Modelação Numérica Do Comportamento Mecânico de Vias Férreas Numerical Modelling of The Mechanical Behaviour of Railway Track
Modelação Numérica Do Comportamento Mecânico de Vias Férreas Numerical Modelling of The Mechanical Behaviour of Railway Track
Modelação Numérica Do Comportamento Mecânico de Vias Férreas Numerical Modelling of The Mechanical Behaviour of Railway Track
RESUMO
As intervenções de modernização das linhas de caminho de ferro antigas, com vista a permitir
maiores velocidades de circulação e o transporte de cargas mais elevadas, exigem a verificação
da adequação das características da plataforma às novas solicitações e, eventualmente, a sua
renovação. Neste âmbito, as soluções estruturais a adoptar, nomeadamente no que se refere às
espessuras e às características dos materiais das camadas de apoio que integram a subestrutura,
podem ser avaliadas com recurso à modelação numérica da via férrea, em particular utilizando
modelos de equilíbrio tridimensional. Neste trabalho analisam-se alguns casos relativos a
soluções estruturais utilizadas na renovação de uma plataforma ferroviária, com base nos
resultados da caracterização mecânica, laboratorial e “in situ” da subestrutura existente e dos
materiais utilizados na construção das camadas de reforço da plataforma e de sub-balastro.
ABSTRACT
Modernization of old railway track permitting the increase of circulation speed and of maximum
load per axis, demands the verification of the platform characteristics and eventually its
renewal, in order to fulfil the new requirements. In this aspect, the structural solution to adopt,
namely the thickness of the reinforcement layers and the characteristics of the materials that
compose the substructure, can be evaluated through numerical modelling of the railway track
with three-dimensional equilibrium models. This paper presents some studies referring to the
analysis of the different railway track substructures based in laboratorial and “in situ”
mechanical characterisation of the old substructure and of the materials used in the
reinforcement layers of the platform and sub-ballast.
1. INTRODUÇÃO
Neste trabalho apresentam-se alguns resultados obtidos na modelação numérica da via férrea,
com recurso a um modelo de equilíbrio tridimensional, no qual se implementaram diversos
modelos constitutivos relativos ao comportamento tensão-deformação dos materiais que
constituem as camadas de apoio da via férrea. Analisam-se alguns casos relativos a soluções
estruturais utilizadas na renovação de uma plataforma ferroviária, com base nos resultados da
caracterização mecânica, laboratorial e “in situ”, da subestrutura existente e dos materiais
utilizados na construção das novas camadas de reforço da plataforma e de sub-balastro.
A via férrea balastrada é uma estrutura relativamente complexa, com comportamento não linear.
Actualmente, na análise estrutural da via férrea faz-se uso de modelos que exigem o
conhecimento das acções, da geometria dos elementos da superestrutura e das camadas
subjacentes (Figura 1), das características mecânicas dos materiais (superestrutura, camadas de
apoio e fundação), dos mecanismos de interacção entre os diversos elementos e de vários
critérios de dimensionamento, de forma a propiciar o estudo do comportamento do conjunto e
permitir determinar os efeitos das cargas produzidas pelo tráfego na via, nomeadamente tensões
e deformações. Embora a via férrea esteja sujeita a carregamentos tridimensionais,
nomeadamente cargas verticais, laterais e longitudinais, e tenham sido desenvolvidos diversos
modelos analíticos com o objectivo de representar individualmente cada uma das componentes
da resposta associadas às referidas solicitações ou diversas dessas componentes em simultâneo,
é a resposta às acções verticais que tem sido objecto de maior atenção.
Figura 1 – Esquema estrutural da via férrea balastrada.
Os métodos dos elementos finitos e das diferenças finitas são particularmente adequados à
modelação das acções e à utilização de modelos reológicos não lineares com critérios de rotura
para os diversos materiais que constituem o sistema, permitindo considerar a variação das
características físicas e geométricas no espaço. Apresentam-se em seguida alguns dos modelos
que têm sido utilizados por diversos autores em estudos relativos ao comportamento da via.
Um dos primeiros modelos por elementos finitos utilizados na análise da via foi designado por
Illitrack [2]. Considerava dois modelos bidimensionais e utilizava os resultados da análise da
secção longitudinal em estado plano de deformação como dados para proceder à análise da
secção transversal, o que permitia obter um efeito tridimensional com pouco tempo de
computação. Na análise longitudinal o modelo considerava a aplicação das cargas verticais
correspondentes às rodas actuando apenas num carril, suportado por um sistema constituído por
travessas e camadas de apoio. Os carris e as travessas eram representados como vigas e molas
de apoio, respectivamente. Era considerado o comportamento não linear dos materiais, cujas
características eram determinadas em ensaios laboratoriais do tipo triaxial com cargas repetidas
e eram admitidos critérios de rotura para os materiais das camadas de apoio e da fundação.
