Universidade Do Estado Do Rio de Janeiro: Centro de Educação e Humanidades Faculdade de Educação
Universidade Do Estado Do Rio de Janeiro: Centro de Educação e Humanidades Faculdade de Educação
Universidade Do Estado Do Rio de Janeiro: Centro de Educação e Humanidades Faculdade de Educação
Rio de Janeiro
2013
Andréia Cristina da Silva Soares
Rio de Janeiro
2013
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ / REDE SIRIUS / BIBLIOTECA CEH/A
es CDU 374.7
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
dissertação.
___________________________________ _______________
Assinatura Data
Andréia Cristina da Silva Soares
Banca Examinadora:
_____________________________________________
Profª. Drª. Jane Paiva
Faculdade de Educação da UERJ
_____________________________________________
Profª. Drª. Eliane Ribeiro Andrade
Faculdade de Educação da UERJ
_____________________________________________
Prof. Dr. Geraldo Magela Pereira Leão
Faculdade de Educação da UFMG
Rio de Janeiro
2013
DEDICATÓRIA
A todos aqueles desprovidos de direitos e aos que lutam incansavelmente pela garantia deles.
AGRADECIMENTOS
SOARES, Andréia Cristina da Silva. O Diurno na educação de jovens e adultos: quem são
esses sujeitos? 2013. 129 f. Dissertação de Mestrado em Educação. Faculdade de Educação,
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.
SOARES, Andréia Cristina da Silva. Daily classes in young people and adults education:
Who are they? 2013. 129 f. Dissertação de Mestrado em Educação. Faculdade de Educação,
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.
The aim of this work is to draw up a profile of the EJA students in two public day
schools in the municipality of Rio de Janeiro, located in the same geographic and
administrative area, in order to identify and characterize the students as well as to define the
significance of day school for continued school education. The students, most of them young,
were matriculated in the Youth and Adult Education Program (PEJA). The nature of the
object of study has led me to choose the case study method, a choice which demanded the
application of a questionnaire and, later, a semistructured interview with 25 students. The
locus of my investigation was situated within the broader contexts with which the field of
EJA has maintained a dialogue, such as agreements and documents emerging from
International Adult Education Conferences (CONFINTEAs) and the laws regulating the right
to education for all Brazilian citizens. The theoretical framework of the investigation made it
possible for me to develop an inquiring eye, supported by the line of thought adopted and
inspired by the theory of complexity. Results obtained brought about the understanding that to
think of EJA day school as one more alternative offered by the education system may point
to a possible adaptation to the characteristics of the students, but may also, in practical terms,
make for other intrasystem exclusions and interdicting students, by continuously deeming
them incapable of learning.
Quadro 1 - Idade em que alunas mulheres foram mães e quantidade e idade dos 107
filhos.........................................................................................................
Quadro 2 - Quantitativo de alunos por tipo de deficiência......................................... 112
CREJA Latina
Centro ydeElReferência
Caribe de Educação de Jovens e Adultos
L Latinaatina
CREP Centro de Referência em Educação Pública
DI Deficiência Intelectual
DV Deficiência Visual
EF Ensino Fundamental
RJ Rio de Janeiro
UP Unidade de Progressão
1
A partir de 2005, pelo Parecer n. 6/2005, o PEJ passou a ser denominado Programa de Educação de Jovens e
Adultos (PEJA), assumindo a inserção histórica de alunos adultos no Programa.
18
partes”, assim como à compreensão de que “conhecer e pensar não é chegar a uma verdade
absolutamente certa, mas dialogar com a incerteza” (MORIN, 2010, p. 59). Começo a
compreender que a soma de tais experiências talvez já fosse “embrião” do que venho a
chamar hoje de “meu objeto de pesquisa”.
2
SAARA significa Sociedade de Amigos das Adjacências da Rua da Alfândega, área de grande comércio a céu
aberto, localizado no Centro da cidade do Rio de Janeiro.
19
flexibilidade, de acordo com a disponibilidade de estudo dos alunos, de 7h às 22h. Essa nova
forma de atendimento possibilitou-nos um contato maior com a expressão “EJA diurna”, e
inaugurando, com a implementação dessa modalidade de ensino diurno, novos horários de
atendimento em algumas escolas da rede.
A 7ª Coordenadoria Regional de Educação 3, (E/SUBE/7ª CRE) que abrange os
bairros: Curicica, Taquara, Gardênia Azul, Itanhangá, Cidade de Deus, Barra da Tijuca,
Jacarepaguá, Camorim, Taquara, Vargem Pequena, Vargem Grande, Praça Seca, Freguesia,
Recreio dos Bandeirantes, Pechincha, Vila Valqueire, Tanque, Anil, Rio das Pedras e 146
escolas, tem duas escolas com EJA no diurno, sendo que uma delas fica bem próxima ao
CIEP onde eu trabalhava. Começou a chamar minha atenção o fato de, apesar de a escola ter
EJA diurna, os alunos “encaminhados” às classes de EJA não permanecerem por lá, mas
buscarem minha escola, de oferta noturna. Se havia uma escola com a modalidade EJA no
diurno e se eram eles “convidados” a frequentar esta modalidade, sob a alegação de que
melhor respondia a seus anseios e interesses, por que não ficavam por lá? Também o trabalho
não era a justificativa para buscarem o curso noturno, pois constatei que não trabalhavam.
Era sabido, por parte dos professores que atuavam nessa escola, que a frequência de
alunos adultos no diurno não era expressiva, por ser, em variados casos, um horário em que
estão trabalhando. Entretanto, para alguns casos de trabalhadores como mães de família, que
só podem estudar no horário em que seus filhos estão na escola, por não terem com quem
deixá-los, à noite; de porteiros, padeiros, seguranças, por exemplo, que trabalham à noite,
haveria a oportunidade de acolhimento na escola diurna, o que também não acontecia entre
esse público, que acabava desistindo, segundo relato de professores da escola, pela presença
maciça de jovens nas turmas a eles destinadas. Os adultos consideravam, dessa forma, que
essa “escola” não era para eles, antevendo conflitos geracionais. Observava-se que, embora
necessária, a existência de oferta diurna para o aluno adulto tinha baixa procura, e que a
desistência era um fato inquestionável.
Diante disso, passei a questionar quem eram esses estudantes de EJA do horário
diurno: não eram os “adultos”; não eram os jovens “que causam problemas” (pois estes eu já
os recebia)... então, quem eram esses sujeitos?
3
Além de um Nível Central, situado no Centro da cidade, para uma melhor organização e atendimento às
demandas locais/regionais a SME redistribui suas escolas em 11 Subsecretarias de Ensino/Coordenadorias
Regionais de Educação (E/SUBE/CRE’s). Até 2012 eram apenas 10 Subsecretarias Uma delas, a 4 a, foi
subdividida para melhor atender exigências da gestão.
20
Mediante tais colocações, posso assim traduzir a questão que busquei investigar: quem
são esses alunos jovens e adultos da EJA no diurno da rede municipal de ensino, nas duas
escolas da 7ª CRE?
Objetivei, com ela, traçar o perfil de alunos da educação de jovens e adultos nas
escolas públicas municipais que oferecem esta modalidade de ensino no turno diurno, na 7 ª
CRE da SME/RJ, identificando-os e caracterizando os sujeitos, e o significado do ensino
diurno para o seguimento da escolarização. Para chegar a este perfil, na tentativa de
compreender meu campo de estudos, considerei necessário conectá-lo a contextos mais
amplos, que o influenciam e com os quais dialoga. Para isso, busquei, primeiramente, situá-lo
em âmbito internacional, orientando-me pelos acordos estabelecidos, metas e discussões
advindas dos eventos que o geram, pautando-me, especialmente, nos documentos das
Conferências Internacionais de Educação de Adultos promovidas pela Unesco desde 1949
(CONFINTEAs), e dos quais o Brasil é signatário; evidenciar marcos legais e os documentos
políticos que regem a EJA na contemporaneidade; discorrer sobre a educação de jovens e
adultos na rede pública municipal do RJ, pautada em bases legais, nos avanços políticos e
pedagógicos e na perspectiva do direito; apontar, com base em dados estatísticos e
levantamentos junto a sujeitos, a existência de demanda (ou não) para a implementação de
escolas com EJA no diurno; compreender, por meio de relatos apresentados e de entrevistas
realizadas, diferentes necessidades e formas de inserção do aluno da EJA no ensino diurno.
Intencionei traçar um perfil desses estudantes como um retrato que revelasse a
situação atual de demanda diurna de escolarização de jovens e adultos na região, e que me
possibilitasse compreender e melhor atuar, em minha função profissional, nas relações
interinstitucionais da micropolítica exercida pelos gestores públicos, desenvolvida nas escolas
da região. Ainda que não tivesse a pretensão de obter características fechadas desses
estudantes, já que a realidade é dinâmica e as mudanças no contexto social vêm ocorrendo
velozmente nos últimos oito anos, podia prever que os resultados alargariam o conhecimento
sobre desejos, necessidades e expectativas desses sujeitos, possibilitando respostas e ofertas
mais efetivas do poder público.
Alguns outros questionamentos feitos à implementação da EJA diurna nas escolas da
rede deviam complementar meu foco de interesse: seria esta forma de atuar um movimento
para conter a “juvenilização”, deixando jovens fora do noturno, minimizando com isto
questões e polêmicas tão amplamente discutidas no campo? Ou seria uma tentativa de
compreender e ressignificar um “outro espaço” para jovens banidos do sistema regular,
21
criando espaços culturalmente significativos (CARRANO, 2008) para esses sujeitos que
muitas vezes não os encontram no ensino noturno?
Ao ampliar minha visão e meus conhecimentos, apoiada nas disciplinas de que
participei no curso de Mestrado, agreguei às minhas ideias iniciais a possibilidade de estar
discutindo, junto às questões evidenciadas, a perspectiva do direito à educação de jovens e
adultos (historicamente confundido como um favor prestado à população). Do mesmo modo,
agreguei a concepção de educação ao longo da vida que, cada vez mais, segundo Haddad
(2007, p. 27), “abarca de um lado a aquisição de conhecimentos e aptidões e, de outro,
atitudes e valores, implicando no aumento da capacidade de discernir e agir”. Tal concepção
de educação implica a construção contínua de conhecimentos e de desenvolvimento humano,
pautando-se na compreensão de que cada indivíduo pode conduzir seu destino, modificando
sua relação espaço/tempo para saber estar e atuar num mundo em grandes transformações.
22
Assumi nesta pesquisa não só traçar, mas trançar o perfil de alunos do PEJA diurno,
pois seria impossível, diante de minhas experiências vividas, isolar as relações humanas,
fragmentá-las, concebendo a condição humana e seus acontecimentos sem levar em conta o
que é tecido, trançado, enroscado, mas também cingido, enlaçado, apreendido pelo
pensamento, como explicita Ardoino (2001) ao tratar do adjetivo complexo.
Compreender os sujeitos da EJA no horário diurno da rede pública mobilizou-me no
sentido de entender, como Ardoino (2001, p. 549), que “não há necessariamente
hierarquização dos componentes, mas interdependência entre eles” e que “A globalização do
conjunto, mais do que sua totalidade, constitui uma unidade”. Apoiada neste autor, trancei a
pesquisa pelo paradigma da complexidade e, por isso mesmo, não esgotei o conhecimento
sobre o caso estudado, mas organizei, sem hierarquizar, uma possível compreensão, como
fruto do método de apreender a realidade, diverso da usual análise, ao admitir intrinsecamente
o inacabamento e estar sempre aberto a mais amplas e novas compreensões.
De posse de tais questões evidenciadas, tomei o direito à educação como matriz
teórica para minhas discussões e compreensões. Pautei-me pela perspectiva de que há um
direito social à educação garantido a todos, pela Constituição Federal de 1988, somado à
possibilidade de que o “aprender por toda a vida” é uma exigência das sociedades
contemporâneas. Essa compreensão viabilizou um olhar investigativo e acolhedor para jovens
e adultos que vão em busca de escolaridade na modalidade EJA no turno diurno.
Ao trazer essas discussões à minha pesquisa, penso que colaboro e sinalizo aspectos
indispensáveis à implementação de políticas públicas que intencionem a garantia da oferta de
educação de jovens e adultos diurna não somente para jovens, mas para todo cidadão adulto
que dela necessite, desarticulando a ideia (se é que de fato existe) de que o diurno só pode
contemplar a população jovem ou vice verso.
Pensar a garantia do direito à educação para todos é favorecer o acesso, a permanência
e, sobretudo, possibilitar: o pluralismo de ideias; o respeito à liberdade e o apreço à tolerância;
a garantia do padrão de qualidade; a valorização da experiência extraescolar; a vinculação
entre educação escolar, trabalho e práticas sociais — todos esses princípios presentes no Art.
3° da LDBEN n. 9.394/96. Por serem princípios legais, devem-se fazer valer e, por estarem
“no papel”, convidam-nos a trazê-los para a realidade, quando necessário for, e sempre que
um direito precisar ser validado. Convidam-me, sobretudo, a pensar que a garantia do acesso e
23
permanência não atrelada ao sucesso torna-se letra morta, à medida que nega aos sujeitos
condições de “vir a ser”, entendendo que nesse “vir a ser” cabem muitos sonhos e
expectativas: de uma formação para o trabalho, de salário mais digno, de um tão sonhado
diploma, de pertencer a um “grupo”, de poder garantir, dividir e fortalecer o sentido da
aprendizagem ao longo da vida. Esta perspectiva, em suma, “o verdadeiro sentido da EJA, por
ressignificar os processos de aprendizagem pelos quais os sujeitos se produzem e se
humanizam, ao longo de toda a vida” (PAIVA, 2004, p. 31) ajudou-me a compreender que na
contemporaneidade se faz importante pensar uma visão maior de educação que supere a ideia
de cumprir um tempo perdido/devido de escolarização.
Ainda tomando como base a LDBEN, pautei-me na garantia de pensar a EJA no
diurno como uma das possibilidades de “oferta de educação escolar regular para jovens e
adultos, com características e modalidades adequadas às suas necessidades e
disponibilidades” (LDBEN n. 9.394/96, Art. 4°, inciso VII), entendendo como “regular” a
oferta constante de vagas nesta modalidade, não estando (apenas) articulada a programas de
ações reparadoras e emergenciais que na visão de Fávero (2011, p. 38) apresentam “pequeno
grau de impacto frente à amplitude da demanda (metas de milhares, para necessidade de
milhões) e pouca efetividade”, carecendo também do respeito às especificidades dos sujeitos
que a procuram, buscando alternativas pedagógicas pertinentes que não confundam, “práticas
educativas desta oferta regular de ensino” com “práticas educativas do ensino regular”.
