disseminar a ioga no
Ocidente, tendo fundado em 1920 a Self-Realization Fellowship, em Los Angeles, instituição criada com o
intuito de disseminar os ensinamentos e a filosofia da Kriya Yoga no Ocidente. Esta instituição existe até os dias
atuais e alcançou grande popularidade. YOGANANDA, Paramahansa. Autobiography of a Yogi. Los Angeles:
Self-Realisation Fellowship, 1949.
5
Swami Vishnudevananda (1927 - 1993) estabeleceu o Sivananda Yoga Teachers' Training Course, um dos
primeiros programas de treinamento de instrutores de ioga no Ocidente, considerado uma autoridade no Hatha
Yoga e no Raja Yoga. VISHNUDEVANANDA, Swami. The Complete Illustrated Book of Yoga. (1959)
13
/
é o Guru de Papel, personagem que encarna todos os livros de ioga, que são as principais
fontes históricas e objeto de estudo desta dissertação de mestrado.
Pouco se sabe sobre o início do mercado editorial dos livros de ioga no Brasil. Até o
momento da elaboração deste trabalho foram encontradas pouquíssimas referências sobre o
assunto6, sendo que as raízes mais profundas deste ramo livreiro, tão difundido e diversificado
nos dias atuais7, permanecem ainda pouco exploradas. Portanto, o maior desafio enfrentado
durante a pesquisa e a elaboração desta dissertação foi a escassez de referências acadêmicas e
de fortuna crítica, de forma geral, sobre a formação do M.E.I. no Brasil.
Se por um lado faltam estudos que abrangem a história do mercado editorial da ioga,
ou M.E.I., no Brasil, em específico, por outro lado sobram modelos, metodologias e outillages
8
mentais muito úteis para dar início a uma observação criteriosa da origem e da dinâmica
destes livros, em relação ao contexto, ao mercado e à sociedade em que surgiram e se
difundiram. Como diz Robert Darnton, a história do livro e da leitura já constitui um campo
tão rico e vasto, que “se parece menos com um campo do que com uma floresta tropical”9, ou
seja, já existe uma variedade tão grande de artigos científicos e um entrecruzamento tão
complexo de disciplinas, como a bibliografia analítica, a sociologia da comunicação, a
antropologia e a literatura, desde o início de seu amplo debate pela École Pratique de Hautes
Études na França a partir de 1960, e cada uma destas disciplinas puxando para uma direção
tão diferente da outra, que os pesquisadores que se propõem a participar deste campo de
6
As únicas referências encontradas sobre o mercado editorial da ioga estão em algumas passagens da obra de
Adilson Ramachandra. RAMACHANDRA, Adilson Silva. Pensamento em Mutação - a trajetória de uma
editora - 1907 a 2007. SP: Editora Pensamento-Cultrix, 2007; e “O Pensamento” Em Evolução - Círculo
Esotérico da Comunhão do Pensamento - 100 Anos. SP: Editora Pensamento-Cultrix, 2010, que dispõe de
ampla documentação histórica para a construção da trajetória da Editora Pensamento e todos os órgãos
associados, durante seus mais de cem ano de atividade. Encontram-se algumas referências também na obra de
Roberto de Andrade Martins e Flávia Bianchini. MARTINS, R.A. O Yoga Tradicional de Patañjali: O
Raja-Yoga segundo o Yoga-Sutra e outros textos indianos clássicos. São Paulo: Shri Yoga Devi, 2012.
7
O mercado editorial da ioga, após surgimento e consolidação durante suas décadas iniciais que serão
desdobrados nesta dissertação, conquistou espaço considerável no mercado editorial brasileiro, tanto que se
formaram associações de estudos destes livros como é o caso do Círculo de Estudos Ramacháraca no Rio de
Janeiro e, posteriormente, na década de 1960, abriu espaço para a produção de autores nacionais, que são
atualmente considerados os clássicos da primeira geração brasileira de instrutores de ioga. Estes livros são:
MIRANDA, Caio. A Libertação pelo Yoga. RJ: Freitas Bastos, 1960; e HERMÓGENES, José. Autoperfeição
com Hatha Yoga. RJ: Record, 1962. Atualmente os livros de ioga são produzidos e comercializados por
inúmeras editoras brasileiras, inclusive pela própria Pensamento-Cultrix, em incontáveis títulos à disposição dos
leitores.
8
FEBVRE, L. Combats pour L’Histoire. Paris: Librairie Armand Colin, 1992, p. 218.
9
DARNTON, Robert. O Beijo de Lamourette - mídia, cultura e revolução. (1990) Trad. Denise Bottmann.
SP: Companhia das Letras, 1995. pp. 109.
14
/
estudo se vêem regularmente desnorteados, por tantos vieses divergentes e metodologias
conflitantes.
Darnton, como historiador do livro e da leitura, propõe que para alcançar um
distanciamento de tal ruído interdisciplinar e para enxergar a matéria em sua unidade, é
necessário lançar mão de um modelo geral para entender os livros e como estes surgem e se
propagam entre a sociedade em determinado período, ampliando o espectro de análise para
além da relação autor-obra e dando maior importância ao circuito percorrido por estes livros
na sociedade. Claramente que este modelo geral deverá variar na mesma proporção que
variam os contextos históricos e os objetos de pesquisa ao longo da história do livro, cuja
trajetória vai desde os primeiros manuscritos de textos antigos e sagrados, exaustivamente
compilados por monges no medievo, até à atividade das grandes corporações editoriais e do
comércio livreiro que compõem uma grande indústria na atualidade.
Porém, em todos os casos e em todos os tempos, os livros apresentam um ciclo de vida
muito semelhante: todos têm um autor, que, por intermédio de um editor ou não, registra suas
informações em certo material, que serve de suporte, e então divulga ou comercializa sua
obra, que é finalmente recebida pelos leitores — o autor por sua vez é também um leitor e
interage com textos de outros autores, com as críticas e elogios de seus próprios leitores e
acaba fechando, desta forma, um circuito. Tudo isto acontecendo dentro de um contexto
histórico específico, com suas conjunturas econômicas, sociais e culturais particulares e
sanções políticas e influências intelectuais próprias. É exatamente nestes interstícios formados
pelos ciclos de produção, difusão e recepção de todos os livros que reside o campo de trabalho
do historiador do livro.
A este modelo geral de análise, Darnton dá o nome de “Circuito das Comunicações”10,
que é, no caso desta dissertação, o quadro teórico-metodológico escolhido, adaptado e
aplicado na organização de todo um levantamento de dados, fontes, discussões bibliográficas
e documentos históricos, numa esforçada tentativa de entender o surgimento. a difusão e a
traçar apontamentos sobre a leitura dos livros de ioga entre os leitores da sociedade paulistana
nas primeiras décadas do século XX, época de notável expressão histórica devido, sobretudo,
ao sucesso da economia cafeeira de exportação11, que estimulou um desenvolvimento abrupto
10
DARNTON, Robert. Op. Cit. p. 113.
11
SEVCENKO, Nicolau. Orfeu Extático na Metrópole: São Paulo, sociedade e cultura nos frementes anos
20. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. pp. 107-108.
15
/
e um salto demográfico sem precedentes12, e, com o advento da modernidade e por meio de
seus avanços científico-tecnológicos, operaram-se profundas mudanças tanto socioculturais
quanto estruturais, o que resultou num processo implacável de reformas urbanas13 que
modificaram de forma radical a paisagem e os costumes da cidade de São Paulo.
Após extenso levantamento realizado em alguns dos principais acervos do país14, foi
descoberto que a primeira produção e comercialização significativa de livros de ioga no Brasil
que se tem notícia, ocorreu durante esta frenética expansão da cidade de São Paulo durante o
período que convencionou-se chamar de Belle Époque15, entre os anos de 1910, marco do
início da publicação dos primeiros títulos sobre ioga em São Paulo — que eram traduções
acessíveis ao público em geral — e 1925, com a inauguração da sede do Círculo Esotérico da
Comunhão do Pensamento — que foi um marco da consolidação do M.E.I. — eventos estes
que serão melhor explorados ao longo do trabalho. Apesar de o Rio de Janeiro ser, na época, a
capital federal e o maior centro urbano do país, não foram encontrados, até o momento,
indícios de um M.E.I. em específico.
O objetivo central desta dissertação é usar a metodologia de Darnton, o “Circuito das
Comunicações”, para procurar e organizar todo e qualquer tipo de documentos, dados e
informações referentes ao mercado editorial dos livros de ioga em São Paulo, demonstrando,
dentro do possível, como surgiu e como se deu sua produção, difusão e recepção durante as
primeiras décadas do século XX.
O livro, por se tratar de um objeto de múltiplas dimensões, pode ser visto tanto como
um poderoso veículo de cultura e pensamento, que funciona como uma espécie de fermento
ideológico na sociedade16, quanto um suporte material para símbolos organizados de modo a
representar, de alguma forma, a própria realidade, e é esta materialidade que faz do livro,
12
SEVCENKO, Nicolau. Op. Cit. pp. 108-109.
13
SEVCENKO, Nicolau. Op. Cit. p. 115.
14
Levantamento realizado nos acervos DEDALUS – USP, catálogo ATHENA – UNESP, o acervo da Biblioteca
Nacional no Rio de Janeiro, o catálogo do sistema municipal de bibliotecas de São Paulo e os acervos da PUC –
SP e PUC – RIO.
15
Termo que, segundo Elias Thomé Saliba, já carrega em si um sentido cômico pois, dado o momento de
bonança da expansão capitalista pelo mundo após a Segunda Revolução Industrial, em 1870, principalmente
devido a avanços científico-tecnológicos, pode-se perceber no termo uma “pontinha de humor e ironia” pois não
previam as atrocidades “tristemente célebres” da Primeira Guerra Mundial que inauguraram o século XX.
SALIBA, Elias Thomé. Raízes do Riso: a representação humorística na história brasileira - da Belle
Époque aos primeiros tempos do rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 17.
16
FEBVRE, Lucien. MARTIN, Henri-Jean. L’Apparition du livre. Paris: Editions Albin Michel, 1958.
pp.248-319.
16
/
também, uma mercadoria, voltada para o comércio e para o lucro17, que só pode existir dentro
de uma lógica editorial bem delimitada de produção, difusão, vendas e recepção. Os livros de
ioga não são uma exceção a esta regra e é neste último aspecto, material e mercantil, e no
âmbito da produção, que o primeiro capítulo se concentra.
O objetivo do primeiro capítulo é demonstrar como se deu o início e a consolidação do
ciclo de produção do M.E.I. durante a sua primeira década de existência, e para tal, será
tomado como base uma série de dados extraídos de fontes históricas, a saber, os próprios
livros de ioga, dados fornecidos pela obra de Adilson Silva Ramachandra, e por exemplares
da revista O Pensamento publicados entre 1907 e 1920.
A finalidade do primeiro capítulo é a de traçar a possível história da Editora e da
Livraria d’O Pensamento e sua trajetória na realização de um empreendimento editorial no
ramo da ioga, então inédito na cidade de São Paulo, e, desta forma, são analisados, de maneira
concisa, três exemplares: o Quatorze Lições de Philosophia Yogi e Occultismo Oriental
(1910), o Hatha Yoga ou Philosophia Yogi do bem estar physico (1911) e o Curso Adeantado
de Philosophia Yogi e Occultismo Oriental (1912), para finalmente elencar os principais
agentes mediadores destas obras, a saber, o autor, William Walker Atkinson, que assinava
como Yogi Ramacharaka; o tradutor, Francisco Valdomiro Lorenz; e o editor e principal
mediador, Antônio Olívio Rodrigues, ressaltando dados biográficos pertinentes ao
desenvolvimento desta dissertação.
O segundo capítulo tem como objetivo demonstrar como se deu o ciclo de difusão do
M.E.I. em São Paulo. Defende-se a hipótese de que o M.E.I. respondia a uma demanda por
um estilo de vida que contrabalançasse o estresse decorrente da aceleração do ritmo de vida
nas grandes cidades ocidentais, num período de popularização da ioga decorrente do
imperialismo das grandes potências europeias, como Inglaterra e França, que,
paradoxalmente, apesar de serem extremamente opressoras, foram responsáveis por dar
visibilidade à cultura hindú e, principalmente, à ioga18.
Num último momento do segundo capítulo, serão levantados dados acerca da revista O
Pensamento, veículo central na difusão dos livros de ioga, do jornal Correio Paulistano, e
finalmente nos próprios livros de ioga, vestígios que ajudem a recuperar um pouco da história
17
FEBVRE, Lucien. MARTIN, Henri-Jean. Op. Cit. pp. 109-115.
18
Tanto a Sociedade Teosófica no sentido Ocidente-Oriente, quanto iogues ilustres, como Swami Vivekananda,
Rabindranath Tagore e outros, no sentido inverso, foram importantes para esta popularização da ioga no
Ocidente, o que será devidamente explorado, também, no segundo capítulo.
17
/
de como se deu a estratégia de auto-divulgação dos impressos sobre ioga, de maneira
eficiente, entre os leitores paulistanos durante a Belle Époque.
O terceiro capítulo, por sua vez, tem a função de estudar a parte mais complexa e
subjetiva do M.E.I.. Serão disponibilizados, neste último capítulo, apontamentos sobre a
recepção e a leitura dessas obras pelo público leitor paulistano. Para lograr com essa proposta,
foi feita uma tentativa de demonstrar, por meio de dados levantados na revista O Pensamento,
a origem e os principais preceitos do C.E.C.P., uma ordem esotérica que é também uma
sociedade livresca que foi, por muito tempo, o único nicho leitor da ioga. Desta forma, serão
apresentados, dentro do possível, dados sobre as práticas e a rede de leitura da ioga que se
distribuía entre diversos estados do Brasil, e até mesmo em outros países, pelos Tattwas,
centros de magnetização e estudos esotéricos. Espera-se que, ao final desta dissertação, fique
claro ao leitor algumas das principais características do M.E.I. e de suas práticas de leitura
durante a Belle Époque paulistana.
18
/
C 1-OI M E I S P
1.1 - A E , L L I
No final do ano de 1925 qualquer cidadão paulistano que, indo ou voltando das
compras no Mercado Municipal ou do movimentado Triângulo Central, de uma missa na
Igreja da Sé, ou que estivesse passando pelo Viaduto do Chá, rumo a zona sul da cidade, não
poderia deixar de notar um opulento prédio que se erguia no bairro da Liberdade, na rua
Rodrigo Silva, nº167, atrás da Praça Dr. João Mendes, no quarteirão da Paróquia São Gonçalo
Garcia. Este edifício, estreito e chamativo, com cerca de sete metros de largura, com dois
andares e uma alta cúpula ornamentada — tão aguda que parecia perfurar o céu — mostrava
uma fachada incomum até mesmo para os padrões da eclética arquitetura de São Paulo
durante a Belle Époque19. Esta fachada simbólica, carregada de incompreensíveis signos
esotéricos, desafiava a compreensão de quem a via de longe, mas instigava a curiosidade de
quem se atrevesse a chegar mais perto.
Adjacente à rua de paralelepípedos, na calçada recém construída, ornada de postes de
ferro, instalados metodicamente pela Light, e abrigada por um toldo, acessório indispensável
na terra-da-garoa, destacavam-se três portas: duas de corrediças metálicas, típicas de
estabelecimentos comerciais, e uma terceira, diferente, de madeira maciça, com uma esfinge
entalhada à altura dos olhos. Este misterioso edifício20, de intrincado detalhismo, é onde
passou a funcionar, desde 192521, a redação e as oficinas gráficas da Editora Pensamento e a
loja matriz da Livraria d’O Pensamento — que, a esta altura, já disponibilizava um extenso
catálogo de livros espiritualistas, ocultistas e esotéricos, do qual a ioga era ramo muito
importante — e a sede do Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento — uma das
primeiras ordens esotéricas22 a serem fundadas no Brasil, em 27 de junho de 1909 — onde se
19
O padrão é, na verdade, a falta de padrões. Não existe uma comunicação muito clara ou muitos elementos
compartilhados entre os edifícios, como por exemplo o Teatro Municipal, a Estação da Luz, o Edifício
Martinelli, a Capela dos Enforcados e a Catedral da Sé, dentre outras estruturas, o que resultaria numa espécie de
polifonia arquitetônica, um ecletismo mais ou menos aleatório, específico da cidade de São Paulo. SEVCENKO,
Nicolau. Orfeu Extático na Metrópole: São Paulo, sociedade e cultura nos frementes anos 20. São Paulo:
Companhia das Letras, 1992. p. 118.
20
Vide Figura 01.
21
Já havia, desde 1909, uma outra sede da Livraria d’O Pensamento e do Círculo Esotérico da Comunhão do
pensamento, na rua Senador Feijó, A-1, conforme será explorado mais adiante.
22
Não foram encontrados, até o momento, indícios de alguma outra ordem esotérica a ser integralmente fundada
no Brasil, anteriormente ao Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento.
19
/
reuniam os adeptos, agora em grande número, para o estudo e debate dos mais diversos
assuntos relacionados ao esoterismo e espiritualismo em geral.
23
RAMACHANDRA. O Pensamento em Evolução. SP: Ed. Pensamento, 2010, p.68
24
Vide figura 02.
20
/
do período25, que se constituía majoritariamente de livros técnicos, jurídicos ou didáticos,
infantis ou ainda dos cânones literários, ou, quando muito, livros populares, feitos para vender
rápido e em grande volume, como páginas de sensação, romances de crimes, suicídios e
pornografia mais ou menos explícita26.
Fig.02 - Térreo do C.E.C.P., onde funcionavam a Editora e a Livraria d’O Pensamento, circa 1925.27
25
Conforme o estudo de Terezinha Aparecida Del Fiorentino, que será comentado a seguir, não haviam em São
Paulo, até os anos 1920, nenhuma editoria especializada em livros esotéricos, de magia, teosofia, espiritismo e
ioga. Desta forma, a Editora Pensamento foi pioneira em fornecer um catálogo deste porte de tais volumes
não-usuais em São Paulo, durante a Belle Époque.
26
Sobre a produção editorial em São Paulo vide: DEL FIORENTINO, Teresinha Ap. Prosa de Ficção em São
Paulo: produção e consumo 1900-1920. São Paulo: Hucitec, 1978. Sobre os romances de sensação e os a
literatura pornográfica produzida no Rio de Janeiro no final do século XIX vide: EL FAR, Alessandra. Páginas
de Sensação: Literatura popular e pornográfica no Rio de Janeiro (1870-1924). São Paulo: Companhia das
Letras, 2004, p. 17.
27
RAMACHANDRA. Op. Cit., 2010, p.69.
21
/
hinduísta, que se tem notícia28, o Bhagavad Gita ou A Sublime Canção da Immortalidade, o
Curso de Magnetismo ou A Arte de Triumphar na Vida, do teosofista espanhol Vicente Garcia
Ruy Perez ou ainda o Methodo perfeito de instrucção para o estudo de hypnotismo,
mesmerismo, clarividência, therapeutica suggestiva e a cura pelo somno, de autor anônimo,
dentre muitos outros volumes, de diversos assuntos29. Eram técnicas de mesmerismo30 e
hipnose para fins terapêuticos, ou ainda, instruções sobre como conduzir uma sessão completa
de espiritismo dentro de seu próprio lar, ou simplesmente sentar-se e respirar, meditar.
Eram oferecidos ao público, através das supracitadas e de outras obras, insights,
métodos e soluções para lidar com diversos problemas advindos do tenso modelo de vida de
uma metrópole em ascensão, advindos também de um capitalismo que não respeitava as
idiossincrasias e ritmos pessoais, como por exemplo, prometiam ensinar maneiras de utilizar
as “forças mentais” e o “magnetismo pessoal” a para atrair simpatia, sucesso e fortuna ao
sujeito que as dominassem, ou ainda traziam dos confins da Índia, de um mestre misterioso,
exercícios e métodos de meditação e respiração “hindu-iogue” que prometiam o relaxamento
completo do corpo, a serenidade da mente e a saúde perfeita, uma oferta ideal para quem
quisesse combater o estresse e o desgaste resultantes da luta pela sobrevivência numa
metrópole moderna em ascensão.
Tal variedade de títulos e ensinamentos ocultistas pode ter causado uma impressão
maior que a provocada pela opulenta arquitetura do prédio da livraria, e a intenção do editor
era exatamente esta: propor títulos fascinantes a preços módicos, de livros que transmitissem
um pouco da magia dos símbolos ocultos, das ordens iniciáticas, de doutrinas iogues
milenarmente perdidas da Índia, ou de métodos secretos de hipnotismo, sugestão,
mesmerismo e magnetismo, para atrair a simpatia e a fortuna material, para despertar e
fortalecer a força de vontade, tão necessária para atingir o sucesso nas empreitadas da vida.
Tudo isso estava agora acessível aos leitores que estivessem dispostos a investir uns contos de
réis em títulos curiosos, que eram vendidos de mil a cinco mil réis, dependendo do tamanho
da obra.
Pode-se dizer, através de comparações, que o preço médio destes livros era de fato
acessível ao leitor comum do período, visto que o preço de um quilo de cebolas girava em
28
Vertido para o português por Francisco Valdomiro Lorenz, ele mesmo um adepto do Círculo Esotérico da
Comunhão do Pensamento.
29
Vide Figura 19.
30
Mais adiante, será brevemente explicado o que é o mesmerismo e qual é sua tradição intelectual.
22
/
torno de 0$500 réis31, uma lata de massa de tomate saia por 0$800 réis32, o quilo de pó de café
por volta de 1$00033, o preço de uma boa bicicleta oscilava entre os 300$000 e 450$000 réis e
o maior prêmio da Loteria da Capital Federal era de 1.000.000$000 (um bilhão) de réis34 no
ano de 1900, em São Paulo.
Para uma comparação mais específica, dentro do ramo livreiro, é possível dizer que
um volume do romance Esaú e Jacob, de Machado de Assis, era vendido pela Livraria
Magalhães por 4$000 réis, o romance Os Exploradores da Lua, de H. G. Wells, podia ser
adquirido também por 4$000 réis e um exemplar do Código Penal da República dos Estados
Unidos do Brasil saia por 10$000 réis em 190535.
