Vieira CarlosHenrique M
Vieira CarlosHenrique M
Vieira CarlosHenrique M
CAMPINAS
2019
CARLOS HENRIQUE VIEIRA
CAMPINAS
2019
Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): CNPq, 147127/2016-5
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7227-1526
Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca do Instituto de Estudos da Linguagem
Dionary Crispim de Araújo - CRB 8/7171
Daniela Birman
Paloma Vidal
IEL/UNICAMP
2019
A partir da leitura comparativa das primeiras obras publicadas pelos escritores brasileiros Clara
Averbuck e Santiago Nazarian no início da década de 2000, esta dissertação pretende analisar
os recursos e estratégias utilizados pelos autores para suas respectivas inserções no cenário
literário contemporâneo, bem como para construção e divulgação de suas figuras autorais,
ambas marcadas pela excentricidade e pelo forte apelo midiático. Ver-se-á que a constante
atuação pública dos escritores, assim como a proximidade com o seu público-leitor promovida,
entre outras coisas, pela internet e a emergência dos blogs como espaço propício à divulgação
de novos autores, resultou também na confusão de identidades entre as figuras autorais e as
personagens-escritores que aparecem nos romances analisados. Além disso, devido aos traços
autoficcionais e gestos performáticos, identificáveis tanto no texto literário quanto fora dele,
objetiva-se ainda discutir as tensões provocadas na crítica literária pelos conceitos de autoficção
e performance.
Based on a comparative reading of the first works published by Brazilian writers Clara
Averbuck and Santiago Nazarian in the early 2000s, this master’s thesis intends to analyze the
resources and strategies used by them for their insertions in the contemporary literary scene, as
well as for the construction and dissemination of their authorial figures, both marked by
eccentricity and media appeal. It will be seen that the constant public activities of those writers,
as well as their proximity to their readership, which was promoted by the internet's and blog’s
emergence as a vehicle for the dissemination of new authors, among other things, has also
resulted in the confusion of identities between the authorial figures and the writer-characters
who appear in the analyzed novels, which allowed us to identify autofictional features and
performances in the literary text and out of it. In addition, it aims to discuss the tensions still
provoked in literary criticism by the concepts of autofiction and performance.
Introdução .......................................................................................................................... 12
Um panorama da cena literária brasileira nos anos 2000 ................................................... 14
A estrutura da dissertação ................................................................................................. 22
1. Clara Averbuck: as possibilidades da escrita na era da Internet ............................. 25
1.1. Das telas aos livros ................................................................................................ 25
1.2. Eu, Camila Chirivino – escritora, narradora, personagem ....................................... 31
1.3. Do virtual ao literário – percursos e procedimentos de escrita ................................ 35
1.4. A subversão do “diário”: o blog ............................................................................. 43
1.5. Do real ao ficcional: a autoficção como performance ............................................. 56
1.6. A autoficção e suas tensões .................................................................................... 64
2. Santiago Nazarian: escrita e performances ............................................................... 75
2.1. De body artist a autor profícuo: a trajetória de Santiago Nazarian .......................... 75
2.2. Thomas Schimidt: uma personagem suspeita ......................................................... 80
2.3. O autor-personagem e a personagem-escritor: a simulação de semelhanças ............ 97
2.4. Bizarrices on-line: o blog ..................................................................................... 108
2.5. Narrativas performáticas: por uma acepção mais abrangente de performance ....... 130
3. Clara Averbuck e Santiago Nazarian: facetas da literatura “00”........................... 137
Considerações finais ......................................................................................................... 151
Referências bibliográficas ................................................................................................ 153
Anexos .............................................................................................................................. 161
12
Introdução
O plano inicial dessa pesquisa era norteado pela leitura comparativa dos
primeiros romances publicados por Clara Averbuck e Santiago Nazarian, dois autores
brasileiros que tiveram seus primeiros livros publicados em momentos bastante próximos,
a saber em 2002 e 2003, respectivamente. Além disso, eles se valeram de estratégias
muito próximas para divulgação e gestão de suas figuras autorais, extremamente
midiáticas, bem como utilizaram-se, cada um a sua maneira, dos blogs como ferramenta
facilitadora do contato entre escritor(a) e público-leitor.
Averbuck, antes de lançar o seu primeiro romance, participou do projeto de
um fanzine eletrônico, o CardosOline, criou um site para a publicação de seus próprios
textos, o Dexedrina, assim como manteve por dois anos, o blog Brazileira!Preta1. Seu
romance de estreia, Máquina de pinball (2002), dá início a saga de Camila Chirivino,
personagem-escritora e também narradora dos três romances adultos publicados até o
momento pela autora; além do romance acima citado, Camila ocupa tal função em Vida
de Gato (2003) e Toureando o diabo (2015). Além disso, é possível constatar que a
personagem compartilha, com a autora, dados biográficos e características muito
semelhantes.
Nazarian, antes de dar início a sua carreira de escritor, era reconhecido como
body artist devido às performances de automutilação que executou no centro de São Paulo
no final da década de 90. Em 2003, ele venceu um concurso literário que resultou na
publicação de Olívio (2003), ao qual se seguiram A morte sem nome (2004), Feriado de
mim mesmo (2005) e outros seis títulos até o momento.
Nos três primeiros romances do autor, uma personagem-escritor, Thomas
Schimidt, chama a atenção ao ser responsável por desencadear transformações
problemáticas na rotina dos protagonistas das narrativas e, tal qual acontece entre Clara e
Camila, também apresenta características em comum com o autor.
1
Brazileira!Preta (http://brazileirapreta.blogspot.com/) foi o primeiro blog da escritora, mantido entre 2001
e 2003. Ao longo de sua carreira, ela criou alguns outros, como o Adiós lounge
(http://adioslounge.blogspot.com), que durou de 2006 a 2009, o Clara Averbuck
(http://www.claraaverbuck.com.br), mantido de 2009 a 2014 e o Blog da Clara Averbuck
(https://claraaverbuck.blogosfera.uol.com.br/), lançado em agosto de 2018.
13
2
No site da Não editora é possível encontrar definições como “Isto não é uma editora. É um gatilho. É um
rádio-relógio. É um ônibus espacial. Isto não é uma editora. É o disparo. É o despertar. É o empuxo”
[Disponível em: <http://www.naoeditora.com.br/sobre/> Acesso em 07/04/2017]. Contudo, ela já conta
com mais de trinta títulos em seu catálogo. Além disso, a partir da Não editora surgiram ramificação
voltadas para outros tipos de publicação como a editora Dublinense, a princípio, voltada para a publicação
de textos não ficcionais e o Terceiro selo, dedicado exclusivamente a descoberta de novos e talentosos
ficcionistas.
16
Acredito que esse boom [dos jovens autores surgidos no início dos anos 2000,
em sua maioria descobertos através da internet] passou rápido, porque as
editoras perceberam que esses autores não vendiam tanto quanto se esperava
(e não tanto quanto o número de acessos de seus blogs). Essa aposta em autores
jovens, que teve seu pico em 2003 e 2004, agora deu uma acalmada (a Planeta
mesmo, agora investe em best-sellers [sic] como Paulo Coelho). Quatro anos
depois, permaneceram os autores mais consistentes... ou persistentes. (Já na
internet, também passou há muito a febre dos blogs. Houve em seguida a febre
dos fotologs, dos sites de MP3, de relacionamento - como o Orkut – e mais
recentemente de vídeo, como o YouTube.) (NAZARIAN, 04 abr. 2008, on-
line).
A reclamação de Nazarian mostra-se pertinente se amparada em pesquisas
sobre o mercado de livros no Brasil dos últimos anos. Assim, a partir do panorama
construído por Sandra Reimão (2011), pode-se confirmar a princípio uma expansão do
mercado de livros no Brasil entre 2000-2009, uma vez que, a partir de dados produzidos
pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), da USP, constata-se o
aumento no número de títulos e de exemplares editados e decréscimo do preço,
ou seja, expansão da bibliodiversidade, aumento dos bens e da facilidade do
acesso pela diminuição dos entraves econômicos (REIMÃO, 2011, p. 195).3
Contudo, ao analisar o conjunto dos dez livros mais vendidos no Brasil
naqueles anos, ela constata a evidente predominância de best-sellers de autores
estrangeiros, liderados no início da década pelos volumes da saga de Harry Potter, da
britânica J. K. Rowling, e no final da década pela norte-americana Stephenie Meyer,
autora da série Crepúsculo. A estes livros se reúnem ainda títulos assinados por nomes
como J. R. R. Tolkein, Marcus Zusak, Dan Brown, William Young, Khaled Hosseini e
Sidney Sheldon.
3
Descontando-se algumas oscilações anuais, a autora constata no período um movimento crescente no
número de livros produzidos no Brasil, saltando de 329 milhões de exemplares, em 2000, para 386 milhões
em 2009.
18
participantes do meio, a maioria dos leitores demonstra pretensões de ser. A sua busca
encontraria um perfil de leitor ideal através das redes sociais, o que reforça o papel da
internet como veículo de interação entre autor e público-leitor:
[u]ma boa resposta tem vindo das redes sociais. Hoje, um escritor ativo no
Facebook logo identifica meia dúzia de nomes "reincidentes", uma turma
sempre a postos para divulgar lançamentos, comentar as resenhas e discutir
com os próprios autores, mas que ainda não desempenha papel preciso no
meio. São os leitores perfeitos... ou quase (NAZARIAN, 2017, on-line).
Tais leitores passam a ser identificáveis não apenas pelas suas participações
em fóruns de discussões pela internet ou pela sua presença em debates, feiras e
lançamentos, mas também por atuarem amadoramente exercendo funções que um dia era
incumbência da crítica literária tradicional. Com efeito, através de páginas no Facebook,
blogs, sites ou canais de vídeos no Youtube, muitos desses leitores compartilham suas
opiniões, gostos e críticas em relação aos livros que leem, o que segundo Nazarian serve
para desestabilizar a fronteira que um dia existiu entre críticos e leitores:
[c]om a extinção progressiva dos suplementos literários (e da mídia impressa
como um todo), a maior parte das resenhas está nas mãos de amadores, leitores
apaixonados que criam blogs e vlogs ou usam a rede social Skoob para discutir
seus tomos favoritos, muitas vezes de maneira absolutamente passional e
pouco consistente (NAZARIAN, 2017, on-line).
Fato é que todos esses fatores apontados contribuem para que o mercado
literário não enfrente um de seus melhores momentos atualmente 4, especialmente para
autores contemporâneos e estreantes. O momento mais propício para se lançar no meio
literário parece ter sido os primeiros anos da década passada, responsáveis por revelar
nomes como Averbuck e Nazarian, além de outros que serão mencionados ao longo deste
estudo. Soma-se a isso a crise econômica que atingiu o país nos últimos anos e não deixou
o mercado editorial incólume. Nesse contexto, muitas editoras deixaram de apostar em
novos nomes para investir em gêneros e autores com forte apelo comercial, vide o
4
Como apontado por Rodolfo Viana (2016), de acordo com a Pesquisa Produção e Vendas do Setor
editorial Brasileiro realizada pela Fipe acerca da década 2006-2015, os últimos anos têm sido de queda no
número de exemplares vendidos pelo mercado editorial brasileiro, bem como em seu faturamento anual, o
que também foi influenciado pela redução do preço médio do livro. Assim, no ano de 2011 foram vendidos
no país 469,5 milhões de exemplares, enquanto em 2015 apenas 389,3 milhões foram comercializados.
Excluindo as compras governamentais, o mercado privado enfrentou a redução de 283,98 milhões de
unidades vendidas em 2011, para 254,7 milhões em 2015. O subsetor Obras gerais (no qual se inclui os
livros de literatura) foi o mais afetado por essa redução, registrando uma queda no faturamento entre 2011
e 2015 de 1,4 bilhão de reais para 1,14 bilhão. Os demais subsetores: Didáticos, Religiosos e Científicos,
Técnicos e Profissionais também sofreram queda no faturamento anual, contudo os livros Religiosos foram
aqueles que mostraram o melhor desempenho no período analisado.
20
exemplo da editora Conrad, casa editorial que publicou o primeiro livro de Averbuck,
mas, nos últimos anos, tem se dedicado à publicação de mangás japoneses.
Característica predominante do cenário aqui analisado se encontra na
ampliação das incumbências dos escritores contemporâneos, uma vez que, além de
escrever, eles devem divulgar tanto a obra quanto a si próprios, a fim de conquistar o
público-leitor. Como detalharemos ao longo da dissertação, os escritores tornaram-se
figuras midiáticas: atuante nos blogs e, mais recentemente, nas redes sociais, carismáticos
em lançamentos de seus livros e impelidos a aparecer em palestras, feiras de livros,
bienais, jornais, revistas e entrevistas televisivas. Além desse fato, como apontou Luciene
Azevedo (2004), “o escritor-produtor-crítico-agitador dá o que falar, vai aparecendo aqui
e ali, cavando um circuito literário próprio” (AZEVEDO, 2004, p. 10). À vista disso, cada
vez mais a curiosidade do público-leitor se volta não para a obra, mas sim para figura
autoral que a assina.
Essa constante e imperativa exposição do escritor contemporâneo culmina,
entre outras coisas, na diminuição da distância entre autor e leitor, pois tal relação deixa
de ser mediada exclusivamente pelas obras e passa a ter uma série de outros canais de
interação e contato, o que alimenta a curiosidade do público acerca da figura autoral. A
marcante atuação do escritor e o contanto mais direto entre ele e seu público pode resultar,
como será discutido no primeiro capítulo a partir das produções de Averbuck, em leituras
dos textos literários que prescindem do status ficcional para tentar encontrar ali
semelhanças entre personagem e autor ou experiências que seriam da chave do real.
Importa ressaltar que Josefina Ludmer (2007) destaca dois postulados que
fundariam o que ela definiu como “Literaturas postautónomas”, a saber, “todo lo cultural
[y literario] es económico y todo lo económico es cultural [y literario]” e “la realidad [si
se la piensa desde los medios, que la constituirían constantemente] es ficción y que la
ficción es la realidad (LUDMER, 2007, p. 2).
O primeiro postulado é amparado na lógica capitalista e no consumismo da
sociedade contemporânea. Ao tratar a literatura como mais um produto a ser consumido,
as grandes editoras balizariam as escritas atuais pelo seu valor de mercado. Logo, é a
lógica do best-seller e do consumo em massa que impera. Não por acaso, se viu
fenômenos mundiais, que se explicariam pelas suas campanhas publicitárias, tais como
Harry Potter, Crepúsculo, ou Os cinquenta tons de cinza, entre outros. Em virtude disso,
21
a lógica econômica do mais vale, quando menos vende, estaria como os seus dias
contados, se é que ela ainda existiria no presente. Ademais, tal postulado também se
reflete nas diversificadas atuações dos escritores contemporâneos, mencionadas
anteriormente, pois mais do que escrever é preciso comercializar os seus livros, a partir
das divulgações das obras e exposição de suas figuras autorais.
O segundo postulado é fundamentado através da perda tanto do caráter
privilegiado da literatura e de sua especificidade, quanto pela diminuição da sua distância
com o “real”. Para Ludmer, as escritas do presente
[t]oman la forma del testimonio, la autobiografía, el reportaje periodístico, la
crónica, el diario íntimo, y hasta de la etnografía (muchas veces con algún
“género literario” injertado en su interior: policial o ciencia ficción, por
ejemplo). Salen de la literatura y entran a ‘la realidad’ y a lo cotidiano, a la
realidad de lo cotidiano [y lo cotidiano es la TV y los medios, los blogs, el
email, internet, etc] (LUDMER, 2007, p. 2)
Consequentemente, se diferenciam da ficção clássica e moderna que surgiam,
justamente, a partir do afastamento da realidade histórica.
É importante ressaltar que a realidade da qual fala Ludmer não é “la realidad
histórica referencial y verosímil del pensamiento realista y de su história política y social
(la realidad separada de la ficción)” (LUDMER, 2007, p. 2), mas o que ela chama de
“realidad cotidiana”, que seria “una realidad producida y construida por los medios, las
tecnologías y las ciencias” (LUDMER, 2007, p. 2). Ou seja, tal realidade já é ela mesma
um simulacro do real e parte da imaginação pública. Por isso, a crítica argentina lê alguns
textos de hoje como real e ficcional ao mesmo tempo, pois não seria possível detectar o
que é da esfera do real e o que é ficcional.
Ao detectar a indistinção das fronteiras entre realidade e ficção não apenas na
literatura, mas também em outras práticas artísticas do presente, Florencia Garramuño
(2014) detecta “um modo de apagar as fronteiras entre esse mundo autônomo que seria a
obra e o mundo exterior em que essa obra é lida ou percebida” (GARRAMUÑO, 2014,
p. 21). O que desestabiliza a noção de campo “como espaço estático e fechado”
(GARRAMUÑO, 2014, p. 34) e forçosamente requer uma outra acepção na qual se
localiza a literatura contemporânea. Garramuño então lança mão da ideia de “expanded
field” cunhada por Rosalind Krauss para definir novos tipos de esculturas e aplica-a ao
cenário contemporâneo a partir de textos argentinos e brasileiros. Segundo ela,
nesse campo expansivo também está a ideia de uma literatura que se figura
como parte do mundo e imiscuída nele, e não como esfera independente e
autônoma. É, sobretudo, esta questão, embora difícil de conceituar, o sinal
22
A estrutura da dissertação
autoral construída discursivamente, tal qual uma personagem. Portanto, tais narrativas
afastam-se do biografismo do passado para abarcar a dramatização midiática do presente,
integrando-as às performances do(a) autor(a) contemporâneo(a). Concluindo o capítulo,
pretende-se problematizar os impasses e as tensões provocados pelo texto autoficcional e
que atingem a expectativa do público leitor, a recepção de tais textos, a função autor e até
mesmo a crítica literária do presente.
No segundo capítulo, a partir da análise dos três primeiros livros publicados
por Santiago Nazarian, pretende-se examinar como se construiu a relação especular entre
a figura autoral e a personagem-escritor, Thomas Schimidt. Nesse processo, será
destacado o complexo jogo de semelhanças elaborado a partir de elementos que se
encontram tanto “dentro” quanto “fora” da borrada fronteira dos textos literários
contemporâneos. Também, pretende-se evidenciar como o escritor lançou mão de gestos
performáticos ao se comportar como uma figura autoral midiática a fim de divulgar as
suas obras. É importante ter em mente que as performances podem ser identificadas em
diferentes contextos, uma vez que é possível reconhecer a predisposição do autor para
estar em cena, exibir-se a fim de divulgar a si mesmo e a sua obra tanto em seu blog
quanto em entrevistas, palestras e eventos literários.
Por fim, diante dos debates existentes acerca da pertinência do uso do
conceito de performance para a análise de narrativas literárias, defende-se uma acepção
mais abrangente deste conceito determinada pela ampliação do espaço biográfico na
atualidade e pelas constantes atuações públicas dos escritores contemporâneos.
No terceiro capítulo, objetiva-se a realização de uma comparação entre os
escritores aqui analisados, problematizando as semelhanças e distinções acerca dos
recursos e estratégias empregados para as suas respectivas inserções no cenário literário
contemporâneo, bem como para a construção de suas figuras autorais, visando ressaltar
como a adoção, ao longo da carreira, de práticas diversas conduziram os autores a
alcançar posições diferentes no contexto atual do campo literário contemporâneo.
Em suma, como os objetos de análise são romances contemporâneos,
recentemente publicados por autores que ainda possuem uma restrita fortuna crítica, vale
ressaltar que a pesquisa por referências teóricas, desde o início, pautou-se pela utilização
de instrumentos múltiplos, não sendo limitada aos livros impressos. Consequentemente,
foram utilizados ensaios e trabalhos de outros pesquisadores do assunto publicados em
24
revistas, anais de congresso e/ou na internet. Ou seja, tal feito demandou um constante
trabalho de busca a fim de selecionar informações pertinentes, que permitissem a
elaboração de um pensamento coerente e uma análise relevante sobre o tema abordado.
25
5
As postagens do site Dexedrina já não estão mais disponíveis para acesso. Como a própria Averbuck se
refere à página, trata-se de um “site defunto”. No entanto, alguns dos seus textos, assim como do blog, estão
inseridos na coletânea intitulada: Das coisas esquecidas atrás da estante (2003).
27
6
Todas as citações de blog são oriundas do primeiro blog de Averbuck, Brazileira!Preta.
7
O blog Brazileira!Preta jamais contou com espaço para comentários, uma das ferramentas disponíveis, no
entanto, Averbuck disponibilizava endereços de e-mails para que seus leitores escrevessem a ela, mas em
diversas postagens do blog, respondia aos leitores, sobretudo, aos e-mails que criticavam o egocentrismo
de suas postagens e o fato de o assunto central dos textos ser a sua própria vida.
28
8
De um modo geral, essas críticas dão atenção à proximidade das escritas virtual e ficcional, às semelhanças
entre as vivências de Clara e Camila e ao uso de uma linguagem atual e extremamente coloquial. Assim,
por exemplo, em resenha de 30 de agosto de 2002, publicada no jornal O Estado de São Paulo, Máquina
de Pinball é apresentado como um livro que veio “sujar” a literatura brasileira. Apontando o uso recorrente
de “palavrões, escatologias, sexo e individualismo libertário”, aproxima a escrita de Averbuck à de Marcelo
Mirisola, destacando que ambos adotam uma linguagem que se aproxima mais da linguagem de veículos
de comunicação de massa, como o cinema, a música e a TV, que da tradição literária que os antecederam
(O Estado de São Paulo, 2002). Especificamente, o romance de estreia de Averbuck é caracterizado como
imaturo e exemplo de uma “literatura umbiguista”, ou seja, extremamente individualista e centrada nos
sofrimentos da autora. Bruno Yutaka Saito, em resenha para a Folha de S. Paulo, de 12 de agosto de 2002,
também destaca a auto-referência como uma das características centrais do romance de Averbuck, além de
destacar uma “estética punk” impregnada na prosa da autora (SAITO, 2002, on-line).
29
ganhou uma segunda adaptação teatral feita por Marina Viana e dirigida por Gil Esper.
Essa versão contava com uma junção de espetáculo teatral e musical realizado pelo grupo
O Coletivo, que entre várias temporadas diferentes foi encenada até o ano 2013. Murilo
Salles, ainda, comprou os direitos autorais para a adaptação cinematográfica dos dois
primeiros romances da escritora, que deram origem ao filme Nome próprio (2007).
Ambas as adaptações foram alvo de crítica da autora; a teatral, devido à montagem e à
interpretação da atriz escolhida para viver Camila Chirivino, a personagem-narradora de
seus romances enquanto na adaptação cinematográfica ela critica as alterações nos seus
textos que serviram de base para o roteiro. Em entrevista a Ramon Mello, ao ser
questionada se gostou do filme, ela responde:
Gostei, mas fiquei chateada com a modificação que fizeram no meu texto que
aparece na tela. Eu escrevi o texto, reescreveram no meu lugar, eu escrevi
novamente e acabou ficando uma coisa diluída. As pessoas sabem que é
baseado na minha obra e o que aparece escrito no filme não é meu. Isso
incomoda. (AVERBUCK, s.d., on-line).
Em 2008 Averbuck lançou, em parceria com a ilustradora e artista visual Eva
Uviedo, o seu projeto mais conceitual – Nossa senhora da pequena morte (2008).
Publicado pela editora Bispo em restritos duzentos exemplares, o “livro” era constituído
pela reprodução de páginas escritas à mão ou datilografadas por Averbuck e ilustradas
por Uviedo. Tais páginas foram inseridas em duzentas capas de vinis diferentes, todas
elas com o vinil em bom estado para a reprodução.
Com o decorrer dos anos, Averbuck voltou a se aventurar na escrita de blogs,
como o Adiós lounge (http://adioslounge.blogspot.com.br) mantido de 2006 a 2009 e o
Blog – Clara Averbuck (http://claraaverbuck.com.br/), mantido de 2009 a 2014. Nenhum
dos dois chegou a atingir a mesma repercussão que o Brazileira!Preta. Ainda que a autora
já fosse nacionalmente conhecida e a internet já estivesse difundida pelo país, a
concorrência com as redes sociais, que não existiam nos primeiros anos do século XXI,
parece ser o principal motivo disto.
Cidade grande no escuro (2013), publicado pela editora 7 Letras, juntamente
com novas edições dos três primeiros livros da autora, é também uma coletânea de textos
anteriormente publicados nos blogs já mencionados, em sites ou jornais. Pela mesma
editora Averbuck ainda lançou o romance juvenil Eu quero ser eu (2014).
O quarto romance da escritora, Toureando o diabo (2015), que seria uma
continuação de seus dois primeiro livros, é uma obra independente. Manifestando-se
30
contra a porcentagem destinada aos autores sobre o lucro das vendas e lançando mão de
uma nova possibilidade que a internet havia facilitado há bem pouco tempo – o
crowdfunding, ou financiamento coletivo, Averbuck decidiu criar uma campanha on-line
para que seus leitores financiassem a edição do romance. 9 Em troca, esses receberiam em
casa um exemplar do romance e outras recompensas, como exemplares dos romances
anteriores, adesivos e marcadores de página. No prazo de dois meses, de março a maio
de 2014, a campanha contou com o apoio de 595 pessoas e ultrapassou em 27% a meta
de 35 mil reais para a edição dos livros e produção das outras recompensas, que deveriam
ser enviadas a partir de agosto do mesmo ano. No entanto, até novembro de 2017 muitos
dos apoiadores ainda não haviam recebido as suas recompensas. Segundo a justificativa
postada pela autora nas redes sociais, o atraso deveu-se a um erro no planejamento do
custo total do projeto. Por e-mail, ela admitiu que ainda estava enfrentando dificuldades
para concluir o envio de todas as recompensas, muitas das quais acabaram sendo
entregues pessoalmente em eventos literários pelo Brasil dos quais ela participou ou em
lugares de São Paulo, cidade onde ela reside.
Entre 2014 e 2018, ao lado de Ana Paula Barbi e Mari Messias, Averbuck
manteve o site Lugar de mulher (http://lugardemulher.com.br/), no qual foram publicados
textos feministas que versavam sobre a defesa da liberdade da mulher, a denúncia de
violências sofridas e a difusão entre as próprias mulheres da prática da sororidade. Uma
coletânea dos melhores textos do site foi publicada pelas autoras no ebook Lugar de
mulher é onde ela quiser. Em 2018, ela participou da coleção A revolução das princesas,
projeto idealizado pela ONG Plan International Brasil e voltado para o público infanto-
juvenil, no qual as clássicas estórias infantis são recontadas a partir de um olhar feminista
e as princesas aparecem como personagens valentes, audaciosas e donas de seu próprio
destino. Coube a Averbuck, recriar as aventuras da princesa Ariel, no título A revolução
de Ariel.
Ainda 2018, ela iniciou um novo blog: Blog Clara Averbuck
(https://claraaverbuck.blogosfera.uol.com.br/), no qual analisa comportamentos, mídia e
sociedade a partir de uma perspectiva feminista, dando continuidade às reflexões
9
Página destinada ao financiamento coletivo on-line, e onde pode-se obter os dados sobre o projeto
“Toureando o diabo”. https://www.catarse.me/clara. Acesso em 30/03/2017.
31
10
O uso do termo romance pode ser questionado em relação as narrativas em prosa de Clara Averbuck,
sobretudo, em razão de sua curta extensão e do claro teor autobiográfico. No entanto, opta-se, aqui, por
seguir esta classificação por levar-se em consideração as diversas transformações pela qual passou o gênero
deste o início do século XX e as múltiplas possibilidades de escrita do romance que vêm sendo exploradas
por autores contemporâneos, diferenciando-o dos romances canônicos dos séculos XVIII e, principalmente,
do XIX.
32
apenas do que consegue receber pela venda de textos para sites e jornais. O que a faz
aceitar ir morar provisoriamente no apartamento de um amigo, que passaria três meses
fora, amigo esse que surgiu quando ela precisava entregar o seu apartamento em virtude
dos aluguéis atrasados e das ameaças da dona do lugar.
No entanto, tudo isso acaba acontecendo em segundo plano, visto que o foco
da narração está na conturbada relação entre Camila e Antônio. Ele aparece como o
“homem perfeito”, segundo a visão subjetiva da narradora-personagem. Quando eles se
conhecem, Antônio acabara de ser abandonado pela ex-namorada, que foi morar na
França. Camila se encanta tanto pela fragilidade dele quanto pelo fato dele conseguir
escrever melhor do que ela mesma.
Antônio apareceu, escancarando todas as passagens e deixando entrar luz e ar
puro e me abraçando e falando e mostrando e dizendo que não poderia aguentar
outro amor, que não queria mais saber de sofrer pois sua namorada, a mulher
da sua vida, estava indo morar na França. Que precisava ficar sozinho, que não
aguentaria, não poderia, iria embora desta vida. Antônio queria ser um monge-
cavaleiro templário. Mas ele não ia conseguir. (AVERBUCK, 2002, p. 20).
Não demora para que Camila se encontre apaixonada por Antônio e disposta
a ficar com ele, assim como não demora para que Antônio suma sem lhe dar explicações.
O que leva a narradora-personagem a se entregar ao sofrimento, algo evidente nas
lamentações que aparecem em boa parte da narrativa. Como se observa em: “Sou a única
pessoa que ainda morre de amor. Ninguém mais morre de amor, ninguém mais sente dor
[...] Estou morrendo de amor. Ou da falta dele” (AVERBUCK, 2002, p. 40).
A busca de uma resposta ou de um motivo para ter sido abandonada por
Antônio torna-se uma espécie de obsessão para Camila, que vai aos lugares que ele
frequentava, até encontrá-lo e, no meio de uma festa, ouvir que ele está apaixonado por
outra; além de ouvir que a razão para ele preferir ela a Camila é a necessidade de ter uma
“mulherzinha” ao seu lado. Obviamente o termo é empregado em sentido pejorativo,
menosprezando a autonomia e independência feminina, da qual Camila mostra-se, desde
as primeiras linhas de sua narração, uma defensora e representante.
Devido a isso, Camila decide seguir sua vida na cidade: em busca de uma
casa, sem aquele que ela diz ser o amor de sua vida, com seu primeiro livro impresso e às
vésperas de ser publicado, tentando acertar sua vida sentimental, por mais que continue
errando e preferindo voltar para as suas “casas” provisórias sozinha.
35
11
Vale destacar que, apesar de constituir um exemplo contundente do bom uso da internet para a divulgação
de seus textos e de sua figura autoral, Averbuck não foi a única a se valer das novas possibilidades de
interação em rede para alcançar o público-leitor ou a oportunidade de publicação de seus escritos no suporte
livro. Além dela, pode-se citar Daniel Galera e Daniel Pellizzari, autores que também iniciaram suas
publicações no CardosOnline; mas também João Paulo Cuenca, Cecília Gianneti, Ivana Arruda Leite, Ana
Paula Maia, entre outros nomes da cena literária atual, como exemplos daqueles que souberam utilizar a
internet, ainda que de maneiras diferentes, como veículo para a divulgação e propagação de seus textos e
de sua figura autoral.
36
II.
Give me a lover that won’t give me troubles, some sexy dreams to chew on
these bubbles.
Perry Farrell
Em 2011, Clara Averbuck participou de um episódio do reality-show: Troca de família, exibido pela rede
12
Record.
37
acho que a Conrad herdou o posto deles. A não ser que eles ainda tenham os
direitos das obras publicadas e republiquem tudo. Eu não faço idéia de como
isso funciona, pra falar a verdade. Mas vou mandar meu livro pra lá. Ah, vou
(AVERBUCK, 29 dez. 2001, on-line).
Ao intuir que a Conrad tenha ocupado o lugar da Brasiliense no cenário
editorial brasileiro, ela acaba revelando certa ingenuidade e sua grande expectativa em
relação a atuação de uma editora para a carreira de um(a) jovem escritor(a). Desse modo,
não são apenas as leis de direitos autorais que são desconhecidas, como reconhece
Averbuck, mas também o funcionamento do mercado editorial não lhe é familiar. Além
disso, a sua euforia em torno da Brasiliense é herança da ideia de uma editora
vanguardista e com projeto editorial inovador, que foi alcançada, sobretudo, na década de
1980, sob a liderança de Caio Graco Prado. Pois, nesse período, a editora lançou uma
série de coleções voltadas ao público jovem e apostou em nomes com pouca tradição,
como foi o caso dos poetas marginais da década de 1970 (Ana Cristina Cesar, Chacal,
Cacaso, Paulo Leminski, Waly Salomão) que tiveram muitos de seus livros independentes
relançados pela editora no início daquela década, assim como os escritores beats
(Burroughs e Kerouac) e seu precursor (Fante) que tiveram suas primeiras traduções
lançadas pela editora no Brasil.
Em menos de dois meses após o envio do livro por e-mail para editoras,
Averbuck fechava o contrato com a Conrad, como informa em postagem de 21 de
fevereiro de 2002: “Máquina de Pinball, livro desta que vos escreve, vai sair pela Conrad
até julho, se tudo der certo. Fechei o deal hoje. Podem contar pra todo mundo”
(AVERBUCK, 21 fev. 2002, on-line). Isso evidencia o veloz e bom resultado alcançado
por ela em se valer da internet para a divulgação dos seus textos e de sua figura autoral.
Mas também permite que se observe a concepção da editora como um espaço de
valoração do texto, dando-lhe a chancela literária; enquanto a internet, e especialmente o
blog, ainda é encarado como o oposto disso: um espaço que seria marcado pela para a
divulgação de textos pessoais, autorreferentes e sem valor estético. Demonstrando-se,
assim, uma contradição deste novo cenário da produção escrita, a saber, por mais que
antigas formas de mediação não sejam mais necessárias, elas ainda são desejadas e
perseguidas pela maioria dos escritores de hoje.
O rápido percurso, aproximadamente cinco meses, que perpassa a escrita, a
divulgação e a publicação de seu primeiro romance, está em sintonia com a rapidez e o
fluxo constante de informações que a internet intensificou na sociedade deste século XXI
39
e ainda serve como evidência da urgência que Karl Erik Schollhammer (2009) diagnostica
na ficção brasileira contemporânea. Segundo ele, a escrita se faz urgente, tanto no sentido
de ser produzida e divulgada sem demora e de maneira imediatista quanto no sentido de
ser uma escrita que se “impõe de alguma forma” (SCHOLLHAMMER, 2009, p. 11).
O senso de urgência dá a ver a dificuldade do escritor contemporâneo em lidar
com o mais próximo a ele: o presente. Assim, por um lado o escritor sente a necessidade
de se relacionar com o seu presente histórico, mas por outro, está consciente de sua
impossibilidade de captar diretamente a realidade atual. A literatura é, portanto, utilizada
por alguns escritores como um “caminho para se relacionar e interagir com o mundo nessa
temporalidade de difícil captura” (SCHOLLHAMMER, 2009, p. 11).
Da consciente dificuldade em capturar o mais próximo e atual origina-se uma
demanda pela estética realista, no entanto, salienta o crítico que tal demanda não se
restringe às formas já conhecidas do realismo tradicional, mas diz respeito, sobretudo, às
novas formas de lidar com a memória histórica e a realidade pessoal e coletiva. Logo, o
passado se presentifica como memória do que já passou, o que se perdeu, “oferecendo
seus índices desconexos, matéria-prima de uma pulsão arquivista de recolhê-lo e
reconstruí-lo literariamente” (SCHOLLHAMMER, 2009, p. 12-13); enquanto, em muitos
escritores contemporâneos observa-se a preocupação com a criação da própria presença,
que em termos mais enfáticos, resulta da imposição de sua “presença performativa”
(SCHOLLHAMMER, 2009, p. 13), caso no qual se analisa a produção de Clara
Averbuck, nesta dissertação.
A internet e seus veículos virtuais (blogs, redes sociais, sites, entre outros)
facilitaram a publicação dos escritores contemporâneos e ainda reforçaram o imediatismo
e a urgência da produção, divulgação e compartilhamento. Contribuindo decisivamente
para a criação e consolidação da figura autoral no presente, figura esta que se mostra
midiatizada e responsável por novas formas de mediação no contato de seus textos com
os seus leitores.
Cabe destacar ainda que a urgência contemporânea seria evidenciada no texto
pelo uso de formas breves e híbridas, pela linguagem curta e fragmentada e pela
proximidade com o gênero crônica (SCHOLLHAMMER, 2009, p. 14-15); características
observadas tanto nas postagens feitas por Averbuck quanto em seus romances breves, de
capítulos curtos e linguagem direta.
40
Além disso, a urgência pela escrita, que refletiria a preocupação com a criação
de uma figura autoral, revela-se em Averbuck não apenas na rapidez com a qual o seu
primeiro romance foi publicado ou pela quantidade de postagens que ela mantinha
cotidianamente no blog, mas também na facilidade em partir para novos projetos. Uma
vez que antes de começar a escrita do que viria a ser seu segundo romance, Averbuck
afirma, no blog, já ter apagado as vinte e duas páginas que seriam a continuação de
Máquina de Pinball. Dois meses após a desistência daquela continuação e antes mesmo
do lançamento do livro de estreia, em postagem de 16 de maio de 2002, ela anuncia a
escrita de Vida de gato:
Vida de Gato
Comecei outro livro.
O nome provisório é Vida de Gato. Só tem quatro paginazinhas. É nenê, ainda.
Mas ei, vai ser legal. E eu adorei o nome.
Já avisei que Máquina de Pinball será lançado no dia 16 de agosto? Perdão,
esqueci. Eu sei, eu sei, falta um tempão, ninguém agüenta mais ouvir falar
desta droga de livro. Imagino a decepção do amigo leitor quando descobrir que
ele vai ter mixurucas oitenta e poucas páginas. Vamos por partes, vamos por
partes. Ou vocês pensam que ele não vai ter uma continuação? Vai. Aliás, acho
que todos os livros seguintes serão continuação dele. E poxa, vale a pena
esperar até agosto, porque o lançamento cai justamente no aniversário do
Bukowski. Claro que não é uma coincidência. Aliás, registre-se: não existem
coincidências. Quero que meu primeiro livro nasça junto com o Hank. Meu
livro, meu Hank. [...] (AVERBUCK, 16 mai. 2002, on-line).
Assim como aconteceu com Máquina de Pinball, os leitores do blog
acompanharam todo o progresso da escrita de Vida de gato, até a sua conclusão em
outubro de 2002. Ao longo deste período as divulgações de trechos do novo livro voltaram
a acontecer; assim como um procedimento que pode ser identificado tanto no processo de
escrita deste romance quanto no romance de estreia, mas que ainda não foi aqui analisado,
trata-se da inserção de textos do blog (postagens) nos romances. Uma leitura cotejando
os textos publicados no Brazileira!Preta com os primeiros romances de Averbuck revela
que há alguns intertextos que fizeram esta migração de suporte e contexto. E, ao contrário
do que já se analisou anteriormente, não há nenhuma indicação ao leitor do blog de que
aquela postagem reproduz ou divulga um trecho do livro.
Em algumas dessas postagens sem indicação clara de que se trata de um
trecho do livro, ainda é possível que o leitor atento desconfie da voz narrativa com a qual
se depara no ato da leitura, como no seguinte trecho:
Rock the shack
Não vai tocar. O telefone não vai tocar. Atirado no chão, inerte,
inútil, mudo, sem propósito. Não vai tocar. Bagunça. Minhas botas, livros, dois
41
maços de cigarro pela metade, páginas traduzidas, meus discos preferidos. Mas
o telefone não vai tocar. A guitarra enrolada nos lençóis, um sutiã atirado por
cima. Minha carteira com uma nota que tenta fugir com a língua para fora.
Silêncio. Cinzeiro cheio. Silêncio. O telefone não vai tocar.
Vem logo, meu querido, não demora, tenho sede, tenho sono,
quero dormir ao teu lado. Acorda desse pesadelo e corre para mim. O mundo
está vazio. Só você, em algum lugar. Escuto Zombies bem baixinho para
ninguém saber que estou aqui. Eles sabem, evidente que sabem, onde mais eu
estaria? Mas não quero ser notada. Eles não sabem de nada, são rasos, fazem
barulho, invadem meus ouvidos como agulhas quando estou dormindo, sujam
meu templo, maculam minha morada, estupram minha vida. Eu estou com
você, eu estou perdida. Relendo e relendo e relendo e relendo de novo, tão
lindo, tudo tão lindo, um livro pronto que vira monólogo no final. Não tem
problema, não existem bons finais felizes. Na boa literatura, todos se fodem.
Todos sofrem e morrem de amor ou de peste ou de tuberculose, todos são
infelizes e se fodem. Me fodo também, como no poema do Leminski. Que tudo
se foda, quero ficar com você. No céu imundo do amor perdido, no céu da
cirrose, no inferno, na terra, na minha casa. Quero ficar com você. O vazio está
apertando, quero muito te ver sorrindo, te ver bem, brilhando de novo. Você
não nasceu para ser pano de chão. Não, você não fica bem nesses trapos, troque
já de roupa, lave o rosto, calce as botas, beije a Esperanza e vamos abrir um
vinho. De pé, agora. Pode pisar em mim para levantar, se quiser. Ninguém vai
deixar o namorado da Camila atirado, devastado, debulhando-se em lágrimas.
Avisa quando estiver pronto, vou estar esperando no carro, escutando um róque
e fumando um cigarro. Não demora, meu querido. Não demora. [grifo meu]
(AVERBUCK, 21 mai. 2002, on-line).
Nesse longo trecho em primeira pessoa, algo recorrente nos textos publicados
em blogs, tende-se a associar a voz narrativa com a sua figura autoral; no entanto, uma
única vez essa expectativa é desestabilizada, quando a narradora refere-se a si mesma na
terceira pessoa, revelando a sua identidade: “Ninguém vai deixar o namorado da Camila
atirado, devastado, debulhando-se em lágrimas” (AVERBUCK, 21 mai. 2002, on-line);
ou seja, apesar de não haver nenhuma indicação externa ao texto, há esta pista de que se
trata de uma experimentação literária, pista essa que se confirma quando estes dois
parágrafos são encontrados no terceiro capitulo de Vida de Gato.
