Teoria Do Crime 2
Teoria Do Crime 2
Teoria Do Crime 2
Conduta Típica
TIPO DOLOSO
O tipo doloso permite uma clara distinção entre o tipo subjetivo e o tipo
objetivo, daí porque se diz que o tipo doloso é um TIPO CONGRUENTE
porque a sua parte subjetiva é toda voltada à realização da parte objetiva.
Pode-se notar claramente no tipo de crime doloso uma divisão bem
nítida do tipo na parte objetiva e na parte subjetiva.
A parte subjetiva do tipo é composta primordialmente pelo DOLO, mas
não unicamente. O tipo subjetivo diz respeito a menções ligadas a
manifestação psíquica ou anímica do sujeito.
Nessas menções ou manifestações se destaca o DOLO, que é a
vontade consciente e livre de realizar os elementos objetivos do tipo penal.
A maioria dos crimes dolosos se esgota, na parte subjetiva, no dolo,
mas em alguns crimes dolosos o legislador insere no tipo uma menção a outra
situação anímica, psíquica, que se distingue do dolo porque não está dirigida à
realização da ação típica.
A nomenclatura que a doutrina dá a essa outra manifestação não é
pacífica. Alguns falam em dolo específico, outros falam em especial fim de
agir, ou elemento subjetivo do tipo distinto do dolo.
O fato é que também isso se dirige à manifestação anímica do sujeito,
mas não é o dolo porque este se dirige basicamente ao núcleo verbal, que
compõe a ação típica e integra o tipo objetivo do crime.
A falta do dolo ou do especial fim de agir desaguará em uma
consequência idêntica, que é a atipicidade subjetiva da conduta.
A maioria dos crimes dolosos compõe-se só com o dolo, mas outros
crimes não, como o crime de prevaricação – art. 319 do CP.
Art. 319. Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício,
ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou
sentimento pessoa. Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.
São três os núcleos verbais: praticar, deixar de praticar ou retardar. O
dolo se dirige à realização de uma dessas três manifestações: querer praticar,
querer retardar ou querer deixar de praticar.
Só que o tipo não se satisfaz só com isso. O tipo, além de querer uma
dessas três formas de manifestação de conduta, exige que uma delas seja
realizada com uma finalidade especial – para satisfazer interesse ou
sentimento de ordem pessoal. O tipo exige as duas intenções. A falta de uma
delas leva à atipicidade subjetiva da conduta.
Ex. oficial de justiça com vários mandados para cumprir, deixa de
cumprir parte deles por falta de tempo. Apesar de o oficial ter deixado de
praticar o ato de ofício, a conduta não é típica, porque não houve o dolo de
querer deixar de praticar.
Se o oficial de justiça receber um mandado para cumprimento em 05
dias e não realizar a diligência porque nesses 5 dias porque estava com muita
preguiça e ficou dormindo em casa, a hipótese também será atípica –
atipicidade subjetiva da conduta - apesar de existir o dolo de não querer
praticar o ato de ofício, não houve o especial fim de agir, qual seja, satisfação
de interesse ou sentimento pessoal, porque a preguiça não se insere dentro de
um desses contextos.
O dolo é composto de dois elementos. O elemento de conhecimento
(cognitivo) e o elemento de vontade (volitivo).
Assim, porque o dolo é a vontade livre e consciente de realizar os
elementos objetivos do crime, para que o sujeito possa realizar o elemento
objetivo do tipo ele deve ter um conhecimento idôneo sobre a situação fática
retratada nesse tipo objetivo.
Portanto, o elemento cognitivo do dolo corresponde ao conhecimento
idôneo que o agente deve ter da realidade fática que é erigida à categoria de
elemento objetivo do tipo penal.
Quando o agente, ao contrário, dirige a sua vontade ao cometimento de
uma conduta baseada em uma análise inidônea que fez sobre uma realidade
fática, o dolo estará prejudicado como um todo, porque o elemento cognitivo
quando prejudicado pelo conhecimento inidôneo afetará o elemento volitivo,
porque a vontade era de realizar algo idôneo frente ao tipo e não algo inidôneo.
Ex. caçador que atira em um ser peludo que acreditava ser um urso e o
mata. Só que não era um urso, mas sim um homem.
A conduta seria de homicídio porque há uma concretização do tipo
objetivo – matar alguém. No que toca ao tipo subjetivo, contudo, não existiu o
dolo, porque o elemento cognitivo se baseou em dado inidôneo – o sujeito
acreditava estar matando um urso – o sujeito atuou em erro no que toca a um
elemento do tipo de homicídio – alguém – havendo um erro de tipo (análise
equivocada da situação de fato).
Quando o elemento cognitivo do tipo penal for equivocado, atuando o
sujeito em erro, o elemento cognitivo viciará o elemento de vontade, porque a
vontade não é de matar alguém, mas sim de matar o urso, que é uma vontade
estranha ao crime de homicídio. Não há dolo de homicídio.