A educação de jovens e adultos tem, historicamente, sua essência e prática marcadas
pelo oferecimento de ensino no horário noturno, mas para que possa constituir direito há que
oferecer estratégias metodológicas diversas em horários diferenciados, considerando a
diversidade de sujeitos, suas expectativas e necessidades, sejam eles trabalhadores noturnos
ou que não podem se ausentar do lar à noite — o caso de mães de família com filhos
pequenos — ou cujos horários livres, em que podem ir à escola, se fazem fora do turno
noturno.
Paiva (2004, p. 29), ao discutir questões da educação de jovens e adultos, levou-me a
pensá-las no momento presente:
A referida autora, ao enunciar as duas vertentes que passam a configurar a EJA após a
V CONFINTEA (Hamburgo, 1997) convidou-me a trilhar esses caminhos, ao abordar a
questão do direito à educação como direito humano fundamental, e discutir a educação
continuada sob a perspectiva do aprender por toda a vida.
Situando a EJA em âmbito internacional, fazendo um recorte sobre a perspectiva do
direito, me apropriei de documentos surgidos nas Conferências Internacionais de Educação de
Adultos (CONFINTEAs) e de autores como Paiva (2009), Haddad (2009), Ireland (2005)
entre outros que registraram, com olhar crítico e meticuloso tais movimentos.
Documentos preparatórios e relatórios finais referentes a essas conferências foram
materiais de fundo nessa pesquisa: a) Documento Nacional Preparatório para a VI Confintea
(BRASIL, 2009, p. 1), que “reafirma o compromisso político do Estado brasileiro para
avançar na garantia do direito à Educação de Jovens e Adultos”, reconhecendo o “ainda
insuficiente nível de oportunidades e de condições oferecidos a jovens e adultos dos setores
populares para garantir seu direito à educação básica” e a “precariedade e vulnerabilidade dos
direitos humanos básicos, o que condiciona o direito à educação de jovens e adultos”; b)
Marco de Ação de Belém (UNESCO, 2010, p. 11), documento final aprovado pela VI
CONFINTEA, que reconhece a educação de adultos como componente essencial do direito à
educação e norteia algumas ações para a consecução desse direito, tais como: “promover e
facilitar o acesso mais equitativo e participação na aprendizagem e educação de adultos,
reforçando a cultura de aprendizagem e eliminando barreiras à participação”; e “prever e
atender grupos identificados com trajetórias de carências múltiplas, especialmente no início
da idade adulta”.
Pautei-me, ainda, na documentação legal da EJA, buscando seu entendimento a partir
da Constituição Federal de 1988, valendo-me de alguns pressupostos, como o presente no
Capítulo III, Seção I, Da Educação, Art. 205 e 206, que preceituam a “educação como direito
de todos, sendo promovida e incentivada com a colaboração da sociedade” e um ensino
ministrado com base nos princípios de “igualdade de condições para o acesso e permanência”.
Tais preceitos levaram-me a pensar em colaborar com meus estudos para subsidiar políticas
que visassem à garantia da educação como direito de todos, irrestritamente, e a discutir, ainda,
na pesquisa realizada, as reais condições de “acesso e permanência” oferecidas aos nossos
alunos na EJA, uma vez que entendo que é não somente pela educação, mas prioritariamente
por ela, que se pode colaborar para a construção/consecução de “objetivos fundamentais” à
educação do país.
25
Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que não
puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais
apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições
de vida e de trabalho, mediante cursos e exames.
Para a discussão das práticas e do campo da EJA envolvi na reflexão autores como:
Fávero (2011) que mapeia as atuais políticas públicas de educação de jovens e adultos e põe
em pauta a política pública de EJA defendida pelos fóruns; Di Pierro e Graciano (2003, p. 2)
ao fazerem um balanço da evolução das políticas públicas na educação de jovens e adultos,
pós V CONFINTEA, alertando que o conceito de formação de adultos ampliou-se depois da
Conferência, compreendendo uma “multiplicidade de processos formais e informais de
aprendizagem e educação ao longo da vida”, o que torna o monitoramento das políticas
educativas particularmente complexo, principalmente no caso do Brasil, pela extensão,
organização política e densa rede de instituições governamentais e não governamentais que
intervêm na esfera pública.
Os registros feitos pelas autoras (DI PIERRO, GRACIANO, 2003) auxiliaram-me a
compreender a caracterização do sistema educacional brasileiro, e a observar, por meio de
dados estatísticos, que mais de 35,8 milhões de jovens e adultos têm menos de quatro anos de
escolaridade, o que equivale a 30% da população brasileira com 15 anos ou mais, e fortaleceu
minhas discussões ao afirmarem que “embora a Constituição assegure o ensino fundamental,
público e gratuito em qualquer idade, a oferta de serviços de escolarização de jovens e adultos
é reduzida, situando-se em patamares muito inferiores à demanda potencial”. (DI PIERRO,
GRACIANO, 2003, p. 13). Isso me remeteu a pensar a possibilidade de ampliação/divulgação
de oferta de ensino a esses alunos, na modalidade diurna, abrindo novas possibilidades em
virtude de exigências sociais surgidas ao longo dos anos.
Morin (2010) alimenta, com seu discurso, a ideia de que qualquer reforma de ensino
deveria conter uma reforma de pensamento, que afronte e detenha a “hiperespecialização
galopante”, ressaltando a importância da transdisciplinaridade em todos os níveis de ensino.
A abordagem transdisciplinar, por tender a reunir disciplinas numa totalidade
(SCHULER, s. d.) cria ponte entre os saberes, favorecendo um campo de troca, diálogo e
integração, em que os fenômenos são encarados sob diversas perspectivas, enriquecidos com
diferentes olhares, o que possibilitaria, na visão de Morin (2010), a superação dos desafios
(culturais, sociológicos e cívicos) encontrados, permitindo a ligação de duas culturas
dissociadas: a cultura da humanidade e a cultura científica, entre outros aspectos.
Contribuiu, também, para esta pesquisa, o pensamento de Nicolescu (1999, p. 22) que,
ao abordar a questão da transdisciplinaridade, afirma que:
A transdisciplinaridade, como o prefixo “trans” indica, diz respeito àquilo que está
ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de
qualquer disciplina. Seu objetivo é a compreensão do mundo presente, para o qual
um dos imperativos é a unidade do conhecimento.
4
Para Nicolescu (1999) e Morin (2010), complexo tem seu sentido na etimologia da palavra: não o contrário do
simples, nem complicado, mas o que está enlaçado, ligado.
28
Este modo de pensar encaixa-se à minha visão de EJA, por entender que alunos que
participam dessa modalidade de ensino trazem outros saberes, vivências e inserções sociais
que vão além dos muros da escola e que, portanto, a escola necessita fazer pontes, articular
saberes para que, de fato, seja mais um ambiente formador e agregador de conhecimentos e
não uma instituição isolada, que partilha saberes fragmentados, que desconsidera saberes dos
alunos perpetuando, assim, e mais uma vez para muitos (visto que muitos foram banidos do
sistema escolar numa determinada época de suas vidas), a exclusão.
Nicolescu (1999, p. 9) ao expor que “o crescimento sem precedentes dos
conhecimentos em nossa época torna legítima a questão da adaptação das mentalidades a estes
saberes” reforça, a meu ver, o direito de todos a aprender por toda a vida.
Ao abordar questões relativas à juventude, tema este relevante na EJA, e
especificamente a meus sujeitos, contei com o aporte teórico de autores como Dayrell (2003),
Carmo (2011) Andrade (2004), e Carrano (2008), que em seus estudos buscaram compreender
os jovens como sujeitos sociais que constroem um determinado modo de ser jovem,
expressando-se em uma sociedade globalizada. Os estudos contribuíram para problematizar
a(s) cultura(s) juvenil(s) contemporânea(s) 5 e repensar (pre)conceitos arraigados em nosso
cotidiano, que nos levam a compreensões estreitas da temática em questão:
5
Uso a expressão com a possibilidade de plural, pelo fato de alguns desses autores defenderem que não há uma
única cultura jovem/juvenil, mas uma multiplicidade de formas de ser jovem na sociedade contemporânea.
6
Alex Honneth (2003), filósofo alemão, retomou os estudos de Hegel na juventude, formulando a teoria do
reconhecimento social, pela qual demonstra que nas variadas formas de conflitos e lutas presentes na sociedade
os sujeitos participantes do processo buscam ser reconhecidos socialmente. A teoria de Honneth tem sido
bastante promissora no sentido de ajudar na compreensão de alguns dilemas da sociedade moderna, nos efeitos
das políticas públicas que se intitulam inclusivas. De modo especial, na educação, alguns pesquisadores têm
discutido causas de evasão/sucesso escolar pautando-se na questão de como as instituições escolares vêm
lidando com o respeito/reconhecimento dos alunos.
29
Intencionando traçar o perfil dos alunos que frequentavam a EJA no horário diurno,
em princípio tinha apenas uma escola como foco (a qual menciono em minha apresentação, ao
narrar meu objeto de estudo). Posteriormente, já em coleta de dados para o andamento de meu
projeto, descobri não ser essa a única escola a oferecer a modalidade no horário diurno da
região investigada; havia outra, em um bairro um pouco mais distante. Acabei decidindo
investigar as duas, de maneira a enriquecer o trabalho realizado, na tentativa de poder
confrontar algumas respostas, perceber incidências (ou não), demandas e revelar esses
sujeitos, entendendo, como me aponta Triviños (1987) que esta comparação poderia
enriquecer a pesquisa qualitativa. Defini o estudo de caso como metodologia de pesquisa, e
este se prestou a meus objetivos porque, ao ter como recorte de trabalho as duas únicas
escolas da E/SUBE/7ª CRE, que desenvolvem EJA na modalidade diurna, foi possível
delimitar meu caso de estudo em um sistema mais amplo, como apontam Lüdke e André
(1986), entendendo-o como “uma unidade que se analisa aprofundadamente” (TRIVIÑOS,
1987, p. 133).
Partindo dessa abordagem qualitativa de pesquisa, permiti-me fazer uso de dados
descritivos “com plano aberto e flexível, focalizando a realidade de forma complexa e
contextualizada” (LÜDKE E ANDRÉ, 1986, p. 18), mesmo entendendo que nem todos os
estudos de caso são necessariamente qualitativos, e nessa abordagem qualitativa preocupei-me
em observar alguns “processos” que pudessem alargar a compreensão do “produto” obtido,
visto ser de meu interesse também traçar não só o perfil desses sujeitos, mas compreender
suas necessidades, formas de inserção escolar, buscando o sentido da educação para os alunos
do diurno dessas escolas.
A metodologia de pesquisa de estudo de caso, ao apresentar algumas características
nomeadas por Lüdke e André (1986, p.31) como: “a aquisição de novas descobertas, a ênfase
da interpretação em contexto, o relato da realidade de forma completa e profunda e a
variedade de fontes de informação” possibilitou-me transitar no espaço da pesquisa
compreendendo que a dinâmica das relações/percepções não são estáticas, fechadas,
permitindo-me construir um espaço de investigação delimitado, porém, aberto a novas
constatações que emergiram no decorrer dos trabalhos. A possibilidade de fazer uso de
diferentes fontes de informação permitiu-me confrontar/complementar ideias, buscar novas
respostas e/ou indagações para as questões investigadas. De igual maneira possibilitou-me
31
refletir sobre a afirmação de Triviños (1987, p. 134): “no estudo de caso qualitativo, onde
nem as hipóteses nem os esquemas de inquisição estão apriorísticamente estabelecidos, a
complexidade do exame aumenta à medida que se aprofunda o assunto”.
A conexão que busquei fazer, partindo de documentos e de outros materiais que
sustentavam a matriz teórica do direito à educação, levou-me a relacionar meu tema a
contextos mais amplos e com os quais o campo dialoga, permitindo-me, ainda, algumas
compreensões sobre os sujeitos e sobre a EJA, buscando perceber a realidade como Paiva
(2009, p. 13), ao afirmar que:
Vivem-se outros tempos na EJA [...] pode-se afirmar que o conhecimento da área,
no Brasil - seja por parte dos pesquisadores do campo, seja por parte da sociedade
organizada, seja por parte das políticas públicas revela um conjunto amadurecido e
crítico capaz de contribuir, impulsionar a ação e transformar a realidade ainda
persistente de interdição ao direito à educação de todos os jovens e adultos privados
de escolaridade. Superar essa interdição significa poder usufruir com plenos poderes
a condição cidadã de participação no mundo da cultura escrita, em condição de
igualdade com aqueles que dispuseram desse mesmo direito na infância.
O que cada pessoa seleciona para “ver” depende muito mais de sua história pessoal e
principalmente de sua bagagem cultural. Assim, o tipo de formação de cada pessoa,
o grupo social a que pertence, suas aptidões e predileções fazem com que sua
atenção se concentre em determinados aspectos da realidade, desviando-se de
outros. (LÜDKE, ANDRÉ, 1986, p. 25).
Outro instrumento utilizado por mim foi o questionário, que me possibilitou obter
alguns dados de forma direta, promovendo padronização de respostas, para melhor análise. O
questionário, nas perguntas “fechadas”, facilitou determinadas respostas que não precisaram
ser escritas, apenas marcadas, em campos definidos, pelo sujeito informante.
Em diálogo com os apontamentos de Carmo (2011) ao detalhar sua metodologia, ainda
que minha pesquisa não tenha sido um survey, segui considerações que me levaram a uma
elaboração criteriosa, cautelosa em relação a perguntas feitas no questionário que elaborei.
Montei o questionário com 33 perguntas, divididas em três blocos, de modo que cada
um deles pudesse oferecer-me indícios de pontos tratados na minha pesquisa. No primeiro
bloco, identificação, tive o objetivo de confrontar os perfis de alunos do PEJA diurno com
descrições evidenciadas em documentos lidos. Para isso, vali-me de itens que fornecessem
dados pessoais do respondente: idade, cor, sexo, data de nascimento, estado onde nasceu,
estado civil, se tinha filhos, outras eventuais ocupações (trabalho, curso), se tinha alguma
deficiência ou necessidade educativa especial, assim como de dados que pudessem informar-
me sua inserção no PEJA: ano de matrícula inicial, bloco em que entrou, tempo que ficou
afastado dos estudos, motivos que o trouxeram para o PEJA diurno, como teve conhecimento
do curso.
No segundo bloco, para observar se a questão tinha relação com “demanda local”
tratei de questões que pudessem orientar-me sobre o entorno escolar: onde moravam, se
escola fica distante ou não, quanto tempo levavam pra vir para a escola , qual o transporte
utilizado e sobre o que achavam do lugar em que a escola ficava localizada.