O catálogo da Editora, tão extenso e variado já no ano de 1925, pode ser considerado
como um sinal da consolidação do empreendimento editorial de A.O.R., pois é fruto de
muitos esforços passados. É muito difícil descolar a história do mercado editorial da ioga em
São Paulo da história do próprio A.O.R., que foi o principal agente mediador dos livros de
ioga, dentre outros diversos ramos do ocultismo, responsável por articular uma rede de
cooperação de dimensões internacionais, pois correspondia-se com W. W. Atkinson, o Yogi
Ramacharaka, dos Estados Unidos, que permitiu a tradução e publicação de seus livros no
Brasil, e associou-se com o poliglota espiritualista bávaro, Francisco Valdomiro Lorenz, para
traduzir diversos volumes sobre ioga. E foi, ainda, diretor de edição e divulgador destas obras
para o público paulistano em geral36, investindo do próprio bolso nas primeiras edições.
É num contexto de crescimento urbano, forte onda imigratória, modernização e
aquecimento do mercado editorial e o aumento da demanda, que chega à São Paulo, em 1890,
o português Antônio Olívio Rodrigues, e se estabelece encontrando na cidade as condições
necessárias para dar início à sua empreitada editorial e, entre 1907 e 1913, funda a Editora e
Livraria “O Pensamento”, passa a publicar mensalmente a revista O Pensamento e
anualmente o Almanach d’O Pensamento e funda o Círculo Esotérico da Comunhão do
Pensamento, doravante chamado de C.E.C.P. que representa um propício ciclo de
31
A Vanguarda: Diário da Manhã independente, Anno I, nº 70, 1 de janeiro de 1909, p.4.
32
Idem.
33
Ibidem, p.3.
34
Correio Paulistano, 1 de maio de 1900, p. 3.
35
Boletim Bibliographico Paulista: Chronica mensal do movimento intelectual de São Paulo e Catálogo Geral
de livros nacionaes e estrangeiros, órgão da Livraria Magalhães, Anno IV, nº 9, 1905. p.1.
36
Ver Análise Diacrônica do M.E.I. na tabela 14 em ANEXO.
23
/
sociabilidade, formado por leitores que se reúnem com o intuito de ler e discutir as obras
publicadas pela editora.
Por volta de 1907, a fim de divulgar os livros, A.O.R. começa a publicar um
jornalzinho de breve duração, chamado O Astro, do qual não foi possível obter exemplares
para análise, e em 1º de dezembro de 1907 funda a revista O Pensamento. É também neste
ano que muda-se para uma casa na Rua da Glória, nº 2-B, onde reside aos fundos e monta, á
frente, um bazar onde se vendiam toda sorte de materiais de papelaria, o Bazar da Glória, e
instala uma espécie de consultório, que passou a chamar de Escriptorio do
Brasil-Psychico-Astrológico, onde funcionava a redação dos livros e da revista e onde eram
realizadas, por A.O.R., leituras de horóscopos37 a pedido de seus leitores, cada vez mais
numerosos38.
Conforme os dados das fontes históricas permitem afirmar, tudo começou com a
publicação do Magnetismo Pessoal ou Psychico em 1907. Segundo Adilson Silva
Ramachandra, A.O.R. acreditou no potencial desta obra do magnetizador francês Henri
Durville (1887-1963) e decidiu investir em sua publicação. Este foi, provavelmente, o
primeiro volume a ser anunciado na revista O Pensamento.
Henri Durville é herdeiro de uma longa tradição do “magnetismo animal” ou
mesmerismo, cujas raízes remontam à França do século XVI, com os estudos de astrologia e
ocultismo aplicados na medicina de Paracelso e nos textos do místico-luterano alemão Jakob
Böhme, que repercutiram na obra do espiritualista sueco Swedenborg no século XVII, mas
que teve através de Franz Anton Mesmer, médico e magnetizador alemão radicado em Paris,
primeira sistematização e disseminação de maneira significativa.
Mesmer acreditava na existência de um fluido magnético que corria através do corpo
de todos os seres vivos, e que a saúde dos mesmos dependia da qualidade e da intensidade em
que este fluido permeava os membros, os ossos e os órgãos do corpo. Mesmer defendeu até
seus últimos dias ter descoberto uma maneira de curar quase todas as moléstias humanas
através do uso de imãs e de cubas magnéticas, cheias de limalha de ferro, para fazer fluir o
“magnetismo animal”, devolvendo a saúde e o bem estar a quem se dispusesse a participar de
37
Vide figura 39 em ANEXO.
38
Conforme as informações contidas nos catálogos de assinantes e associados que serão melhor explorados no
terceiro capítulo.
24
/
algumas destas sessões, que geralmente acabavam em furor, desmaios, e catarses coletivas, o
que causou muita desconfiança e ceticismo entre os outros médicos e cientistas franceses.39
Mesmer teve vários discípulos, entre eles o oficial-general e magnetizador francês,
Marquês de Puységur, no século XVII e o escritor e magnetizador, também francês, Barão du
Potet, que por sua vez, teve sua obra continuada por seu discípulo, Hector Durville, no século
XIX, e finalmente, um de seus filhos, Henri Durville, no século XX40. Todos estes discípulos
de Mesmer e suas produções literárias dentro da doutrina do magnetismo, haveriam de ser
publicadas na revista O Pensamento nas primeiras décadas do século XX.
Ora, segundo Ramachandra, A.O.R. correspondia-se com diversas fraternidades e
ordens esotéricas, sendo versado no espiritualismo em geral, no espiritismo, na astrologia, e
no magnetismo, sabia alguma coisa de alquimia e de cabala, filiou-se a ordens como a Ordem
Rosa-Cruz, a Ordem Martinista e a Sociedade Alquímica da França, e assinava periódicos
ocultistas franceses como L’Initiation (1888), Le Voile d’Isis (1890) e La Vie Mystérieuse
(1909), do círculo de Gérard Anaclet Vincent Encausse, mais conhecido no meio ocultista
como Papus, fundador da Ordem Martinista, que lia assiduamente41.
A.O.R., conforme o que se depreende das fontes históricas, era muito influenciado
pela obra de Papus e pela filosofia da Ordem Martinista e frequentou, no curto período de
tempo em que existiu, uma das filiais em São Paulo da Loja “Amor e Verdade”, em 1907.
Segundo Ramachandra, esta loja foi presidida por Horácio de Carvalho, iniciado por
Papus pessoalmente, tinha como seu secretário o maçon Raul Silva, que seria futuramente um
dos maiores colaboradores da revista O Pensamento e autor de diversos livros publicados pela
Editora Pensamento, além de várias outras personalidades ilustres no período, como Dr. José
Luiz de Almeida Nogueira que era senador do Estado de São Paulo, Eduardo de Carvalho que
era Cônsul do Uruguai, Miguel Mugnani que era diretor da Seção do Tesouro do Estado de
São Paulo, Herculano José de Carvalho que foi Cônsul na Suíça, A. Baptista que era chefe dos
escritórios da São Paulo Railway, o Prof. Genésio Rodrigues que, fluente em francês, foi o
39
Um estudo completo do mesmerismo e de suas implicações na França iluminista, vide: DARNTON, Robert. O
Lado Oculto da Revolução - Mesmer e o final do iluminismo na França. Trad. Denis Bottmann. SP:
Companhia das Letras, 1988.
40
Maiores informaçõe sobre a tradição terapêutica de Mesmer, vide: CHERTOK, L. SAUSSURE, R. The
Therapeutic Revolution: From Mesmer to Freud. New York: Brunner/Mazel INC., 1973.
41
RAMACHANDRA. Op. Cit. 2010, p.38.
25
/
tradutor do Magnetismo Pessoal, primeiro livro editado pela Editora Pensamento em 190742.
Sobre esse período, A.O.R. diz:
Certa ocasião, devia ser pelo ano de 1905 (não me recordo agora a data), estava eu, à
tardinha, contemplando de uma janela o firmamento, como que a perscrutar o
abismo do infinito. Surgiu então em meu espírito a ideia vaga de uma sociedade em
que todos os amantes da Verdade pudessem abrigar-se, sem distinção de casta, raça,
cor, religião, sexo, credo político e filosófico, e que comungassem dos mesmos
ideais. Passou-se o tempo, até que, em 1906, entrei em contato com alguns pioneiros
do espiritualismo no Brasil. Em 1907, fundou-se em São Paulo a Loja Ocultista
“Amor e Verdade”, da qual fiz parte e que teve vida efêmera, desaparecendo poucos
meses no esquecimento, porém, deixando em meu espírito uma viva recordação.43
(RAMACHANDRA, A. S. 2010, p. 35)
Não é de se espantar que ele tenha decidido entrar no debate, sendo o entusiasta do
espiritualismo44 que foi, e tenha decidido empenhar grande energia na realização de seu
próprio empreendimento editorial, em São Paulo, onde seria um mediador entre esse mercado
editorial internacional, do qual a ioga e as filosofias orientais em geral fazem parte, e o
público leitor paulistano. Em periódicos espiritualistas franceses como, L’Initiation (1888), Le
Voile d’Isis (1890) e La Vie Mystérieuse (1909), A.O.R. tinha acesso a um extenso catálogo,
de livros sobre todo tipo de assunto esotérico, como Essai d’Initiation à la Vie spirituelle
(1908), de Lebel, ou, L'Occultisme e Le Spiritisme (1909), de Papus, ou, La Magie (1910), de
J. G. Bourgeat. Mas, segundo o que as fontes permitem afirmar, é na produção de Henri
Durville que A.O.R. vê mais futuro, livros como Magnétisme Personnel, La Massage et le
Magnétisme (1909) e Traite experimental de Magnétisme (1909), eram amplamente
anunciados pelas revistas francesas do círculo espiritualista de Papus45.
Conforme o que se pode depreender até o momento, segundo as fontes históricas e o
que defende Adilson Ramachandra, além de estar inteirado do movimento espiritualista, no
Brasil e no mundo, A.O.R. foi também um estudioso do Espiritismo, e sempre frequentou os
estabelecimentos de livreiros alfarrabistas, onde adquiria as obras espíritas como as de Allan
Kardec, como o Evangelho Segundo o Espiritismo (1864), e de Camille Flammarion, Deus e a
42
Revista O Pensamento, Anno I, nº 1, 1907.
43
Transcrição das palavras de Antônio Olívio Rodrigues, retiradas de seu discurso em comemoração aos 25 anos
do C.E.C.P., publicado em 1934 na revista O Pensamento. in: RAMACHANDRA, Adilson Silva. “O
Pensamento” Em Evolução: Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento: 100 Anos (1909-2009). São
Paulo: Editora Pensamento-Cultrix, 2010. p.35.
44
Nesta dissertação, entende-se por espiritualismo todo e qualquer assunto que trate de fenômenos considerados
fantásticos, paranormais, que desafiam as leis da física e que envolvesse, de alguma maneira, uma relação com
os espíritos, com o além-túmulo, com entidades, divindades e energias sutis e extra-físicas em geral.
45
Vide Tabela 15 em ANEXO.
26
/
Natureza (1886), além de outras diversas obras, como a produção da Sociedade Teosófica de
Helena Petrovna Blavatsky, Ísis sem Véu (1877), A Doutrina Secreta (1888), A Voz do
Silêncio (1889) e A Chave para a Teosofia (1889).
Toda essa literatura, tão prolífica e popular entre os místicos e espiritualistas da Europa
e dos Estados Unidos desde meados do século XIX46, começa a circular mais intensamente
entre os leitores de São Paulo no início do século XX, por volta do ano de 1907, através dos
esforços de A.O.R., que, percebendo uma demanda crescente por temas espiritualistas na
sociedade, entre eles a ioga, e visionando uma grande oportunidade de negócio, funda os
alicerces do que viria a ser a Editora e Livraria d’O Pensamento posteriormente, se tornando,
desta forma, um importante mediador cultural de diversas obras ainda inéditas na metrópole
em ascensão, e sendo, possivelmente, conforme é defendido na primeira hipótese desta
dissertação, o único repositório de livros de ioga disponível ao público paulistano durante
muitas décadas do século XX.
O livro Magnetismo Pessoal ou Psychico (1907) de Henri Durville vai então, após sua
tradução, para as oficinas gráficas e, segundo o que se pode observar nos primeiros
exemplares da revista O Pensamento, enquanto espera pela sua impressão, A.O.R. funda a
Bibliotheca Psychica Paulista e o Consultório do Brasil Psychico-Astrológico, que no início
estavam sediados em sua própria residência, na Rua da Glória, nº 2-B, no bairro da Liberdade.
Durante os primeiros anos de existência da Livraria d’O Pensamento, devido,
logicamente, à falta de capital e por se tratar de um empreendimento ainda em sua fase inicial,
os livros mediados por A.O.R. — e isso inclui os livros de ioga — eram impressos em
oficinas tipográficas terceirizadas.
Não foi possível, ainda, saber exatamente qual era o tipo de maquinário e mão-de-obra
utilizados nas impressões dos primeiros livros de ioga da Livraria d’O Pensamento, mas, após
pesquisa nas fontes históricas, em específico, na revista O Pensamento, é defendida a hipótese
de que os primeiros livros de ioga em português, publicados em São Paulo, eram enviados
para a Typographia Nacional de Carlos Borba47, localizada na Rua 11 de Agosto, número 29,
onde funcionava também uma papelaria que vendia objetos para escritório em geral, material
46
Diretrizes, crescimento e popularização da Sociedade Teosófica é melhor discutido no livro: BESANT, A. W.
Theosophy and The Theosophical Society. Adyar, Madras, Índia: Theosophical Publishing House, 1913.
47
Vide Figura 03.
27
/
escolar, e onde realizava-se encadernação, pautação, douração, fabricação de livros em
branco, importação de papéis de todos os tipos e finalidades.
Conforme os vestígios e pelo que se depreende das análises das das fontes históricas,
saíram então, inicialmente, das oficinas tipográficas de Carlos Borba, os primeiros exemplares
de livros de ioga a serem difundidos para o público leitor paulistano. Logicamente eram
produzidos em pequena escala e sua venda dependia mormente de um trabalho de divulgação
no estilo porta-a-porta, o que pode ter sido feito por A.O.R. pessoalmente.
Fig.03 - Anúncio da Typ. Nacional de Carlos Borba na revista O Pensamento, onde eram publicados os
primeiros livros de ioga, conforme defende essa dissertação, entre 1910 e 1912.48
48
Revista O Pensamento, Anno III, março de 1910, núm. 28, p. 25.
28
/
Não se pode precisar, ainda, quantos livros de ioga do Yogi Ramacharaka foram
vendidos seguindo esse ciclo inicial de produção, no qual se terceirizava a edição em outras
oficinas tipográficas, mas pelo que se pode constatar através de uma análise diacrônica49, o
empreendimento editorial de A.O.R. mostrou-se bem-sucedido e, conforme ia traduzindo e
publicando novos volumes sobre ioga, ia criando também uma clientela que, disposta a seguir
as lições para a saúde e o bem-estar perfeitos de Ramacharaka, ficaria ávida para aprofundar
seus conhecimentos através da obtenção de novo conteúdo. Essa fase é a que se pode
considerar de crescimento lento porém essencial, do M.E.I.
Em termos gerais, a revista O Pensamento, que será melhor explorada no segundo
capítulo com o principal veículo de difusão dos livros de ioga entre os leitores da metrópole,
foi sendo cada vez mais bem acolhida. Os primeiros números da revista poderiam ser
enviados gratuitamente a qualquer um que desejasse “receber sua influência”, e assim como
era usual no período, seguindo um já conhecido sistema de assinaturas por correspondência,
bastava enviar uma carta solicitando seu envio para o Brasil-Psychico-Astrológico apenas
com o dinheiro da postagem, que era enviado, gratuitamente, um exemplar da revista.
Ao que parece, os esforços de A.O.R. para a divulgação de sua produção deram
resultados, e a revista passou a ter cada vez mais assinantes50, e passou, inclusive, a circular
em outros países, como a Itália, Espanha, Argentina e Chile51. Em 1908, a menos de um ano
de sua fundação, já conta com mais de duzentos assinantes, número que crescerá
exponencialmente, e recebe elogios da importante revista La Verdad, do senador argentino
Federico Washington Fernandez52, que foi responsável por traduzir as obras de Yogi
Ramacharaka para o espanhol, obras estas que foram importadas, inicialmente, para o Brasil
por A.O.R..
Em março de 1909, com um catálogo já mais extenso e com uma melhor acolhida dos
leitores — muitos dos quais já assinantes da revista e adeptos do círculo — que agora
começava a formar um pequeno público cativo, A.O.R. nota que o espaço reservado para os
trabalhos editoriais já não é mais suficiente.
49
Vide Tabela 14 em ANEXO.
50
Conforme dados extraídos das fontes históricas, catálogos de assinantes e associados que serão melhor
explorados no terceiro capítulo.
51
Estes dados serão, também, melhor explorados no terceiro capítulo.
52
Membro da Sociedade Teosófica na Argentina, importante espiritualista, que tem uma breve biografia
publicada no periódico El Loto Blanco, em abril de 1923, digitalizado e disponível em:
http://www.iapsop.com/archive/materials/loto_blanco/loto_blanco_1923_04_apr.pdf
29
/
Ramachandra afirma que A.O.R. passa a procurar um espaço mais adequado para dar
vazão à sua produção editorial, para armazenar os livros, que já passam centenas de
exemplares de uma dezena de títulos diferentes53, e disponibilizá-los aos seus leitores, e se
muda, então, em 1911, para a Rua Senador Feijó, nº 1-A.
Fig.04 - Sede da Editora e Livraria d’O Pensamento, na Rua Senador Feijó, nº 1-A, em 1909.54
Não foram encontrados, até o momento, indícios de outras editoras que publicaram
livros de ioga anteriormente ou durante o período estudado nesta dissertação. Nenhum
trabalho acadêmico se propôs a analisar este ramo em específico do mercado editorial, então,
a falta de referências e de fortuna crítica dificultam o acesso a informações importantes.
53
Conforme dados da Tabela 13, em Anexo.
54
RAMACHANDRA. 2010, Op; Cit., p.48.
30
/
Levantamentos realizados em alguns dos principais acervos do país55 mostram, através
de análises sincrônica e diacrônica, que o início do M.E.I. coincide com a publicação dos
livros de Yogi Ramacharaka em São Paulo durante a Belle Époque, pela Editora Pensamento,
a partir de 1910, alguns que inclusive foram localizados na Biblioteca Nacional, no Rio de
Janeiro56, e que serão expostos mais adiante neste capítulo.
Um fato importante para o M.E.I. é, portanto, que surge nessa época a Livraria d’O
Pensamento, e, segundo a hipótese defendida neste capítulo, se torna o primeiro ponto de
venda e repositório significativo de livros de ioga em São Paulo, entre os anos de 1910 e
1925, sendo então a primeira livraria paulista especializada no ramo.
Um outro fato importante sobre o ciclo de produção do M.E.I.: a partir de 1912, as
condições se tornaram propícias para começar a produzir por seu próprio maquinário, e é
quando A.O.R. manda instalar uma tipografia própria, onde começa a editar, a revista O
Pensamento, o Almanach d’O Pensamento e os livros dos mais diversos, inclusive os livros
de ioga. Funda-se, então, de maneira definitiva, a Empresa Editora Typographica O
Pensamento, o início da atual Pensamento-Cultrix.
Os efeitos dos esforços investidos no empreendimento editorial de A.O.R. foram
cumulativos, pois desde a criação da Editora e da Livraria d’O Pensamento, que é, segundo o
que as fontes históricas permitem afirmar, a alma mater do M.E.I., mudam-se para a Rua
Rodrigo Silva, nº 40, e onde é construído um imóvel bem mais espaçoso, para comportar tanto
as atividades editoriais, a revista e Livraria, quanto as atividades esotéricas do Círculo. Cada
vez mais títulos sobre a ioga são traduzidos, editados e disponibilizados aos leitores. O ciclo
de produção do M.E.I. surgiu e se consolidou, entre 1910 e 1915, no mesmo ritmo em que
crescia e se desenvolvia a cidade de São Paulo, durante a Belle Époque.
As circunstâncias do recorte espaço-temporal desta pesquisa são notáveis.
Mundialmente, uma fase de relativa bonança econômica para o Ocidente em geral, momento
de expansão imperialista e de hegemonia cultural européia, sobretudo francesa e inglesa, que
ficou conhecido como a Belle Époque. Ao mesmo tempo em que se comemoravam os
55
Foram consultados os acervos da Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro; nos catálogos on-line da
Universidade de São Paulo (DEDALUS) e da Universidade Estadual Paulista (ATHENA); no catálogo do
Sistema Municipal de Bibliotecas de São Paulo; e nos acervos on-line da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo e do Rio de Janeiro
56
Fontes encontradas na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, provavelmente devido à condição do depósito
legal, em seu acervo. Apesar de terem sido encontradas no Rio de Janeiro, os livros encontrados foram
publicados em São Paulo.
31
/
progressos científico-tecnológicos, efervesciam as artes modernas e realizavam-se verdadeiras
façanhas da engenharia civil e militar, entoava-se também o irônico prelúdio de uma barbárie
ainda sem precedentes, ocorrida em solo europeu em meados de 1914, a Primeira Guerra
Mundial. O Brasil era então uma instável república, recém proclamada e em vias de
consolidação. E São Paulo, que entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século
XX começava a despontar, a duras penas, como uma das grandes metrópoles modernas do
Ocidente, passava por reformas radicais que mudaram permanentemente suas dimensões, sua
identidade, sua sociedade e sua cultura.
É nesse momento de fremência, de reforma, de modernização por um lado mas de
caos por outro, que o famoso Triângulo Central, centro comercial e de serviços formado pela
junção das ruas Direita, 15 de Novembro e São Bento, ganhou notoriedade e passou a ser o
espaço de convívio principal da sociedade paulista. É quando começara a aparecer também as
primeiras fábricas, bairros operários como o Brás e Barra Funda, multiplicaram-se as escolas,
comércios, bancos, assim como pululavam os primeiros trens e bonds elétricos
Soma-se a isto o vertiginoso crescimento das comunidades de imigrantes estrangeiros,
vindos para o Brasil ou fugidos da Guerra, ou aliciados pela promessa de uma vida próspera,
ou ambos, elementos estes que conferiam a São Paulo um movimento de crescimento
desordenado e inchaço análogo, guardadas as devidas proporções, aos dos grandes centros
urbanos europeus e norteamericanos.
Este crescimento ocorre, também, em resposta a um movimento maior que se deu em
termos mundiais, como a Inglaterra, a França e os Estados Unidos, que numa corrida para a
obtenção de matérias-primas disponíveis em todas as partes do mundo e pela abertura de
novos mercados consumidores de seus excedentes industriais, ampliaram a escala das
demandas e das importações, fenômeno este que ficou conhecido como imperialismo ou
neocolonialismo57.