Em outros trechos, no entanto, não se nota nenhuma indicação para o leitor
do blog de que aquela postagem se trata de uma divulgação ou de parte dos romances.13
Assim, o texto intitulado “Desert flower blues”, de 10 de agosto de 2002, assinado por
Clara Averbuck, em que a autora faz uma exaltação passional ao amor que sente por
Arturo, mesmo que ele não seja correspondido, aparecerá, praticamente, na íntegra no
final do oitavo capítulo de Vida de Gato; as duas únicas alterações são: a omissão da
13
Este mesmo procedimento inserção de trechos do blog já acontecia em Máquina de Pinball. Uma das
postagens de 16 de novembro de 2001, por exemplo, sobre a festa dada por ela para arrecadar móveis, em
um dia que havia jogo da seleção brasileira, a qual só compareceram cinco pessoas, assim como sobre o
porre que ela tomou após saírem da festa fracassada para outra festa aparece, quase que integralmente,
inserida nos três últimos parágrafos do décimo capítulo do livro.
42
14
Entres essas postagens destacam-se as das seguintes datas: 24 de setembro de 2001, 25 de setembro de
2001, 28 de janeiro de 2002, 20 de março de 2002 e 29 de maios de 2002.
15
Neste mesmo período, a autora publicava seus textos com pretensões literárias no site Dexedrina.
16
Averbuck chega a escrever diversos textos mesmo estando off-line e postando-os posteriormente quando
fora possível o acesso à internet.
46
17
O conhecimento de si, que Lejeune aponta como uma das funções da escrita íntima, é possível no sentido
de o diário permitir certo distanciamento para a projeção de si, construindo assim uma autoimagem que
pode resultar em transformações ou contradições ao longo do tempo, pois “no diário, o autorretrato nada
tem de definitivo” (LEJEUNE, 2014, p. 304). Assim sendo, importa diferenciar a concepção de
conhecimento de si de Lejeune, daquele examinado por Foucault na cultura greco-latina. No ensaio de
1988, “As Técnicas de Si” (2014), Foucault observa que para os gregos o preceito délfico do “conhece-te
a ti mesmo” era secundário e subordinado ao “cuidado de si”; no entanto, segundo o autor, desde os
primeiros séculos do Cristianismo na Europa, conhecer a si próprio se tornou um princípio fundamental
47
mais aqui, os quais antes da morte não destruíram seus diários ou não deixaram ordens
para que assim o fizessem, sepultando também os seus escritos íntimos. Nestes casos, “o
diário é um apelo a leitura posterior” (LEJEUNE, 2014, p. 303), que resultaria na
perpetuação das memórias de seu autor e no conhecimento futuro do que fora vivido em
momentos longínquos.
Para Blanchot (2013), o diário seria, aparentemente, livre de forma, no
entanto essa liberdade não é plena, pois é dependente de dois elementos fundamentais: o
respeito à cronologia e a exigência da sinceridade do autor que se propõe a mantê-lo.
Assim,
a sinceridade representa para o diário, a exigência que ele deve atingir, mas
não deve ultrapassar. Ninguém deve ser mais sincero que o autor de um diário,
e a sinceridade é a transparência que lhe permite não lançar sombras sobre a
existência confinada de cada dia, à qual ele limita o cuidado da escrita
(BLANCHOT, 2013, p. 271).
Arfuch também destaca a “liberdade absoluta” que o autor dos diários
tradicionais detinha, a partir da qual qualquer coisa poderia ser tema de uma entrada no
diário, desde as mais triviais banalidades até uma elaborada reflexão com base filosófica;
e ainda observa que “tudo encontraria lugar em suas páginas: contas, bilhetes, fotografias,
recortes, vestígios” (ARFUCH, 2010, p. 143). Ela ainda defende que dentre aqueles
gêneros biográficos surgidos na modernidade, seria o diário “o precursor da intimidade
midiática” (ARFUCH, 2010, p. 144), pois, embora haja inúmeros diários que
permanecem privados e jamais foram divulgados, há casos, sobretudo de escritores, nos
quais a publicação posterior era intuída pelo seu autor – Arfuch cita como exemplo os
diários de Constant, Stendhal, Byron, Scott, Carlyle e Tolstói – assim como os diários de
Katherine Mansfield, Virginia Woolf, Anaïs Nis, Simone de Beauvoir, André Gide ou
Wiltold Gombrowicz foram escritos com a intenção de uma posterior publicação,
segundo a ensaísta. Consequentemente, esses últimos casos já seriam pautados por uma
série de ajustes, como o apagamento de certos episódios ou a reescrita total ou parcial,
anteriores a sua publicação; assim, tal qual ocorre nas práticas contemporâneas, como a
escrita do blog, se trata “do íntimo no público, do espetáculo da interioridade” (ARFUCH,
2010,, p. 144).
para o Ocidente, principalmente, para aqueles que se dedicavam à vida religiosa, pois tinham a obrigação
de conhecer-se plenamente, por meio de diferentes técnicas (de certa forma, todas relacionadas com o ato
de examinar a sua própria consciência); uma vez que, através da reconstrução mnemônica, os erros ou má
intenções seriam purificados e expurgados.
48
18
Vale salientar que após os estudos psicanalíticos e narratológicos não é possível acreditar em uma
sinceridade total e irrestrita de um diarista, pois, há sempre uma série de seleções e censuras sendo operadas
na produção de qualquer texto, sobretudo daqueles que pertencem à esfera autobiográfica. Segundo o
próprio Lejeune, o que caracteriza os textos autobiográficos é mais o desejo de alcançar o verdadeiro que a
transcrição de uma verdade pura: “Certamente é impossível atingir a verdade, em particular a verdade de
uma vida humana, mas o desejo de alcançá-la define um campo discursivo e atos de conhecimento, um
certo tipo de relações humanas que nada têm de ilusório” (LEJEUNE, 2014, p. 121). E acrescenta que se a
noção de identidade já é em si um imaginário, os textos autobiográficos tendem a corresponder a este
imaginário, afastando-se da invenção deliberada, algo típico da ficção.
49
19
Como dito anteriormente, a correspondência via e-mail foi algo mantido durante a existência do blog de
Averbuck, tanto que são recorrentes as divulgações de novos endereços para o envio de e-mails.
50
Vc[sic] escreve mal, pra caramba, não faz coerência, não sabe usar do
conhecimento e da beleza das palavras, que quando direcionadas ligeiramente
e corretamente, são espetaculares, sua brazileira!preta [sic]
(AVERBUCK, 16 set. 2001, on-line).
20
Em seus meses de maior atividade chega a contabilizar mais de quinhentos acessos diários e quase seis
mil acessos semanais.
51
cada um desses momentos; por outro lado, a mudança não se limita ao suporte: do papel
para as telas eletrônicas; pois, a subjetividade contemporânea exposta nos atuais gêneros
autobiográficos mostra-se também diversa. Afinal, altera-se também “aquele eu que
narra, assina e protagoniza os relatos de si. Altera-se o narrador, muda o autor,
transforma-se o personagem” (SIBILIA, 2016, p. 82, grifo da autora). Destarte, os blogs,
bem como outros meios midiáticos atuais, seriam espaços propícios para se performar
subjetividades e encenar a vida, opera-se a autoconstrução perante leitores ou seguidores;
consequentemente, a realidade exposta nas telas é uma realidade ficcionalizada, na qual
todos os holofotes estão voltados para o protagonista. A função do protagonista, assim,
seria enfatizada, segundo Sibilia, em detrimento das funções de narrador ou de autor;
arrisca-se aqui em dizer que a função do protagonista traga as demais em razão da
importância que esta recente subjetividade, midiaticamente autoconstruída, adquire em
meios como o blog, ou a escrita autoficcional do presente.
Como indicado anteriormente, o termo “éxtimo” é utilizado por Sibilia “de
acordo como um trocadilho que procura dar conta dos paradoxos dessa novidade, que
consiste em expor a própria intimidade nas vitrines globais das telas interconectadas”
(SIBILIA, 2016, p. 20-21). A autora observa essas práticas pelo viés econômico,
enxergando nelas a influência do “espírito empresarial” que expandiu “as regras do
mercado e do ibope para todos os âmbitos” (SIBILIA, 2016, p. 34). O que seria
evidenciado pela importância do sucesso alcançado naquelas “vitrines” e traduzido em
números de acesso, comentários, curtidas, seguidores etc.
Contudo, é válido recordar que Lacan, no Seminário 7: a ética da psicanálise,
de 1960, já havia cunhado o termo extimité [extimidade], para dar conta de uma
formulação paradoxal: aquilo que é mais íntimo e familiar no sujeito, porém se encontra
fora, excluído. Em sua estrutura, como já observaram Seganfredo e Chatelard (2014):
[a] palavra êxtimo nos faz lembrar o Unheimlich, o estranho familiar, que
Freud usa em seu texto O estranho (1919). Ambas parecem carregar certa
ambiguidade. Ambas parecem portar a noção de interior e exterior
acontecendo juntos. Ambas são capazes de conjugar o fora e o dentro.
Ambas apontam para algo da ordem do real. (SEGANFREDO &
CHATELARD, 2014, p. 63)
Garramuño (2012), ao analisar a relação entre vida e escrita na poesia de Ana
Cristina César, valeu-se do termo lacaniano, destacando o seu registro nas obras da poeta
carioca. A crítica aponta, por exemplo, que os poemas são eminentemente pessoais,
estruturados em torno da exposição da intimidade e construtores “de um cenário no qual
53
21
As teses sobre a morte do autor (Barthes) e a função-autor (Foucault) serão discutidas na próxima seção
desta dissertação.
54
Logo, para Azevedo, os blogs constituem-se como “ferramenta propícia para o exercício
da autoficção” (AZEVEDO, 2007, p.47), uma vez que por meio deles as fronteiras entre
vida e ficção se misturam.
Desse modo, a exposição da figura autoral, a aparente proximidade entre o
autor do blog e os seus leitores, bem como as diversas e novas funções que os escritores
contemporâneos passaram a desempenhar diante de seu público fazem com que a
tradicional noção de autor seja permeada de uma série de ambiguidades. O que permite
aproximar a função do autor exposto na rede e na mídia à ideia de personagem. Uma vez
que autores, como Clara Averbuck, desenvolveram uma série de performances de uma
subjetividade autoconstruída, pensada e elaborada com o objetivo de atingir certos
propósitos, tais como: o reconhecimento e a legitimação no campo literário atual.
As postagens de Averbuck no seu blog já lançavam pistas acerca desta zona
imprecisa na qual Azevedo situa estes escritos. Apesar de, como apontado anteriormente,
defender uma leitura confessional do blog como seu “querido diário”, ela em outras
postagens poderia suscitar dúvidas em seu público-leitor, ao colocar a sua própria
sinceridade em xeque, ou refutar a ideia, antes defendida, do blog tal qual o seu diário,
assim, lê-se: ““Meu querido .... Diário? Manemfodendo.” [sic] / “Mas peraí, peraí [sic],
não é um diário nhénhénhén [sic] on-line. Deixem-me explicar” / -- C. A., 22,
mulherzinha e mentirosa compulsiva” (AVERBUCK, 30 set. 2001, on-line). Ou, ainda,
indica a impossibilidade de se conhecer realmente alguém apenas pelo o que se lê em seu
blog, pois por mais que um(a) autor(a) de blog pareça expor a sua intimidade na rede
através de textos que assemelham-se ao modelo confessional e autobiográfico do diário,
nem tudo pode ser considerado um bom assunto para que os seus leitores conheçam:
Tem uma coisa que eu acho muito estúpida: gente que acha que me conhece
por causa desta página cor-de-rosa. Escreveu uma agora me xingando de
alienada, como posso me importar só com os meus problemas enquanto yadda
yadda yadda [sic]? Vem cá, QUEM DISSE que eu só me importo com os meus
problemas? Só porque eu não posto notícias, não comento política e não
levanto bandeiras? Não escrevo sobre política, mas alguém aí realmente sabe
se me importo com isso? Se leio jornal? Em quem eu votei? Com que idade
tirei o título de eleitor? Em quantos comícios já fui? Não, não sabem. Não
sabem nada [...] (AVERBUCK, 06 fev. 2002, on-line).
Com efeito, o trecho anterior desvela o controle que a autora pretendia deter
sobre as informações (reais ou fictícias). Deste modo, o leitor conhece apenas o que é
oportuno que ele(a) saiba. No caso de Averbuck, é importante observar os momentos em
que a autora coloca a sua sinceridade em dúvida, provocando a desconfiança em seu
55
público-leitor e levando-o a entrar em seu jogo. Estes seriam, pois, os momentos que nos
permitem entrever o “jogo entre a identidade autoral, seu ego scriptor e a performance
figurada de subjetividades” (AZEVEDO, 2007, p. 49), apontado por Azevedo.
Por fim, a ensaísta analisa a função dos blogs em relação à obra dos autores
do presente que fizeram deste meio o ponto inaugural para a divulgação de seus escritos.
De acordo com Azevedo, ainda não é possível ter uma posição definitiva sobre a questão,
mesmo porque, para ela, a escrita dos blogs está transformando as noções célebres de
autor e obra. No entanto, ela aponta uma similaridade entre as postagens on-line e aqueles
gêneros considerados, pela crítica canônica, à margem da obra de grandes autores, como,
por exemplo, os diários e as cartas, pois ambos poderiam ser encarados como “escritas
ordinárias” (AZEVEDO, 2007, p. 51), versando sobre os assuntos corriqueiros e banais.
Daí decorre a sua aproximação entre os blogs e as crônicas, 22 gêneros que não são
considerados canônicos e cuja literariedade divide espaço com outras funções: o registro,
o comentário, a crítica. Deste modo:
[a]proximar as características do blog às da crônica não parece fortuito. As
semelhanças com o gênero menor da crônica são muitas. A crônica como
escrito não-canônico, escrita ordinária, é o lugar da subjetividade, em que
narrador e autor ficam apenas à meia distância um do outro. (idem, ibidem).
Compreende-se neste trabalho o caráter ordinário de grande parte das
postagens do blog mantido por Averbuck, no entanto, como as análises já apresentadas
até o momento indicam, considera-se a relevância deste conjunto de postagens, tanto por
servir como registro dos bastidores da criação de seus dois primeiros romances e espaço
de experimentação do texto literário que resultou em seus livros de “contos” quanto por
ser o primeiro espaço para a (auto)criação de uma figura autoral bastante evidente no
espaço biográfico criado em torno de si. Contribuindo decisivamente para o
estabelecimento de uma distinção entre a sua voz autoral, legitimada posteriormente com
a publicação impressa, e tantas outras que surgem nesse espaço democrático que infla o
número de escritores em uma sociedade que a cada dia vê regredir o seu percentual de
leitores.
Além disso, a própria similaridade entre os blogs e os gêneros menores, como
o diário e a correspondência, permite que se lance uma suspeita, uma vez que ao longo
22
Vale relembrar que, como mencionado anteriormente, Lejeune (2014) também observa esta proximidade
entre as características do blog e das crônicas, tanto que distante da ideia de diário íntimo, define os blogs
como diários-crônicas.
56
23
O termo “espaço biográfico”, cunhado por Arfuch (2010), já foi explicado na seção anterior.
57
viés biográfico na obra de Machado de Assis, uma vez que tal leitura acabaria por
empobrecer os aspectos estéticos e formais da obra do autor.
Um segundo24 momento da marcante presença da primeira pessoa na
literatura latino-americana se encontra nos relatos memorialísticos, nos romances-
reportagens, ou testemunhos autobiográficos que surgiram nos países do Cone Sul em
seus períodos ditatoriais e após o declínio de suas ditaduras militares a partir dos anos
1980. Tais textos apareceram como o testemunho autobiográfico de uma geração e
estavam diretamente relacionados ao ideal de conscientização política dos leitores e
divulgação de informações censuradas na época.
A partir da década de 1990 e nos primeiros anos deste século, a prática da
escrita de si na literatura latino-americana ocorre predominantemente na autoficção,
forma que se afasta da tradição tanto da memória quanto do depoimento ou do testemunho
de uma experiência extrema e que aparece ligada, de acordo com Klinger, ao narcisismo
midiático e ao questionamento do “eu”. Segundo a autora, a sua concepção de autoficção
circunscreve esta forma textual em um paradoxo típico do momento atual: “entre o desejo
narcisista de falar de si e o reconhecimento da impossibilidade de exprimir uma “verdade”
na escrita” (KLINGER, 2012, p. 22).
O “eu” dos textos autoficcionais implica uma nova noção de sujeito,
completamente diferente daquela que sustentou os biografismos e as explicações das
obras literárias a partir de suas relações com fatos exteriores a ela. Esta noção de sujeito
que se constrói como produto de uma dramatização midiática, própria do presente,
provavelmente não existiria sem a crise do sujeito postulada por Nietzsche, que resulta
não apenas na desconstrução das antigas noções de sujeito, mas também implica a
desconstrução da categoria de verdade. Além disso, estas desconstruções acabaram sendo
aprofundadas, décadas depois, nas declarações da “morte do autor”.
Em “A morte do Autor”, ensaio que data de 1968, Roland Barthes parte do
princípio de que nunca será possível precisar a quem pertence a voz com a qual nos
deparamos no ato da leitura. Isso devido ao fato de a escrita estar, segundo ele, dissociada
do sujeito que a produziu: “a escritura é a destruição de toda voz, de toda origem. A
24
No panorama feito por Oliveira (2010) este seria o terceiro momento da escrita de si na literatura
brasileira, caracterizado principalmente pela tentativa de desficcionalização da literatura encontradas nos
romances-reportagens, como uma estratégia para driblar a censura imposta pelo regime militar e, assim,
conseguir fazer com que as informações circulassem e também pelo interesse nos relatos autobiográficos
dos exilados e opositores da ditadura militar que começaram a circular com a redemocratização do país.
60
escritura é esse neutro, esse composto, esse oblíquo pelo qual foge o nosso sujeito, o
branco-e-preto em que vem se perder toda identidade, a começar pela do corpo que
escreve” (BARTHES, 2004, p. 57). Assim, o início da escrita está atrelado ao
desligamento entre o texto e o corpo empírico que o produziu. A noção de neutralidade
anula a associação entre vida e obra de um autor, já não importa quem fala, mas o que e
como é dito.
Barthes defende que a figura autoral, ou a associação entre autor e obra, não
são os elementos que devem ocupar um lugar de prestígio no âmbito da crítica e da escrita
literária, pelo contrário, para ele, e esta é a tese defendida em seu ensaio, este elemento
central e privilegiado deveria ser a linguagem. Afinal, é ela que possibilita a existência
de uma obra literária, pois, “é a linguagem que fala, não o autor” (BARTHES, 2004, p.
59).
O filósofo destaca que escritores como Mallarmé, Valéry e Proust já haviam
tentando romper com esta estrutura dominante ao atribuir, em suas obras, uma posição
central para a linguagem e, ainda, o surrealismo e as teorias linguísticas sobre a
enunciação também contribuíram para a dessacralização da figura do autor. Logo, os
escritores modernos encontrariam exclusivamente na linguagem o elemento
desencadeador e também o instrumento do fazer literário. Eles, ao contrário dos seus
antecessores, não deveriam produzir um registro, uma representação ou “pintura”, como
se a linguagem estivesse a serviço do real. Portanto, o que importa é o que é dito e como
isto é dito e não mais quem o diz. Paradoxalmente, a escrita “traça um campo sem origem
– ou que, pelo menos outra origem não tem senão a própria linguagem, isto é, aquilo
mesmo que continuamente questiona toda origem” (BARTHES, 2004, p. 62).
Nesse contexto a figura que emergiria é a do escritor que não mantém com o
seu texto a mesma relação de antecedência que o autor tradicional manteve com a sua
obra; a escrita por ele realizada também está distante de ser tomada como expressão:
o escritor moderno nasce ao mesmo tempo que seu texto; não é, de forma
alguma, dotado de um ser que precedesse ou excedesse a sua escritura, não é
em nada o sujeito de que o seu livro fosse o predicado; outro tempo não há
senão o da enunciação, e todo texto é escrito eternamente aqui e agora.
(BARTHES, 2004, p. 61).
As substituições empreendidas por Barthes, a saber, escritor ao invés de autor
e texto em vez obra, tornam-se compreensíveis através do ensaio “Da obra ao texto”, de
1971 (2004). No binarismo autor e obra, a relação de antecedência do primeiro para o
61
segundo assemelha-se a relação entre pai e filho, na qual o primeiro precisa existir, viver
e amadurecer para gerar o segundo, enquanto o “texto lê-se sem a inscrição do Pai”
(BARTHES, 2004, p. 71-2). Pois, o texto sempre vai além da intenção do seu escritor,
não sendo regulado plenamente por esta. A noção de texto é pensada ainda através da
intertextualidade, sem uma única voz originária, onde o texto:
ele próprio é o entretexto de outro texto, não pode confundir-se com alguma
origem do texto: buscar as “fontes”, as “influências” de uma obra é satisfazer
o mito da filiação; as citações de que é feito um texto são anônimas,
indiscerníveis e, no entanto, já lidas: são citações sem aspas (BARTHES, 2004,
p. 71).
Com o esvaziamento da importância da figura do autor, a unidade de um
texto, bem como o seu sentido, se completaria no leitor. Desse modo, o leitor, a partir das
ideias de Barthes, ganha poder para desvendar o escrito. “O leitor é o espaço mesmo onde
se inscrevem, sem que nenhuma se perca, todas as citações de que é feita uma escritura;
a unidade do texto não está em sua origem, mas no seu destino” (BARTHES, 2004, p.
64). No entanto, para que escritor(a) e leitor possam ambos ocupar a posição de
produtores de um texto, sem que o(a) primeiro(a) ocupe a posição fundamental, ressalta
Barthes, é imprescindível “a morte do Autor” (BARTHES, 2004, p. 64).
Foucault, em “O que é um autor?”, de 1969, ao analisar a noção de autor,
aponta que esta noção representa decisivamente um momento de “individualização na
história das ideias, dos conhecimentos, das literaturas, na história da filosofia também e
na das ciências” (FOUCAULT, 2010, p. 33); sua principal consequência seria a
preponderância e recorrência a duas unidades para entender e analisar os discursos
surgidos ao longo da história, a saber, autor e obra. O filósofo observa que passou a
haver uma relação entre o texto e a noção de autor, e que o primeiro tende a apontar “para
essa figura que lhe é exterior e anterior, pelo menos em aparência” (FOUCAULT, 2010,
p. 34).
No entanto, logo vem a crítica à noção de autor, tal como era concebida, e
que se insere de maneira mais ampla na crítica à noção de sujeito. “Que importa quem
fala, disse alguém, quem importa quem fala”, o trecho retirado de uma das peças de
Beckett, traz em si uma indiferença em relação ao sujeito da fala que o filósofo acredita
ser a mesma observada em relação às escrituras modernistas daquele tempo, as quais
estariam livres da ideia de expressão e só fariam referências a si próprias. Isso porque,
segundo o ideal defendido, o sujeito da escrita tende a desaparecer, pois a própria escrita
62
imagem de autor, daí a sua hipótese de entender a autoficção como uma forma de
performance.
Klinger utiliza tal termo tanto numa referência à arte da performance quanto
numa analogia ao conceito de performativo de Judith Butler (2008). Na performance o(a)
artista, por meio de uma combinação de elementos teatrais, musicais e visuais, executa
uma proposta artística, na qual frequentemente utiliza seu próprio corpo como elemento,
podendo contar ou não com a presença de público; a performance contemporânea tem
tencionado os limites entre vida cotidiana e arte, bem como vem problematizando noções
como arte e não arte.
Butler define o gênero como performativo, “onde performativo, sugere uma
construção dramática e contingente do sentido” (BUTLER, 2008, p. 199). Assim, o
gênero não é compreendido como real, genuíno ou verdadeiro, mas como uma construção,
uma imitação, uma ilusão. Butler ressalta que
os atos e gestos, os desejos articulados e postos em ato criam a ilusão de um
núcleo interno e organizador do gênero, ilusão mantida discursivamente com
o propósito de regular a sexualidade nos termos da estrutura obrigatória da
heterossexualidade reprodutora (BUTLER, 2008, p. 195).
Em inúmeros casos, os narradores contemporâneos constituem também uma
performance dos autores, que já são eles mesmos performances realizadas pelos sujeitos
na vida real. E pensar a identidade autoral destes textos é ter de se deparar com a
inexistência de um “sujeito pleno, originário, que o texto reflete ou mascara” (KLINGER,
2012, p. 50). Tal como definido por Klinger o autor da autoficção “é considerado como
um sujeito de uma performance, de uma atuação, um sujeito que “representa um papel”
na própria “vida real”, na sua exposição pública, em suas múltiplas falas de si, nas
entrevistas, nas crônicas e autorretratos, nas palestras” (idem, ibidem). Portanto, aquele
que fala em um texto autoficcional existiria de maneira fragmentada, artificial e encenada.
Além disso, uma das características da autoficção é a problematização que
estes textos suscitam em relação à noção de referência, desestabilizando as ideias
correntes de real e ficcional, que aparecem imbricados em um mesmo texto. E,
consequentemente, questionam a ideia de que o literário se limitaria a textos “puramente”
ficcionais.
Querido fã,
Sinceramente, o seu email foi bem mais imbecil do que o post do meu
"namoradinho". Só posso achar que é inveja. Talvez eu e Ele estejamos rindo
da sua cara juntos neste momento. Não é chato? Eu acharia chato, se fosse
você.
Um beijo,
Clarah
::::::::::::::::::::::::::
Mais alguém?
Ótimo. Eu achava mesmo que não
(AVERBUCK, 27 mar. 2002, on-line)
A troca de correspondências eletrônicas acima reproduzida evidencia não
apenas a ilusão de proximidade já referida anteriormente, mas também uma óbvia
tentativa de interferência do leitor na vida pessoal da escritora.
É importante ressaltar que no contexto aqui analisado, a saber o surgimento e
consolidação de Averbuck como uma figura autoral no início deste século, os leitores
referidos são aqueles que por um longo ou curto período acabaram tento um contato
virtual com os textos da escritora; tal contato pode ter sido estabelecido através do e-zine
CardosOline, do site ou de seu blog, ou ainda, aqueles que acompanharam suas
entrevistas e aparições midiáticas. Posteriormente, boa parte desses leitores migraram
para a leitura impressa de seus primeiros romances, o que evidencia o positivo uso da
internet pelos novos autores para a formação de público. No entanto, com a publicação
dos romances, e devido às características dessas obras, já detalhadas nas análises aqui
desenvolvidas, parte desses leitores não só ignoraram uma leitura ficcional das aventuras
de Camila Chirivino e, indo além da ideia de que a personagem seria um alter ego da
autora, passaram a construir uma leitura autobiográfica. Logo, ao invés do
questionamento sobre o que haveria de ficcional nos escritos on-line passou-se a uma
procura por traços biográficos e reais da escritora que esses leitores julgavam conhecer.
Em análise sobre o início de sua carreira, Averbuck denuncia a recorrência
desta leitura biográfica de seus textos, mas também reconhece ter explorado tal
ambiguidade. Assim, em uma entrevista concedida em 2012 por ocasião do lançamento
de Cidade grande no escuro, ela afirma:
E sim, é um saco as pessoas achando que me conhecem porque leram minhas
obras de ficção. Quando lancei o Máquina de Pinball, não sabia que essa
encheção se estenderia para minha vida, então brincava bastante com isso em
entrevistas e tudo mais. Vale falar agora: eu não sou a Camila! E, como escrevi
em várias dedicatórias: "Todos os personagens são falsos, inclusive nós"”
(AVERBUCK, 2012, on-line, grifos meus).
68
nos últimos meses nos quais o blog da escritora foi mantido, apareceram textos que
contradiziam os ideais defendidos como o motivo para a sua criação – como a defesa da
ideia de o veículo digital ser um espaço de publicação como qualquer outro – e que
procuraram distinguir as figuras do blogueiro e do escritor, lançando sobre este último
uma maior autoridade e importância.
Lança-se a hipótese que, a partir do momento no qual a autora obteve um
considerável destaque no cenário literário contemporâneo, com livros publicados por
diferentes editoras, ela passou a abdicar da relação entre suas performances e semelhanças
extratextuais com as obras publicadas, recaindo em uma tradicional visão do literário
como o ficcional.
Consequente e paradoxalmente, vislumbra-se uma tentativa de restabelecer a
antiga e tradicionalíssima “autoridade do autor”, como aquele que concentra em suas
mãos as explicações em relação a sua obra, a ponto de conduzir ou controlar a sua
recepção pelo público leitor. Contudo, esse controle absoluto não se mostra mais possível
desde pelo menos a anunciada “morte do autor”. Além disso, as transformações sociais e
culturais que estão apenas se delineando neste novo século, bem como as autoficções
produzidas seja no contexto literário, seja no âmbito midiático impedem qualquer
retomada da soberania do(a) autor(a) sobre as suas obras.
A proliferação das autoficções e performances autorais dos últimos anos
ainda tem gerado uma série de questionamentos e embates teóricos na crítica literária.
Não ocorre apenas uma indecibilidade teórica sobre as características que estruturam os
textos autoficcionais, mas também interpretações distintas sobre as consequências da
autoficção para a noção de literatura na atualidade. Tais interpretações aparecem alocadas
em polos opostos, por um lado relacionadas à ideia de crise da literatura, por outro,
entendidas como resultado da expansão das práticas ficcionais em diversas esferas atuais,
bem como a expansão da categoria do literário, que abarcaria novos gêneros e/ou gêneros
anteriormente classificados como secundários no domínio da literatura.
Analisando o contexto francês, Leyla Perrone-Moysés (2016) destaca que
desde a década de 1980 o país foi inundado por relatos nos quais o foco central era o
próprio autor e suas experiências e sentimentos. Contudo, tais relatos não pertenciam a
gêneros autobiográficos tradicionais, como o diário, a autobiografia ou a confissão, por
apresentarem diferenças formais fundamentais para a construção desses gêneros, tais
70
25
Em 2011, Pécora participou de um debate da série “Desentendimento” ao lado da também professora e
crítica literária Beatriz Resende. Promovido pela revista Serrote, a conversa tinha como tema justamente a
literatura na contemporaneidade e buscava reunir opiniões dispares sobre o assunto.
72
26
Na matéria intitulada “Notícia da literatura brasileira no século 21”, publicada pela Folha de S. Paulo,
Marco Rodrigo Almeida, constata que uma das principais tendências literárias atuais é a prosa
autorreferente, que gira em torno da intimidade do autor. Após a publicação da matéria, foram divulgadas
diferentes entrevistas com importantes nomes da crítica literária contemporânea, entre eles, além de Pécora,
destacam-se nomes, como Manuel da Costa Pinto, Luís Costa Lima e Luciana Hidalgo. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2014/02/1415701-noticias-da-literatura-brasileira-no-seculo21.
shtml Acesso em: 02 dez. 2017.
73
27
Azevedo observa que, no momento do estabelecimento do romance como gênero, os autores valiam-se
de diferentes recursos para de modo ambivalente construir textualmente o “apelo à realidade [...], a fim de
afirmar-se ficcionalmente”, entre esses recursos, ela destaca o: “”topos do manuscrito descoberto” ou do
truque de [os escritores] se apresentarem como depositários de antigos papeis ou testemunhos, ou editores
cartas de terceiros” (AZEVEDO, 2013, p. 250).
28
O tensionamento do conceito de literário não é algo novo nem provocado exclusivamente pela autoficção,
uma vez que outros gêneros não-ficcionais, como as memórias, o diário e a autobiografia já o
empreenderam. Ainda assim, tais gêneros ainda hoje têm sido classificados como “menos literários” ou
como escritas de menor valor.
74
29
Não houve o encerramento de um blog e início de outro, apenas a mudança de título do mesmo que pode
ser acessado em: http://santiagonazarian.blogspot.com.br/.
77
escritor. Protagonizado e narrado por um jacaré que vive nos esgotos de uma grande
cidade, até ser capturado e levado a uma universidade onde passa a lecionar e inicia a
escrita de um livro; o romance acaba tecendo alegoricamente críticas às mazelas humanas
da sociedade contemporânea e ao academicismo da literatura considerada “séria”.
Tanto pela construção das personagens quanto do enredo deste livro,
Nazarian acabou angariando uma nova parcela de público formada por leitores
adolescentes. Segundo analisou Resende, a escrita de Mastigando Humanos teria sido
pautada justamente pela busca de “novos” leitores: “Santiago Nazarian pareceu decidir-
se por usar sua juvenilidade, buscar numa espécie de revolta adolescente, nos conflitos
dos jovens deslocados em qualquer espaço onde estejam, novos interlocutores, outros
leitores” (RESENDE, 2008, p. 116).
Segundo Schollhammer (2009), o romance representa na obra de Nazarian
um afastamento do “cenário demasiado narcísico” (SCHOLLHAMMER, 2009, p. 153),
onde apareciam as personagens solitárias, entediadas e deslocadas do mundo, ao elaborar
uma narrativa “intensamente e inventivamente fantástica” (SCHOLLHAMMER, 2009,
p. 153), o que resulta na exploração de um enredo fabulado que satiriza alegoricamente a
sociedade de consumo atual.
Esse pode ser considerado o mais bem-sucedido romance da carreira do autor.
Além da boa vendagem, ele integrou o programa do livro do Fundo Nacional para o
Desenvolvimento da Educação (FNDE) em 2009, sendo distribuído nacionalmente em
escolas públicas de Ensino Médio. Em 2013, Mastigando Humanos obteve uma segunda
edição lançada pela editora Record.
A incursão do autor em enredos que abordam temas ligados à adolescência
aparece, ainda, em O prédio, o Tédio e o Menino cego (2009), em Pornofantasma (2011),
seu primeiro livro de contos, e em seu único livro propriamente juvenil até o momento,
Garotos Malditos (2012).
No ano de 2011, o autor figurou entre os vinte e um autores da antologia
Geração zero zero: fricções em rede (2011), organizada por Nelson de Oliveira. A
coletânea se propõe a reunir os prosadores mais significativos que começaram a ser
publicados na primeira década do novo milênio, resultando na compilação de estilos
muito diferentes entre si.
79
30
Ao definir suas obras como “existencialismo bizarro” ou “pós-terror”, o autor acaba tentando orientar a
recepção de sua obra.
80
e que, pela primeira vez, o fazem questionar as suas ações, rever o seu passado e temer o
futuro.
Em um fim de semana aparentemente normal, Olívio e Rosalina não
conseguem consumar o ato sexual devido à impotência que atinge o rapaz. Irritada com
a situação, ela acaba indo embora do apartamento, ocasionando um rompimento da
relação que era mantida sem grandes abalos até ali. Mas ao invés de se angustiar ou ir
atrás da noiva, ele prefere ligar a televisão e ficar à espera do final da noite de domingo e
do início de uma nova semana.
Na manhã seguinte, como acontecera em todas as outras semanas anteriores,
Olívio se levanta no horário de sempre e tenta deixar suas roupas sujas no apartamento
de Dona Jussara, uma vizinha que fazia o serviço de lavandeira; no entanto, ao tocar a
campainha repetidas vezes, Olívio não obtém nenhuma resposta. Ele só reage à situação
quando outra vizinha sai de seu apartamento para avisá-lo que Dona Jussara não estava
em casa, pois havia ido à rodoviária buscar a sobrinha. Só então retorna ao seu
apartamento com a trouxa de roupas sujas e já ligeiramente atrasado para o trabalho.
Em virtude do contratempo, Olívio não toma café na padaria de Seu Agenor
como fazia diariamente, indo direto ao trabalho para não aumentar o atraso. Após um dia
normal, ele passa a se sentir “especialmente solitário” (NAZARIAN, 2003, p. 28); no
caminho de volta ao seu apartamento, em virtude da melancolia que o atingia, Olívio
decide parar em frente ao prédio onde morava seu irmão, Olavo, e tocar a campainha,
algo que não costumava fazer. O encontro entre os irmãos revela o constrangimento
existente entre eles. O contato era escasso, as diferenças, visíveis:
[o] irmão de Olívio era Olavo. Irmão mais novo, apesar de maior. Maior e mais
forte, mais expansivo, mais sorridente. Olavo venceu. Venceu a timidez e a
magreza. Venceu o medo e os óculos de grau. Venceu os aparelhos
odontológicos e se tornou um belo homem (NAZARIAN, 2003, p. 26).
Uma das principais razões para o afastamento entre eles é o fato de Olívio
não saber lidar com a homossexualidade do irmão mais novo: “Olívio não entendia. Não
queria. Não queria saber daquela história. Não podia ver seu irmão de mãos dadas com
um homem, atravessando a rua. Não conseguia entender” (NAZARIAN, 2003, p. 27). A
visita é rápida e sem motivo aparente.
Na volta para o seu prédio, Olívio passa na padaria de seu Agenor e, para o
espanto do senhor, que não tinha o costume de vê-lo bebendo, pede uma garrafa de rum.
Como umas das consequências dessa ação, na manhã seguinte, ele dorme além da conta
82
e acorda quase na hora do almoço. Como aponta o narrador, imprevistos deste tipo eram
bastantes incomuns na rotina de Olívio: “[n]ormalmente não teria esse tipo de problema.
Seu despertador biológico nunca falhava. Mas, quem sabe o rum, quem sabe o sono. Ele
acordava no fim da manhã com uma porção de coisas para lamentar” (NAZARIAN, 2003,
p. 37).
Com o adiantado da hora, ao invés de chegar no início da tarde ao escritório,
Olívio prefere procurar Rosalina. No entanto, o trajeto até a papelaria onde a noiva
trabalhava se mostra diferente daquele que ele possuía em sua memória, as ruas da cidade
parecem transformadas para o protagonista: “[o]s toldos eram todos iguais, enquanto não
chovia. E a praça podia não ser exatamente aquela, sem nenhuma mão para segurar. A
rua transversal talvez fosse outra. As ruas mudam de lugar, como o movimento da
população” (NAZARIAN, 2003, p. 46). Ele anda sem encontrar o seu destino, sem
reencontrar a sua noiva. A deambulação pela cidade afasta Olívio de sua tranquilidade,
as mudanças da cidade refletem-se também as mudanças nas atitudes da personagem.
Assim, acontecimentos absurdos passam a se suceder na vida da personagem-
protagonista. Olívio começa a vagar pelo centro da cidade até parar em um bar e sentar-
se na primeira cadeira que vê para tomar um chope gelado; não demora para que um
mendigo, “um senhor velho e roto” (NAZARIAN, 2003, p. 50), esteja a sua frente,
questionando-o sobre a sua vida. A conversa entre eles é entrecortada pelos garçons que
expulsam ambos do estabelecimento, confundido Olívio com um morador de rua.
O protagonista continua a flanar pela cidade e já no fim de tarde se encontra
em frente a um cinema pornô. Sem muita certeza, pensa que aquele poderia ser o dia
propício para conhecer aquele tipo de lugar. No cinema ele conhece Joel, um garoto que
trabalha na bilheteria do local, um dos negócios de seu tio, assim como uma casa de
prostituição que ficava próxima.
Olívio, que nunca havia entrado em qualquer um destes lugares, acaba sendo
guiado por Joel até o segundo estabelecimento. É lá que eles conhecem Thomas, um
jovem escritor, descrito com um ser “[p]álido. Magro. Nem muito alto nem muito baixo.
Vestido de preto. Uma barba rala num rosto doce, quase infantil” (NAZARIAN, 2003, p.
62). Tal encontro será responsável por uma reviravolta na rotina do protagonista que, por
alguns dias, se afastará da sua tranquilidade rotineira. No decorrer da noite eles decidem
ir para o apartamento de Thomas, acompanhados de duas prostitutas. Tal decisão irá
83
resultar na perda total do controle que Olívio possuía sobre sua própria vida, como
prenuncia o narrador:
Perdera o controle de sua ordem. Hora após hora. Gole após gole. Se afastava
do Olívio que saiu de casa e deixou o trabalho. Se afastava das roupas limpas
e do irmão caçula. Se afastava dos ecos do seu apartamento vazio e de sua
garrafa virada. De seu amor frustrado. De seus dedos fechados. Da certeza e
da segurança que um dia ele achou que tinha. Um dia ele achou que tinha
(NAZARIAN, 2003, p. 65).
Ao acordar na manhã seguinte, nu e sozinho no sofá do apartamento do
escritor, sem se lembrar do que havia acontecido no fim da noite anterior, Olívio é
informado por Thomas que Vanessa, uma das prostitutas que os acompanharam, havia se
matado no banheiro. A perplexidade e o espanto que o atingem contrastam com a
indiferença de Thomas. Esse se preocupa apenas em colocar as roupas de Olívio na
máquina de lavar – para limpar as manchas do sangue de Vanessa –, preparar a mesa do
café da manhã e chamar um amigo que pudesse retirar o corpo de seu apartamento sem
acionar a polícia. A morte de Vanessa, possivelmente causada por uma overdose, é mais
um episódio inesperado que ocorre na semana de Olívio. Além disso, o acontecimento
desfaz a impassibilidade do protagonista em relação ao que acontecia a sua volta. Por
conta do suicídio no qual acaba envolvido, Olívio começa a formular questões e a buscar
respostas. Assim, lê-se:
Olívio começava a reavaliar sua memória. Quem sabe. Quem sabe. Quem sabe
como as coisas aconteceram realmente. Quem dormiu com ele. Onde ele
dormiu. Onde estavam suas roupas. Para onde foi Joel. O que aconteceu com
Vanessa. Quem dormiu com Natasha. Quem era aquele jovem que se chamava
de escritor? (NAZARIAN, 2003, p. 70).
Os dias seguintes se tornam momentos de pesadelo para o protagonista. Sem
as chaves de seu apartamento, com a mesma roupa dos dias anteriores, tendo esquecido
o que aconteceu e qual teria sido a sua participação nas ações que levaram ao suicídio de
Vanessa. A rotina de Olívio é colocada em suspenso e, consequentemente, a personagem
é impelida a buscar respostas para os últimos acontecimentos.
Na segunda parte do livro, a procura por estas respostas leva Olívio a refazer
os trajetos que o levaram até aquele ponto crucial: volta a casa de Thomas à procura de
suas chaves, ao cinema pornô tentando encontrar Joel, ao bordel para tentar descobrir
alguma coisa sobre a morte de Vanessa e ao apartamento de seu irmão, onde se lembra
que já havia visto o nome de Thomas Schimidt estampado na lombada de algum livro, o
que confirmaria a informação de que era mesmo um escritor. Na casa de Olavo, em uma
estante repleta de livros, “Olívio procurou. Thomas, Thomas, Thomas Nazarian, Thomas
84
Schimidt. Lá estava ele, na última prateleira, de baixo para cima. Thomas Schimidt e seu
romance: ‘A morte sem nome’31” (NAZARIAN, 2003, p. 101).