No terceiro e último bloco, tratei de questões referentes ao PEJA, formulando questões
que me oferecessem indícios sobre como os alunos veem o processo de juvenilização e a
presença de idosos no Programa; se existiam conflitos geracionais e que expectativas cada
sujeito tinha, buscando entendê-las sob o viés da educação ao longo da vida, e como se
inseriam (ou não) nas atividades oferecidas e se gostavam do horário do curso.
Algumas questões abertas propiciaram ao respondente maior liberdade para discorrer
sobre o tema, permitindo-me também melhor compreensão sobre as respostas, comentários,
explicações e esclarecimentos significativos, ainda que contasse, por parte dos mais jovens,
com os limites da escrita e com inibições para relatar algum acontecimento. Pude perceber,
nesses escritos e com olhar sensível, que já me apontavam a “expulsão” como fator de saída
da escola “regular” (sem explicar motivos) e esses indícios iniciais e “estranhamentos”
(CARMO, 2011) me instigaram a querer “ouvir” mais e melhor sobre o fato, o que fiz por
meio da entrevista semiestruturada que realizei posteriormente.
34
fazer o convite a outros alunos presentes naquele dia, marcado para a realização da atividade.
Eram 10 alunos ao todo. Ao estender o convite ao grupo, alguns se mostraram tímidos e
relutantes, e então eu lhes comuniquei que não haveria problema algum se não quisessem
participar. Sugeri, para deixá-los mais à vontade na decisão, que me acompanhassem à sala
destinada à entrevista somente os interessados. No entanto, ao encaminhar-me para a referida
sala, percebi que todos me acompanhavam. Nada comentei a respeito, mas fiquei satisfeita
com a decisão de participação dos alunos.
Antes de começar a entrevista, um deles me perguntou: “Isso vai trazer nossa escola
de volta?”. Respondi sinceramente que não, mas que poderia sinalizar com a pesquisa quem
eram os alunos frequentadores do PEJA diurno, sua importância e as potenciais demandas
para a implementação de outras escolas de EJA, ou não.
Na segunda escola pesquisada, o movimento de realização da entrevista se deu da
seguinte forma: como a escola possuía os dois segmentos do PEJA (I e II), havia decidido
entrevistar 20 alunos (10 do PEJA I e 10 do PEJA II). Na falta de alguns, no dia marcado,
foram entrevistados 15 alunos no total, sendo 7 alunos do PEJA I e 8 do PEJA II. Minhas
“potenciais escolhas” partiram de alguns fatos evidenciados na aplicação do questionário e
nas observações feitas em campo, e que me chamaram a atenção: uma senhora que nunca
havia frequentado escola; uma aluna mãe que estudava na mesma sala de sua filha
“cadeirante”; um aluno casado de 16 anos; uma aluna com 60 anos; alunos integrados; alunos
que trabalhavam; uma aluna que morava muito distante da escola etc. Para melhor condução
da entrevista e anotações dos registros, realizei-a em dois momentos diferentes, agrupando os
alunos por etapas do PEJA (I e II).
Importante ressaltar que na Escola B, no momento da aplicação dos questionários na
turma de lfabetização inicial), contei com a ajuda da professora regente e de mais duas
estagiárias para poder organizar melhor os grupos e auxiliar na marcação das respostas, visto
serem, em maior parte, alunos integrados e sem domínio da leitura e escrita.
Mesmo não constando de meu roteiro inicial, ao tomar ciência de que o PEJA em uma
das escolas pesquisadas estava fechando, incluí as seguintes perguntas:
Por que você acha que seus colegas abandonaram o curso, “se evadiram”?
E por que você ficou?
Diante das perguntas feitas, algumas respostas mereceram considerações, embora não
fizessem parte de meu objetivo, mas atenderam à pressão que a realidade impôs ao
pesquisador.
36
permanecem como utopias, pondo o mundo (educadores, sujeitos, dirigentes, países) sempre a
caminhar.
Segundo Paiva (2009, p. 15 ) “o percurso em busca dos sentidos do direito à educação
para jovens e adultos no plano internacional se inicia a partir da I Conferência Internacional,
em 1949”, consequência da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e
proclamada em 1948 que assim declara no Artigo 26:
Toda pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a
correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório.
O ensino técnico e profissional deve ser generalizado, o acesso aos estudos
superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função de seu mérito.
Conferência Mundial de Educação de Adultos, que, segundo Soares e Rodrigues (2008, p. 11)
apontava “a influência das novas tecnologias, da industrialização, do aumento populacional,
dos desafios das novas gerações e a aprendizagem como tarefa mundial, no sentido de que os
países mais abastados devessem cooperar com os menos desenvolvidos”.
Ressalto que, até aqui, a perspectiva de educação estava centrada no adulto, do que
decorria a sigla EDA, de educação de adultos. Como destaca Paiva (2009, p. 23):
O direito de aprender não é um luxo cultural que se possa dispensar; [...] não é uma
etapa posterior à satisfação das necessidades básicas; o direito de aprender constitui,
desde agora, um instrumento indispensável para a sobrevivência da humanidade. [...]
Para que os povos possam satisfazer eles mesmos suas necessidades essenciais [...];
para que as mulheres e os homens possam gozar de boa saúde, deverão ter o direito
de aprender; para evitar a guerra, será preciso aprender a viver em paz, aprender
para compreender-se. Aprender é a palavra-chave. O direito de aprender é uma
condição prévia do desenvolvimento humano; [...] é uma exigência necessária
também para a solução dos problemas agrícolas e industriais, o processo da saúde
comunitária e a própria transformação das condições pedagógicas. Sem o direito de
aprender não se poderão melhorar as condições de vida dos trabalhadores da cidade
e do campo.
Três anos após esta Conferência, a Constituição Brasileira (1988) veio corroborar a
concepção de educação como direito de todos, questão essa que será discutida, por razões
metodológicas, a posteriori.
Necessário, nesse momento da história, fazer menção ao documento preparatório
nacional para a V CONFINTEA. O documento final, em forma de relatório (BRASIL, 1996)
originou-se de alguns encontros conclamados pela Unesco, como metodologia de preparação
ao evento de 1997. No Brasil, durante o ano de 1996, encontros de regiões agrupadas
seguiram-se a alguns poucos estaduais, tendo como objetivo produzir subsídios e
40
[...] que los jóvenes constituyen hoy en día uno de los principales públicos de la
denominada DEJA y de que es necesario establecer nuevas estrategias que den
respuesta adecuada a las demandas educativas juveniles. El eco de esta iniciativa
latinoamericana fue mayor en representaciones de África, Estados Árabes y parte del
Asia que en las de países del Norte desarrollado, con realidades etarias y
poblaciones distintas a la nuestras. [...] Se plantean por lo menos tres áreas de acción
prioritaria: — Generar motivaciones para una mayor participación ciudadana
juvenil. — Programas en apoyo a la inserción laboral de la Juventud. — Énfasis en
la educación media de jóvenes con escasos recursos.
(UNESCO/CEAAL/CREFAL/INEA apud PAIVA, 2009, p. 90-91).
41
7
O autor refere-se à Comissão Nacional de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos, formalmente
existente.
43
Agreguei a esta discussão a análise de Di Pierro (2000, p. 24-25 apud PAIVA, 2009,
p. 87) feita à concepção compensatória de EJA sobre a qual a política pública vinha-se
fazendo:
Existem hoje mais pessoas idosas no mundo do que havia antigamente, e esta
proporção continua aumentando. Esses adultos mais velhos têm muito a oferecer ao
desenvolvimento da sociedade. Portanto, é importante que eles tenham a mesma
oportunidade de aprender de forma apropriada. Suas habilidades devem ser
reconhecidas, valorizadas e utilizadas. (UNESCO, 1998).
As mulheres têm direito a oportunidades iguais. A sociedade, por sua vez, depende
da contribuição das mulheres em todas as áreas de trabalho e em todos os aspectos
da vida cotidiana. As políticas de aprendizagem voltadas para a alfabetização de
jovens e adultos devem estar baseadas na cultura própria de cada sociedade, dando
prioridade à expansão das oportunidades educacionais para todas as mulheres,
respeitando sua diversidade, eliminando preconceitos e estereótipos que limitam seu
acesso à educação de jovens e adultos e que restringem os benefícios da educação.
Qualquer argumentação que restrinja o direito de alfabetização das mulheres deve
ser categoricamente rejeitada. Medidas devem ser tomadas para garantir que não
ocorram restrições a esse direito.
Afirmando a existência de milhões de pessoas — a maioria mulheres — que não têm
oportunidade de aprender, nem mesmo de se apropriar desse direito, sou conduzida a pensar a
forma de oferta diurna de EJA como criação de “pré-condições para a efetiva educação”
exposta no parágrafo 11 da Declaração, que ainda assumia o compromisso de assegurar
“oportunidades para que todos possam ser e se manter alfabetizados”, favorecendo a educação
para todos e de forma mais urgente para “inalcançáveis e os excluídos”.
45
8
O documento Política de Educação Especial (MEC/2008) faz uma releitura, após a Declaração de Salamanca
(1994), do termo “necessidades especiais” usado até então, recomendando que o conceito de necessidades
educacionais especiais passe a ser amplamente disseminado, ressaltando a interação das características
individuais dos alunos com o ambiente educacional e social, chamando a atenção do ensino regular para o
desafio de atender as diferenças.
46
Não é apenas um direito, mas também um dever e uma responsabilidade para com
os outros e com toda a sociedade. É fundamental que o reconhecimento do direito à
educação continuada durante a vida seja acompanhado de medidas que garantam
condições necessárias para o exercício desse direito. (UNESCO, 1998.)
Ao estabelecer desafios, metas e acordos, reconhecia ainda que estes não podiam
acontecer sem a devida participação de todos, entendendo que a EJA é um dos principais
meios “para se aumentar significativamente a criatividade e a produtividade, transformando-
as em condição indispensável para se enfrentar problemas complexos e inter-relacionados de
um mundo caracterizado por rápidas transformações e crescente complexidade e riscos”.
O texto terminava com os signatários declarando que todos os setores acompanhariam
a implementação da Declaração e da Agenda para o Futuro, determinados a assegurar que a
aprendizagem ao longo da vida se tornasse uma realidade concreta no início do século XXI.
Assumiam o compromisso “com o objetivo de oferecer a homens e mulheres as oportunidades
de aprender ao longo de suas vidas” [...] construindo, para isso, “amplas alianças para
mobilizar e compartilhar recursos, de forma a fazer da educação de adultos um prazer, uma
ferramenta, um direito e uma responsabilidade compartilhada”.
Diante das formulações presentes na Declaração de Hamburgo, Paiva (2009, p. 93-94)
considerou que:
A educação, no sentido para o qual segue o texto, sem dúvida, é muito mais do que a
chave para o século XXI, porque a ela se credita o poder de mobilização e
participação social, democratização das oportunidades, participação no mercado de
trabalho e geração de renda, inclusão na sociedade da informação, participação de
homens, mulheres, jovens, idosos em igualdade de condições, valorizando uma
cultura de paz e apontando para novos paradigmas de desenvolvimento.
47
Todos estes atores e parceiros devem trabalhar com a UNESCO e demais agências
da ONU para impulsionar, monitorar coletivamente e responder pelo endosso à
implementação da aprendizagem ao longo da vida, feito por ocasião da V
CONFINTEA. Nós acreditamos que a vontade política para atingir as metas da
Declaração de Hamburgo e da Agenda para o Futuro deve agora ser reforçada com a
alocação de recursos, munida de um plano de ação concreto e de novas parcerias.
Hoje, mais do que nunca, a educação e a aprendizagem de adultos compõem a chave
indispensável para liberar as forças criativas das pessoas, dos movimentos sociais e
das nações. Paz, justiça, autoconfiança, desenvolvimento econômico, coesão social e
solidariedade continuam sendo metas indispensáveis e obrigações ainda a serem
perseguidas e reforçadas pela educação e aprendizagem de adultos. (UNESCO, 2003
apud IRELAND, 2005, p. 17).
Bangcoc não inovou do ponto de vista das tendências que a educação de jovens e
adultos assumia no interior dos países. Mesmo diante de concepções cujo
enfrentamento exigiria investimentos fortes — o caso da juventude como público de
grande expressividade —, não questionou as orientações dos agentes financeiros que
ditavam regras para o campo, contendo as políticas de largo atendimento a propostas
tímidas e compensatórias. Ao contrário, reafirmou metas estabelecidas e sustentou o
monitoramento nas mesmas bases, embora atestando a distância dos países dessas
metas, decorridos seis anos, e sua inexequibilidade prática.
49
Segundo Ireland (2005, p. 15), nesse balanço houve a compreensão de que não foi
consolidado “nem nas políticas nem nas práticas” o compromisso com o conceito de educação
como processo continuado, que se estende ao longo da vida. Avaliou-se que “para a maioria
dos governos, a educação de adultos continua sendo uma atividade de importância marginal
na agenda das políticas educacionais que corre o risco de ser reduzida a uma meta escolar
mínima de educação básica para todos”.
Mediante o descaso de muitos governos firmarem os compromissos assumidos,
Ireland (2005, p. 3) ainda registrou que a “EJA já está acostumada a buscar meios de
sobrevivência. Bangcoc foi um ato de resistência”.
No Brasil, o novo governo Lula, iniciando em 2003, e com forte compromisso com a
alfabetização de jovens e adultos, preparou o Relatório Nacional de Educação de Jovens e
Adultos a ser levado a Bangcoc (BRASIL, 2003 in IRELAND, MACHADO e PAIVA, 2004),
tendo como responsável o Ministro da Educação Cristovam Buarque. O MEC tentava fazer da
alfabetização de adultos uma prioridade no governo federal, porém, segundo Paiva (2009, p.
122-123) “o fazia pela via restrita, e sempre autoritária a que se apegam os dirigentes, sem
escuta dos setores que atuam sobre o campo e que sobre ele pensam sistematicamente”.
Apesar da tentativa de pôr em prática a ideia de educação “para todos”, não
priorizando crianças em detrimento de adultos, como havia feito o governo de Fernando
Henrique Cardoso, a prática dessa ação tornou-se inexequível pela falta de estrutura maior
que pudesse pensar a questão num plano de médio e longo prazos. O governo propunha, como
“tábua de salvação”, o Programa Brasil Alfabetizado “cujo assento na nova Secretaria
Extraordinária de Erradicação do Analfabetismo (SEEA) assustava pela exumação de um
termo sepultado na prática social da EJA”. (PAIVA, 2009, p. 123).
O documento final levado a Bangcoc, produzido pelo Ministério da Educação, iniciava
evidenciando o fortalecimento entre o MEC e os sistemas municipais e estaduais de educação
e organizações não governamentais. Evidenciava também sua atuação junto aos Fóruns de
Educação de Jovens e Adultos, a esta altura cobrindo quase todos os estados do território
nacional, objetivando melhoria e qualidade para a modalidade.