A Revolução Científico-Tecnológica ocorrida também nesta transição, representa, em
relação à Revolução Industrial de 1780 na Inglaterra, um salto enorme em termos
quantitativos e qualitativos, e alterou drasticamente os hábitos e costumes cotidianos nas
cidades por todo o mundo, incrementando a rapidez e a intensidade dos transportes, com o
advento dos bonds elétricos e da multiplicação das linhas férreas. Os automóveis tornavam-se
cada vez mais populares, e como decorrência, as ruas e estradas. A qualidade e a efetividade
57
SEVCENKO, Nicolau. Op. Cit. p.12.
32
/
das comunicações à distância, com o advento dos telégrafos e da telefonia, atingiram níveis
nunca antes alcançados. E, sobretudo, mudou o ritmo do trabalho, com o desenvolvimento das
grandes indústrias e suas linhas de produção que demandavam muita mão-de-obra operária e
que demandava uma produção cada vez maior58. Como comenta Sevcenko, nunca antes houve
um processo tão intenso de mudança, que envolvesse um contingente tão grande de pessoas e
que causasse uma sensação de progresso tão verossímil:
58
SEVCENKO, Nicolau. Op. Cit. p.11
59
SEVCENKO, Nicolau. Op. Cit. p.34
60
SEVCENKO, Nicolau. Op. Cit. pp. 108-109.
61
SEVCENKO, Nicolau. Op. Cit., 1992. p. 118.
33
/
onde nasceu o mercado editorial da ioga, é um exemplo muito eloquente desse ecletismo
cosmopolita62, único em sua natureza.
Apesar de na época o bairro da Liberdade ser considerado um bairro periférico, já
havia projetos para sua modernização — a criação de uma estrutura para tráfego, instalação
das redes elétricas para o funcionamento dos telégrafos, telefones e bonds e saneamento
básico da água e rede de esgoto — que foi até mesmo necessária levando em conta que neste
bairro fixaram-se as residências de toda sorte de imigrantes, que em quantidades maciças,
vinham de todos os lugares do mundo: eram sírios, libaneses, armênios, chineses mas a
maioria japoneses, que eram agora, antes de tudo, paulistanos63.
É nesse contexto de mudanças e de renovação que surge, também, a Editora e Livraria
d’O Pensamento, em 1907, sendo, provavelmente, a primeira e exclusiva a produzir livros,
revistas e almanaques relacionados ao espiritualismo em São Paulo.
Pode-se dizer que no Brasil como um todo, o mercado editorial estava se aquecendo,
por exemplo, entre 1887 e 1926 as taxações sobre a importação do papel e do livro estiveram
em níveis muito baixos, o imposto sobre o quilo do papel oscilava entre 240 e 500 réis e sobre
o quilo do livro entre 160 e 300 réis, um período que pode ser considerado de favorecimento
fiscal, visto que em 1880 o imposto sobre o quilo do livro havia batido na marca dos 1.000
réis, chegaria a 1.920 réis no ano de 1930!64 Resta então inquirir: qual foi a magnitude da
produção de livros da Editora Pensamento no mercado editorial paulistano da época?
De acordo com a historiadora Teresinha Aparecida Del Fiorentino, em seu livro Prosa
de Ficção em São Paulo: produção e consumo (1900-1920), o estudo do movimento do
mercado editorial paulista no início do século XX é dificultado pelas lacunas na
documentação e falta de dados numéricos, quase inexistentes e dispersos entre revistas,
62
O resultado desta dessincronia — causada em grande parte pelas especulações imobiliárias uma vez que a
demanda por terrenos cresceu vertiginosamente, e pelo monopólio de todos os serviços urbanos por apenas uma
empresa, de capital misto canadense-americano-britânico, a famosa Light, e, sobretudo, devido ao entreguismo e
à lacuna de planejamento dos poderes públicos sobre a infra-estrutura da cidade — foi uma espécie de
“esquizo-ecletismo” que abrangia vários estilos, como o neoclassicismo, o art nouveau e o estilo colonial mas
que não era, essencialmente, nenhum deles em específico.
63
Já em 1919, é aprovado o plano de alinhamento da Rua Conselheiro Furtado e, segundo a Lei n. 2451, de 14
de janeiro de 1922, passa a ser promovido pela prefeitura o emplacamento de ruas e prédios da cidade, assim
como a demolição de edifícios, muros e obras ameaçadas de ruína ou construídas fora dos padrões municipais. O
bairro da Liberdade começa, então, a se modernizar e se destacar como um dos bairros mais famosos e queridos
pelos paulistanos, nas palavras de Laís Guimarães, “descrevendo o bairro da Liberdade, invocamos as
impressões do francês Graffe: ‘Nada se poderá imaginar mais bem traçado e arborizado que as ruas da Liberdade
e Consolação’”. Portanto, o próprio lugar em que teve início o mercado editorial da ioga era um lugar em vias de
modernização, movimentado e propício.
64
HALLEWELL, Laurence. O Livro no Brasil: Sua História. Editora USP, 2005.
34
/
jornais, almanaques e catálogos. No decorrer de sua pesquisa, a autora levantou a existência
de 106 editoras funcionando em São Paulo, desde o início do século até 1922, mas, todavia,
não foi possível mapear a atuação da maioria no mercado editorial, devido ao fato que, além
de poucas produzirem livros no Brasil como é o caso da Garnier, Briguiet e outros que
imprimiam na França, poucas casas se arriscaram a imprimir e quando o faziam, eram raros
volumes, em geral mal impressos e com péssima difusão. Assoma-se a isto a situação do país
65
que possuía diminuta população leitora e parcas oficinas tipográficas.
Apesar das referidas lacunas na documentação, Del Fiorentino conseguiu recolher
dados importantes sobre o ano de 1920, e concluiu que “cerca de 20 editoras funcionando em
São Paulo, movimentando um capital de 3.500 contos” e que “quinze destas casas chegaram a
editar 203 obras, alcançando um total de 901.000 exemplares, cuja venda redundou num valor
66
de 2.500 contos” . Segue, na Tabela 02, uma relação das principais editoras, suas tiragens e
números de obras e sua representatividade no mercado editorial paulista no ano de 1920:
65
DEL FIORENTINO, Teresinha Ap. Prosa de Ficção em São Paulo: produção e consumo 1900-1920. São
Paulo: Hucitec, 1978.
66
DEL FIORENTINO, Teresinha Ap. Op. Cit., p10.
35
/
De acordo com levantamento realizado por Del Fiorentino, a Editora Pensamento,
identificada apenas pelo nome de seu proprietário como” A. O. Rodrigues”, representa 2,5%
do mercado, com uma tiragem de 25.000 exemplares e a publicação de 8 obras distintas. Esta
participação foi expressiva, levando em conta que a Ed. Pensamento era de um ramo muito
especializado e que coexistiu com editoras de enorme participação como a Paulo Azevedo &
cia., Melhoramentos, Augusto Siqueira & cia. e Magalhães, por serem dos ramos de maior
demanda, de maior produção e consumo e de maior público leitor, como é o caso dos cânones
literários, dos livros didáticos, dos livros tecnicos de engenharia, medicina e direito e de
literatura popular, além dos livros infantis. Mas e a produção de livros de ioga, em específico?
Segue uma tabela com um quadro geral dos títulos de ioga produzidos pela Editora
Pensamento entre 1910 e 1920:
T02 - Produção de Livros de Ioga pela Editora Pensamento entre 1910 e 1920
1910 Quatorze Lições sobre Philosophia Yogi e occultismo oriental Yogi Ramacharaka 5$000
1913 Uma série de licções sobre Raja Yoga ou desenvolvimento Yogi Ramacharaka 4$000
mental
1916 Série de licções sobre gnani yoga "a yoga de sabedoria” Yogi Ramacharaka 4$000
36
/
Tendo visto, neste primeiro item, dados referentes ao início e aos primeiros anos da
produção do M.E.I., através dos esforços de A. O. Rodrigues e seus associados, tendo visto
minimamente as influências intelectuais mediadas, num contexto de vertiginoso crescimento
demográfico e estrutural, em que a mídia impressa era, ainda, o principal meio de
comunicação dos paulistanos, em que reformas radicais mudavam permanentemente as
feições de São Paulo, o que refletiu também no incremento do mercado editorial com o
aquecimento da produção, aumento da demanda e diversificação dos nichos livreiros, será
feita uma breve análise de alguns dos primeiros exemplares de livros de ioga a serem
significativamente traduzidos, editados e difundidos entre os leitores paulistanos.
37
/
1.1.2 - Quatorze Lições de Philosophia Yogi e Occultismo Oriental (1910)
67
Segundo métrica usual para os livros populares, detalhes disponibilizados em:
http://www.tipografos.net/glossario/formatos.html
38
/
Na contracapa deste livro de ioga figura a informação de que o livro se trata de uma
tradução autorizada pelo autor, sinal de que Antônio Olívio Rodrigues provavelmente se
correspondeu com William Walker Atkinson, o Yogi Ramacharaka, e que foi um importante
mediador destas publicações entre os E.U.A. e o Brasil.
Além destas informações, existe na contracapa um carimbo em tinta azul onde é
possível distinguir um desenho de um hexagrama alado ao centro, do qual emanam raios de
luz em todas as direções. Acima dele está escrito “O PENSAMENTO” e abaixo “Revista
Mensal do Brasil-Psychico-Astrológico” localizada em São Paulo, Brasil, sob o comando do
“Director A. O. Rodrigues”.
A primeira página do livro consiste de um prólogo, sob o título “DOS EDITORES”:
Apesar de que, na época, a tradução costumava ser considerada mais como uma
espécie de adaptação, feita na tentativa de ser o mais fiel possível ao sentido do texto original,
temos no excerto acima uma espécie de mea culpa.
Outro apontamento valioso presente neste prefácio é o fato de haver sinais claros da
correspondência entre A.O.R. com William Walker Atkinson, o nome verdadeiro de
verdadeiro Yogi Ramacharaka, seis anos antes da tradução do livro para o português! O que
mostra que A. O. Rodrigues foi primeiramente um adepto destas práticas e lições, que foram
publicadas em Chicago em 1904, antes de decidir editá-las e publicá-las no país onde residia,
com aconteceu, por exemplo, com o magnetismo, uma vez que se correspondia com H.
Durville, tanto que recebeu o diploma de magnetizador pelo Institute Magnétique de France
após várias lições recebidas através de cartas, acontecimento este que foi considerado uma
verdadeira distinção na época pela imprensa paulistana.
Virando esta primeira página, que é um editorial, pode-se ver na segunda página uma
interessante epígrafe, que é na verdade um trecho do já mencionado livro Light on The Path
de Mabel Collins, traduzido aqui como Luz na Vereda, a seguir:
68
RAMACHARAKA, Yogi. Quatorze Lições de Philosophia Yogi e Occultismo Oriental. São Paulo:
Brasil-Psychico-Astrológico, 1910
39
/
Sabei oh! discípulo! Que aquelles que passaram pelo silêncio, e sentiram a sua paz e
retiraram a sua força, anseiam que passes tu também por elle. Portanto, quando o
discipulo for capaz de entrar no Templo do Saber, encontrará sempre seu mestre.
Luz na Vereda. (sic)69
Após tão impactante epígrafe é natural que o leitor, aqui considerado como um
verdadeiro discípulo, pretendente a entrar no Templo do Saber, quisesse saber afinal quais
eram e do que consistiam as tão aclamadas quatorze lições de filosofia iogue e ocultismo
oriental oferecidas pelo enigmático e misterioso guru, Yogi Ramacharaka, em seu extenso
livro. À primeira vista estas quatorze lições poderiam impressionar os leitores, pois se
agrupavam em diversos capítulos, e traziam informações muito incomuns e curiosas, de
elementos que beiravam o misticismo, misturando o espiritismo, o magnetismo, o
mesmerismo, clarividência e outros assuntos que extrapolam muitas vezes o que é
considerado, atualmente, como a ioga.
III Os princípios sexto e sétimo - A Mente Espiritual - Espírito - Illuminação ou Consciência Espiritual
IV O Aura humano - Aura de saúde - Aura prânico - Aura dos três princípios mentaes - Aura do Espírito
- Côres Áuricas, phenomenos, etc.
VII Magnetismo Humano - Energia prânica - Seus usos e propriedades - Instrucções para seu
desenvolvimento e uso
VIII Therapeutica Occulta - Cura espiritual - Cura mental - Cura prânica - Theoria e prática
69
RAMACHARAKA, Yogi. Op. Cit., 1910.
40
/
XI O Além - A super-vivência do Ego depois de abandonar o corpo physico - Para onde vae e o que faz
depois da morte
XII Evolução espiritual - Desenvolvimento da Alma - Suas viagens - Seus propósitos - Sua méta
XIII Causa e effeito espirituaes - Os ensinamentos yogis concernentes aos problemas enigmáticos da vida e
da conducta humana - A sementeira e a colheita explicadas
XIV A vereda yogi de realisação - O tríplice caminho - Methodos - Instrucções - Planos, exercícios e etc. -
Conselhos e palavras de estímulo ao neophyto
T03 - Fonte: Quatorze Lições de Philosophia Yogi e Occultismo Oriental, 1910.
41
/
um propagandeado poder de atração pessoal, que levaria ao único caminho do sucesso e do
êxito na vida. Este sucesso era muito almejado por todos os habitantes e os imigrantes que
chegaram em solo paulistano à procura de uma boa fonte de renda, de boas relações
interpessoais, de uma moradia fixa e de melhores condições de vida em geral.
Dando maior atenção, por exemplo, à lição de número dois, podemos ver que os
assuntos trazidos neste livro de Ramacharaka vão muito além da ioga em si, e passam a tratar
de conceitos psicológicos ocidentais, relacionados possivelmente a conceitos freudianos de
subconsciente, chamados no livro de “mente instintiva”, uma vez que um dos livros mais
prestigiados do psicanalista Sigmund Freud, A Interpretação dos Sonhos, foi lançado no
mesmo período de transição do século XIX para o XX , no ano de 1900. Sobre esta possível
relação, mostra-se o excerto seguinte:
No trecho do livro, destacado acima, é possível notar uma clara crítica do Yogi
Ramacharaka às teorias psicológicas ocidentais sobre a mente e o intelecto humano, que pode
ser em certa medida associada ao pensamento freudiano de subconsciente, e esta crítica
inclusive defende o que o autor supõe ser a falta de cientificidade e as falhas no método
ocidental em tentar analisar o gênio humano, sendo que este classificaria de maneira
maniqueísta a inteligência em apenas duas fases opostas, a instintiva e subconsciente e a
objetiva consciente, ignorando os intermediários entre as duas fases e agrupando de maneira
equivocada aspectos sublimes e grotescos nas mesmas categorias. Esta suposta ignorância
ocidental se daria, principalmente, por não ser levada em conta nestas análises psicológicas o
fator espiritual da mente humana, o que foi “corrigido” neste mesmo capítulo do livro.
É possível fazer extensa análise do conteúdo destes livros de ioga que compõem o
corpus da pesquisa, mas este não é, porém, o foco desta dissertação, sendo que devido à
70
RAMACHARAKA, Yogi. Op. Cit., 1910.
42
/
viabilidade e para manter a concisão em relação à proposta inicial, o foco principal das
análises se dará sobretudo nos aspectos mercantis e materiais dos livros a serem analisados.
Neste quesito vale a pena ressaltar dados importantes, que serão analisados, com maior
profundidade, no segundo capítulo desta dissertação: os catálogos e propagandas.
Dentre estas informações, uma que merece destaque é a propaganda do livro Luz na
Vereda, de Mabel Collins, que ganha no livro que está sendo analisado, uma página inteira
dedicada à descrição do mesmo, e mostra, inclusive, que apesar de não ser um livro de ioga
em si, está totalmente associado ao gênero, visto que possui um prefácio do próprio Yogi
Ramacharaka. O Luz na Vereda continha também nesta edição notas da autora e se propunha a
ser um manual para uso pessoal daqueles que, não conhecendo a sabedoria oriental,
desejassem receber sua influência. Segue um trecho da propaganda deste livro:
Este é um livro clássico entre os occultistas e o melhor guia para aquelles que
desejam percorrer o caminho da realização. Este pequeno livro será para muitos a
primeira revelação do que instinctivamente tem buscado durante toda sua vida - o
primeiro pedaço do pão espiritual para satisfazer a fome da alma - a primeira gotta
d’agua da grande Fonte da Vida que mitigará a sêde que os consome. A’quelles para
quem está destinado este livro reconhecerão seu significado interno, e depois de o
haver lido, já não voltarão a ser a mesma pessoa d’outrora. (sic)
O apelo contido nesta propaganda se relaciona diretamente aos anseios daqueles que
não possuem conhecimentos sobre aspectos espirituais, ou de conhecimentos que se
distanciam intelectualmente das simples tarefas cotidianas da metrópole. Se algum leitor se
sentisse de alguma maneira desnorteado ou em crise existencial, este livro seria um achado!
Pode-se dizer que nesta época surge, também empreendido pela Pensamento, o ramo da
auto-ajuda. É desta forma que as propagandas e as estratégias da editora iam conquistando aos
poucos os leitores para o ramo da ioga, mostrando aspectos interessantes e curiosos de toda
essa cultura do ocultismo.
Um volume “bem impresso”, “em óptimo papel”, encadernado do Luz na Vereda, saia
das prateleiras pela quantia modesta de 2$000 réis. Já a versão brochada era mais acessível
ainda, por 1$000 réis, e enviava-se pelos correios pela quantia de 0$300 réis para cobrir o
frete, pedidos estes que deveriam ser encaminhados ao prédio onde funcionava a redação da
revista O Pensamento. É possível saber, também através deste livro, o Quatorze Lições de
Philosophia Yogi e Occultismo Oriental, que já existia uma sociedade livresca associada ao
43
/
Brasil-Psychico-Astrológico, do qual a revista O Pensamento era um órgão mensal. Isto se
conclui ao observar as propagandas contidas ao final do livro.
Este livro fornece informação mercadológica importante, pois disponibiliza uma série
de catálogos e de descrições das obras vendidas, o que permite entrever as estratégias
comerciais empregadas na difusão de livros esotéricos, e como é o caso do objeto desta
pesquisa, de livros de ioga. Algumas das obras principais anunciadas no encarte deste livro
com descrições é o Magnetismo Pessoal ou Psychico, de H. Durville, O Adepto ou
Ensinamentos de Alta Magia, de autor desconhecido e o Livro do Êxito, também de autor
desconhecido.
44
/
1.1.3 - Hatha Yoga ou Philosophia Yogi do bem estar physico (1911)
Fig. 06 - Capa do livro Hatha Yoga ou Philosophia Yogi do bem estar physico.
O livro Hatha Yoga ou Philosophia Yogi do bem estar physio contendo numerosos
exercícios é um volume de 330 páginas, também in octavo-menor (12x15), é um livro que
também pode ser considerado como um livro de bolso, uma edição popular.
A contracapa do livro traz informações muito úteis, como é o caso do primeiro livro
analisado, como por exemplo que este livro é uma tradução autorizada pelo autor, cujos
45
/
direitos são reservados exclusivamente para a editora do Brasil-Psychico-Astrológico, o que
demonstra de maneira clara o pioneirismo e a exclusividade da mesma em livros do gênero no
mercado editorial paulistano. A editora ainda se localizava no mesmo endereço, na data de
edição e publicação deste exemplar.
Na primeira página, assim como o primeiro livro analisado, existe um interessante
editorial iniciado sob o prefácio “Aviso dos Editores”, onde podem ser encontradas
informações relevantes acerca do processo de mediação e tradução nestes livros,
principalmente sobre a comunicação entre os editores destas obras em São Paulo, e seu autor,
que se dirigia à editora Yogi Publication Society instalada em Chicago, em um edifício famoso
chamado Masonic Temple. Este editorial será reproduzido a seguir:
Nós nos limitamos a passar para estas páginas o que foi dito na edição ingleza
publicada por “The Yogi Publication Society” sob este título: A nossa intenção
primitiva enquanto preparavamos a publicação deste livro, e com effeito até quasi
esteve no prelo, era que deveria ser, em certo modo, um supplemento do nosso
pequeno livro Sciencia da Respiração do mesmo autor; isto é que deveria tratar do
assumpto de “Hatha Yoga” com exepção da face do mesmo assunto (respiração, etc.)
que já havia sido tratada naquelle livro. Mas, no último momento, pensamos que
seria um erro publicar um livro sobre Hatha Yoga omitindo uma parte tão importante
como é a da Respiração Yogi, mesmo quando tivesse sido tratada em outro livro.
Omittir essa face tão importante teria sido uma injustiça para com aquelles que
adquirissem o nosso livro, pois muitos dos compradores poderiam não ter lido o
primeiro e teriam razão para queixar-se si o presente livro não tratasse de todas as
faces do assumpto. Em tal conjunctura resolvemos aggregar a este volume as partes
de Sciencia da Respiração pertencentes ao assumpto de “Hatha Yoga”, omittindo as
que pertencem a outra parte da Philosophia Yogi, a Raja-Yoga. Mencionamos o facto
para que os compradores deste livro que também tenham lido o anterior, não nos
accusem de encher um livro novo com partes de um velho.
Hatha Yoga, a presente obra, refere-se unicamente ao physico. As phases psychica,
mental e espiritual do assumpto pertencem a outros ramos. “Hatha Yoga”,
entretanto, será base explendida sobre a qual o estudante poderá construir um corpo
tão puro, forte e são (como muito bem o autor explicou no texto da obra), quanto é
necessário para que com elle possa uma pessôa fazer o melhor trabalho e estudo.
Pedimos ao autor que escrevesse um prefácio, mas declinou fazê-lo, porque crê que
o livro deve falar por si mesmo e não lhe apraz a idea (como o declarou) de
“introduzir a sua personalidade” na opinião de seus leitores, sustentando que a
verdade deve ser evidente por si mesma, sem ter necessidade de uma influência
pessoal para torna-la verdade. Portanto sirvam essas palavras como que de prefácio.