Apesar de ter encontrado o livro, Olívio não acha respostas para os recentes
acontecimentos de sua vida. Como era de costume, ele passa a ignorar seus
questionamentos e suas inquietações. Depois de uma semana desobedecendo as regras do
seu cotidiano, Olívio passa lentamente a recolocar uma ordem em sua vida a partir do
momento no qual encontra as suas chaves, perdidas dentro de um ônibus durante uma
freada brusca. Isso lhe possibilita voltar ao seu apartamento e se reconciliar com Rosalina.
A reconciliação com a noiva representa também uma retomada de sua vida. A sua descida
aos infernos se encerra quando ele volta às atividades cotidianas e passa a acreditar que
ama Rosalina.
Em sua análise do romance, Emily Cristina dos Ouros (2013) destaca a
estrutura dividida em duas grandes partes: “A roupa suja” e “A roupa molhada”, além de
um prólogo e um epílogo. Segundo ela, a princípio, a ausência de qualquer reação
reflexiva por parte de Olívio, diante dos acontecimentos que fogem à normalidade,
revelam não só o seu desinteresse conformista pela experiência, como também permitem
que se compreenda a personagem como “metáfora de um sujeito que não enxerga crise
nenhuma no ambiente onde se estabelece” (OUROS, 2013, p. 56). O episódio do suicídio
de Vanessa provoca então uma transformação da personagem central que, na segunda
parte, passa a buscar incessantemente respostas para os fenômenos que aconteceram. De
acordo com Ouros, os questionamentos de Olívio fazem com que ele passe a prestar
atenção naqueles que estão a sua volta e “são responsáveis pelo lugar que ele passou a
ocupar naquelas circunstâncias” (OUROS, 2013, p. 64); bem como, inserem-no em um
processo de marginalização, em virtude da sua insatisfação com a ordem aparentemente
estabelecida em que se encontram as outras personagens. Assim, a insatisfação de Olívio
com a ausência de respostas e “com os acontecimentos que o rodeiam passa a incomodar
as pessoas que estão a sua volta. Ele passa a ser visto como aquele que está fora da ordem,
que impede o rolar dos dias, que não se adapta aos modos de viver daqueles que ali estão”
(OUROS, 2013, p. 65). Ouros também ressalta que a solução para as insatisfações da
personagem traz o “recomeço da rotina” (OUROS, 2013, p. 67), sendo a reconciliação
31
A seguir será problematizada a homonímia do livro cujo autor é a personagem Thomas Schimidt e o
segundo romance publicado de Nazarian.
85
com personagens masculinos: o pai; os primos com os quais fora criada; davi32, um
adolescente com quem ela se envolve afetiva e sexualmente; Mako, o dono de um bar no
centro da cidade; o “avô”, um senhor que obriga Lorena a manter relações sexuais com
ele em um hotel de beira de estrada, e Miguel, um garçom com quem Lorena se envolve
afetivamente.
Já no último capítulo, “O anjo da morte”, após o desaparecimento da
protagonista, um jovem escritor se muda para o seu apartamento e a consciência de
Lorena parece fundir-se à dele: “temos uma história para contar. Temos mais uma história
para contar” (NAZARIAN, 2004, p. 188). A história a ser transmitida pode ser
interpretada como aquela contada pelo próprio livro, criando assim um mise-en-abyme,
pois o romance que Lorena tinha em mente acaba sendo escrito pelo jovem autor guiado
pela “(in)consciência” da narradora-personagem:
[v]ocê, tão solitário quanto eu, procurando por mim, no final da linha.
Procurando por mim, de cidade em cidade. Procurando inspiração, de pele em
pele. E de cicatriz em cicatriz é uma colcha de retalhos que nem pode chamar
de romance. O nosso eu acabei de escrever. Acabo de escrever meu romance
com você. Em sua pele, em seus dedos, em seus papéis espalhados, no chão,
entre as frestas, no meu apartamento. (NAZARIAN, 2004, p. 203, grifos
meus).
Por mais que a personagem-escritor deste romance não seja nomeada,
podemos suspeitar que se trate da mesma que posteriormente receberá a alcunha de
Thomas Schimidt. E algumas pistas, muito bem preparadas pelo autor, corroboram essa
interpretação. Segundo apontado anteriormente, em Olívio, quando a personagem
homônimo encontra no apartamento de seu irmão um livro de Thomas, este livro tem
justamente o mesmo título que o romance de Nazarian: A morte sem nome. Além disso,
como já observou Lewis (2011), quando Olívio folheia o livro que seria da autoria da
personagem-escritor, o trecho lido é exatamente igual a um parágrafo contido no segundo
romance de Nazarian:
[c]om a consciência distante, escorri pela torneira, mergulhei pelo ralo, me
esparramei pelos azulejos, manchei o mármore, molhei o chão. Entupi a pia.
Sujei os papeis. Quebrei o espelho. Risquei a porta. Meus dias vazaram pelo
banheiro e eu nem peguei um pano para enxugar. (NAZARIAN, 2003, p. 101/
NAZARIAN, 2004, p. 76).
Para Lewis, esta passagem constitui o ponto de intersecção entre os três
primeiros romances do autor, aqui analisados. Além dela, ele chama a atenção para o fato
32
No romance, a grafia do nome da personagem adolescente é sempre redigida em com letra minúscula.
87
de A morte sem nome trazer para o primeiro plano os momentos de desorientação do leitor
– condensados nos outros romances nos momentos clímax das narrativas –, neste romance
os momentos de desorientação permeariam, segundo ele, toda a narração, provocados
pelos ressurgimentos de Lorena, após experimentar diferentes suicídios, assim como pela
narrativa não linear repleta de recuos e avanços no tempo.
O crítico ainda destaca a habilidade do autor em borrar as fronteiras com a
fantasia – o fantástico. Segundo ele, “the border between fantasy and reality is
deliberately hazy”, resultando numa narrativa que apresenta um “sensuous, sensorial,
psychological protrait that diverges considerably from the more linear presentation of
Nazarian’s other four novel”33 (LEWIS, 2011, p. 94).
Em sua análise do romance, Wellington Furtado Ramos (2011) destaca a
importância de sua lógica interna: segundo ele, a construção de uma outra realidade,
ficcional, na qual a narradora experimenta diversas formas de suicídio, se dá por meio de
um “pacto especular/espectral”, no qual “os fantasmas aparecem como tecidos de
palavras somente possíveis por sua materialidade significante, que põe em movimento a
máquina da significação” (RAMOS, 2011, p. 6). Bem como, a sua coerência é resultado
da criação dessa realidade ficcional que também organiza a narração fragmentada e
fantástica, tornando-a verossímil, ainda que incoerente se comparada com qualquer
realidade externa a ela:
por mais absurdos que pareçam os suicídios de Lorena, eles fazem sentido no
texto que se apresenta. E fazem sentido menos pelo fato de o romance ser
narrado pela protagonista em primeira pessoa, na forma de memórias, do que
pela “capacidade” que essa narradora-personagem-Lorena tem de construir a
narrativa de suas mortes de modo verossímil, mesmo que incoerente com “a
vida” de quem lê o romance e o analisa (RAMOS, 2011, p. 11)
Já em Feriado de mim mesmo (2005), é possível observar algumas
semelhanças temáticas e formais com Olívio (2003); nota-se, por exemplo, que a narrativa
em terceira pessoa tem como mote as perturbações provocadas na rotina de seu
protagonista, Miguel, devido ao retorno de Thomas Schimidt. A personagem-escritor
retorna tanto para o apartamento onde Miguel vive quanto para o enredo dos romances
de Nazarian. 34
33
A menção de Lewis a estes “outros quatro romances de Nazarian” refere-se aqueles escritos após A morte
sem nome, abrangendo, cronologicamente, de Olívio a O prédio, o tédio e o menino cego.
34
A personagem Thomas Schimidt é recorrente na narrativa do autor e uma espécie de alter ego de
Nazarian. Além de Olívio e Feriado de mim mesmo, nos quais efetivamente aparece como personagem,
pode-se encontrar referências a ele em Mastigando Humanos (2006) ou Biofobia (2014), por exemplo. No
88
primeiro, o narrador-personagem, um jacaré que vive nos esgotos de uma grande cidade, revela ser Thomas
Schimidt o seu autor preferido, falecido recentemente (no final de Feriado de mim mesmo, como se verá a
seguir); no segundo, o protagonista encontra um livro da autoria de Thomas Schimidt na casa de campo
que pertenceu a sua mãe antes da morte. Em Neve Negra (2017), Thomas ressurge como autor do livro
“infantil” O coelhinho lindo, livro preferido do filho do protagonista da história; além de, coincidentemente,
ser o neto do vizinho da família, que aparece na noite mais fria do ano, quando a vida do protagonista,
Bruno Schwarz, passa a ser assombrada e praticamente destruída.
89
convencido de que o outro, aquele que ele passa a encarar como inimigo, se encontrava
em seu apartamento, Miguel chega a chamar a polícia, mas após a inspeção do imóvel, os
policiais partem “com a sensação de que fora tudo um delírio” (NAZARIAN, 2005, p.
93). O leitor acaba sendo contaminado pelas incertezas do protagonista, pois, por mais
que as atitudes de Thomas sejam plausíveis para alguém que retorna ao apartamento onde
vive, as dúvidas e os estranhamentos de Miguel resultam na desconfiança sobre quem ou
o que é Thomas.
No desenrolar da narrativa, o estado paranoico de Miguel é acentuado, pois
ainda que não haja um encontro entre eles, os pequenos vestígios de uma outra existência
atormentam o seu dia a dia. Como uma última tentativa de explicação para aqueles
acontecimentos, Miguel passa a acreditar que Thomas Schimidt não passa de uma parte
de si: “uma inconsciência de si mesmo” (NAZARIAN, 2005, p. 100-101), ou seja, seu
inconsciente personificado em outro. Para ele esta hipótese faz “um sentido absurdo”,
pois poderia ser “ele mesmo invadindo seu apartamento para afastar a solidão, fugir do
silêncio” (NAZARIAN, 2005, p. 100).
O protagonista passa então a enfrentar uma série de dilemas: tem medo que o
outro se aposse de suas coisas e de sua vida, mas, por outro lado, evidenciando a solidão
anterior, receia o que aconteceria se ele nunca mais aparecesse:
Pensou no que sentiria se ele nunca mais voltasse. O que sentiria
se o invasor desaparecesse. Nenhuma mordida a mais no frango. Nenhuma
escova nova na pia. Nenhum recado estranho, nada, apenas a vida cotidiana de
sempre. Era isso o que ele queria? [...]
Não sabia. Talvez a invasão tenha servido para ele ver como
estava cansado. Talvez o invasor já tivesse conquistado o que queria. Roubara
seu cotidiano, nunca seria como antes. Depois de ter se sentido preso em casa
nunca poderia voltar à velha vida (NAZARIAN, 2005, p. 109).
Enfim, durante uma tarde de domingo, quando Miguel já havia desistido de
perseguir o invasor, há o encontro entre ambos. Miguel encontra Thomas sentando em
sua sala, comendo um pedaço de pizza. Do encontro, a primeira coisa que chama a
atenção é a possível semelhança entre ambos: eles são caracterizados como gêmeos ou
“espelho” um do outro, o que resulta na interpretação de um como duplo (doppelganger)
do outro. O segundo elemento a ser destacado é a naturalidade com a qual Thomas reage
ao encontro: “E lá estava ele, sentado em frente, comendo um pedaço de pizza. Um outro
pedaço de si mesmo, seu gêmeo, sentado à mesa. Ele olhou para si, olhava para um
espelho. E o espelho olhava de volta perguntando: ‘o que foi?’” (NAZARIAN, 2005, p.
112).
90
A partir de tal encontro, Miguel passa a ter certeza de que outro é parte de si
mesmo, uma forma de seu inconsciente, pois para ele, Thomas “só poderia ser um clone,
um cover, seu irmão gêmeo. Doppelganger!” (NAZARIAN, 2005, p. 113).
Após o (re)encontro, o primeiro momento de união entre as personagens vem
pelo sexo. O ato, narrado segundo as impressões de Miguel, representaria o encontro dele
consigo mesmo:
[e]ntão (Miguel) sentiu os braços por trás, ao redor do seu corpo. Um beijo na
nuca, o mesmo arrepio. Ele vinha e abraçava a si mesmo. Ele se agarrava e lhe
dava um beijo. Virou-se e olhou nos seus olhos. Fechou-os e sentiu seu hálito.
Sua barba crescendo, assim como seu membro. Sua língua em sua língua, seus
lábios em seus lábios; mergulhou num beijo quente e se entregou.
(NAZARIAN, 2005, p. 116).
As intervenções de Thomas no dia a dia de Miguel passam a incomodá-lo
ainda mais, de modo que o protagonista se questiona se são válidas as interferências
daquele que ele acredita ser a sua inconsciência personificada e começa a ter medo de
perder o controle sobre si próprio. Tanto que chega a expulsar Thomas de seu apartamento
e de sua vida. Depois pensa em fugir para a casa dos seus pais, na Argentina, pois acredita
que a rotina de isolamento e solidão resultaram na criação de Thomas: “O que sabia é que
tinha de fugir de lá o mais rápido possível. Era aquele apartamento. Era aquela vida
solitária que fizera isso com sua alma. Fizera isso com sua consciência, rachara-a em
duas” (NAZARIAN, 2005, p. 134).
Quando Thomas decide arrumar suas coisas para ir embora daquele
apartamento, Miguel se desespera ao achar que é a sua vida que ele está roubando. Diante
do espelho, enquanto conversava com Thomas, ele passa a questionar quem ele realmente
é, uma vez que agora está cindido em três: ele mesmo, Thomas e o reflexo no espelho.
Miguel surta e destrói o espelho com as suas próprias mãos. Com os longos cacos de
vidro, ele avança sobre o escritor, corta seu rosto e, quando os dois já estão no chão, em
combate, Miguel crava um pedaço do espelho na jugular daquele que julga ser parte de
si.
Com a morte de Thomas, vem o segundo momento de união entre as
personagens, desta vez pela morte. Miguel bebeu o sangue que jorrava do corpo do
escritor. Se ele era parte de si, seu inconsciente, tal ato, segundo sua interpretação,
restituiria o que era seu: “bebeu suas gotas, lambeu seu sangue, beijou sua vida, quente
[...] Quando terminou, sentiu-se preenchido o suficiente. O estômago cheio, a mente
tranquila. À sua frente restava apenas uma casca vazia” (NAZARIAN, 2005, p. 142).
91
35
A presença do fantástico na literatura brasileira é reduzida não apenas no cenário contemporâneo, mas
ao longo de sua história literária. Como já destacou Murilo Garcia Gabrielli (2002), ao contrário de outras
literaturas latinoamericanas, “no Brasil talvez apenas dois autores possam ser considerados representantes
da literatura fantástica em sentido estrito: Murilo Rubião e José J. Veiga” (GABRIELLI, 2002, p. 25).
92
36
A narrativa de Nazarian subverte um dos postulados de Todorov. Segundo o crítico, nos textos fantásticos
há a predominância do(a) narrador(a) em primeira pessoa, seja ele auto ou homodiegético; essa recorrência
se justificaria pelo fato de “a primeira pessoa “que conta” é a que permite mais facilmente a identificação
do leitor com a personagem, já que, como se sabe, o pronome “eu” pertence a todos” (TODOROV, 2010,
p. 92). Contudo, em Feriado de mim mesmo, o narrador em terceira pessoa não impossibilita a identificação
dos leitores com o protagonista da narrativa nem diminui o efeito do fantástico, ou seja, a incerteza quanto
à natureza dos acontecimentos que causam estranhamento.
93
narcisismo inicial –, em que tinha um significado mais amigo. O duplo tornou-se algo
terrível, tal como os deuses tornam-se demônios após o declínio de sua religião” (FREUD,
2010, p.354).
Desse modo, pode-se entender a reação de Miguel diante de seu duplo; a
angústia e o horror que o consomem são resultados do efeito inquietante provocados pelo
outro. Além disso, esses sentimentos são reforçados pela incerteza que envolve a natureza
de Thomas, uma vez que desde o seu aparecimento, e durante a maior parte da narrativa,
o protagonista se questiona o que o outro seria: um homem, um fantasma ou uma parte
de si mesmo. Como é recorrente nas narrativas em que o duplo aparece, cabe a
personagem que se sente ameaçada por ele buscar formas de eliminá-lo a fim de
restabelecer uma unidade outrora cindida, o que é levado a cabo por Miguel com o
assassinato do escritor.
Outra leitura da obra de Nazarian, mas também pelo viés do fantástico, foi
feita por Márcio Henrique de Almeida Soares (2017). Para isso, ele se valeu tanto das
definições sobre o gênero postuladas pelo teórico francês Joël Malrieu, em Le fantastique
(1992) quanto das comparações entre o livro de Nazarian e outras narrativas canônicas
para o universo fantástico, como as de autoria de Charles Dickens, Edgar Allan Poe e
Oscar Wilde, entre outros.
Segundo Soares, para Malrieu, o conto fantástico é produzido a partir do
confronto entre uma personagem ordinária e um fenômeno extraordinário que se opõe aos
pensamentos e ao modo de vida daquela personagem. Destarte, a dialética fantástica é
operada: “através da interação entre um indivíduo comum, vivendo em um mundo como
o nosso, e um fenômeno extraordinário, em evidente conflito com aquilo que a
personagem conhece, pensa e toma como verdadeiro ou certo” (SOARES, 2017, p. 318).
Na análise do romance de Nazarian, Miguel seria a personagem comum, enquanto
Thomas Schimidt representaria o fenômeno que surge para desestabilizar a ordem
previamente existente.
Soares também chamou a atenção para o fato de Miguel viver isolado, o que
é determinante para a sua constituição como uma personagem fantástica. Para o crítico, a
solidão é emblemática no fantástico, uma vez que quando ela deixa de existir, como
ocorreria com o relacionamento entre Miguel e Thomas, ela passa a ser criada, o que
96
37
Segundo os dados apresentados pela pesquisa, as principais ocupações das personagens masculinas são:
escritor (8,5% das personagens catalogadas), bandido ou contraventor (7%) e artista (6,3%); enquanto as
personagens femininas têm como ocupações recorrentes: dona de casa (25,1%), artista (10,2%) ou sem
ocupação (9,6%), sendo a ocupação como escritora uma das menos recorrentes, aparecendo apenas em
3,2% entre as personagens analisadas. (DALCASTAGNÈ, 2005, p. 41-42).
99
38
A ideia de performance aqui empregada tem o mesmo sentido daquela utilizada no primeiro capítulo
desta dissertação e baseada, principalmente, no que defende Klinger (2012).
100
desde a capa, na qual se vê a sua mão cortada e sangrando (figura 3), em uma das orelhas,
na qual ele aparece em plano americano segurando a mão direita que sangra (figura 4), e,
por fim, na contracapa, em que é possível observar a mesma imagem de uma das orelhas,
focada no corpo do autor sem exibir seu rosto (figura 5)39.
39
Em entrevista a Ramon Nunes Mello, Nazarian revela que as fotos de Feriado de mim mesmo eram: “um
link para a body art e o conteúdo do livro; quase uma forma de me colocar como personagem, ilustração”
(NAZARIAN, 2006, on-line).
103
produção de seus livros, tornando-se responsável também pela concepção e produção das
capas e orelhas das obras.
Ainda de acordo com Ramos, a constituição do projeto estético de Nazarian
é sustentada por diversos elementos com diferentes origens, que se traduzem em
estratégias de marketing a fim de conquistar o público-leitor, mesmo que, a princípio, o
interesse produzido seja pela figura divulgada e muito bem explorada. Segundo ele:
[e]sse projeto estético segue não apenas como um palimpsesto que permite
vislumbrar inúmeras facetas de elementos da memória que o compõem.
Mostra-se mais adequado pensar na figura de um mosaico, em que diferentes
elementos – diversos em origem – reagrupam-se de modo a con-figurar um
novo objeto sem perder, no seio de sua materialidade, o sentido fragmentário
que o possibilitou estar ali (RAMOS, 2015, p. 88).
Entre muitas dessas facetas que constituíram o “mosaico” estético da figura
autoral, destacam-se aqueles com traços autoficcionais que rementem diretamente a
Nazarian, seja pela imagem, o jogo especular entre o autor-personagem e a sua
personagem-escritor, ou ainda pela exploração de experiências autobiográficas que
também evocam o escândalo, como se verá a seguir. Como analisou Klinger, a sociedade
atual, impregnada pela cultura midiática herdada das últimas décadas do século XX,
tornou-se um terreno fértil onde “se produz uma crescente visibilidade do privado, uma
espetacularização da intimidade e a exploração da lógica da celebridade” (KLINGER,
2012, p. 18).
Inserir o próprio corpo como parte da elaboração estética, amparado por
aquela “lógica da celebridade” de que fala Klinger, não é uma estratégia inédita nem
tampouco incomum na sociedade contemporânea. Pois, de acordo com Sibilia (2010), o
momento presente impulsiona a “espetacularização do eu”. Além disso, segundo a autora,
tal fenômeno atingiu até mesmo a arte contemporânea, uma vez que, desde o final do
século XX, o corpo do artista entrou na mira dos seus espectadores, afinal, ele passou a
ser “tanto sujeito como objeto. O ato de criar tornou-se, ele próprio, uma espécie de objeto
de culto: ao se colocar sob os holofotes, o corpo do artista se converteu no principal alvo
dos espectadores” (SIBILIA, 2010, p. 19). Daí que práticas como a performance e a body
art, ambas experimentadas por Nazarian, tenham se tornado tão férteis nas manifestações
artísticas do presente.
Importa assinalar ainda que ao optar por registrar práticas de body art pela
fotografia e, além disso, inseri-las de alguma forma em seus primeiros livros, o autor
acabou por estabelecer uma ligação com o referente fotografado, no caso, seu próprio
105
corpo. Tal relação entre fotografia e referente é resultado da própria técnica de fixação
das imagens pela ação da luz, não estando presente em outras formas de representação
como a pintura ou a narrativa. Pois, como afirmou Barthes em A câmara clara (1984), na
pintura e no discurso os referentes são, na maioria das vezes, resultado da imaginação e
da subjetividade do artista, na fotografia não, pois “na fotografia nunca posso negar que
a coisa esteve lá. Há dupla posição conjunta: de realidade e passado” (BARTHES, 1984,
p. 115).
Segundo Philippe Dubois (2012), esta estreita ligação com a realidade e com
o passado revela o caráter indiciário da fotografia – “índice fotográfico”, por meio do qual
a fotografia mantém uma ligação, imprescindível para a sua existência, com o seu
referente. Assim,
a partir do momento em que se considera que o índice (a imagem fotográfica, no caso)
se define constitutivamente como a impressão física de um objeto real que estava ali
num determinado momento do tempo, torna-se evidente que essa marca indiciária é
única em seu princípio: remete apenas a um referente, o “seu”, o mesmo que a causou.
O traço (fotográfico) só pode ser, em seu fundo, singular, tão singular quanto seu
próprio referente (DUBOIS, 2012, p. 72, grifos do autor).
Mesmo quando utilizada para registrar uma cena que é simulada ou uma
figura autoconstruída, a fotografia ainda assim mantém um ponto de contato com a
realidade, pois indica que aquele corpo, e não outro, esteve em algum momento do
passado diante do obturador de uma câmera fotográfica para que a foto pudesse existir.
Não por acaso, em uma sociedade marcada pela “espetacularização do eu”,
as imagens se proliferaram absurdamente. Se outrora as fotografias eram objetos raros,
restritos à burguesia ou, após a sua popularização, aos álbuns familiares, atualmente elas
circulam em múltiplas plataformas, instantaneamente, dando a ver as “versões” que cada
um deseja exibir de si mesmo. Com os avanços tecnológicos, o cotidiano passa a ser
registrado compulsivamente, resultando numa lógica ambígua segundo a qual é preciso
viver para registrar, mas é necessário o registro fotográfico para poder comprovar ter
vivido. Afinal, “não é raro que a foto termine engolindo o referente, para ganhar ainda
mais realidade do que aquilo que em algum momento deveras aconteceu e foi
fotografado” (SIBILIA, 2016, p. 60, grifo da autora).
Além de utilizar-se do próprio corpo como ferramenta para as suas
performances, Nazarian explorou, mais uma vez pelo viés do escândalo e da
excentricidade, uma biografia recheada de experiências inusitadas, sobretudo para um
escritor. Assim, em vez de destacar sua formação acadêmica, a atuação como jornalista e
106
tradutor ou a chancela dada pelo concurso literário que venceu, ele subverte o modelo da
“biografia do escritor” ao destacar em entrevistas e nas orelhas de seus livros dados
singulares, visando a construção de um perfil textual marcado pela divergência em relação
à descrição apresentada em geral por outros escritores. Entre as experiências incomuns
que ele buscou destacar no início de sua carreira estão: a prática de body art, as atuações
como barman de um pub punk em Londres, redator publicitário, de horóscopo e de
conteúdo erótico. Destarte, em uma das orelhas de seu primeiro livro lemos o que por
convenção se considera a sua biografia:
Santiago Nazarian, paulistano nascido em 1977, onze tatuagens, morou em
Porto Alegre, Londres e passou alguns meses viajando perdido pela Europa. Já
foi vendedor de livraria, barman, professor de inglês, redator publicitário e de
conteúdo erótico. Ganhou destaque na mídia em 97 com seus ensaios
fotográficos de body-art, nos quais realizava performances de automutilação
no centro da cidade de São Paulo. No mesmo ano foi personalidade-tema do
documentário “Um caso de body arte”, de João Landi Guimarães, exibido pela
TV Cultura. Olívio foi escrito entre outubro e dezembro de 2001, em Porto
Alegre, e é seu primeiro romance a ser publicado (NAZARIAN, 2003).
É fato que estas informações não seriam utilizadas ao acaso por um autor no
seu romance de estreia. E possuem uma função, provavelmente bem planejada. Assim,
pode-se inferir que foram divulgadas a fim de contribuir para a construção da figura
autoral pretendida – divergente da imagem que o senso comum possui dos escritores,
afinal trata-se de um polêmico e irônico jovem tatuado, com apelo pop e disposto a manter
certa proximidade com seu público-leitor.
Proliferaram-se ainda, diferentes atuações do autor fora dos limites dos seus
livros, tornando-se bastante comum sua presença em eventos literários e palestras, bem
como em entrevistas para jornais, sites, revistas e programas de televisão. Analisando-se
um pequeno recorte destas entrevistas é possível observar que, em um primeiro momento,
elas também acabaram sendo utilizadas como um meio de construir a imagem especular
entre o autor e sua personagem escritor, ao passo que nas declarações mais recentes
observa-se a tentativa de se esquivar da imagem de autor-personagem.
Assim, em entrevista concedida a Rogério Bettoni, ao ser questionado acerca
da personagem Thomas Schimidt, Nazarian a define como “um dândi andrógino e um
tanto quanto decadente. Um pouco do que eu queria ser e do que eu já fui. Talvez seja
meu retrato de Dorian Gray; ele permanece mais jovem do que eu” (NAZARIAN, 2011,
on-line). Assim, pode-se observar que Thomas representaria uma intersecção entre o que
107
o autor desejava ser e um passado comum entre eles; a comparação com o retrato de
Dorian Gray reforça ainda a imagem dupla.
A identificação do autor como a personagem por algum tempo não chega a
incomodar Nazarian. Ele até admite não se importar com a forma como aparece na
imprensa, ainda que discorde que os traços que o distinguiriam como personagem sejam
exclusivos seus, como se observa a seguir quando questionado sobre a maneira como
encarava o fato de mídia o apresentar como uma personagem:
Eu não me importo, realmente. Mas acho um pouco tolo. Não entendo muito a
separação que os jornalistas fazem entre os valores de massa e valores pessoais.
Quero dizer, as pessoas que me entrevistam, que escrevem essas coisas sobre
mim – “oh, ele morou com traficantes” – também estão aí tomando drogas,
também conhecem traficantes e talvez estejam morando com eles. Mas sei lá,
parece que elas estão só procurando pessoas para admitir isso publicamente e
vestir o personagem. É igual com o homossexualismo. O que mais se vê é ator
gay em começo de carreira, mas eles nunca chegam a Globo? Quando eles
chegam à novela das oito eles perdem a homossexualidade? Isso não faz
sentido para mim. As pessoas também esperam que surjam personalidades para
vestir a carapuça de gay, quando devia ser algo natural. Sim, homens trepam
com homens, tomam drogas, se cortam fazendo a barba ou fazendo fotos para
um trabalho de faculdade. Pode até ser divertido contar essas histórias, mas
elas não formam traços exclusivos meus (NAZARIAN, 2007, on-line).
No entanto, o investimento na figura autoral como uma personagem marcada
pela polêmica e excentricidade parece ter ficado restrito, no caso de Nazarian, ao início
de sua carreira como escritor. A partir da publicação de seu quinto romance, O prédio, o
tédio e o menino cego, em 2009, e do seu primeiro volume de contos, Pornofantasma, em
2011, pode-se notar a diminuição no interesse do autor em explorar uma imagem
excêntrica e em continuar alimentando as polêmicas do início da carreira. A partir de
então, ele passou a defender que o “escritor não é tão bom personagem como um pop star
ou um ator, ele não vende tão bem com a vestimenta pop” (NAZARIAN, 2012, p. 39).
Além disso, por mais que a proximidade com o público-leitor ainda aconteça
via blog e redes sociais, as aventuras e peripécias divulgadas como biográficas têm
deixado de ser o ponto central nas postagens mais recentes do autor. Vale assinalar que
atualmente Nazarian tem chamado a atenção para o fato de a sua literatura estar em
dissonância com o restante da produção literária contemporânea. Para ele, sua produção
literária termina por ficar entre dois polos, estando entre a escrita reconhecida
academicamente e a literatura comercial, mas não se limitando a um desses grupos
especificamente.
108
40
No seu início o blog do autor era intitulado apenas Santiago Nazarian, dois meses depois passou a se
chamar Amor & hemácias e, por fim, algum tempo despois ganhou o título atual.
41
Esse número de publicações leva em conta as postagens feitas até novembro de 2018.
109
pelo alto número de postagens, uma média de doze textos mensais; a partir de 2011
constata-se a diminuição na quantidade de suas publicações, passando a uma média de
cinco textos por mês. Em virtude dos elevados números em relação às postagens, opta-se
aqui por um recorte que privilegia a análise dos textos divulgados eletronicamente nos
dois primeiros anos de sua publicação on-line, a saber 2004 e 2005, pois elas coincidem
ainda com o momento de lançamento do segundo e terceiro romance do autor, analisados
neste estudo. Esses anos correspondem ainda ao período inicial da carreira literária de
Nazarian e, consequentemente, de sua consolidação no cenário da literatura brasileira
contemporânea.
Analisando-se as postagens divulgadas nos primeiros anos de seu blog, de
agosto de 2004 a dezembro 2005, é possível constatar que o autor não privilegiou um viés
intimista, pessoal ou confessional. 42 Diferentemente de outros escritores de blog do
período, Nazarian não procurou expor a sua intimidade, melhor dizendo, evitou
compartilhar com seus leitores sua extimidade.43 Por sua vez, ele produziu textos nos
quais analisava criticamente filmes, livros ou sites, sobretudo, aqueles ligados ao gênero
de terror, tratou daqueles autores que considerava referências para a sua escrita, divulgou
novos escritores da cena contemporânea, compartilhou alguns de seus contos, divulgou
as críticas sobre os seus livros publicados e ainda informou sobre o andamento de seu
quarto romance, que naquele momento estava em processo de escrita. Por meio dessas
postagens o escritor conseguiu aproximar o leitor-internauta de um universo tipicamente
seu e que também apareciam em suas obras literárias.
Em sua primeira postagem, em 27 de agosto de 2004, ao invés de um texto
de apresentação sobre si mesmo ou sobre os motivos que o levaram a criar o blog,
Nazarian postou dois pequenos trechos de críticas favoráveis ao seu segundo romance.
Um desses trechos fora retirado de uma resenha feita por Luis Arnaldo Gastão para o site
Rio Sul net, o outro era a passagem de um pequeno ensaio escrito por Beatriz Bracher
para a revista Bravo!44 daquele mês. Ambos exaltavam as qualidades do texto e
apontavam certo ineditismo em relação ao cenário da prosa contemporânea; Bracher, por
exemplo, chega a afirmar que em A morte sem Nome, Nazarian tratava do ódio e do rancor
42
Um viés bastante recorrente nos primeiros blogs que circularam na rede e que, como vimos na primeira
parte deste estudo, chegou a ser explorado por diversos autores, como foi o caso de Clara Averbuck.
43
O termo “extimidade” foi problematizado no primeiro capítulo dessa dissertação.
44
Renomada publicação da editora Abril que entre 1998 e 2013 trazia mensalmente como pauta a produção
artística nacional englobando as artes plásticas, o teatro, o cinema, a música e a literatura.
110
com uma potência lírica que lhe era desconhecida no romance brasileiro. Portanto, a
primeira apresentação é feita pelas críticas favoráveis a sua produção literária, o que pode
ser entendido como uma tentativa de apresentar-se como um escritor contemporâneo
referendado pela positiva recepção de suas primeiras obras.
Nesse primeiro momento, as citações ao cotidiano do autor, quando
realizadas, constituíam o ponto de partida para uma reflexão crítica ou irônica sobre a sua
escrita literária ou a sua atuação pública; isso fica evidente na sua segunda postagem, na
qual ele explica os motivos que o levaram a criar o blog. Com efeito, teria sido a partir de
uma conversa com o jornalista Homero Sérgio que o autor teria revisto a sua opinião
sobre o uso dos blogs, sobretudo por um escritor:
conversando hoje com Homero Sérgio, do Literatura Online, tive de repensar
novamente meus conceitos de "blog", "marketing internético" e função do
escritor na sociedade de cultura de massa pós-moderna - não que eu seja ex-
aluno da FAAP...
Daí resolvi dar uma vitalizada neste "blog", atualizá-lo com mais veemência e
tratá-lo com mais carinho. Será que alguém espera isso de mim além de ti,
Homero? (NAZARIAN, 21 set. 2004, on-line).
Como se vê, o impulso inicial para a criação da página foi desencadeado pela
constatação de que se tornava cada vez mais comum naquele período a utilização desta
ferramenta eletrônica como um instrumento do marketing em torno tanto da figura do
autor quanto de sua obra. Em outra postagem, é possível constatar que a sua primeira
intenção foi bem-sucedida, pelo menos parcialmente:
a intenção inicial era que os leitores que procurassem sobre mim na net
achassem de cara o blog, que já tem link para as matérias e entrevistas mais
importantes. Está funcionando. Além dos comentários que recebo aqui,
chegam bastante e-mails, e algumas pessoas comentam comigo quando me
encontram (NAZARIAN, 30 out. 2004, on-line).
Nesse mesmo texto no qual abordou o incremento no número de leitores-
internautas, o autor também falou sobre certo sentimento de culpa ao ter que se expor no
veículo on-line. Sobre a escrita no blog ele afirmou, na época:
é uma experiência nova pra mim e muitas vezes eu me sinto culpado. Preferia
continuar escondido por trás da ficção, que é meu verdadeiro trabalho. Mas
tem sido um passatempo divertido, e é uma ferramenta importante de
divulgação e relacionamento hoje em dia (NAZARIAN, 30 out. 2004, on-line).
A princípio, a página de Nazarian contou com espaço para comentários, o que
serviu como instrumento para que ele pudesse mensurar o alcance de suas postagens e se
tornou um meio de contato direto entre o autor e seus leitores. É possível notar ainda que
a interlocução com o leitor-internauta foi não só esperada, mas também incentivada. Ao
analisar, por exemplo, o filme Palhaço assassino (Clown House), de Victor Salvia, o
111
autor, apesar de reconhecer que o filme não seja bom, exalta a bizarrice de seu enredo,
considerando que há nele “um leve toque surreal-onírico que o torna interessante”
(NAZARIAN, 08 dez. 2004, on-line). Na trama, um grupo de psicopatas vestidos de
palhaços invade uma casa onde moram três adolescentes, esses últimos tentam se livrar
das perversidades cometidas pelos psicopatas. Além disso, Nazarian informou que o
diretor foi preso após o seu lançamento, pois ele havia não só abusado sexualmente dos
jovens atores, mas também filmado parte dos abusos, inserindo-os no filme. Esse contexto
macabro serviu para que o autor solicitasse a seu público que comentasse quais eram os
filmes mais pesados que eles conheciam, lê-se: “nessa etapa da ’cruzada da sordidez’,
quais são os filmes/livros mais pesados que vocês conhecem?” (NAZARIAN, 08 dez.
2004, on-line).
No entanto, o espaço para os comentários só esteve disponível no primeiro
ano do blog. Com a repercussão alcançada e, principalmente, com as críticas e
comentários negativos recebidos de forma anônima, em setembro de 2005, o autor decidiu
excluir o espaço para comentários em suas postagens,45 a fim de fugir dos detratores e
também, segundo alega, devido à falta de tempo:
Tentei [...] modificar algumas coisas nos meus "comments", mas não deu certo.
Então acabei tirando por um tempo. Eu recebia tudo na minha caixa postal, não
conseguia responder, e tinha todos aqueles comentários anônimos tolinhos.
Acho que quem quiser falar mesmo comigo pode escrever para o meu email,
como já vinham fazendo, e os detratores terão ao menos o trabalho de criar
uma conta falsa no hotmail ou bol. Eu terei apenas o trabalho de apertar o
"delete" ou bloqueá-los automaticamente por filtro e ninguém ficará sabendo.
(NAZARIAN, 09 set. 2005, on-line).
Anos depois, ele retoma o assunto ao responder a insistente pergunta sobre o
porquê de o blog não ter espaço para comentários:
Durante um tempo, o blog teve comentários. Mas conforme a coisa foi
repercutindo, foram se multiplicando os visitantes frustrados, escritores não
publicados, ou algum bangolino hiper-ativo qualquer que se dedicava
diariamente a afundar o blog com ataques. Além disso, os comentários meigos
não compensavam. Quando você permite comentários no blog, você incita
comentários no blog. E as pessoas querem comentar tudo, perguntar tudo; se
você escreve sobre um filme, recebe comentários do tipo "onde está
passando?" e o povo espera demais de uma interatividade que você não tem
tempo nem vontade de manter.
Então não tem comentários, não vai ter comentários, mas se você tem algo
realmente significativo a comentar, pode me mandar por email. (NAZARIAN,
05 fev. 2010, on-line).
45
Os comentários feitos pelos leitores nos primeiros anos do blog não estão disponíveis para leitura desde
que o Nazarian bloqueou o espaço para comentários em suas postagens.
112
46
Uma das primeiras redes sociais, mantida entre 2004 e 2014.
47
Publicava-se ali contos inéditos ou que já haviam sido publicados e/ou divulgados em diferentes veículos,
tais como “Seis dedos para contar” que o autor já havia lido em uma palestra no Instituo Cervantes ou
“Garotos Podres” que havia sido publicado no final da década de 1990 em uma revista da USP. Atualmente,
já não há no blog tal espaço para a divulgação de contos, assim como não é possível encontrar os contos
que foram divulgados disponíveis na rede. Sobre os contos inéditos que possuía naquele momento, Nazarian
informa que pretendia reunir em um livro: “o estoque de contos aqui de casa é imenso. 46, na verdade.
Daria um livro com mais de duzentas páginas. Eu estou juntando, e quando der um livro com mais de 300,
eu publico. : ) [sic]Vira e mexe eu os reuno [sic] e os registro.” (NAZARIAN, 02 dez. 2004, on-line). O
único livro de contos publicado pelo autor é Pornofantasma (2011), conta com trezentas e onze páginas,
no entanto, contém bem menos que os quarenta e seis contos que ele dizia já ter escrito em 2004, sendo
composto por catorze textos.
113
glamurosos. As letras também vão nessa linha.” (NAZARIAN, 21 out. 2004, on-line).
Além dessas muitas outras recomendações de CDs, bandas e cantores são encontradas ao
longo de todo o blog.
Logo, podemos apontar uma expansão do “campo de amizade” do qual fala
Lejeune (2014), observando que ele não se restringe apenas ao domínio da leitura
recíproca e divulgação de páginas entre blogueiros, uma vez que este veículo de
comunicação bastante recente possibilitou ainda a divulgação não apenas de outros blogs,
mas também de diferentes produtos culturais.
Entre as suas indicações de filmes predominam aqueles do gênero terror, caro
ao autor e que, como veremos mais a diante, servem para aproximar o leitor de um
universo tipicamente seu e no qual se ambienta a trama de seus livros. No entanto, suas
avaliações não se restringiram a esse gênero, como é possível notar em uma postagem de
outubro de 2004, na qual o autor relata a ocasião em que alugou o VHS do filme Amor
Estranho Amor (1982), de Walter Ugo Khour, que conta com a apresentadora Xuxa
Meneguel, ainda em início de carreira, em uma atuação polêmica; se o motivo para a
locação do filme era justamente ver a participação da apresentadora, após assisti-lo o
autor se diz surpreso pelo fato de ter gostado do que viu:
Claro que aluguei só para ver a Xuxa fazendo travessuras, mas me surpreendi.
O filme é beeeeem bom. Tem algumas tosqueiras e putarias, mas o som é
ótimo, com uma trilha sonora praticamente ininterrupta que vai de Silvio
Caldas à Traditional Jazz Band ecoando pelos salões do casarão. Vera Fischer
está fabulosa e até a Xuxa está melhor do que quando enfrenta o Baixo Astral.
ALIÁS, a melhor cena é quando ela dança jazz vestida de urso; vira
praticamente um filme surrealista. (NAZARIAN, 11 out. 2004, on-line).
Ou ainda, quando o autor demonstra toda a sua insatisfação com filme do
diretor taiwanês, Yee Chih Yen, Passagem azul (2002):
Para quem acha que basta ter olhos puxados para o filme já ser "de arte",
mostro mais uma prova ao contrário que tive nesta semana. Fui ver "Passagem
Azul", no Cinesesc. Não entendi muito bem o que o filme fazia lá. É um
draminha teen nada artístico, bem tolinho, embora tenha coisas bonitinhas...Se
os atores abrissem mais os olhos, poderia ser um filme independente
americano. E independência não é sinônimo de arte, nem morte. Mas enfim,
eu prefiro ver teens de olhos puxados mesmo... (NAZARIAN 07 out. 2004,
on-line).
