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Representações de adolescentes femininas sobre os

critérios de seleção utilizados para a participação


em aulas mistas de educação física1

Cátia Pereira Duarte*


Ludmila Mourão* *

Resumo: O presente estudo observa que as oportunida-


des desiguais no cotidiano da educação física escolar apon-
tam para corporeidades generificadas que se referenciam
na excelência da habilidade técnica dos movimentos, nor-
malmente conseguida pelos meninos. Dessa forma, torna-
se relevante investigar as representações de escolares do
4º Ciclo sobre os critérios de seleção utilizados para sua
participação em aulas mistas. Através de uma perspectiva
etnográfica, analisamos o discurso de doze adolescentes
e observamos oitenta aulas em quatro Escolas Públicas Mu-
nicipais do Rio de Janeiro. Verificamos que os critérios de
seleção são definidos pela habilidade e técnica dos gestos
esportivos e que os professores utilizam como referência
desses gestos o padrão da habilidade masculina. Como
as meninas, na sua maioria, não alcançam este perfil téc-
nico, elas se mantêm excluídas das aulas mistas, mesmo
quando o professor tem a preocupação de criar oportuni-
dades iguais de participação.
Palavras-chave: Adolescente. Identidade de Gênero. Edu-
cação Física. Educação primária e secundária.

1 INTRODUÇÃO

Embora a temática de gênero seja considerada recente nos


debates da Educação Física, a discussão vem crescendo entre os

1
Este artigo corresponde a uma parte da Dissertação de Mestrado intitulada O discurso de
escolares adolescentes femininas sobre os critérios de seleção utilizados para participação
em aulas mistas de educação física, defendida no Programa de Pós-Graduação em educação
física e Cultura da Universidade Gama Filho, orientada por Ludmila Mourão.
* Professora do Colégio de Aplicação João XXIII, com Mestrado em Educação Física e Cultura
pela Universidade Gama Filho. E-mail: catiapduarte@ig.com.br
** Professora do Curso de Graduação e Pós-graduação Stricto-Sensu da Universidade Gama
Filho. E-mail: ludmila.mourão@terra.com.br
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estudiosos. Uma das inspirações das novas pesquisas na área tem


sido verificar até que ponto há superação do modelo tradicional de
educar o corpo em movimento, com separação de sexo. Desta for-
ma, um dos desafios que se coloca é investigar as práticas pedagó-
gicas da Educação Física escolar, na tentativa de compreender as
formas de permanência e/ou superação do paradigma biológico,
que durante décadas separou os corpos de meninos e meninas nas
aulas, de acordo com as características próprias da natureza de cada
sexo. Este referencial foi legitimado pelo discurso científico da área
e parece ainda estar fortemente marcado nas práticas da Educação
Física escolar.
Percebemos que, para construir um perfil de sucesso na edu-
cação física escolar, é preciso que alunos2 executem e treinem a
técnica dos movimentos, repetindo exercícios e realizando disputas
e enfrentamentos. Talvez esta seja uma das razões para que muitas
meninas acreditem que seu corpo, considerado mais frágil e menos
apto que o dos meninos, não esteja preparado para a prática desta
disciplina, sobretudo quando seu conteúdo é esporte. Entretanto,
estamos cientes de que as diferenças de habilidades entre os sexos
não significam desigualdade de condições para a construção das
corporeidades entre alunos.
Na década de 1990, Saraiva (2005) apontava para a necessi-
dade de superação das condições estereotipadas relacionadas às
diferenças entre os sexos nas aulas mistas de educação física,
criticando o espaço restrito ocupado pelas meninas durante as aulas.
Para a autora, quando meninos ocupam espaços privilegiados nas
aulas de Educação física e têm maior atenção técnica dos professores
do que as meninas, não se criam aulas co-educativas, apenas mistas.
A autora explica que “[...] co-educação são aulas conjuntas, onde a
conformação de grupos heterogênea por sexo não seria prestigiada”
(SARAIVA, 2005, p.175).
Pensando nas relações sociais ainda desiguais entre homens e
mulheres e identificando a extensão destas na escola, faz sentido

2
Os termos alunos, professores e adolescentes são utilizados na acepção genérica.

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indagar acerca do que pensam as meninas do 4º ciclo do Ensino