O modelo Multilayer Track Analysis - Multa [3] combina o modelo elástico multicamadas de
Burmister para a subestrutura com um outro modelo tridimensional, por elementos finitos, para
análise da superestrutura. A área carregada das travessas é dividida em segmentos
aproximadamente iguais e a área de cada segmento é convertida numa área circular com tensão
uniforme. Estas áreas circulares uniformemente carregadas são utilizadas para gerar coeficientes
de influência de tensões e de deslocamentos para o modelo linear elástico de multicamadas, o
qual permite determinar deslocamentos e tensões nas camadas de apoio. O carril é modelado
como uma viga finita suportada por 11 travessas, as quais são também representadas como vigas
com um apoio por cada área de contacto travessa-balastro. Este modelo faz uso de uma análise
elástica linear, logo não permite considerar o real comportamento tensão-deformação dos
materiais da subestrutura; permite o desenvolvimento de tensões irrealistas entre a travessa e o
balastro, já que não permite deslocamentos relativos entre estes elementos; as reacções entre o
carril e a travessa e entre esta e o balastro mobilizam-se apenas na direcção vertical, não se
considerando os esforços de corte. Apesar de apresentar diversas limitações este modelo
permitiu aproximar de forma satisfatória o comportamento observado em trechos piloto.
O modelo Geotrack [5] foi desenvolvido a partir do modelo Multa com os objectivos: i) de
permitir considerar de forma mais adequada o comportamento tensão-deformação dos materiais
da subestrutura; ii) de facilitar a aplicação das múltiplas solicitações verticais; iii) de reduzir o
tempo de cálculo; iv) de facilitar a análise dos resultados obtidos. É um modelo tridimensional
que combina a matriz de rigidez dos elementos da via com a distribuição de tensões de
Boussinesq no balastro, no sub-balastro e na fundação. Este modelo incorpora relações tensões-
deformações não lineares dos materiais e evita a existência de tensões de tracção nos materiais
da subestrutura e entre estes e as travessas. Alguns estudos realizados com este modelo e a
comparação dos resultados obtidos com os valores observados “in situ” permitiram concluir que
ele contempla os aspectos essenciais da modelação da via e permite determinar a influência das
características dos elementos da via no desempenho desta. O desenvolvimento deste modelo deu
origem ao modelo Kentrack [6], que apresentou algumas melhorias computacionais e, entre
outras facilidades, possibilita a modelação das travessas com elementos finitos.
O modelo Rosalie [7] modela o sistema formado pela via férrea e pela sua fundação com
elementos finitos tridimensionais, tendo em conta o comportamento elastoplástico da fundação.
Alguns dos estudos desenvolvidos com este modelo permitiram verificar a influência no
desempenho do sistema das características físicas e mecânicas dos diversos componentes. Os
resultados obtidos, nomeadamente as deflexões do carril e as tensões e as deformações nas
camadas da subestrutura, aproximaram satisfatoriamente os valores observados em trechos
piloto instrumentados em França, na Áustria e na Inglaterra.
Considerando alguns resultados obtidos em ensaios de carga triaxial cíclica sobre materiais
granulares e a possibilidade de aproximar esses resultados por modelos tensão-deformação
normalmente adoptados para esses materiais [12], elaboraram-se rotinas para a implementação
desses modelos no programa FLAC-3D. Entre outros, implementaram-se o modelo
k-θ, traduzido pela expressão
k2
E = k1 .θ (1)
sendo:
θ − soma das tensões principais (σ1+2σ3)=3p;
k1, k2 − parâmetros característicos do material determinados em ensaio;
Center: Rotation:
X: -5.021e-001 X: 30.000
Y: -3.378e-001 Y: 0.000
Z: -2.093e+000 Z: 220.000
Dist: 1.294e+001 Mag.: 0.8
Ang.: 22.500
Block Group
carril
travessa
bal
sbal
leito
tnat
Considerou-se o critério de rotura de Mohr-Coulomb, com coesão nula e ângulo de atrito de 55º,
para os agregados de granulometria extensa e para o balastro contaminado. A camada que
representa a fundação subjacente ao leito da via foi modelada com cerca de 3 m de espessura. O
comportamento do solo foi admitido elástico linear, com módulo de deformabilidade de 60 e
40 MPa, conforme o modelo considerado, sendo o coeficiente de Poisson de 0,4. O peso
volúmico considerado foi de 19,5 kN/m3. A carga dinâmica de 170 kN por roda, obtida tendo
em atenção as especificações de projecto [12], foi aplicada sobre a travessa central e foi
distribuída pelos nós do carril, que se situam no plano transversal à via que passa no eixo de
simetria. Na aplicação desta carga consideraram-se as condições de simetria da malha.