Assim como, a sua impossibilidade de gostar de algum filme dirigido por
Pedro Almodóvar:
Ah, fui ver a "Má Educação" do Almodovar [sic]. Não adianta, não consigo
gostar dele. Sempre me parece uma novelona, um ritmo televisivo, uma
minissérie de 20 capítulos condensada em duas horas. Esse até que tem
algumas coisas interessantes, mas sei lá. Fora que não entendo como aquele
114
anãozinho cucaracha do Gael virou simbol [sic] sexual. Sou mais o Nelson
Ned, ahahha. (NAZARIAN, 18 nov. 2004, on-line).
Quanto à literatura, era comum o autor indicar o livro que estava lendo no
momento, agradecer os exemplares recebidos em sua casa, enviados por editoras e outros
escritores ou ainda falar da importância que alguns livros e/ou autores tiveram em sua
vida e como eles lhe influenciaram. Desse modo, cabe destacar, por exemplo, a breve
crítica que Nazarian fez à “Coleção Rocinante” da Editora 7 Letras que, a partir de 2003,
publicou textos ficcionais (contos e romances) de autores estreantes junto a nomes
canônicos, como Machado de Assis ou Goethe, por exemplo. Nazarian destaca
positivamente o romance de estreia do escritor carioca Francisco Slade, Domingo (2004):
A Editora 7 Letras teve a ótima iniciativa de criar no ano passado a coleção
Rocinante. Eu ainda não entendi muito bem qual é a proposta da coleção, já
que engloba desde Goethe até Clarah Averbuck, mas a maioria dos títulos é de
autores estreantes, e isso é o que importa. Recebi vários (livros da coleção)
aqui em casa. A maioria dos volumes é de contos curtos de "realismo
orgânico", característico da atual geração. Talvez o aspecto negativo é que
muitos desses livros, mesmos os mais consistentes, acabam desaparecendo em
meio à enxurrada de novos contistas que seguem esse formato (e a capa, e o
projeto gráfico...). Por isso gostei muito de "Domingo", um romance do
Francisco Slade, que tem história pra contar e não tem pressa para isso
(NAZARIAN, 09 out. 2004, on-line).48
Bem como, a recomendação de uma revista literária que contou com poucos
volumes: Ácaro, idealizada por Paulo Werneck e Chico Mattoso e responsável por
publicar contos de autores contemporâneos (NAZARIAN, 02 dez. 2004, on-line).
Vale salientar que os comentários, as referências e as recomendações iam
desde nomes canônicos ou bem aceitos pela crítica, como João Gilberto Noll, Paulo
Henriques Britto, Lúcio Cardoso, Thomas Mann e Oscar Wilde, até autores pouco
conhecidos no Brasil, como Clive Barker, Matthew Stadler e JT Leroy, assim como
aqueles que acabavam de estrear, como Alexandre Plosk, Andreá del Fuego e Ana Paula
Maia. O que evidencia a constante e diversificada atividade de leitura do autor, que não
ignora a tradição da literatura universal e vai além ao deter-se em obras de estreantes ou
de nomes pouco conhecidos no cenário brasileiro daquele momento.
Além disso, Nazarian chegou a divulgar diferentes HQs, como Livro dos
mortos, de Todd Mcfarlane, 30 dias de noite, de Stive Niles e Ben Templesmith, ou
48
O livro de Clara Averbuck que integra a Coleção Rocinante é Das coisas esquecidas atrás da estante
(2003), compilação dos textos da autora já publicados no blog ou em sites da internet sobre o qual já
tratamos na primeira parte deste estudo.
115
fidelidade] (1995), de Nick Hornby, no qual o protagonista Rob, ao enfrentar uma crise
provocada pelo término de seu namoro, dedica-se a criar listas ao estilo Top 5, em sua
maioria recheadas de referências à cultura pop. Ao ser comparado com o autor inglês,
Nazarian rebate ironicamente:
E antes que o Jaspion [um amigo do autor e também blogueiro na época] volte
aqui para me chamar de Nick Hornby, digo que ele, o Nick, só foi esperto de
ganhar dinheiro com essas listas que todo adolescente sempre fez. Enfim, eu
também nunca li Nick Hornby, não posso criticar, mas nunca contaminaria
minha "LITERATURA" com essas coisas pop, haha. Pra isso servem os
blogs... (NAZARIAN, 16 nov. 2004, on-line).
Esses diversos tipos de postagens permitem que se destaque novamente uma
característica dos blogs, a saber, a ausência de um único padrão na concepção de seus
conteúdos. Como é possível notar, Nazarian não se restringiu a falar de suas experiências
pessoais ou a explorar a extimidade. Pelo contrário, na maior parte de suas postagens,
apresenta-se como um divulgador e crítico cultural, sempre disposto a compartilhar
recomendações de diferentes produtos que o tenham agradado ou gerado algum tipo de
provocação. Tais postagens ainda evidenciam o amplo e complexo universo de
referências com as quais o escritor entra em contato, ao consumir desde música clássica
até filmes trashes e pouco comerciais ou ao tratar desde clássicos da literatura até bandas
de amigos pouco conhecidas do público.
O autor também abordou em seu blog muitos outros assuntos, mesmo que
estes tenham sido objeto de um número menor de postagens. Assim, foi possível saber,
por exemplo, as suas influências literárias, uma vez que Nazarian revelou as leituras que
mais o marcaram, como é o caso de Os desastres de Sofia, da Condessa de Segür, livro
que ele leu em sua infância e considera o seu clássico infantil, ou ainda, ao ter revelada a
sua predileção por Dracula, de Bram Stoker, pois considera-o como o melhor exemplo
dos grandes livros de terror:
Há vários grandes livros de terror que são LITERATURA. Pessoalmente, eu
acho DRÄCULA do Bram Stoker, o melhor deles, não só pela repercussão que
tem até hoje, mas principalmente porque, apesar de ter uma
história/personagem muito bem conhecidos e ter sido escrito há mais de cem
anos, ainda consegue provocar medo. Lida com questões arquetípicas bem
fortes. E toda aquela primeira parte do Jonathan Harker no castelo é fantástica.
(NAZARIAN, 26 out. 2004, on-line).
Ele ainda revelou sua relação de admiração por outros nomes da literatura
brasileira, como Marcelino Freire, com quem tinha uma relação amizade e projetos em
comum, e João Gilberto Noll que, conforme declarou, era um de seus “maiores ídolos”.
117
Por outro lado, ele também revelou aqueles autores que pouco gostava, ou que pouco o
influenciaram. E ao contrário do que se esperava de um autor ligado ao gênero terror, ele
revela o seu descontentamento pessoal com as obras de escritores como Mary Shelley e
Edgar Allan Poe:
Já FRANKENSTEIN eu não gosto. Tudo bem, não posso falar que é ruim nem
nada assim, mas o livro nunca me despertou grandes emoções. E,
INFELIZMENTE, eu posso dizer o mesmo da obra do Edgar Allan Poe. Eu
me esforço bastante, tenho as obras completas dele em inglês e vários contos
em português. Também não sou louco de criticar, mas nunca me despertou
nada (NAZARIAN, 26 out. 2004, on-line).
Descontentamento semelhante o autor revelou sentir por Anne Rice, cujas
obras julga ser “um horror (no mau sentido)” (NAZARIAN, 26 out. 2004, on-line). Já em
relação a nomes como Stephen King, Caio Fernando Abreu e Clarice Lispector, Nazarian
revela admirar algumas produções e nutrir grandes ressalvas em relação a outras.
Obviamente, tais opiniões se tornam importantes tanto por contribuir com a construção
de sua figura autoral, que se mostra desde o início polemista ao ter estado sempre apto a
divulgar suas opiniões, críticas, ressalvas ou elogios quanto por revelar o amplo
conhecimento literário do escritor e sinalizar as suas influências literárias.
Como dito anteriormente, são poucas as referências ao universo íntimo do
autor, o viés intimista e o tom subjetivo, comuns à maioria dos blogs, pouco apareceram
nas postagens analisadas. As entradas sobre a intimidade do escritor se dão por meio de
comentários curtos sobre a sua rotina, seus trabalhos ou a falta deles; através desses
comentários, os seus leitores puderam ficar sabendo das atividades que o autor
desenvolvia além da escrita literária, como as de tradutor, redator e jornalista, ou ainda,
sobre suas viagens.
Um exemplo bastante claro disso são as referências ao universo dos beats,
uma vez que, como ele revelou, nos meses finais de 2004, estava trabalhando na tradução
para o português do livro When I was cool, de Sam Kashner, [Quando eu era o tal, Editora
Planeta, 2005].
Além disso, por depender economicamente desses trabalhos temporários, o
autor chegou a revelar em alguns momentos certa dificuldade financeira, como fez em
uma postagem de dezembro de 2004: “Agora estou tão pobre, tão pobre, tãaaaaaaaaaao
pobre, que nem sei se vou poder pagar o ingresso para 2005. Preciso arrumar um trabalho
urgentemente” (NAZARIAN, 14 dez. 2004, on-line). Bem como revela os momentos de
tranquilidade financeira, como lê-se em “Hum, com esse freela novo [estava trabalhando
118
como freelancer para a editora Abril] as coisas melhoraram um pouquinho. Até comprei
um pote de sorvete de doce de abóbora. Viu? Não é preciso muito para me fazer feliz.”
(NAZARIAN, 17 jan. 2005, on-line).
No ano de 2005, os trabalhos se sucederam com mais frequência. Além de
outras traduções para o português, de livros como The heart is Deceitful above all things,
de JT Leroy [Maldito coração, Geração Editorial, 2006], Pink, de Gus Van Sant [ainda
não publicado] e Fan tan, de Marlon Brando e Donald Cammell [Fan tan, Nova fronteira,
2006], Nazarian começou a trabalhar como resenhista freelancer para a Folha de S. Paulo
e traduziu as legendas de diferentes filmes. Além disso, naquele ano, ele teve a sua
primeira obra editada no exterior, A morte sem nome foi publicada pela editora Palavra
em Portugal.
Algumas experiências do passado chegaram a ser comentadas no blog, como
o fato de ter estudado finlandês em uma escola de idioma em São Paulo, até largar o curso
após uma discussão com o seu professor que o acusou de estar possuído; o episódio no
qual passou uma noite em um cemitério de Helsinque, em sua segunda passagem pela
Finlândia, pois todos os albergues que havia procurado estavam lotados; entre outras
experiências que, como já apontado, chegaram a ser divulgadas nas orelhas de seus livros,
mas que também foram compartilhadas no blog:
Quem tiver freela de redação/tradução, é só assobiar. Já trabalhei de redator
publicitário, redator de marketing direto, redator de horóscopo, roteirista de
tele-sexo (é sério!), vendedor de livraria, barman, professor de inglês e monitor
de mostra, além de fazer tradução e transcrição. Desses todos, o único que eu
não me garanto é como professor. Não tenho didática nenhuma. Tem algum
ex-aluno meu por aqui? (NAZARIAN, 08 nov. 2004, on-line)
Como observado anteriormente, desde a sua primeira publicação a divulgação
dessas experiências bastante inusitadas foi responsável por construir a imagem de um
autor distinto da expectativa que o público em geral possui dos escritores brasileiros.
Além dessas experiências inusitadas, é possível notar a exigência pela
exposição da figura autoral contemporânea, tal cobrança já se mostrava como um dos
motivadores para a criação do blog por Nazarian, no entanto ela não se limita a isso, a
presença física do escritor passa a ser requerida em eventos, lançamentos, debates, feiras
e bienais de livros, programas de TV, entre outros veículos de comunicação que propagam
a exibição do escritor. As constantes participações de Nazarian nesse tipo de evento
também revelam o seu empenho em tornar-se visível. Nas postagens analisadas, que
abrangem pouco menos de dois anos, é possível observar o autor anunciando a sua
119
Cada vez mais o escritor está percebendo que é um artista como qualquer outro,
que tem de ir onde o público está, tem de promover sua obra, vestir o
personagem. Quem está surgindo agora e se recusa a fazer isso, com certeza
desaparecerá (NAZARIAN, 02/05/2005, on-line).
49
No ano de 2005, o autor, além de divulgar em seu blog que estava vendendo o seu livro de estreia, Olívio,
aproveitou as suas aparições em eventos para vender exemplares ou dá-los como brinde para quem
comprasse o seu romance mais recente, pois, como chegou a informar no blog, ele havia recebido 300
exemplares em sua casa como forma de pagamento das dívidas dos direitos autorais que a Editora Talento
ainda possuía com ele.
50
Talk show apresentado pelo comediante Jô Soares, entre 2000 e 2016, na Rede Globo. Nazarian
participou quatro vezes do programa, a primeira delas em 2005, seguida de participações em 2006, 2009 e
2011.
120
51
Como apontado anteriormente, a foto de capa de Feriado de mim mesmo é resultado de uma performance
de body art do autor. No blog, o leitor pode conhecer os bastidores por trás da foto pois, segundo informa
Nazarian, ela foi tirada no Lord Palace Hotel, um luxuoso hotel da década de 1950 no centro de São Paulo
que, após encerrar as suas atividades no ramo hoteleiro em 2004 e, teoricamente, antes de ser demolido,
havia aberto seus quartos para instalações artísticas.
52
A adaptação para o cinema de Feriado de mim mesmo não passou da fase de capitação de recursos. Em
agosto de 2005, o próprio Nazarian comentou em uma de suas postagens a suspeita que o filme não sairia
do papel, uma vez que a diretora, Eliane Caffé havia conseguido recursos para rodar outro filme e o contato
entre eles havia se encerrado.
122
sobre o projeto em junho de 2005. Além de avisá-los que o livro já estava pronto e que já
enviara uma primeira versão para registro, ele compartilhou no blog um pequeno trecho
ainda inédito e voltou a afirmar o desejo de lançá-lo apenas no próximo ano. No mês
seguinte, ele retomou o assunto:
Meu próximo lançamento será mais um romance, que já está pronto, mas que
vou segurar um pouco. Tenho lançado um livro por ano e preciso dar um
respiro maior, para não saturar. Então fica para final de 2006, começo de
2007. Só posso adiantar que estou bem satisfeito com o resultado, e que vai
para uma direção completamente diferente dos anteriores, mas que confirma
minha tendência de namoro com as ciências biológicas (NAZARIAN, 22 jul.
2005, on-line, grifos meus).
Importa destacar a preocupação assinalada pelo autor quanto à publicação de
mais um livro. Com efeito, ela ilustra a ampliação do campo de atuação do escritor
contemporâneo, responsável não só por escrever e divulgar os seus livros, assim como a
sua figura, mas também, como é nítido no caso de Nazarian, preocupado com as
estratégias de marketing em torno da obra, incluindo a escolha do melhor momento para
um novo lançamento. Em setembro de 2005, o autor informou ter concluído de fato a
escrita de seu próximo livro, tê-lo registrado e, enfim, revela o seu título: Mastigando
Humanos53, por fim, arremata: “com certeza meu melhor livro, de longe. Mas esse vai
ficar guardado um bom tempo...” (NAZARIAN, 01 set. 2005, on-line).
Como é possível notar nos casos acima mencionados, a saber o filme baseado
em Feriado de mim mesmo e o livro Mastigando humanos, o autor utilizou o blog para
divulgar os seus projetos em andamento, o que serviu para a exposição de sua constante
atuação em diferentes tarefas. No entanto, a divulgação de um de seus projetos também
serviu para promover mais uma polêmica em torno do escritor. Em dezembro de 2004,
Nazarian anunciou que, em parceria com Marcelino Freire, estava organizando uma
antologia de contos gays. Tal como informou, a intenção era selecionar contos de
diferentes autores e épocas que explorassem essa temática. Além disso, já existia a
possibilidade de que a antologia fosse publicada pela editora Record, no segundo
semestre de 2005. No entanto, até 2007 o livro não havia sido publicado. Nesse ano, outra
antologia com o mesmo tema veio a público, organizada pelo escritor Luiz Ruffato e
editada pela Língua Geral. Tal publicação deu início a uma troca de insinuações e
acusações públicas entre os autores. Segundo revelou em seu blog, Nazarian havia
53
O quarto romance do autor, Mastigando humanos: um romance psicodélico, foi lançado em setembro de
2006.
124
comentado sobre o seu projeto com Ruffato, porém esse não teria lhe contado nada sobre
o seu:
O prestigiado escritor Luiz Ruffato lança esta semana sua antologia de contos
gays. Isso aí, mais uma, para ir esquentando enquanto a antologia que organizo
com Marcelino Freire não sai... Ficou para outubro. Fomos lentos, verdade,
Marcelino sempre ocupado com seus eventos, eu investigando a fundo o
tema... Até comentei com o Ruffato, uma vez que encontrei ele aqui perto da
Frei Caneca, sobre a antologia, já faz um bom tempo. Ele pareceu gostar da
idéia. Deve ter gostado da idéia. Será que gostou tanto da idéia, de me
encontrar aqui pela Frei Caneca e resolveu explorar mais o tema? Parece que
está dando até palestra sobre o assunto... Se eu fosse ele, deixaria crescer uma
franja. Mas estou curioso para dar uma olhada nesse livro que ele organizou,
até porque, nunca li nada dele... (NAZARIAN, 06 mar. 2007, on-line, grifos
meus).
Após as acusações publicadas nos blogs tanto de Nazarian quanto de Freire,
Ruffato veio a público, através de um e-mail muito divulgado na época, afirmar que não
se apropriou da ideia dos autores e, ainda, listou livros já publicados, entre a década de
1960 e o ano de 2006, que continham a mesma temática, incluindo antologias de contos
organizadas por escritores, como Gasparino Damatta, José Carlos Honório e Lucia Facco.
Fato é que a polêmica serviu tanto como publicidade para o volume organizado por
Ruffato, Entre nós (Língua geral, 2007), quanto inviabilizou a publicação de Freire e
Nazarian, não lançada até o momento.
Outra temática perceptível nas postagens de Nazarian são as suas reflexões
acerca do fazer literário e do momento pelo qual passava a literatura brasileira nos
primeiros anos desse século. Como deixou claro mais de uma vez, para ele, a escrita
literária é um ato de prazer que se justifica por si só. Desse modo, ele alegou possuir, até
mesmo, contos e romances que foram escritos “apenas por satisfação pessoal”
(NAZARIAN, 24 ago. 2005, on-line), os quais ele pretendia nunca lançar ou dos quais já
teria se desfeito. Uma das características do fazer literário mais exaltadas pelo autor é a
sua relação com a individualidade, o fato de ser uma arte solitária (levando-se em conta,
apenas, o momento de sua produção inicial). Daí decorreria o incômodo, manifestado
pelo autor, com a necessidade de o escritor contemporâneo também exercer a função de
“agitador cultural” ou idealizador de eventos e projetos. Nazarian citou, por exemplo, os
trabalhos de Daniel Galera, um dos idealizadores da editora Livros do mal, Marcelino
Freire, promotor de eventos, como a Balada Literária, ou mesmo Clara Averbuck, que ao
explorar as potencialidades da internet, acabou aproximando um público bastante jovem
125
da literatura, então, produzida. Contudo, ele alegou ser inábil para liderar o que definiu
como “movimentos”, restringindo-se apenas a participação em palestras e debates:
Mas eu acho esses dois trabalhos (o de escrever e de criar movimentos) tão
dispares, tão distantes um do outro. Para mim, o trabalho de escrever é algo tão
associado à individualidade, que se torna quase paradoxal esses "movimentos",
agrupamentos. Fora que essa coisa de amigos que se reúnem para trocar textos,
produzir fanzines, ai! Não, parece coisa de quem escuta Legião Urbana. Tudo
bem fazer palestras, participar de debates, todas essas coisas para divulgar seu
trabalho. Mas não dá pra transformar literatura em criação coletiva. Se é pra
formar grupos, monte uma banda de rock. (NAZARIAN, 24 fev. 2005, on-
line).
Nazarian observou que a ação desses autores, que vão além do trabalho
individual da escrita, contribuiu para que a literatura brasileira produzida naquele
momento ganhasse mais espaço. No entanto, o autor também reconheceu a diminuição
do alcance da literatura em nossa sociedade, enquanto, por outro lado, ampliou-se a
necessidade de o escritor se dividir em diferentes tarefas:
54
O projeto “Amores Expressos”, consistiu no envio de dezessete escritores nacionais para diferentes
cidades do mundo, nas quais eles deveriam passar um mês com a missão de escreverem um romance, além
de manterem um blog durante o período em que permanecessem na cidade de destino; além disso, foi
produzido um documentário sobre estadia de cada escritor e os romances poderiam ser adaptados para o
cinema. Até o momento foram publicados onze dos dezessete romances previstos, dez pela Companhia das
Letras e um pela Rocco, pois foi recusado pela editora original do projeto. Apenas o romance de Luís
Ruffato, Estive em Lisboa e lembrei de você (2009), foi adaptado para cinema em filme homônimo de 2016.
129
literários, uma vez que possui mestrado em Linguística e Letras pela PUC – RS e um
doutorado iniciado em literatura comparada pela Universidade Sorbonne Nouvelle.
Portanto, tal conclusão a que chegaram os críticos é baseada, sobretudo, em análises de
autores que rapidamente alcançaram a publicação por uma renomada editora ou que, além
da escrita literária, também fazem da literatura o seu objeto de estudo em suas carreiras
acadêmicas, o que, portanto, os insere num seleto grupo do campo literário
contemporâneo, no qual passaram a gozar de certo prestígio e relevância.
No entanto, quando se volta os olhos para escritores contemporâneos que
ainda não ocupam uma posição plenamente estabelecida e prestigiosa, como é o caso
tanto de Clara Averbuck quanto de Santiago Nazarian, pode-se apontar que o que eles
menos buscaram, principalmente no momento inaugural de suas carreiras literárias, foi
uma posição neutra ou normal.
Por um lado, é possível reconhecer, em termos de máscara, a conjugação de
conhecimentos sobre literatura com uma linguagem mais simples em parte dos discursos
produzidos por esses escritores. Um exemplo claro disso são as avaliações críticas que
Nazarian fez em seu blog de diferentes livros, indo de cânones universais a autores
estreantes e pouco divulgados. Essas avaliações foram construídas com uma linguagem
simples, aliada a ironias e à informalidade de uma conversa. Tais características ainda
podem ser observadas em suas entrevistas e aparições públicas, realizadas com o intuito
de se aproximar do seu público-leitor ou de leitores em potencial. Por outro lado, ainda
se identificam discursos que corroboram com a pose para a construção de uma figura
autoral distante da posição de neutralidade; exemplos desses discursos são as incomuns
experiências biográficas divulgadas e exploradas por Nazarian, além do aparente
interesse por relatos e registros sobre casos macabros, como assassinatos, serial killers e
fantasmas, por exemplo.
Além disso, ao se analisar a maioria das vezes nas quais se destacou o corpo,
as vestimentas e os gestos de Nazarian, não é possível identificar a busca por uma “pose
de neutralidade e normalidade” (idem, ibidem) que os críticos reconheceram em outros
autores contemporâneos. Pois, desde as fotografias inseridas nas orelhas de seus livros,
analisadas anteriormente, como naquelas que acompanharam entrevistas do escritor e
mesmo em suas aparições públicas é possível identificar não só a sua relação com a body
art, mas também a adoção de uma estética gótica traduzida na predominância de roupas
130
55
Constata-se atualmente a ampliação do uso do termo performance, aparecendo em diferentes áreas do
saber e provocando alguns desentendimentos quanto ao seu uso. Isso acontece de maneira análoga às
polêmicas em torno do termo autoficção problematizadas no primeiro capítulo.
131
No entanto, Graciano não as interpreta como autoficção ou como textos que engendram
em si algum tipo de performance. Para isso, ele lança mão do conceito-metáfora do
“gesto” pensado por Agamben. 56
Graciano define como narrativas do gesto literário aquelas que culminam na
autoexposição do autor, que passa a ser visto pelo leitor tanto como indivíduo real quanto
personagem inserido em sua obra; além do mais, tais narrativas dariam a ver os bastidores
do que é exposto na escrita, transformando, assim, a obra em um palco para a encenação
do escritor. Em suas palavras:
as narrativas do gesto literário são obras de ficção protagonizadas por
escritores-personagem que abordam, direta e indiretamente, a prática literária,
há também uma medialidade que se auto-evidencia. As narrativas são artefatos
que existem como gestos, no sentido aludido por Agamben, porque (1)
chamam a atenção para a sua intransitividade textual; ao passo que, nos termos
da pragmática para o discurso literário, (2) funcionam como macroatos de
linguagem, isto é, como discurso voltado para o outro. O paradoxo é
estimulante, pois há uma intransitividade que transita como discurso, ou
conforme a máxima de Agamben, “o gesto é, nesse sentido, comunicação de
uma comunicabilidade” (GRACIANO, 2013, p. 58).
Ainda que o crítico reconheça que as narrativas do gesto literário, assim como
os escritos autoficcionais ou performáticos, produzam um pacto de leitura ambíguo,
“usufruindo ora do prazer voyeurístico da autobiografia, ora do distanciamento ficcional
associado às promessas de transcendência da arte” (GRACIANO, 2013, p. 55), ele rejeita
56
Em seu breve ensaio “O autor como gesto” (2007), Giorgio Agamben parte da famosa conferência “O
que é um autor?”, de Foucault, para introduzir a sua noção de “gesto”. Ele aponta que a citação de Beckett
inserida no início da conferência do filósofo francês encerra em si uma contradição, pois ao afirmar “o que
importa quem fala, alguém disse, o que importa quem fala”, é inegável que alguém precisou proferir o
enunciado questionador, consequentemente, “o mesmo gesto que nega qualquer relevância à identidade do
autor afirma, no entanto, a sua irredutível necessidade” (AGAMBEN, 2007, p. 55). A partir da oposição
operada por Foucault entre o autor-indivíduo e a “função autor”, Agamben ressalta que a “função autor”,
assim como os dispositivos que a consolidam, constituem-se como processos de subjetivação. Segundo ele,
“o autor não está morto, mas pôr-se como autor significa ocupar o lugar de um morto. Existe um sujeito-
autor, e, no entanto, ele se atesta unicamente por meio dos sinais da sua ausência” (AGAMBEN, 2007, p.
58). A presença do autor na obra seria, então, marcada por sua ausência ou ilegibilidade, pois “o autor
marca o ponto em que uma vida foi jogada na obra”. Para o filósofo italiano a ideia de jogar a vida na obra
é divergente do sentido de expressá-la ou realizá-la por meio daquela. Desse modo, o autor “nada pode
fazer além de continuar, na obra, não realizado e não dito” (AGAMBEN, 2007, p. 61), pois “ele é o ilegível
que torna possível a leitura, o vazio lendário de que procedem a escritura e o discurso. O gesto do autor é
atestado na obra a que também dá vida, como uma presença incongruente e estranha” (AGAMBEN, 2007,
p. 61). Assim sendo, Agamben reafirma a centralidade do texto, ou seja, da linguagem que o constitui, para
a sua interpretação e análise, não sendo o autor concebido como aquele que detém o privilégio para a
construção de significação da obra, pois “tão ilegítima quanto a tentativa de construir a personalidade do
autor através da obra é a de tornar seu gesto a chave secreta de leitura” (AGAMBEN, 2007, p. 62) e, além
disso, para que qualquer significado seja produzido é necessário a presença do leitor, que também deve se
colocar em jogo ao ter o livro nas mãos, pois segundo Agamben, “uma subjetividade produz-se onde o ser
vivo, ao encontrar a linguagem e pondo-se nela em jogo sem reservas, exibe em um gesto a própria
irredutibilidade a ela” (AGAMBEN, 2007, p. 63).
132
o uso de termos como autoficção e performance. O que seria justificado pelo enfoque que
narrativas do gesto literário dariam à medialidade das obras, isso é no texto ficcional
encontra-se os motivos para sua escrita, os cenários de produção e, até mesmo, de sua
recepção. Além disso, esses textos não recuperariam momentos anteriores à escrita, nem
buscariam reproduzir o real, mas realizariam “imaginários pela escrita” (GRACIANO,
2013, p. 62), ao expor os bastidores da criação literária. Assim, segundo ele:
[m]esmo que as narrativas do gesto literário estejam intimamente ligadas à
performatividade autoral – entendida como metáfora – e à divulgada
autoficcionalidade, rejeitamos tanto o uso do termo performance quanto de
autoficção por entendermos que as obras não se adequam às convenções
aceitas para o reconhecimento de ambos. Por serem narrativas literárias, em
que o aspecto textual jamais é ultrapassado, e por nem sempre haver
homonímia entre autor e narrador/personagem, preferimos tratá-las pelo
conceito-metáfora de gesto literário, entendendo por gesto o enfoque na
medialidade específica da prosa romanesca (GRACIANO, 2013, p. 61)
Graciano, então, defende que as narrativas do gesto não podem ser entendidas
como autoficção, uma vez que não ocorre a homonímia entre autor e personagem-escritor.
Bem como, ao recuperar características definidoras da performance, a saber, a presença
do corpo do artista na obra e a recusa da representação, ele ressalta o predomínio, nas
narrativas literárias, de outras características, em virtude de sua imprescindível
composição textual.
Contudo, compreende-se nesta dissertação a pertinência do conceito de
performance para a análise de uma parte dos textos literários produzidos no presente, bem
como das atuações públicas dos autores analisados. Para além do exposto anteriormente57,
entende-se que interpretar como performance aquelas narrativas responsáveis pelo
“retorno do autor” à cena contemporânea permite entrever o caráter teatralizado ou
dramatizado pelo qual se constrói figuras autorais tanto textualmente quanto fora da obra.
Importa destacar, ainda, que a utilização do conceito de performance não
significa, necessariamente, negar o conceito de “gesto literário”, mas torna-se pertinente
ao analisarmos as produções de autores que, assim como Averbuck e Nazarian, valeram-
se da ampliação do espaço biográfico no cenário contemporâneo, tal como pensado por
Arfuch, para a construção de suas figuras autorais. E, consequentemente, produziram
escritas de si que se desenvolvem dentro do texto ficcional, mas também fora dele: em
suas exibições on-line, em festas ou lançamentos de livros, em palestras aulas e
57
Ver o subcapítulo: 1.5. Do real ao ficcional: a autoficção como performance.
133
entrevistas, nas quais se vislumbra o corpo, a voz, as vestimentas entre outros elementos
responsáveis pela construção daquela figura.
É necessário agora, não só defender a acepção do termo em sentido mais
amplo, mas também reafirmar a ideia de que as narrativas que possibilitam a identificação
entre autor-personagem e personagem-escritor corroboram com o caráter performático de
um significativo número dos textos literários do presente.
Jorge Glusberg (2013) ao traçar a sua genealogia da arte da performance,
apontou que o uso do corpo como instrumento para a produção de um determinado ritual
não é algo novo, mas remonta aos tempos antigos, perpassando rituais tribais, medievais
e ainda os espetáculos organizados por Leonardo da Vinci no século XV ou por Giovanni
Bernini no XVII, o que constituiriam, segundo ele, uma pré-história do gênero. No
entanto, para ele, seriam nas intervenções dos movimentos de Vanguarda do início do
século XX, como o Futurismo, o Dadaísmo e o Surrealismo, que a arte da performance
encontraria a sua influência mais recente e decisiva, compartilhando com eles diferentes
pontos de contato ao emergir como “um gênero artístico independente a partir do início
dos anos setenta” (GLUSBERG, 2013, p. 12). Além disso, manifestações artísticas como
o happening e a body art integrariam a história da performance, entendida como arte
fundamentada na centralidade do corpo em investigações produzidas por diferentes
artistas a partir dos anos 1970.
Richard Schechner (2003), ao tentar responder a complexa questão: “o que é
performance?”, observa que o termo performance é utilizado não apenas no âmbito
artístico, mas também em diversas áreas, como os negócios, os esportes e até mesmo o
sexo, para indicar que o indivíduo teve um bom desempenho. Além disso, segundo o
crítico, a vida cotidiana, neste século XXI, tem sido contaminada pelo performar, no
sentido de que ela tem cada vez mais se aproximado da encenação, de modo que “as
pessoas têm vivido, como nunca antes, através da performance” (SCHECHNER, 2003,
p. 25).
Ele, então, defende que as performances são “comportamentos restaurados”,
ou seja, comportamentos acionados, tanto na arte quanto na vida cotidiana, e
caracterizados como repetidos, treinados ou ensaiados: “Performances artísticas, rituais
ou cotidianas – são todas feitas de comportamentos duplamente exercidos,
comportamentos restaurados, ações performadas que as pessoas treinam para
134
desempenhar, que têm de repetir e ensaiar” (SCHECHNER, 2003, p. 27, grifos meus).
Contudo, observa o crítico, praticamente todas as ações humanas seriam
“comportamentos restaurados”, uma vez que elas consistiriam em recombinações de
comportamentos previamente exercidos, ou apre(e)ndidos, tanto que os períodos da
infância e da adolescência seriam momentos privilegiados para o ensaio desses
comportamentos. Portanto, é preciso assinalar as performances como comportamentos
duplamente restaurados e, além disso, “são comportamentos marcados, emoldurados ou
acentuados, separados do simples viver” (SCHECHNER, 2003, p. 34).
Schechner, então, distingue dois tipos de performances, a saber, aquelas que
“fazem crença” e aquelas que “fazem crer”. As primeiras seriam aquelas responsáveis
por criar “a própria a realidade social que é encenada” (SCHECHNER, 2003, p. 42),
estando assim ligadas aos comportamentos da vida cotidiana, como desempenhar papéis
profissionais, sociais, relacionados ao gênero ou raça, responsáveis por modelar as
identidades. Enquanto as performances que fazem crer tenderiam a deixar evidente a
distinção entre o que é real e o que é faz-de-conta, o crítico cita como exemplo desse
segundo tipo as brincadeiras infantis, nas quais crianças fazem de conta que são médicos,
ou representações artísticas como o teatro e o cinema.
Seria sobre esse segundo tipo de performance que, segundo Schechner, as
vanguardas, a mídia e a internet teriam agido, sabotando os limites entre o que é real e o
que não é. Essas produções artísticas e culturais teriam transformado aquele segundo tipo
de performance no primeiro, fazendo com que encenações artísticas sejam recebidas
como ligadas ao real. Portanto, neste início de século XXI, as distinções entre “ser
performance” e “como se fosse performance” estariam desaparecendo, uma vez que
[i]nternet, globalização, e a sempre crescente presença da mídia afetam o
comportamento humano em todos os níveis. Mais e mais pessoas
experimentam suas vidas como sequências de performances conectadas:
vestir-se para uma festa, ser entrevistado para um emprego, brincar como
papéis masculinos e femininos e com a própria orientação sexual, viver papéis
da vida pessoal como os de mãe e filho, ou da vida profissional, como os de
médico ou professor. Este senso de que a performance está em todo lugar é
enfatizado pelo ambiente cada vez mais midiatizado em que vivemos
(SCHECHNER, 2003, p. 49)
Assim, pode-se inferir que as performances desempenhadas pelos autores
contemporâneos em uma sociedade extremamente midiatizada podem, nos termos de
Schechner e de acordo com a recepção, ser recebidas como performances que fazem
crença em lugar daquelas que fazem crer, uma vez que os limites entre elas estão cada
135
importância, uma vez que o conceito de performance se revela útil para pensar a produção
contemporânea perpassada por hibridismos e contaminada pelo viés biográfico em
virtude da ampla atuação e exposição de figuras autorais como aquelas analisadas nesse
estudo.
137
58
Além dos autores aqui analisados, integrariam o grupo dos “00” nomes como Daniel Galera, Joca Reiners
Terron, João Paulo Cuenca, Cecília Gianetti, Ana Paula Maia, Andréa del Fuego, Paulo Scott, Veronica
Stigger, Michel Laub, Carola Saavedra e Paloma Vidal, entre outros.
138
identifique, como se faz nesse estudo, tendências em comum compartilhadas por aqueles
que formariam esse grupo livre das imposições de uma geração ou movimento literário.
A princípio, uma primeira distinção, que merece ser destacada, evidencia-se
na produção literária dos autores. Nas obras analisadas de Averbuck constata-se a
exploração da subjetividade feminina deste início de século XXI, já que Camila
Chirivino, a narradora-protagonista dos romances Máquina de pinball e Vida de gato, é
marcada pela a maioria das conquistas do movimento feminista ao longo do século XX.
Em tom confessional, a narradora deixa entrever as angústias, os anseios, as conquistas,
a força e a fragilidade de uma jovem mulher radicada em uma megalópole como São
Paulo e consciente de que, como mulher, ainda tem muito espaço a conquistar; tendo
ainda o desejo de se tornar uma escritora com livros publicados, como pano de fundo para
as suas aventuras e enrascadas. Como já assinalado anteriormente, toda essa temática
contém um forte viés autobiográfico, sendo possível reconhecer, nos romances
anteriormente mencionados, dados e episódios autobiográficos, os quais a escritora
tornou público tanto através de seu blog quanto em entrevistas ou aparições públicas.
Formalmente, os capítulos curtos, narrados linearmente em primeira pessoa, fazem
lembrar, principalmente em Máquina de Pinball, a escrita de diários íntimos; a linguagem
coloquial e “suja”, contendo gírias e palavrões em voga naquele período, também tende
a ser uma constante.
Já Nazarian busca dar conta de tramas mais complexas, com narrativas bem
construídas, enredos e personagens bem elaborados. Ele explora os mecanismos da escrita
ficcional e afasta-se do viés confessional. Como destacado anteriormente, chama atenção
na prosa do autor a recorrência de temas e elementos da literatura fantástica, sendo um
dos poucos responsáveis pela atualização do fantástico no cenário contemporâneo da
literatura brasileira. Aliada a esta recorrência, também é evidente em suas narrativas a
influência tanto do cinema quanto da literatura de horror, traduzida em episódios bizarros,
nos quais suas personagens acabam se envolvendo. Entre os temas presentes em sua obra,
a morte tem papel de destaque; envolta em uma série de acontecimentos inexplicáveis,
ela permeia as primeiras narrativas de Nazarian através dos episódios de suicídio
presentes em seus dois primeiros livros e do homicídio em Feriado de mim mesmo.
São também divergentes as estratégias utilizadas pelos autores para as suas
respectivas inserções no campo literário contemporâneo. De um lado, Averbuck se torna
139
expoente do grupo de escritores que se utilizaram da internet para promover tanto as suas
narrativas quanto a sua figura autoral. Como analisado no primeiro capítulo desse estudo,
a intrínseca relação da autora com diferentes veículos on-line – como o e-zine, o site
Dexedrina e especialmente o blog Brazileira!Preta – alavancou a sua carreira e resultou
ainda na publicação de Das coisas esquecidas atrás da estante, a primeira coletânea de
textos procedentes de um blog no formato livro da literatura brasileira. Na época, ela
chegou a defender a ideia de que o blog era só mais um meio de publicação, o que,
portanto, justificaria a transposição de suas postagens para uma antologia:
Coletânea de um bloooog?
Sim, amiguinhos, coletânea de um blog.
Existem livros de contos. De poesia. De crônicas. Por que não uma coletânea
de textos publicados em um blog? Afinal, como eu estou cansada de dizer mas
continuo repetindo porque nunca param de perguntar, blog é apenas um meio
de publicação para o que quer que o autor, dono e soberano do blog, queira
escrever. Receita de bolo, resenha de disco, resmungos malamados, [sic]
histórias, realidades, mentiras. No caso do meu livro, só não tem receita de
bolo. Um livro, uma coletânea de um blog, que é apenas um meio de
publicação para que os escritores não precisem de intermediários entre ele e os
leitores. Não existe literatura de blog, só blog como meio de publicação para
escritores e seus textos. Que podem perfeitamente ser publicados também em
livro. (AVERBUCK, 10 set. 2003, on-line).
Como já salientado, suas outras obras também mantinham uma importante
ligação com os seus blogs. Assim, em seus dois primeiros romances, trechos e episódios
relatados no blog foram incorporados às obras publicadas.59 Mais recentemente, em
Cidade Grande no escuro (2012), Averbuck repete a fórmula, reunindo nele textos
publicados em jornais, revista e principalmente na internet, em blogs mantidos após o
encerramento de Brazileira!Preta, como o Adiós longe, escrito entre 2006 e 2009 e o
Clara Averbuck, mantido de 2009 a 2014.
Nazarian, por sua vez, valeu-se de um concurso literário para alcançar a sua
primeira publicação. O autor foi um dos vencedores do Prêmio Fundação Conrado Wessel
de Literatura em 2002, ao lado de Maria Filomena Bouissou Lepecki e Noêmia Sartori
Ponzeto.60 Nessa primeira edição, os autores inéditos agraciados com o prêmio tinham o
livro inscrito no concurso publicado pela editora Talento. Nos anos posteriores o prêmio
passou a ser uma quantia em dinheiro, além de um troféu, concedidos a escritores já
célebres, como Lya Luft e Ferreira Gullar, pelo reconhecimento de seu trabalho; em 2006,
59
Ver subitem 1.3. Do virtual ao literário – percursos e procedimentos de escrita.
60
Ao contrário de Nazarian que acabou se consolidando no cenário literário, as outras duas ganhadoras só
publicaram até o momento o livro contemplado pelo prêmio, sendo eles: Cunhatai - Um Romance da
Guerra do Paraguai, de Lepecki, e Sonhos de Galinheiro, de Ponzeto.
140
o prêmio foi concedido a Ruth Rocha, sendo essa a última edição da categoria literatura.61
Segundo relato posterior de Nazarian, o seu livro de estreia, que fora escrito em três
meses, já tinha sido concluído cerca de dois anos antes de sua inscrição no concurso
literário.62
Vale ressaltar ainda que, naquele momento, os concursos literários voltados
para novos escritores estavam em voga no cenário literário brasileiro. Tanto que um ano
após a instituição do Prêmio Fundação Conrado Wessel de Literatura, ocorria a primeira
edição do Prêmio Sesc de Literatura, um dos poucos ainda existente, e que acabou se
consolidando como meio para a divulgação de autores inéditos; tendo, ao longo desses
quinze anos, revelado nomes como André de Leones e Luisa Geisler.
Após a boa recepção de seu primeiro livro, Nazarian se tornou um escritor
bastante atuante naqueles primeiros anos do novo milênio. A participação no projeto
editorial Parati para mim, da editora Planeta, que buscava reunir talentosos e promissores
escritores da nova geração, assim como a célere publicação de suas obras posteriores (em
2004 e 2005) por aquela editora sinalizam a predisposição do escritor em busca da
afirmação de seu nome na cena literária do período. Nessa tentativa, ele ainda pôde se
beneficiar das participações em eventos, palestras, feiras literárias e programas de TV.