Ressaltava os marcos legais da EJA e apontava dados de pesquisa que mostravam a
situação do analfabetismo no país, sinalizando o número de jovens e adultos que não
cumpriram a escolarização obrigatória em oito anos, revelando ainda profundas desigualdades
na oferta de oportunidades entre as regiões do país.
O documento afirmava apoiar “técnica e financeiramente as organizações
governamentais e não governamentais no desenvolvimento de ações voltadas para a oferta de
50
ensino fundamental dos jovens e adultos que não tiveram acesso a esse nível na idade própria”
(BRASIL, 2003 apud IRELAND; MACHADO; PAIVA, 2004, p. 166) e ressaltava o
Programa Fazendo Escola como fator de contribuição para a superação do analfabetismo e da
baixa escolaridade presentes nas regiões mais pobres do país.
Também assinalava o apoio financeiro dado aos governos (valor per capita) conforme
a matrícula registrada pelo Censo Escolar em cursos presenciais de EJA, sinalizando o
crescente investimento financeiro na área e comprovando o decréscimo desse investimento
entre 1998 e 2001. Entretanto, por meio de dados de pesquisa, e tendo em vista a política de
apoio financeiro a determinadas regiões, apresentava crescimento considerável de projetos,
número expressivo de matrículas de jovens e adultos entre os anos de 2000 e 2002, assim
como a evolução do número de municípios que passaram a oferecer a EJA em cursos
presenciais, apontando ainda que:
O Brasil não consegue realizar o esperado balanço dos seis anos pós-Hamburgo,
pelo fato de concentrar a descrição de suas ações no período mais recente de atuação
governamental. Mesmo que os dados não fossem de relevo — e até admite-se que
não tenham sido, face à opção política do governo anterior —, a memória desse
tempo e sua crítica deixam de ser feitas, denotando a parcialidade, também, com que
se assume o compromisso internacional.
Sob um novo governo, iniciado em 2003, com larga expectativa popular, depois de
três eleições seguidas à presidência em que não lograva sucesso, percebia-se abertura ao
diálogo com o campo da EJA, e fazia-se da alfabetização de adultos uma das metas principais
de trabalho, por meio da qual inicia-se este percurso.
Segundo Henriques e Ireland (2006, p. 348)9, o governo Lula reconheceu que a
educação brasileira não atendia com qualidade à exigência da democratização; que a marca da
desigualdade pontuava os sistemas de ensino; e que a educação “aponta a urgente necessidade
de renovação da agenda e de ampliação do empenho de toda a sociedade e dos governos, para
superar suas limitações evidentes e amplamente identificadas”. De posse dessa compreensão,
os autores relacionaram alguns princípios que orientaram diretrizes formuladas para as
políticas implementadas no campo da educação:
9
Os autores foram, respectivamente, Secretário de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD)
e Diretor de Políticas Públicas desta mesma Secretaria.
53
10
Esta Secretaria, a partir do Governo Dilma Roussef, absorveu o I de inclusão, antes ancorado na Secretaria de
Educação Especial, extinta, pela nova concepção assumida para pessoas com qualquer tipo de deficiência.
Assim, passou a denominar-se SECADI, e incorporou a dimensão de inclusão, como mais um campo político
de luta e constituição de direito à educação.
55
Percebe-se, por parte do MEC daquele tempo, a busca de melhoria nas competências
profissionais da área, o investimento na pesquisa e em outros instrumentos de avaliação,
envidando esforços para a formação de profissionais em todos os níveis. Henriques e Ireland
(2006, p. 357) destacavam que:
Foi nessa próspera conjuntura que o Brasil ofereceu à Unesco sua candidatura como
sede para a realização da VI CONFINTEA, não sem contar com o apoio e a mobilização de
várias entidades da sociedade civil mundial, pois segundo Haddad (2009, p. 362), houve uma
certa demora por parte da Unesco pois, pronunciar tal aceitação, implicava correr o risco que
a Unesco temia de “realizar uma reunião como esta na América Latina, com governos
57
11
CNAEJA significa Comissão Nacional de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos, instância consultiva
da SECAD, com representantes titulares e suplentes de diversas entidades da sociedade civil e de Secretarias
do MEC afins com o campo da EJA. Com regimento próprio, reuniu-se regularmente, segundo o previsto,
durante um largo tempo, contribuindo, especialmente no período de atuação da SECAD, como instância
efetivamente consultiva, que debatia, fundamentava, promovia estudos e encaminhava posições políticas,
dando sustentação à Secretaria, o que fazia principalmente em disputa de concepções, que buscavam assegurar
a possibilidade de hegemonia de políticas para a EJA, segundo construções de sentido que vinham sendo
duramente conquistadas. (Informação prestada por PAIVA, em 2013, integrante da Comissão por dois
mandatos: o primeiro, de 2003 a 2005, como representante dos Fóruns de EJA, desde sua constituição, no
tempo ainda da SEEA. Em negociação pública em reunião do Fórum EJA/RJ em 2003, com a presença do
então Secretário João Luiz Homem de Carvalho (Secretário Nacional Extraordinário de Erradicação do
Analfabetismo), teve êxito a proposta da depoente ao Secretário, defendendo a participação dos Fóruns como
membro efetivo da Comissão que ele anunciava. A partir daí, uma consulta aos Fóruns já existentes indicou a
depoente como representante, pelo histórico de fundação e luta do primeiro Fórum de EJA criado no país, no
Rio de Janeiro; o segundo mandato, de 2009 a 2010, ocorreu como representante da Associação Nacional de
Pós-Graduação e Pesquisa em Educação [ANPEd], quando coordenava o GT 18 de EJA).
58
dirigentes do MEC e do Secretário, apurando forma e clareza de ideias, já que o conteúdo fora
objeto de apreciação regulamentada e processual. O Documento Nacional foi apresentado,
posteriormente, em setembro de 2008, no Encontro Regional Preparatório, realizado no
México, objetivando consolidar uma nova instância de apresentação do posicionamento
latinoamericano e caribenho sobre políticas educativas e seus desafios no continente.
Soares e Rodrigues (2008, p. 19) salientam o fato de a VI CONFINTEA ser acolhida
no Brasil, servindo como indício:
[...] capaz de fornecer algumas pistas para alguns dos desafios da modalidade na
América Latina com relação à educação como direito humano, às juventudes fora do
processo escolar. Aos alunos com necessidades educativas especiais, à educação
intercultural, às possibilidades de uma agenda comum pós Confintea, ao
entendimento da relevância do legado da educação popular, enfim, à implementação
de um sistema nacional de EJA.
12
Este texto introdutório foi concebido e incorporado ao documento no México, pela necessidade de distribuí-lo
aos presentes, demarcando o processo democrático instituído no Brasil para fazê-lo, ao se perceber a correlação
de forças presente, em que a hegemonia de alguns grupos ligados à relatora regional para América Latina e
Caribe, a educadora Rosa María Torres, indicada pelo CREFAL para a tarefa, adversamente sustentavam —
contrariamente ao demandado pela Oficina Reginal da Unesco no Chile — a manutenção de um texto autoral,
expressando posição própria (e de alguns grupos que representava) sobre a educação de adultos na região, no
contexto do neoliberalismo que ainda vitimava muitos países e da política de outros a quem fazia oposição. A
posição assumida não se consolidara a partir dos documentos dos países, o que gerou forte tensão entre os
grupos, e, por fim, uma negociação avessa resultou em acordo sobre o texto produzido, para representar a voz
dos Estados-membros da região. (Informação prestada por PAIVA, em 2013, participante como observadora, a
convite da Unesco Brasil).
59
13
Dados do Censo (IBGE, 2010) apontam atualmente 13,9 milhões de brasileiros com 15 anos ou mais sem
escolarização, o equivalente a 9,6 % da população brasileira.
60
10
7,9 7,6 7,4
8 7,2 6,6 6,5 6,1
5,8 5,7 5,8 5,9
6 4,3 1996
4 2006
2
0
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N
ações educativas para o campo, efetivando políticas públicas. Esse incentivo fez diferença? O
aumento de anos de estudo deveu-se à efetivação das políticas públicas do novo governo?
Do ponto de vista de gênero, as mulheres apresentaram média de 0,3 anos de estudo
acima dos homens e, em relação à localização espacial, a população urbana apresentou 3,4
anos de estudo a mais que a população rural.
Registrava-se no Documento a ampliação do acesso à educação superior “ainda não
favorecendo de igual maneira a brancos e negros”, aumentando a participação dos pretos e
pardos em 15 pontos percentuais (de 7,1% para 22%), podendo ser resultado das políticas de
ação afirmativa empreendidas.
O Documento sinalizava, ainda, como grande desafio educacional brasileiro, a
melhoria do fluxo escolar, pois se percebiam altas taxas de retenção, baixas taxas de
conclusão e abandono, que geravam, no interior do próprio sistema, demanda por educação de
jovens e adultos. Os dados analisados levavam à seguinte crítica:
[...] apesar dos avanços realizados, as deficiências do sistema escolar brasileiro ainda
produzem grandes contingentes de pessoas com escolaridade insuficiente, lançando
no horizonte a necessidade de construir um sistema educacional que melhore a
qualidade do ensino oferecido em todas as modalidades, contemplando a EJA e
orientando as políticas para a superação das desigualdades educacionais e sociais.
(BRASIL, 2009, p. 5)
Analisando por segmento, constata-se que nas séries iniciais do ensino fundamental
esse crescimento foi de 65% enquanto nas séries finais foi de 55%. Esse crescimento
deveu-se basicamente à rede municipal cuja participação no total de matrículas no
ensino fundamental de EJA saltou de 26,4% em 1997, para 59,2%, em 2006.
(BRASIL, 2009, p. 4).
[...] quanto menor o crescimento da matrícula no ensino médio regular, maior será a
demanda potencial por EJA. Esse crescimento decorreu, essencialmente, do
crescimento do atendimento pela rede estadual, responsável por este nível de ensino
e a rede privada, a partir de 2001 apresentou queda nas matrículas. Não obstante o
63
ensino médio não ser de responsabilidade dos municípios e nem do governo federal,
estes apresentaram também crescimento no período, embora com pequena
participação no total de 3,5% em 2006. Item 21. (BRASIL, 2009, p. 6)
Tabela1– Matrículas de jovens e adultos (pessoas com 15 anos ou mais), segundo tipos de oferta – Brasil, 2006
EJA– Fundamental (presencial) 3.516.225
EJA – Fundamental (semipresencial / presença flexível) 349.404
EJA – Ensino Médio (presencial) 1.345.167
EJA – Ensino Médio (semipresencial / presença flexível) 405.497
Total na EJA 5.616.293
Ensino Regular 1ª a 4ª séries (alunos com 15 anos ou mais) 592.831
Ensino Regular 5ª a 8ª séries (alunos com 18 anos ou mais) 1.091.561
Ensino Regular Médio (alunos com 25 anos ou mais) 640.536
Educação Profissional / Nível Médio (alunos com 25 anos ou mais) 276.685
Educação Especial / EJA 36.953
Educação Especial Regular (alunos com 15 anos ou mais) 129.515
Total nas demais ofertas 2.768.081
Total Geral 8.384.374
Fonte: Censo Escolar, 2006
Como direito, a EJA é inquestionável e, por isso, tem de estar disponível para todos,
em cumprimento ao dever do Estado, como modalidade no âmbito da educação
básica preceituada na legislação nacional, bem como na perspectiva da educação ao
longo da vida. EJA, como direito, pressupõe em sua práxis que o trabalho realizado
garanta acesso, elaboração e reconstrução de saberes que contribuam para a
humanização e emancipação do ser humano. (BRASIL, 2009, p. 13).
O parágrafo citado convidou-me a refletir, também, sobre quem são os sujeitos da EJA
no atendimento diurno das escolas que constituem meus loci de pesquisa, e a pensar a
diversidade que costuma ser vista pelo viés da desigualdade no país, entendendo que:
Ainda que não seja o recorte dessa pesquisa, o Documento convida-me a pensar,
também, na formação do educador de EJA, situando especificidades de
educadores/professores em uma formação condizente com características dessa modalidade,
afirmando que “há uma docência que se constitui conjuntamente a um estatuto próprio da
EJA, na produção e acúmulo de saberes teórico-metodológicos, o que leva à defesa de uma
sólida formação de nível superior para a docência na EJA. (BRASIL, 2009, p. 17).
Como estratégias político-didático-pedagógicas para a EJA, o Documento reconhece
saberes adquiridos pelos alunos como resultantes de processos que acontecem ao longo da
vida em todos os espaços, e recomenda estratégias que valorizem esses aprendizados,
passando essas ações de intenções a políticas públicas, ao afirmar que:
[...] são as necessidades da vida, desejos a realizar, metas a cumprir que ditam as
disposições desses sujeitos e, por isso, a importância de organizar e assegurar
tempos e espaços flexíveis, em todos os segmentos, garantindo o direito à educação
e aprendizagens ao longo da vida. (BRASIL, 2009, p. 18-19).
67
[...] não há como pensar em educação como direito público subjetivo apenas no
ensino fundamental para jovens, adultos e idosos, sem uma clara definição, no
ensino, de mudanças necessárias nas estratégias de acesso, permanência e qualidade
do conhecimento produzido. Tais mudanças devem ser definidas de forma
democrática pelos sujeitos desse processo, explicitadas na proposta pedagógica e na
organização curricular para essa modalidade de ensino, levando em conta a realidade
local e regional. (BRASIL, 2009, p. 22).
sem mobilização de demanda e, nesse aspecto, o poder público e a sociedade devem ser fortes
aliados da modalidade de EJA” (BRASIL, 2009, p. 23). Reafirmava-se que essa mobilização
deveria ser feita por chamada pública para a matrícula, utilizando estratégias de
convencimento da população. “Permanência tem a ver também com o que se encontra na
escola”: valorização dos educandos; condições de infraestrutura; tratamento dispensado à
prática pedagógica; além de associar possibilidades para a permanência a outras condições
como transporte acessível; à cultura institucional de valorização da presença dos sujeitos
alunos, o que exigiria do poder público, ações conjuntas em diferentes esferas e níveis.
Considerando ser difícil a tarefa de mobilização de jovens e adultos para retorno à
escola, o Documento apontava uma questão primordial a ser enfrentada: a produção de
conhecimentos significativos, de qualidade, e funcional para os alunos de EJA, reconhecendo
que somente a certificação não parecia ser o melhor caminho, fazendo críticas a políticas de
certificação aligeiradas.