Por isso que o erro de tipo sempre exclui o dolo, seja evitável ou não,
essencial ou não, porque nele a vontade é baseada em premissa inidônea à luz
do tipo penal.
O elemento de vontade, então, é dirigido à realização do elemento
objetivo do tipo que foi corretamente analisado pelo sujeito.
O dolo contempla classificações. Primeiro, é a própria lei penal que
distingue o dolo, quando no art. 18, I, descreve que se diz o crime doloso
quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo. Essa
distinção em duas espécies de dolo não deriva da doutrina, mas sim da própria
lei penal porque o Código Penal prevê as duas situações: querer o resultado ou
assumir o risco de produzi-lo.
Art. 18. Diz-se o crime:
I – doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de
produzi-o;
II – culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência,
negligência ou imperícia.
Nessa locução querer o resultado há o DOLO DIRETO.
E nessa locução assumir o risco de produzi-lo há o indicativo de DOLO
INDIRETO.
A opção do legislador penal brasileiro no que toca à classificação do
dolo foi a de vincular a vontade ao resultado.
Os nomes dolo direto, indireto, são nomes doutrinários. Enquanto a
divisão em duas espécies de dolo é feita pela própria lei, a nomenclatura que
se dá a cada uma dessas divisões é dada pela doutrina.
O dolo direto também contempla distinção ou divisão de espécie
doutrinária. Setores da doutrina distinguem modalidades de dolo direto.
Para que o dolo possa ser direto, quando o legislador exige o desejar o
resultado isto significa dizer que o agente tem a certeza que o resultado irá
acontecer. Ou seja, no dolo direto, há uma certeza de que se a ação do sujeito
se concretizar tal como idealizada, certos resultados acontecerão.
Acontece que há casos em que, da concretização do plano do sujeito tal
qual esperada, decorrem vários resultados, sendo que, alguns deles apenas
acontecem como efeito colateral necessário para que seja atingida a finalidade
precípua do sujeito. Quando isso ocorre, é que cabe a distinção entre dolo
direto de 1º ou de 2º grau.
O DOLO DIRETO DE 1º GRAU é aquele em que resultado corresponde
à meta optada pelo agente, seu objetivo principal, ou seja, a finalidade precípua
de seu atuar.
O DOLO DIRETO DE 2º GRAU corresponde aos efeitos colaterais
indispensáveis ou necessários praticados para que o sujeito pudesse atingir
sua meta.
Ex. João deseja matar Manoel. Sua finalidade precípua é tirar a vida de
Manuel. Ele poderia mata-lo com um tiro, com uma facada, de diversas
formas, mas prefere colocar uma bomba em um avião que irá para os Estados
Unidos levando Manoel, mas transportando, também, outras pessoas. Para
João, agindo dessa forma, ninguém saberá que ele terá sido o responsável
pela colocação da bomba. João, ao assim agir, tem plena consciência que,
com a explosão da bomba, além de matar Manoel irá matar as outras pessoas
que também se encontravam no avião.
Há, assim, uma certeza de que vários resultados ocorrerão. Não uma
mera assunção de risco, mas sim a consciência de que vários resultados
decorrerão da conduta do agente. Ocorre que alguns desses resultados não
correspondem à vontade principal do agente, mas sim são efeitos colaterais
indispensáveis para o alcance do resultado principal.
Dessa forma, o resultado principal é abarcado pelo DOLO DIREITO DE
1º GRAU, enquanto os efeitos colaterais pelo DOLO DIRETO DE 2º GRAU.
Não é hipótese de dolo eventual, porque já se passou da mera assunção
do risco. É caso de dolo direto pela certeza do resultado, porém de 2º grau.
O dolo de 1º de grau é mais intenso do que o de 2º grau, embora o
resultado seja o mesmo. Tal distinção é importante porque a hipótese será de
uma ação com vários resultados, o que representa espécie de crime concurso
formal impróprio, porque todos os resultados são abarcados pelo dolo direto.
Há, no caso descrito no exemplo, uma conduta do sujeito com vários
resultados distintos, o que configura hipótese de concurso formal (unidade de
conduta com pluralidade de resultados). Mas o concurso formal dá ensejo a
duas divisões: o concurso formal próprio e o concurso formal impróprio.
O concurso formal próprio é aquele em que, por fatalidade, acontecem
vários resultados decorrentes de uma única ação. A consequência dele é o
aumento da pena (art. 70 – 1ª parte).
Já o concurso formal impróprio é aquele em que os resultados
decorrem de desígnios autônomos – dolo direto – o que acarreta em um
somatório das penas (art. 70 – segunda parte), por isso é importante, no plano
prático, a distinção entre o dolo de 1º grau e o dolo de 2º grau.