Desde a sua estreia e principalmente nos primeiros anos de sua carreira, aqui
analisados, foi possível notar que o escritor buscou construir uma figura autoral marcada
pela polêmica e excentricidade, bem como, por uma pretensa distinção em relação a
outros escritores da literatura brasileira recente. Para isso, ele se valeu da exploração de
suas experiências biográficas inusitadas, da elaboração quase teatral que envolvia suas
aparições públicas, assim como da divulgação de fotografias que registravam algum tipo
de body art e compunham seus livros ou circulavam na internet.
A internet serviu ainda como um veículo para a atuação pública de Nazarian.
O que aconteceu a partir da criação de seu blog Jardim Bizarro em 2004 e do uso das
principais redes sociais em voga no país. Como destacado no segundo capítulo, ao se
61
O prêmio ainda possuiu edições em categorias como cultura, ensaio fotográfico, fotografia publicitária,
ciência e medicina.
62
Sobre o início da carreira, ele relatou em seu blog: “tenho 27 anos, 3 livros publicados e não passei pele
maratona de bater em porta de editora. Não me esqueço de quantos romances escrevi apenas por prazer (e
depois os joguei fora). Não me esqueço que escrevi "A Morte Sem Nome", depois "Olívio", sem pretensões
de publicar, e os deixei quietinhos na gaveta por dois anos, até experimentar me inscrever no Prêmio
Fundação Conrado Wessel.” (NAZARIAN, 24 fev. 2005, on-line).
141
utilizar do blog como uma ferramenta que o aproximasse de seus leitores (ou leitores em
potencial), Nazarian não se restringiu a divulgação de sua extimidade (prática bastante
comum na era dos blogs e redes sociais), mas procurou fazer do blog um veículo no qual
pudesse divulgar a sua opinião, problematizar questões em destaque no momento, indicar
objetos culturais, divulgar a sua obra ou informar sobre o processo de escrita e publicação
de novos livros.
Também foi possível constatar a adesão do autor, desde o início da sua
carreira, a atividades profissionais ligadas à literatura. Desse modo, além da publicação
de seus textos, Nazarian tem exercido a função de tradutor e resenhista, ocupações as
quais se dedica ainda hoje.
Destarte, pode-se assinalar como a internet acabou sendo utilizada de
maneiras distintas por esses escritores. No caso de Averbuck, a internet foi utilizada como
vitrine de sua persona e de seus textos, o que possibilitou a publicação de seu primeiro
livro por uma editora. Além disso, foi possível notar, nos diferentes blogs que ela escreveu
entre 2001 e 2014, a recorrência com a qual a escritora divulgou a sua extimidade em
textos bastantes passionais e que abordavam suas vivências cotidianas e emoções
dispares. Enquanto Nazarian só passou a utilizar o blog após a sua estreia na literatura,
como uma ferramenta que o aproximasse de seu público-leitor. Além disso, o uso do blog
do autor se mostra como algo pensando e planejado a fim de atingir o seu objetivo. Dessa
forma, na sua página virtual é possível saber mais sobre o universo (bastante particular)
de referências que o cercam, conhecer suas opiniões, acompanhar a sua carreira e até
mesmo as suas viagens e experiências inusitadas. Porém, o leitor-internauta pouco teve
acesso, ao longo dos últimos quatorze anos, às experiências diárias vividas por ele, nota-
se que há uma esfera íntima que não foi exposta abruptamente, pois no seu caso o blog
aproxima-se mais da crônica do que do diário.
Quanto à construção de suas figuras autorais foi possível notar que Clara
Averbuck e Santiago Nazarian utilizaram-se, de maneiras distintas, de toda exposição que
cerca os escritores contemporâneos; a princípio obtiveram resultados semelhantes, a
saber, despertaram o interesse não só por suas figuras, mas também por suas obras,
conquistaram leituras para essas e ainda se tornaram escritores com destaque nacional na
primeira década desse século. Contudo, as maneiras diversas como os escritores se
valeram da autoexposição no início de suas carreiras influenciaram também nas posições
142
que atualmente, quinze anos após as suas respectivas estreias, eles ocupam no cenário
literário brasileiro.
Como visto no primeiro capítulo, a construção da figura autoral de Averbuck
é indissociável de sua atuação nos ambientes virtuais. A partir disso, a exploração e
divulgação da extimidade da escritora contribuiu não apenas para alavancar a sua carreira,
como também a aproximou de seu público-leitor, provocando nesse último a falsa ideia
de que tudo o que era divulgado nos seus blogs pudesse corresponder à realidade vivida
por ela. Esse descompasso entre o que os leitores-internautas buscavam ao acessar a
página virtual da escritora e o que ela pretendia expor naquele veículo, ou até mesmo em
seus textos literários, parece percorrer a carreira de Averbuck desde antes do lançamento
de seu primeiro livro. Desse modo, em um texto que focaliza justamente os problemas
que os leitores do blog lhe trouxeram, Averbuck afirma:
Parece também difícil para alguns leitores separar o autor do personagem que
ele automaticamente se torna quando expõe parte de sua vida. O leitor de blog
tende a achar que sabe tudo sobre o autor e que tem o direito de responder com
a mesma intimidade que sente quando lê. Sempre achei curiosas as reações
exacerbadas de amor, ódio ou repulsa que ouvia sobre o brazileira!preta.
Afinal, era uma página que precisava ser acessada por livre e espontânea
vontade, um espaço público, mas meu, o que é diferente de abrir uma revista
ou jornal e encontrar algo que não seja do seu gosto. (AVERBUCK, 2008).
O sucesso do blog Brazileira!Preta alimentou tanto o destaque obtido pela
então jovem escritora quanto a confusão entre ficção e realidade por parte de seus leitores.
Acresce-se, ainda, a sobreposição entre gêneros ficcionais e não-ficcionais, borrando as
suas fronteiras e permitindo que se insira seus primeiros romances no domínio da
autoficção. Sobre a indistinção dos limites entre ficção e realidade, Averbuck chegou a
afirmar em entrevista a Ramon Mello:
Sou eu. [...] Sou eu e é uma ficção. A partir do momento que está escrito não
interessa se é verdade ou não. As pessoas se preocupam muito com isso.
Aconteceu ou não? As pessoas sabem o que eu deixo elas saberem. Eu só quero
escrever e que não me incomodem muito. Elas deviam ler e não se importar
tanto. (AVERBUCK, s.d., on-line)
A sua resposta, além de confirmar o que a escritora defendeu diversas vezes,
a saber, que a sua vida é matéria-prima para as suas obras e que, no entanto, a partir do
momento em que foi escrito se transformaria em ficção, não cabendo ao leitor o papel de
duvidar ou questionar se foi inventado ou não, serve ainda para reforçar a evidente
tentativa de controle sobre a recepção de sua obra. Isso revela um apego à tradicional
autoridade do autor, como se ainda coubesse à escritora determinar ou orientar a maneira
143
como o seu público-leitor deveria ler e interpretar o seu texto, o que, no entanto, não se
mostra de todo possível, uma vez que tal autoridade, como se sabe, foi bastante
problematizada e desconstruída desde as teorias sobre a morte do autor.
Fato é que todos esses recursos contribuíram para a construção de uma figura
autoral polêmica, sempre eloquente e disposta a escrever ou falar sobre tudo, inclusive
sobre questões pessoais e a princípio íntimas, mas que a escritora não se preocupou em
manter na esfera privada, como as dificuldades enfrentadas nos seus primeiros anos em
São Paulo ou as suas paixões e envolvimentos afetivos. Muito em virtude disso a sua
produção literária, marcada por traços autobiográficos e confessionais, foi relacionada ao
“umbiguismo” contemporâneo de só falar de si mesma, ocupando assim um lugar ainda
à margem, se comparada a outras produções literárias melhor aceitas pelo crivo literário.
Tanto que, ainda hoje, a escritora não chegou a ser publicada por uma grande editora e
nenhuma de suas obras foi lançada no exterior, além disso, elas ficaram durantes alguns
anos fora do mercado brasileiro, até serem relançadas pela 7Letras em 2012. Assim sendo,
a sua obra enfrenta a falta de reconhecimento da crítica, que se não questiona o seu status
de literatura “séria”, ignora as suas produções literárias, o que fica evidente pelo escasso
número de teses, ensaios e artigos sobre ela, até mesmo em coletâneas que têm como
recorte a literatura brasileira contemporânea.63
Olhando para a história literária recente, é possível destacar que Averbuck se
construiu a partir da atualização de figuras autorais comuns à geração beat e à poesia
marginal da década de 1970. Do movimento norte-americano, Averbuck herdou o estilo
visceral, a criatividade espontânea e a exploração de uma linguagem informal; e, assim
como os poetas brasileiros, ela sempre demonstrou estar disposta a escrever e
“compartilhar” os seus textos a partir dos recursos que tinha em mãos. No entanto, ao
fazer isso na era da internet, deparou-se com uma exposição avassaladora de sua persona
e grande interesse em torno de sua figura.
Por sua vez, Nazarian, como visto no segundo capítulo, também soube
explorar experiências que contradizem as expectativas que o público-leitor brasileiro
costuma ter da imagem do escritor. Ele construiu visualmente a imagem de enfant terrible
da literatura brasileira, a partir da divulgação de sua persona: um jovem escritor de
63
Entre os volumes sobre a literatura contemporânea consultados, a autora não tem nenhum de seus livros
analisados, sendo apenas mencionada em poucos parágrafos das introduções feitas por Resende (2008) e
Schollhammer (2009).
144
aparência juvenil, normalmente trajado seguindo a estética gótica, que revestia cada uma
de suas aparições tanto em fotos quanto ao vivo com ares de encenação teatral. O que
contribuiu para a construção da figura autoral marcada pela excentricidade. Os temas
abordados pelo autor em seus livros – a morte, o suicídio, a solidão –, assim como a
evidente filiação a uma estética do terror e do suspense, aliados a elementos do gênero
fantástico, também subsidiaram uma certa distinção de Nazarian no cenário literário
brasileiro recente.
Outro instrumento que serviu não só para a construção das figuras autorais
desses dois escritores, assim como de muitos outros, foram as diversas entrevistas
concedidas por ele, em jornais, revistas, sites ou programas de televisão, que se
converteram em importantes espaços para que os autores performassem suas figuras
autorais. Atuando a partir de uma concepção mercadológica, que visava promover o
interesse pelos seus livros por meio da divulgação de suas personas, Averbuck e Nazarian
acabaram se transformando em figuras extremamente midiáticas,64 sempre envoltas em
polêmicas e com opiniões contundentes a serem dadas. Assim, não foi à toa o interesse e
a curiosidade despertados por suas figuras autorais, o que poderia conduzir
posteriormente ao interesse por suas obras.
Segundo Arfuch (2010), as transformações midiáticas e tecnológicas
estenderam as funções e características dos gêneros biográficos canônicos para novos
gêneros, como as entrevistas, que passaram a integrar o “espaço biográfico/tecnológico
contemporâneo” (ARFUCH, 2010, p. 169, grifo da autora). Se a princípio as entrevistas
serviam para o conhecimento de pessoas e personalidades ilustres e suas histórias de vida,
recentemente elas se desenvolvem segundo o “efeito de celebridade”, transformando-se
assim em “ritual obrigatório de consagração de todo tipo de figuras” (ARFUCH, 2010, p.
153), alimentando a curiosidade pública sobre os mais diversos personagens.
Ainda segundo a crítica, apesar dessas transformações, a entrevista mantém
alguns traços responsáveis pelo seu sucesso inicial. Entre eles, destacam-se:
a ilusão de pertencimento, a imediaticidade do sujeito em sua corporeidade,
mesmo na distância da palavra gráfica, a vibração de uma réplica marcada pela
afetividade (a surpresa, a ira, o entusiasmo), o acesso à vivência mesmo quando
não se fala da vida (ARFUCH, 2010, p. 154).
64
As aparições em eventos, feiras, simpósios e debates literários também endossaram essa configuração de
figuras autorais midiáticas e polêmicas.
145
seus próprios clássicos. Além disso, questões e respostas extremamente pessoais vieram
a público, tendo sido assim abordadas a infância da escritora, a relação com os seus pais,
a desistência de dois cursos universitários, a sua desorganização e falta de pontualidade,
entre outros tópicos. Desse modo, pode-se observar, a partir desse exemplo, como se
opera aquele deslizamento apontado por Arfuch, pois por mais que a publicação de seus
livros e o início da sua carreira literária tenham impulsionado o convite para a entrevista,
ela não fica restrita à dimensão profissional da vida da escritora. Assim, em diferentes
momentos, foram solicitadas entradas nos ditos momentos biográficos, trazendo a público
lembranças ou passagens da esfera íntima e alimentando um interesse típico deste período
pelo privado, o biográfico, a vida daqueles que aparecem como personagens.
Entre as muitas entrevistas concedidas por Santiago Nazarian, algumas delas
citadas anteriormente nesse estudo, uma em especial merece destaque: aquela dada a Jô
Soares, no já extinto Programa do Jô, da Rede Globo, em 2005, quando Nazarian se
dedicava à divulgação do seu terceiro romance, Feriado de mim mesmo. Por mais que a
entrevista tenha perpassado os enredos dos três livros publicados pelo escritor até então,
é notória a ênfase às experiências vividas por ele. Assim, tornaram-se tópicos da conversa
assuntos como os pensamentos suicidas de Nazarian, a prática de body art (fotografada
para a capa do livro que ele estava divulgando), as experiências profissionais como
redator de disk sexo e horóscopo, bem como as de barman e suas viagens e intercâmbios
para fora do país. De modo geral, a entrevista visava esmiuçar as vivências pessoais do
escritor, evidenciando diversos momentos biográficos. Ao final dela, o entrevistador
exaltou a riqueza de experiências de Nazarian, apesar da pouca idade (28 anos na época),
de forma que o espectador pudesse se interessar por aquela persona ali exposta. Fato é
que ela se tornou um importante elemento para a construção da figural autoral de
Nazarian, tanto que ele próprio chegou a considerá-la um ponto importante em sua
carreira, segundo afirmou em 2016, ano de encerramento do programa:
Essa primeira entrevista, talvez por eu ser novidade, talvez por ser um belo
jovem varão, talvez pelo programa estar mais em alta na época, foi um
verdadeiro divisor de águas para mim. No dia seguinte eu estava recebendo
ligações, convites e xingamentos. Na série de reprises do programa que a
Globo exibia no ano seguinte, fui a primeira entrevista reprisada.
(NAZARIAN, 16 dez. 2016, on-line).
O escritor ainda voltaria ao programa três vezes: em 2006, 2009 e 2011. Nessa
última entrevista, no momento em que Nazarian estava lançando seu primeiro livro de
contos, Pornofantasma, o sexto de sua carreira, o entrevistador retoma todos os principais
147
65
Entre os estudos encontrados pode-se destacar as dissertações: Conteúdos culturais na cibercultura: um
estudo do processo de convergência midiática da obra de Clarah Averbuck (2011), de Renata Gonçalves;
Clara Averbuck: a escrita entre o diário e o confessionário (2013), de Sheyla de Souza Bitencourt; A morte
sem nome: pulsão, memória e repetição no romance de Santiago Nazarian (2011), de Wellington Furtado
Ramos; When the glass slips: building bridges to transmodern identity in the novels of Santiago Nazarian
and Chico Buarque (2011), de Christopher T. Lewis; Autofagia do fictício: desdobramento do narrador e
do narratário pelo controle do imaginário em Mastigando Humanos, de Santiago Nazarian (2015), de
Rodrigo Lopes da Fonte Ferreira; O herói da cultura pop (2015), de Gabriela Lopes Vasconcellos de
Andrade; Enganando a audiência e a consciência em um jogo de espelhos: a fragmentação da estética
contemporaníssima de Santiago Nazarian em Feriado de mim mesmo (2015), de Rayssa Duarte Marques
Cabral; e O fantástico do século XIX em Feriado de mim mesmo, de Santiago Nazarian (2017), de Márcio
Henrique de Almeida Soares.
66
É válido ressaltar que o fato de serem autores ainda atuantes e a falta de distanciamento temporal servem
como impedimentos para delimitar de forma contundente quais desses escritores desfrutam(rão) da
consolidação efetiva de seus nomes dentro da história da literatura brasileira, uma vez que ao se analisar
algo ainda em desenvolvimento é impossível prever os próximos desdobramentos para a carreira desses
escritores ou para a literatura brasileira.
149
Considerações finais
em virtude da alteração da expectativa do leitor que passou a buscar também nos textos
literários a presença ou as características do autor sempre tão exposto e acessível.
Não por acaso, viu-se, nos últimos anos, a emergência da autoficção na
literatura brasileira. Assim, a partir desse estudo é possível apontar a recorrência dos
textos autoficcionais como evidência da ampliação do “espaço biográfico” e da mudança
no horizonte de expectativa do leitor, mencionadas anteriormente. Assim como, segundo
ressaltou Klinger (2012), esses textos servem para problematizar noções como verdade,
sujeito e realidade, uma vez que se localizam em uma zona ambígua em que real e
ficcional se tornam indistinguíveis; sendo o uso da autoficção entendido como mais um
elemento da performance do(a) escritor(a), já que ela tem como referente não o sujeito
biográfico, mas uma figura autoral marcada pela autoconstrução, em alguns casos tão
bem elaborada como uma personagem do contexto ficcional.
Contudo, apesar do aumento de trabalhos acadêmicos (artigos, dissertações,
teses) acerca das autoficções e do incremento desse tipo de publicação, foi possível
constatar que os textos lidos como autoficcionais ainda promovem algumas tensões no
cenário literário atual, visto que desestabilizam a expectativa do público-leitor que, a
partir de uma leitura ingênua, passa a ignorar o estatuto ficcional dessas produções e a
buscar nelas o que seria da ordem do real.
Ademais, parte da crítica literária ainda renega as qualidades que podem ser
encontradas nesse tipo de texto, entendendo-os apenas como sintoma do narcisismo que
envolve a sociedade atual, se tornando um dos responsáveis pelo esvaziamento da
literatura na contemporaneidade.
Em síntese, objetivou-se com essa dissertação corroborar com outra parte da
crítica que entende a autoficção como uma nova forma para o romance, que exige uma
expansão do conceito de literário, a fim de abarcar também aquelas narrativas que tornam
ambígua as fronteiras entre ficção e não-ficção.
153
Referências bibliográficas
Referências literárias
AVERBUCK, Clara. Máquina de pinball. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2002.
__________. Das coisas esquecidas atrás da estante. Rio de Janeiro: 7Letras, 2003.
__________. Vida de Gato. Rio de Janeiro: 7Letras, 2004.
__________. Cidade grande no escuro. Rio de Janeiro: 7Letras, 2012.
__________. Eu quero ser eu. Rio de Janeiro: 7Letras, 2013.
__________. Toureando o diabo. São Paulo: Clara Averbuck Lincoln, 2015.
MATTOSO, Chico. CUENCA, João Paulo. Nazarian, Santiago. Parati para mim. São
Paulo: Planeta do Brasil, 2003.
NAZARIAN, Santiago Olívio. São Paulo: Talento 2003.
__________. A morte sem nome. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2004.
__________. Feriado de mim mesmo. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2005.
__________. Mastigando humanos: um romance psicodélico. Rio de Janeiro: Nova
fronteira, 2006.
__________. O prédio, o tédio e o menino cego. Rio de Janeiro: Record, 2009.
__________. Pornofantasma. Rio de Janeiro: Record, 2011.
__________. Garotos malditos. Rio de Janeiro: Galera Record, 2012.
__________. Biofobia. Rio de Janeiro: Record, 2014.
__________. Neve negra. São Paulo: Companhia das letras, 2017.
OLIVEIRA, Nelson (Org.). Geração Zero Zero. Rio de Janeiro: Língua geral, 2011.
Referências teóricas
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Nicastro Honesko. Ouro Preto. n.4. 2008, p. 9-14.
________________. “O autor como gesto”. In: Profanações. Tradução: Selvino José
Assmann. São Paulo: Boitempo, 2007.
AGUILAR, Gonzalo; CÁMARA, Mario. A máquina performática: a literatura no
campo experimental. Tradução: Gênese Andrade. Rio de Janeiro: Rocco, 2017.
ANDRADE, Gabriela Lopes Vasconcellos. O “herói” da cultura pop. 2015. 123 f.
Dissertação (mestrado). Instituto de Letras, Universidade Federal da Bahia, Salvador,
2015.
ARFUCH, Leonor. O espaço biográfico: dilemas da subjetividade contemporânea.
Tradução: Paloma Vidal. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2010.
154
Blogs
AVERBUCK, Clara. Brazileira!Preta. São Paulo, 2001 – 2003. Disponível em:
<http://brazileirapreta.blogspot.com.br>. Acesso em: 10 dez. 2017.
________________. Adios lounge. São Paulo, 2006 – 2009. Disponível em:
<http://adioslounge.blogspot.com/>. Acesso em: 18 out. 2018.
________________. Clara Averbuck. São Paulo, 2009 – 2014. Disponível em:
<www.claraaverbuck.com.br> . Acesso em: 18 out. 2018.
________________. Blog Clara Averbuck. São Paulo, 2018 – 2019. Disponível em:
<https://claraaverbuck.blogosfera.uol.com.br/>. Acesso em: 02 jan. 2019.
NAZARIAN, Santiago. Jardim bizarro. São Paulo, 2004 – 2019. Disponível em:
<http://www.santiagonazarian.blogspot.com.br>. Acesso: 02 jan. 2019.
Entrevistas
AVERBUCK, Clara. “Clarah Averbuck”. Revista TPM. 27 nov. 2012. Entrevista
concedida a Layse Moraes. Disponível em: <http://revistatpm.uol.com.br/so-no-
site/entrevistas/clara-averbuck.html>. Acesso em: 20 nov. 2017.
________________. “Ramon Mello entrevista Clara Averbuck”. Z cultural. s. d.
Entrevista concedida a Ramon Mello. Disponível em:
<http://revistazcultural.pacc.ufrj.br/ramon-mello-entrevista-clara-averbuck/>. Acesso
em: 30 mar. 2017.
________________. Provocações com Clara Averbuck: Parte 1. [2004] Entrevistador:
Antônio Abujamra. São Paulo: TV Cultura, [2004]. 13 min. Entrevista concedida ao
158
Outras referências
AQUINO, Marçal. “Para Nazarian, livro não é diversão”. Folha de S. Paulo. 09 abr.
2005. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq0904200518.htm>.
Acesso em: 25 mar. 2018.
AVERBUCK, Clarah. “O inferno são os outros (ou como os leitores de blogs podem tirar
o sossego de um escritor-internauta)”. Revista Bravo!, jul. 2008. Disponível:
<http://www.carranca.com.br/bravo/cinema_blogclara.shtml>. Acesso: 27 jul. 2017.
CARVALHO, Bernardo. “Os debutantes”. Revista Trip. São Paulo: Trip editora, n. 25,
set. 2003, p. 93.
GRANTA: os melhores jovens escritores brasileiros. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.
NAZARIAN, Santiago. “Quem são os leitores da ficção brasileira contemporânea?”.
Folha de S. Paulo. 12 fev. 2017. Disponível em:
<https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2017/02/1857595-quem-sao-os-leitores-
da-ficcao-brasileira-contemporanea.shtml>. Acesso em: 30 out. 2018.
PAIVA, Marcelo Rubens. “Santiago Nazarina lança seu 2º livro, A morte sem nome”.
Folha de S. Paulo. 20 mai. 2004. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/
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PÉCORA, Alcir. “Respostas de Alcir Pécora”. Folha de S. Paulo. 23 fev. 2014.
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SAITO, Bruno Yutaka. “Geração da auto-referência é tema do livro Máquina de Pinball”.
Folha de S. Paulo. 12 ago. 2002. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/
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RODRIGUES, Apoenan. “Spot literário: Santiago Nazarian faz boa estreia com Olívio”.
Istoé online. 24 set. 2003. Disponível em:
<https://istoe.com.br/13704_SPOT+LITERARIO/>. Acesso em: 20 out. 2018.
VIANA, Rodolfo. “Faturamento do setor editorial cai 12,5% na década, afirma estudo da
Fipe”. Folha de S. Paulo. São Paulo, 24 ago. 2016.
160
<https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2016/08/1806257-faturamento-do-setor-
editorial-cai-125-na-decada-afirma-estudo-da-fipe.shtml> Acesso em: 20 dez. 2018.
161
Anexos
1. Brazileira!Preta
vc escreve mal, pra caramba, não faz coerência, não sabe usar do
conhecimento e da beleza das palavras, que quando direcionadas ligeramente e
corretamente, são espetaculares,
sua brazileira!preta
From: clarah@cardosonline.com.br
To: fabricionline@blah.com.br
Date: Sunday, June 24, 2001, 2:33:17 PM
Subject: re: triste
Rafael!
Obrigado pelo seu email. Sua opinião é muito importante para nós.
Esperamos que volte sempre e continue mandando seus comentários.
Atenciosamente,
Equipe Clarah Averbuck
From: fabricionline@blah.com.br
To: clarah@cardosonline.com.br
Date: Sunday, June 24, 2001, 11:18:09 PM
Subject: triste/Sua Lunatica
From: clarah@cardosonline.com.br
To: fabricionline@blah.com.br
Date: Monday, June 25, 2001, 4:55:24 PM
Subject: re: triste/Sua Lunatica
Caro Fabrício,
163
Atenciosamente,
Equipe Clarah Averbuck
----------------
Acredite, isso ali foi o que deu origem ao nome do weblog, ao meu mais novo
nick no icq e à chacota que uma amiga minha fica fazendo em listas de discussão. Pois é.
Me xingaram de brazileira!preta. Não podia passar batido, vamos encarar os fatos.
.: Clara Averbuck :. 11:27 PM
II.
Give me a lover that won’t give me troubles, some sexy dreams to chew on these bubbles.
Perry Farrell
aumentam, elas suam, têm cheiro de cheetos e parecem caricaturas de si mesmas. Já perdi
o tesão mais de uma vez por causa dessa erva maldita. Cada um com os seus problemas.
O meu agora era achar alguém minimamente interessante, e não estou falando de sexo.
Aquela história de comer pessoas é só um analgésico. Eu não quero isso, eu não quero
isso. Eu definitivamente não quero isso. Groupie por groupie, prefiro um que me dê colo.
Colo, preciso de colo.
Da série “coisas que eu não devo fazer nos próximos seis meses”: voltar para
Porto Alegre. Porque eu ia querer andar de mãos dadas com ele. Porque eu ia querer
acordar na nossa cama, com os nossos gatos e o cheiro dele e as costas macias dele que
eu nunca mais vou ver. Porque eu ia querer almoçar com ele, sair com ele, voltar pra casa
com ele. Porque eu ia querer voltar pra casa com ele ou voltar pra casa sozinha e encontrá-
lo deitado na cama e ouvi-lo usar nosso apelido de casal. Porque eu ia querer voltar pra
casa. E eu não tenho mais casa. Não adianta, não aprendo, não entendo que amor dói.
Amor vai sempre doer. E a Elza Soares dá de relho em qualquer falsa diva brasileira.
Olha, não é por mal, mas essas donas que se acham divas deviam lavar calça jeans no
tanque durante o inverno. A Marisa Monte devia lavar lençol com sabão de coco. Sabe?
Esfregar mancha em camisa branca e ainda ter que passar calça com pregas. Favor descer
do pedestal.
Impressionante também como não tem rádio nessa cidade. Só lixo. Se pego
alguém reclamando quando tocar Red Hot Chili Peppers na rádio, juro que bato. Depois
de muita procura fui obrigada a ouvir Bon Jovi, a coisa menos pior que encontrei. Ok,
sou suspeita, eu era poser, eu era jovem, meus pais estavam separados. Eu gostava do
Rachel Bolan, baixista punk-poser-glam do Skid Row. Na verdade, eu queria ser o Rachel
Bolan. Mentira, eu tinha certeza que era o Rachel Bolan. Eu disse que era jovem. E quer
saber? Pelo menos naquela época os roqueiros comiam mulher. Sim, porque nos anos 80
eles eram gays e dançavam com a parede e sofriam e agora eles são bonzinhos e delicados
e sensíveis e sofrem. Não dá, não dá. Homem tem que ser homem e conseguir ser mais
mulher que eu. E é aí que entra o Homem Glam, que merece até uns itálicos e uns
negritos.
O Homem Glam
166
Maquiagem. Ele queria usar maquiagem. Eu quero casar agora. Casar e ter
filhos com esse nariz lindo dele. Você entendeu. Filhos. Casar. Anjos cantam. O mundo
é lindo. Maquiagem. A única coisa mais sexy do que uma mulher acordando com os olhos
borrados de lápis preto é um homem acordando com os olhos borrados de lápis preto. E
descabelado. Casar agora.
O Homem Glam pediu licença e desceu. Me abandonou. E isso que eu
também era linda. Claro, ele era glam e blasé, por que ficaria ali com uma pessoa que
passa cantadas desse nível? Droga. E nem dinheiro pra encher a cara eu tinha. Pobre tem
que se foder mesmo. Opa, não. Tá voltando. Com bebida. Tá vindo pra cá. Sorrindo.
Casar agora. Lindo. Nariz lindo. Me pegou pela cintura. Você sabe tudo sobre um homem
quando ele te pega pela cintura. E eu vi que era bom. Então chegamos na minha casa e eu
fiquei muito constrangida. Porque eu durmo na sala, já disse. E ele era lindo e eu queria
ter uma cama King Size pra caber tudo que eu queria fazer com aquele cara. E eu nem
cama tinha. Colchão. Um colchão ridículo com desenhos de bússolas e âncoras. E um
lençol do Frajola. Vergonha. De repente “vamos lá pra casa” não parecia uma idéia tão
genial. Ora, lá pra casa. Que casa? Eu por acaso estava me referindo àquele meu quartinho
especialmente projetado para que as empregadas não fizessem sexo? Azar, foda-se, ele
estava ali comigo. E fomos e chegamos e foi na sala mesmo e começou a voar roupa e
puta que pariu whatta man e uh, ele não tem pêlos e tem costelas e é mmmaaaagro, uh,
whatta man whatta man whatta man. Beijos, muitos beijos e mãos e pele e oh, deus. Parou
tudo. Ele disse que não ia conseguir.
Meninos, agora todos prestem muita atenção no que eu vou dizer.
BROXAR NÃO É TÃO RUIM COMO VOCÊS IMAGINAM. NÃO É.
É mais ou menos como se a nossa pussy não abrisse na hora que devia estar
molhada e penetrável e quentinha. Eu entendo a frustração de vocês, juro. Mas vocês
também têm que entender que pau não é tudo na vida e que se vocês ficarem parando só
porque tem uma coisa mole pendurada no meio da pernas aí sim que estraga tudo. Keep
goin? Don´t Stop, dizem as vadias na faixa 20 do Usually Just A T-shirt do Frusciante
que foi lançando junto com o Niandra La´Des e que pouca gente nota que são dois discos.
Até a 12 tem nome, até a 25 são untitled #1, #2 e assim por diante. Perspicácia, por favor.
Então ouçam as vadias. Keep goin? Don´t stop. A não ser que tenham perdido o tesão na
broxada. Mas enfim, entendam: é pior pra vocês do que pra nós, ou pelo menos pra mim.
168
Se o cara for especial, deixa pra depois, e se não for, é só uma trepada a menos. Eu só
queria ter pau na hora de mijar e de gozar na boca. Ejacular longe deve ser uma coisa
legal, hein? Mas agora eu vou dormir. O homem glam está muito, muito triste porque
broxou. Que saco. Virar pro lado e dormir e acordar e deixar claro que ele tem que ir
embora logo. Existem pessoas para dormir com e para acordar com. Eu dormi com ele.
Acordei e fui tomar café. Não, café é jeito de falar. Na verdade era leite em
pó com Nescau. Não tomo leite, tenho nojo. Coisas em pó são mais limpinhas. Nojo é
uma coisa engraçada: eu engulo porra mas não tomo leite nem encosto em queijo. Até
como, mas não toco. A não ser quando é na louça, trabalho sujo que eu sempre acabo
tendo que fazer.
Moro com um menino que amo. Amo muito, meu amigo, meu irmão que briga
comigo porque eu sacudi as pipocas e o queijo foi pro fundo e que ri quando eu uso
tomara-que-caia e diz que é a peça mais engraçada do guarda-roupas feminino. Mas amor
nenhum ameniza a irritação de ver duas semanas de louça fossilizando na pia. Morar com
homem é uma merda, eles não sabem lavar as próprias meias e ficam esperando que suas
mães se materializem para limpar o chão e dobrar as roupas e esfregar as meias e tirar os
cabelos do ralo. Não dá. Mas tudo bem, lavar a louça não é das piores tarefas domésticas.
Tendo som alto e podendo cantar e levantar as mãozinhas ensaboadas e usar a colher de
pau como microfone, tudo fica bem. Stone Temple Pilots, Shangri La Dee Da. Bom pra
caralho, como todos os outros. Tem essa música, Hello It’s Late, que me fez chorar
copiosamente. It kills me just because it can’t be erased - we’re married. Married.
Married. Buá. We’re married. E de repente me dou conta de que a melhor coisa que podia
ter me acontecido foi aquele pé na bunda monumental. Sou solteira. Solteira! Livre.
We’re not married. Meu ex-namorado tinha alianças, íamos casar, assinar contrato, papel,
negócio, ainda por cima foi idéia minha, onde eu estava com a cabeça? Amor não é
contrato. Ufa, foi por pouco.
.: Clara Averbuck :. 1:44 AM
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Last Hour 35
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Oquei, onde estão os meus patrocinadores?
.: Clara Averbuck :. 11:47 PM
Subject: "Ele"????
Querido fã,
Sinceramente, o seu email foi bem mais imbecil do que o post do meu
"namoradinho". Só posso achar que é inveja. Talvez eu e Ele estejamos rindo da sua cara
juntos neste momento. Não é chato? Eu acharia chato, se fosse você.
Um beijo,
Clarah
::::::::::::::::::::::::::
Mais alguém?
Ótimo. Eu achava mesmo que não.
.: Clara Averbuck :. 2:41 AM
sempre dá pra rir. Sempre no mesmo lugar, mas aquele lugar não cansa nunca. E sempre
com o mesmo judeu narigudo no meio da história.
E pretensiosa é a sua mãe.
.: Clara Averbuck :. 3:03 PM
estar esperando no carro, escutando um róque e fumando um cigarro. Não demora, meu
querido. Não demora.
[3´50AM]
.: Clara Averbuck :. 5:56 PM
houve tanto lixo em um só local na... esquece. Esqueci que moro em São Paulo. Acontece
o tempo todo.
Dona Antônia finalmente conseguiu falar com Babai. Ela não discava o
prefixo, nunca conseguiria mesmo. Mandou ele me dar um "pito" pelas paredes pichadas.
Ela ainda não viu meu quarto. Espero que não seja cardíaca. Mesmo. Detestaria carregar
a morte de uma velhinha nas costas para o resto da minha vida.
Fui às compras hoje, enquanto esperava o Homem do Carreto Barato me ligar,
o que não aconteceu. Leite, pão, queijo, cereais, papel higiênico, desinfetante e uma
garrafa de vinho muito barato. Troco de 5 reais. Foi-se meu dinheiro. Espero que paguem
o que devem logo, senão não vou possuir reais para pagar o Homem do Carreto Barato,
se é que ele vai aparecer algum dia.
Os dias têm simplesmente sido. Nem ruins, nem bons. Com exceção de
ontem, que o Adriano me buscou e ficamos passeando e carregando coisas. Eu amo o
Adriano. Ele finalmente me passou o cd com as bases da nossa super bandapra eu botar
vocais. Será foda.
Os dias têm simplesmente sido. Passam como que puxados pela gravidade de
algum buraco negro. Nem vejo. Anoitece e amanhece e tudo que eu fiz foi fumar meus
Luckies e viver dentro da minha cabeça. Pensar até sair fumaça enquanto desempacoto
minha vida. Desempacotar é tão ruim quanto empacotar. O James diz que unpacking é
legal, porque você descobre coisas que já tinha até esquecido. "It's like christmas". Sweet
James. Falamos ao telefone hoje por duas horas e meia. Impressionante. Faz quase um
ano que nos conhecemos em Londres e continua a mesma coisa do primeiro dia. Mas ele
está tão, tão longe que parece ficção. Que novidade. Ficção acontece comigo o tempo
todo.
O relógio fazendo tic-tac-tic-tac em algum lugar da casa. Não sei onde está.
Os minutos pingando como uma torneira estragada e o relógio carimbando e jogando-os
nas gavetas perdidas da minha vida.
E eu aqui. Na mesma. Sempre igual, sempre diferente.
Preciso me perder. Preciso de algo muito quente pra me escaldar e me fazer
chorar. Preciso de palavras que me façam flutuar mais alto do que antes. Preciso abrir
aquela garrafa de vinho que está na cozinha. Preciso parar de dançar com o diabo. Às
vezes ele me dá umas rasteiras bem bonitas. Mas eu caio e levanto com os joelhos
176
esfolados e o filho da puta já foi embora, rindo. Um tiro só não vai me derrubar. Ele nunca
me ganha. Nunca vai me ganhar. Vai tentar até o dia em que eu morrer e não vai me
ganhar. Eu vou pro Céu da Cirrose. Está escrito desde que nasci: eu venci. E nada vai
mudar isso, nem fome, nem frio, nem sono, nem falta de amor. Fico sozinha com as vozes
na minha cabeça gritando tão alto que nem escuto mais.
Preciso me perder por essas ruas novas, cheias de luzes que piscam como que
me chamando, sinalizando para que eu vá adiante.
Preciso parar de querer abrir aquela garrafa de vinho que está na cozinha. Não
sei onde está o saca-rolhas.
Preciso dormir, estou com sono e minhas costas doem. Meu corpo está se
rendendo, ando precisando dormir e as bolas já não fazem mais efeito sozinhas. Preciso
de duas. Logo, precisarei de três. Então pararei de novo, até ver que não preciso delas.
Sou mais forte do que qualquer comprimido idiota. Não preciso deles, apenas gosto. Não
vou ser escrava de uma droguinha metida a besta que vem em cartelas. Não vou ser
escrava de ninguém, nunca mais. Só de mim mesma.
Preciso dormir. Boa noite para quem não está ouvindo.
.: Clara Averbuck :. 4:30 PM
você é capaz de amar, me faz querer viver só pra te ver bem, pra te ver feliz, brilhando
como você tem que brilhar.
Porque eu já tinha te perdoado antes de você pensar em perdão, e antes de
qualquer coisa, eu sei que você não pede perdão porque aí dentro, você não errou, no seu
mundo, você não errou, então eu te perdôo aqui no meu, seu sorriso faria qualquer Jesus
perdoar um milhão de Judas quantas vezes fosse preciso para que ele voltasse a andar ao
seu lado.
Porque eu passaria por tudo de novo, morreria tudo de novo, secaria,
murcharia. Você é o que eu quero ver, você é para quem quero olhar quando estiver
escorrendo sobre o papel. Você é sagrado, você conhece os caras, você entende tudo e
sabe sobre a florzinha no deserto, você conhece o filho da puta que não pára. E você faz
o filho da puta bater tão forte que sou jogada para frente cada vez que teu nome aparece
na minha vida. Porque eu morreria por você, morreria feliz e orgulhosa. Por que eu te
preciso por perto, do meu lado, na minha vida, assim como preciso de ar, de água, de
amor. Nunca sem amor. Outro amor, preciso de outro amor. Porque você não é amor.
Você é o Arturo, o que eu vejo quando olho no espelho, o barulho que ouço quando bato
na parede da cela.
Damn, eu estou viva. Sorriam, eu estou viva.
"There is no end. There is no beginning. There is only the infinite passion of
life." (Fellini)
.: Clara Averbuck :. 10:09 PM
diante desta janela que deixa entrar todas as luzes da terra e do céu. O chiado da minha
caixa de som estragada não me incomoda. Nem me incomodam os 40 centavos em
moedas de 5 que me sobraram na carteira nem a dor nas costas, nem os olhos secos, nem
a água da torneira, porque nada tira a doçura desta noite. Não estou sozinha, não, de
maneira alguma, Camila Chirivino, minha amiga, grande garota essa Camila, como ela é
durona, vocês não acreditariam. Ela passa por tudo, fome frio sede sono, vai e mete a
cara, mete também os pés pelas mãos às vezes, mas quem não mete? Vai, Camila, ganha
o mundo por mim, grande Camila, escritora talentosa, grande mulher, nada além disso.
Não importa como Camila se parece, não importa a cor de seus cabelos ou de sua pele ou
de seus olhos, Camila é escritora, escritores vivem nas letras, não nos holofotes. Vai,
Camila, vai até a janela e olha essa cidade, porque ela quer ser tua. Não a quero para mim,
não posso, mas você, ah, você está pronta para ganhar o mundo, o mundo já é seu, sempre
esteve de pernas abertas. Clarah Averbuck e Camila Chirivino. Nossa história se
confunde, verdade e ficção, minha ficção, verdade de Camila, nossa família, nossas raízes
que não estão nesta cidade, estão longe, nosso centro não é aqui, por isso nós duas
enloquecemos às vezes, arrancamos nossos cabelos, eu e Camila, porque este não é o
nosso lugar. Mas hoje não, hoje estamos em paz, nossos dedos no teclado, nossos olhos
no livro, nossa história repetida pelo cara que a batizou, Camila, doce Camila, vai, vai
iluminar a vida dos outros como iluminou a minha, se atira no mundo, faz tudo o que o
nosso Arturo não fez, todos os delírios, todas as escadas e os sonhos e as putas e os hotéis
baratos em uma cidade sem raízes, mostra ao mundo como se faz, porque eles não sabem
nada, pobres homens, humanidade perdida no asfalto e no cimento. Não dê ouvidos a
ninguém, vai em frente, fecha os olhos e pula, corre, vai, Camila, porque o mundo te
quer.
* Enquanto traduzia o prólogo e me impregnava com o mais puro Fante e o
mais doce delírio de escritor de 20 anos.
.: Clara Averbuck :. 4:21 AM
Coletânea de um bloooog?
Sim, amiguinhos, coletânea de um blog.
Existem livros de contos. De poesia. De crônicas. Por que não uma coletânea
de textos publicados em um blog? Afinal, como eu estou cansada de dizer mas continuo
repetindo porque nunca param de perguntar, blog é apenas um meio de publicação para o
que quer que o autor, dono e soberano do blog, queira escrever. Receita de bolo, resenha
de disco, resmungos mal-amados, histórias, realidades, mentiras. No caso do meu livro,
só não tem receita de bolo.