Discutindo os sentidos de qualidade da educação, sinalizava que a EJA precisava ter
definição clara de seus objetivos e estratégias político-didático-pedagógicas, buscando
também compreender a trajetória escolar dos sujeitos envolvidos, criando condições efetivas
de produção de conhecimento o que implicaria, de certa forma, “ter uma estratégia coerente
de gestão, de recursos financeiros públicos e humanos compatíveis com as necessidades
demandadas pelos desafios da EJA, incluindo-os na política e em programas de assistência ao
educando” (BRASIL, 2009, p. 23), e reconhecendo também a necessidade de formação de
profissionais para atuar na modalidade, o que poderia garantir a qualidade e a continuidade do
trabalho.
Diante de todo o macrocontexto registrado, cabe assinalar o que significou o Brasil ser
sede, em dezembro de 2009, na cidade de Belém/Pará, da VI Conferência Internacional de
Educação de Adultos. Muito da história que captei deveu-se a relato de Paiva (2013),
participante, como integrante da CNAEJA, da delegação oficial brasileira, que fez emergir,
pelo resgate da memória, os bastidores a que teve acesso, na mediação democrática do
Secretário da SECAD14, da equipe da relatoria, que partilhou com os delegados do Brasil e
com toda a comitiva brasileira o processo, realimentando-se e sendo realimentado pelos
educadores presentes ao evento, em maior número no caso do Brasil, pela condição de país
sede. Fica, dessa forma, registrada parte da história não narrada nos documentos oficiais,
integrando a memória de um tempo de luta desafiador para o governo que escolhera como
lema Brasil, um país de todos.
Depois de um árduo processo de preparação, com inúmeras visitas de equipes técnicas
avaliando as condições de acolhimento de diversas cidades brasileiras, em itens como
segurança de dignitários, hospedagem adequada, transporte e deslocamento, entre tantos
outros itens exigidos apenas por ser um país do hemisfério Sul, chegou-se à definição de que a
cidade de Belém, com um belíssimo e moderno centro de convenções, além do apelo da
região situada no coração da floresta amazônica, seria a sede do evento internacional.
Marcado para maio de 2009, viu os esforços e os gastos nacionais se desfazerem, quando a
OMS recomendou o adiamento de quaisquer eventos que agrupassem muitas pessoas, pelas
ameaças da gripe causada pelo vírus H1N1, não confirmadas como pandemia pelo alarmismo
geral. Remarcado, depois de intensas negociações, alcançou dezembro do mesmo ano,
exigindo do governo brasileiro malabarismos para manter as mesmas condições iniciais,
lugares, centro de convenções disponível etc.
O documento final da VI CONFINTEA, denominado Marco de Ação de Belém, após
aprovação por aclamação em plenária - sem ainda incorporar mudanças finais da relatoria,
pressionada por observadores americanos que se intrometeram na equipe e alteraram
fundamentalmente determinadas concepções do documento - não permitiu destaques das
delegações, que tiveram de confiar no trabalho futuro a ser feito. Na disputa de concepções,
muitas conquistas duramente alcançadas nos grupos de trabalho foram revertidas, pela lógica
14
O Secretário da SECAD na época era o Prof. Dr. André Lázaro, que coordenou e foi responsável, como
representante do MEC, por todo o processo relacionado à VI CONFINTEA no Brasil.
70
hegemônica que rege as instituições das Nações Unidas, submissas ao poder econômico de
quem as mantém com a maior parte dos recursos. Louve-se o lobby dos profissionais ligados à
Justiça, que cerraram fileiras e não recuaram, até obter a enunciação de seus sujeitos privados
de liberdade no texto final, como sujeitos de direito à educação.
O Marco de Ação de Belém afirmou que o grande desafio é “passar da retórica a ação,
envidando esforços para que as recomendações sejam implementadas nas políticas públicas da
educação de jovens e adultos de qualidade e no fortalecimento do direito à educação para
todos” (BRASIL, 2010, p. 4). Suas formulações traçaram caminhos para uma educação mais
inclusiva e equitativa, reafirmando, em muito, concepções já enunciadas na Declaração de
Hamburgo.
Reiterou o papel fundamental do aprender na educação de adultos e comprometeu-se a
promover com urgência a agenda da aprendizagem desses sujeitos. Reconheceu o papel do
ensino e da educação de adultos na consecução dos Objetivos de Desenvolvimento do
Milênio15, além de considerar a aquisição de conhecimentos ao longo da vida para resolver
questões globais e desafios educacionais. Também reafirmou os quatro pilares da
aprendizagem16, assim como recomendado pela Comissão Internacional sobre Educação para
o Século XXI, que são: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a ser e aprender a
conviver com os outros. Considerou a alfabetização como pilar indispensável, permitindo que
jovens e adultos participassem de oportunidades de aquisição de conhecimento em todas as
fases do continuum da aprendizagem e reafirmou que o direito à alfabetização é parte inerente
do direito à educação.
15
Compromisso firmado em Declaração por 191 Estados Membros da Organização das Nações Unidas (ONU)
em setembro do ano 2000 e reafirmado em 2010, objetivando cumprir até 2015 oito objetivos em favor do
desenvolvimento e da eliminação da pobreza, da miséria e da fome no mundo; da promoção da educação
básica de qualidade para todos; da garantia da sustentabilidade ambiental e qualidade de vida; da igualdade de
gênero, promovendo a autonomia e valorização das mulheres; de políticas de saúde visando combater a AIDS,
malária e outras doenças e de redução da mortalidade infantil; de melhoria da saúde e cuidados das gestantes; e
de todos trabalhando pelo desenvolvimento.
16
Decorrentes do Relatório Jacques Delors, nascidos da compreensão de competências a serem adquiridas em
virtude de novos caminhos educacionais impostos pelo armazenamento de informações e comunicação que a
sociedade vem demandando.
71
Os direitos humanos são coisas desejáveis, isto é, fins que merecem ser perseguidos,
e de que apesar de sua desejabilidade, não foram ainda todos eles (por toda parte em
igual medida) reconhecidos; estamos convencidos de que lhes encontrar um
fundamento, ou seja, aduzir motivos para justificar a escolha que fizemos e que
gostaríamos fosse feita também pelos outros, é um meio adequado para obter para
eles um amplo reconhecimento.
Buscando ainda (e mais uma vez) evidenciar a questão do direito à educação para
todos irrestritamente, tendo um olhar especial voltado àqueles que ao longo da história
73
tiveram esse direito negado, direito esse que nos dias atuais ainda carece de maior
compreensão e efetividade, me dispus a discuti-lo em suas bases legais, entendendo que todas
as lutas por essa garantia não são definitivas e que os documentos legais que tomo como
aportes, não são os únicos nesta incansável luta de fazer valer a garantia do direito à educação
de jovens e adultos no país. Concordo com Andrade (2008, p. 56) quando aponta que:
A educação é um direito humano fundamental porque sem ela não poderíamos
reflexivamente nos tornar humanos, tampouco ter consciência que somos humanos e
por isso mesmo um ser merecedor de toda dignidade. É em defesa da condição
inegociável da dignidade humana que se estabeleceram – e seguirão sendo
estabelecidos - todos os direitos que reconhecemos e ainda viremos a reconhecer.
A questão do direito público subjetivo exige pensar seu significado, para o que Horta
(1998, p. 7-8) contribui:
17
Conceito discutível, segundo Paiva (2009), para quem a EJA vem ganhando novas compreensões a partir da
ideia de educação ao longo da vida.
75
de lutas pois, concordando com Bobbio (apud HORTA, 1998, p. 7 ), “o problema mais grave,
hoje, não é mais o de fundamentar os direitos, e sim o de protegê-los.”
Respeitando e resguardando o que assegura a Constituição Federal, a LBDEN n.
9.394/96, no Art. 4º, inciso VII, prevê a “oferta de educação escolar regular para jovens e
adultos, com características e modalidades adequadas às suas necessidades e
disponibilidades”. Creio que a investigação realizada, ao traçar o perfil dos sujeitos da EJA no
horário diurno da rede pública, ainda que numa determinada região, tende a colaborar na
compreensão desse pressuposto ao discutir “necessidades” e “disponibilidades” em questão.
As seguintes enunciações presentes na LDBEN, Art. 37 da Seção V: “a educação de
jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no
ensino fundamental e médio na idade própria”, e o parágrafo 1° formulam o espírito
pedagógico da lei:
Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que não
puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais
apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições
de vida e de trabalho, mediante cursos e exames.
Estas enunciações me animaram a investigar sobre quem tem sido esse alunado, suas
características e as “reais oportunidades educacionais apropriadas” que vêm ou não
recebendo, buscando não somente destacar tais questões, mas contribuir de forma profícua
para o campo, com este estudo de caso.
Uma crítica favorável à LDBEN, a despeito de ter sido ela uma “colcha de retalhos”
no que se refere à conciliação de interesses governistas, privatistas e publicistas, faz Soares
(2002, p. 12), em relação aos Artigos 37 e 38, observando que a lei incorporou a mudança
conceitual no campo da EJA, cuja discussão acontecia desde o final da década de 1980.
Contribuiu com minhas reflexões, ainda, ao afirmar que:
necessidades? O que caracteriza um aluno da EJA no diurno? O que os alunos esperam desse
atendimento? Reconhecem-se como estudantes de EJA? De que forma são estimulados a
usufruírem da garantia do “acesso e permanência” previstos pela Lei? Existem práticas que
demonstrem ter esta forma de oferta maior garantia de sucesso e de qualidade de ensino para
os alunos?
Outra referência relevante no estudo empreendido foi o Parecer CNE/CEB n. 11/2000
que regulamenta as diretrizes curriculares para a educação de jovens e adultos e coloca a
discussão da EJA no Brasil “em excelente patamar teórico” (FÁVERO, 2011, p. 33). Paiva
(2004, p. 33) afirma que o Parecer:
[...] conferiu à EJA um texto de diretrizes que a reinsere no plano em que precisa ser
discutida, compreendida e apreendida: o do direito. Ou seja, não apenas a
escolarização se reforçava como ação da educação de jovens e adultos, mas também
as demais ações educativas que trabalhavam com os segmentos mais pobres e os
empobrecidos das populações, com a finalidade de proporcionar-lhes a experiência
de saber o que é ter direito e de se organizar para conquistá-lo.
área, não mais restrita à questão da escolarização, ou da alfabetização, como foi vista por
longo tempo”.
Assumindo a compreensão da educação ao longo da vida como fator primordial para
se pensar e concretizar práticas de EJA e de valorização de sujeitos com ela imbricados,
discutirei questões relativas ao tema mais adiante.
O Parecer (p. 22) retoma o sentido do direito público subjetivo previsto pela
Constituição Federal e alterado na LDBEN pela Emenda Constitucional n. 14/96:
[...] apesar do estreitamento da redação trazida pela emenda 14/9618, ela deixa ao
livre-arbítrio do indivíduo com mais de 15 anos completos o exercício do seu direito
público subjetivo. Basta ler o art. 5° da LDB que universaliza a figura do cidadão e
não faz e nem poderia fazer qualquer discriminação de idade ou de qualquer
natureza.
[...] na prática, isto significa que o titular de um direito público subjetivo tem
asseguradas a defesa, a proteção e a efetivação imediata do mesmo quando negado.
Em caso de inobservância deste direito, por omissão do órgão incumbido ou pessoa
que o represente, qualquer criança, adolescente, jovem ou adulto que não tenha
entrado no ensino fundamental pode exigi-lo e o juiz deve deferir imediatamente,
obrigando as autoridades constituídas a cumpri-lo sem mais demora.
18
Refere-se à Emenda Constitucional que, ao criar o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação e
Valorização do Magistério (FUNDEF), excluiu os estudantes de EJA dos benefícios da redistribuição de
recursos que o Fundo visava.
80
Isto importa em oferta necessária da parte dos poderes públicos a fim de que o censo
e a chamada escolares não signifiquem apenas um registro estatístico. Para tanto, o
censo deverá conter um campo específico de dados para o levantamento do número
destes jovens e adultos.
19
Documento elaborado durante a Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada na cidade de Jomtien
(Tailândia), que fornece definições e novas abordagens sobre necessidades básicas de aprendizagem,
estabelecendo compromissos mundiais visando a garantir a todos conhecimentos básicos necessários a uma
vida digna, com vista a uma sociedade mais humana e mais justa.
81
cotidianas que educam, ou seja, o direito à educação ao longo da vida ou, melhor dizendo, o
direito de aprender por toda a vida. Esta enunciação tem adquirido entre nós diversos
sentidos, traduzidos de diferentes maneiras, que apresento neste item. Educação ao longo da
vida compreende um processo de formação humana, de crescimento e de realizações pessoais.
Para Haddad (2007, p. 27), este sentido é traduzido como educação continuada:
Assmann (2011, p. 35) contribui para essa compreensão do aprender por toda a vida,
fazendo “cair por terra” o discurso ainda muito presente do “tempo certo de aprender”, da
“idade apropriada”. O referido autor aponta que o sentido da aprendizagem/conhecimento
ligado somente a uma “boa escola, com bons professores e alunos” entrou em crise:
Hoje o avanço das biociências nos foi mostrando que a vida é essencialmente
aprender, e que isso se aplica aos mais diferentes níveis que se podem distinguir no
fenômeno complexo da vida. Parece que se trata deveras de um princípio abrangente
relacionado com a essência de “estar vivo”, que é sinônimo de estar interagindo,
como aprendente, com a ecologia cognitiva na qual se está imerso, desde o plano
estritamente biofísico até o mais abstrato plano mental. Aliás, nessa vida, o mental
nunca se desincorpora da ecologia cognitiva que torna viável o organismo vivo.
[...] a educação ao longo de toda a vida [...] vai mais longe ainda. Deve fazer com
que cada indivíduo saiba conduzir seu destino, num mundo onde a rapidez das
mudanças se conjuga com o fenômeno da globalização para modificar a relação que
homens e mulheres mantêm com o espaço e o tempo. [...] A educação ao longo da
vida torna-se [...] o meio de chegar a um equilíbrio mais perfeito entre trabalho e
aprendizagem bem como o exercício de uma cidadania ativa.
85
Valho-me desta última questão para salientar a invisibilidade do PEJA diante das
ações pensadas pela atual gestão. Recorro aos enunciados do planejamento estratégico (2009-
2012, p. 47), que apresenta as seguintes metas da educação para o município no período:
Obter uma nota média (entre as escolas públicas municipais) igual ou superior a 5,1
para os anos iniciais e a 4,3 para os anos finais no IDEB em 2011.
Criar 30.000 novas vagas em creches públicas ou conveniadas até 2012.
Garantir que pelo menos 95% das crianças com 7 anos de idade ao final do ano de
2011 estejam alfabetizadas.
Reduzir para menos de 5% a taxa de analfabetismo funcional entre os alunos do 4º
ao 6º ano em 2012.
[...] que os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são
direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias,
caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos
poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de
uma vez por todas.