Como nas obras anteriores, procuramos na presente traduzir o pensamento do autor
do modo mais fiel que nos foi possível. (sic) 71
Neste editorial está explícita uma grande preocupação dos editores em deixar claro o
processo pelo qual passam as obras antes de poder, finalmente, serem editadas e publicadas, e
71
RAMACHARAKA, Yogi. Hatha yoga ou Philosophia yogi do bem-estar phisico: contendo numerosos
exercícios. São Paulo: Brasil-Psychico-Astrológico, 1911
46
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uma vez que se trata de uma tradução autorizada pelo próprio autor, deve haver então um
trabalho de mediação entre os leitores paulistanos e esse autor estadunidense, que é William
W. Atkinson.
Pelo que se consegue depreender deste editorial, a primeira decisão dos editores
paulistanos foi suprimir os conteúdos repetidos, mas após pensar melhor, e segundo o
editorial, no último momento antes de irem para o prelo, decidiram por manter o conteúdo
repetido. Ainda, para tentar resolver este problema do conteúdo, comunicaram-se com o autor
das obras, provavelmente solicitando um prefácio que explicasse o motivo de se suprimir
certas passagens, ou de incluí-las mesmo que repetidamente, mas a resposta de Atkinson, o
Yogi Ramacharaka, foi seca e ríspida, dizendo que não se prestaria a escrever prefácio algum,
pois “a verdade tem que ser evidente em si mesma”, optando ele por deixar o livro falar por si
mesmo.
Além do mais, este editorial tem a função de se antecipar às queixas dos leitores,
dando satisfações antes mesmo de as reclamações atingirem as caixas postais. Esse é um
pequeno detalhe que demonstra com clareza um pouco da relação entre o autor, o editor e os
leitores, formando assim um ciclo de comunicações mais ou menos definido (DARNTON,
1995, p. 113) . A editora do Brasil-Psychico-Astrológico mostra também seu simples papel de
tradutora do texto, ao dizer que a intenção principal é, apenas, a de transmitir o pensamento
do autor.
Virando a página, existe ainda uma interessante dedicatória do livro a todos os
“homens e mulheres sãos”, que se encontram neste estado de sanidade não por acaso, mas sim
porque fizeram a coisa certa ao longo de toda sua vida. Sendo que o livro em questão se presta
a ensinar exatamente a coisa certa a se fazer. Será reproduzido, a seguir, este imperativo
excerto, onde o livro se dirige diretamente aos leitores:
Este livro é respeitosamente dedicado aos homens e mulheres sãos, elles fizeram
desde a infância (consciente ou inconscientemente) certas cousas para manter-se
sãos. E si vós fazeis exactamente essas mesmas cousas não há razão alguma para
que não estejaes exactamente como eles estão. Lêde e depois fazei o mesmo que
elles, até onde vos for possível. Se duvidaes da verdade de nossas affirmações,
procurae algum homem são e observae-o cuidadosamente: vereis que faz as cousas
que neste livro vos indicamos que fizesseis, e que não faz as que vos pedimos evitar.
Estamos dispostos a submetter os nossos ensinamentos a esta prova rigorosa.
Applicae-a. (sic) 72
72
RAMACHARAKA, Yogi. Op. Cit., 1911.
47
/
Na medida em que o livro se refere diretamente aos leitores, cria uma relação de
mestre e discípulo, e com o uso constante dos verbos no imperativo, como “observae” e
“Applicae-a”, mostra também um certo tom hierárquico entre o autor e os seus respectivos
leitores, autor este que é totalmente confiante das coisas que vai passar a ensinar nas páginas
que se seguem, colocando-se à frente de qualquer um que ouse duvidar das lições, para que
coloque-as em prática e veja com os próprios olhos os resultados a serem obtidos.
Tendo visto os prefácios da obra analisada neste item da dissertação, é pertinente,
assim como foi realizado com o livro anterior, montar uma tabela que demonstra, em
contornos gerais, qual é o conteúdo abordado nestas 330 páginas e qual é a relação deste
conteúdo com outros assuntos que destoam, se for o caso, com a ioga e suas práticas. Já foi
adiantado pelo editorial que este livro se reserva, apenas, aos assuntos de natureza física e
corporal, aqui chamado de “Hatha Yoga”, e que outros assuntos relativos a temas
espiritualistas estariam presentes em outras obras. Segue, desta forma, uma análise do
conteúdo deste segundo livro:
T04 - Estrutura do Hatha Yoga ou Philosophia Yogi do bem estar physico (1911)
Capítulo Conteúdo
V O laboratório do corpo
VI O flúido da vida
VIII Nutrição
XI A respeito do alimento
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XIV Respiração Yogi
XX Energia pranica
XXVIII Ar puro
XXX Regeneração
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deixam de lado toda a parte mística e metafísica da ioga, para se focar na parte vital e
corporal, que é o ramo da ioga conhecido como Hatha Yoga.
Porém ainda é possível notar a presença de certos assuntos que não estão tão
vinculados assim com o que conhecemos como a ioga, como por exemplo no capítulo três, A
Obra do Divino Architecto, em que o uso em si do termo “divino arquiteto” está muito mais
associado a jargões da maçonaria, que veneram o que chamam de Grande Arquiteto do
Universo, do que às filosofias orientais. Neste capítulo do livro o autor defende a hipótese de
que a filosofia iogue acredita que o corpo humano, uma verdadeira máquina, foi concedido ao
ser humano por Deus, ou uma Inteligência Superior, e que proveu todos os meios para
sustentá-lo e repará-lo. Esta concepção de Deus é visivelmente ocidentalizada e tem fortes
relações como o Deus Arquiteto ou Engenheiro da maçonaria, uma vez que uma das maiores
características do hinduísmo é o politeísmo e a ausência dos cultos a um único ser supremo.
Sobre este capítulo, é reproduzido o excerto seguinte:
A philosophia Yogi ensina que Deus dá a cada indivíduo uma machina physica
adaptada às suas necessidades e que também provê os meios de mantê-la em ordem
e repará-la, si sua negligência permitte que chegue a entorpecer-se. Os Yogis
reconhecem o corpo como a mão de obra de uma grande Intelligencia. Consideram o
seu organismo como uma machina em acção, cuja concepção e funccionamento
indicam a maior sabedoria e cuidado. Sabem que o corpo é devido a uma grande
Intelligencia e sabem que a mesma Intelligencia está operando ainda atravez do
corpo physico, e que quanto mais se adapte o indivíduo às operações da Divina Lei,
tanto mais continuará gozando de saúde e de força. Tambem conhecem que, quando
o homem marcha em direcção contrária a esta lei, resulta a doença e a discordância.
Acreditam que é ridículo suppor que esta grande Intelligencia que trouxe à
existência o formoso corpo humano, retire-se e abandone-o ao sem destino, porque
sabem que a Intelligencia ainda preside a cada uma e a todas as funções do corpo e
que se pode com segurança confiar nella e não teme-la. (sic) 73
73
RAMACHARAKA, Yogi. Op. Cit., 1911.
50
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o trabalho de desenvolver o complexo corpo, e deixá-lo a esmo abandonado ao acaso e ao não
destino. Interessante passagem em que o autor atribui à ioga uma atitude quase que religiosa
de cuidados com o corpo, e uma vez que o indivíduo segue os mandamentos divinos, atinge a
saúde e uma vez que os transgrida, perecerá das mais terríveis moléstias. Um conceito sem
dúvida muito parecido com a lógica cristã monoteísta de pecado e bem-aventurança.
Ao final do livro, sobre o qual não é viável para esta pesquisa dissertar
excessivamente, existe uma série de anúncios de outros livros do Yogi Ramacharaka como o
Quatorze Lições de Philosophia Yogi e Occultismo Oriental, novamente uma propaganda do
Luz no Caminho, prefaciado por Ramacharaka e dessa vez substituindo o termo “vereda”, o
Sciência Indú Yogi da Respiração e o Curso Adeantado de Philosophia Yogi e Occultismo
Oriental, uma estratégia inteligente visto que, se o leitor viesse a se impressionar ou gostar do
conteúdo das obras, ao entrar em contato com anúncios que o possibilitem aprofundar seu
conhecimento e obter outros interessantes títulos, procuraria a editora do
Brasil-Psychico-Astrológico para comprá-los ou enviaria uma carta pelos correios pedindo o
exemplar desejado. Fica clara uma estratégia de mercado dos livros de ioga.
51
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1.1.4 - Curso Adeantado de Philosophia Yogi e Occultismo Oriental (1912)
O livro Curso Adeantado de Philosophia Yogi e Occultismo Oriental parece ser o mais
extenso encontrado até o momento, ostentando suas 462 páginas de texto relativos ao
conhecimento e instrução da ioga. No mesmo padrão de tamanho dos livros anteriores, este
livro figura como uma edição popular de bolso, e não traz grandes requintes estéticos nem
mesmo gravuras devido ao alto custo de produção, embora já demonstre uma série de
mudanças importantes, como por exemplo o trabalho gráfico, que passa a ser colorido e mais
nítido em relação aos livros de 1910 e 1911, devido talvez às novas técnicas disponíveis
O mais importante: este livro não mostra mais o nome da editora como
Brasil-Psychico-Astrológico, mostrando então que, finalmente, o empreendimento passou a
ter o nome mais parecido com o que possui atualmente, Empresa Editora Tipográfica “O
Pensamento”. Sinal de que esta mudança se deu em algum momento entre 1911 e 1912.
52
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Este livro, terceiro a ser analisado nesta dissertação, traz logo em sua contracapa
novidades interessantes, como, por exemplo; é o primeiro que traz, de fato, o nome de
Francisco Valdomiro Lorenz como tradutor oficial das obras de Ramacharaka, e informa,
inclusive, que este exerce o cargo de Diretor Geral do Círculo Esotérico da Comunhão do
Pensamento, evidenciando um grande envolvimento do mesmo na sociedade livresca, tanto
que se sabe que colaborou com o Almanach d’O Pensamento, um periódico anual que
complementa a revista, por cerca de vinte anos ininterruptos, além de ser publicado através da
Editora Pensamento muitos de seus livros de técnicas ocultistas, esperanto e romances.
O prefácio do livro, já escrito em outro estilo, e como sugere o próprio título do livro,
mostra que este volume é uma continuação do já analisado Quatorze Lições de Philosophia
Yogi e Occultismo Oriental, sendo que se aprofunda de maneira mais detalhada naquelas
instruções sobre a ioga passadas no livro de 1910. A linguagem, mais enxuta nesta edição,
comunica-se diretamente com os leitores, que chama de discípulos, como se fosse um
verdadeiro guru de papel, e mostra que nos textos que estão por vir encontram-se as mais
elevadas lições da ioga até o momento. Transcreve-se este prefácio a seguir:
O que se segue a este prefácio, o primeiro e o segundo capítulo do livro, é nada mais
que uma reprodução do livro já exaustivamente mencionado, Luz no Caminho, de Mabel
Collins, tanto que este primeiro capítulo, ou primeira lição, se intitula Um pouco de luz no
Caminho, e o segundo capítulo ou lição, Mais luz no Caminho, ambos trazem e comentam os
trechos mais importantes deste livro, como se tivesse sido dissertado por Ramacharaka.
Seguramente uma estratégia de complementar a leitura, ou de engrossar o volume sem
ter que, necessariamente recorrer a um texto novo. Aqui não se mostra aquela preocupação
antiga de avisar o leitor que se vai repetir o conteúdo, como é no caso do segundo livro a ser
analisado nesta dissertação. Talvez tenham acatado o conselho autoritário e direto de
74
RAMACHARAKA, Yogi. Curso Adeantado de Philosophia Yogi e Occultismo Oriental. São Paulo: Emp.
Ed. Typ. O Pensamento, 1912.
53
/
Atkinson, na edição anterior de Hatha Yoga, de deixar o livro falar por si mesmo. Segue um
esquema dos tópicos abordados no livro:
Lição Conteúdo
I Um pouco de Luz no Caminho
IV A Voz do Silêncio
V Karma Yoga
VI Gnáni Yoga
VIII Dharma
X O enigma do Universo
XI Matéria e Força
É findada assim a breve análise deste tomo que é, dentro dos três livros propostos para
a dissertação, o mais completo e bem elaborado. Conclui-se desta forma o primeiro capítulo,
dedicado à análise das fontes, sobretudo em seu aspecto mercadológico, que é a proposta
inicial desta dissertação. A seguir, dados sobre o Autor, o Tradutor e o Editor destes livros.
54
/
1.2 - O A
A maior dificuldade que se impõe ao estudo dos atores responsáveis pelo movimento
editorial da ioga é exatamente a carência de referências relativas à sua biografia e atividades
literárias e comerciais, sendo que tanto no caso de William Walker Atkinson, o tão
mencionado Yogi Ramacharaka, como no caso do poliglota e tradutor das obras em questão,
Francisco Valdomiro Lorenz, e do editor e responsável pela publicação dos mesmo, A.O.R., a
escassez de fontes históricas e trabalhos acadêmicos é uma constante.
75
Disponibilizado em https://en.wikipedia.org/wiki/File:William_Walker_Atkinson_2.jpg. Acesso em 7 de
agosto de 2019.
55
/
Para esta dissertação será feita uma tentativa de trazer toda e qualquer referência que
for encontrada, não com o intuito de acreditar irracionalmente em tudo que se escreve sobre
estes atores, mas, pelo contrário, com o intuito de concentrar informações para analisá-las e
discuti-las em face do que já foi exposto até o momento e tentar, então, chegar às mais
plausíveis hipóteses. Do ponto de vista da credibilidade acadêmica, pouco ou nada se tem
produzido acerca deste importantes nomes, onipresentes neste estudo, de homens que
empreenderam desde o início o M.E.I., nacional e internacionalmente.
William Walker Atkinson, talvez por ter sido um grande movimentador na área
editorial dos Estados Unidos, principalmente no ramo do espiritualismo e do “pensamento
positivo”, não padece de total carência de fortuna crítica, sendo que foram encontradas
algumas obras em inglês, do historiador das religiões especializado em religiões asiáticas nos
Estados Unidos, Philip Deslippe76, vinculado à Universidade da Califórnia em Santa Barbara,
que busca em seus estudos entender a dinâmica da ioga nos E.U.A. entre o final do século
XIX e o início do século XX, e dedica um artigo ao estudo da vida e obra de W. W. Atkinson.
Este pequeno artigo, intitulado The Swami of Baltimore: recalling the life and legacy
of William Walker Atkinson77, concentra as informações mais importantes que se pode achar
sobre o prolífico autor ligado ao movimento New Thought, que nasceu em Baltimore no
estado norte americano de Maryland no final do ano de 1862, que além de ter sido um grande
escritor de livros, como os livros de ioga analisados neste trabalho, também dirigiu outros
quatro periódicos, utilizando seu nome próprio e uma variedade enorme de pseudônimos
exóticos, como “Swami Panchadasi”, “Magus Incognito” e “Os Três Iniciados”.
Oriundo de uma família próspera e bem estabelecida de comerciantes, foi neto de
Joshua Atkinson, que se mudou para Maryland em 1810, onde passou a gerenciar uma
mercearia em Fells Point por décadas. Seu pai, William C. Atkinson, também foi comerciante
bem-sucedido e tinha seus negócios instalados na Broadway, sendo que estes homens da
família Atkinson, além de serem bem-sucedidos nos negócios, eram também bem
relacionados com os partidos políticos locais, a comunidade acadêmica e até mesmo com o
departamento de bombeiros.
76
DESLIPPE, Philip. The Swami of Baltimore: recalling the life and legacy of William Walker Atkinson. in
“Maryland Life” revista do Estado de Maryland, nos Estados Unidos, 2012.
77
Ibidem.
56
/
Segundo Philip Deslippe, que inclusive entrevistou a família do autor, William W.
Atkinson teve dificuldades no início de sua vida em achar o seu lugar no mundo, sendo que
até o final dos vinte e nove anos ainda não demonstrava sinais de enraizamento em função
alguma na sociedade. No início de seus trinta anos casou-se com Margaret Black com a qual
passou o resto da vida, quando começou seus aprendizados na área da advocacia na
Pennsylvania e por volta do ano de 1899, Atkinson já tinha um filho pequeno e já
desempenhava a função de advogado.
Porém, na virada do século, o estresse e as pressões advindas do excesso de trabalho e
preocupações acumularam-se, sucedendo num colapso nervoso que demarcou sua vida,
chegando ele a “desaparecer” da cena social por cerca de dois meses. Com a ajuda da filosofia
defendida pelo movimento New Thought, de pensamento positivo, Atkinson encontrou o
caminho para a saúde novamente quando aprendeu que os pensamentos das pessoas
influenciam grandemente o estado de sua saúde geral e definiam a respectiva posição a ocupar
no mundo, e estas filosofias funcionaram tão bem em sua vida que decidiu largar sua
profissão de advogado e se mudou para Chicago com a intenção de divulgar seus
conhecimentos.
Em 1900, já com trinta e oito anos, Atkinson escreve seu primeiro livro, o Thought
Force in Business and Everyday Life, que inclusive foi traduzido e editado pela Pensamento,
concomitantemente ao início da escrita de artigos sobre hipnotismo para uma revista chamada
Suggestion. E assim teve início sua carreira de trinta e dois anos como autor, palestrante e
editor, que acabou rendendo melhores frutos que sua carreira anterior, de advogado.
Segundo Deslippe, Atkinson misturou os aspectos místicos com os práticos, e oferecia
a seus leitores maneiras e métodos de melhorar suas mentes, corpos e carreiras, através de
instruções que seriam lidas nos dias atuais como “afirmações positivas”, “visualização” e
técnicas básicas de reflexão e meditação. De acordo com Atkinson o pensamento e a mente
teriam o poder de condicionar as circunstâncias em que o indivíduo se coloca, sendo que, uma
vez que se tem controle sobre a mente, o indivíduo pode transformar diretamente, e de acordo
com seu gosto, todos os aspectos relativos à vida.
Após pouco mais de um ano desempenhando sua nova carreira como escritor,
Atkinson tornou-se diretor da revista New Thought, baseada em Chicago no estado de Illinois
nos Estados Unidos, que sob seu comando passou a quadruplicar o número de leitores, e foi
exatamente quando encontrou sua identidade como escritor e seu estilo pessoal, que, segundo
57
/
Deslippe, se caracteriza por um estilo direto, autoritário e encorajador. Isto se evidenciou na
análise do segundo livro, o Hatha Yoga ou Philosophia Yogi do bem estar physico, quando no
prefácio os editores brasileiros se queixaram de ter que repetir conteúdo e solicitaram uma
espécie de prefácio para a Atkinson, que negou veementemente o pedido afirmando que o
livro falaria por si mesmo e que a verdade estaria auto-evidenciada, não sendo necessária sua
influência pessoal neste processo para os leitores.
Não muito tempo depois, segundo Deslippe, Atkinson começou a escrever alguns de seus
primeiros livros sobre ioga que eram uma espécie de mistura entre preceitos gerais do
hinduísmo com suas próprias idéias de exercícios físicos e de respiração profunda, livros estes
que foram assinados com o pseudônimo de “Yogi Ramacharaka”. A origem deste pseudônimo
é incerta até mesmo para Deslippe, que acredita que na cidade onde nasceu, durante a
juventude de Atkinson, ocorreram espetáculos trazidos pela Ordem dos Orioles, vinculada à
Maçonaria, de tema “Épicos do Oriente”, sendo um destes espetáculos era dedicado a
“Rama-Chandra”.
Ano Título
1903 The Hindu-Yogi Science Of Breath (A Complete Manual of the Oriental Breathing Philosophy of
Physical, Mental, Psychic and Spiritual Development)
1904 Hatha Yoga or the Yogi Philosophy of Physical Well-Being (With Numerous Exercises, Etc.)
58
/
1908 Mystic Christianity or The Teachings of the Master
1909 The Practical Water Cure (As Practiced in India and Other Oriental Countries)
T06 - Fonte: Relação de livros publicados sob o pseudônimo Yogi Ramacharaka pelo catálogo Worldcat.78
78
WorldCat é um catálogo on-line que reúne e disponibiliza uma coleção realizada em mais de 72.000 livrarias
em 170 países que participam da cooperativa global intitulada OCLC (Online Computer Library Center). Este
catálogo e banco de dados é mantido pelas livrarias que figuram como membros desta base de dados, que é a
maior que se tem notícia em todo o mundo.
59
/
Ou ainda o periódico The Chicago Examiner, que publicou no ano de 1910 uma
reportagem incrível79 sobre os métodos de respiração e obtenção de saúde, força, vigor e
vitalidade ensinados pelo Yogi Ramacharaka, com interessantíssimas gravuras da anatomia
dos pulmões durante a respiração profunda, instigando os leitores com a provocação “você
usa seus pulmões por completo, ou apenas um terço deles?”. Engraçado notar nas gravuras
que as moças de Chicago em 1910 praticavam ioga de espartilho e todas as outras peças de
roupas, o que seria, nos dias de hoje, considerado um absurdo visto que a ioga requer o
conforto total do corpo e principalmente espaço abdominal para a respiração pelo diafragma.
79
Vide Figura 09.
60
/
Era também em Chicago que se localizava a editora dirigida por Atkinson que se
especializou em publicar livros de ioga, a já mencionada Yogi Publication Society, que se
instalava em um famoso edifício chamado Masonic Temple (fig.14)80, que apesar do nome não
era totalmente dedicado às atividades maçônicas, e figurava como o prédio mais alto da
cidade no período, onde em cada um dos diversos andares funcionava um empreendimento
diferente, sendo que todos se relacionavam de certo modo ao ocultismo e esoterismo, bem
como a ordens secretas como a Maçonaria, que se reunia na cobertura do edifício no salão
mais suntuoso periodicamente.
Atkinson decidiu então, por volta do ano de 1920, se instalar definitivamente em Los
Angeles na Califórnia, dizendo que o clima lembrava muito o clima de sua terra natal,
Baltimore, onde residia próximo a seus descendentes até sua morte no ano de 1932. O legado
que Atkinson deixou para trás é uma coleção impressionante de mais ou menos cem livros de
sua autoria; e cerca de 700 artigos em revistas do movimento New Thought; trabalho
acumulado por mais de três décadas de dedicação. Segundo Deslippe, em períodos mais
prolíficos Atkinson chegou a lançar livros diferentes em espaços de aproximadamente sete
semanas entre cada edição, e após sua morte, estes escritos tiveram forte apelo e influência
que se espalhou por muitos lugares distantes, como é o caso da cidade de São Paulo.
Em especial, os livros escritos sob o pseudônimo de Yogi Ramacharaka serviram como
uma poderosa introdução da ioga e espiritualidade e filosofias orientais para diversos
intelectuais, artistas e aspirantes ao espiritualismo, que se tornaram por sua vez instrutores de
ioga muito influentes nas décadas posteriores, o que é o caso do General Caio Miranda, autor
do primeiro livro de ioga escrito por um brasileiro, francamente inspirado em Ramacharaka,
tendo sido um dos primeiros instrutores de ioga a lecionar no Brasil.