O dolo indireto também contempla classificação. A doutrina distingue o
dolo indireto em dolo eventual e dolo alternativo.
No dolo indireto – assumir o risco de produzir o resultado – não há uma
certeza do sujeito quanto à ocorrência do resultado, mas há uma assunção do
risco de produzi-lo, ocorrendo uma manifestação de desprezo ao bem jurídico.
A doutrina afirma que existe o DOLO EVENTUAL quando o sujeito
idealiza uma ação e antes de praticá-la cogita que dela poderá resultar a
produção de um resultado típico ou não.
Ex. X, dirigindo seu carro, vê seu desafeto Y na rua e decide dar um
susto nele. No momento em que o faz, ele prevê que algo pode acontecer a Y,
mas, porque não gosta dele, não se importa que o resultado ocorra ou não,
manifestando desprezo à integridade corporal de Y, o que acarreta no dolo
eventual.
Essa forma de manifestação dolosa pode ser confundida com uma
espécie de culpa, que é chamada CULPA CONSCIENTE ou CULPA COM
PREVISÃO.
Isto porque o ponto de semelhança entre essas manifestações é que no
dolo eventual e também na culpa consciente há uma previsibilidade subjetiva,
antes do sujeito agir, quanto à probabilidade da produção do resultado.
Mas as duas figuras se distinguem porque no dolo eventual, o sujeito
prever a possibilidade de produzir o resultado e admite sua produção
manifestando desprezo pelo bem jurídico tutelado, enquanto na culpa
consciente o sujeito, apesar de admitir a possibilidade do resultado, crê que ele
não irá ocorrer, por auto-confiança.
No caso concreto, é muito difícil distinguir o dolo eventual da culpa
consciente porque a aferição da conduta deve se dar dentro do plano psíquico
do agente, ou seja, só se poderia definir a modalidade se fosse possível
adentrar na mente do agente antes de praticada a ação.
A doutrina prega que, nesses casos, sendo impossível extrair a prova da
existência de um ou outro elemento subjetivo, o Estado pronuncie pela forma
mais favorável ao agente.
A segunda forma de dolo indireto é o DOLO ALTERNATIVO que é
aquele em que o sujeito tem uma previsibilidade subjetiva “ex ante” da conduta
de que dela poderão decorrer dois resultados, ambos típicos, e o sujeito atuaria
assumindo a possibilidade de ocorrência de um ou outro resultado.
O sujeito admite a possibilidade da ocorrência de um dos resultados,
mas não tem certeza sobre qual deles irá ocorrer.
Ex. X atira em B e imagina que o tiro pode gerar uma morte ou uma
lesão corporal e, para ele, tanto faz.
No exemplo acima, a consequência prática será a de que o sujeito
sempre responderá pelo resultado mais grave, no mínimo, a título de tentativa.
No que toca ao dolo eventual, o Código Penal adotou a Teoria do
Consentimento, também chamada de Teoria da Assunção do Risco. Essa
teoria vem sendo abandonada pela doutrina européia – especialmente a
espanhola – que vem pregando a existência do dolo eventual de uma mera
ação em que dela decorra a probabilidade muito grande de o resultado
acontecer. Há uma tendência dessa Teoria do Consentimento ser substituída,
no futuro, pela Teoria da Probabilidade no que toca ao dolo eventual.
No Brasil, tal fato não poderá ocorrer sem uma modificação legislativa,
porque a Teoria do Consentimento está expressa no Código Penal – art. 18,
segunda parte.
Exemplo de Santiago Mir Puig (defensor da Teoria da Probabilidade):
Um terrorista resolveu colocar uma bomba em um prédio público para destruir
o edifício sem qualquer intenção de matar alguém, por isso que programa a
explosão da bomba para a madrugada. Ocorre que o terrorista sabe que um
amigo íntimo seu, durante 4 vezes na semana, permanece de madrugada no
edifício como vigilante. Ou seja, o agente tem um conhecimento especial
sobre essa situação, mas como seus ideais predominam, ele coloca a bomba
rezando para que no dia programado para a explosão, seu amigo não esteja
trabalhando no edifício. Ele não poderia avisar seu amigo porque seria
descoberto. Assim, longe de assumir o risco da produção do resultado, o
terrorista deseja firmemente que a morte de seu amigo não ocorra. Só que a
bomba explode no dia em que seu amigo estava trabalhando, que acaba sendo
morto pela explosão.
Pela Teoria do Consentimento, seria muito difícil enquadrar a hipótese
dentro do dolo eventual, pois efetivamente o agente não queria a produção do
resultado, não havendo desprezo ao bem jurídico no plano subjetivo do agente.
Só que, de acordo com a Teoria da Probabilidade, o dolo eventual estaria
configurado porque havia a possibilidade de ocorrência do resultado,
independentemente do desejo do agente em não o produzir.
TIPO CULPOSO