Um livro, uma coletânea de um blog, que é apenas um meio de publicação
para que os escritores não precisem de intermediários entre ele e os leitores. Não existe
literatura de blog, só blog como meio de publicação para escritores e seus textos. Que
podem perfeitamente ser publicados também em livro.
Das Coisas Esquecidas Atrás da Estante
"Se você for tentar, vá até o fim." Com essa citação de Charles Bukowski,
Clarah Averbuck abre " Das Coisas Esquecidas Atrás da Estante", segundo livro da
escritora, lançado agora pela 7Letras. A "tentativa" começou com "Máquina de Pinball",
lançado com muito barulho em 2002 (e que teve os direitos para o cinema comprados por
Murilo Salles). Desta vez, no entanto, tudo é bem diferente. Sai Camila, a aventureira, e
entra Clarah, a escritora.
"Das Coisas..." é uma coletânea de textos publicados no blog Brazileira!Preta
(brazileirapreta.blogspot.com), no site defunto Dexedrina (dexedrina.hpg.com.br), e algo
mais (tirado dos infinitos e crescentes arquivos de Lady Averbuck).
Grande parte do livro foi escrita em 2002, um ano difícil de se esquecer.
Houve mudanças físicas e psicológicas, noites intermináveis, paixões/amor, e, acredite!,
malhação. Um dos pontos altos é o conto (ou texto ou capítulo ou post, se você quiser
uma definição mais precisa) "Fun House (she's got a TV eye on me)", que relata a
descoberta da casa noturna paulistana de mesmo nome, o atual segundo lar da escritora.
O local acabou sendo responsável por boa parte das noites sem fim e, claro, do tal amor
já citado. É só ler, está tudo lá.
Do lado arqueológico, há " O Grande Dorsal". Esse foi o primeiro texto
literário de Clarah, escrito em outro milênio, em 1996, e responsável pelo início do
burburinho em torno da autora. "Das Coisas..." também dá uma boa idéia do que se
180
2. Jardim Bizarro
27/08/2004
"O soberbo livro de Santiago Nazarian, talvez o primeiro clássico da literatura
brasileira do século XXI, não é um livro que se consegue contar a trama durante um papo
de bar. É um livro sensorial. Um livro poema que não se acaba ao final de sua leitura." -
Luis Arnaldo Gastão/Riosulnet
Vocês podem ler a resenha inteira aqui:
http://riosulnet.globo.com/scripts/servicos-
negocios/anunciantes/integra.asp?e=65914
Também na revista Bravo deste mês saiu um ensaio sobre "A Morte Sem
Nome", assinado por Beatriz Bracher.
Uma pequena amostra:
"A literatura precisa ter coragem para criar uma outra realidade. Isso acontece
em A Morte Sem Nome (...) ficção de um novo autor que trata do ódio e do rancor com
uma potência lírica que eu ainda não conhecia no romance brasileiro."
Dá pra ler tudo aqui: http://bravonline.uol.com.br/impressa.php?
edit=en&numEd=84
Fiquei bem feliz. Não escondo de ninguém que Lorena é minha filha favorita.
21/09/2004
ANO NOVO, VIDA NOVA! - não que eu seja judeu.
Mas conversando hoje com Homero Sérgio, do Literatura Online, tive de
repensar novamente meus conceitos de "blog", "marketing internético" e função do
escritor na sociedade de cultura de massa pós-moderna - não que eu seja ex-aluno da
FAAP...
Daí resolvi dar uma vitalizada neste "blog", atualizá-lo com mais veemência
e tratá-lo com mais carinho. Será que alguém espera isso de mim além de ti, Homero?
Enfim, de agora em diante, eu (a interface) vou tentar me comportar como um
blog de verdade. Sobre o que devo falar, sobre os jacarés mutantes que (eu juro) vivem
nos esgotos desta cidade? Vamos começar com a listinha básica.
- Citação (porque todo blog precisa ter uma): "O professor Giovanni tinha sete filhos e
comeu um macarrão" - João Carlos Marinho /O Caneco de Prata.
Que mais? Ah, o clipping, resenhas sobre os livros e tudo mais do antigo blog
estão nos links aí na esquerda, basta clicar.
Vamos ver se eu, que nunca tive diário nem agenda, consigo manter isso aqui
fluindo. De repente volto à forma original, de repente me entusiasmo. Camila Delaney,
minha querida, quero aprender contigo.
*'s
Santiago
23/09/2004
MC SERGINHO MEETS WILLIAM BURROUGHS
Sei que isso é uma coisa bem americana, e que eu deveria promover o amor
e a bondade. Mas vai aí o link de um ótimo site sobre assassinos seriais (como uma forma
de sublimar a violência em seus corações):
http://www.crimelibrary.com
Eles contam em detalhes as "peripécias" de Charles Manson, Ted Bundy,
Jeffrey Dahmer (aliás, sobre ele há um filme ótimo – Dahmer – que se concentra mais no
embate psicológico entre ele e uma de suas vítimas. Uma questão praticamente Wildeana,
"Each man kills the things he loves", ou o inverso "se entregar à morte por um amor".
Questão central também no filme "Aconteceu na Suite 16", do belga Dominique
Deruddere. Nesse último, é o relacionamento entre um velho inválido e um garoto de
programa assassino).
Mas voltando aos assassinos seriais, a história mais louca que eu li nesse site
é a de um cara que raptou uma menina e a manteve como uma escrava sexual por SETE
ANOS. Grande parte desse tempo ela ficou presa dentro de uma caixa, que ficava
embaixo da cama dele. Será que foi daí que tiraram "Encaixotando Helena"? Preciso rever
esse filme. (Aliás....aliás...acabo de perceber que o [ator] Julian Sands já recebeu os
183
melhores papéis da história - em vão. Fez Liszt, num filme sobre a George Sand, o
demônio em "Warlock" e uma lacraia em "Naked Lunch" – ALIÁS! Acabo de perceber
que Mc Serginho também é cultura. Ele tirou a sua "lacraia" do livro de William
Burroughs, claro! Ambas são negras, brasileiras e homossexuais. Não pode ser
coincidência. Nunca imaginei que Mc Serginho lesse...ainda mais Burroughs...ainda mais
em inglês- porque não há nenhuma tradução disponível do livro. Ou será que ele só viu o
filme do Cronenberg?)
Enfim, não pensem que estou obcecado pelos "beats", é apenas meu trabalho
atual.
25/09/2004
LET'S PAIN...
Está num link permanente aí do lado, mas não custa colocar de novo:
www.lastpain.com.br
Lastpain ("Let's Pain", para os íntimos) é a banda de um grande amigo meu,
Nicolas Graves, um chileno (não "chinelo") de grife e estirpe, com dois pés no
underground.
O som é glam-metal. Referências: Guns and Roses, Him e Marilyn Manson.
Som para quem tem hormônios e violência na cabeça. Eu participo. No site dá para baixar
algumas músicas, entre elas "Drama Queen", à qual eu acrescentei letras e "apareço" em
spoken word. Quem for atento vai descobrir de onde vêm minhas falas - a versão em
inglês de um conceito "nazariano"...
O segundo cd deles (que inclui essa música) sai mês que vem. Pela Highlight.
ALIÁS, sonhei com o Nicolas outro dia. Eu estava tarde da noite aqui no meu
PC, que fica do lado da porta de entrada do meu apartamento, daí entrou uma menina de
uns nove anos, me levando para o caminho do mal. Ela se insinuava para mim (sucubus?),
então liguei pro Nico. Tentei "repassar a mina" pra ele. Haha. Só que enquanto eles
conversavam no fone, eu pensava: "Preciso avisar que ela tem algo de demoníaco..."
184
Bem que meu (ex) professor disse que eu estava possuído... (mas é só um sonho,
"conteúdo manifesto", nada latente. Nenhum de nós é pedófilo, que eu saiba...)
ALIÁS, isso me lembra Sally Mann, alguém a conhece? Fotógrafa americana
das mais controversas. Tira fotos de crianças (muitas delas de seus próprios filhos) em
contextos um tanto quanto estranhos. Crianças com narizes quebrados. Crianças
sangrando. Crianças fumando. Crianças matando animais silvestres...É um universo bem
particular, e isso é o que importa hoje em dia; pois apesar da temática "gótica", ela tem
uma estética bastante "hippie" (ah, me perdoem pelos rótulos). Eu tenho um livro dela
aqui (o melhor): "Immediate Family". Dá pra ficar viajando, imaginando a vida deles em
Virgina (EUA), fotos carregadas de histórias. Me renderam ao menos um conto.
Vai aí um site com várias fotos dela:
www.sallymann.org
E não venham me falar de Floria Sigismondi e David La Chapelle. Estou tão
cansado disso...
27/09/2004
ROSALIE VAI ÀS COMPRAS
Saiu neste sábado, no Jornal do Brasil, uma nota sobre a edição portuguesa
de “A Morte Sem Nome” e sobre a compra pela planeta de “Feriado de Mim Mesmo”.
Quem me mandou a nota por email foi o escritor J. Toledo, autor de “O Dicionário dos
Suicidas”. É um dicionário que reúne biografias de personagens, personalidades e figuras
folclóricas que cometeram suicídio. Comprei em 2000, quando estava escrevendo “A
Morte Sem Nome”. Me ajudou na pesquisa de motivos e maneiras possíveis para se
matar...
ALIÁS, quero comprar esse livro novo do Dráuzio (Varela) sobre a morte.
Ouvi a leitura de algumas passagens na primeira FLIP. Achei bom, bonito. Mas como o
Dráuzio não precisa da minha grana, vou ver se encontro mais barato num sebo. E que
aceite cartão de crédito.
185
07/10/2004
TSAI MING-LIANG ME VISITOU.
Esses dias fui acordado com uma enorme ressaca pelo zelador do prédio no
interfone falando de um "vazamento do meu apartamento". Já imagino os pedreiros
186
quebrando o chão e perfurando minha paz. Não adianta trancar a porta, ligar a secretária
eletrônica, pagar as contas em dia e ser um bom menino. Sempre surgem novidades. E
novidades cotidianas são como pequenas tragédias para mim.
ALIÁS, "Feriado de Mim Mesmo", meu próximo romance (ou novela), é
sobre isso.
E sobre isso também são muitos dos filmes do Tsai Ming Liang
(principalmente "O Buraco" - a imagem de uma vida vazando sobre a outra...) Eu acho
muito mais poético ver na tela do que no meu apartamento. Quem quiser saber um pouco
mais sobre ele, pode checar no:
http://www.sensesofcinema.com/contents/directors/03/tsai.html
Meu filme favorito dele (e um dos meus favoritos de todos os tempos) é
"Adeus Dragon Inn", que eu vi na Mostra do ano passado. É basicamente a última sessão
de um cinema tradicional em Taiwan. Não tem muita história. É você sentado no cinema
vendo os atores sentados no cinema, um exercício extremo de metalinguagem. Na sessão
que eu fui, muita gente saiu no meio, muita gente ria de nervoso, principalmente pelos
planos longuíiiiiissimos do diretor (que nesse filme vão ao limite). Ah, mas eu gosto. E é
o tipo de coisa que só faz sentido ver no cinema mesmo.
Para quem acha que basta ter olhos puxados para o filme já ser "de arte",
mostro mais uma prova ao contrário que tive nesta semana. Fui ver "Passagem Azul",
no Cinesesc. Não entendi muito bem o que o filme fazia lá. É um draminha teen nada
artístico, bem tolinho, embora tenha coisas bonitinhas...Se os atores abrissem mais os
olhos, poderia ser um filme independente americano. E independência não é sinônimo de
arte, nem morte. Mas enfim, eu prefiro ver teens de olhos puxados mesmo...
E (felizmente) como não são só vazamentos que chegam ao meu apartamento,
recebi esta semana pelo correio dois livros do Rio. "Prosas Cariocas" – enviado pelo
Flávio Izhaki – e "Memória dos Barcos" – do Marcelo Moutinho (que ALIÁS assinou
hoje no JB uma matéria sobre "a nova prosa", com foto minha e tudo). Agradeço em
público. Sempre adoro quando me mandam livros.
09/10/2004
MELANCÓLICO QUERIDINHO
A Editora 7 Letras teve a ótima iniciativa de criar no ano passado a coleção
Rocinante. Eu ainda não entendi muito bem qual é a proposta da coleção, já que engloba
desde Goethe até Clarah Averbuck, mas a maioria dos títulos é de autores estreantes, e
isso é o que importa. Recebi vários (livros da coleção) aqui em casa. A maioria dos
volumes é de contos curtos de "realismo orgânico", característico da atual geração. Talvez
o aspecto negativo é que muitos desses livros, mesmos os mais consistentes, acabam
desaparecendo em meio à enxurrada de novos contistas que seguem esse formato (e a
capa, e o projeto gráfico...). Por isso gostei muito de "Domingo", um romance do
Francisco Slade, que tem história pra contar e não tem pressa para isso.
Entre os de contos que recebi, um dos mais interessantes é o "Contogramas"
do Flávio Viegas Amoreira. Como eu sou meio burrinho, lesadinho e criado a Condessa
de Segur não entendi quase nada -haha. Mas pesquei algumas idéias interessantes.
Principalmente porque ele tem um conto sobre "Rufus Wainwright" (o "Melancólico
Queridinho" do post de hoje).
Para quem não conhece, Rufus é um cantor-compositor-pianista que mistura
pop, folk e jazz. Homossexual assumido, ele tem letras bem interessantes – às vezes um
pouco pernósticas – fazendo referências a ópera, literatura e cultura pop. ALIÁS, mais ou
menos como o livro do Flávio Amoreira.
Uma das minhas letras favoritas (do Rufus) é "Last Cup of Coffee", na qual
ele lamenta esperar por seu amor num café onde só toca música grunge. "Os cafés não
são mais o que costumavam ser, mas pelo menos eu estou lendo Proust", diz ele. Hahhaha.
Eu não levo a sério. E adoro. (Denny, você conhece? Cafés, Proust, você iria adorar,
eheh).
ALIÁS, tenho um amigo que já ficou com o Rufus e conta coisas terríveis
dele....Mas nada que me surpreendesse.
Vocês podem saber mais sobre o Rufus
no: http://www.rufuswainwright.com/, mas o site não é nada demais.
E por falar em queridinhos melancólicos e links, Ronaldo Estevam, amigo
meu do Real Madrid (a banda), me passou o link deles no site da
188
11/10/2004
XUXA MEETS NOBUYOSHI ARAKI
Muita gente já ouviu falar daquele filme da Xuxa em que ela literalmente dá
colo a um baixinho. Eu aluguei nesta véspera de feriado de dia das crianças: "Amor
Estranho Amor", do Walter Ugo Khouri. Conta a história de um menino que é deixado
pela avó para morar com a mãe prostituta num bordel de luxo. Lá dentro ele é assediado
por todas as meninas, inclusive pela rainha dos baixinhos, e vive um relacionamento
edipiano com a mãe, interpretada pela Vera Fischer.
Claro que aluguei só para ver a Xuxa fazendo travessuras, mas me surpreendi.
O filme é beeeeem bom. Tem algumas tosqueiras e putarias, mas o som é ótimo, com
uma trilha sonora praticamente ininterrupta que vai de Silvio Caldas à Traditional Jazz
Band ecoando pelos salões do casarão. Vera Fischer está fabulosa e até a Xuxa está
melhor do que quando enfrenta o Baixo Astral. ALIÁS, a melhor cena é quando ela dança
jazz vestida de urso; vira praticamente um filme surrealista.
189
13/10/2004
ACABOU A LUZ E PERDI A VOZ
Já fui adorador de Björk. ALIÁS, começou com o Sugarcubes. Mas depois
de vê-la ao vivo, no Freejazz, em 97, perdi um pouco o tesão.
Apesar disso, achei “Vespertine”, o penúltimo cd dela, bem bom. Também
adorei “Dançando no Escuro”, o filme do Lars Von Trier. Então aos poucos ela foi
recuperando minha confiança.
Agora baixei “Medulla”, o último CD dela, pelo Soulseek. Os fãs se dividem,
uns metem o pau, outros mostram a cobra (hohoho). Eu aperto as glândulas e tiro soro
anti-ofídico. É bom, bem bom, apesar das excessivas “bjorkisses”.
É tudo vocal. Só há instrumentos em duas das catorze faixas. Isso não quer
dizer que seja um cd "a capella". Na verdade, essa história de “100% orgânico” é mais
uma jogada de marketing (esperta- que logo madonna vai tentar copiar, haha), porque os
arranjos são formados por tantas camadas de vocais processados, beatboxes e overdubs
que soa praticamente como se fosse feito por sintetizadores. Sim, é mais um disco
“eletrônico” da Bjork.
Mas isso é bom, porque ela descobriu uma nova maneira de continuar sendo
ela mesma. Além do mais, assina a produção, que é certamente o ponto alto do disco.
190
21/10/2004
A NOVA NOITE DO MEU BEM
Aos 27 anos, a gente começa a perceber que todo mundo vai se encaixando.
Alguns mais tortos, outros retinhos, mas todos vivendo suas próprias vidas, casando,
encaminhados nas carreiras, deixando de se perguntar "o que ser quando crescer?"
Duas das minhas ex-namoradas, a Camila e a Fabbie, já se casaram. Ai, ai,
ai...
Dos amigos próximos, nenhum escritor, mas muitosDJS e músicos, como o
Dan Nakagawa, o Nicolas do Lastpain, a Vanessa do Ludov, o Rangel dos Corações em
Fúria. Eu cheguei a tocar teclado numa banda, o "Viva Violet". Era divertidíssimo, uma
coisa meio glam, com músicas chamadas "Milk & Champagne", "Are You WildE’nough"
e "Blame it to My Vinyl Pants", haaha. Coisa de adolescente. A gente tocou algumas
vezes no falecido Retrô.
Graças a Deus livrei o mundo desse zumbido.
Mas o Leandro, que era vocalista, felizmente seguiu em frente. Como ele
sempre foi apaixonado por anos 80, acabou fazendo o que há de mais moderno nesses
tempos, elektro.
191
Ou então:
"Dance comigo,
beba, meu amigo, eu não ligo,
eu não sei o que dizer."
26/10/2004
ESTUPRA MAS NÃO MATA
Ah, está chegando Halloween e agora as crianças brasileiras comemoram.
Quando eu era uma criança gótica, tudo o que eu queria era que houvesse Halloween por
aqui. Cheguei até a convencer um amigo meu de escola a se fantasiar e sair pedindo doces
pelas ruas do Jardim América, haha. Obviamente só recebemos o desprezo de empregadas
estressadas. Agora também não quero mais...
192
Esse lado negro da minha personalidade sempre foi muito presente, mas
nunca consegui escrever um livro – ou um conto que seja - de terror. ALIÁS, conversei
sobre isso com o (cineasta) Guilherme de Almeida Prado, que também adora filmes de
terror. Conversamos sobre por que pessoas como eu, o Carlão Reichenbach (outro fã do
sinistro) e vários outros artistas não estávamos renovando (ou criando) a produção do
terror nacional. Acho que para fazer terror é preciso um talento específico, assim como
para fazer pornografia. Ambos precisam lidar necessariamente com alguns clichês, pois
são eles que garantem o medo e a excitação do público. Mas, no caso do terror, é preciso
saber dosar muito bem o uso desses clichês com a reversão dos mesmos.
Tem também o preconceito, é claro. Muita gente não faz por ser um gênero
considerado "menor" pela crítica.
Isso é uma grande bobagem, lógico. Há vários grandes livros de terror que
são LITERATURA. Pessoalmente, eu acho DRÄCULA do Bram Stoker, o melhor deles,
não só pela repercussão que tem até hoje, mas principalmente porque, apesar de ter uma
história/personagem muito bem conhecidos e ter sido escrito há mais de cem anos, ainda
consegue provocar medo. Lida com questões arquetípicas bem fortes. E toda aquela
primeira parte do Jonathan Harker no castelo é fantástica.
Já FRANKENSTEIN eu não gosto. Tudo bem, não posso falar que é ruim
nem nada assim, mas o livro nunca me despertou grandes emoções. E, INFELIZMENTE,
eu posso dizer o mesmo da obra do Edgar Allan Poe. Eu me esforço bastante, tenho as
obras completas dele em inglês e vários contos em português. Também não sou louco de
criticar, mas nunca me despertou nada.
Outro dia eu estava conversando sobre isso com o Cid Vale Ferreira, um
amigo meu da adolescência gótica que se tornou editor e um especialista em literatura do
século XIX. Eu dizia que o que eu sentia falta na obra do Poe era aquela sexualidade
latente que está presente em toda boa obra de terror. Acho que funciona quase como um
paradoxo – associar o sexo com a morte (ALIÁS, eu trabalho essa associação no conto
"Depois do Sexo", que está aqui no site, no link "Formigas no Açúcar"). O Cid concordou
comigo, mas justificou que a sexualidade na obra do Poe se manifesta de uma maneira
muito mais alegórica. Daí ele me deu um exemplo do conto "A Máscara da Morte
Rubra", que me pareceu genial – o pêndulo do baile de máscaras como um símbolo fálico
e tal. Só que quando fui reler o conto, achei que o Cid tinha exagerado na interpretação,
193
ahah. Enfim, pelo menos é ótimo conversar com alguém apaixonado pelo tema e que tem
embasamento.
Dos livros de terror contemporâneos gosto muitíssimo do EXORCISTA, do
William Peter Blatty. Li o livro pela primeira vez quando eu tinha cerca de 13 anos – e se
me assustou naquela época é porque a coisa é forte mesmo. Reli recentemente. É muito
melhor do que o filme. Principalmente porque sempre fica a dúvida se trata-se realmente
de uma possessão. A latência sexual está na alegoria da puberdade, mas o livro ainda traz
muitas questões teológicas.
E final de semana passado li outro livro de terror do caralho: "RING", do
Koji Suzuki. Sim, é o romance japonês da década de 90 que inspirou o filme japonês, o
coreano e o americano "O Chamado". Eu acho a versão americana um dos melhores
filmes de terror de todos os tempos. Muita gente critica dizendo que é mal explicado, mas
eu acho apenas que "não é explicado". O filme deixa muitas pontas soltas e essa é a grande
sacada. Fora que as imagens são lindas, aquela fita amaldiçoada é um primor do
surrealismo, uma maravilha.
O livro também é bem bom. Dá menos medo do que o filme. É bem mais
racional e tem menos referências spooky. O autor trabalha o tempo todo com a negação
dos clichês e com justificativas científicas para os fatos. Talvez isso tire um pouco o
clima, mas continua sendo um grande livro – mais de suspense investigativo do que de
terror. O romance também tem uma questão amoral e machista muito forte, que foi
suavizada no filme. Para vocês terem uma idéia, no livro o personagem principal (que no
filme americano foi vivido por Naomi Watts) é um homem e a pessoa para quem ele
mostra a fita para ajudá-lo a desvendar o mistério é um amigo ESTUPRADOR. Haha,
isso mesmo, ele mostra a fita pra esse cara porque se o amigo morrer o mundo não vai
estar perdendo grande coisa, já que ele é um crápula, haha. Achei isso ótimo. Não vou
contar mais nada para não estragar as surpresas, apesar de eu saber que ninguém vai ler
esse livro (nem existe versão em português – mas a tradução para o inglês é ótima e a
edição da Vertical é um primor).
Outro que eu li de ontem para hoje foi "The Hellbound Heart", do Clive
Barker, o romance que inspirou os filmes "Hellraiser". O Barker também tem uma questão
sexual muito forte nos livros/filmes dele, associada ao sadomasoquismo. Talvez ele
mesmo seja (um sadomasoquista), mas não necessariamente. Ele pode trabalhar essa
194
questão só ideologicamente, como é o meu caso. Muita gente colocou que "A Morte Sem
Nome" é um romance sadomasoquista, e eu até concordo, mas confesso que na cama eu
sou mais meiguinho, hahaha.
Voltando – The Hellbound Heart não chega a ser um romance, é uma novela,
e uma novela que parece já ter sido escrita visando o cinema. Ou seja, não é grandes
coisas em termos de literatura. A ação parece se desenvolver muito rápido e sem grande
profundidade. Os diálogos são banais e os personagens também. Fora que é uma edição
de bolso da Harper Collins, o que torna quase inevitável não acreditar que está se lendo
um livro "barato". Se eu não tivesse visto o filme, diria que a novela daria um ótimo filme
(mas como eu vi, sei que deu uma merda de filme, hahah). Entretanto, o único ponto em
que a novela se torna mais interessante do que o filme é na descrição das torturas e dos
Cenobitas. Obviamente, por ser um livro, o autor consegue fazer referências a outros
sentidos que não são explorados na tela. O cheiro de baunilha dos demônios, os sons do
inferno tocando na cabeça dos personagens. Mas isso acontece em poucas passagens, o
resto do livro é fraco mesmo. Enfim, não consigo me acertar com o Mr. Barker - e eu
queria tanto...
Provavelmente um dos primeiros que trabalhou essa questão do
sadomasoquismo na literatura foi o Marquês de Sade (afinal, o termo "sádico" veio do
nome dele). Mas eu acho que ele exagera, que se preocupava muito em chocar e a trama
acaba se tornando uma novelona mexicana (ALIÁS, conversei sobre isso também com o
Cid – e novamente ele defendeu o autor). Mas enfim, do Sade eu só li "Les Infortunes
de La Vertu" (em francês - o segundo andar da Livraria Cultura/SP, do Conjunto
Nacional tem umas coisas boas assim).
E quem mais? Quem mais? Anne Rice não, por favor, acho um horror (no
mau sentido. Li "Interview with the Vampire" e alguns contos). Stephen King eu
confesso que tem algumas coisas brilhantes (o romance "IT" é uma pérola. O livro de
contos "Night Shift" também). O problema dele talvez seja produzir livros a granel, então
faz algumas coisas bem toscas. Fora que os finais dele são péssimos. Dean Koontz é
tosqueira mesmo, mas me diverti com "The Funhouse" (que inspirou o
filme...adivinhem...."Pague para Entrar Reze para Sair", hahahah! Sim, esse filme foi
baseado num livro!).
195
Dos mais antigões, além do "Drácula", eu gostei muito do "The Turn of the
Screw"(Henry James) – que também tem a questão sexual relacionada à puberdade e à
infância; gosto da novela "Karmilla" (Sheridan le Fannu – com um lesbianismo quase
explícito) e de vários contos do Saki (mas ele trabalha mais o fantástico, com um certo
humor negro/satírico, não exatamente terror).
De Brasileiro eu ainda não conheci nenhum que prestasse. Tem aquele
cara...o André Vianco, que parece que vende horrores de horror. Mas nunca sai resenha
de livro dele em lugar algum. O meio literário simplesmente o ignora. Eu preciso ler para
ver o que há que há. Sinceramente não conheço.
Ah, enfim, já escrevi DEMAIS e comemorei o Halloween aqui no meu blog.
Esse montão de texto era pra assustar mesmo – Boo! Quem quiser me indicar outros livros
de horror, é muito bem vindo aí no "vermelho". E para quem acha que eu só leio esse tipo
de coisa, tem um link permanente aí do lado – Sugestões de Livros – que eu escrevi pro
site "Leia Livro".
30/10/2004
AMOR & HEMÁCIAS
Vocês devem ter reparado que o nome do blog mudou, não? Ou melhor, o
blog ganhou o nome. Me toquei quando vi uma matéria do Marcelo Moutinho no site
Portal Literal sobre blogs de autores. O meu estava lá, entre os outros, o único sem nome
(e com uma descrição não das melhores...). Daí me toquei que precisava batizá-lo.
Ele se chamava apenas "Santiago Nazarian" porque a intenção era que os
leitores que procurassem sobre mim na net achassem de cara o blog, que já tem link para
as matérias e entrevistas mais importantes. Está funcionando. Além dos comentários que
recebo aqui, chegam bastante emails, e algumas pessoas comentam comigo quando me
encontram. Mas concordo que o blog ainda precisa evoluir muito.
O nome Amor & Hemácias não precisa ser explicado, precisa? Quem
acompanha o blog ou leu "A Morte Sem Nome" entende...
196
É uma experiência nova pra mim e muitas vezes eu me sinto culpado. Preferia
continuar escondido por trás da ficção, que é meu verdadeiro trabalho. Mas tem sido um
passatempo divertido, e é uma ferramente importante de divulgação e relacionamento
hoje em dia.
Então, resolvi colocar mais um conto no link "Formigas no Açúcar". Não é
completamente inédito. Quem foi na minha última palestra no Instituto Cervantes já
conhece (ALIÁS, tenho um debate sobre literatura marcado para novembro, depois dou
mais detalhes). É um conto de polidactilia, "Seis Dedos Para Contar", tirado do meu
imenso estoque de contos inéditos (quem sabe um dia não resolvo publicar uma
antologia?).
Espero que gostem. O link está aí do lado - "Formigas no Açúcar". O conto
"Depois do Sexo", que havia sido feito para uma antologia da Planeta, continua lá.
02/11/2004
"Olhou pela janela e só viu o inverno. A cidade congelada, o céu tão azul, o
mar parado lá longe, esperando uma chance. Não escutava som algum, nem via
movimento. Era uma pintura de seu cenário, sua natureza morta, na qual ele ainda vivia.
Esticava o pescoço, debruçava-se na janela, respirava o ar gelado. A felicidade caía lá
embaixo e se espatifava como garrafa de vidro, de gelo. Mesmo assim, continuava
olhando. Sentia-se especial por poder observar algo tão exclusivo. Observava um mundo
secreto, suspenso, escondido de todos os outros homeotérmicos."
(Trecho de "Feriado de Mim Mesmo" - meu terceiro livro que sai em março,
pela Editora Planeta)
04/11/2004
95, O ANO DO POP ROCK.
Hum, vamos começar com as listas (o Jaspion vai gostar disso). Vai aí minhas
músicas pop favoritas (internacionais).
Legend in My Living Room (92) – Annie Lennox (Escócia)
Sempre fui fã de Eurythmics (ALIÁS, vi hoje o filme deles dirigido pelo
Amos Gitai). O trabalho solo da Annie Lennox está cada vez pior. Música de consultório
de dentista. Mas o primeiro solo – Diva – tem coisas bem boas, apesar do tom "pop de
meia idade". Na minha opinião, "Legend in My Living Room" é uma das melhores letras
dela. Fala do lado relativo da fama (para os escritores, é mais relativo ainda). Ela conta
que comeu o pão que o diabo amassou, quando começou a carreira em Londres, mas que
"sabia que seria uma lenda...na minha própria sala de estar".
Mathilde (67) – Scott Walker (EUA)
Tudo bem, essa música é do Jacques Brel. Eu tenho a versão dele também, e
prefiro bem mais a do Scott Walker. O arranjo de trompetes de Wally Stott é um primor,
me faz lembrar as "baladas dos cossacos", músicas tradicionais russas, músicas de
cavalaria. Fora que o vozeirão do Scott dá de dez no Jacques. Eu comprei todo o catálogo
dele quando eu estava na Europa. E depois que você ouve uma música como "Mathilde"
de madrugada, num navio indo para a Finlândia, não dá para não se apaixonar...
The Motel (95) – David Bowie (Inglaterra)
Essa não é das músicas mais famosas do Bowie. Também não deve estar entre
as favoritas dos fãs, mas provavelmente é a minha. Esse album de 95 -"Outside" - eu
considero um dos melhores da carreira dele. Certamente é o mais sombrio. Todas as faixas
contam uma história meio "snuff", de uma menina que foi seqüestrada e assassinada como
uma forma de arte. A produção é do Brian Eno, e uma das melhores coisas do album é o
piano jazzístico do Mike Garson (que participa também de vários outros albuns do
Bowie). Esta faixa, em específico, começa lenta, meio sem forma, com pianos e vocais
esparsos e vai ganhando corpo aos poucos...
Les Histories D’A (86) – Rita Mitsouko (França)
Ah, essa é uma das minhas bandas favoritas. Aliás, é uma dupla. Um casal
francês –Catherine Ringer e Fred Chichin - que antes de tocar fazia filmes pornográficos
198
experimentais. Hum, eu queria ver a Catherine gemer. Que voz tem essa mulher! Nessa
música, ela conta diversas histórias de amor trágicas e conclui no refrão: "as histórias de
amor terminam mal, em geral."
Imaginary Love (98) – Rufus Wainwright (Canadá)
Hum, é difícil escolher uma música só do Rufus. Quase que eu pus "Dinner
at Eight", do último album, mas esta também é uma pérola. Ele canta o primeiro verso,
depois repete tudo uma oitava acima. E ele tem essa coisa de cocainômaco, né? emenda
um verso no outro, não dá uma pausa na música inteira. Até no final, quando a letra
termina, ele dá um jeito de soltar uns gemidos e terminar junto com a banda, ahah. Esse
Rufus é mesmo um serelepe!
Sixteen Days (95) – Lori Carson (EUA)
Lori Carson é pouco conhecida. ALIÁS, tão pouco que o penúltimo album
ela gravou sozinha, fez as fotos da capa e vendeu pela página da internet. Mas o album
"Stars", que tem essa música, é um pouco mais pop. ALIÁS, tem a dosagem perfeita de
pop, folk e new age (Ultimamente ela está new age demais, eu só escuto o último cd dela
para dormir). "16 Days" é a faixa que abre "Stars". Atmosférica, melancólica e
aconchegante. Lori tem ótimas letras sobre crises afetivas e relacionamentos bizarros.
John I Love You (95) – Sinéad O’Connor (Irlanda)
Também é foda escolher uma faixa da Sinéad. Ela tem as músicas mais
bonitas do mundo pop. Claro que ela é louca, depressiva e obsessiva com a idéia de
maternidade, mas para quem não é filho dela isso é até mais legal. Ela abandonou a música
faz um ano. E chegou a escrever uma carta aos fãs dizendo que "se encontrassem ela na
rua, mudassem de calçada, fingissem que não a conheciam". Haha. "John I Love You" é
do album "Universal Mother", o melhor dela, na minha opinião. Ela estava com a voz
mais suave, mas ainda poderosa.
So Young (93) – Suede (Inglaterra)
Ah, Suede é minha banda. Quando eu era um adolescente nerd, descobrindo
o sexo e as drogas, Brett Anderson e seus amigos me mostraram um novo mundo de
possibilidades, ambigüidades e androginia. Essa música, do primeiro album, fala tudo o
que eu sentia na época "We’re so young and so gone, let’s chase the dragon from our
home." O melhor foi conhecer a banda em 2002, quando eu trabalhava em Londres.
Cumprimentei Brett Anderson (vocal), conversei um pouco com o Simon (bateria) e bati
199
altos papos (e fotos) com Bernard Butler (o primeiro guitarrista). Na minha página do
Orkut tem uma foto minha com o Butler.
Arms of Cicero (93) – Sex Gang Children (Inglaterra)
Sex Gang Children é das poucas bandas góticas que existe até hoje, desde o
começo dos anos 80. No começo eles eram mais punks e toscos, mas bem divertidos.
Hoje em dia o som está mais melancólico e "gótico fino" (se é que isso é possível com os
vocais esganiçados do Andy). "Arms of Cicero" é dessa segunda fase, com arranjo de
cordas e tudo mais. Eu também conheci a banda em Londres. Eles inclusive me
convidaram para trabalhar com eles (mas eu ganhava mais como barman). O Andy é gente
finíssima, mas completamente diferente do que eu esperava. Quem imagina que um
gótico glamuroso iria ficar me perguntando sobre "futebol"?
2HB (72) – Roxy Music (Inglaterra)
Brian Eno é foda. Ainda mais quando ele contaminava o romantismo kitsch
do Brian Ferry. Essa música, do primeiro Roxy Music, é uma mistura de glam, ambient
e jazz. No "solo" de teclados desalinhados, entra um sax com um verso de "As Times
Goes By". A letra inclusive faz referência ao filme "Casablanca". Um luxo só.
Conclusões? Músicas de mulheres sofredoras e rapazes afetados.
08/11/2004
FREELA PORQUE QUI-LO
Estou terminando a tradução de um livro para a Planeta. Fora isso, estou
soltinho-soltinho / equals pobrinho- pobrinho (não, ainda não recebi por minhas últimas
conquistas...).
Quem tiver freela de redação/tradução, é só assobiar.
Já trabalhei de redator publicitário, redator de marketing direto, redator de
horóscopo, roteirista de tele-sexo (é sério!), vendedor de livraria, barman, professor de
inglês e monitor de mostra, além de fazer tradução e transcrição. Desses todos, o único
200
que eu não me garanto é como professor. Não tenho didática nenhuma. Tem algum ex-
aluno meu por aqui?
16/11/2004
CAZUZA, RAUL, RENATO E CAETANO.
Ok, agora é a listinha dos meus favoritos MPB de TODOS OS TEMPOS DO
MUNDO E DO UNIVERSO DE DEUS. E antes que o Jaspion volte aqui para me chamar
de Nick Hornby, digo que ele, o Nick, só foi esperto de ganhar dinheiro com essas listas
que todo adolescente sempre fez. Enfim, eu também nunca li Nick Hornby, não posso
criticar, mas nunca contaminaria minha "LITERATURA" com essas coisas pop, haha.
Pra isso servem os blogs...
Pelos Ares – Adriana Calcanhotto
Eu gosto de quase tudo da Adriana (e o que eu não gosto eu detesto). Na verdade, ela tem
letras bem melhores do que esta, mas as imagens que esta música me traz são ótimas. É
uma música-catálogo, né? Aquela coisa de lista: "bicicleta, planta, céu", que muitos
compositores fazem hoje em dia. Só que me lembra uma instalação que vi numa Bienal
dos anos 90, que era um barraco que eles explodiram, depois penduraram os caquinhos
todos numa sala, como se estivéssemos no meio da explosão (alguém sabe o nome/lembra
de quem é?). O arranjo dessa música me lembra bem o "Libertango", do Piazzolla, na
versão da Grace Jones.
Mutantes – Panis et Circenses.
Esta é previsível, eu sei. Eu nem sou tão fã de Mutantes assim. Gosto, mas
não demais. Mas esse album – Tropicália – é bem forte. Ouvia em LP da minha mãe,
ainda criança. Eu poderia tirar mais duas músicas dele para meu top 10: "Lindonea" –
com a Nara Leão, e "Baby" – com a Gal Costa, só que ia ficar muito repetitivo. Pena que
o Caetano morreu tão jovem...
A Marchinha Psicótica – Júpiter Maçã
201
Ahhhhh, esse cara é muito bom, muito tosco, muito bom. Vi um show dele
recentemente. Que maravilha, psicodelia pura. E o que é a letra dessa música: "doidão é
apelido para a paranóia, toda a jibóia, toda a bóia toda a clarabóia", haha. É o tipo de
imbecilidade genial. A música é um caldeirão de referências: Bob Dylan que se encontra
com um alien que tinha cabeça de Woody Allen e barba de Allen Ginsberg. Haha.
Marina Lima – Deixe Estar
Eu só comecei a ouvir Marina Lima recentemente, por influência do Daniel
(Luciancencov). Esse cd "Pierrot do Brasil", é ótimo. Totalmente deprê, ela sem voz
nenhuma, recorre a co-incidência de teclados e backing vocals para manter a linha
melódica, enquanto ela praticamente lê as letras. Parece que estamos espremendo a última
gota do bagaço de uma fruta...azeda.
Nelson Ned – Meu Jeito de Amar
É sério, é sério. Ë bom pra caralho! Aliás, esse cd (que reúne dois discos do
Nelson, "Tudo Passará" e "Meu Jeito de Amar") é um dos melhores da minha coleção.
Tem uns arranjos absurdos de orquestra, tecladinhos assombrados e o Nelsinho cantando
num vozeirão "tamanho não é documento, pelo menos tenho sentimento!" Haha. E essa
música – Meu Jeito de Amar – tem a melhor letra gay que eu já vi. Nela ele conta que
sente algo estranho por um amigo, mas não tem coragem de confessar. Daí no refrão entra
a orquestra e ele diz que "como eu queria dar um beijo na sua boca e te fazer vibrar de
amor". Haha, imagine só aquele Nelsinho...Eu não sei se ele é gay, talvez tenha sido só
um "surto poético".
Angela Maria – Garota Solitária
Ok, essa entra na linha do Nelson Ned. Adoro a Angela, essas músicas de
fossa. E esta, em específico, tem uma das melhores letras. Ela fala que sofre por não ter
um amor, que vive "sozinha sem um bem" e ataca no refrão. "Será que eu sou feia?" e o
coro responde: "não é não senhor". E ela pergunta: "então eu sou linda?" e basicamente
eles respondem: "também nem tanto", ahahah.
Bastidores – Cauby Peixoto
Continuando na linha "le kitsch c’est chic", Cauby, Cauby! Eu tenho muita
coisa dele. Gosto de quase tudo, mas acho que essa é a música mais representativa. "Com
muitos brilhos me vesti, depois me pintei, me pintei, me pintei". Glamour total! Letra do
Chico Buarque. Eu vi um show dele em 2000, em Porto Alegre, mas foi meio deprê. Ele
202
estava muito debilitado, cantando sentado, com ajuda para entrar e sair do palco. Mas a
voz ainda estava poderosa.
Pato Fu – Eu
A melhor banda da atualidade? Prova de que é possível vender pop
alternativo? Pato Fu é tão bom que a gente nem liga para a (falta de) voz da Fernanda
Takai. O John também é foda, fodíssima, um puta guitarrista. Eles têm letras ótimas,
insólitas. Esta, especificamente, é do Graforréia Xilarmônica (grande banda também),
mas o Pato Fu deu uma boa recauchutada no arranjo, mais pesado, cheio de guitarras e
timbres de theremim.
Cidadão Instigado – Minha Imagem Roubada
Acho que ninguém conhece essa banda. Quem me apresentou foi a (minha
ex) Fabbie, que produz shows e festivais de rock. Eles são do Ceará e misturam algumas
coisas regionais com rock progressivo, psicodelismo e experimentalismo. Da letra dessa
música eu não posso falar muito, não entendo o que quer dizer, hehe, mas o arranjo é uma
delícia, com uns tecladinhos kitsch e uma batidinha de bolero.
Kid Abelha – Eu Contra a Noite.