Porém, apesar de seus livros continuarem vendendo após sua morte, seu papel como
autor em muitos de seus volumes passou para o esquecimento. Segundo Deslippe, à medida
em que sua memória se esvanecia, várias histórias inexatas e fantasiosas começaram a
aparecer sobre os livros e pseudônimos. Por exemplo, um de seus principais livros, o The
Kybalion, foi tido por algumas correntes de boatos como um livro milenar, e, o Yogi
Ramacharaka, foi muitas vezes foi considerado como um sábio indiano de nome “Baba
Bharata” que teria passado seus conhecimentos ao escritor americano. Mas o mais importante
para esta dissertação é saber que Yogi Ramacharaka não era um iogue indiano.
80
Vide Figura 42, em ANEXO.
61
/
É muito comum, de acordo com as informações de Deslippe, que se considerasse os
pseudônimos de Atkinson como autores distintos, e todos estes erros e boatos são de certa
forma passíveis de compreensão, uma vez que não é muito comum um autor que disserte
sobre estratégias comerciais para vendedores neófitos, ao mesmo tempo que influencia
multidões a praticar e conhecer mais sobre a ioga, enquanto, ainda, promovia um movimento
de “pensamento positivo” que veio a influenciar fortemente as filosofias da era New Age que
desaguaria num dos fenômenos de vendas que é o best seller, The Secret (2006) de Rhonda
Byrne.
62
/
1.3 - O T
81
Disponível em https://www.recantodasletras.com.br/biografias/5978860. Acessado em 07 de agosto de 2019.
63
/
Sabe-se, através de indícios fornecidos pela Biblioteca Francisco V. Lorenz, na cidade
de Dom Feliciano no Rio Grande do Sul, que Lorenz colaborou na redação das primeiras
edições da revista A Reencarnação, que traz registrada em alguns de seus textos detalhes
sobre a vida de Lorenz. Porém, apesar destes exemplares estarem disponíveis na Biblioteca da
Federação Espírita do Rio Grande do Sul, não foi possível, ainda, entrar em contato com este
material.
Existe também, na cidade de Dom Feliciano, onde residiu por muitas décadas, uma
biblioteca (figs.16 e 17) erigida em sua homenagem: a Biblioteca Francisco Valdomiro
Lorenz, que foi contatada para esta pesquisa e que possui em seu acervo uma rica coleção de
obras deste autor, da época em que foram escritas, como a incrível tradução do Bhagavad Gita
para o esperanto, Bhagavad-Gitâ, tio estas, Sublima kanto pri la Senmorteco, ou uma obra
mediadora entre as línguas polaca e portuguesa, o Diccionario Polaco-Portuguez: composto
conforme os melhores autores (1907), e até mesmo uma coletânea de artigos publicados em
revistas por Lorenz.
Uma das fontes principais onde se pode encontrar dados biográficos sobre Lorenz é o
livro Grandes Espíritas do Brasil (1969) de Zêus Wantuil, carioca, filho de um ex-presidente
da Federação Espírita do Brasil, também escritor e pesquisador da história espírita sendo um
conhecido biógrafo de Allan Kardec, que dedicou algumas páginas a contar, do ponto de vista
espírita e não acadêmico, alguns aspectos da vida intelectual de Lorenz. Além deste livro,
existe um documentário na forma de um curta-metragem, produzido pela emissora RBS, filial
da Globo no Rio Grande do Sul, intitulado Muitas Vidas - A Vida de Francisco Valdomiro
Lorenz, que também não lança um olhar científico sobre o tema abordado. Será feita, a seguir,
uma tentativa de construção do trajeto de vida e obra deste importante tradutor dos livros de
ioga abordados neste trabalho, omitindo fatores extraordinários e fenômenos sobrenaturais em
geral citados nas fontes acima descritas.
O poliglota, escritor, médium e homeopata Francisco Valdomiro Lorenz, alguma vezes
grafado como “Waldomiro Lorentz”, nasceu na pequena aldeia de Zbislav na Boêmia no ano
de 1872 onde viveu e estudou por dezoito anos, quando mudou-se para o Brasil, no ano de
1890, devido a perseguições políticas empreendidas pelo Governo Imperial, extremamente
católico e reacionário, que não admitia suas idéias espíritas e muito menos os preceitos
democráticos nos quais acreditava firmemente, tendo que fugir de sua pátria após escrever o
seu primeiro livro em esperanto o Plena Lernolibro de Esperanto por Cehoj (1890).
64
/
Zêus Wantuil relata em seu livro, que em certa ocasião, quando Lorenz palestrava em
um colégio de sua cidade sobre seus ideais, amigos vieram avisá-lo que haviam oficiais do
Império que estavam à sua procura e que ele deveria fugir às pressas do país sob o risco de
sofrer duras penas e até a execução. Lorenz teria comprado ou ganhado de um de seus
parceiros uma passagem de navio até o Brasil e veio nesta embarcação sem ao menos saber o
português, recebendo de outros tripulantes um pequeno dicionário da língua para uma básica e
necessária comunicação. Seu talento em aprender novos idiomas era tão notável que, no
período de algumas semanas em que esteve embarcado, aprendeu o português de maneira
fluente, para o espanto dos tripulantes.
Chegando em solo brasileiro, foi habitar em Dom Feliciano, no município de
Encruzilhada do Sul, no Rio Grande do Sul, onde residiam alguns de seus conhecidos.
Instalado então nesta cidade desde o ano de 1894, morando com a mulher, também imigrante
alemã, e seus 12 filhos, passou a trabalhar na lavoura e fundou a primeira escola da região.
Vivendo neste pacato vilarejo, longe dos grandes centros urbanos e comerciais, Lorenz não
pode investir na escrita de livros por muitas décadas, reservando-se a alguns artigos em
jornais e revistas locais, e se tornou professor de ensino básico, cargo que exerceu por muitos
anos. É curioso que existem até os dias atuais alunos que foram intruídos por Lorenz.
Defende Wantuil82 que o tema principal de seus escritos era a língua chamada de
Esperanto, que pretendia unir vocábulos, gramática e fonemas de outras diversas línguas com
a pretensão de se tornar uma língua universal, e sob este tema escreveu alguns de seus mais
famosos livros, como o Iniciação Linguística (1929), sendo que uma das instituições que
deram mais apoio a Lorenz no ramo do esperanto foi a Fundação Espírita do Brasil, desde
1937 quando abriu uma seção bibliográfica dedicada exclusivamente ao tema.
Zêus Wantuil afirma que Lorenz possuía conhecimento de muitas outras línguas,
inclusive de línguas antigas como o grego arcaico e o egípcio arcaico, e inclusive línguas
orientais, como é o caso do sânscrito, conhecimento este que o permitiu realizar a primeira
tradução de um dos textos mais importantes do hinduísmo, o Bhagavad Gita, para a língua
portuguesa ainda no ano de 1912, livro este que foi publicado pela Editora Pensamento, figura
como uma das principais obras nos catálogos já apresentados na primeira parte deste capítulo
e é reeditado até os dias atuais com esta mesma tradução.
82
WANTUIL, Zeus. As Mesas Girantes e o Espiritismo. Rio de Janeiro: Fundação Espírita do Brasil, 1958.
65
/
Além dos livros de esperanto, Lorenz publicou uma série de romances ocultistas como
Zanoni e Os filhos de Zanoni, além de outros livros relacionados ao espiritismo como Raios
de Luz Espiritual, ou ainda tratados práticos sobre “ciências ocultas” em geral, como
Elementos de Quiromancia, Lições Práticas de Ocultismo Utilitário, além de outros temas
como a astrologia, da qual era grande adepto, como A Sorte Revelada pelo Horóscopo
Cabalístico. Lorenz foi responsável também pela tradução dos livros de Yogi Ramacharaka
para o português, conforme consta em muitas das contracapas dos livros de ioga que
compõem o corpus primário desta pesquisa, sendo que por cerca de vinte anos foi responsável
pela redação da sessão astrológica do Almanach do Pensamento, um suplemento à já
mencionada revista O Pensamento, além de ser membro colaborador do C.E.C.P., de A.O.R.,
diretor do aparato editorial Brasil-Psychico-Astrológico, que se tornaria a atual Editora
Pensamento-Cultrix. Lorenz participava de diversas ordens esotéricas, por ser um ocultista
renomado e ocupou o cargo de doutor em Cabala na Ordem Cabalística da Rosa-Cruz.
O bisneto de Lorenz, Fernando Lorenz, está ao que parece empreendendo a escrita de
uma vasta biografia de seu bisavô, e relata em entrevista dada à emissora de televisão RBS,
que aos quatro anos seu bisavô folheou o primeiro jornal e o recitou para seus pais, sem ter
sido alfabetizado, e que falava mais de uma centena de idiomas e dialetos. Um destes dialetos,
inclusive, é a língua dos nativos brasileiros, o Tupi Guarani, que o incentivou a escrever um
dos primeiros dicionários da língua, sem nunca sequer ter falado com um índio.
Francisco Valdomiro Lorenz faleceu em 1957, ainda em condições humildes, tendo
trabalhado até seus últimos anos. Foi homenageado em sua cidade, Dom Feliciano, com um
memorial (fig.22). Dentro dos círculos do espiritismo é um homem muito respeitado e tido
como um “espírito evoluído”, sendo que o famoso médium e psicógrafo mineiro Chico Xavier
chegou a escrever um livro psicografado por seu espírito, o livro Esperanto.
66
/
1.4 - O E
Este é, sem sombra de dúvida, o personagem do M.E.I. mais importante dos três
abordados neste trabalho de pesquisa, e é também o mais difícil de se encontrar referências
biográficas. Ao contrário de Atkinson, dissertado pelo especialista em religiões orientais nos
Estados Unidos, Philip Deslippe, e de Francisco V. Lorenz, do qual existe um documentário e
algumas referências dentro do espiritismo devido ao seu prestígio, Antônio Olívio Rodrigues
permaneceu na história de maneira hermética.
83
Disponível em http://ubiratancs.blogspot.com/2009/03/n-j-o-s-o-n-l-i-n-e.html. Acessado em 07 de agosto de
2019.
67
/
O que se tem disponível, com maior qualidade, sobre A.O.R. é, apenas, a obra de
Adilson Ramachandra84 — funcionário e membro do conselho editorial da
Pensamento-Cultrix atualmente — que reuniu em sua obra uma vasta documentação, cuja
importância e valor para esta dissertação é inestimável, mas que não se trata de um estudo de
rigor acadêmico, sobre a trajetória de A.O.R., mas que seria melhor enquadrado como uma
memória, uma homenagem, ao seu patrono. Sobre a chegada de A.O.R. e seus primeiros anos
em São Paulo, Ramachandra afirma:
(...) Chega ao Brasil, em 1890, o imigrante Antônio Olívio Rodrigues, indo residir
em São Paulo. Nascido em uma aldeia de Portugal no ano de 1879, ele traz na
bagagem o que centenas de milhares de outros imigrantes traziam: o desejo ardente
de trabalhar e vencer na vida.
Em 1900, aos 21 anos, Antônio Olívio está trabalhando como operário (conta-se que
também foi jardineiro). Nesse mesmo ano casa-se com a Dona Aguida Marques e
vão residir na rua Barão de Iguape, em casinha modesta como o seu salário e, claro,
como também eram modestos sua cultura e seus conhecimentos.
Não se sabe se o imigrante português, que veio residir em São Paulo, era de fato de
origem tão modesta. E se fosse, tratou logo de melhorar essa condição. Corresponder-se com
autores estrangeiros, então conhecidos, publicados e lidos na Europa e nos Estados Unidos,
como W. W. Atkinson e H. Durville, e estar relacionado com pessoas influentes85, além de
fazer parte de diversas fraternidades ocultistas, como o Martinismo e o Rosacrucianismo,
demandava certo nível de esforço, de dinheiro e de influência na sociedade. É um vestígio de
que A.O.R. não era, ao que tudo indica, uma pessoa desprovida e marginalizada, pelo
contrário, era uma espécie de articulador que soube estabelecer associações valiosas.
Alguns dados interessantes estão disponibilizados nos jornais paulistanos da época,
entre 1903 e 1920, como no Correio Paulistano e no Commercio de São Paulo, onde se pode
encontrar informações como, por exemplo, a data da morte do sogro de A.O.R., o Sr. Joaquim
Marques, o nome de seu cunhado, Antônio Marques, e onde ocorreu o velório, na casa da
família Marques na rua Pedro Álvares Cabral, número 17, e o local do sepultamento, no
cemitério do Araçá:
84
RAMACHANDRA, Adilson S. Pensamento em Mutação: a trajetória de uma editora 1907-2007. São
Paulo: Editora Pensamento, 2010. pp. 35-37.
85
Como os já citados Dr. José Luiz de Almeida Nogueira, senador do Estado de São Paulo, Eduardo de
Carvalho, Cônsul do Uruguai, Miguel Mugnani, diretor da Seção do Tesouro do Estado de São Paulo, Herculano
José de Carvalho, Cônsul na Suíça, A. Baptista que era chefe dos escritórios da São Paulo Railway.
68
/
Fig.12 - Necrologia do sogro de A.O.R., o Sr. Joaquim Marques, em 1903.86
Outro episódio interessante da vida de A.O.R., que pode inclusive dar pistas sobre sua
colocação na sociedade, foi o dia em que houve um experimento aerostático com balão,
realizado pelo aeronauta Antônio Bernardes da Costa, o “Ferramenta”, em seu balão chamado
“Nacional”. No dia 7 de agosto de 1905 saiu uma coluna no Correio Paulistano narrando o
acontecido: “O Nacional subiu da praça de louros da travessa Particular, que às 3 horas da
tarde já estava repleta de espectadores. (...) subiu à altura de 1.340 metros. Manteve-se nesta
altura no espaço de uma hora e vinte minutos, indo descer no Caguassu as 5 horas da tarde.”
Neste episódio, A.O.R. foi o único a comparecer de carro, que sendo dele ou não,
demonstra que provia de meios para se locomover de automóvel. Conduziu então, após o
pouso, o aeronauta “Ferramenta” de volta para a cidade de carro:
86
Jornal Correio Paulistano, 1903.
87
Idem, 1905.
69
/
Além do necrológico de seu sogro, e do episódio do vôo de balão, foi encontrado ainda
uma coluna relativa ao Fórum Criminal. Nesta ocasião, A.O.R. fez uma denúncia contra
Benedicto José Baptista, que o feriu levemente, na rua de seu estabelecimento, na Senador
Feijó, em 1911. Pelo que se pode compreender das fontes, não foi nada muito grave. Talvez
apenas um desentendimento, mas não se pode descartar também a hipótese de perseguição,
uma vez que não são fornecidos dados acerca dos motivos da agressão. O desfecho foi a
absolvição do denunciado.
Fig.14 - Denúncia de A. O. Rodrigues contra Benedicto José Baptista, que o feriu levemente na rua da
sede da Livraria d’O Pensamento, na rua Senador Feijó.88
Foi encontrado também a data em que A.O.R. comprou um imóvel, à Rua Rodrigo
Silva, número 40, no bairro da Liberdade, por uma grande quantia em dinheiro, 24.300$000
88
Jornal Correio Paulistano, 1911.
89
Idem, 1912.
70
/
(vinte e quatro milhões e trezentos mil réis), que mostra mais uma vez indícios de seu poder
aquisitivo que não era, evidentemente, pequeno:
Fig.16 - A.O.R. adquire o prédio número 23 à rua Rodrigo Silva, por 24:300$00, em 1919.90
Foram encontrados, também, dados acerca de sua família, retirados do necrológico que
narra o passamento de sua mãe, a Sra. Rosa Lopes, em 1920. Era tio de Ricardo Rodrigues
Moura, irmão de Sebastião Rodrigues Lopes, Albano Rodrigues e Francisco Rodrigues Lopes,
que residiam ainda em Portugal, Luiz Rodrigues Lopes, que residia em Botucatu, e Manuel
Rodrigues, residente em Assis. Sua mãe foi enterrada no cemitério da Consolação.
90
Jornal Correio Paulistano, 1919.
91
Idem, 1920.
71
/
Figs. 18 e 19 - A. O. Rodrigues e família, entre 1915 e 1920.92
92
RAMACHANDRA. 2010, Op. Cit., p.60.
72
/
Fig.20 - A. O. Rodrigues em seu Escriptorio do Brasil-Psychico-Astrológico, circa 1909.93
O que mais interessa da vida de A.O.R. para esta dissertação, que é seu envolvimento
com o mercado editorial paulistano como um todo, e com o mercado editorial da ioga, em
específico, já é dissertado ao longo de todo este trabalho. Além dos apontamentos de
Ramachandra, que é um seguidor de A.O.R., funcionário da Editora Pensamento-Cultrix e
que, portanto, se empenha menos em lançar um olhar objetivo e científico sobre a história da
Editora e mais em realizar uma homenagem in memorian de seu mestre, foram encontrados
apenas os dados no Correio Paulistano, entre 1903 e 1920, acima explorados.
Espera-se que, ao final deste capítulo, tenha ficado claro ao leitor, pelo menos, os
contornos gerais do ciclo de produção dos livros de ioga no contexto do mercado editorial
paulistano. Foram explorados dados como as dimensões de sua produção; as estratégias
comerciais aplicadas para consolidar o ramo editorial da ioga; a que gêneros estava associado;
os principais agentes: autor, tradutor e editor; o conteúdo em geral dos textos, que estava
muito ligado, ainda, com a faceta mística-espiritualista; e a trajetória de A.O.R. para inserir e
fazer crescer o ramo da ioga entre os leitores paulistanos durante a Belle Époque.
93
RAMACHANDRA. 2007, Op. Cit., p. 48.
73
/
C 2-AD L I S P
2.1 - N R “O P ” C P
94
Capa da revista “O Pensamento”. periódico mensal, ano I, núm. I, dezembro de 1907, em Anexo.
95
Vide Tabela 16 , em ANEXO.
74
/
Liberdade, em São Paulo. Este edifício ainda funciona regularmente como uma das maiores e
mais antigas bibliotecas de livros de esoterismo e espiritualismo da América Latina, e como
livraria que distribui novos títulos que são lançados pela Editora Pensamento-Cultrix.
As tiragens da revista O Pensamento chegavam a 8 milheiros96, desde sua primeira
edição de dezembro de 1907, e era amplamente distribuída, gratuitamente, pelos correios e em
diversos estabelecimentos comerciais, pelo próprio editor, o imigrante português Antônio
Olívio Rodrigues, e oferecidas através de correspondências com a imprensa paulistana por
diversos jornais como o Commercio de São Paulo e o Correio Paulistano97, que em troca de
brindes, prêmios e exemplares do livro Magnetismo Pessoal (1907), de Henri Durville,
primeiro livro traduzido, editado e anunciado pelo aparato editorial da revista O Pensamento,
colocavam em sua primeira página um anúncio divulgando tanto a própria revista O
Pensamento, quanto os livros que ela oferecia em seus catálogos.
Fig.21 - Anúncio à Imprensa, dando um exemplar do Magnetismo Pessoal a qualquer periódico que divulgasse a
revista O Pensamento através de anúncio.98
96
Dados extraídos das próprias revistas O Pensamento, vide última linha de texto da Figura 22.
97
Anúncios da revista O Pensamento no Correio Paulistano em ANEXO.
98
Revista O Pensamento, Anno I, número 3, 1907, p.3.
75
/
Contando já nesta primeira edição com diversos colaboradores e correspondentes, do
estado de São Paulo e também do Rio de Janeiro, como citado no periódico, das cidades de
Itapetininga, Faxina, Itararé, Piraju, Botucatu, Agudos, São Manoel, Sorocaba e São Roque, a
revista O Pensamento assumiu uma postura receptiva e aceitava colaborações de qualquer
pessoa que se dispusesse a escrever dentro da temática abordada, nas palavras da revista,
“Rogamos a todas as pessoas que se interessam pelos assuntos tratados nesta Revista, e que
quiserem ser correspondentes d’O Pensamento, o favor de nos enviarem sua autorização”.
Fica clara também, desde este primeiro número, a missão principal e as tradições
intelectuais às quais está vinculada:
Segundo uma das mais fiéis colaboradoras da revista, a magnetizadora carioca Edla
Moraes de Cardoso, sobre a qual pouco ou nada se sabe além de que pertenceu à Société
Magnétique de France, a missão dos que se associaram aos conhecimentos divulgados no
periódico era o de dar um mínimo respaldo àqueles que a medicina oficial abandonou e
relegou ao sofrimento e ao padecimento das mais terríveis moléstias, ou seja, ao contrário da
medicina oficial, tão inacessível, que era ensinada exclusivamente na academia e exercida por
poucos, geralmente membros da elite. Diversos métodos alternativos de medicina passaram a
ser considerados, no período, como charlatanismo ou curandeirismo, que inclusive passaram a
figurar como crimes passíveis de prisão desde a promulgação do Código Penal republicano.
Os métodos escolhidos por Edla Cardoso para implementar essa cura ou diminuição
dos males destes enfermos, então ignorados pela medicina oficial, também são reveladores e
demonstram que havia forte ligação com a tradição do magnetismo de Franz Anton Mesmer,
médico alemão que viveu grande parte da vida em Paris onde tentou provar do ponto de vista
99
Revista “O Pensamento”, periódico mensal, ano I, núm. I, dezembro de 1907, pp. 2-3, texto de Edla Cardoso.
76
/
científico a eficácia de uma força curadora que havia descoberto e que chamou inicialmente
de “magnetismo animal”, tema que foi amplamente debatido na sociedade francesa na
passagem do século XVIII para o XIX por personalidades ilustres como Benjamin Franklin,
Joseph-Ignace Guillotin, inventor da guilhotina, e Antoine-Laurent Lavoisier, pai da química
moderna, e que acabou sendo considerado como uma “pseudociência” ou em outras palavras,
mero charlatanismo100.