Fundamental sobre os critérios de seleção utilizados para suas
participações nas aulas mistas de educação física. Desdobrando
esta questão, interessa-nos também verificar como elas percebem
as diferenças físicas e de habilidades nas suas relações com os
meninos nas aulas de Educação física. Elas vêm se sentindo excluí-
das e/ou desestimuladas nas aulas, na medida em que percebem
que as oportunidades são iguais, mas que a exigência para a
participação delas tem como referência a excelência na habilidade
técnica dos movimentos?
Compreender as percepções reveladas nos discursos das alu-
nas do 4º ciclo do ensino fundamental sobre os critérios de seleção
utilizados para suas participações nas aulas mistas de Educação
física é a finalidade da pesquisa.
A resposta científica às questões apresentadas indicará o que
pensam as adolescentes sobre os critérios de seleção utilizados para
sua participação nas aulas mistas de Educação Física, e estas
percepções permitirão aos professores de educação física verificar
como a categoria gênero pode ser útil para ampliar as discussões
sobre os comportamentos de intervenção dos profissionais e das
formas de participação dos alunos nas aulas mistas de educação
física. Acreditamos também que o estudo levantará algumas pistas
sobre as relações de gênero na escola e na formação das corporei-
dades dos jovens, lugar também de inscrição e expressão, já que,
cada vez mais, os jovens comunicam-se, identificam-se e diferen-
ciam-se através de seus corpos. Caminhamos no sentido de con-
tribuir para a construção de uma reflexão, que ainda é escassa, e
que interpela professores e alunos sobre a problemática das relações
de poder na corporeidade dos jovens em sua formação escolar.
Estas são questões que permanecem ainda pouco exploradas no
âmbito interventivo na escola e que, cada vez mais, fazem parte da
vida de meninos e meninas desta geração.
A pesquisa viabiliza, mesmo que de forma indireta, a possi-
bilidade de observar como o professor de educação física vem se
envolvendo com o tema da pluralidade cultural e questões de gênero
no âmbito escolar.
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2 CARACTERÍSTICAS METODOLÓGICAS DO ESTUDO

Considerando que nossa intenção foi investigar as percepções


das escolares que freqüentavam o 4º ciclo do Ensino Fundamental
sobre os critérios de seleção utilizados para suas participações nas
aulas mistas de educação física, os procedimentos selecionados para
a pesquisa seguiram a abordagem qualitativa. Esta abordagem, se-
gundo Richardson (1989, p.38), “[...] além de ser uma opção do
investigador, justifica-se, sobretudo, por ser uma forma adequada
para entender a natureza de um fenômeno social”.
Corroborando com os pressupostos citados, utilizamos alguns
elementos da etnografia, na medida em que permanecemos nas
escolas durante um semestre letivo, reunindo em diário de campo
uma média de oitenta observações de aulas mistas de educação
física, em quatro escolas Municipais no Rio de Janeiro, procurando
pistas para compreender a cultura escolar nas mesmas, a partir do
olhar das meninas.
De acordo com Geertz (1989, p. 15), “[...] praticar etnografia
é estabelecer relações, selecionar informantes, transcrever textos,
levantar genealogias, mapear campos, manter um diário [...]”. Há
quatro características da descrição etnográfica para realizar o traba-
lho de forma qualitativa: ele tem que ser interpretativo; o que
interpreta será o fluxo do discurso social; a interpretação envolvida
consistirá em tentar salvar o “dito” num tal discurso da sua possi-
bilidade de extinguir-se e fixá-lo em formas pesquisáveis; além de
ser microscópico.
O processo de investigação utilizou a entrevista do tipo semi-
estruturada como principal instrumento de coleta de dados. Após
acompanhar por dois meses as aulas de educação física nas escolas
escolhidas, as informantes foram entrevistadas em espaços tran-
qüilos perto das salas de aula e longe das quadras.
Acreditamos que a técnica da entrevista semi-estruturada seja
um dos tipos de entrevista válidos para captar os sentidos contidos
nas falas dos informantes, devido à possibilidade de se obter maior
interação entre o entrevistador e o entrevistado, como afirmam
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Lüdke e André (1986). Com esse tipo de instrumento, o pesquisador


precisa estar atento não apenas ao roteiro pré-estabelecido e às
respostas verbais que vai obtendo ao longo da interação, como
também deve procurar focalizar os sinais não-verbais.3
Para Orlandi (2000), a análise do discurso da linguagem não
é transparente, ela tem um texto, e através do conhecimento simbó-
lico desse texto é que se concebem as relações de sujeitos e de
sentidos, bem como os efeitos dessa discursividade. As palavras
não significam por si, mas pelas pessoas que as falam ou pela
posição que ocupam os que as falam, numa construção de sentidos
que não estaciona na interpretação, mas trabalha com seus limites
e mecanismos, como parte do processo de significação. Os dizeres
não são apenas mensagens a serem decodificadas, são efeitos de
sentidos que são produzidos em condições determinadas e que estão,
de alguma forma, presentes no modo como se diz. Como nossa
sociedade é constituída por relações hierarquizadas, são relações
de força sustentadas no poder desses diferentes lugares que se fa-
zem valer. Logo, não são os sujeitos físicos nem seus lugares sociais
que funcionam no discurso, mas suas imagens, que resultam das
projeções. A autora lembra:
Na análise do discurso não menosprezamos a força
que a imagem tem na constituição do dizer. O
imaginário faz necessariamente parte do funcio-
namento da linguagem. Ele é eficaz. Ela não brota
do nada: assenta-se no modo como as relações
sociais se inscrevem na história e são regidas, em
uma sociedade como a nossa, por relações de
poder (ORLANDI, 2000, p.42).