-40
Tensão vertical (kPa)
-80 Sz B-G1S
Sz B-G2S
Sz B-G3S
-120 Sz B-G4
Sz B-G5S
-160
a)
Distância ao eixo de simetria longitudinal (m)
0.0 0.5 1.0 1.5 2.0 2.5
0
-10
Tensão vertical (kPa)
-20
-30 Sz P-G1S
Sz P-G2S
-40 Sz P-G3S
Sz P-G4
-50 Sz P-G5S
-60
b)
Figura 3 – Tensão vertical no alinhamento do carril: a) base das travessas; b) topo da fundação.
A deflexão no alinhamento do carril devida à carga do comboio, ao nível da base das travessas e
no topo da fundação, é apresentada na Figura 5. O perfil das deflexões obtidas ao nível da base
das travessas reflecte, de forma evidente, o posicionamento destas. No que se refere às
deflexões obtidas no topo da fundação, a variação longitudinal é relativamente suave. Na zona
do modelo mais afastada da travessa solicitada (2,5 m de distância da zona de aplicação da
carga), a deflexão é cerca de 30% da deflexão máxima, no que se refere aos valores obtidos ao
nível da base das travessas e 36% quando se analisam os valores obtidos no topo da fundação.
-40
Tensão vertical (kPa)
-80
Sz B-G1S
-120 Sz B-G2S
Sz B-G3S
-160 Sz B-G4
Sz B-G5S
-200
a)
0
-20
Tensão vertical (kPa)
-40 Sz P-G1S
Sz P-G2S
Sz P-G3S
-60 Sz P-G4
Sz P-G5S
-80
b)
Figura 4 – Tensão vertical no alinhamento da travessa solicitada: a) base; b) topo da fundação.
-4.0E-04
Deflexão (m)
-8.0E-04
dz B-G1S
-1.2E-03 dz B-G2S
dz B-G3S
dz B-G4
-1.6E-03
dz B-G5S
-2.0E-03
a)
0.0E+00
-4.0E-04
Deflexão (m)
-8.0E-04
dz P-G1S
-1.2E-03 dz P-G2S
dz P-G3S
dz P-G4
-1.6E-03
dz P-G5S
-2.0E-03
b)
Figura 5 – Deflexão no alinhamento do carril: a) base das travessas; b) topo da fundação.
Distância ao eixo de simetria transveral (m)
0.0 0.5 1.0 1.5 2.0 2.5 3.0 3.5
4.0E-04
0.0E+00
-4.0E-04
Deflexão (m)
-8.0E-04 dz B-G1S
dz B-G2S
-1.2E-03 dz B-G3S
dz B-G4
-1.6E-03 dz B-G5S
-2.0E-03
a)
4.0E-04
0.0E+00
-4.0E-04
Deflexão (m)
-8.0E-04 dz P-G1S
dz P-G2S
-1.2E-03 dz P-G3S
dz P-G4
-1.6E-03 dz P-G5S
-2.0E-03
b)
Figura 6 – Deflexão no alinhamento da travessa solicitada: a) base; b) topo da fundação.
4. CONCLUSÕES
5. REFERÊNCIAS
[1] UIC. Ouvrages en terre et couches d’assise ferroviaires. Code UIC 719R(1994).
[2] Tarabji, S. Finite element analysis of a railway track support system. FRAORD76257(1976).
[3] Prause, R.; Kennedy, J. Parametric study of track response. FRA/ORD-77/75(1977). USDT.
[4] Adegoke, C.Study of analytical models for track support systems. TRR733(1979), pp.12-19.
[5] Chang, C; Adegoke, C.; Selig, E. Geotrack model for railroad track performance. Journal of
the Geotechnical Engineering, ASCE, Vol. 106, No. GT11 (1980), pp.1201-1218.
[6] Huang, Y.; Lin, C.; Deng, X.; Rose, J. Kentrack. RR-84-1 (1984). Asphalt Institute, USA.
[7] Sauvage, R.; Larible, G. La modélisation par "éléments finis" des couches d'assise de la voie
ferrée. Revue Générale des Chemins de Fer, Septembre (1982), pp. 475-483.
[8] Li, D.; Selig, E. T. Method for railroad track foundation design. I: Development. Journal of
Geotechnical and Geoenvironmental Engineering, ASCE, Vol. 124, No. 4 (1998), pp. 316-322.
[9] ORE. Question D117. Rapport No. 27 (1983).
[10] Williams, P.; Pérez, M. Cálculo de plataformas ferroviarias mediante elementos finitos.
CNIF. Coruña (1998), pp. 149-160.
[11] FLAC3D – Fast Lagrangian Analysis of Continua 3D (1997). Itasca Consulting Group.
[12] Fortunato, E. Renovação de Plataformas Ferroviárias. Estudos Relativos à Capacidade de
Carga. Tese de Doutoramento (2005). Universidade do Porto.