Não é difícil compreender como essa tradição, que sobreviveu e foi sendo passada de
geração em geração conforme sofria pequenas alterações, chegou ao Brasil, principalmente
em um período em que a influência francesa se fazia muito presente, a chamada “francofilia”,
nas palavras de Marion Aubrée:
Nesta época - nos anos 1860 - a sociedade brasileira era particularmente sensível à
influência cultural da França. Depois de Mesmer e o magnetismo, Auguste Comte e
o positivismo, Victor Hugo e o romantismo, ela vai adotar como um de seus Allan
Kardec e o espiritismo. Após varrer a Europa, a onda espírita vai alcançar e
conquistar o Brasil que é atualmente o país com mais adeptos de Allan Kardec no
mundo. Nós temos uma idéia errada desta costa do Atlântico, que pode ser
atualmente responsável pela vitalidade do movimento espírita com sua imprensa (de
centenas de jornais e revistas), suas casas editoriais (de milhões de exemplares), suas
escolas, seus hospitais, suas obras sociais, seus centros artísticos ou de médiuns
"incorporando" pintores do mundo inteiro e principalmente os impressionistas
franceses do século passado.101
100
DARNTON, Robert. O Lado Oculto da Revolução - Mesmer e o final do iluminismo na França. Trad.
Denis Bottmann. SP: Companhia das Letras, 1988. p. 57.
101
AUBRÉE, Marion; LAPLATINE, François. La Table, le livre et les Esprits - Naissance, évolution et
actualité du mouvement social spirite entre France et Brésil. Paris: Éditions Jean-Claude Lattès, 1990. p.10.
77
/
Tendo apresentado minimamente esta revista de ocultismo que traz informações e
instruções das mais diversas práticas, que vão desde o mesmerismo como um método de cura,
passando pela psicometria, que ao que parece é uma técnica de desdobramento e visão do
espírito para fora do corpo, assim como dissertações sobre as vantagens para a saúde e para o
sangue de ter uma dieta exclusivamente vegetariana, nas palavras da revista, não “necrófaga”,
resta dissertar sobre a difusão dos livros de ioga através da revista O Pensamento.
O leitor que tivesse a oportunidade de ler um exemplar da revista O Pensamento de
agosto de 1908102, que por sua vez alcançou tiragem de oito milheiros e era amplamente
divulgada na imprensa e em estabelecimentos comerciais, sendo, inclusive, distribuída
gratuitamente pelos correios a qualquer pessoa que desejasse receber sua influência, teria em
mãos um dos primeiros anúncios de livros de ioga103 a circular no mercado editorial
paulistano.
Porém, se esse leitor fosse atento, logo perceberia que as obras estavam, na verdade,
escritas em espanhol. No topo do anúncio, que ocupava uma página inteira da revista, se
destacava a chamada em negrito e letras maiores: “Centro de Publicações Yogis”. E logo
abaixo, em itálico e letras médias, a explicação: “Temos à venda as seguintes obras deste
importante ‘Centro de Publicações’ da R. Argentina”.
O primeiro livro que consta neste anúncio, Hatha Yoga - Philosophia yogi do bem
estar physico, de autoria de Yogi Ramacharaka era vendido como um compêndio de duzentas
páginas, plasmado “em papel superior”, e se propunha a ser um “manual completo do sistema
oriental yogi”. O segundo livro, também de Ramacharaka, Sciência Indú-Yogui da
Respiração, era anunciado como um “manual completo da Philosophia Oriental da respiração,
para o desenvolvimento físico, mental, psíquico e espiritual”. E o terceiro de Ramacharaka, 14
Licções sobre Philosophia Yogui e Occultismo Oriental, já era divulgado mas estava ainda em
fase de encomendas pois já estava no prelo e em breve o teriam à disposição, sendo este um
volume maior e mais completo, de 336 páginas. Segundo o anúncio, este terceiro livro se
tratava de uma “série de lições únicas em seu gênero, abrangendo todo o campo da
‘Philosophia Yogui e Occultismo Oriental’ revelando a mais profunda verdade e seus
mistérios ocultos, escrita em estilo claro e simples ao alcance de qualquer”.
102
Vide Figura 22.
103
Vide Figura 23.
78
/
Fig. 22 - Revista O Pensamento, Anno I, agosto de 1908, num. 9.
79
/
Fig.23 - Primeiro anúncio de livros de ioga, em espanhol, importados da Argentina.104
104
Revista O Pensamento, Anno I, agosto de 1908, num. 9, p. 23
80
/
O quarto livro do anúncio, Luz En El Sendero, consiste de uma tradução para o
espanhol do livro Light on the Path (1885), da escritora ocultista inglesa Mabel Collins, que
afirma no livro que não foi ela a autora do texto, mas que foi psicografado por um espírito,
que chamou de Mestre Hillarion — o que parece até uma ironia visto que esta palavra lembra
um pouco o termo hilarant, que significa “hilariante” em português.
Este livro é considerado um clássico entre os membros da Theosophical Society, ou
como será referida doravante, a Sociedade Teosófica, fundada em 1857 pela ocultista Helena
Petrovna Blavatsky e o escritor e teósofo inglês Henry Olcott, e se trata de uma abordagem
geral no formato de um compilado de textos que versam sobre aforismos e elementos das
filosofias orientais, um livro de cabeceira que serve de guia aos neófitos no assunto não sendo
porém um livro de ioga, propriamente dito, mas que trata do ocultismo oriental no geral, que
estava totalmente associado ao gênero da ioga na época de publicação destes títulos.
Nas palavras do anúncio “um tratado pessoal para aqueles que não conhecem a
Sabedoria Oriental e desejam receber sua influência”. Este livro foi, inclusive, prefaciado por
Yogi Ramacharaka, o que atesta as influências intelectuais dos primeiros livros de ioga a
circularem em São Paulo, analisados no primeiro capítulo.
Este anúncio de agosto de 1908, disponibilizado acima, é o mais antigo do gênero
encontrado até o momento e é considerado uma fonte histórica central na compreensão de
como foi a fase inicial do ramo da ioga e das estratégias empreendidas para introduzi-lo,
difundi-lo e consolidá-lo no comércio livreiro da metrópole. Neste anúncio são fornecidos
dados importantes sobre os livros, tais como os nomes dos autores, os títulos e os respectivos
preços, que são as informações mais diretas, mas o mais importante é que deixa entrever, de
maneira menos óbvia, a origem destes títulos e fornece informações que permitem constatar
através da dedução que a fase inicial da ioga como um ramo livreiro específico em São Paulo
restringiu-se, num primeiro momento, à simples mediação de edições estrangeiras, em
espanhol, originárias da Argentina, pela revista O Pensamento e seu diretor A.O.R., para o
público leitor paulistano. Como e por que se deram estas mediações?
Antônio Olívio Rodrigues105, como já foi discutido no primeiro capítulo, era um
homem bem articulado e atento à imprensa e ao mercado editorial ocultista internacional106,
105
Ver, no Capítulo 1, o item dedicado ao Editor.
106
Embora seja extremamente importante entender este mercado internacional, não foi possível estudá-lo com a
profundidade necessária nesta dissertação, sendo que o assunto merece, em outra oportunidade, um trabalho
acadêmico dedicado apenas a entender esta dinâmica.
81
/
percebeu uma tendência ao orientalismo no ocidente e o início de uma demanda para livros de
ioga, vinda principalmente dos Estados Unidos e da Argentina, tanto que decidiu investir
algum esforço e capital na introdução deste novo ramo também em São Paulo, e para lográ-lo
adotou inicialmente uma estratégia simples, praticada por qualquer comerciante que quer
introduzir um novo produto no mercado: disponibilizar a mercadoria em pequena escala e
feita sob encomenda, lançar mão de uma divulgação maciça e perceber a demanda do
mercado, se não houver procura, não haverá livros parados nas estantes e nem capital
estagnado sendo desperdiçado. Por outro lado, se houvesse procura, seria um nicho do
mercado editorial muito promissor, ainda inexplorado, e a oferta de livros de ioga seria
exclusiva, monopolizada, pela única fornecedora: a biblioteca do Brasil-Psychico-Astrológico.
Mas como se formou um público leitor para a ioga? Esta experiência comercial inicial
deu a A.O.R., acima de tudo, a possibilidade de tatear o mercado editorial paulistano, de
perceber as demandas e de construir, progressivamente, um público leitor para a ioga,
aproveitando o impulso de um já existente e crescente público, receptivo a assuntos
espiritualistas, de magnetismo, hipnose e sugestão, temas estes que são mais antigos na
cultura popular, debatidos na sociedade brasileira desde meados do século XIX, conforme
será explicado nos parágrafos seguintes.
O espiritismo, por exemplo, é uma tradição iniciada nos Estados Unidos, quando os
espíritos dos mortos supostamente começaram a se comunicar com os vivos através de mesas
que giravam e levitavam sem contato algum, as famosas mesas girantes, e que inclusive
respondiam perguntas através de barulhos e rangidos propositais, conhecidos como rhaps ou
echoes, isso ainda na primeira metade do século XIX.
Vale ressaltar que, apesar de o espiritismo ter surgido nesta época, a crença em
fantasmas, almas e espíritos remonta aos universais da cultura107. O primeiro periódico
dedicado a assuntos espíritas, o Spiritual Telegraph, foi publicado nos Estados Unidos no ano
de 1852. Era um tema, portanto, já muito arraigado na cultura tradicional, com as “histórias de
fantasmas”, presentes em todas as culturas.
Por se tratar de um tema impressionante e polêmico, o espiritismo foi se espalhando
rapidamente pela Europa, tão rápido que a doutrina espírita já havia sido sistematizada apenas
cinco anos depois, em 1857, no Livro dos Espíritos, por Hippolyte Léon Denizard Rivail,
107
BROWN, Donald. Human Universals, Human Nature, Human Culture. publicado na revista Daedalus, nº
133 volume 4 de Outono. Cambridge: American Academy of Arts and Sciences, 2004, pp. 47-54.
82
/
mais conhecido como Allan Kardec108, na França, e começado a crescer no Brasil através da
imprensa. Doze anos depois do livro de Kardec, o primeiro periódico espírita brasileiro, o
Écho d’Além-Tumulo, na Bahia em 1869, seguido por outros como a Revista Espírita no Rio
de Janeiro em 1875. A Federação Espírita do Brasil, existente até os dias atuais, foi fundada
em torno da mesma época, no ano de 1884 no Rio de Janeiro, e um dos periódicos mais
antigos a circular em São Paulo sobre o assunto é o Verdade e Luz, de 1900109.
O magnetismo pessoal, por sua vez, é uma prática terapêutica defendida pelo médico e
magnetizador francês Hector Durville, fundador do Institute Magnétique de France, e que é,
em termos gerais, um método de cura e obtenção de êxito na vida através da manipulação
“bioenergética” ou do “magnetismo” presente em todos os seres vivos do universo mas
principalmente nos seres humanos.
O magnetismo pessoal de Durville é herdeiro de uma longa tradição, que remonta à
Europa de meados do século XVIII, de uma doutrina propalada em Paris pelo médico alemão
Franz Anton Mesmer110, teórico e defensor da existência de um “fluido magnético” curador,
responsável pela saúde e bem estar das pessoas que pode ser manipulado e aplicado na forma
de um tratamento, que mistura esoterismo e medicina, tratamento este que por sua vez foi
amplamente debatido na sociedade francesa e que, apesar de ter sido cientificamente refutada
diversas vezes na época, continuou sendo passada de geração em geração, conforme sofria
pequenos aperfeiçoamentos, até o século XX. Este magnetismo pessoal de Durville e outros
“magnetizadores” é a origem dos “passes magnéticos” aplicados em centros espíritas,
atualmente.
Neste mesmo anúncio de agosto de 1908 da revista O Pensamento eram catalogados,
além dos livros de ioga, outros livros escritos em espanhol que se agrupavam em uma seção à
parte mas ainda no mesmo anúncio, relacionados ao “magnetismo, hipnotismo, sugestão e
psicologia experimental”, vindos da Argentina, e que também se encontravam à disposição
através da livraria do Brasil-Psychico-Astrológico.
Títulos como Magnetismo Pessoal ou arte de triumphar na vida - recopilacion do que
mais importante há publicado sobre esta matéria, tanto na América quanto na Europa,
108
AUBRÉE, Marion; LAPLATINE, François. La Table, le livre et les Esprits - Naissance, évolution et
actualité du mouvement social spirite entre France et Brésil. Paris: Éditions Jean-Claude Lattès, 1990. pp.
10-12
109
WANTUIL, Zêus. As Mesas Girantes e o Espiritismo. RJ: Federação Espírita do Brasil, 1958.
110
DARNTON, Robert. O Lado Oculto da Revolução - Mesmer e o final do iluminismo na França. Trad.
Denis Bottmann. SP: Companhia das Letras, 1988.
83
/
interessantíssimo compêndio de autor desconhecido, ou, O Poder do Pensamento, seu
domínio e cultura, da Diretora da Sociedade Teosófica e autora de diversos volumes sobre
ioga, a escritora Annie Besant, ou ainda, Applicação dos imans ao tratamento das
enfermidades, as Leis Physicas do Magnetismo, ou ainda, Magnetismo Pessoal ou
Magnetismo Psychico - Educação e desenvolvimento da vontade, para ser feliz, forte,
vigoroso e ter êxito em tudo, todas obras assinadas por Henri Durville.
É muito provável, tendo em vista o que foi exposto até o momento, que o público
leitor da ioga tenha nascido como uma ramificação do público leitor de temas espiritualistas e
esotéricos pré-existentes, temas estes que se encontravam numa linha tênue entre uma dita e
pretensa abordagem científica e a religião, como o próprio espiritismo, tendo muitas vezes
explicações que podem ser consideradas atualmente como “pseudo-científicas”111 para seus
fenômenos fantásticos ou paranormais.
Pode ser que o público da ioga crescia na mesma medida que o público espiritualista,
mais receptivos a ideias diferentes, curiosos tanto devido aos chamativos títulos quanto pelos
preços módicos de muitas das edições de ioga, iam investindo uns contos de réis e sendo
iniciados nas misteriosas filosofias ocultas do hinduísmo e dos exercícios aconselhados pelo
misterioso guru, o Yogi Ramacharaka, para obtenção tanto de saúde perfeita, vigor, serenidade
mental e todos os benefícios prometidos por esta “ciência da respiração” como o incremento
da autoconfiança e da força de vontade para conseguir atingir o sucesso material.
Os únicos títulos que eram traduzidos para o português e publicados em São Paulo
pelo Brasil-Psychico-Astrológico e anunciados na revista O Pensamento nesta fase inicial
eram, O Magnetismo Pessoal, de H. Durville, carro chefe e aposta principal das primeiras
publicações da Editora Pensamento, e o Deve-se Praticar o Espiritismo?, de Raul Silva,
redator principal da revista O Pensamento.
Estes livros permaneceram por quase doze meses como as únicas opções de livros
disponíveis à pronta entrega, em português, no catálogo da revista O Pensamento, além dos
títulos mediados e trazidos do estrangeiro, sob encomenda, acima elencados. Segundo
anúncios da época, a Bibliotheca do Brasil-Psychico-Astrológico mandaria vir qualquer título
do ocultismo, da astrologia, e espiritualismo em geral, do exterior bastando apenas enviar uma
correspondência com o título desejado a Antônio O. Rodrigues.
111
HESS, David J. Spirits and Scientists: Ideology, Spiritism, and Brazilian Culture. University Park: Penn
State University Press. 1991.
84
/
Vale ressaltar que não havia, antes de 1910, a presença de um mercado editorial de
ioga propriamente dito, nos termos de um ciclo completo de edição, produção, venda e
consumo destes livros em solo paulistano, sendo que nem sequer estavam escritos em
português. Talvez devido ao pouco capital inicial disponível para o investimento e por se
tratar apenas do início de um empreendimento maior, que envolve diversos segmentos
literários já mencionados, pode-se dizer que, entre a data deste anúncio de meados de 1908 e a
data da produção do primeiro livro em português traduzido, editado e publicado na cidade de
São Paulo no ano de 1910, conforme será desdobrado ainda neste capítulo, houve um período
inicial, transitório, de mediação e adaptação do ramo da ioga no comércio livreiro da
metrópole, um período inicial de experimentação, portanto, de uma difusão mais modesta.
Não é possível quantificar com exatidão ou afirmar com segurança se houve, durante
esse período transitório, um volume significativo de consumo de livros de ioga, visto que
eram livros pedidos sob encomenda, de matérias muito específicas, produzidos em pequena
escala, sendo títulos não-convencionais para os parâmetros da cidade da época e que podiam,
inclusive, soar um tanto extravagantes para certa parcela dos leitores comuns, muitos dos
quais católicos e conservadores. Não existem, ainda, dados que atestam de maneira
quantitativa o movimento editorial nesta fase inicial de testes, entre 1908 e 1910, uma vez
que, até o momento, estas edições pioneiras não foram localizadas em acervos históricos.
Contudo, é possível afirmar que foi a partir de anúncios da natureza do que foi
analisado até o momento, que os primeiros livros de ioga passaram a ser, pela primeira vez,
sistematicamente divulgados e introduzidos no comércio livreiro paulistano, e que através de
um bom trabalho de mediação e propaganda empreendido pela revista O Pensamento e seu
diretor, A.O.R., foram se formando as condições necessárias para o início do que viria a ser o
verdadeiro mercado editorial dos livros de ioga, posteriormente, em São Paulo, onde tomou
corpo o seu respectivo público leitor. Segue o primeiro anúncio de um livro de ioga traduzido
para o português, em preço acessível, para o público leitor paulistano:
85
/
Fig.24 - Anúncio na revista O Pensamento do livro Sciencia Hindu Yogi da Respiração, 1910.112
Uma análise diacrônica113 permite dizer que já havia, a nível internacional, um certo
movimento de tradução e difusão destas obras de Ramacharaka no início do século XX, por
diversas editoras estrangeiras e não somente no Brasil, como por exemplo mostra a existência
do livro Ata-yoga, o, l'arte per stare bene: com numerosi esercizi / Del yoghi Ramaciaraca e
dappendice, traduzido do espanhol e do inglês para o italiano pelos professores G. B. Penne e
Edoardo Bechi, editado pela Fratelli & Bocca em Turin na Itália em 1914, ou ainda uma
versão portuguesa do mesmo livro Ata-Yoga: ou a Arte de viver com saúde: com variados e
numerosos exercícios publicados pela editora A.M. Teixeira em Lisboa em 1915, e os volumes
franceses Traite de raja yoga, escrito por Courmes D. A., editado pela Famille Theosophique
em 1924 e, finalmente, Le hatha yoga : ou, L'art de vivre selou l'inde mystperieuse, de Félix
Guyot, publicado pela Éd. J. Tallandier em 1936.
As crenças religiosas, os rituais, os sistemas filosóficos e os métodos da ioga estão
enquadrados em um conjunto cultural mais abrangente, que é o que se convencionou chamar
de hinduísmo, e vêm sendo desenvolvidos desde a antiguidade na Índia, através,
principalmente, de uma antiga tradição oral passada de mestre a discípulo, e organizados e
registrados em uma complexa e numerosa coletânea de manuscritos antigos, como, para citar
112
Revista O Pensamento, Anno II, março de 1910, num. 16.
113
Vide Tabela 14 , em ANEXO.
86
/
alguns exemplo, os Rigvedas, o Yoga Sutra, o Hatha Yoga Pradipika e o Yoga Vasishta, que
são alguns dos mais antigos “livros de ioga” — textos que apenas se referem às práticas e
ritos da ioga, não sendo a ioga em si — da milenar tradição escrita da “ioga clássica”.
A tradição escrita da ioga, que é relativamente mais recente em relação à tradição oral,
é, então, em toda a sua extensão e complexidade, geralmente tomada como ponto de partida
para entender a cronologia deste sistema filosófico, e estes textos antigos se dividem entre as
coletâneas primárias, que são, para dar alguns exemplos, os Vedas, os Upanishads, o
Bhagavad Gita e o Agamas; e as coletâneas secundárias, que são os Vedangas, os Puranas, os
Itihasa, os Shastras e os Sutras.
O mais notável é que, na transição do século XIX para o XX, com o imperialismo
britânico na Índia em seu apogeu, formou-se uma conjuntura muito propícia para a ampla
difusão de livros sobre hinduísmo e ioga entre os leitores do Ocidente, o que se deu,
principalmente, através do trabalho da Theosophical Society, no sentido Ocidente-Oriente, e
das importantes contribuições de iogues indianos, como Swami Vivekananda, representante
da ioga nos Estados Unidos, e outras personalidades importantes, como, por exemplo, o
primeiro historiador e primeiro não-ocidental a vencer um Prêmio Nobel da Literatura em
1913, Rabindranath Tagore, ou o importante iogue nacionalista, Sri Aurobindo, e o líder
popular, famoso por pregar a não-violência na luta pela independência, Mahatma Gandhi, no
que pode ser considerado um Renascimento Hindú, no sentido Oriente-Ocidente.
Tendo em vista o que foi mencionados acima é possível deduzir que uma nova
demanda, que era a do hinduísmo e da ioga, surgia e se expandia internacionalmente nas
primeiras décadas do século XX, o que pode ser demonstrado, também, através de alguns
exemplos históricos desse fluxo cultural entre Ocidente e Oriente.
Outro exemplo é a obra de uma das mais importantes ocultistas do século XIX, a
ucraniana, fundadora da mundialmente conhecida Theosophical Society ou Sociedade
Teosófica, em 1875, Helena Petrovna Blavatsky114, mais conhecida como Madame Blavatsky,
que escreveu durante uma viagem de cerca de seis anos em Bombaim, na Índia, dois de seus
principais livros, o Secret Doctrine (1888) e o The Key to Theosophy (1889) que traziam
diversos ensinamentos recebidos de mestres indianos e que influenciaram grandemente todo o
114
BLAVATSKY, H. P. Personal Memories of H. P. Blavatsky. Compilado por Mary K. Neff. Plymouth: The
Mayflower Press, 1937.
87
/
movimento ocultista e da ioga no ocidente, fundando as bases para o surgimento de outras
ordens esotéricas pelo mundo.
Ou ainda a obra da teósofa, escritora e ativista política dos direitos das mulheres na
Inglaterra, a inglesa Annie Wood Besant115, ela mesma inspirada em Blavatsky, que também
mudou-se para a Índia, em 1903, para a cidade de Adyar, na antiga província de Madras, onde
fora fundada uma editora e um forte movimento da Sociedade Teosófica, da qual se tornou
presidente até o ano de 1933, com sua morte. Durante sua longuíssima estadia na Índia deu
luz a um dos livros mais importantes da “ioga ocidental”, o Introduction to Yoga, publicado
no mesmo ano do anúncio dos primeiros livros de ioga na Revista Pensamento, no ano de
1908, livro este que foi amplamente publicado pela Editora Pensamento, sendo reeditado até a
contemporaneidade. Annie Besant foi mãe adotiva do conhecido filósofo, escritor e educador
indiano Jiddu Krishnamurti, que possui prolífica obra publicada em todo o mundo.