3 ADOLESCÊNCIA NA ESCOLA: CONSTRUINDO


IDENTIDADES E REALÇANDO DIFERENÇAS

Na adolescência, as transformações físicas e hormonais estão


em processo, as principais mudanças corporais (aparecimento dos

3
Para a transcrição dos discursos utilizamos os seguintes sinais: // para interrupção; (...)
quando a informante estava pensando;... para os gaguejos; (falas dentro do parêntese) são
as interpretações não explícitas do texto das informantes.

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pêlos pubianos, mudança no timbre de voz, crescimento da barba


ou dos seios), que geram conflitos quando começam a se manifes-
tar, estão se consolidando. Nas aulas de educação física, o corpo de
meninas e meninos está em evidência, construindo identidades e
realçando diferenças.
Entre as transformações, afirmações e conflitos que vivem os
jovens adolescentes, podemos citar as crises de identidade sexual e
de gênero. Nesse processo de construção de identidade, a influência
da família, da escola, da religião e dos amigos, através de com-
portamentos singulares e/ou compartilhados, liberam e restringem
as vivências do adolescente.
Considerando a compreensão de gênero de Scott (1995, p. 86)
como um “[...] elemento constitutivo das relações sociais fundadas
sobre as diferenças percebidas entre os sexos, e o primeiro modo
de dar significado às relações de poder [...]”, percebe-se que gênero
é uma categoria social e histórica compreendida de formas diferentes
pelas diferentes culturas.
Ao nascerem, os sujeitos já trazem determinadas características
biofisiológicas que os predispõem a viver como homens e mulheres,
porém, há todo um conjunto de outros determinantes – sociais,
psicológicos, culturais – que podem conduzi-los a se construírem em
oposição ou consonância com as características biológicas. A esse
propósito, Louro (2001) lembra o equívoco de se conceder o par dife-
rença-igualdade como um dilema, citando Joan Scott4 (1988, p.46):
Lembra que a luta primeira se centrava na reivindi-
cação da igualdade entre as mulheres e os homens
(igualdade social, política, econômica). Avan-
çando em suas teorizações, o feminismo vai
responder à “acusação” da diferença transfor-
mando-a numa afirmação, ou seja, não apenas
reconhecendo mas procurando valorizar, positiva-
mente, a diferença entre mulheres e homens.
Críticos do movimento vão, então, colocar essas

4
Tradução do artigo de Joan Scott intitulado Gênero: Uma categoria útil para análise histórica
para o português, realizada por Christine Rufino Dabat e Maria Betânia Ávila. Recife: SOS
Corpo, 1991.

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duas proposições – igualdade ou diferença – como


alternativas inconciliáveis. Afinal, dizem eles, o
que querem as mulheres, o que buscam afirmar: a
igualdade ou a diferença? Scott observa que esse
desafio representa uma armadilha, é uma “falsa
dicotomia”, já que igualdade é um conceito
político que supõe a diferença. [...] Na verdade,
reivindica-se que sujeitos diferentes sejam
considerados não como idênticos, mas como
equivalentes.

É necessário demonstrar que não são propriamente as caracte-


rísticas sexuais, mas as formas como essas características são
representadas ou valorizadas, aquilo que se diz ou se pensa sobre
elas que vai constituir, efetivamente, o que é feminino ou masculino
em uma sociedade em um dado momento histórico.
Tentando se afirmar nesta construção de identidade de gênero,
os adolescentes adotam linguagens verbais e/ou gestuais que os
mantenham em um grupo social diferenciado. Porém, tais lingua-
gens criam novos códigos (de expressões, de olhares, de palavras)
que, muitas vezes, não têm pretensão masculina nem feminina, mas
determinam várias formas de ser menino ou menina.
Nessa linha, muitas jovens visibilizam em seus corpos sinais
de singularidades e de individualidade, como prováveis reações ao
anonimato e à homogeneização. Segundo Meyer e Soares (2004,
p.22), o corpo feito cenário, mapa, território de protestos e de afir-
mação de identidades, “[...] vem praticando, demonstrados em seus
variados modos de transitar e fazer-se notar, nos espaços escolares:
tatuagens, piercings, novos estilos de cortes e pinturas de cabelos,
brincos, maquiagens, enfeites, pulseiras, roupas rasgadas [...]”. As
roupas, os acessórios (bonés, bolsas, óculos, entre outros), as ações
sobre o corpo (regimes alimentares) são definidoras de identidades.
Entretanto, podemos perguntar até que ponto estes mecanismos não
são novos códigos de disciplina e de controle sobre os corpos.
Mesmo considerando a multiplicidade de transformações que
acontecem, diariamente, em todos os níveis e em todos os lugares,
observamos que a escola organiza seu cotidiano com práticas e
propósitos de fixar e modelar os corpos desde a infância. Com
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isto, o protagonismo juvenil se mantém mais reagindo aos proce-


dimentos “normalizadores” do sistema escolar do que transfor-
mando seus cotidianos.
A aula de educação física parece reproduzir este compor-
tamento normalizador da escola quando favorece um trabalho com
as corporeidades dos adolescentes, que ressalta nos pátios e nas
quadras a competição, o rendimento, a auto-exclusão dos menos
aptos, dos fracos e das frágeis (as mulheres).