Eu nunca fui fã do Kid Abelha. Na verdade, só fui escutar mesmo
recentemente, um dia que estava de bobeira e assisti o acústico pela TV. Eles têm umas
puta letras. Acho que são as melhores letras do pop nacional. A Paula Toller também é o
máximo, e eu adoro a voz dela. Esta música está no acústico e no album "Surf" (que tem
aquela bagaceirice "Te Amo pra Sempre"). Ela tem uma coisa "surf music" sim, e é tão
gostosa. A letra não é genial, eles têm melhores (e bem piores), mas é ok. O título parece
título de conto meu. Eu escuto direto aqui em casa, por isso entra na lista.
Conclusões? Mulheres sofredoras e rapazes afetados. De novo!
18/11/2004
DUZENTOS DEDOS PRA TOCAR
203
Ah, fui ver a "Má Educação" do Almodovar. Não adianta, não consigo gostar
dele. Sempre me parece uma novelona, um ritmo televisivo, uma minissérie de 20
capítulos condensada em duas horas. Esse até que tem algumas coisas interessantes, mas
sei lá. Fora que não entendo como aquele anãozinho cucaracha do Gael virou simbol
sexual. Sou mais o Nelson Ned, ahahha.
Bem, então continuo com as listas. Dessa vez dos clássicos. Não é minha
especialidade, mas nada é minha especialidade (Hum, talvez eu devesse ter investido
mesmo na publicidade, hahaha, onde se sabe de tudo e não se sabe de nada.)
Après Une Lecture du Dante – Franz Liszt (1811-1886)
Ahhhhh, Liszt é foda, fodíssimo. Foi por ele que eu resolvi estudar piano
clássico – e por ele também que eu desisti. Ele tem todo aquele exagero, aquele
virtuosismo do romantismo que eu adoro (e por isso ele foi muito criticado. Diziam que
suas composições eram apenas uma demonstração de técnica, sem criatividade ou
sentimento). Ele também é uma figura interessantíssima, lindíssima, cheias de demônios.
Li três biografias dele. A melhor é a "Rapsódia Húngara", do Zsolt Harsányi, uma
biografia romanceada que está mais do que esgotada e não é fácil achar em sebos. Bem,
voltando à música, essa é uma das minhas favoritas, que ele compôs baseado na "Divina
Comédia" de Dante. Tenho diversas execuções, inclusive com o Arnaldo Cohen, mas
minha favorita é com o inglês Stephen Hough.
Dance Macabre – Camille Saint-Saëns (1835-1921)
Hum, essa eu ouvia desde pequenininho, num disco que herdei do meu pai. É
uma coisa tri-gótica, uma história de caveiras tocando violino no cemitério, com doze
badaladas e tudo mais. É perfeita para apresentar música clássica às crianças - crianças
góticas, claro. O Liszt também fez uma transcrição dela para o piano, em que ele exagera
os temas e os tornam bem mais complicados, ahaha.
Tzigane – Maurice Ravel (1875-1937)
Depois do Liszt, Ravel é meu compositor erudito favorito. Tem o "Bolero",
"A Valsa’ e esse "Tzigane", outro ato de virtuosismo. Peça complicadíssima para piano e
violino, baseada em músicas ciganas. Também tem um toque gótico – porque essas
músicas clássicas pastorais e alegrinhas não são a minha.
Nocturne 10 – Frédéric Chopin (1810-1849)
204
Eu tirei uma foto em Paris no túmulo do Chopin com flores na boca. Não
simpatizo muito com ele não, por causa da competição com meu Liszt, mas ele tem umas
coisas bonitas, quando fica mais depressivo, como os "Noturnos". Este é cheio de codas,
cria uma sensação meio esquisita, meio sonambulesca... Pena que é curtinho.
Piano Concerto No. 3 – Sergei Rachmaninov (1873-1943)
Dizem que é uma das obras de mais difícil execução para pianistas. Como eu
mal toco o "bife", não posso avaliar. Essa eu conheci naquele filme "Shine", que eu não
gosto muito, mas tá valendo pelas execuções. JAMAIS comprem a trilha sonora, que é
cheia de heresias, picotando as músicas e colocando trechos sem sentido. O melhor é
comprar um disco do próprio David Helfgott, como o que eu tenho em que ele toca esse
concerto.
Cravo Bem Temperado – Johann Sebastian Bach (1685-1750)
Esse é um salto lá pra trás, no barroco, um conjunto de peças para cravo que
também são um ato extremo de virtuosismo. Fica meio cansativo de escutar depois de um
tempo; o cravo solo ganha um tom de videogame 8-bits, hahaha, mas escutando as peças
isoladas, tentando seguir os dedos de Bach no teclado, você tem um exercício audio-
mental maravilhoso. Foi assim que eu tive meu primeiro ataque epilético.
Sinfonia no 5 – Gustav Mahler (1860-1911)
Bom, acho que essa só tem sentido depois de se assistir o filme "Morte em
Veneza" do Visconti. Na verdade, o filme só usa o quarto movimento dessa sinfonia (e
exaustivamente). A sinfonia ganha outra dimensão escutada inteira. Mesmo assim,
escutando essa música é impossível não se lembrar de Tadzio... e de quando eu morri na
praia.
Dança das Horas de "La Gioconda"– Amilcare Ponchielli (1834-1886)
Ah, essa eu peguei daquele desenho "Fantasia", do Walt Disney. Tinha umas
coisas bem kitsch, como hipopótamos dançando balé com avestruzes. Cruzes! Ahaha.
Mas a música é bonita, tem toda uma dramaticidade meio kitsch. Aliás, se formos ser
rigorosos, toda música clássica tem algo de kitsch, não? Algo melodramático, exagerado,
flamboyant.
24 Caprichos – Nicolo Paganini (1782-1840)
Esse cara tinha pacto com o demo! Paganini era um romântico maldito que
levantou muitos boatos na época sobre ter vendido a alma para o diabo para dominar o
205
violino. Esses "caprichos" dele são exercícios de técnica (como os de Bach no cravo).
Muitas vezes me lembram a risada do Pica-pau, haha (tenho certeza de que o Walter Lantz
tirou de lá). E como eu gosto dessas coisas excessivas, me delicio. Além do mais, Liszt
pagava pau pra ele.
O Lago dos Cisnes – Pjotr Ilyitch Tchaikovsky (1840-1893)
Tchaikovsky é um desses compositores mais "alegrinhos", né? Que também
teve sua música em desenhos animadinhos da Disney e tudo mais. O "Lago dos Cisnes"
também não é especialmente exagerado ou "mórbido", mas tem um primeiro movimento
que acabou sendo associado aos filmes de terror da década de 30, como o "Drácula" do
Bela Lugosi. Teve também a história de ter sido criado como um ballet, mas era
considerado complicado demais para se dançar. Por essas e outras, entra no meu top 10.
E não vamos esquecer que na próxima terça (23) eu vou estar num debate no
Itaú Cultural, às 17 horas. Para ver a programação completa do evento, clique no:
http://www.itaucultural.org.br/index.cfm?cd_pagina=2398
30/11/2004
HORA EXTRA DE MIM MESMO
“Feriado de Mim Mesmo”, meu próximo romance, já foi revisado e
diagramado. Ficou com 160 páginas (maior do que “Olívio”, menor do que “A Morte”),
achei um tamanho bom para um romance contemporâneo, apesar dele ter uma estrutura
mais próxima de novela (narrado linearmente – quase em tempo real – durante um curto
espaço de tempo).
Como eu já falei, a foto de capa é assinada pelo Daniel Luciancencov e eu.
Mas ainda não posso dizer o que é.
A orelha também já está pronta, mais uma vez escrita por mim mesmo (não
me sinto confortável com alguém enfiando o dedo na minha orelha, heheeh). Ela já está
há algum tempo aqui no site. Vocês podem ler, e ter mais detalhes do livro no link
“Feriado de Mim Mesmo”, aí do lado.
206
02/12/2004
PEQUENAS HISTÓRIAS DE OLHO GRANDE
Semana passada dois sites me pediram contos. Mandei "O Pequeno Conto
que Sorri" para o Patife e "Quasímodo" para o Portal Literal. Assim que estiverem no
ar eu coloco os links aqui.
Não tenho muitos contos circulando, também é raro me pedirem. Estava
fazendo um inventário do que foi espalhado.
207
ele escreveu ainda bem jovem, como "O Pequeno Sr. Friedmann", "O Caminho do
Cemitério" e "O Menino Prodígio". Todos eles têm aqueles valores Mannianos, que
podem ser encontrados nos romances mais famosos dele, como "A Montanha Mágica" e
"Morte em Veneza". E ainda têm um clima mais romântico e ingênuo que ele foi perdendo
com a idade (ou talvez com o Nobel, haha).
Outro que gosto bastante é o Saki (pseudônimo de Hector Hugh Munro). Não
sei se ele tem alguma coisa em português. Eu tenho as obras completas em inglês. São
contos curtíssimos, sátiras da sociedade inglesa no começo do século vinte, com um
humor "dandy" bem wildeano. Ele também tem algumas coisas de terror/fantasia, mas
sempre com esse olhar "glam".
Dos nacionais, (o livro de contos) "Morangos Mofados" do Caio Fernando
Abreu já é um clássico. Outro dia estava conversando com o Ismael sobre isso. Não dá
para ignorar "Pela Passagem de Uma Grande Dor", "Aqueles Dois" e mesmo "Sargento
Garcia". Mas eu não sou fã incondicional do Caio, não. Nesse mesmo livro tem o conto
"Diálogo", que eu acho uma idiotice. E o romance "Onde Andará Dulce Veiga", cá entre
nós, eu também não agüento...
Recentemente comecei a me aprofundar na obra da Clarice. Descobri
"Felicidade Clandestina", "A Quinta História", "O Crime do Professor de Matemática" e
outros contos delicados e importantes. Mas é por causa de coisas como "Aniversário"
(que eu coloquei aqui no site) ou de "O Primeiro Beijo", que a imagem dela nunca será
imaculada para mim. Clarice tambem pisa na bola e deixa pra história. No cômputo total
da obra, prefiro a Lygia, "As Formigas", "Verde Lagarto Amarelo", "Seminário dos
Ratos"...
Tem também o "Noite na Taverna", do Álvares de Azevedo, que nenhum
gótico pode desprezar; "Contos Novos" do Mário de Andrade; alguns contos do Moacyr
Scliar. Mas talvez o meu livro de contos nacionais favorito seja "O Cego e a Dançarina"
do João Gilberto Noll, especialmente "Alguma Coisa Urgentemente", "Miguel, Miguel,
Não Tens Abelhas e Vendes Mel" e "O Meu Amigo", esse último talvez seja MEU
CONTO FAVORITO DE TODOS OS TEMPOS.
Bem, o livro está esgotado há tempos, mas pode ser encontrado dentro do
volume "Romances e Contos Reunidos" do Noll, lançado pela Cia das Letras, e quem
209
estiver muito curioso consegue ler numa livraria, porque esse conto é curto. "O Meu
Amigo".
Outro dos meus favoritos é o conto do Paulo Henriques Britto – "O
Companheiro de Quarto", que pode ser lido no site da Editora 7 Letras.
Dos mais atuais, o Marcelino Freire, com seus "Balé Ralé" e "Angu de
Sangue" faz a diferença. Eu prefiro o "Angu", mas os dois livros tem uma linguagem
bem interessante, sonora, um ritmo dinâmico. Parecem mesmo contos para se ler em voz
alta.
Que mais de novo? Teve a revista "Ácaro", do Paulo Werneck e do Chico
Mattoso, que trouxe contos ótimos da "minha geração", contos para ser lido em revista
mesmo, mas só durou dois números. De qualquer forma, elas ainda podem ser
encontradas pelas FNACS por aí. A primeira tem um conto que eu adoro do Antônio
Prata, chamado "Flexibilidade".
Hum, muitos outros. Sempre chegam livros aqui em casa. E eu comento
quando é oportuno. O último que ganhei foi o "Pequeno Dicionário de Percevejos" das
mãos (e da autoria) do Nelson de Oliveira, mas não li ainda. Estou lendo o romance
"Boquinhas Pintadas", do Manuel Puig, que ganhei do Donizete Galvão, além de me
aprofundar nos estudos de herpetologia e finlandês.
Ah, e ainda quero encontrar as páginas para ser feliz...
06/12/2004
CARAVANA DA ALEGRIA
Outro dia eu estava em casa às 4:30 da manhã ouvindo ABBA atentamente...
Ah, pára com isso, ABBA é legal. Eu nem sou de "Disco", mas quando você
conhece um pouco a cultura escandinava, ABBA faz muito mais sentido, haha. Toda essa
coisa "kitsch higiênica" – ou um "proto-almodovarismo ingênuo", haha. Aliás, ABBA é
uma banda sueca, mas tem uma banda Finlandesa chamada Ultra Bra que vai pela mesma
linha, e é das poucas que canta em finlandês que eu gosto.
210
08/12/2004
O BOZO QUE VEIO DO INFERNO
A caravana da alegria já passou. Foi só um ataque de serotonina.
Para resgatar as trevas em meu coração, me lembrei dum filme que aluguei
outro dia com o Daniel (ok, EU aluguei e o obriguei a assistir). É o “Palhaço Assassino”
(“Clown House”) do Victor Salvia.
Calma, calma, leia até o fim, vai ficar bom.
Tudo bem, não é um filme bom (se bem que é capaz de entrar na lista do
Carlão Reichenbach como um dos “melhores filmes de todos os tempos”, haha), mas tem
algo de bem bizarro nele. A história é aquela coisa que você imagina, um bando de
psicopatas vestidos de palhaços invadem uma casa onde moram três garotos adolescentes.
A tosqueira é tanta que os garotos se livram dos palhaços em “grand clown style”, ou
seja, eles usam truques idiotas de circo para vencer os psicos.
Mas o filme tem um leve toque surreal-onírico que o torna interessante. Eu
não sabia exatamente o que era, até ler a biografia do diretor...
212
Victor Salvia foi preso logo depois de lançar esse filme. Foi descoberto que
ele abusou sexualmente dos meninos e filmou tudo. Ou seja, a história dos palhaços em
parte era verdadeira. Isso torna “Palhaço Assassino” praticamente um “snuff” lançado
comercialmente!
Agora quer o endereço de onde eu aluguei? Haha. Não sei se é fácil de achar.
Aqui numa locadora da Peixoto Gomide tem – VHS, claro.
Victor Salvia saiu da cadeia anos depois e voltou ao estrelato com “Olhos
Famintos” (“Jeepers Creepers”), filme de terror que foi produzido por Francis Ford
Copolla. A metade inicial do filme até que é boa, depois vira uma tosqueira. Ele se
esforçou muito para criar um super-vilão como o Freddy, Jason e afins.
Esse filme também é protagonizado por um rapazola petiscável. Depois de
amargar na cadeia Victor Salvia passou a trabalhar com “barely legal”.
Sabendo dessas histórias do diretor, os filmes deles ganham uma nova visão.
Parecem todos uma grande alegoria de seus próprios desejos, fetiches e perversões. Não
que se tornem filmes bons, mas com certeza se tornam mais assustadores.
Nessa etapa da “cruzada da sordidez”, quais são os filmes/livros mais pesados
que vocês conhecem?
Filmes é fácil: “Saló” – do Pasolini (que também abusou de jovenzinhos, e
foi assassinado por isso), é o principal, não dá para contestar. O filme é um terror terrível
medonho, apesar da soberba cinematografia. Vocês sabem, é aquele sobre um grupo de
fascistas que leva adolescentes para um castelo e os tortura de todas as formas, de maneira
explicita.
Pior que eu fui assistir com uma menina em Porto Alegre que ficou o filme
inteiro falando no celular...
Outro é “Requiem para um Sonho”, do Darren Aronofsky Foi o filme que
me fez passar mais mal. Ele tem um efeito entorpecente impressionante (ou então eu tive
alguma crise psíquica no meio da sessão). É um filme que reproduz no espectador o efeito
avançado de drogas como heroína no cérebro.
Em terceiro deve vir “Audition”, do Takeshi Miike (que, ALIÁS, ei vi numa
sessão do Carlão Reichenbach, no Cinesesc). Já falei deste filme aqui, não? Durante uma
hora e meia o filme é uma comédia romântica super fofinha, depois entra num clima de
213
pesadelo impressionante, daqueles que abre portas do seu inconsciente e coloca um gato
miando lá dentro. Eu nunca vi nenhuma obra “carinhosa” ter esse poder.
Será mesmo que só é possível causar um impacto dessa magnitude no
espectador com fontes funestas? Ou eu que sou insensível ao canto das cotovias?
Não, eu nunca chorei com E.T.
10/12/2004
POR QUEM OS GATOS MIAM
Meu conto "Quasímodo"já está no ar no "Portal Literal", num especial de 2
anos do site. Dá pra ler no:
http://portalliteral.terra.com.br/index.htm
Voltando às listas, vai agora a dos meus filmes favoritos. Não coloquei
nenhum nacional. E fiz uma lista separada só para filmes de terror, ehehehe, porque os
critérios são outros. Primeiro vai essa:
"Adeus Minha Concubina" de Chen Kaige (China) -1993
Esse é provavelmente meu filme favorito DE TODOS OS TEMPOS. Eu até
tenho a fita aqui em casa, aquela da Videoteca Folha. É a história de dois meninos que
são criados desde pequenos para serem atores da Ópera de Pequim, um interpretando o
rei e o outro a concubina. Claro que eles vivem em conflito de identidade com seus
personagens e têm uma relação doentia um com o outro. É tudo tão bonito, a fotografia,
as roupas, a história. O filme é longuíssimo e acompanha também a história da china no
século vinte. Fora que eu acho o idioma uma graça, a coisa mais parecida miados de gato
que há. Haha.
"Aconteceu na Suite 16" de Dominique Deruddere (Bélgica) -1996
Esse é pouco conhecido. Eu também tenho aqui em fita, mas comprei direto
de uma distribuidora quando eu trabalhava numa livraria. E não é fácil de achar pra alugar.
É um filme bem "wildeano", a história de um michê cafajeste que espanca e rouba
mulheres. Um dia, numa fuga, ele se esconde num quarto de hotel (a suite 16), onde mora
214
um velho paraplégico. O velho inicialmente é feito de refém, mas aos poucos vai virando
a situação e dominando o petiz, que não tem lá muito cérebro. Um filme sobre a beleza e
a juventude, e suas obsessões.
"Ed Wood" de Tim Burton (EUA) -1994
Ah, do Tim Burton eu gosto de vários (e desgosto de alguns). Eu poderia
colocar também "Big Fish", que é lindinho e fabulesco. Mas esse eu acho que é mais
representativo. A biografia do cineasta trash Edward D. Wood Jr, conhecido como "o pior
diretor de todos os tempos". O papél título é de Johnny Depp. Martin Landau faz o Bela
Lugosi. O filme todo é rodado em PB. O que mais eu poderia querer?
"Não Viver" de Hiroshi Shimizu (Japão) – 1997
Já falei desse aqui, não? É aquele dos japoneses que decidem morrer para as
famílias ganharem o seguro de vida. Então armam uma viagem na qual o ônibus
despencará de um penhasco no terceiro dia. Só que uma japonesinha serelepe teen entra
no ônibus por engano e quer curtir a viagem. Eles não avisam nada, para usá-la de álibi
na companhia de seguro – a única que não tem motivo para morrer – mas, ao mesmo
tempo, ela vai mostrando a eles "belas razões para se viver". Não é piegas não. Tem um
certo humor negro.
"Morte em Veneza" de Luchino Visconti (Itália) -1971
Ah, Tadzio. Acho que essa é a melhor adaptação de uma obra literária para o
cinema. É bem fiel. As pequenas modificações não alteram em nada a essência da obra.
O Tadzio das telas é exatamente o que você imagina do Tadzio das páginas. E toda aquela
melancolia, aquela lentidão. É um filme para ser visto exatamente como faz o personagem
principal, por fetiche, admirando a beleza, a fotografia, sem pressa de nada acontecer,
mas com um certo desespero...
"O Anjo Exterminador" de Luis Buñuel (México) -1962
A idéia do filme é simples, maravilhosa e arquetípica: convidados não
conseguem ir embora de uma festa. Nada os prende, não há barreira alguma ou coação,
apenas um bloqueio psicológico que os mantém por dias e dias na mesma sala, sem
conseguir sair de lá. Claro que é uma história absurda, claro que é uma obra surrealista,
mas foge à lógica fragmentária do gênero. É comum nas obras surrealistas jogarem-se
muitos elementos desconexos, como citações imagéticas, para se criar o estranhamento.
215
Nesse filme isso é mais sutil, e eu considero isso um grande mérito. Do Bunuel eu também
adoro "O Obscuro Objeto do Desejo".
"Amores Expressos" de Wong Kar Wai (Hong Kong) – 1993
Hum, também é difícil escolher um filme do Wong Kar Wai. Apesar dele não
ter muitos, são todos lindos, modernos e poéticos. Esse foi o primeiro que eu vi. Talvez
não seja o melhor, mas é o mais "meigo". Todos os personagens são ternos, bonitinhos, e
ainda assim melancólicos, solitários. São duas histórias que semi-interagem. Não têm
muito a ver uma com a outra, mas acontecem na mesma região de Hong Kong, na mesma
época, divindo cenários.
"Adeus Dragon Inn" de Tsai Ming Liang (Taiwan) – 2003
Tsai Ming Liang é dos meus diretores favoritos. Talvez este seja o filme mais
"difícil" dele. Nunca entrou em cartaz. Também não tem em vídeo, e PRECISA ser visto
no cinema. Retrata a última sessão de um cinema decadente de Taiwan, que já teve seus
dias de glória. Na platéia, circulam prostitutas, crianças, gays a caça e velhos atores. Os
planos são longuíssimos. Muitas vezes estamos sentados no cinema olhando para a cara
de atores que também estão sentados. Assistimos a eles assistindo um filme. É um
exercício extremo de metalinguagem. Genial. Mas cansativo.
"Dogville" de Lars Von Trier (Dinamarca) – 2003
Esse todo mundo conhece, não? Acho que tem o melhor final que já vi num
filme. Satisfez todos os meus desejos. E toda a estrutura do filme, aquele cenário, o tom
de fábula, é muito inteligente. Eu gosto de todos os filmes dele que vi, mas acho que esse
é mesmo meu favorito.
"O Processo" de Orson Welles (EUA) 1962
Já que tem de colocar Orson Welles, né? haha. Ok, deste filme eu gosto
bastante. Tem um clima de pesadelo bem próximo do livro, apesar de tomar várias
liberdades na trama. Na verdade, eu vi uma versão ainda melhor, na TV Senado,
acreditem ou não. Era uma montagem meio teatral, com atores de verdade, mas todo o
cenário feito em computação. O cenário se movimentava, girava, rodava, enquanto os
atores ficavam parados. Os atores eram multiplicados na tela, cada um dizendo uma parte
do texto. Era uma coisa como eu nunca vi igual, super diferente e bem oportuna para a
trama. Mas eu perdi o começo, nunca mais vi, nem sei de quem é, nem se tem para alugar.
Se alguém souber...
216
Ah, o Jaspion, aquele japa-gaúcho falseta que foi meu namorado, foi para o
Paraguai e para quem eu dediquei "A Morte", criou uma comunidade "Eu Amo Fazer
Listas" no Orkut. Ele é o rei de fazer de fazer essas listas. Quero dizer, o príncipe
herdeiro... de Nick Hornby.
13/12/2004
MALDIÇÕES DE BERÇO
Já podem ir marcando na agenda. O lançamento do meu terceiro romance,
"Feriado de Mim Mesmo" (Ed Planeta) está marcado para dia 29/03/05, na Casa do Saber,
em SP. E em maio na Bienal do Rio.
Aqui em SP, farei o lançamento com a minha mãe, Elisa Nazarian, que estará
lançando "Resposta", seu primeiro livro, pela Atelier Editorial. O livro dela é um longo
poema em prosa poética sobre as contradições de um relacionamento homem-mulher. Eu
assino a orelha. Mais pra frente eu coloco o texto aqui.
Por enquanto, vai a minha lista dos "favoritos do terror e suspense":
"Halloween" de John Carpenter (EUA) -1978
Um clássico. É o filme que deu sequência a "Jasons", "Freddys" e outros
monstros mascarados. É lento, meio sem sentido, mas com um clima todo especial.
Trama: assassino mascarado mata mulheres gostosonas na noite de Halloween. Só isso.
E já tá ótimo. Eu tenho o cd com a trilha aqui, que tem quase todo o áudio do filme, as
falas, os gritos e tudo mais. Ótimo para os vizinhos ficarem com suspeitas em relação a
mim.
"A Nightmare on Elm Street" de Wes Craven (EUA) -1984
O filme que criou Freddy Krueger! E que me criou na adolescência também.
Eu adorava. Ainda adoro. Ainda quero uma luvinha decente do Freddy (vocês podem
colocar na lista de compras de Natal). A idéia do monstro que ataca nos pesadelos é
simples e ótima, não é a toa que gerou 7 continuações. E eu torci pro Freddy quando ele
lutou com o Jason.
217
tudo na loucura da trama, como no personagem do "vovô" que é praticamente uma múmia
e se alimenta de sangue humano.
"The Evil Dead" de Sam Raimi (EUA) – 1981
Um dos mais assustadores que eu já vi. Foi feito de maneira amadora, por um
grupo de amigos de vinte e poucos anos. A história é das mais banais. Jovens numa cabana
no meio da floresta são possuidos por demônios e começam a se matar uns aos outros.
Mas o filme é tão escabroso, tão sangrento e tão neurótico que se torna obra de arte. E
hoje em dia o diretor está fazendo "homens-aranhas" e afins.
"Audition" de Takeshi Miike (Japão) – 1999
Ah, já falei demais desse filme. Taí: mezzo-comédia romântica, mezzo-terror
terrível medonho. Um cineasta viúvo faz testes com atrizes para um suposto filme, mas
na verdade ele procura uma esposa, e acaba encontrando uma garota linda, tímida e
disponível. Conforme o romance vai avançando, a menina se revela uma louca psicótica
que corta membros (línguas, dedos, pés) de seus amantes e os mantém presos dentro de
um saco. Cenas explícitas, sim, de arrepiar.
"Funny Games" de Michael Haneke (Áustria) – 1998.
Esse filme é outro chumbaço. Poderia entrar na minha lista dos mais pesados.
É só sordidez, violência e desesperança. Dois jovens torturam uma família, de todas as
formas possíveis, durante um final de semana. O filme ainda tem toques de
metalingüagem e ironia. E sei lá mais o que. Ah, vou alugar "A Pequena Sereia".
14/12/2004
VERÃO NOS PULMÕES
Ai, ai, meu "sonho de uma noite de verão" já começou. Minha mãe mora no
interior, mas tá vendendo uma casa com piscina no Jardim Paulistano, aqui em São Paulo
(oh, pros endinheirados...). Eu fiquei lá no final de semana tostando feito um tomate
assassino. Mas agora que o hidratante sossegou minha cutis, o cheiro dele me traz
lembranças mais dolorosas...
219
"daquele cheiro,
daquele pandeiro,
daquele Rio de Janeiro,
daquele seu verde olhar brasileiro, que era meu."
Ahah, ok, isso é Eduardo Dussek. "Olhar Brasileiro". Ele é genial. Só não
entrou no meu TOP 10 nacional porque eu só descobri isso semana passada.
Mas, voltando ao verão, vai dando uma melancolia... Essa coisa de final de
ano, reveillon, verões mais felizes (porque sempre parece que o verão passado foi mais
feliz... Bem, no meu caso, o retrasado, faz tempo que não tenho verão).
E eu que estou queimadinho, malhadinho, cabelinho compridinho, cheio de
tatuagens (isso é o início de um classificado) e nem tenho praia. Não que praia seja minha
praia, mas a gente também tem inveja da felicidade dos outros, não é? Acho que foi minha
irmã que disse que adoraria gostar de panetone. E eu queria aproveitar mais o salgado...
do mar.
O melhor do verão mesmo são as noites.
Tive dois reveillons tão legais em Santa, em 2001 e 2002 na casa da minha
queridinha Letícia Peroni. Dois carnavais em Floripa também, um deles numa casa que
aluguei com os guris de Porto Alegre, Fernando e Otávio. Teve o carnaval de 2003 no
Rio, em que meu ex-patrão de Londres, o Tommy, pagou tudo, inclusive o hotel. E desde
então é só fumaça nos meus pulmões.
Hum, é, dei umas escapadinhas para o apartamento do Daniel no Guarujá.
Agora estou tão pobre, tão pobre, tãaaaaaaaaaao pobre, que nem sei se vou
poder pagar o ingresso para 2005. Preciso arrumar um trabalho urgentemente. Meu
reveillon está em aberto, sim. Eu pensei em fazer uma festa lá na casa vazia da minha
mãe, já que tem piscina e nada pra roubar/quebrar/queimar/derreter/absorver. Mas sei lá,
todo mundo vai viajar. E eu precisava juntar uma galera para agilizar a festa (oh, aqui tem
uma proposta implícita).
Vai então um som tradicional de ano novo:
"In case I stand a little chance
here comes the jackpot question in advance,
what are you doing New Year’s, New Year’s Eve?
What are you doing in New Year’s Eve?"
220
Só sei que até o carnaval eu vou ser feliz! Vou fazer que nem fiz no meu
primeiro verão em Porto Alegre. Mandei email para todo mundo do meu trabalho dizendo
que cada um teria a obrigação de me levar para conhecer uma praia do sul a cada final de
semana. Deu certo (tudo bem, não foi todo mundo). Ah, mas agora eu nem tenho
trabalho...
Que post inútil.
Bem, eu tenho um conto chamado "Verão nos Pulmões", que escrevi há um
bom tempo, mas ainda gosto bastante. Só que não vou colocar aqui. Vou tentar vender
pra algum lugar e pagar uma viagem pra praia. Não foi o Allen Ginsberg que escreveu
um poema sobre ter sido roubado em 60 dólares e recebeu $400 por ele? Haha! Quero
uma queimadura de terceiro grau!!!
23/12/2004
NOTÍCIAS FRESCAS DE ÚLTIMA HORA COM KIWI
Ops, é véspera de véspera de Natal, estou tomando vinho de Kiwi (é pior do
que parece) e nem deveria estar aqui. Mas como eu sou desocupado (e obsessivo) vai aí:
Feliz Natal, afinal.
Tinha uma notícia para contar, mas eu achava que era segredo. Como o
Marcelino (Freire) divulgou num jornal do Ceará e já está na rede, posso dizer. Eu e ele
estamos organizando uma antologia de contos gays.
Não, nada de putaria, homoerotismo ou essas coisas hormonais. A intenção é
pegar contos FODA de autores brasileiros FODA, de todos os tempos, que tratem desse
tema. Pra servir de bom exemplo pra garotada, sabe? Um "Para Gostar de Ler" com
purpurina. Já temos vários nomes de contos e autores, mas até confirmarmos os direitos
e tal, é melhor eu não mencionar ninguém.
Fui tendo essa idéia aos poucos, lendo bons contos com essa temática
espalhados por aí. Comentei com o André Takeda (que é MACHO, até onde eu saiba)
sobre isso, depois com o Evandro Affonso Ferreira (que também é MACHÃO), até que
221
chegou aos ouvidos do Marcelino e ele topou organizar comigo. Fechamos a parceria no
Itaú Cultural. Ele inclusive levou a idéia para sua nova editora, a Record. Deve sair por
lá no segundo semestre de 2005, se tudo der certo...
Fora isso, que mais? Sei lá. Ah, a assessoria da Planeta falou que deve sair
algo sobre mim na revista "Quem". Haha. É verdade. Eu também não acredito, só por isso
anuncio aqui, para que se alguém viu/ver me avisar. Eu tento manter meu clipping bem
recheado. E já fiz fotos pra eles sim, mas faz tempo...
Eu volto semana que vem, porque não consigo desplugar. E comento sobre
todos os livros que recebi este ano.
Valeu!
17/01/2005
NÃO TENTE FAZER ISSO EM CASA
Hum, com esse freela novo as coisas melhoraram um pouquinho. Até comprei
um pote de sorvete de doce de abóbora. Viu? Não é preciso muito para me fazer feliz.
Mas no final do ano passado, quando eu tava chupando sacolé, uma amiga
me deu a idéia para eu ficar rico: "Por que você não monta uma oficina?"
Ai, mas eu nem sei onde fica o carburador...
Gracinhas à parte, não entendo mesmo dessas "oficinas literárias". Quem já
fez, me explique: é para aprender, consertar ou só exercitar? Quando eu penso nisso me
dá uma artrite nos seis dedos... Só de pensar num monte de gente sentada discutindo seus
próprios textos, uns avaliando os outros... ai, ai... Eles acendem incenso também?
Pior seria eu coordenando esse processo. Imagine, eu dando uma oficina
literária? Haha. Não acredito nisso não. Cada um que descubra seu próprio processo, suas
próprias doenças e maneiras de lidar com elas. Não quero ser responsável pelo suicídio
de ninguém, já chega todos os meus.
Lembrei disso porque vi hoje um site mongoloidíssimo, que tem pretensas
fórmulas para se "publicar o primeiro livro". Não são só dicas de mercado, não. Tem umas
222
coisas imbecis como "o que prende realmente a atenção num livro são os diálogos", "na
hora de descrever os lugares, não se esqueça das condições climáticas". Eu me pergunto,
que livro escreveu o autor (ou atores) daquela joça?
Não, eu não vou dar o endereço do site aqui. Como eu já disse, não quero ser
responsável pelo suicídio de ninguém.
Na verdade, eu não acredito muito no processo de ensino em geral não. Sei
que isso é uma coisa bem adolescente de se dizer, mas fazer o quê? Principalmente nas
áreas de humanas, o conhecimento acaba sendo apenas a opinião alheia, pois a verdade
mesmo não existe. Ë bom saber o que os outros pensam, mas daí a aceitar como regra ou
instrução...
E os professores sempre são tão vaidosos, não é? Tão certos do que estão
passando. Ou do que ‘Focault" disse.
(ai, será que alguém vai me matar antes de se suicidar?)
O que importa é o pipoqueiro, que eu vi descendo a rua, no final da tarde de
ontem.
Claro que tive uma relação de amor e ódio com todos meus professores. E
(com apenas a exceção de uma professora de história que eu tive) nunca nenhum deles
acreditou que eu seria escritor. Nem achavam que eu "escrevia bem". Achavam apenas
que eu era "criativo", me davam nota 8. E dez para a menininha de caligrafia bonita, que
hoje está estudando sociologia.
Mas o que importa é o pipoqueiro que eu vi descendo a rua no final da tarde
de ontem.
Lembro uma vez que eu cabulei a aula de português do professor Carlos
Emílio Faraco e deixei uma placa na minha mesa: "Em manutenção." Quando eu voltei
pra classe, umas duas horas depois, tinha um bilhete dele: "Não tem mais conserto. Tá na
garantia?"
Sério, entendo porque alguns grandes escritores dão oficinas literárias, todo
mundo precisa de sorvete de doce de abóbora. Mas por que alguém FREQÜENTA uma
oficina literária? Isso é uma pergunta, não uma
condenação. O processo de escrita é algo muito particular, como se divide isso com os
outros?
223
Talvez um dia até eu descubra minha fórmula para dar uma oficina, mas,
enquanto eu estiver com tudo em cima, acharei mais digno posar pra G Magazine.
Bem, bem, se é para eu dar minhas dicas, elas seriam as seguintes:
1) Escreva, mané, escreva. Não fique pensando no livro maravilhoso que você
gostaria de fazer. Em pensamento, todos os livros são maravilhosos. Escreva, mané,
escreva. Não é isso que você gosta de fazer?
2) Não se obrigue a ler ninguém. Nenhum. Nem Machado nem Clarice nem
ninguém. Leia só o que você quiser, quem você quiser e quando você quiser. E, se você
não quiser, por que escrever?
3) Não faça nada que você não queira. Não se sinta obrigado a nada. No seu
livro, eu quero dizer. Se você não quer dar nome pro personagem, não dê. Se você não
quer descrever a casa dele, não descreva. Não escreva nada que você não queira escrever,
do contrário ninguém vai querer ler. É como aqueles filmes pornográficos que ficam
perdendo tempo com história. Por que não coloca só um monte de cenas de sexo de uma
vez? Liberdade! Liberdade!
4) Hum, ai, sei lá. Viu como não dá certo minha oficina?
24/02/2005
COMO ESCREVER BESTSELLERS, GANHAR PRÊMIOS E
INFLUENCIAR PESSOAS
Eu não tenho idéia. Hehe
Dia desses eu estava lendo uma entrevista com o ótimo Daniel Galera (ótimo
pelas coisas que ele fala e pelo que conversamos rapidamente, porque ainda não li nada
dele, mas quero). Era uma entrevista antiga, em que ele falava sobre a criação da sua
editora, "Livros do Mal", sobre as dificuldades de publicação e a Internet como veículo
de novos autores.
Admiro a iniciativa dele e de outros escritores que arregaçam as mangas,
criam suas próprias editoras, publicam na net. Na verdade, essas pessoas estão abrindo
224
espaço inclusive para mim. São escritores como o Galera que abrem espaço no mercado
para jovens autores. São escritores como o Marcelino que fazem com que a "nova
literatura" seja discutida, ganhe projeção.
Mas eu acho esses dois trabalhos (o de escrever e de criar movimentos) tão
dispares, tão distantes um do outro. Para mim, o trabalho de escrever é algo tão associado
à individualidade, que se torna quase paradoxal esses "movimentos", agrupamentos. Fora
que essa coisa de amigos que se reúnem para trocar textos, produzir fanzines, ai! Não,
parece coisa de quem escuta Legião Urbana. Tudo bem fazer palestras, participar de
debates, todas essas coisas para divulgar seu trabalho. Mas não dá pra transformar
literatura em criação coletiva. Se é pra formar grupos, monte uma banda de rock.
Aliás, eu sinto que é isso o que a maioria dos jovens escritores queria. Eles
queriam mesmo ser rockstars (e muitos têm bandas paralelas). Parece que são escritores
apenas enquanto não alcançaram o estrelato. Se tivessem um clip de sucesso na MTV,
deixariam de fazer livros. Então, talvez muitos dos "escritores promissores" que temos
por aí, muitos daqueles que até escrevem bem mesmo, com o tempo acabem largando a
escrita por "realizações maiores".
Comigo eu já acho o contrário. Larguei a música pela falta de talento e,
principalmente, para me dedicar a uma arte mais autoral, mais individual. O poder de
poder criar um universo sozinho, sem depender de ninguém, é o que mais me motiva. E,
felizmente, nenhum dos meus três romances publicados sofreu alteração alguma por parte
dos editores.
Conversei sobre isso com a Eliane Caffé, quando estávamos fazendo o roteiro
de "Feriado de Mim Mesmo". Eu assino o roteiro sozinho, mas a Eliane me deu várias
dicas e me sugeriu diversas mudanças. Achei um trabalho interessante de se fazer, faria
de novo (principalmente pela grana), mas não chegou nem perto do prazer que me dá
escrever um livro. Isso porque o livro é meu, o filme não. O filme nem mesmo é dela,
pois envolve um trabalho de muitas outras pessoas. Eu jamais deixaria de escrever livros
se fizesse sucesso com cinema. Aliás, quero usar o cinema para divulgar meu trabalho de
escritor, e não usar meus livros para virar roteirista.
Entendo menos ainda as pessoas que querem escrever livros mas não os
escrevem. A questão não é querer, é precisar! Do que essas pessoas precisam? Apenas
225
09/04/2005
QUEREM ACABAR COMIGO, ROBERTO
Ai, ai... que dor.
Saiu hoje resenha na Folha de São Paulo. Não é positiva. Tem alguns pontos
legais, dá até para extrair um trecho "benéfico" para minha página do "Feriado" (se é esse
o jogo), mas, no geral, a resenha afunda o livro. O que ferra são aquelas duas estrelas no
final, que resumem tudo.
Quem assina é Marçal Aquino, que eu conheço pessoalmente - inclusive
somos representados pela mesma agente internacionalmente. Não é uma crítica maldosa,
apesar de certo tom "jocoso" com os problemas de revisão do livro. Ironicamente, ele
coloca o final do livro como o ponto alto: "Quem persistir, será recompensado: em seu
terço final, a novela ganha outra dimensão e vigor inesperado, revelando sua verdadeira
natureza. Um thriller claustrofóbico."
Bem, é isso. Não dá para ser unânime. Dói mais por ser a primeira. Sim, essa
é a PRIMEIRA crítica negativa que recebo de um livro meu. Não que os anteriores fossem
perfeitos, mas quem não gostava não devia sentir necessidade de criticar um autor
iniciante. Agora acabou a mamata.
Para completar, "O Globo" publicou uma matéria quase de página inteira
sobre mim. É, sobre mim, não há resenha do "Feriado", eles apenas contam ligeiramente
a história. Quem assina é Eduardo Simões, que fez uma longa entrevista comigo por
telefone. Ele foi bem preciso em condensar tudo o que eu disse na matéria. Mas, no final
227
das contas, acaba vendendo mais o personagem "Santiago Nazarian" do que o livro. Fora
que a foto ficou esquisitíssima...
Mas tá valendo. Ele foi querido.
Vou tentar esquecer de tudo comendo gelatina. Ou lembrar de uma festa em
que fui ontem, depois do lançamento do CD do Lastpain, na qual um coelho (é, coelho),
ficou pulando entre as pessoas na pista e subindo no meu colo. Acho que ele pensava que
era um gato. A esquizofrenia chegou aos animais.
02/05/2005
GLACÊ NOS MALDITOS!
‘‘Quero manter o que já conquistei, ser exclusivo para mim mesmo e meus
leitores. Quero manter a minha individualidade’’
Trecho da entrevista que concedi ao Tribuna de Santos para Elcira Nuñez y
Nuñez. Foi publicada ontem. Enfim, uma matéria biográfica que não fica em cima das
minhas bizarrices, conta o lado mais literário da minha história, e por isso mesmo acaba
sendo diferente de todas as outras coisas que já saíram a meu respeito.
Ontem também fui citado pelo (dramaturgo) Alcides Nogueira no Estadão
como "um dos bons escritores que descobriu alertado pela crítica". Você vê, a coisa
funciona. Uma honra para mim.
O lançamento em Santos, na Realejo, foi muito carinhoso. Pouca gente, mas
gente participativa e interessante, que perguntava, queria conhecer, levou o livro. Não
fiquei quase nada na cidade, mas achei aquela praça central bem bonita, uma coisa meio
"Picadilly Circus". Sério! Haha.