Outro exemplo clássico que mostra eloquentemente uma tendência da popularização
das antigas tradições hinduístas no Ocidente, mas dessa vez num fluxo contrário ao de
Blavatsky e Besant, que foram para a Índia, foi o fato do historiador indiano, bengali,
Rabindranath Tagore116, ter sido o primeiro não-europeu e o primeiro historiador a ganhar o
Prêmio Nobel da Literatura em 1913, com o livro Gitanjali (1912), que se trata de uma
coletânea organizada de 103 poemas, traduzidos do bengali, língua tradicional indiana, para o
inglês117. Tanto o livro de Annie Besant, os de Rabindranath Tagore, quanto os de
Ramacharaka foram amplamente comercializados pela Editora Pensamento nos anos que se
seguiram desde sua fundação, em dezembro de 1907.
Fica claro, desta forma, que seria inevitável o fluxo de idéias entre os três continentes,
Ásia, Europa e América, principalmente através do que se pode chamar de imprensa e
mercado editorial ocultista internacional, ainda mais em uma fase em que a influência
estrangeira, principalmente a européia, se fazia muito presente sobretudo nas capitais como o
Rio de Janeiro e São Paulo. Os livros de ocultismo, magia, magnetismo e espiritismo não
seriam exceções a este fluxo, nem mesmo seriam os livros de ioga.
Um dos maiores representantes deste movimento na cidade de São Paulo foi o já
mencionado Antônio Olívio Rodrigues, sua revista e seu círculo de sociabilidade livresca,
115
BESANT, Annie W. Annie Besant: an autobiography. Londres: T. Fisher Unwin, 1893.
116
RHYS, Ernest. Rabindranath Tagore: a biographical study. Londres: Macmillan & Co. Ltd., 1915.
117
THOMPSON, Edward. Rabindranath Tagore: Poet and Dramatist. Londres: Oxford University Press,
1925.
88
/
intitulado Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento, fundado em 1909, dois anos após a
fundação da Livraria d’O Pensamento, e de seu aparato editorial, que teve, ao longo do tempo,
diversos nomes como Bibliotheca Psychica Paulista (1907), Brasil-Psychico-Astrológico
(1907-1909), Emp. Ed. Typ. O Pensamento (1910-1915).
Percebe-se, também, através da análise diacrônica, que o suposto primeiro livro de
ioga escrito por um autor brasileiro, em português, veio a ser publicado somente no ano de
1960, marcando o início tardio de um M.E.I. totalmente nacional, a exatos cinquenta anos
desde a publicação das primeiras traduções de Ramacharaka. Provavelmente os primeiros
livros totalmente nacionais, escritos por autores brasileiros, que foram A Libertação pelo Yoga
(1960) de Caio Miranda e Autoperfeição com Hatha Yoga (1962) do Prof. José Hermógenes,
foram escritos sob a influência e direcionados ao mesmo público leitor desses livros
anteriores, as traduções, que circularam no país durante todo o período entre 1910 e 1960 em
que figuraram, conforme os dados colhidos dos levantamentos em acervo, como as únicas
referências bibliográficas do gênero.
Sabe-se então, conforme os dados apresentados até o momento, que o ramo editorial
da ioga foi iniciado através de anúncios pioneiros mas muito bem disseminados, desde 1908,
que foi conquistando seu público em meio aos leitores das “ciências ocultas” e veio a ter seu
próprio mercado editorial, com um ciclo de produção totalmente paulistano, à partir de 1910.
Conforme mostra a análise diacrônica, este mercado cresceu e se diversificou, formando o
substrato literário do qual se nutriria por muitas décadas a tradição brasileira de ioga, tendo
sido amplamente reeditado ao longo das décadas e que despontou como um ramo totalmente
nacional apenas nos anos 1960.
Qual era o apelo dos livros de ioga para os leitores paulistanos? A lógica dos livros de
ioga era, conforme é defendido nesta dissertação, a de trazer aos leitores-discípulos, maneiras
de superar o estresse causado por um estilo de vida extremamente agitado, a fim de obter
sucesso na vida, vencendo os obstáculos impostos pela vida cotidiana, através do
conhecimento das técnicas milenares da ioga e da tradição ocultista oriental como um tudo.
Todos os livros de ioga analisados nesta pesquisa ofereciam algo em comum:
conhecimentos, técnicas, práticas e rituais que despertariam, nos leitores-discípulos, a forças
mentais, ocultas, latentes em todo ser humano, forças estas que seriam indispensáveis na
obtenção de um nível mais elevado de consciência espiritual, além de um estilo de vida mais
saudável onde o bem-estar do corpo e a serenidade da mente seriam a ponte definitiva para a
89
/
prosperidade material e o sucesso nos negócios, associações e empreitadas da vida. Yogi
Ramacharaka, o guru de papel, se propunha a ser o guia no caminho a ser tomado para
alcançar a mais alta realização: a autorrealização.
Tendo entendido como se deu o início dos anúncios de livros de ioga e a quais outros
gêneros estavam associados, e tendo vislumbrado as estratégias de marketing empregadas por
A. O. Rodrigues para firmar um público cativo para seus livros, segue, então, uma série de
catálogos de livros de ioga que foram publicados na revista O Pensamento, ao longo da
primeira década de existência do mercado editorial da ioga. São fontes importantes pois
revelam a diversificação do número de títulos de ioga ao longo do tempo, desde 1910.
Fig.25 - Anúncio do Quatorze Lições sobre Philosophia Yogi na revista O Pensamento, em 1911.118
118
Revista O Pensamento, 1911.
90
/
Fig.26 - Anúncio dos livros Rabindranath Tagore e Rama Prasad, na revista O Pensamento.119
119
Revista O Pensamento, Anno VIII, fevereiro de 1915, num. 86.
91
/
Fig. 27 - Extrato do Catálogo Geral da Emp. Typ. Ed. O Pensamento, na revista O Pensamento.120
120
Revista O Pensamento, Anno VIII, março de 1915, num. 87.
92
/
Fig.28 - Reclame do livro O Evangelho de Sri Ramakrishna, na revista O Pensamento.121
121
Revista O Pensamento, fevereiro de 1917.
93
/
Fig.29 - Anúncio das Obras de Ramacharaka na revista O Pensamento.122
122
Revista O Pensamento, janeiro de 1920.
94
/
Existiam, além destes anúncios presentes na revista O Pensamento, outros anúncios de
ioga circulando na metrópole? Um apontamento útil sobre o início do mercado editorial de
ioga em São Paulo é um anúncio encontrado em jornal, exibindo um catálogo da Editora
Pensamento, em que figuravam, entre outros volumes, os livros de ioga estudados nesta
dissertação. O jornal em questão, onde foram encontrados os dados compilados a seguir, é o
diário Correio Paulistano, mais especificamente a edição do dia 03 de março de 1912:
95
/
Bola de crystal para o desenvolvimento da vidência e clarividência Não Informado 15$000
Além dos anúncios de livros de ioga na revista O Pensamento, e além dos anúncios de
livros de ioga em jornais como o Correio Paulistano e outros jornais, que seguiam mais ou
menos o mesmo padrão, houve também importantes anúncios nos próprios livros de ioga.
Uma estratégia inteligente de auto-divulgação, visto que o leitor, ao comprar um exemplar
sobre ioga e gostando de seu conteúdo, já sabe que existem outros títulos à disposição, por
preços módicos, que seriam potenciais adições à coleção espiritualista e de ioga. Seguem
então três tabelas que traduzem anúncios presentes nas contracapas dos próprios livros de ioga
que desempenharam papel fundamental na captação de leitores:
Obras Já Publicadas
96
/
Analogia e differença do hypnotismo e Não Informado 1$000
magnetismo
No Prelo
Abaixo, outra tabela relativa a um anúncio dentro do próprio livro, dessa vez no Hatha
Yoga ou Philosophia Yogi do bem estar physico, em 1911:
T09 - Anúncios no Hatha Yoga ou Philosophia Yogi do bem estar physico (1911)
Obras Já Publicadas
Magnetismo Pessoal H. Durville 4$000
97
/
Curso de Magnetismo Não Informado 2$000
98
/
Em Harmonia com o Infinito R. W. Trine 3$000
Além dos catálogos, presentes no final dos livros, traduzidos em formas de tabelas
acima, tinham também anúncios maiores, que ressaltavam a “boa impressão” e o “papel
excelente” dos quais eram plasmados. Forneciam, também, maiores informações sobre os
livros, informando muitas vezes os capítulos, e a utilidade dos conhecimentos ensinados
através dos textos para o público leitor. Outra informação notável, que se pode observar em
alguns desses anúncios maiores, é a questão do desconto para os filiados ao C.E.C.P.
“Aos irmãos do Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento, a referida obra
ser-lhes-á enviada livre de porte por 3$500. Em nossa redação 3$000”, dizia o anúncio da
figura 3, um desconto de mais de 1$000 réis em relação ao preço original, o que mostra ainda
mais como o C.E.C.P. se estruturou ao redor dos livros editados e publicados por A.O.R.,
formando assim o que se pode chamar de uma sociedade livresca.
99
/
Fig.30 - Anúncio na contra-capa do Hatha Yoga ou Philosophia Yogi do Bem Estar Physico, em 1911.
A seguir, outros destes anúncios estendidos presentes nos finais dos livros. Haviam
também pequenas chamadas, no formato de resenhas muito concisas nestes anúncios, um dos
quais disponibiliza, inclusive, um formulário de subscrição para receber o livro Quatorze
Lições de Philosophia Yogi e Occultismo Oriental, de Ramacharaka, antes mesmo de esse sair
do prelo, dando ao mesmo tempo exclusividade ao leitor de ioga que já possuía um título e
dando uma idéia, aos editores, de uma possível futura demanda:
100
/
Fig.31 - Anúncio ao final do Hatha Yoga ou Philosophia Yogi do Bem Estar Physico, 1911.
101
/
Fig.32 - Subscrição para receber o Quatorze Lições sobre Philosophia Yogi, contra-capa, 1911.
Finaliza-se, desta forma, o segundo capítulo. Foi exposto até o momento, dentro do
possível, os aspectos mais relevantes dos ciclos de produção, demanda e difusão dos livros de
ioga, aspectos estes que se conservam, em maior número, em suportes materiais, como é o
caso dos números de tiragem, número de títulos e anúncios, extensamente demonstrados no
primeiro e no segundo capítulo. Resta então, para completar o “Circuito das Comunicações”
de Darnton, tentar aferir a recepção e as possíveis práticas de leitura dos leitores de ioga. É o
que propõe o terceiro capítulo, a seguir.
102
/
C 3-A S L L I S
P
Tendo dissertado nos capítulos anteriores sobre os ciclos de produção e difusão dos
livros de ioga no mercado editorial paulistano, entre 1910 e 1925, resta então dissertar, neste
capítulo, sobre o ciclo de recepção e leitura e sobre o público leitor. Quem eram os leitores de
livros de ioga durante a Belle Époque? Como receberam as obras de Ramacharaka? Onde
praticavam sua leitura? Esses leitores debatiam os conteúdos dos livros entre si? Se
associavam de alguma maneira? O objetivo deste capítulo é, então, o de analisar fontes
históricas, a saber, cartas de leitores e outras informações pertinentes publicadas na revista O
Pensamento desde 1907 para encontrar vestígios que sirvam para a elaboração de alguns dos
primeiros apontamentos sobre a leitura da ioga em São Paulo, e que permita entrever, dentro
do possível, as principais características de seu público leitor e das práticas de leitura.
Além de métodos propostos por Robert Darnton, no já mencionado “Circuito das
Comunicações”, toma-se como referência o trabalho de Roger Chartier sobre a recepção:
Chartier defende que o estudo dos livros e de sua história pode ser dividido em três
124
polos . O primeiro pólo seria uma “análise dos textos, sejam eles canônicos ou profanos,
decifrados nas suas estruturas, nos seus objetivos, em suas pretensões”, o segundo pólo
constitui, por sua vez, “a história do livro, além de todos os objetos e de todas as formas que o
toma escrito” e o terceiro e último pólo, um “estudo das práticas que se apossam de maneira
diversa desses objetos ou de suas formas, produzindo usos e significados diferenciados”. Se
no primeiro e no segundo pólo, Chartier se concentra na produção e propõe uma análise das
pretensões dos autores e editores ao apostarem na publicação de certo volume, e nas
condições materiais, mercadológicas, que permitem essa publicação, no terceiro pólo a
atenção se volta exclusivamente para as práticas que derivam da leitura de seu conteúdo, seu
discurso, o texto.
123
CHARTIER, Roger. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e
XVIII; Trad. Mary del Priore, Brasília : Ed. da UnB, 1994, p.12
124
Ibidem.
103
/
A análise da escrita e publicação é, portanto, diferenciada em relação à análise da
leitura e suas práticas, sendo a primeira mais facilitada por sua solidez e materialidade, por
estar concentrada em um suporte físico, que permite ao historiador lançar um olhar objetivo, e
a última, de mais difícil interpretação, justamente por ser composta de imaterialidade e
subjetividade, que é particular de cada leitor e do olhar que este lança sobre a produção
escrita, como comenta, também, Michel de Certeau:
Tendo em vista, então, que a interpretação histórica da leitura e das práticas advindas
desta são extremamente difíceis de serem realizadas, principalmente, por serem constituídas
de subsídios imateriais, isto é, que não se conservam em um suporte físico através do tempo, e
por estarem repletas de aspectos subjetivos, pessoais, interpretativos, deve-se logo dizer que
não existem muitas possibilidades a serem exploradas no que tange ao estudo da leitura dos
livros de ioga nesta dissertação de mestrado.
Pode-se afirmar, entretanto, segundo informações, dados e vestígios colhidos das
fontes históricas, que serão apresentados a seguir, que o público leitor da ioga em São Paulo
durante a Belle Époque se dividiu em três categorias, a saber, a categoria principal, dos
adeptos dos C.E.C.P., que eram pessoas centrais, extremamente envolvidas na administração,
organização, difusão, leitura e discussão dos diversos temas difundidos pela Editora
Pensamento, dentre eles, a ioga; os discípulos, que são aqueles associados comuns, sem
participação ativa na organização mas que eram frequentadores, ouvintes, nas reuniões do
Círculo e que eram também, em maioria, assinantes da revista O Pensamento; e o público em
geral, que é o público leitor comum, sem grande envolvimento nas atividades do Círculo e da
revista, mas que podem ter tido, em algum momento, acesso aos livros de ioga do Yogi
Ramacharaka.
Segue, então, uma análise pormenorizada dos dados extraídos das fontes históricas
para a finalidade de dissertar sobre estas três categorias de leitores, os Adeptos, os Discípulos
125
CERTEAU, Michel de. Apud CHARTIER, Roger. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na
Europa entre os séculos XIV e XVIII. 1994, p.11.
104
/
e o Público em Geral, além de comentários sobre a recepção dos mesmos através da
interpretação de cartas de leitores dos livros ioga e, por fim, das possíveis práticas de leitura.
3.1 - O C
Se tem um público leitor que com certeza debateu os livros de ioga analisados neste
trabalho em São Paulo durante a Belle Époque, este público foi formado por adeptos do
C.E.C.P., que já foi amplamente citado nos capítulos anteriores, mas que terá neste último
capítulo uma melhor apresentação e interpretação. Esta ordem esotérica, fundada por A.O.R.
em 1909, funcionava como uma espécie de loja maçônica, ou loja rosacruciana, ou seja, era
um lugar onde se realizavam regularmente reuniões onde, entre outros rituais e atividades,
debatiam-se sobre os diversos ensinamentos esotéricos mediados pela Editora Pensamento.
Dentre eles, o tema da ioga se destaca, ainda que não se possa classificá-lo como esotérico.
A idéia da formação de um círculo de pessoas, que quisessem comungar de diferentes
tipos de pensamento, independente do estrato social, sexo, raça ou religião começa a se dar
por volta de 1908, quando A.O.R., já inteirado de outras filosofias e ordens esotéricas, como o
Martinismo e o Rosacrucianismo, conforme foi comentado no primeiro capítulo, decide então
dar início ao seu próprio ciclo de sociabilidade. Vale ressaltar que, apesar de todo este ideal de
comunhão de pensamentos, dos mais distintos que se possa imaginar, o círculo, que se
tornaria cada vez maior, seria também uma espécie de público leitor cativo, que concentraria
num nicho um mercado consumidor e que nas mãos de A.O.R., se revelou uma estratégia sem
igual para o crescimento da Editora Pensamento, em números de títulos e de tiragem e da
popularização da revista homônima.
Formou-se então o que se pode chamar de um círculo virtuoso da leitura esotérica: na
medida em que cada vez mais livros eram publicados, e neste livros já vinham anexados
formulários de filiação ao C.E.C.P., mais pessoas se filiaram, e na medida em que crescia o
número de filiados cada vez mais livros eram vendidos. Parece que não havia outra
possibilidade senão o do incremento exponencial da leitura esotérica, o que incluiu, também,
a leitura da ioga. Os livros de ioga compunham, como foi demonstrado no primeiro capítulo,
uma parcela significativa da produção livreira da Editora Pensamento.
105
/
Mas, afinal, qual era a atividade principal desempenhada pelos associados do Círculo
Esotérico da Comunhão do Pensamento, desde 1909? Foi possível encontrar, em diversos
livros e diversos números da revista O Pensamento, definições sobre o que se propunha
nessas reuniões esotéricas, no texto original, publicado em 1908:
Depreende-se deste excerto, que é uma das primeiras definições da função exata do
C.E.C.P., que o objetivo principal de toda a ação orquestrada por A.O.R. era o de trazer as
pessoas que se dispusessem a fazer parte de sua ordem, para um estado de “comunhão de
pensamento”, literalmente, que seria uma concentração coletiva em uma palavra de ordem,
que seria diferente a cada mês, e que seria realizada em diversos países da Europa e do
continente americano em um determinado horário, por um determinado período de tempo.
Desta maneira, se formaria, conforme o que foi possível saber através das fontes, uma
espécie de corrente magnética mental, que irradiaria de cada um desses centros magnéticos —
e aqui vemos mais uma vez a influência do magnetismo de Hector e Henri Durville — e que
sincronizava, em tese, os praticantes dessa concentração em uma única vibração mental. Uma
vez que a pessoa estivesse em sintonia com esta “corrente magnética”, passaria a receber todo
tipo de benefícios para a saúde corporal, mental e espiritual, superando, assim, as
enfermidades, as “dores morais” e todas as dificuldades da vida.
No prédio da Rua Senador Feijó, nº A-1, apresentado no primeiro capítulo como a
primeira Livraria d’O Pensamento e primeira sede do C.E.C.P., começaram a acontecer as
126
RAMACHANDRA, A. S. 2010, Op Cit, p. 47.
106
/
primeiras reuniões dos Adeptos. Ao mesmo tempo, a revista O Pensamento, com tiragens que
giravam em torno de oito a doze mil exemplares por mês, divulgavam de maneira maciça os
benefícios advindos da comunhão do pensamento e propunham uma fácil filiação, colocando
inclusive uma série de formulários destacáveis para o preenchimento e envio pelos correios,
caso o assinante da revista tivesse interesse em se filiar ao Círculo. Pode-se dizer, de acordo
com o que é observado nas fontes, que a estratégia de criar um público leitor cativo foi
extremamente eficaz.
Figs. 33 e 34 - Reunião lotando o Salão Nobre do C.E.C.P. para discutir assuntos esotéricos, ca. 1925.127
127
RAMACHANDRA, A. S. 2010, p.74.
107
/
diretrizes básicas e o estatuto do Círculo. Neste ritmo, a divulgação foi tão bem sucedida que
já nos primeiros três meses, pode ter contado com mais de mil adesões128. O mesmo se
confirma lendo os exemplares da revista, que trazem listas com os nomes dos novos
associados, listas cada vez maiores. Começa então um movimento que extrapola os limites
geográficos da metrópole do café, e em poucos anos, começam a surgir, por todos os estados
do Brasil, uma série de núcleos secundários do C.E.C.P. que passaram a ser chamados de
Tatwas ou núcleos de magnetização.
Cada um desses Tattwas possuía um núcleo duro, ou seja, um corpo de pessoas
elencadas para organizar e conduzir as sessões de comunhão do pensamento. Pode-se afirmar
que estas pessoas que foram mais centrais no movimento esotérico — e esotérico no sentido
literal, por realizar estudos fechados aos não-adeptos — do Círculo eram o que se chama
nessa dissertação de adeptos, e que, ao serem protagonistas na divulgação e debate dos
estudos propostos pelos livros da Editora Pensamento, dispostos na Bibliotheca Psychica
Paulista, que eram enviados via correspondência, possuíam, em maioria um conhecimento de
caráter avançado, de todo tipo de doutrina esotérica, e o que é o maior interesse desse
trabalho, da ioga. Pode-se afirmar, de acordo com as fontes analisadas, que os livros de ioga
da Editora Pensamento começaram a ser amplamente difundidos e lidos no Brasil, conforme
foram surgindo esses Tattwas.
A própria palavra Tattwa, que muito aparece no livro de Rama Prasad, As Forças
Subtis da Natureza (1915), traduzido e amplamente publicado pela Editora Pensamento desde
meados da segunda década do século XX (Tabela 02), vem da filosofia hindú e é
extremamente relacionada à ioga. Mais especificamente, Tattwa ou Tattva como aparece
grafado em algumas fontes, é um conceito proveniente da escola do Sámkhya, uma espécie de
filosofia que pode ser considerada uma “irmã budista” da ioga129, que se preocupa em traçar
uma “investigação lógica acerca da causalidade e da consciência”, ao contrário da ioga que
“se volta às práticas e experiências da consciência e dos fenômenos”. Pode-se notar, então,
uma clara evidência da importância e da influência das filosofias indianas na própria fundação
e organização das atividades orquestradas pelo Círculo Esotérico da Comunhão do
Pensamento.
128
As únicas referências sobre as adesões ao C.E.C.P. são as de Adilson Silva Ramachandra, porém é impossível
aferir com precisão através de análise em fontes históricas.