4 C ONTEXTUALIZANDO E ANALISANDO OS DISCURSOS


DAS ADOLESCENTES

Após aceitação do projeto de pesquisa pela Secretaria Muni-


cipal de Educação do Rio de Janeiro, e uma vez autorizado o estu-
do, partimos para a seleção das escolas. Dentre as Coordenadorias
Regionais de Educação (CRE) sugeridas pela própria Secretaria
Municipal de Educação, optou-se pela 5ª CRE intencionalmente,
por esta se localizar no entorno da Universidade Gama Filho, possi-
bilitando o retorno da pesquisa para a comunidade que cerca a insti-
tuição promotora do trabalho. Dentre as 109 escolas situadas nessa
região, seis escolas foram escolhidas por sorteio para participar da
pesquisa: Escola Municipal França, Quintino Bocaiúva, Oswaldo
Teixeira, Cardeal Arco Verde, Ministro Edgard Romero e Profes-
sor Manoel Maurício.
Feito um levantamento da organização e do funcionamento
das escolas, descobrimos que duas dessas não poderiam fazer parte
da pesquisa: a Escola Municipal Cardeal Arco Verde, por não realizar
aulas mistas, e a Escola Municipal Professor Manoel Maurício, por
não ter turma do 4º ciclo. Assim, confirmamos junto à 5ª CRE que
efetivaríamos o estudo nas quatro escolas restantes.
No decorrer das aulas, observando a forma de interação das
alunas nas atividades e nos jogos e conversando informalmente
com elas e com as professoras, construímos os perfis das meninas
que viriam a ser entrevistadas na pesquisa: Perfil A – menina que
fazia as aulas e gostava de praticar as atividades; Perfil B – menina
que fazia as aulas, mas variava comportamentos de indiferença e
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de esforço frente às atividades e Perfil C – menina que não partici-


pava das aulas e demonstrava insatisfação durante as aulas de
educação física. Nas aulas subseqüentes, definimos as informantes
de forma intencional, ficando com três alunas em cada uma das
quatro escolas (uma de cada perfil), totalizando 12 meninas que
freqüentavam turmas do 4º ciclo das escolas observadas.
Diante das observações das aulas e dos diálogos com as
informantes, realizamos uma análise dos discursos sobre o que estas
meninas pensavam sobre as aulas de educação física, como esta
disciplina poderia funcionar no âmbito escolar, como acreditavam
que os colegas as percebiam, quais eram os critérios utilizados para
seleção dos times, e, por último, quais eram as oportunidades de
participação de meninos e meninas nas aulas de educação física.
Analisando o discurso das meninas sobre a percepção da
educação física escolar, encontramos as meninas do Perfil A privi-
legiando a disciplina como aquela que poderá vir a contribuir para
que elas sejam atletas no futuro e, dessa forma, representam a
disciplina como espaço de liberação de energia, a “educação física
é boa, a gente fica sabendo vários esportes” e “a gente pode ser
atleta no futuro” além de “relaxar o corpo”. Verificamos uma forte
diferença entre o discurso destas alunas consideradas mais hábeis
em relação ao das outras, que mostram um desestímulo frente às
aulas de educação física e às atividades desportivas. Entretanto,
segundo Louro (2003, p.42), a opção que têm os educadores diante
de um cenário de incertezas é “[...] assumir os riscos e a preca-
riedade, admitir os paradoxos, as dúvidas, as contradições e, sem
pretender lhes dar uma solução definitiva, ensaiar, em vez disso,
respostas provisórias, múltiplas, localizadas”. Desta forma, o profes-
sor deve, entre as mais estimuladas e as menos aptas, procurar
estimular ambas e propor desafios que alterem e desequilibrem ambos
os grupos no sentido de otimizar as práticas corporais nas aulas.
As meninas do Perfil B, que participam ocasionalmente das
aulas, também não esquecem da funcionalidade da disciplina, porém
percebem que certas exigências motoras lhes causam constran-
gimentos. Quando revelam que gostam das aulas “eu gosto, mas eu
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tenho vergonha de fazer isso”, elas entendem a aula de educação


física como um espaço de exposição dos seus corpos, tanto na
perspectiva estética quanto da performance motora. Desta forma,
elas vivem um conflito entre a realização das atividades e a
frustração nas mesmas, pois se preocupam com o fato de não reali-
zarem o gesto esportivo ou o movimento exigido segundo a habi-
lidade esperada pelos colegas e, muitas vezes, por suas professoras.
Nesse discurso, as diferenças de gênero estão sobre a mesa de
discussão, e assim esperamos que elas se tornem foco das reflexões
do professor de educação física.
Segundo Louro (2003, p.44), uma noção singular de gênero e
sexualidade vem sustentando currículos e práticas em nossas escolas,
e é consenso que:
[...] a instituição escolar tem obrigação de nortear
suas ações por um padrão: haveria apenas um
modo adequado, legítimo, normal, de mascu-
linidade e de feminilidade e uma única forma sadia
e normal de sexualidade, a heterossexualidade;
afastar-se deste padrão significa buscar o desvio.