BOBBIO, 1992, p. 5 apud PAIVA, 2006, p. 521.
20
Programa nascido da conjugação de ideias de autoridades educacionais com as opiniões do professorado,
sendo reservado no ano de 1984 um montante a época registrado como CR$ 110 bilhões destinados à
recuperação da escola pública, melhorando-a e colocando-a efetivamente ao alcance de todas as crianças e
jovens do estado. Mais informações ver RIBEIRO (1986, p. 35).
90
A década de 1990 foi marcada por uma série de reformas nos sistemas públicos de
ensino que seguiram as orientações do Banco Mundial visando à racionalização do
gasto público, sua redistribuição e o aumento da eficiência interna do sistema.
estendido a todos, sem limite de idade, e reconhece uma nova formatação do trabalho que
vinha sendo realizado. Confirma-se e validava-se, desse modo, o que de fato já acontecia: a
presença de pessoas adultas no PEJ, que passava oficialmente a ser PEJA. Como Programa,
estimava-se a maior dificuldade de ruptura com a oferta, ao sabor, sempre, das veleidades
políticas de cada dirigente.
O Parecer ainda inova, admitindo o oferecimento da modalidade no período diurno,
questão essa não encontrada na pesquisa de outros documentos e fontes. No mesmo Parecer,
fazia-se o reconhecimento do Centro de Referência de Jovens e Adultos (CREJA) como
unidade da Secretaria Municipal de Educação, com desenho de oferta própria e diversa das
demais escolas, apta a certificar alunos concluintes a partir de 2004, ano em que ocorreu sua
implementação. Mas a história anda a seu tempo, não se apressa e, segundo informações de
Haddad (s. d., p. 55), só “em julho de 2008, o PEJA passou a compor o Departamento de
Educação de Jovens e Adultos na Secretaria Municipal”. Em outras palavras, isto significa
dizer que o PEJA passou a fazer parte do Plano Municipal de Educação, assumindo um
caráter definitivo, independentemente da gestão em vigor. O Departamento de EJA, mais
tarde denominado Gerência de Educação de Jovens e Adultos (GEJA), pela lógica que nos
últimos anos vem conformando a educação no município do Rio de Janeiro, torna-se:
A partir daí, e até 2012, em termos de conformação do Programa percebo não ter
havido alterações, à exceção do quantitativo de alunos permitidos por turma, definidos pela
Portaria E/SUBE/ CED n. 9, de 18 de novembro de 2011, assim como a garantia de carga
horária de planejamento semanal do professor do PEJA I (antes só concedida a professores do
PEJA II) e do término do horário de recuperação de alunos do PEJA II.
O PEJA passou a receber alunos de 17 anos completos interessados nesta modalidade
de ensino, considerando-se conhecimentos já adquiridos. A Portaria estabeleceu, também,
que alunos já matriculados no ensino fundamental regular da Rede Pública Municipal do Rio
de Janeiro e transferidos de outras redes, com idade igual ou superior a 17 anos seriam
encaminhados, obrigatoriamente, à EJA. Considerava-se, na Portaria, a presença cada vez
mais crescente de pessoas com deficiência ou transtornos globais do desenvolvimento,
indicando que estas seriam avaliadas pelo Instituto Helena Antipoff (E/SUBE/CED/IHA) e
92
pela respectiva E/SUBE/CRE, devendo ser considerada sua manifestação expressa ou de seu
responsável legal para o procedimento de matrícula no PEJA, em atenção à possibilidade de
permanência no ensino fundamental regular diurno.
Em relação a alunos com 15 e 16 anos, determinava que “excepcionalmente”
poderiam ser matriculados na EJA, por manifestação expressa de seu responsável legal, após a
avaliação e autorização da E/SUBE/CRE.
Por conta do término do atendimento da oferta de ensino fundamental por parte do
estado do Rio de Janeiro 21, definia que alunos remanejados da educação de jovens e adultos
da rede estadual seriam enturmados diretamente no PEJA, e que as turmas deveriam ser
formadas de acordo com orientações previstas pelo Programa. Fosse por matrícula inicial,
fosse oriundo de qualquer ano do ensino fundamental ou de projeto estratégico - seria
enturmado, após avaliação, no grupamento mais adequado a seu processo de aprendizagem.
Para o PEJA II o Parecer definiu que poderia existir turmas com formação mista -
compostas por alunos de Unidades de Progressão diferentes -, desde que pertencentes a um
mesmo Bloco; definiu, ainda, o quantitativo máximo de alunos por turma (30 alunos),
podendo ser acrescido de 10%, para atender mudanças temporárias de horário por necessidade
de trabalho do aluno.
As turmas de EJA poderiam ter incluídos até quatro alunos com deficiência e/ou
transtornos globais do desenvolvimento. No caso de haver alunos incluídos, o quantitativo
máximo seria de 28 alunos, quando houvesse apenas um aluno incluído; de 27, quando
houvesse dois alunos incluídos; de 26, quando houvesse três alunos incluídos; e de 25, quando
houvesse quatro alunos incluídos na mesma turma. Caso houvesse necessidade de matrícula
de mais de quatro alunos com deficiência ou com transtornos do desenvolvimento nas turmas,
previa avaliação da E/SUBE/CED/IHA, da Assessoria de Ação Integradora, da Gerência de
Educação da E/SUBE/CRE e da Unidade Escolar, para autorização do acréscimo de alunos
por turma.
No CREJA, tendo em vista a carga horária diferenciada, o quantitativo máximo foi
fixado em 13 alunos, podendo serem incluídos, neste quantitativo, dois alunos com
deficiência e/ou transtornos globais do desenvolvimento.
21
A Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro não ofertou vagas para matrícula no ensino
fundamental na modalidade EJA e no regular noturno para o ano letivo de 2012 - exceto em unidades escolares
socioeducativas e prisionais - iniciando um processo de municipalização obrigatória das escolas estaduais que
atendiam a este nível de ensino. A previsão era de que 48 unidades estaduais fossem absorvidas pela rede
municipal ainda em 2012.
93
O PEJA se organiza em PEJA I e PEJA II, sendo o primeiro reservado aos anos
iniciais de escolaridade do ensino fundamental e o segundo, aos anos finais. O PEJA I divide-
se, ainda, em dois Blocos: 1 e 2. O Bloco 1 destina-se a alunos que nunca frequentaram a
escola ou que necessitam concluir seu processo de alfabetização e o Bloco 2 a alunos oriundos
do Bloco 1, com comprovação de escolaridade que lhes permita matrícula no referido Bloco
94
22
A ONG Ação Educativa produziu os livros em decorrência da Proposta Curricular para a EJA formulada para
atender demanda do MEC no governo Fernando Henrique Cardoso. Disseminados amplamente pelo país, e na
ausência de material didático mais adequado para jovens e adultos, conformaram-se em material, por
excelência da EJA, e são até hoje utilizados, mesmo depois que o MEC adotou o Programa Nacional do Livro
Didático para a EJA (PNLDEJA) e passou a desenvolver política semelhante à de livros didáticos para o ensino
fundamental e ensino médio.
23
Quantitativo definido por Portaria E/SUBE/ CED n. 9, de 18 de novembro de 2011. Até esta data o
quantitativo era de 25 alunos.
95
24
O Centro de Estudos do Professor é a forma sistemática de trocar informações com toda a equipe da escola
(professores, coordenador pedagógico e/ou professor orientador, diretores), fazer planejamento semanal e é
também usado como espaço de estudo e aprimoramento.
96
Já tendo relatado a escolha de duas escolas como loci de minha pesquisa, inicio
esclarecendo que o contato com essas instituições de ensino se dera quinze dias antes da
efetivação de meu trabalho de campo. Estive em visita às duas escolas, como pesquisadora,
colhendo dados para a pesquisa Diagnóstico da qualidade de ensino na educação de jovens e
adultos (EJA): um estudo de caso no Rio de Janeiro, da qual meu trabalho de campo é
extensão. A escolha dessas duas escolas, na pesquisa original que integro, foi feita mediante
sorteio na constituição da amostra estatística multiestágios. Conhecendo-as na primeira
incursão feita, decidi tomá-las como campo de pesquisa, ou seja, a seleção não foi aleatória,
porque meu contato inicial com as escolas, o conhecimento obtido, minha ambientação com a
localidade e com as pessoas, me fez anunciar que voltaria a elas, mediante a autorização da
SME, como por essa instância requerido.
Por questões de possibilidade de agendamento, iniciei minha investigação pela Escola
A25 que, em princípio, não seria objeto de minha investigação, mas cuja realidade apresentada
levou-me a decidir por incluí-la em meu estudo de caso. Estando nela na condição de
pesquisadora/observadora do projeto Diagnóstico da qualidade de ensino na EJA, quando
deveria aplicar questionários para diversos sujeitos e fazer observações, foi possível colher
alguns dados significativos para a minha própria pesquisa. Naquele momento fui notificada
pela direção que o PEJA naquela unidade escolar estava acabando. A diretora esclareceu-me
que a escola recebera o comunicado de que em 2013 trabalharia na condição de turno único e,
sendo assim, não comportaria mais o PEJA.
Diante do comunicado, notifiquei-lhe que meu interesse de pesquisa, mesmo sabendo
da extinção do PEJA, era traçar um perfil dos alunos do diurno nas escolas da E/SUBE/ 7ª
CRE o que, de qualquer maneira, me faria voltar, tão logo obtivesse autorização da SME.
Na ocasião, encontrei professores tristes e desmotivados pelo fim do PEJA e pelas
consequências que a informação de extinção do Programa trazia: uma escola vazia, com
apenas12 alunos muito jovens presentes e um sentimento de tristeza pairando no ar.
Comuniquei informalmente aos professores que voltaria e eles argumentaram que se
eu demorasse muito corria o risco de não mais encontrar alunos, porque além da primeira
informação, a chegada do fim do ano já promovia “evasão”, em virtude de
25
Mantendo o sigilo profissional das escolas, tomo por A a primeira escola pesquisada e por B a segunda.
97
4.5.1 Escola A
26
Unidade de Polícia Pacificadora é uma política do governo estadual do Rio de Janeiro, que tem como objetivo
recuperar o controle estatal sobre áreas ilegalmente subjugadas por grupos criminosos ostensivamente
armados. Disponível em: http://extra.globo.com matéria de 11 dez. 2010. Acesso em 7 dez. 2012.
98
Não encontrei nenhum registro oficial sobre os fatos que apresento com a implantação
do PEJA no ano de 2010, atribuída a um movimento da direção/SME e, segundo o que ouvi
de professores, de “ter sofrido forte influência inicial de uma profissional ligada ao projeto
Bairro Educador”27. Mas posso admitir que estes sejam indícios de vincular a atuação policial
a atividades escolares, mantendo jovens sujeitos da comunidade no PEJA diurno, como forma
de auxiliar a captura desses jovens pelo tráfico.
Ao indagar à direção da escola a respeito dos motivos da implementação do PEJA
diurno na escola, a diretora afirmou que “com sua experiência de 35 anos na comunidade
percebeu que alguns alunos tiveram problemas pessoais, saindo da escola, ficando fora da
faixa etária para o ensino regular e como conhecia bem a comunidade achou que era a hora,
precisava corrigir o fluxo escolar desses moradores”. A diretora também ressaltou que no
começo do Programa as turmas eram mais cheias e havia senhoras de mais idade, e que sentia
ter o PEJA já cumprido seu papel na comunidade.
Apesar de possuir três andares, a escola não é grande. Sua fachada está pintada, e na
parede, gastos pelo tempo, registros de trabalhos em mosaico com pinturas feitas pelos
alunos, abordando o tema Direitos Humanos.
No andar térreo encontram-se: sala da direção/secretaria, sala de professores, banheiro
para alunos, cozinha, refeitório, pátio interno e sala pertencente ao Núcleo de Educação e
Saúde (NES)28. Pelas paredes e murais, há trabalhos de alunos do ensino regular, avisos de
27
Projeto do Programa Escolas do Amanhã da SME, executado pelo Centro Integrado de Estudos e Programas
de Desenvolvimento Sustentável (CIEDS) que objetiva integrar e articular os potenciais educativos do bairro e
da cidade (espaços, pessoas, instituições, serviços públicos, entre outros) às escolas, tendo o Projeto Político
Pedagógico da escola como principal referência. Maiores informações em:www.cieds.org.br/bairro-educador
28
Esse atendimento faz parte do Programa das Escolas do Amanhã e será posteriormente explicado.
99
A equipe gestora compõe-se de uma diretora geral, uma adjunta e uma coordenadora
pedagógica. O PEJA na escola A não dispõe de professor orientador por não ter os dois
segmentos e nem o quantitativo de turmas previsto (oito) para ser possível o destacamento
deste profissional. O quadro de professores está completo na escola.
A escola atende, no ensino regular, alunos de 6° ao 9° ano (funcionando em dois
turnos). Tem também uma turma de correção de fluxo denominada Realfabetização 2B29 que
29
O projeto Realfabetização 2A, também chamado Ponto de Partida, objetiva atender alunos com defasagem
idade/ano escolar, matriculados no 6º ano do ensino fundamental, que ainda não estão alfabetizados. Foi
elaborado a partir de metodologia e de material produzido pelo Instituto Ayrton Senna (IAS), que são
apresentados ao professor pela própria equipe do Instituto, numa capacitação específica feita no início do ano
letivo. As aulas são ministradas aos alunos no turno em que estão matriculados, e cada turma tem um professor
responsável pelo encaminhamento de todas as disciplinas do currículo. Esse professor durante todo o ano letivo
recebe orientação e supervisão de uma equipe pedagógica. O projeto Realfabetização 2B, também chamado
Fórmula da Vitória, atende alunos do 6º ao 9º ano, defasados em relação à alfabetização ou que apresentam
dificuldade parcial ou total nas habilidades de leitura e escrita. O objetivo é a apropriação de conhecimentos,
para que possam ler e produzir textos em diferentes situações, com clareza e coesão. Para cumprir tal objetivo
o projeto conta com material específico de Língua Portuguesa, organizado a partir de gêneros textuais.
100
30
Maiores informações em http://www.institutosangari.org.br/instituto/
101
programa - foi contemplada por estar inserida em local onde a presença do narcotráfico é uma
constante, o que exigia alternativa pedagógica para atender os alunos no espaço escolar.
A diretora, ao ser por mim interrogada se essas ações contemplavam o PEJA,
esclareceu que não se destinavam a ele, mas que na medida do possível a escola tentava
inserir os alunos nas atividades. A informação foi confirmada por professores, que afirmaram
haver participação dos alunos sempre que possível, o que não era frequente, embora os alunos
adorassem.
Nesse contexto se situam os sujeitos do PEJA diurno, mais adequadamente,
vespertino, pois o horário de atendimento se faz à tarde de 13h às 17h.