129
ZIMMER, H. Philosophy of India. Comentários de Joseph Campbell. Londres: Routledge & Kegan Paul
LTD., 1952
108
/
No início do ano de 1909, conforme afirma Ramachandra, e conforme pode ser
observado nos exemplares analisados, a revista O Pensamento bate a marca de quinze mil
exemplares por mês130. Em 1910 começam a participar de todo esse movimento um grande
número de colaboradores, os chamados Delegados, que eram, inclusive, associados
internacionais, como é o caso do Dr. Michele de Vincenzo-Majulli, da Itália, Dr. Tomás Ríos
González, do Chile, Quintín López Gómez, da Espanha, dentre muitos outros, da Argentina,
de Portugal e de outros países, conforme será visto na tabela 11. Segundo Ramachandra, os
motivos para um sucesso tão notável se dá pelos seguintes motivos:
… Seu sucesso rápido tem, como principais causas: aceitar, sem qualquer tipo de
distinção, todas as pessoas que estejam dispostas a seguir os ideais da Ordem; e
dar-lhes condições de formar, elas mesmas, ‘células’ do C.E.C.P. se assim
desejarem, independente do fato de estarem próximas ou não da sede central da
sociedade mentalista paulistana.
Também se torna de profunda importância o fato de o filiado receber instruções que
pode praticar em qualquer localidade do globo, nas horas indicadas pela sede
central; isso faz com que ele se sinta coligado com todos os outros membros. Seguir
as várias séries do livrinho de instruções à distância e acompanhar, por meio da
revista O Pensamento, as mediações mensais e os artigos de estudos esotéricos e
espiritualistas, aliados às ideias cientificistas da época, fazem o filiado sentir, ao
mesmo tempo, ‘parte e todo’, pois, sem suas meditações, o Círculo não teria a
mesma força. (sic) 131
Outro aspecto importante, além de todo esse modus operandi do C.E.C.P. em angariar
novos filiados, em São Paulo, no Brasil e internacionalmente, e de difundir as obras da
Editora Pensamento, é o que se pode chamar de a “base filosófica”, ou, nas palavras de
Darnton, as “influências intelectuais”, que formam o discurso, o topos, desta ordem esotérica.
Como já foi comentado anteriormente, todas as ideias propaladas pelo Círculo Esotérico e
todos os órgãos associados têm a pretensão de serem as mais ecléticas e cosmopolitas quanto
for possível, e para ilustrar esta diversidade, logo no início e até os dias atuais, foram
elencados três patronos, a saber: Éliphas Lévi, como representante do pensamento ocidental
esotérico, cabalista e judaico-cristão; Prentice Mulford como um representante do pensamento
espiritualista clássico norte americano e, por fim, e o que é mais interessante para esta
dissertação, Swami Vivekananda, um representante do pensamento oriental, sobretudo
hinduísta, muito ligado à ioga.
130
Únicas referências sobre a produção editorial da Pensamento está na obra de Adilson Silva Ramachandra:
RAMACHANDRA, A. S. 2010, Op. Cit. p.17
131
Idem, p. 51.
109
/
Swami Vivekananda foi um iogue e filósofo indiano, que ficou famoso por ser um dos
primeiros representantes da ioga no Ocidente. Nascido em Calcutá em 12 de Janeiro de 1863,
de nome Narendranath Dutta, foi um dos principais místicos indianos do século XX,
considerado por alguns biógrafos como um “subproduto” do domínio imperialista britânico,
uma vez que é descendente de uma família de classe média-alta que trabalhava na Companhia
das Índias Orientais, estrato social que surgiu na Índia devido aos negócios com o Ocidente132.
O fato notável, e de maior pertinência para esta dissertação, é que Vivekananda, como
ficou conhecido para o mundo, estudou desde a infância os preceitos da ioga e acabou por se
tornar, eventualmente, um dos discípulos de Ramakrishna Paramahamsa, grande iogue e
místico indiano do século XX, considerado por muitos de seus seguidores como uma
encarnação do próprio deus Vishnu na Terra. Vivekananda viria a fundar, posteriormente, a
Ordem Ramakrishna, existente até os dias atuais.
Acontece que, em 11 de setembro de 1893 na cidade de Chicago, Swami Vivekananda
se tornaria um líder espiritual consagrado, ao participar do Parliament of World’s Religions,
como um dos primeiros representantes do hinduísmo e da ioga no Ocidente, sendo o único
delegado vindo da Índia, num episódio que ficou conhecido como um divisor de águas no
reconhecimento do hinduísmo como uma religião oficial perante o resto do mundo. Neste
evento, que contou com a participação de diversos outros líderes religiosos e milhares de
ouvintes de todas as partes do mundo, a ioga alcançou um status ainda inédito: passou a ser
uma filosofia, ou sistema filosófico, de grande difusão e visibilidade no Ocidente133.
Voltando ao assunto central deste item da dissertação, o C.E.C.P. tomou como um de
seus grandes patronos e influenciadores intelectuais esse importante líder hinduísta e iogue,
fato que definiria para sempre os rumos a serem tomados pelos Adeptos e Discípulos em seus
estudos esotéricos. Pode-se afirmar que a ioga tornou-se, a partir da fundação do C.E.C.P. em
1909, um dos pilares que sustentaria a produção escrita, e consequentemente a leitura, que era
difundida e efetuada nos salões nobres do Círculo e nas salas de leitura dos Tattwas
espalhados pelo país. Sendo a ioga muito presente nessa cultura letrada, mediada,
principalmente, por A.O.R., pode-se dizer que, a partir de 1910, com a publicação dos
132
RAO, V. K. R. V. Builders of Modern India: Swami Vivekananda - The Prophet of Vedantic Socialism.
Nova Délhi: Ministério da Informação, Governo da Índia, 1979. pp. 7-15.
133
HOWARD. V. Swami Vivekananda on the World Stage of the Parliament of the World’s Religions.
disponível no sítio oficial da Parliament of World’s religions, publicado em 22 e julho e 2018:
https://www.parliamentofreligions.org/articles/swami-vivekananda-world-stage-parliament-world%E2%80%99s
-religions
110
/
primeiros volumes de Yogi Ramacharaka, apresentados no primeiro capítulo, tem início um
ritmo considerável de leitura de livros de ioga, dentro de um público cativo, que é o corpo de
Adeptos e Discípulos do Círculo Esotérico.
Mas, como se deram as práticas de leitura da ioga dentro dos salões da ordem esotérica
de A.O.R? É difícil afirmar com segurança, com o conjunto de fontes históricas que foi
levantado até o momento, como foi exatamente a prática da leitura da ioga, mas é possível
entrever alguns elementos importantes. O primeiro deles é o fato de os livros de ioga serem
publicados em formatos populares, sendo considerados livros de bolso conforme é comentado
no primeiro capítulo, ou seja, não exigiam do leitor uma formação erudita, sendo acessíveis
pelo preço e pela linguagem simples.
O fato de os primeiros livros de ioga serem de bolso, permite supor que a leitura da
ioga podia ser realizada em qualquer lugar, em qualquer horário, inclusive no transporte
público. durante as rotinas diárias de deslocamento de casa para o trabalho, ou durante os
intervalos entre os turnos. A possibilidade de levar os livros de ioga para qualquer lugar é um
elemento interessante, que revela que a prática de leitura da ioga podia ser a mais diversa
possível, executada em casa ou ambientes públicos como cafés, bares, restaurantes. Poderiam
ser lidos em voz alta ou de maneira silenciosa, e principalmente, em momentos de meditação
e recolhimento. Porém, não é possível citar sequer um caso deste para ilustrar.
O que pode ser citado como um ritual interessante da prática da leitura da ioga é que
assim como os outros títulos esotéricos, os livros eram lidos e debatidos em conjunto, nas
salas de leitura disponibilizadas para os associados desde a mais tenra idade do Círculo134. A
leitura em conjunto, envolvendo debates ou não, é quase que inevitável quando o locus
principal se trata de um círculo de sociabilidade livresca, como é o caso da ordem esotérica de
Antônio Olívio Rodrigues, o Editor. É sabido que, dentro dos salões do C.E.C.P. eram
debatidos de fato os textos publicados pela Editora Pensamento e para tal eram
disponibilizados espaços específicos para esta atividade.
134
Vide Figura 36.
111
/
Fig.35 - Sala de Leitura na primeira sede do C.E.C.P. onde eram lidas as obras da Editora Pensamento, c.1909.135
135
RAMACHANDRA, A. S. 2010, Op. Cit. p. 55.
112
/
3.2 - O A
113
/
Org.01 - Hierarquia básica do C.E.C.P., à esquerda e as funções exercidas por seus cargos, à direita.
114
/
ou até mesmo todos, foram os primeiros leitores a fazer parte do circuito do M.E.I. produzido
pela Editora Pensamento, são alguns dos primeiros adeptos de Yogi Ramacharaka e sua obra:
Cidade/Estado/País Delegado
Bari/Itália Dr. Michele de Vincenzo-Majulli
115
/
Braz/Cidade de São Paulo José Padilha Júnior
— Rodrigo Martínez
116
/
É notável ver na Tabela 11, apresentada acima, a presença de Delegados e Tattwas em
diversas localidades do estado além cidade de São Paulo como Jaboticabal, Salles Oliveira,
Itapetininga, Silveiras, Santo Amaro e Franca; em outros estados, do Sul, Sudeste e Nordeste,
como no Rio de Janeiro, que era a capital federal, Bahia, Rio Grande do Sul, Paraná, Minas
Gerais, Sergipe, Santa Catarina, Ceará, Pernambuco, Alagoas, Maranhão e Piauí, o que
mostra a expansão notável, pelo menos em termos geográficos, do C.E.C.P. em seu primeiro
ano de existência no Brasil. É o que se pode chamar de uma rede nacional de leitores de
esoterismo.
Fora do país, ainda, existiam alguns Tattwas, como é o caso dos centros de
magnetização de Bari, Milão e Livorno, na Itália; em Terrassa e Barcelona, na Espanha; em
São Salvador e Valença, em Portugal; em Rosário de Santa Fé, La Plata e Mendoza, na
Argentina; e em Santiago no Chile. Esta rede internacional que começou a ser formada no
início da primeira década do século XX por A.O.R. é um indicativo da potência que as
associações apresentavam no período, além de um sinal claro da expansão do esoterismo no
Ocidente, que angariava cada vez mais Adeptos. É o que se pode chamar de uma rede
internacional de leitores de esoterismo que irradia a partir do Brasil invertendo de forma
inusitada o circuito de circulação de suportes e ideias.
É natural que se entenda que, juntamente com esta expansão do Círculo, eram cada
vez mais divulgados os livros da Editora Pensamento e a revista O Pensamento, e no mesmo
fluxo, os livros de ioga do Yogi Ramacharaka, que passaria a ser um terço do catálogo da
editora até final dos anos 1920, e que teria, cada vez mais, um público leitor próprio.
Resta inquirir: a Editora Pensamento mandava livros em português para o exterior? Os
adeptos que residiam em outros países, da Europa e da América Latina, receberam exemplares
da revista O Pensamento e de livros de ioga? Não é possível responder, dadas as limitações
temporais, mas afirmativa a resposta, pode ser um ponto de partida para um estudo posterior
sobre uma possível “inversão” no sentido das transferências culturais através dos livros, que
ao invés de seguir apenas o aller, faz o movimento de retour, ou “retorno”136. Fica, desta
forma, um aspecto importante a ser estudado posteriormente.
136
ESPAGNE, Michel. Transferências Culturais e História do Livro. (Trad. GUIMARÃES, Valéria dos
Santos.) in "Livro: Revista do Núcleo de Estudos do Livro e da Edição", nº. 2, agosto de 2012, SP: Ateliê
Editorial.
117
/
3.3 - O D
118
/
7 Antonio M. da Silva 44 Giuseppe Fiorito
119
/
37 Fellipe Felix Pereira — —
T12 - Fonte: Revista O Pensamento, final do ano de 1909.
3.4 - O P G
137
Revista O Pensamento, dezembro de 1909.
120
/
para melhor divulgá-los, passou a disponibilizar, desde 1909, uma Bibliotheca Franca, ou
seja, abriu em seu estabelecimento, na Rua Senador Feijó, nº 1-A, uma sala de leitura
destinada aos leitores ordinários, ou seja, àqueles leitores sem vínculo formal aos seus órgãos,
como a revista e o C.E.C.P..
Nesta Bibliotheca Franca achava-se disponível ao público, entre o meio-dia e as
quatro da tarde, um número muito expressivo de revistas e livros esotéricos, sendo mais de
cem exemplares de revistas e mais de dois mil exemplares de livros, de todos os temas que se
relacionasse ao esoterismo, à ioga e a assuntos “psychicos” em geral. É um apontamento que
indica que a leitura dos livros de ioga pode ter se dado em alguma medida entre o público
leitor paulistano comum, servindo, inclusive, de porta de entrada para um maior envolvimento
nas atividades esotéricas do Círculo.
3.5 - R C L
121
/
A resenha, escrita pelo redator de O Arrebol, periódico de Uberaba, mostra um pouco
do que se propunha nos livros de ioga, e afirma que a “Sciência Indú-Yogi da Respiração pelo
Yogi Ramacharaka (...) ensina o leitor como ampliar suas forças physicas e psychicas. E quem
praticar seus ensinamentos forçosamente progredirá intellectual e physicamente.”(sic) e
arrisca inclusive um provérbio em latim para indicar a obra de Ramacharaka” (...) Mens sana
in corpore sano — aconselhamos a leitura delle a todas as pessoas que desejam conseguir
felicidade na vida terrestre”(sic). A seguir:
122
/
Fig.38 - Resenhas de redatores sobre livros de ioga na revista O Pensamento, em 1910.
123
/
seus traços, do ensino theorico da sciência exotérica sobre a respiração, com a indicação dos
meios necessários (...) para equilibrar as funções orgânicas com a aplicação de certos
exercícios physicos.” em Minas Gerais e “É um trabalho consciencioso e bem estudado (...) o
qual trata de modo pratico e theorico porque os orientais adquirem a saúde e o prolongamento
da vida por meio da sciência da respiração” (sic) , em Recife.
Se por um lado o retorno vinha de redatores de revistas que provavelmente receberam
um exemplar de livro de ioga como um brinde ou prêmio por divulgarem a revista O
Pensamento, por outro o retorno vinha de associados, adeptos do C.E.C.P. que se
direcionavam uns aos outros como “irmãos”, sendo cada um tinha seu número dentro da
Ordem.
Na figura abaixo, um irmão de Garanhuns, o “irmão 922”, que manda a A.O.R. um
agradecimento por ter recebido seu diploma de filiado do curso, juntamente com as instruções
do Círculo e um exemplar de A Sciencia Indú-Yogi da Respiração, dizendo “Fiquei
satisfeitíssimo logo que entrei em conhecimento sobre os seus felizes ensinamentos”. Outro
irmão, o “irmão 935” de Uruguaiana, também se diz satisfeito com os ensinamentos do Yogi
Ramacharaka, e após ter recebido seu exemplar, comenta “Dia a Dia sinto melhoras
consideráveis no meu estado de saúde e noto grandes diferenças no meu physico, bem como
no meu estômago pois, já me alimento bem e faço boa digestão”. A seguir:
124
/
Fig.39 - Cartas de leitores, filiados ao C.E.C.P., na revista O Pensamento em 1910.
125
/
Nesta mesma fonte, outro irmão, dessa vez o “irmão 934” da Paraíba, acusando o
recebimento das três séries de lições de Yogi Ramacharaka diz, “Com os ensinamentos das
duas séries de instruções o meu espírito vai acalmando-se duma maneira considerável, e meu
estado de saúde também já melhorou”. Agradece por fim o recebimento da remessa de A
Sciencia Indú-Yogi da Respiração, dizendo que é uma “obra de grande utilidade e que merece
ser estudada com atenção a fim de obter-se bom resultado”.
126
/
Fig.41 - Agradecimento e indicação de redator, na revista O Pensamento, em 1910.
127
/
Fig.42 - Resenha e indicação do redator do Reformador, do RJ, na revista O Pensamento, 1910.
Finaliza-se, desta forma, a análise de alguns dos apontamentos encontrados nas fontes
históricas acerca do ciclo de leitura e recepção dos livros de ioga pelos leitores paulistanos do
período. Embora seja difícil afirmar muitas coisas com nível de certeza, pode-se vislumbrar
que a leitura da ioga, mesmo que não fosse o ramo principal da produção escrita da Editora
Pensamento, surgiu e se consolidou tendo como apoio a revista O Pensamento, a Editora
Pensamento e o Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento, órgãos orquestrados por
A.O.R. e seus associados, que realizavam, dentro do Circuito das Comunicações de Darnton,
quase que todas as etapas, dos ciclos de produção, difusão e recepção que foram analisados ao
longo da dissertação. Espera-se que desta forma, sejam disponibilizados à comunidade
acadêmica alguns apontamentos sobre o M.E.I. em São Paulo, durante a Belle Époque.
128
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C
129
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R B
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-religions
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A
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Fig. 37 - Panfleto com solicitação de Horóscopo, na frente, e catálogo, atrás, 1910.
135
/
Fig. 38 - Panfleto catálogo, 1910.
136
/
Fig. 39 - Relato de Horóscopo bem-sucedido, por Carlos Bruhns.
137
/
Fig.40 - Coluna sobre o encontro teosófico em Chicago, 1902.
138
/
Fig.41 - Edifício Masonic Temple da rua State, sede da Yogi Publication Society.
Fonte: Vista do edifício Masonic Temple da rua State, sede da Yogi Publication Society de Atkinson.
139
/
Fig.42 - Anúncio no Correio Paulistano do catálogo da Livraria d’O Pensamento,1912.
140
/
T
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T14 – Análise Diacrônica dos Livros de Ioga no Mercado Editorial Paulista
(1910 - 1970)
Ano Livro Autor Editora Idioma Acervo
São Paulo: Ed. Catálogo
Sciência Hindu Yogi da Tradução
1910 Ramacharaka Brasil-Psychico Revista
Respiração (do inglês)
-Astrologico Pensamento
Quatorze Lições sobre São Paulo: Ed. Catálogo
Tradução
1910 Philosophia Yogi e occultismo Ramacharaka Brasil-Psychico Revista
(do inglês)
oriental -Astrologico Pensamento
São Paulo: Ed. Catálogo
Hatha Yoga ou Philosophia do Tradução
1910 Ramacharaka Brasil-Psychico Revista
bem-estar físico (do inglês)
-Astrologico Pensamento
São Paulo: Ed. Catálogo
Curso Adeantado de Philosophia Tradução
1912 Ramacharaka Brasil-Psychico Revista
Yogi (do inglês)
-Astrologico Pensamento
Uma série de liccoes sobre Raja São Paulo: Tradução
1913 Ramacharaka PUC-SP
Yoga ou desenvolvimento mental Pensamento (do inglês)
Ata-yoga, o, l'arte per star bene:
com numerosi esercizi / Del
yoghi Ramaciaraca e dappendice Torino: Fratelli
1914 Ramacharaka Italiano BN
; traduzione dallo spagnolo e Bocca Editori
dall'inglese dell'avv. prof. G. B.
Penne e del cav. Edoardo Bechi.
Ata-Yoga: ou a Arte de viver
Lisboa: A.M. Tradução
1915 com saúde: com variados e Ramacharaka PUC-SP
Teixeira (do inglês)
numerosos exercícios
Série de licções sobre São Paulo: Tradução
1916 Ramacharaka BN
gnani yoga "a yoga de sabedoria" Pensamento (do inglês)
Courmes, D. Paris: Famille
1924 Traite de raja yoga Francês DEDALUS
A. Theosophique
Hatha yoga, ou, Philosophia yogi
São Paulo: Tradução
1932 do bem-estar physico : contendo Ramacharaka BN
Pensamento (do inglês)
numerosos exercícios
Le hatha yoga : ou, L'art de vivre Paris: Éd. J.
1936 Guyot, Félix Francês BN
selou l'inde mystperieuse Tallandier
Yoga ao alcance de todos : como Dunne, São Paulo: Tradução
1960 BN
ter vida longa e feliz Desmond Pensamento (do inglês)
Miranda, Rio de Janeiro:
1960 Libertação pelo yoga Brasileiro DEDALUS
Caio S.N.
A ciencia da cura psiquica : um São Paulo: Tradução
1962 Ramacharaka BN
suplemento a "Hata yoga" Pensamento (do inglês)
Rio de Janeiro:
1962 Autoperfeição com hatha yoga Hermógenes Record Nova Brasileiro BN
Era
Hatha yoga, ou, Filosofia yogi do São Paulo: Tradução
1962 Ramacharaka BN
bem-estar físico Pensamento (do inglês)
Miranda, Rio de Janeiro:
1963 A libertação pelo yoga Brasileiro BN
Caio Freitas Bastos
Autoperfeição com Rio de Janeiro:
1963 Hermógenes Brasileiro BN
hatha yoga, 3ª Edição Freitas Bastos
São Paulo : Ed.
Raja yoga : uma serie de licoes Tradução
1965 Ramacharaka Brasil-Psychico BN
sobre o desenvolvimento mental (do inglês)
-Astrologico
142
/
Rio de Janeiro:
1968 Yoga para nervosos Hermógenes Italiano BN
Record
Hatha yoga, ou, Filosofia yogi do São Paulo: Tradução
1969 Ramacharaka BN
bem-estar físico Pensamento (do inglês)
Tradução
1969 Prontuário de Svasthya Yoga DeRose São Paulo: (do BN
francês)
Tradução
Dias de grande paz : vivência da Sadhu, São Paulo:
1970 (do BN
mais alta yoga Mouni Pensamento
polaco)
T14 - Fonte: Levantamento dos principais acervos bibliográficos do Brasil e no corpus desta pesquisa.138
138
Levantamento realizado no acervo DEDALUS – USP, catálogo ATHENA – UNESP, o acervo da Biblioteca
Nacional no Rio de Janeiro, o catálogo do sistema municipal de bibliotecas de São Paulo e os acervos da PUC –
SP e PUC – RIO, além dos catálogos presentes em anúncios de jornais e nos próprios livros de ioga que
compõem o corpus primário desta pesquisa.
143
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Syndicat de la Presse Psychologie Experimentale 0.30 fr.
spiritualiste de France
Le Voile d’Isis - Librarie Générale des Sciences Occultes - Bibliothèque Chacornac - Janeiro de 1909
144
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Dr. J. V. Philalethe Le christ Universel 0.00 fr.
T15 - Fonte: Catálogos presentes nos periódicos assinados por Antônio o. Rodrigues, no início do século XX.
145
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T16 - Mediação Direta de Revistas Estrangeiras pela revista O Pensamento
(1907-1908)
146