Sob esta égide, apenas um grupo minoritário de meninas


adolescentes aparece como dominante na área do esporte na escola,
as demais não se desviam do padrão escolar, participam de
atividades suaves, sem contato e leves, mantendo seus corpos dóceis
segundo a análise de Foucault (1997).
As alunas do Perfil C revelam pouco envolvimento com as
aulas, por isso não entendem a funcionalidade da disciplina a não
ser como um espaço de exposição de suas fraquezas e inseguranças.
Elas anunciam em suas falas que os outros não lhes passavam a
bola, que não eram selecionadas para jogar e que não gostavam
do que vinha sendo feito nas aulas. No discurso dessas alunas,
percebemos que na prática, se mantém o lugar especial e proble-
mático das identidades “marcadas”. As diferenças de gênero que
são atribuídas às mulheres, sem dúvida, se expressam materialmente
em seus corpos, e na concretude de suas vidas, ao mesmo tempo
em que são significadas e marcadas discursivamente.

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Quando questionadas sobre como gostariam que as aulas de


educação física acontecessem, as meninas do Perfil A valorizaram
os esportes como os conteúdos centrais da matéria, manifestando
que os mesmos poderiam ser mais bem trabalhados, com ênfase no
ensino das técnicas, muito próximo do desejo dos meninos. A fala
destas meninas caracteriza a cultura hegemônica do esporte na
escola, bem como sua reprodução, embora anunciem também a
fragilidade no ensino dos esportes pelos professores.
Já as meninas do Perfil B percebem que os esportes não de-
vem ser os únicos conteúdos da matéria: “a aula poderia ser mais
variada em relação aos conteúdos”. Essas criticam a desportivização
exacerbada nas aulas de educação física, e reivindicam o ensino de
outros conteúdos; indicando que muitas meninas podem estar se
excluindo da participação nas aulas mistas, por vivenciarem o
esporte com ênfase nas suas técnicas.
As meninas do Perfil C estão na linha reivindicatória das
meninas do perfil anterior. Criticam os colegas dizendo que: “todos
tinham que pegar na bola”, indicando que o exagero da cobrança
técnica prejudica os menos habilidosos. Observamos que as dife-
renças, traduzidas em falta de habilidade, terminam por gerar
comportamentos de auto-exclusão dessas meninas.
Contudo, quando questionadas sobre o que achavam que os
meninos pensavam sobre elas, as meninas do Perfil A relataram
que quando jogam bem os meninos reconhecem: “[...] pelo menos
no futebol, eles falaram que eu jogo bem”. Porém não percebem
que tais palavras mostram o sexo como definidor da competência
para o jogo, que segundo Goffman (1982) é uma forma escamo-
teada de simular os preconceitos.
As meninas do Perfil B não se sentiam percebidas, não tinham
idéia sobre o que os meninos poderiam pensar sobre elas, e comen-
taram: “os meninos não falam nada”; “não sei”. Mas as meninas do
Perfil C assumiram suas invisibilidades nas aulas, quando afir-
maram: “[...] eles nem me observam”, “não fico no meio”, “fico mais
no meu canto”. Abreu (1990) frisa que é preciso definir o perfil dos

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alunos e das alunas que pretendemos educar, para, então, adotar uma
postura pedagógica. Desta forma, os professores deveriam apro-
veitar essas situações para trabalhar as diferenças de gênero e
diferenças entre os perfis de cada aluno.
No item em que as meninas foram estimuladas a nos dizer o
que as outras pensavam sobre elas, encontramos os três perfis sendo
criticados, sem nenhuma simulação. As meninas do Perfil A se
queixaram de que as colegas se incomodam com o fato de elas
jogarem bem e nos diziam isso da seguinte forma: “[...] elas falam
que eu jogo muito”; “elas não vão com a minha cara”, nos remetendo
a um sentimento de desprezo daquelas que têm menos habilidade
em relação àquelas que têm mais habilidade e que mais participam
das aulas de educação física. As meninas do Perfil B comentaram
que as colegas, “falam, brigam, implicam, se tocar nelas [...]” e
as do Perfil C, mesmo participando ocasionalmente das aulas,
comentaram: “[...] elas – as meninas da aula, que jogam sempre e
têm habilidade – estão sempre mais enturmadas”, e ainda frisaram
que sobre elas, as outras dizem – elas não jogam nada; “elas zoam
tanto quanto os meninos quando a gente erra”.
Entendendo o corpo como um constructo cultural, compreen-
dendo-o situado no tempo em que vive, captamos nestas falas as
expressões do corpo hábil nas aulas de educação física, sendo
percebido como produtivo e produto de gestos econômicos e
eficientes, atravessado por diferentes marcadores sociais, sobretudo
os de habilidade motora e gênero, quem sabe jogar tem mais
facilidade de se enturmar – fazer amigos –, construindo um grupo
social mais amplo e menos marcado pela categoria gênero na escola.
Entretanto, aquelas que não têm este domínio sofrem de bullying ,5
pelos meninos e meninas hábeis, que demonstram boa destreza
corporal nos jogos, como afirma a adolescente do perfil C quando
diz: “elas zoam tanto quanto os meninos [...]”.
Acerca dos critérios de seleção mais utilizados por elas na
hora de escolher os times nas aulas, as informantes do Perfil A, B e