O PEJA II está assim organizado na Escola A: a) uma turma com 24 alunos
matriculados; b) uma turma com 14 alunos; c) uma turma com 29 alunos matriculados; d)
uma turma com 19 alunos matriculados, sendo um aluno incluído; perfazendo um total de 86
alunos matriculados no Programa 31.
Além de aulas do núcleo comum do PEJA, os alunos têm, às sextas-feiras, aulas de
Linguagens Artísticas (Artes Plásticas) destinadas a alunos do Bloco I e de Língua Estrangeira
(Francês) destinadas a alunos do Bloco II.
Nesta escola, os últimos 15 minutos são dedicados ao lanche oferecido no refeitório, a
partir do que vão embora. Os alunos que desejarem almoçar devem chegar uma hora mais
cedo, dirigindo-se diretamente ao refeitório, o que geralmente não fazem.
4.5.2 A Escola B
31
Os dados foram retirados do sistema acadêmico da escola (SCA) datados do final de agosto, podendo ainda
não constar os eliminados do 4° bimestre.
102
32
A Resolução n. 4 de 2 de outubro de 2009 (MEC/CNE/CEB) institui diretrizes operacionais para o
Atendimento Educacional Especializado, na Educação Básica, Modalidade Educação Especial, e garante a
oferta desse atendimento aos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades em salas de recursos multifuncionais ou em centros de Atendimento Educacional Especializado da
rede pública ou de instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos. Considera o
AEE como parte integrante do processo educacional, tendo como público alunos com deficiência, ou seja,
aqueles com impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual, mental ou sensorial.
103
33
Os dados foram retirados do sistema acadêmico da escola (SCA) datados do final de agosto, o que significa
que não devem registrar os eliminados do 4° bimestre.
104
Escola A
27%
Escola B
73%
Fonte: dados recolhidos em livros de registro escolar e organizados pela autora, 2013.
Os resultados obtidos por meio da análise do perfil dos alunos parecem apontar um
movimento de juvenilização na EJA.
Na escola A, os 19 alunos matriculados no PEJA II foram todos sujeitos da pesquisa.
Todos ingressaram no corrente ano letivo, sendo que a maior parte (13 alunos: 10 em uma
turma e 3 na outra) entrou no Bloco 2, ou seja, necessitando terminar o correspondente aos
dois anos finais do ensino fundamental. Nessa escola foram pesquisados no PEJA II, Bloco 1,
dois alunos de uma turma e cinco alunos de outra; no Bloco 2: dez alunos de uma turma e
dois alunos de outra.
Em relação à faixa etária, nessa mesma escola, todos dos alunos pesquisados estão na
faixa etária entre 15 e 19 anos de idade; quase todos são solteiros e sem filhos, existindo
apenas uma aluna de 15 anos que revelou ser mãe de um bebê de quatro meses e viver junto
ao companheiro; não têm renda própria, ou seja, todos não trabalham.
Dos seis alunos que apontaram fazer algum tipo de curso no horário fora de aula
destacaram-se as seguintes atividades: inglês, informática, teatro e curso de atendente
comercial.
Quanto ao perfil étnico, são jovens majoritariamente negros (9) e pardos (8); apenas
dois declararam-se brancos.
105
O tempo livre para a juventude não é mais uma promessa do capital. Ele já é uma
realidade neste fim de século. No entanto, esse tempo livre não significa a
democratização da era dos lazeres para todos, mas precarização social, que
empobrece material e espiritualmente uma gigantesca parcela da humanidade.
106
4% 6% 4%
4% 15/19
13% 20/29
69% 30/39
40/49
50/59
60/69
Fonte: dados recolhidos em livros de registro escolar e organizados pela autora, 2013.
34
Quatro alunos não responderam.
35
Encontrei dois alunos na faixa de 35 a 39 anos, dois alunos na faixa de 40 a 44 anos, dois alunos na faixa de 50
a 54 anos, um aluno na faixa de 55 a 59 anos, um aluno na faixa de 60 a 64 anos de idade, um na faixa de 65 a
69 anos.
107
Quadro 1: Idade em que alunas mulheres foram mães e quantidade e idade dos filhos
Idade das Idade em que foi mãe pela No de filhos Idade dos filhos
alunas primeira vez
39 anos NR 1 10 e14 anos
39 anos NR 2 20 e 24 anos
40 anos 21anos 3 ou mais filhos 10, 14, 15, 19, 20, 24
42 anos 21anos 3 ou mais filhos 10 e 14, 15 e 29
52 anos 20 anos 2 Acima de 29 anos
55 anos 23 anos 2 25, 29 anos
60 anos 24 anos 3 ou mais filhos 25 e 29 anos e
Acima dessa faixa
67 anos 22 anos 2 Acima de 29 anos
36
O único homem casado é um aluno de 16 anos. As mulheres têm respectivamente 55, 39 e 18 anos.
108
Há que se considerar, também, que algumas dessas mulheres mães acabaram por
matricular-se no PEJA devido ao fato de os filhos estudarem/passarem a estudar na mesma
escola:
Ao definirem apenas com uma palavra o local em que a escola está localizada, 24
alunos definiram como bom; e também obtive variadas respostas, surgindo palavras como:
melhor, perto do ônibus, perto da praça, maneiro, bonito, fácil acesso, um pouco longo. De
qualquer forma, grosso modo, denotaram um sentido positivo para o local.
Em relação aos fatores trajetória escolar/inserção no PEJA, pude observar, em cada
uma das duas escolas: na Escola A, todos os alunos se matricularam no PEJA em 2012, e
apesar de terem idade mais elevada para a série que frequentavam, 14 não tiveram fluxo
escolar interrompido mas eram repetentes; 05 interromperam os estudos por, no máximo, um
ano, alegando como motivo de afastamento a gravidez (uma aluna) e “expulsão” da escola em
que frequentava o ensino regular (três alunas). Desses jovens, 16 vieram da própria rede
municipal de ensino, e apenas dois indicaram vir de turma de correção de fluxo.
Ao serem perguntados sobre como vieram parar no PEJA, as respostas preponderantes
foram: por orientação da escola em que estudava; porque fui expulsa(o); porque minha mãe só
achou vaga aqui.
Destaco, pela importância do conteúdo, algumas falas de alunos descrevendo a
trajetória que os levou ao PEJA diurno:
Eu estudei na igreja, mas não tinha matrícula, era com a D. Sônia, de dia, eu
colocava minha filha no colégio e ia. Ela era uma mulher que ajudava na igreja. Eu
não sabia nem escrever o nome aí eu fiquei lá seis meses. Eu nunca tinha estudado
antes aí eu aprendi a escrever meu nome, aí eu fiquei sem poder ir para a escola; à
noite, não podia porque minha filha não podia sair de noite, aí, eu fiquei até o ano
passado sem estudar, aí eu vim pra cá. (Aluna T, 60 anos – PEJA I)
Eu nunca estudei porque meus pais fizeram a minha vontade, né?... Batia o pé...
“não quero ir para a escola”... Então, eu nunca estudei. Aí, eu estudei com uma
senhora que dava aula na casa dela, perto da minha casa, aí eu consegui até assinar
meu nome, graças a Deus. Eu parei porque houve uns probleminhas e eu não quis
mais, eu era muito ignorante, entendeu? Eu não quis mais e dali eu fiquei, cresci,
casei, criei minhas filhas, aí fui trabalhar, isso sem estudar. Aí, agora esse ano,
quando minha amiga soube do PEJA, ela fez a matrícula, aí ela falou pra mim... ai,
que é que eu fiz: eu vim aqui, tomei coragem, porque eu tinha vergonha, muito
tempo sem estudar, as pessoas diziam: “Você é nova, ainda está em tempo! Vai
37
Parecer CNE/CEB n. 6/2010. Reexame do Parecer CNE/CEB nº 23/2008, que institui Diretrizes Operacionais
para a Educação de Jovens e Adultos – EJA, nos aspectos relativos à duração dos cursos e idade mínima para
ingresso nos cursos de EJA; idade mínima e certificação nos exames de EJA; e Educação de Jovens e Adultos
desenvolvida por meio da Educação a Distância.
38
Uma aluna de 67 anos registra que ficou 53 anos sem estudar.
111
estudar, menina!” Eu fiquei crescendo aí o que é que eu fiz: tomei coragem, vim,
ajeitei meus documentos que eu não tinha, tirei fotos, fiz a matrícula e hoje estou
aqui, graças a Deus. (Aluna T2, 39 anos – PEJA I)
Eu vim de casa porque eu não estudava (risos) e fui indicada para essa escola aqui
porque eu não estudava. Porque eu não tinha como estudar, tinha que olhar meus
irmãos. Eu já estudei, fiquei dois anos sem tá na escola e quando voltei comecei a
estudar à noite ali naquela escola, a L, depois eu vim pra cá. (Aluna F, 17 anos –
PEJA II)
Ao observar, nessa escola, os dados referentes a alunos que não tiveram fluxo escolar
interrompido (26), e verificando a relação idade/série, constatei que 14 alunos eram oriundos
de turmas de ensino especial e/ou alunos incluídos em turmas regulares, ou seja, não saíram
da escola, mas sua permanência nessas turmas levava um tempo relativamente maior, não
indicando necessariamente repetência, mas tempo diferenciado de aprendizagem. Importante
também observar que 12 desses alunos com necessidades especiais de aprendizagem
concentravam-se em turmas do PEJA I, mais especificamente na turma de alfabetização.
Há que se considerar que todo aluno incluído/especial, para assim ser reconhecido nas
escolas, passa por avaliação de equipe especializada da E/SUBE/CRE, recebendo um
“comunicado de inclusão” (uma carta de apresentação de sua condição). O responsável do
aluno, ao fazer a matrícula, leva o comunicado à escola (ou este é enviado pela própria
E/SUBE/CRE). O comunicado é anexado aos dados de matrícula do aluno. Quando muda de
escola, é necessário que a anterior envie este comunicado junto à declaração de escolaridade.
Como nem sempre há concomitância nesses procedimentos, o aluno pode ser matriculado
normalmente, e a escola aguardará o comunicado para oficialmente registrá-lo na condição de
incluído.
Também a considerar a fala de alguns professores, ao relatarem que tinham alunos
vindos da Colônia Juliano Moreira39, e outros mais velhos, afastados por muito tempo da
escola, não oriundos de classes especiais, mas com dificuldades cognitivas, portanto,
necessitando de atendimento especializado tanto quanto alunos oficialmente incluídos.
O quadro em relação aos alunos pesquisados, com necessidades educativas especiais40
assim se apresenta:
39
Instituição criada na primeira metade do século XX, destinada a abrigar doentes psiquiátricos.
40
Pela listagem oficial da escola o quantitativo geral dos alunos incluídos é de 30%.
112
Foi a CRE que indicou essa escola pra mim porque minha mãe que foi lá e falou que
precisava de um PEJA, mas ela não queria que eu estudasse à noite. (Aluna J, 17
anos – PEJA I)
Foi a CRE também que me indicou pra eu vir pra cá porque eu estudava em outra
escola aí descobri que tinha PEJA aqui, aí eu estudei. (Aluna T, 17 anos – PEJA II)
Eu vim fazer minha matrícula e a direção me indicou pra cá. (Aluno E, 17 anos –
PEJA II)
O meu, quem me indicou foi minha amiga que estuda aqui, por isso que eu fiquei
sabendo. Nem sabia que aqui tinha PEJA de tarde. (Aluna F, 17 anos – PEJA II)
Eu soube que tinha PEJA, eu e minha mãe fomos lá na 7ª CRE aí ajudou pra eu vir
pra cá. (Aluno G, 25 anos – PEJA I)
41
A escola tem um professor itinerante cuja função é orientar professores e alunos quanto à adequação do
conteúdo curricular. Constatei a presença desse professor em algumas reuniões de professores e em sala de
aula e no momento de aplicação do questionário a alunos do PEJA II.
113
idade voltam a estudar? Apresentava algumas alternativas para marcarem mais de uma opção,
o que levou às seguintes respostas: a) sobre a questão de pessoas mais velhas em sala de aula,
14 alegaram não haver pessoas de mais idade na turma; b) ao serem questionados sobre o
porquê de essas pessoas voltarem a estudar, três alunos responderam que elas desejam apenas
se alfabetizar; dois alunos não responderam; um aluno considerou como outra alternativa que
essas pessoas querem participar de um grupo; 14 alunos responderam que elas desejam
concluir seus estudos para conseguir um bom emprego.
Em relação à participação/inserção de alunos com mais idade, dois apontaram que os
alunos mais velhos participam com entusiasmo dos eventos propostos; quatro -
contabilizando um aluno que marcou mais de uma alternativa - apontaram que contribuem
para o crescimento do grupo; um aluno apontou que os mais velhos queixam-se dos jovens;
cinco alunos - contabilizando mais uma vez uma segunda alternativa - registraram que os
alunos mais velhos não se sentem incomodados com os jovens; e dez alunos não
responderam.
As respostas dadas por esses jovens alunos ratifica o pouco ou nenhum contato deles
com pessoas de mais idade no meio escolar em que estão inseridos, porém ao responderem
que tais pessoas desejam concluir seus estudos para conseguir um bom emprego reforçam a
ideia do quanto a EJA ainda está associada ao desejo da certificação para a realização de um
emprego, nem sempre sendo compreendida como um processo de busca de aquisição de
conhecimentos que constitui ao longo da vida.
Verificando a questão dos jovens, sobre como se veem ou são vistos, em relação à
socialização/posicionamento no PEJA, fiz uso da seguinte questão: os alunos jovens em
geral... dando-lhes possibilidades de marcarem a resposta mais adequada, e obtive os
seguintes dados:
Pra mim é bom porque minha irmã estuda de manhã, minha mãe trabalha o dia todo,
meu padrasto também, então eu fico em casa sem fazer nada e, antes vim pra escola
de dia do que ficar em casa sem fazer nada. (Aluna I, 16 anos)
Eu tenho duas opiniões: pra mim é bom e não é. No começo foi bom porque eu
estava fazendo um curso, aí eu consegui encaixar os dois horários, mas agora que eu
acabei o curso, não consigo trabalhar porque eu tô estudando à tarde. (Aluna T, 19
anos)
Pra mim é bom porque eu fico dormindo mais. (Aluna D, 16 anos)
Pra mim não é bom porque eu queria estudar de manhã, porque de tarde meu filho
fica acordado e de manhã ele fica dormindo, então se eu fosse estudar de manhã, ele
ia estar dormindo e eu teria menos trabalho. (Aluna L, 15 anos)
É bom porque eu não faço quase nada de noite e de manhã, eu não gosto, não.
