Artigo 8
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1 INTRODUÇÃO
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Este artigo corresponde a uma parte da Dissertação de Mestrado intitulada O discurso de
escolares adolescentes femininas sobre os critérios de seleção utilizados para participação
em aulas mistas de educação física, defendida no Programa de Pós-Graduação em educação
física e Cultura da Universidade Gama Filho, orientada por Ludmila Mourão.
* Professora do Colégio de Aplicação João XXIII, com Mestrado em Educação Física e Cultura
pela Universidade Gama Filho. E-mail: catiapduarte@ig.com.br
** Professora do Curso de Graduação e Pós-graduação Stricto-Sensu da Universidade Gama
Filho. E-mail: ludmila.mourão@terra.com.br
38 Artigos Originais Cátia Pereira Duarte e Ludmila Mourão
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Os termos alunos, professores e adolescentes são utilizados na acepção genérica.
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Para a transcrição dos discursos utilizamos os seguintes sinais: // para interrupção; (...)
quando a informante estava pensando;... para os gaguejos; (falas dentro do parêntese) são
as interpretações não explícitas do texto das informantes.
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Tradução do artigo de Joan Scott intitulado Gênero: Uma categoria útil para análise histórica
para o português, realizada por Christine Rufino Dabat e Maria Betânia Ávila. Recife: SOS
Corpo, 1991.
alunos e das alunas que pretendemos educar, para, então, adotar uma
postura pedagógica. Desta forma, os professores deveriam apro-
veitar essas situações para trabalhar as diferenças de gênero e
diferenças entre os perfis de cada aluno.
No item em que as meninas foram estimuladas a nos dizer o
que as outras pensavam sobre elas, encontramos os três perfis sendo
criticados, sem nenhuma simulação. As meninas do Perfil A se
queixaram de que as colegas se incomodam com o fato de elas
jogarem bem e nos diziam isso da seguinte forma: “[...] elas falam
que eu jogo muito”; “elas não vão com a minha cara”, nos remetendo
a um sentimento de desprezo daquelas que têm menos habilidade
em relação àquelas que têm mais habilidade e que mais participam
das aulas de educação física. As meninas do Perfil B comentaram
que as colegas, “falam, brigam, implicam, se tocar nelas [...]” e
as do Perfil C, mesmo participando ocasionalmente das aulas,
comentaram: “[...] elas – as meninas da aula, que jogam sempre e
têm habilidade – estão sempre mais enturmadas”, e ainda frisaram
que sobre elas, as outras dizem – elas não jogam nada; “elas zoam
tanto quanto os meninos quando a gente erra”.
Entendendo o corpo como um constructo cultural, compreen-
dendo-o situado no tempo em que vive, captamos nestas falas as
expressões do corpo hábil nas aulas de educação física, sendo
percebido como produtivo e produto de gestos econômicos e
eficientes, atravessado por diferentes marcadores sociais, sobretudo
os de habilidade motora e gênero, quem sabe jogar tem mais
facilidade de se enturmar – fazer amigos –, construindo um grupo
social mais amplo e menos marcado pela categoria gênero na escola.
Entretanto, aquelas que não têm este domínio sofrem de bullying ,5
pelos meninos e meninas hábeis, que demonstram boa destreza
corporal nos jogos, como afirma a adolescente do perfil C quando
diz: “elas zoam tanto quanto os meninos [...]”.
Acerca dos critérios de seleção mais utilizados por elas na
hora de escolher os times nas aulas, as informantes do Perfil A, B e
5
Estamos entendendo bullying, de acordo com Fante (2005), como um comportamento cruel,
intrínseco nas relações interpessoais, em que os mais fortes convertem os mais frágeis em
objetos de diversão e prazer, através de brincadeiras que disfarçam o propósito de maltratar
e intimidar.
, Porto Alegre, v.13, n. 01, p.37-56, janeiro/abril de 2007.
Representações de adolescentes femininas... 49
sexos, se fossem todos juntos, [...] porque eles são melhor do que a
gente, acho que eles tinham que maneirar um pouquinho”, ou seja,
mesmo agradando a todos, seria melhor que meninos e meninas
estivessem juntos para aprender com as diferenças.
As meninas do Perfil C ousaram nas opiniões, com palavras
que demonstraram sentimento de frustração em relação às possi-
bilidades de participação, ou seja, não importa o sexo que se
beneficie, elas não seriam privilegiadas. Duas achavam que os dois
sexos eram agradados e respeitados do mesmo jeito, sem demons-
trar muito interesse em dialogar sobre o assunto: “acho que os dois;
os dois, né?”. Uma menina disse que a aula agradava “os dois, não
tem essa de ficar separando um do outro”, revelando que ainda
podia melhorar se meninos e meninas ficassem juntos. Com isso,
melhorariam a convivência, permitindo maior conhecimento e
compreensão sobre as atitudes do outro. Uma terceira informante
frisou: “respeita mais os meninos”, porque “eles jogam melhor”.
Para essas alunas, as professoras incentivam mais os meninos do
que as meninas durante as atividades.
A maioria das meninas reconhecia que, se tivesse mais tem-
po para treinar e mais alternativas de participação, sem valorização
de alguns conteúdos sobre outros, sem a cobrança exacerbada das
habilidades técnicas, a aula seria mais motivante. Para elas, a opor-
tunidade estava lançada, mas como aprender a jogar se o tempo
dividido da aula era tão exíguo? Como ser reconhecida pelos cole-
gas se eles não intercambiavam informações com as meninas? Como
gostar de uma aula que valoriza a técnica, a partir de um padrão
culturalmente definido pelos meninos?
5 C ONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ABREU, N. G. Meninos pra cá, meninas pra lá. 1990, 189 f. Dissertação
(Mestrado) – Curso de Educação Física, Universidade Gama Filho, Rio de Janei-
ro, 1990.
SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Reali-
dade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, p.71-99, 1995.