5
Estamos entendendo bullying, de acordo com Fante (2005), como um comportamento cruel,
intrínseco nas relações interpessoais, em que os mais fortes convertem os mais frágeis em
objetos de diversão e prazer, através de brincadeiras que disfarçam o propósito de maltratar
e intimidar.
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Representações de adolescentes femininas... 49

C afirmaram que preferiam as meninas que sabiam jogar – “pego


as garotas que sabem jogar melhor” – e em seguida escolhiam as
menos habilidosas, porém mais amigas. Um fato que chamou a
atenção foi o relato de que as seleções são feitas seguindo o exemplo
das professoras, que sempre escolhiam o time, começando pelas
meninas mais “habilidosas”. Os dados confirmam Lenskyj, (1986,
p.132), quando ela aponta que:
A habilidade esportiva dificilmente se compatibi-
liza com a subordinação feminina tradicional da
sociedade patriarcal; de fato, o esporte oferecia a
possibilidade de tornar igualitárias as relações
entre os sexos. O esporte, ao minimizar as dife-
renças socialmente construídas entre os sexos,
revelava o caráter tênue das bases biológicas de
tais diferenças; portanto, constituía uma ameaça
séria ao mito da fragilidade feminina.

Quanto às oportunidades de participação dos alunos nas aulas


de educação física, as informantes do Perfil A, B e C declararam
que todos tinham as mesmas oportunidades, destacando que “não
jogam junto – com os meninos – porque a professora tá separando”.
Quando a professora valoriza as meninas mais “habilidosas” no
esporte, discriminando a partir das diferenças de habilidade motora,
ela desconsidera outras formas de manifestações da corporeidade
das alunas nas aulas, criando barreiras entre as meninas e consi-
derando as diferenças entre elas como negativas. Observa-se que
as meninas que menos participam permanecem mais presas às
ambigüidades e ambivalências sobre a prática do esporte e a
feminilidade que imperam na sociedade brasileira atual. Vemos
por exemplo que hoje, embora não existam mais barreiras legais à
participação das mulheres em determinados esportes, o sex-typing
dos esportes é prática corrente, e alguns são representados como
mais ‘masculinos’ ou mais ‘femininos’ (...), Adelman (2003). Dentro
desta lógica, são produzidos os discursos das alunas menos ha-
bilidosas. Percebemos que meninos e meninas, exercitando-se jun-
tos nas aulas mistas de educação física, experimentam dificuldades
em realizar atividades de forma mista, que ao longo da história se
constituíram como mais adequadas à corporeidade feminina ou à
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50 Artigos Originais Cátia Pereira Duarte e Ludmila Mourão

corporeidade masculina. Algumas informantes até comentaram que


eles eram brutos mesmo, “eles têm uma força incrível”. No entanto,
algumas meninas comentaram que poderiam melhorar seu
rendimento se treinassem juntos nas aulas (talvez quisessem falar
de aulas co-educativas, já que as mistas não vinham garantindo tal
espaço). Trazendo para a cena as palavras de Bourdieu (1999, p.5),
verificamos que a educação física escolar organiza as suas práticas
a partir de estratégias sexuadas:
[...] as estratégias e práticas determinam a cons-
trução social dos corpos e fazem deles uma
realidade sexuada, depositária dos princípios de
visão e de divisão sexualizantes, [...] que têm o
masculino como medida de todas as coisas e a
própria ordem social como imensa máquina sim-
bólica, que ratifica a dominação masculina [...],
na estruturação do espaço, do tempo e do corpo.

Quando interrogadas sobre a possibilidade das atividades e


dos critérios de seleção das suas aulas respeitarem um ou outro
sexo, ou até mesmo os dois, as meninas não deixaram de registrar
que os critérios agradavam o sexo que detivesse as habilidades
exigidas pelo sistema. As informantes do Perfil A relataram que as
aulas agradavam mais os meninos porque as atividades trabalhadas
apareciam na rotina dos mesmos: “qualquer coisa eles fazem”;
“agrada mais os meninos, porque eles jogam melhor, e as garotas
não jogam bem”. Outra informante relatou que agradava aos dois
sexos de igual forma, se a menina não aprendia é porque não se
esforçava suficientemente: “às vezes, também, depende das pes-
soas”. Outra aluna comentou ainda que as aulas agradavam os dois
sexos, simplesmente “porque os dois gostavam de participar”, sem
falar das diferentes formas de participação, já que algumas práticas
eram mais valorizadas do que outras.
As meninas do Perfil B relataram os mesmos sentidos com
exemplos diferentes. Duas comentaram que as aulas agradavam os
ativos: “eu acho que agrada mais os meninos, algumas meninas,
nem todas, às vezes elas (as meninas) vêm pra aula, pra ficar sen-
tadas”. Outra informante comentou que a aula agradava aos “dois
, Porto Alegre, v.13, n. 01, p.37-56, janeiro/abril de 2007.
Representações de adolescentes femininas... 51