(Aluna C, 16 anos)
Pra mim não é bom porque eu já perdi várias oportunidades de emprego, eu poderia
estar trabalhando agora eu não tô porque estou estudando à tarde. (Aluno M, 16
anos)
Olha, bom, bom não é não, porque eu queria estudar de noite porque eu estava a fim
de trabalhar. Só isso. (Aluno W, 16 anos)
Ah! Eu prefiro estudar de dia porque sei lá... porque de dia acordo com mais
disposição e tem outras coisas que eu posso fazer à noite também. (Aluno D, 17
anos)
Pra mim não é bom estudar de dia não, porque eu já perdi várias oportunidades de
trabalho e não consegui porque eu estudo de dia, e à noite eu não sabia do PEJA...
mas que é bom, não é bom de dia pra mim. Eu queria à noite. (Aluno L, 16 anos)
Bom... pra mim é como se fosse uma escola normal, porque eu estudava em escola
normal. A única diferença é porque vem pouco aluno e só. Não me ajudou em nada,
quase nada. (Aluna I, 16 anos)
Pra mim contribuiu porque se eu não tivesse entrado no PEJA eu não ia poder
terminar esse ano e poder ir pro estado. (Aluna T, 19 anos)
Eu... pra mim, a mesma coisa que ela falou, não me ajudou em nada. (Aluna C, 16
anos)
Ah! Pra mim, ajudou. Pelo menos eu não vou repetir, isso é o que eu sei, né? (Aluno
M, 16 anos)
Ah! Ajudou a eu dar mais valor à escola que eu estava, entendeu? (Aluna D, 16
anos)
O PEJA faz muita coisa pela gente. A gente é que não sabe reconhecer... isso é o que
eu tenho pra falar. (Aluna AB, 16 anos)
Ah! Me ajudou porque eu vou sair mais rápido do ensino fundamental. (Aluno D, 17
anos)
Me ajudou porque esse ano eu não fiquei atrasado mais uma vez. (Aluno L, 16 anos)
Observando-se o quadro, a respeito de haver pessoas mais velhas em sala, como são
vistas e como é a participação delas no grupo, as seguintes respostas assim se sintetizam: 34
alunos responderam que sim; oito alunos responderam que não; dez alunos não responderam.
Em relação à participação/inserção de alunos com mais idade, 27 apontaram que
participam com entusiasmo dos eventos propostos; dois alunos disseram que não gostam de
participar dos eventos; 18 alunos responderam que contribuem para o crescimento do grupo;
um aluno respondeu que os mais velhos impacientam-se com os mais jovens; sete
116
responderam que eles queixam-se dos jovens; 14 que não se sentem incomodados com os
jovens; e quatro alunos não responderam. O quantitativo das respostas encontradas
considerava a possibilidade de mais de uma opção.
Verificando a questão da presença de jovens e sua atuação, obtive como resposta as
seguintes afirmações: 37 alunos responderam que são interessados em participar das tarefas;
onze alunos responderam que causam conflitos em sala de aula e na escola; 13 alunos que
reconhecem a escola como um espaço importante de aprendizagem; dois responderam que
são desinteressados pelas aulas e movimentos/eventos proporcionados pela escola; e seis
alunos que não têm paciência com os colegas mais velhos.
Compreendendo em suas vidas a importância de estudarem em um PEJA diurno,
responderam à pergunta por que é bom estudar de dia? Cinco alunos disseram que por causa
do trabalho e também cinco porque faço curso em outro horário; um aluno justificou: porque
tenho companhia para me trazer; 26 alunos responderam porque acho perigoso estudar à
noite; cinco alegaram porque acompanho meus filhos na escola; quatro não responderam a
questão. Outros motivos surgidos e não contemplados no questionário foram: não é bom
estudar de dia (por dois alunos); porque gosto de dormir até tarde (um aluno); porque tenho
que olhar meu irmão à noite (um aluno); pra passear (um aluno).
Aprofundando a questão na entrevista semiestruturada, obtive as seguintes colocações:
Estudar de dia é bom porque a gente está com nossos filhos estudando e a gente já
tem essa chance de ficar de dia, porque ficar à noite não dá por causa dos nossos
filhos. (Aluna T, 60 anos – PEJA I)
Eu, pra mim, está sendo bom porque eu trabalhava, devido a alguns problemas de
saúde eu não estou trabalhando, entendeu? Então, surgiu essa oportunidade e eu
também sou evangélica, tenho minha igreja à noite. Então, eu aproveitei a
oportunidade de estudar de dia porque de noite eu estou com a janta pronta pro meu
marido e estou indo “buscar meu pacote”. (Aluna T2, 39 anos – PEJA I)
A Therezinha falou tudo: à noite não tem quem fique com meu filho, então, como
ele estudava meio expediente e ele veio para cá, não podia ficar mais no Almir
Bonfim e o irmão dele também foi junto, aí eu fui junto, preferi também por causa
que a noite é muito tarde... dez horas da noite... só no Mato Alto, acho... na
Lombardi ou perto do Mundial... é muito difícil pra nós, além de tudo é contramão...
ou você ia andando... Durante o dia fica melhor pra trabalhar e estudar, à noite é
complicado mesmo. (Aluna A, 40 anos – PEJA I)
Estudar de dia é bom porque a gente não fica com muito sono, não prejudica mais a
gente, porque até de manhã tem coisa errada também, porque tem muita gente de
manhã que faz bagunça, prejudica, quebra as coisas, bota açúcar, prejudica a
professora, a diretora. Tem muita coisa errada porque até tem gente que faz maldade
com a gente, de manhã com os cadeirantes, com a gente que é normal, eles fazem
muita coisa errada, tipo assim: tem muito homem maldoso, muitas pessoas que é do
mal, então a gente não quer estudar de manhã, a gente precisa só estudar de tarde
que é o melhor que a gente quer. De dia traz mais felicidade, até quem estuda de
manhã não conhece o perigo: a minha colega estudava no CIEP, veio um homem e
estuprou ela quando ela saiu do CIEP, aí a mãe dela não queria que ela estudasse de
manhã nem de noite, ficou com trauma... só que eu acho assim, que no devido
117
dessas coisas que aconteceu, a gente deve estudar de tarde porque até de manhã tem
maldade, então, é melhor estudar de tarde. (Aluna A, 21 anos – PEJA I)
Eu gosto mais de estudar de dia porque é muito bom. Eu gosto mais de estudar de
dia do que de noite... é muito ruim, só tem gente ruim nesse mundo. (Aluno D, 19
anos – PEJA I)
Porque a gente aprende mais. (Aluno G, 25 anos – PEJA I)
O bom de estudar de dia é que a gente tem mais liberdade. Estudar de dia é muito
bom. (Aluno S, 16 anos – PEJA I)
É bom por causa do horário, proporciona muitas coisas para gente fazer. Olha...
quatro horas que a gente fica aqui, pra mim foi a melhor coisa... quando eu vou pra
casa é estresse sobre estresse, ficar na escola é melhor do que ficar em casa. (Aluna
B, 40 anos – PEJA II)
Eu gosto de estudar de dia. Não sei como é estudar à noite. (Aluno L, 17 anos –
PEJA II)
Estudar de dia pra mim está sendo muito bom porque eu olho meu irmão à noite
para meu pai e minha madrasta estudar também e pra mim... está sendo... eu não
vejo assim nada que possa impedir as pessoas porque tem pessoas que trabalham de
dia e eles liberam pra poder sair pra trabalhar. Então, eu acho que é isso, entendeu?
Tá bom pra mim estudar de dia, tá bom sair daqui no horário... umas quatro e meia
eles estão liberando, dá pra chegar em casa, ninguém chega em casa à noite. Pra
mim tá bom o PEJA assim, eu tô amando. (Aluna F, 17 anos – PEJA II)
O horário pra mim é muito bom, pra mim, de noite, é muito perigoso, estudar de
tarde é bom porque eu chego em casa, estudo, aprendo... mais importante é eu
terminar meus estudos. (Aluna A, 20 anos – PEJA II)
Pra mim é bom porque à noite é muito perigoso pra estudar... (ainda) mais que eu
moro longe, moro em Vargem Pequena, então é muito longe pra vim estudar à noite,
mais que é perigoso. (Aluna J, 17 anos – PEJA I)
É um coisa muito boa pra gente. A gente estamos aqui querendo aprender. A tia N. é
uma pessoa que faz de tudo quanto é bom pra nós e estamos feliz. Se não fosse esse
PEJA a gente não estava feliz porque não estava estudando. Estava morta, mas
vencemos! (Aluna T, 60 anos – PEJA I)
Pra mim o PEJA é tudo de bom porque estou começando o que eu nunca tive, que é
o estudo, estar junto com essa turma toda. Pra mim, eu estou voltando à época de
adolescente, que eu nunca estudei, estou tendo agora. E a N, ela tem uma paciência
com a gente que somos adultos... apesar de ela ser devagar com a gente por causa
dos especiais... mas de pouquinho em pouquinho estou lendo, graças a Deus, estou
indo... (Aluna T2, 39 anos – PEJA I)
O PEJA é um projeto bom por causa que a N. é a professora de infância, na época
em que a gente estava no início de aprender... então, é uma oportunidade boa... ela
começa do zero mesmo, que muitas professoras não dão mais... então, se todos
passarem no PEJA por aprendizagem igual a dela é muito bom porque com ela só
não aprende quem não quiser... mas aí, hoje a gente aprende, amanhã a gente
esquece... a gente tem aquela dificuldade por causa assim... da nossa idade, mas
estamos tentando, né? Aqui a gente pode fazer... é muito bom; tem dia que a gente
se diverte, que a gente brinca, é animação, é muito bom... tudo de bom! (Aluna A,
40 anos – PEJA I)
Ajuda, porque eu estou aprendendo a ler e a escrever. (Aluno D, 19 anos – PEJA I)
Eu estou gostando muito. (Aluno G, 25 anos – PEJA I)
O PEJA ajuda na dificuldade, na leitura, no que está precisando, o que é melhor pra
gente. Ele quer passar pra gente avaliação, avaliar a gente, como é que a gente está,
o que é que a gente precisa e vem evoluindo e a gente vamos alcançando... até os
118
cadeirantes, eles ensinam com calma, mostra pros cadeirantes o que eles precisam...
eles querem o melhor para todos nós, até aqueles que não estão estudando, eles
ensinam do lado de fora. Os necessitados eles também ajudam. O PEJA é tipo o
caminho certo porque eu acho que é tipo assim: a gente não pode estudar de noite
porque tipo... é perigoso estudar de noite... tipo essas coisas que aparecem na
televisão, que só acontece coisa ruim e muitas coisas que está aparecendo de errado.
A gente não quer estudar de noite porque está perigoso, porque a gente quer o
melhor pra gente, então vamos mostrar que a gente tem condição de estudar de tarde
e não de noite, a gente precisa disso. (Aluna A, 21 anos – PEJA I)
O PEJA ajuda a pensar, a ler e a escrever. (Aluno S, 16 anos – PEJA I)
O PEJA foi muito importante pra mim porque eu fiz amizades novas, conheci
amigos novos, conversei sobre meus sentimentos e sou feliz no PEJA por ter vaga
pra mim estudar. (Aluna F, 17 anos – PEJA II)
O PEJA é tudo de bom pra mim porque aqui mudou a minha vida. (Aluna B, 40
anos – PEJA II)
O PEJA aqui é muito bom e legal, a gente aprende a escrever e ler e ser alguém na
vida, um dia. (Aluna J, 17 anos – PEJA I)
O PEJA ajuda a gente a pensar sobre a vida. (Aluna T, 17 anos – PEJA II)
O PEJA é bom porque ajuda a gente. (Aluno E, 17 anos – PEJA II)
O PEJA contribui ajudando a gente a pensar. (Aluna A, 20 anos – PEJA II)
Ajuda a gente na vida... a viver pensando. (Aluna K, 16 anos – PEJA II)
O PEJA é bom. (Aluno L, 17 anos – PEJA II)
À GUISA DE CONCLUSÃO
alunos com deficiência, essa Escola revelou-se um espaço de inclusão, demonstrando que ao
saírem de classes especiais ganhavam novos espaços de conhecimento e trocas com outros
jovens e adultos, que também veem o PEJA como espaço de possibilidades, de “vir a ser”.
Buscando conectar essa questão aos documentos lidos, reporto-me aos acordos
considerados na Declaração de Hamburgo que apontam ações comprometidas com pessoas
com deficiência, promovendo sua integração e o acesso - direito de “oportunidades
educacionais equitativas”. Ao mesmo tempo, entretanto, essa inserção de alunos com
deficiência em uma determinada escola me sugere uma ação “focalizada” contida em um
único espaço, o que me suscita algumas indagações: por que não a ampliação deste
atendimento em outros espaços/escolas, visto que muitos vêm de longe, de bairros distantes,
para ter garantia desse direito? Por que tanta concentração em uma única turma de
alfabetização, o que contraria a própria Portaria de Matrícula da SME, ao estabelecer que
turmas da EJA poderão ter incluídos até quatro alunos com deficiência e/ou transtornos
globais do desenvolvimento?
Pensar uma turma de alfabetização com 23 alunos, sendo 15 o número de alunos
incluídos é, no mínimo, uma questão de natureza pedagógica que não pode passar
despercebida nem para educadores, nem para pesquisadores.
Mesmo que a inserção nessa escola diurna tenha sido por indicação das escolas em
que estudavam; por orientação da E/SUBE/7ª CRE e que careça de maiores críticas e
reflexões sobre como vem se dando a entrada de alunos no PEJA diurno, o horário e a oferta
do Programa foram vistos pela maioria dos alunos de forma positiva: é bom porque eu não
fico com sono; porque de noite é perigoso, tem gente ruim; porque eu posso colocar meus
filhos na escola e estudar; porque à noite cuido do meu marido e vou pra igreja. Mesmo
assumindo que em muitos casos a positividade deve-se à insegurança social, fator externo à
escola, verifico também que alguns sujeitos antes alijados da possibilidade de constituir o
direito, como mães de família, conseguem ser atingidos favoravelmente pela EJA diurna.
Pude, ainda, constatar o envolvimento e o compromisso dos professores na realização do
trabalho no PEJA, traduzidos pelos eventos socializadores, as parcerias, a preocupação com
os alunos.
Não pretendendo homogeneizar resultados, a pesquisa parece confirmar que, entre os
que ficaram, que não se evadiram, o PEJA nessa Escola B era compreendido como um
Programa que aligeirava estudos, levando-os mais rapidamente ao ensino médio e à
possibilidade de conquistar melhores empregos. Para a outra Escola, ainda que a necessidade
de certificação estivesse presente, era também o espaço de retorno aos bancos escolares; de
122
vivenciar ações promissoras – uma reinvenção de novas ações educativas para jovens e
adultos.
125
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