sexos, se fossem todos juntos, [...] porque eles são melhor do que a
gente, acho que eles tinham que maneirar um pouquinho”, ou seja,
mesmo agradando a todos, seria melhor que meninos e meninas
estivessem juntos para aprender com as diferenças.
As meninas do Perfil C ousaram nas opiniões, com palavras
que demonstraram sentimento de frustração em relação às possi-
bilidades de participação, ou seja, não importa o sexo que se
beneficie, elas não seriam privilegiadas. Duas achavam que os dois
sexos eram agradados e respeitados do mesmo jeito, sem demons-
trar muito interesse em dialogar sobre o assunto: “acho que os dois;
os dois, né?”. Uma menina disse que a aula agradava “os dois, não
tem essa de ficar separando um do outro”, revelando que ainda
podia melhorar se meninos e meninas ficassem juntos. Com isso,
melhorariam a convivência, permitindo maior conhecimento e
compreensão sobre as atitudes do outro. Uma terceira informante
frisou: “respeita mais os meninos”, porque “eles jogam melhor”.
Para essas alunas, as professoras incentivam mais os meninos do
que as meninas durante as atividades.
A maioria das meninas reconhecia que, se tivesse mais tem-
po para treinar e mais alternativas de participação, sem valorização
de alguns conteúdos sobre outros, sem a cobrança exacerbada das
habilidades técnicas, a aula seria mais motivante. Para elas, a opor-
tunidade estava lançada, mas como aprender a jogar se o tempo
dividido da aula era tão exíguo? Como ser reconhecida pelos cole-
gas se eles não intercambiavam informações com as meninas? Como
gostar de uma aula que valoriza a técnica, a partir de um padrão
culturalmente definido pelos meninos?

5 C ONSIDERAÇÕES FINAIS

Inicialmente, faz-se necessário apontar que, mesmo constan-


do para a Secretaria Municipal de Educação que as aulas de educa-
ção física nas escolas eram co-educativas (meninos e meninas in-
tegrados em aulas mistas), na pesquisa de campo, verificamos que,
na prática cotidiana das escolas, os professores burlam esta deter-
minação e ora separam os meninos das meninas, ora põem todos
juntos, dependendo das conveniências dos professores.
, Porto Alegre, v.13, n. 01, p.37-56, janeiro/abril de 2007.
52 Artigos Originais Cátia Pereira Duarte e Ludmila Mourão

Isto significa que quando a escola possuía mais de um espaço


destinado às aulas de educação física, os meninos ficavam em um
espaço e as meninas em outro. E quando só existia um espaço para
as aulas, o tempo de aula era dividido, primeiro com a ocupação de
meninos e depois de meninas. Esta situação foi também detectada
na pesquisa de Abreu (1990), o que nos permite inferir que estas
dificuldades continuam na rotina de aulas dos professores.
Observamos que as diferenças motoras apresentadas ainda
são reforçadas no âmbito das aulas mistas de educação física. Entre-
tanto, se houver maior comprometimento dos professores de edu-
cação física a respeito do entendimento das diferenças entre os
meninos durante as aulas mistas, podemos romper as barreiras que
se manifestam entre os adolescentes e interferem tanto no desen-
volvimento sócio-afetivo quanto na motricidade deles.
Focalizando as questões centrais da pesquisa, encontramos
diferentes sentidos sobre os critérios de seleção para a participação
das meninas do 4º ciclo do ensino fundamental em aulas mistas de
educação física, relacionados a seguir.
As alunas gostariam que fossem ministrados outros conteú-
dos nas aulas de educação física, e, dessa forma, terem ampliadas
as suas experiências motoras e culturais. As mesmas apontam para
uma participação mais cooperativa nas aulas mistas de educação
física, onde fossem superadas as concepções de que elas, para os
meninos, são naturalmente pouco habilidosas.
Sobre como eram vistas pelos colegas – meninos e meninas –,
as adolescentes relataram os preconceitos sofridos: i) ou surpreen-
diam porque, mesmo sendo meninas, inacreditavelmente sabiam
jogar – perfil A; ii) ou eram desvalorizadas por tentarem aprender
os fundamentos e não conseguirem melhorar suas habilidades –
perfil B; iii) ou eram ignoradas quando não dominavam as técnicas
e habilidades esportivas exigidas como necessárias para as práticas
– perfil C.
Quanto às formas de participação adotadas nas aulas de
educação física, as meninas demonstraram comportamentos coope-
rativos entre si; participavam ajudando a professora e atestavam
, Porto Alegre, v.13, n. 01, p.37-56, janeiro/abril de 2007.
Representações de adolescentes femininas... 53

que sua participação dependia da ação da mesma, que selecionava


as que jogariam ou as que escolheriam os times.
As formas de seleção utilizadas para a participação nas aulas
mistas revelaram uma hierarquização de critérios de seleção entre
a habilidade e a amizade. As meninas menos hábeis e que não ti-
nham uma relação de amizade com as mais hábeis tendiam à auto-
exclusão, enquanto as mais habilidosas eram sempre aquelas que
escolhiam os times nas aulas.
Em relação às oportunidades de participação nas atividades
das aulas de educação física, as meninas reconheceram que as au-
las garantem as mesmas oportunidades para ambos os sexos – valo-
rizam as habilidades técnicas esportivas, porém indicaram que estas
não eram dadas ao mesmo tempo e não havia o mesmo espaço para
todos, pois não jogavam em times mistos porque as professoras argu-
mentavam que as diferenças de habilidade e interesse interferiam
na aprendizagem de certas atividades pelos alunos.
A partir das falas das adolescentes, percebemos que a escola
não somente acolhe as diferenças humanas e sociais como permite
que surjam novas diferenças, instaurando novas demandas. Sabe-
mos que são imensas as dificuldades de se modificar concepções e
comportamentos sexistas, porém, é possível perceber não apenas a
perpetuação desse movimento, como também as mudanças que vêm
ocorrendo. Entretanto, é importante observar que esta temática no
campo da educação física escolar, na sociedade brasileira, segue
uma forte tradição cientificista, e as políticas produzidas sobre o
corpo masculino e feminino, sobretudo no recorte da virada do sé-
culo XIX em diante, indicam que a relação corpo, sexo e gênero,
interpreta os usos sociais e políticos do modelo de dois sexos e, na
maioria das vezes, realizam esta interpretação de forma sexista.
Almejando reconstruir novas relações de gênero, fundadas
não somente nas diferenças, mas também nas semelhanças,
buscamos a liberdade de expressão dos meninos e meninas, indepen-
dentemente do sexo ou de qualquer outro tipo de discriminação. A
dicotomia preconceito versus cidadania deve ser uma das questões
mais inquietantes na contemporaneidade e o desafio urgente que
, Porto Alegre, v.13, n. 01, p.37-56, janeiro/abril de 2007.
54 Artigos Originais Cátia Pereira Duarte e Ludmila Mourão

se impõe aos educadores é o de fomentar, já nos bancos escolares,


uma “ética da tolerância” entre as pessoas, compatibilizando demo-
craticamente o peso de suas diferenças corporais, políticas, reli-
giosas, econômicas e sócio-culturais.

Female teenagers’ representation of the criteria


used to define participation in co-educational
physical education classes
Abstract: This study observes that the unequal
opportunities in the routine of physical education
classes point to generic embodiments relating to
male patterns. Thus, it is relevant to investigate the
students’ representation of the criteria used to select
participation in co-educational classes. By means
of ethnography, it was analyzed the discourse of 12
female teenagers in the second year of junior high
school of 4 public municipal schools in Rio de Ja-
neiro, Brazil, and 80 classes were also observed. It
was possible to verify that these criteria of selection
are defined by the ability and technique in the
students’ gestures and that the teacher keeps the
gestures pertaining to male ability as a reference.
Since most girls don’t match this profile, they set
themselves apart from the classes, even when the
teacher is concerned with creating equal partici-
pation opportunities.
Keywords: Adolescent. Identity gender. Physical
Education. Education Primary and Secondary.

, Porto Alegre, v.13, n. 01, p.37-56, janeiro/abril de 2007.


Representações de adolescentes femininas... 55

Interpretaciones de adolescentes femeninas


acerca de los criterios de selección utilizados para
la participación en clases mixtas de educación
física
Resumen: Este estudio observa que las oportuni-
dades desiguales en el cotidiano de la educación
física escolar apuntan para corporalidades
generificadas referentes a los padrones masculi-
nos. De esta forma, investigar las representaciones
de estudiantes de 7º año, sobre los criterios de
selección utilizados para su participación en clases
mixtas se torna relevante. Por medio de la realiza-
ción de una etnografía se analizó la opinión de 12
adolescentes del sexo femenino, de 7º año de 4
Escuelas Públicas Municipales de Río de Janeiro,
complementándose con 80 clases observadas. Fue
posible verificar que los criterios de selección son defi-
nidos por la habilidad y la técnica en los gestos
deportivos que el profesor mantiene como referencia
de los gestos la habilidad masculina, como las niñas
en su mayoría no alcanzan este perfil, se mantienen
excluidas de las clases aún cuando el profesor tiene
la preocupación de crear oportunidades iguales de
participación.
Palabras Clave: Adolescente. Identidad de género.
Educación Física. Educación primaria y secundaria.

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