Tive uns dias de baixa, questionando meus objetivos, o que já conquistei e
aonde quero chegar. Começam a surgir os comentários maldosos e eu prefiria ficar imune
a tudo isso. Mas é impossível. Talvez o escritor seja o artista mais contraditório, à medida
que expõe seu universo pessoal, mas procura se resguardar. Só que isso está mudando.
Cada vez mais o escritor está percebendo que é um artista como qualquer outro, que tem
228
de ir aonde o público está, tem de promover sua obra, vestir o personagem. Quem está
surgindo agora e se recusa a fazer isso, com certeza desaparecerá.
É tudo pela obra. Eu posso sair na Quem, na Caras ou sentar no sofá da Hebe,
que nada vai mudar a densidade do que já está escrito e publicado. Agora é fazer isso
chegar às pessoas.
Falando em densidade do que já está publicado, estou terminando "O
Templo", único romance do poeta inglês Stephen Spender. Recebi de presente do (poeta)
Donizete Galvão, que tem sido um grande tutor literário para mim. O romance é uma
maravilha. Se eu tivesse lido quando adolescente, teria me destruído... ou constituído.
Agora, depois de ter lido muito do Thomas Mann, Spender não chega a perfurar meu
crânio, mas é bom para explicitar latências que os dândis apenas insinuavam.
O livro conta a história de um jovem inglês que vai à Alemanha basicamente
para... cair na esbórnia! É um cem número de personagens masculinos, todos descritos
com apetite pelo autor. Chega a ser uma crise hormonal! Logicamente ele bebe muito de
Mann e Wilde. A lógica do livro é bem wildeana: "beauty is a kind of genious".
Enquanto isso, tem gente lendo "O Terceiro Travesseiro", haha.
Queria viajar mais. Fazer lançamentos em todo Brasil. Recuperei tempo e
disposição. Mas é tão difícil a editora pagar alguma coisa. Semana que vem vou ao Rio,
com tudo pago pela Bienal. Meu lançamento lá é dia 13 de maio, 20h, no estande da
Planeta.
E já estou precisando de novos freelas...
22/05/2005
EU, CAÇADOR DE MIM MESMO
Nesta segunda começa a ser rodada a segunda edição de "Feriado de Mim
Mesmo". Não é o máximo? Vendi uma edição inteira em menos de dois meses! Por isso,
sinceramente, eu não esperava. Claro que agradeço ao povo daqui. Aos leitores fiéis...
229
Eu tive de reler o livro todo no final da semana, para fazer uma revisão. Sim,
sobrou pra mim, porque apesar da editora ter comido várias bolas na revisão da primeira
edição, eles não vão mandar fazer uma nova revisão. Eu não sou revisor, sou escritor!
Larguei o curso de Letras da USP assim que entrei. Então, para não sair erros crassos, li
e reli o livro e pedi ajuda para minha mãe.
Minha mãe é uma grande parceira, excelente escritora e leitora. É sempre a
primeira a ler meus textos. Nem sempre concordo com a opinião dela, mas respeito. Não
é opinião de mãe. Meu primeiro romance, "Olívio", por exemplo, ela não gosta. O que
ela mais gosta é mesmo o "Feriado".
O livro dela, "Resposta", está vendendo muito bem, apesar de ainda não ter
saído nada na mídia. Sabe como é, primeiro livro, editora pequena. Ela também não
administra a carreira (de escritora) da forma obsessiva como eu administro. Ela tem outro
tipo de trabalho e outro tipo de escrita. Mas é algo lindíssimo. Dêem uma olhada nas
livrarias e vejam o que vocês acham. "Resposta", de Elisa Nazarian.
Esta semana finalmente conheci minha agente, Ray-Güde Mertin. Ela me
representa internacionalmente desde a metade do ano passado, mas anda não havíamos
nos encontrado pessoalmente. Foi bom para saber como anda a circulação dos livros fora
do Brasil. Boas perspectivas. Ela é que conseguiu a edição portuguesa de "A Morte Sem
Nome" (ainda não saiu, mas já recebi a grana– será lançada no final do ano). Além de
mim, Ray representa o Saramago, Lygia Fagundes Telles, Marçal Aquino e outros
concorrentes desleais. Mulher forte essa.
E como tem mulheres fortes ao meu redor, hein? Leitoras principalmente.
Tenho recebido emails muito interessantes... Acho que vou retomar minha antiga carreira
HT. Haha.
Mudando de assunto, recebi esta semana uma crítica que o poeta, escritor e
dândi santista Flávio Viegas Amoreira fez de "A Morte Sem Nome". Foi publicada na
mesma edição do "Rascunho" em que saiu a resenha do "Feriado", pelo Suênio Campos
de Lucena. Maravilha. Flávio aponta "A Morte" como um dos cinco melhores livros
nacionais publicados neste milênio. Coloquei um trecho lá na página da "Morte".
Hoje fui na casa do Marcelino (Freire), conversar sobre uma antologia de
contos que estamos arquitetando. Foi ótimo também para dividir experiências com um
230
autor mais experiente, boa gente, que sabe administrar a carreira e que já passou por
muitos dos meus dilemas. Estou numa fase estranha, um pouco apreensivo...
Tem boas coisas acontecendo, mas minha maior preocupação continua sendo
como pagar as contas de junho (o dinheiro dos livros demora para vir...). O tipo de
conselho (e consolo) que recebo das pessoas é que "você está construindo algo
importante, logo vai colher os frutos." Mas o que como até lá? Como me preocupar com
a imortalidade, se não sei como sobreviver no próximo mês?
02/06/2005
SUCO DE CÉREBRO
Já viu "Old Boy"? Fui assistir só ontem. É um filme interessante, forte, denso,
ainda que bastante kitsch, fetichista, pop, folhetinesco. Tudo o que "Kill Bill" queria ser.
Mas eu não gosto do Tarantino.
"Old Boy" é do coreano Park Chan-Wook. História de um cara que passa 15
anos preso sem saber o porquê. E depois que é solto, luta por vingança. O filme tem umas
duas horas, mas parece muito mais. Tem um pouco estrutura de novela, com várias
revelações surpreendentes que vão se desdobrando. A montagem também é bem
interesante, a fotografia, edição, um ritmo moderníssimo. Não tem nada a ver com esses
outros filmes de luta, tipo "Clã das Adagas", é mais urbano e nada épico. Alguns
tratamentos lembram esses filmes pseudo-snuff, como "Saw", "Seven" e "Hannibal".
Talvez pelo aspecto fetichista.
Mas o filme já está se apagando da minha mente. Hoje em dia está sendo
assim. Eu vejo um filme e uma semana depois já não lembro mais dele. Também é assim
com livros, com pessoas que conheço. Outro dia uma grande amiga ligou aqui em casa,
falou o nome e eu não tinha idéia de quem era. Minha memória está um caco. E eu nem
fumo maconha. Será que meu HD chegou à capacidade máxima?
231
21/06/2005
Cês tão sabendo que amanhã (quarta) tem minha entrevista no Jô, né? Não sei
em que bloco. Talvez no primeiro. Achei legal.
Tem muita gente comprando "Olívios". Já mandei pro Maurício, Leony,
Graziela, Karen, Mari e Kessy. O mais legal é saber que tem gente de lugares tão
diferentes lendo meus livros...
232
Nossos campos, quando éramos adolescentes e tínhamos apenas garras, subíamos nas
árvores, corríamos pela grama e mergulhávamos juntos na vida que estava por vir. Minhas
escamas cresciam antes das dele, sob a blusa, na frente do espelho. Eu tinha tanta
vergonha, mas esperava que ele me seguisse. Saboreava a chuva, quando ele estava
apenas matando a sede. Me masturbava no chuveiro, quando ele apenas se levava. E
seguindo as tubulações, a rota do pôr-do-sol, a trilha dos esgotos, nos perdemos no meio
do caminho.
Agora, reconstituindo nossas trilhas, deparávamos com uma porção de
cenários desconhecidos, áridos, desinteressantes. Fundamentava-se a razão de termos
seguido rumos diferentes e nos fazia questionar o por quê de termos nos reencontrado.
234
Achava que sentia falta dele, de nossos campos e nossas árvores, mas eu sentia falta
apenas de minhas garras. Se eu ainda as tivesse...se eu ainda as tivesse...
Dormi numa cama seca e quente, depois de um longo banho doméstico.
Continuamos conversando antes de dormir. Ele tentava entender o meu mundo e eu
escutava tudo o que eu já sabia, sobre o mundo dele. Enquanto ele estava na praia, eu
estava muito mais fundo, mergulhado, no fundo do mar. Ele não podia me ver e nem eu
podia vê-lo, mas o lixo que ele atirava de sua cadeira, a sujeira que seu esgoto trazia vinha
até mim e eu nunca precisei emergir para saber o que acontecia lá em cima.
Dormi e sonhei com terra, ar e fogo. Onde estavam nossos outros irmãos?
Haviam deixado crescer pêlos, penas ou queimaduras? Eu sonhava em ser um adulto
impermeável, adaptável a qualquer ambiente, e acordei no meio da noite, morrendo de
sede.
No dia seguinte, queria continuar a dormir. Sentia-me indisposto e Fernando
tentava me animar, lembrando-me da piscina. Seu convite era piedoso. Achava-se
superior por não estar preso à água, como eu estava. Mas estava preso à terra, uma área
do planeta muito mais limitada. Tentava me fazer inveja com suas montanhas e planícies,
enquanto eu percorria milhas e milhas submerso, por paisagens que ele jmais imaginaria.
Enquanto ele falava, eu desdenhava sua língua bifurcada, ele caçoava de minhas guelras.
Afinal, éramos apenas dois amigos à piscina, ele na margem, eu afundando.
"Você sempre foi diferente, já dava para imaginar. Vai gostar dos meus
amigos, tem um que é aquático que nem você. Vou chamar todo mundo e fazemos um
churrasco."
Fernando não entendia, mas aceitava, e isso já era reconfortante. De dentro
d'água, eu o observava sob o sol, crescido, escamoso, e ainda amigo, ainda irmão. A
distância entre nós era apenas superfície, enfim, se nos esforçássemos para estar na
mesma praia. Eu não podia abrir mão da água, ele não podia abrir mão do sol, e
continuaríamos seguindo caminhos diferentes, mas sempre haveria uma praia, sempre
haveria um porto para nos encontrarmos.
Talvez fosse o mergulho, o efeito do cloro, mas eu começava a me sentir feliz
de estar ali. O tempo continuaria passando, tínhamos de aproveitar aquele feriado de
pausa.
235
10/07/2005
QUANDO EU TERMINAR ESTE CONHAQUE, QUERO VOCÊ,
TESO, AO MEU LADO!
Fiquei sabendo sexta-feira que meu conto "Seis Dedos para Contar" (que pode
ser lido aqui no blog, no link "Formigas...") será publicado numa antologia italiana de
"jovens autores de língua portuguesa". Essa foi mais uma proeza da minha super agente
Ray-Güede, que me representa internacionalmente desde o final do ano passado. Foi ela
que conseguiu também a edição portuguesa de "A Morte Sem Nome" (que ainda não saiu,
mas já recebi a grana faz tempo, inclusive já gastei...).
A Ray é uma das maiores agentes internacionais de autores em língua
portuguesa. Além de mim, ela representa o Saramago, a Lygia (Fagundes Telles), Érico
Veríssimo, e mais uma pá de fodões. Foi ela que me escolheu, por isso fico me achando.
No Brasil, não trabalho com agentes. Cheguei a começar uma parceria com
um, que acabou desistindo de mim quando viu que eu não ganhava o suficiente nem para
pagar as contas...
Pensam que eu tô brincando?
Ganhar grana com literatura é foda, fodíssimo, quase missão impossível.
Sinto desestimular os jovens que visitam o blog e acham que um autor que foi ao Jô
Soares deve estar montado na grana, haha. Eu queria passar uma mensagem positiva e
dizer "a literatura pode salvá-los", mas não é assim. "Feriado de Mim Mesmo" está
vendendo bem, sim, entrou na segunda edição em menos de dois meses. Isso é uma
enorme proeza para um autor jovem, mas não chega a render grana. Os acertos de direitos
autoral com a editora se dão de três em três meses, e ainda se desconta o dinheiro do
adiantamento (que recebi ano passado) tem os impostos... Enfim, se no próximo acerto
eu ganhar o suficiente para pagar as contas de UM mês, já vou pular de alegria.
236
Mesmo a grana de Portugal, pensam que foi muito? Descontando os impostos e comissão
da agente deu menos do que as contas do mês...
O que sustenta a maioria dos autores é: coluna em jornal + direitos de
adaptações + roteiros + traduções. Eu faço um pouco de tudo. Escrevo de vez em quando
pra Folha, mas não tenho coluna fixa. Já fiz roteiro do "Feriado", mas nunca conseguimos
captar os recursos para eu receber. Faço traduções quando aparecem; quando não
aparecem, eu morro de fome. A coisa é foda!
Então, um bando de escritores, inconformados como eu, organizaram um
documento para ser apresentado ao governo, pedindo verbas públicas para o incentivo da
criação literária. Vocês estão sabendo, né? Trata-se daquele movimento "Literatura
Urgente", sobre o qual eu falei aqui e que, nesta semana, teve uma crítica impiedosa (e
maldosa) na Veja, assinada pelo Jerônimo Teixeira.
A matéria coloca que, para a criação literária, é preciso apenas lápis e papel.
Não seria necessário então financiamento público, como acontece com artes mais caras
(cinema, teatro). Isso é verdade (em termos). Há literatura que precisa de pesquisa, tempo,
não apenas compromentimento. Eu até acho que algumas exigências do movimento são
abusivas. Mas há muitas medidas reivindicadas que não dependem diretamente de
investimento, apenas de isenção (ou melhor direcionamento) de impostos.
Por que motivo, por exemplo, paga-se impostos por direitos autorais? Por que
não existem programas de intercâmbio e circulação de escritores brasileiros dentro do
país e em países de língua portuguesa (como existem em váaaaaaaaarios países)? Por que
não se incentiva, com isenção de impostos, projetos de incentivo a criação literária
promovidos por empresas privadas?
Acho que essas questões é que deveriam ser pensadas, e algumas são
propostas pelo movimento. Cheguei a ouvir deles que as exigências deveriam ser maiores
(utópicas até), para então, no afunilamento, conquistarmos o básico. Enfim, eu não
entendo de política e não participo mais das reivindicações. Fico feliz se algo mudar, mas
a literatura depende de processos tão individuais, que acho difícil uma intervenção pública
trazer resultados concretos.
O que está mudando realmente a literatura (e já disse isso aqui) é a ação
individual de vários escritores, que assumem publicamente seus papéis e chegam até as
pessoas. Quando Marcelino Freire organiza debates com escritores, quando a Clarah
237
é assim que se levanta a literatura. A gurizada tem de ver beleza, força, nobreza. O que
eu acho é que é muito difícil um escritor conseguir conquistar isso. Ave, quem escreve é
porque geralmente quer isolamento, quer trabalhar sozinho, tem enormes conflitos, é um
problemático! Então esse cara não vai conseguir se integrar e fazer o jogo do marketing.
Se o cara consegue - e é um escritor de verdade - do caralho!
Veja o caso do JT Leroy. O cara é um fodido, tomava drogas desde a infância,
foi prostituto, só se fodeu. Hoje em dia é um moleque mirrado, que não consegue falar
em público, cheio de traumas, mas deu um jeito. Coloca lá a peruquinha, os óculos
escuros, veste um personagem e está nos jornais do mundo todo. Tá fazendo roteiros para
o Gus Van Sant.
É escritor de verdade? Vai ler o livro dele. Eu acho bom demais.
(aliás, Jerônimo Teixeira também fez uma crítica do livro dele na Veja, semana
passada. Não entendi direito. Ele meteu o pau, mas basicamente falando que ele era
"bizarro". Bizarrice é uma característica negativa para um escritor? O Jerônimo até coloca
um trecho ótimo do livro do JT, dizendo "veja como o cara é estranho...." Não estou
entendendo esse tom rancoroso que a Veja vem adotando...)
(Não me venham falar que só defendo o JT porque o conheci pessoalmente e
achei ele pitéuzinho... hahah.)
Bem, bem, o que eu queria é que a literatura fosse muito maior, enorme,
IMENSA. Quando eu saio por aí, em entrevistas de emprego, em paquerinhas tolas, tenho
quase vergonha de dizer que sou escritor. Ninguém sabe o que isso significa, não
impressiona ninguém. O pessoal fica olhando meio desconfiado, achando que sou mesmo
louco, que não tenho emprego, ou que sou deslumbrado...
Hum... quero escrever bastante... Hoje tô pilhado, volte mais tarde que ainda não
acabou.
Ah, meu amorzinho, eu entrei em duas faculdades (inúteis), tenho diploma,
três romances publicados, falo cinco línguas, não tenho fotolog. Por que ainda não paguei
a conta de telefone que vencia dia primeiro? Não tô querendo ganhar dinheiro com meus
livros, só queria que iso não fosse um ponto negativo no meu currículo.
O que eu tô achando é que daqui a um tempinho eu vou largar tudo isso.
Quero dizer, não largar a literatura, porque isso eu faço com prazer, mas essa "máquina
239
22/07/2005
ANTES QUE O SOL ME QUEIME, FECHE MEUS OLHOS E ME
CUBRA.
Bem, bem, pra falar a verdade, Jonathan e Wellington também afundaram no
Tietê...
As coisas melhoraram por aqui – mas não posso ficar me gabando muito,
porque o olho grande dos opositores é fatal, e inclusive já me causou conjuntivite,
conjuntivite e infecçao urinária. Isso foi combinado à minha crise econômica, que me
causou uma depressão que me trancou em casa por quase uma semana, sem trocar de
roupa nem tomar banho, semanas atrás.
Agora os bonecos de neve voltaram a sorrir.
Estou mergulhado nos trabalhos que mais gosto de fazer. Quem me dera
pudesse ser sempre assim. Não que eu esteja faturando horrores, mas ao menos estão
aparecendo trabalhos interessantes. A tradução do JT LeRoy tem sido uma delícia, faço
com todo o amor do mundo. Também surgiram outras legendas. E uma avalanche de
contos que serão publicados no segundo semestre.
Sim, vários contos meus serão publicados em "mídia impressa" no segundo
semestre, em antologias e revistas. Alguns deles bem extensos, como o "Ismália"
240
02/08/2005
FILME TRISTE PRA QUEM COME ALPISTE
Fui ver "Sin City". É lindo, lindíssimo. Todo aquele preto e branco
contrastado, aquele enquadramento de quadrinhos... (ei, Ana Paula Maia, se não viu, veja,
você vai adorar). Eu nunca tinha lido as revistinhas do Frank Miller, mas o filme eu gostei
bastante. E acho um filme importante. Diferente. Que acrescenta tanto à arte
cinematografia quanto "Dogville", embora sejam filmes totalmente diferentes. É difícil
encontrar filmes que acrescentem tanto.
Falando em fílme, graças a Deus pararam de me pergunta sobre o filme do
"Feriado". Por mais que eu não seja a Sandy, depois de um razoável número de entrevistas
você se cansa de responder a determinadas perguntas como "Que autores você lê",
242
"quando você começou a escrever" e "quando sairá o filme de 'Feriado de Mim Mesmo'".
Atualmente, acho que o filme não sairá JAMAIS. Cinema brasileiro, baby. Eu fiz o roteiro
para a Eliane Caffé, que é uma pessoa excelente. Começamos a captar recursos. Mas
atualmente ela conseguiu recursos para rodar outro filme e está entretida nisso e nem
temos mais contrato. Ficamos de rever, sei lá quando. Talvez o filme aconteça no futuro,
talvez com outro diretor, não sei. Eu, sinceralmente não me preocupo muito com isso,
não tenho grandes tesões em ter um livro meu adaptato para o cinema, sério. Seria
interessante financeiramente e para projetar meu nome, mas confesso que tenho um pouco
de ciúmes de uma história minha ficar nas mãos de outra pessoa. De ler "Feriado de Eliane
Caffé", e não de mim mesmo. Enfim. Será bom se rolar, mas também estou sossegado
enquanto não rola.
Também já me procuraram para fazer o roteiro de "Olívio" para o cinema,
mais de uma pessoa, mas até agora não fechei nada. O que eu acharia mais interessante,
talvez, seria ver um texto de "A Morte Sem Nome" para o teatro. Imagine a Bete Coelho
como Lorena? Mas eu não presto para dramaturgia...
O que me dá tesão mesmo é escrever livros, como sempre digo.
Bem, bem, dei uma entrevista pro Thiago Cau falando sobre tudo isso,
cinema, literatura e projetos futuros. Na verade, eu nem me lembrava dessa entrevista,
acho que já faz um tempo ou fiz quando estava sonâmbulo. Mas li agora as respostas e
parece que fui eu mesmo que respondi, ehehe. Dá pra ler inteira no blog
dele: http://fundodagaveta.blogspot.com/
13/08/2005
RAIZES QUE CRESCEM SOBRE NÓS
Ei, são 3:19 de novo. Não tem um filme de terror que algo acontece toda
madrugada às 3 e pouco? Acho que é "The Amitiville Horror". Inclusive fizeram um
remake desse filme que está estreando por aí, mas eu nem gostei do original, que passava
no SBT... Parece que é baseado numa história real, num menino que matou a família toda
243
às 3 e pouco da manhã, em Amitiville, EUA; depois outra família se mudou para a casa
onde aconteceram os assassinatos e disse que ela estava assombrada.
E daí?
Eu já dormi em cemitério, já entrei em casa abandonada, vou sempre na Loca
de domingo, mas nunca vi assombração, haha. A melhor oportunidade que tive foi num
cemitério da Alemanha, quando vi uma cripta aberta e desci para dar uma olhada lá
embaixo. Estava um breu e eu não tinha lanterna, então resolvi disparar o flash da minha
câmera para ver aonde eu tava pisando. O flash iluminou uma sala vazia, sem caixão nem
nada. Achei meio brochante, mas tinha certeza de que, quando revelasse o filme, ia ter
uma velhinha no meio do sala, um saci-pererê, qualquer coisa... Quando peguei a
ampliação... nada.
Mas para quem quiser ver fotos de fantasmas, e comentários científicos sobre
elas, tem esse site bem legal:
http://www.ceticismoaberto.com/fotos/fotofantasma00.htm
Falando em cemitério, bizarra mesma foi minha conversa sobre o tema com
o Paulo César Peréio, no programa dele, alguém viu? A entrevista comigo foi ao ar há
uns 2 meses (Canal Brasil). Ele engatou um papo de cemitério, que ia de madrugada dar
teco em cemitério (ó, Lyvia, você que gosta dessas histórias), que eu não entendi. Quase
metade do programa foi isso, haah. Mas foi divertido.
Hum... que mais... tá frio, né?
Enfim, esta foi uma semana fodida, mas nem me trouxe tanto assunto.
Geralmente, quanto mais trabalho eu tenho, mais pique me dá. Hoje é melhor eu parar,
antes que comece outra história de zumbis. Fiquem com Lorena, que ela sabe das coisas:
Meus vermes contam uma história, nada bela, nada bela. Alguém quer ouvir?
Encoste o ouvido no chão. No meu epitáfio sem nome. No meu túmulo vazio. No meu
enterro sem lágrimas, a chuva, ao menos, me respeita. Molha meus lábios, hidrata minha
pele, faz festa em meu corpo, rastejando com os invertebrados.
Semanas depois, o jornaleiro checa meus débitos. A vizinha percebe minha
ausência. O telefone toca solitário. E quem pensa sobre mim pensará em voz alta. Quem
sente minha falta procurará por mim. Quem me conheceu um dia se lembra, e me reviverá.
244
24/08/2005
ANNIE LENNOX EM ÁGUA FRIA.
"Good things would happen soon, cause I knew that I was going to be a legend
in my living room."
Uma lenda... apenas na sua própria sala de estar. Annie Lennox pode não ser
Madonna, mas é muito mais para mim.
Ei, ei, os comentários estão intensos por aqui, hein?
Fico tentando entender algumas críticas ou ofensas, por que acho engraçado
alguém que me detesta tanto freqüentar diariamente o meu blog. São muitas as respostas
possíveis e eu não poderia saber realmente sem essa pessoa se identificar. Geralmente são
comentários tolinhos, o que sugere que meu opositor é alguém bem jovem que tem algum
problema pessoal comigo, não literário. Mas, sinceramente, isso me aborrece tanto quanto
me instiga, e acho que se os comentários negativos cessassem completamente eu sentiria
falta, como no término de um soluço persistente, sabe?
245
Também sei que isso é normal e acontece com vários outros escritores,
independentemente de gênero e qualidade. A Clarah Averbuck fez escola nesse campo.
Marcelino Freire recentemente tirou os comentários do seu blog por causa disso. Eu
prefiro continuar estudando-os, tentando entender as motivações.
A conclusão mais óbvia que podemos tirar é que se trata de inveja. Mas acho
isso tão tolo, tão tolo que continuo na dúvida. Quero dizer, inveja do quê? Tenho orgulho
do que conquistei, sim, uma enorme satisfação de ter meus livros publicados, um público
que me lê, matérias positivas na imprensa, mas sinto que isso tudo é apenas um satisfação
pessoal. Não quer dizer muito para os outros. Ganho muito menos grana hoje do que antes
de publicar. Não estou sendo parado por fãs na rua nem furo filas de boate. Não há status
nenhum. É muito raro alguém me reconhecer como escritor e, mesmo quando digo meu
nome, é raro ouvir alguém dizendo: "hum, sim, já li algo sobre você". E se reconhecessem,
qual seria a diferença?
Então essas pessoas têm inveja do quê? Sinceramente, e sem modéstia, acho
que só poderiam ter inveja da qualidade do que eu escrevo, não do resultado que obtenho.
Vão trabalhar numa agência de publicidade, vocês vão ter mais sucesso e reconhecimento.
Essas pessoas que jogam pedra nos "novos escritores" não sabem como somos
fodidos, quão pouco recebemos pelo nosso trabalho e como fazemos isso por amor.
Podem questionar a qualidade do meu trabalho, mas eu continuarei fazendo,
simplesmente porque sinto prazer com isso. Ao contrário de muitos, eu escrevo por
prazer, por isso mesmo tenho uma pilha de contos e até romances que não foram lançados
e nunca lançarei, escrevi apenas por satisfação pessoal.
Talvez o pensamento dessas pessoas (e já ouvi isso por aqui) seja de que
"estamos roubando o lugar delas". Ah, sim, "esses escritorzinhos moderninhos estão se
dando bem enquanto que ‘os verdadeiros’ estão se fodendo". Bem, se existem outros
escritores "mais verdadeiros" eles não deviam se preocupar tanto com o sucesso, e sim
em continuar escrevendo. O que eles querem, ganhar dinheiro? O sucesso é conseqüência
de várias coisas que não englobam necessariamente qualidade, é verdade. Então, ou eles
entram no esquema e "se modernizam" ou se satisfaçam apenas escrevendo seus
continhos anônimos.
Eu me satisfaria.
246
01/09/2005
ARANHA NO AÇÚCAR
"Antes que pudesse abrir qualquer página, uma aranha subiu na minha mão,
prendeu-me com teia ao livro, passeou por entre meus dedos. Melado eu estava, melados
meus dedos. Tinha medo. De que ela me mordesse pelo açúcar. "Aranha não come doce",
minha consciência dizia. A mãe do Santiago diria: "aranhas se alimentam de livros". Ou
dos insetos que vivem entre eles, daqueles que escalam lombadas. Eu queria puxar minha
mão para longe. Mas estava grudada."
Saiu na revista Bravo deste mês um conto inédito meu, "Aranha no Açúcar"
(trecho acima). Este conto inaugura a última página da revista, que agora será dedicada
todos os meses à ficção. É um dos meus favoritos, apesar de ter sido bem editado para
caber na revista.
E tem mais uma pá de contos, da minha melhor safra, saindo neste segundo
semestre:
248
09/09/2005
ESTAÇÃO... PLAYSTATION... OU MÁRIO SALVOU MINHA VIDA.
Hum, muito trabalho, felizmente, apesar da grana demorar a cair... Estou
fazendo a tradução de um filme de psicanálise + terminando a tradução do JT LeRoy +
fazendo alguns releases para uma ex-namorada minha + lendo um livro para resenhar.
Fora que estou dedicando meu tempo livre ao Mário (do Bros). Maldita hora em que eu
ressuscitei meu Super Nes. Hoje até me peguei entrando numa loja de games para olhar
o preço de um Playstation. Haha. Bem, se eu tivesse um, não precisaria mais sair de casa,
fazer sexo, nada. Imagine o que eu economizaria em camisinhas... de repente vale o
investimento...
Não tenho entrado muito na Net, nem conseguido responder os emails. Tentei
também modificar algumas coisas nos meus "comments", mas não deu certo. Então
acabei tirando por um tempo. Eu recebia tudo na minha caixa postal, não conseguia
responder, e tinha todos aqueles comentários anônimos tolinhos. Acho que quem quiser
falar mesmo comigo pode escrever para o meu email, como já vinham fazendo, e os
detratores terão ao menos o trabalho de criar uma conta falsa no hotmail ou bol. Eu terei
apenas o trabalho de apertar o "delete" ou bloqueá-los automaticamente por filtro e
ninguém ficará sabendo.
Aliás, dia desses, o famoso "Jean" veio aqui em casa. Me ligou pedindo
desculpas. Disse que era um rapaz gordinho de óculos e aparelho de quem eu caçoava na
escola, que nunca foi bom em esportes nem era popular e pretendia ascender como
intelectual, por isso me atacava tanto como "anônimo" aqui no blog. Eu invadia um
terreno que deveria ser dele.
Eu não me lembrava muito bem quem ele era, mas fiquei com pena e marquei
um encontro.
Jean veio com um olhar tímido, trazendo uma pasta cheia de contos, pediu
para eu dar uma olhada. Vi por alto, achei tudo bem previsível, mas disse a ele que só
poderia avaliar melhor lendo com calma. De qualquer forma, foi uma ótima surpresa. Ele
tinha outros talentos. Havia emagrecido. Trocara os óculos por lente de contato. Tinha
um longo cabelo castanho claro e uns lábios vermelhos que suspiravam poesia, mesmo
quando calados. Oh, sim, eu adorava quando ele ficava calado...
250
Então peguei na sua mão e perguntei: "é com esses dedos que você escreve
aquelas coisas terríveis sobre mim?" Com os olhos cheios de lágrimas, ele se confessou
frustrado, nunca havia sido um rapaz bonito ou integrado e se consolava pensando que,
pelo menos nas letras, teria seu espaço. Eu disse para ele não se importar, que talvez ele
não tivesse futuro com as letras, mas que com certeza seus tempos de intelectual
fracassado haviam passado. "Eu vejo poesia no seu corpo, Jean."
E assim fizemos amor.... ou algo parecido. No dia seguinte, eu o recomendei
para uma agência de modelos. Parece que, no mesmo dia, já conseguiu um contrato com
o Armani e vai ganhar mais do que eu ganhei com TODOS os meus livros. Ah, eu devia
pedir comissão...
Você vê o que a esteira não pode fazer por você?
Estão vindo aí também uma série de leituras, palestras e debates. A próxima
é semana que vem, em Ribeirão Preto, depois dou mais detalhes. Estou tentando marcar
algo com a minha mãe, Elisa Nazarian, que também escreve, mas tem um certo pudor em
se apresentar publicamente. Ainda este ano a gente se apresenta juntos aqui em São
Paulo...
12/11/2005
ONDE ESTÁ A FRUTA DA MINHA FEIRA?
Saiu hoje na Folha uma matéria sobre a profusão de "eventos literários no
Brasil". Essa coisa de feiras, palestras, debates e Bienais que se alastraram por todo o
país. Hoje em dia temos Flip, Flop, Flap, Flup, Flep e Bienal do Oiapoque ao Xuí.
Acho isso positivo. Aumenta a divulgação dos autores, tem-se um maior
contato com os leitores, além de dar ao escritor oportunidade de viajar pelo país com
despesas pagas. Já cachê é coisa rara. Acredita-se que, como o escritor está divulgando
seu livro, não é preciso pagar nada além de passagem e hospedagem (quando pagam).
Imagine se os produtores de shows de música pensassem da mesma forma? De qualquer
251
forma, já é alguma coisa, não ajuda ninguém a viver DE literatura, mas ao menos propicia
muitos a viver A literatura.
E foi exatamente isso o que eu disse para Julian Fuks, da Folha, por telefone.
Ele não deve ter entendido direito, porque o que saiu na matéria foi:
Sol, tempo, sapatos, ando com muito cuidado, em salto alto, nesta rua. Feira
de rua, minutos finais. A gente toma conta de casa e finge que é muito civilizada. Faz fila,
faz coque, coloca tudo em saquinhos plásticos. Tudo muito colorido e perfumado. Pesado
e medido. Mas quando o tomate escapa das mãos, quando o molho escorre pela boca,
quando chega a hora de digerir, a gente percebe do que somos feitos realmente.
Carne, osso, animais mortos. E nem conseguimos achar macabro. Enrolamos
em papel jornal e jogamos no congelador. Me dê mais um pedaço. Seus braços são fortes,
seu cutelo é ainda mais, mas são os meus que fazem o serviço, estendendo o dinheiro,
pagando o preço. Muito justo. E civilizado. Com sacos plásticos e cabelos em coque.
252
Uma corrida para vencer a fome. Nela eu acho que meus saltos não
combinam. E minhas cicatrizes, na luz do sol, parecem um pedido de desculpas. Minha
geladeira está vazia. Não sobrou nem suco de laranja. A feira tem muito mais a derramar
na minha vida. Um batalhão, fazendo compras como eu. Quanta fome alimenta este
mundo.
Nem só de vodca vive minha embriaguez. Tenho fome, tenho sede, preciso
de muito mais. E preciso antes. E durante. Preciso agora. Tenho fome. Pastel. Tomate.
Maionese. Fazendo compras embaixo do sol, tenho sede. Água, refrigerante, caldo de
cana. Tenho calor. Me dê abrigo.
Sombra para descansar, água para refrescar, estômago cheio. A gente quase
acredita que a vida é bela. Quando levanto os olhos, descanso nele. Vendendo peixe, à
minha frente, satisfaz todas as minhas necessidades. Faca nas mãos, peixes retalhados,
tão bonito, assim, meio oriental. Metade de cima, metade de baixo. Metade pela frente,
metade por trás. Agora só preciso de você.
Seus olhos contam uma história, mais bonita quando estão fechados. Pelo sol,
e pelo cansaço, deite-se ao meu lado. Contenha a gota que escorre das têmporas, no meu
suor, e cai pelo seu peito, liso, sobre os peixes. Terei uma história bonita para contar,
quando sair da sombra e for até você.
Meu estômago, na sua barriga, quando me pegar. Assim nossas cicatrizes se
entendem. Sua faca me preenche, quando corta o peixe. Abre meu apetite, em cortes
transversais. Olhe pra mim. Aqui, do outro lado. Abra seus olhos, orientais.
De "A Morte Sem Nome", claro.
06/03/2007
"ELES ERAM MUITO... CAVALOS?"
253
16/03/2007
RESPOSTA DE LUIZ RUFFATO
Devido a comentários postados nos blogs de Marcelino Freire e Santiago
Nazarian insinuando que eu teria plagiado a idéia deles para organizar a antologia "Entre
nós - contos sobre homossexualidade" (a ser lançada em São Paulo, na Livraria Cultura,
na próxima terça-feira, dia 20, a partir das 18h30), tenho apenas a dizer o que segue (e
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que tomaria como um gesto de extrema elegância se o reproduzissem em seus blogs com
o mesmo destaque):
"Eu não me apropriei da idéia de Marcelino Freire ou Santiago Nazarian para
organizar uma antologia sobre a questão da homossexualidade.
Eu roubei a idéia de Gasparino Damatta, que em 1967 publicou a primeira
antologia brasileira sobre o tema, intitulada Histórias do amor maldito (Rio de Janeiro:
Record, 1967)
Eu roubei a idéia de José Carlos Honório, que em 1995 organizou a antologia
O amor com olhos de adeus (São Paulo: Transviatta, 1995)
Eu roubei a idéia da coletânea Triunfo dos pêlos e outros contos GLS, uma
coletânea de contos escolhidos em concurso patrocinado pela editora (São Paulo: Edições
GLS, 2000)
Eu roubei a idéia de Lucia Facco, que no ano passado (repito, no ano passado)
lançou a antologia Lado B, histórias de mulheres (São Paulo: Edições GLS, 2006)
Todos esses livros, que me precederam na preocupação de provocar uma
reflexão sobre o tema, estão devidamente citados à página 14 do meu prefácio à coletânea
'Entre nós', publicada no Rio de Janeiro, pela editora Língua Geral".
Se quiser, pode repassar essa mensagem.
Luiz Ruffato
(Nota de Nazarian: Não fui eu quem escreveu esse post não.... É o "direito de
resposta" que Ruffato solicitou. Só não foi respondido até agora por que Ruffato não
comentou da sua idéia de antologia, quando eu comentei com ele da nossa, há um ano...)
04/04/2008
ANIMAIS CRUÉIS
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05/02/2010
PERGUNTAS SEM RESPOSTA...
Comecei este blog em 2004, quando já tinha dois livros publicados. Nunca
tinha feito um blog antes, tinha resistências, mas achei que era uma forma importante de
comunicação com os leitores, divulgação de eventos, lançamentos, etc. E acho que estava
certo. Além disso, tem servido bem como uma forma de registro pessoal, já que eu que
nunca tive diário.
Outro dia estava revendo os arquivos, posts antigos, outros reveillons e outros
carnavais. Fiquei feliz de ter esse registro, embora um tanto quanto envergonhado de
muita coisa escrita lá...
Mas, ei, isso não é um post de despedida...
É só para responder mais umas daquelas incansáveis perguntas que caem todo
dia na minha caixa de emails, twitter e orkut.
tipo "onde está passando?" e o povo espera demais de uma interatividade que você não
tem tempo nem vontade de manter.
Então não tem comentários, não vai ter comentários, mas se você tem
algo realmente significativo a comentar, pode me mandar por email.
grana.. Nesses dois meses que só ia ler por prazer, li mais CINCO livros por trabalho (e
uns outros cinco consegui ler por prazer). Então seu conto... não leio.
É triste, é frustrante, mas vai se acostumando que a vida é assim. Correr atrás
de leitores é algo que você vai fazer a vida toda... Poderia ser mais fácil se não existisse
TANTA GENTE SEM NOÇÃO escrevendo. É esse povo que gera essa pré-indisposição.
Daí a gente fica esperando o cara estar publicado, consagrado, ou ao menos ter uma boa
indicação de quem a gente conhece para arriscar a ler. Sim, ler originais é uma merda.
- Eu queria ler seus livros, mas sou pobre, sou favelado, meu pai nunca
me levou ao circo...
O que você quer que eu faça? Reclama com seu pai!
- Não pode me DAR um livro?
Não.
Olha só... os autores não têm um estoque ilimitado de seus livros, não. Com
exceção dos casos em que o autor paga pela publicação, nossa cota é pequena. Geralmente
a editora manda 20 ou 30 livros para o autor (e distribui para a imprensa), esses livros vão
rapidinho pra familia, amigos, contatos profissionais, e quando o autor precisa de mais
livro ele geralmente COMPRA da editora (com desconto, mas compra). Acha estranho o
autor comprar seu próprio livro? Pois é, mas faz sentido, porque a editora é que pagou
pelo papel, pela impressão, diagramação, etc...
- Então onde eu posso BAIXAR?
Até onde eu sei, nenhum livro meu pode ser encontrado pra download. Eu
não seria exatamente contra, mas também não poderia disponibilizar porque:
1) Eu estaria perdendo dinheiro de venda.
2) Estaria violando meu contrato com as editoras, que têm exclusividade de
distribuir e comercializar.
Eu até acharia interessante o download, se refletisse realmente num maior
número de leitores, maior divulgação, etc, mas não acredito que quem goste de ler baixe
livros. Eu NUNCA baixei um livro, sério (e baixo música, filme...). Acho que o livro
ainda é um objeto. E se você não gosta de livros... fique com o blog.
- Eu gosto, mas é caro...
É caro. E eu não tenho nada com isso. A editora é que decide o preço (e
confesso que achei "O Prédio" salgado demaaaaaaaaais). Mas você gasta isso em cerveja
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fácil, que eu sei. Além do mais, eu me esforço para tornar o livro um objeto bonito,
ilustrado... Tem coisas que você só extrai do livro em si, como objeto, quer ver?
Pegue "O Prédio, o Tédio e o Menino Cego" e jogue numa panela com dois
litros d'água. Ferva e coe o caldo. O resultado é algo semelhante àquele chá de fita cassete,
dá um puta barato. O efeito colateral é que você pode virar zumbi.
Viu?! Isso não se consegue no download!
- Então não posso comprar direto com você, autografado?
Não, por aquilo que já falei: minha cota é limitada e a editora é que tem
exclusividade da venda. Eu vendi por um bom tempo "Olívio", meu primeiro, porque foi
lançado por uma editora pequena, que nem me pagava mais direitos autorais, e fez esse
acordo comigo. Mas agora não tenho mais.
- Tudo bem, fico só com o blog mesmo...
Eu sei. Apesar deste blog não ser um estrondo de audiência, acredito que
muita gente que se diz meu leitor lê só o blog. Já me ressenti com isso, mas é bobagem.
Meu tom nos livros é completamente diferente do tom do blog, claro, mas também cada
livro meu é diferente do outro, e o blog acaba sendo só outra opção. Fiz o blog para levar
aos livros, não faço questão de bombar de audiência aqui, não faço divulgação do blog
em si, não participo de exposições ou coletâneas de blog, mas sei que ele tem essa parte
cotidiana, pessoal, mais leve do que os livros que agrada a um público diferente. Então
ok, se prefere o blog, para mim está bom. É tão filho meu quanto meninos andróginos,
suicidas seriais ou jacarés de esgoto.
16/12/2016
BEIJOS DO GORDO
- Fui gongado duas vezes antes de participar. A primeira vez foi em 2003,
logo após lançar meu primeiro livro, a segunda foi em 2005, lançando Feriado de Mim
Mesmo. Funcionava assim: a produção ligava e fazia uma pré-entrevista para ver se
rendia para o programa. Duas vezes disseram sem rodeios: não rende, não tem graça - a
produção nunca foi das mais simpáticas comigo. Uma semana depois dessa segunda
dispensa, em 2005, ligaram de volta dizendo que o Jô havia insistido para fazer. Foi assim
que rolou da primeira vez.
- Essa primeira entrevista, talvez por eu ser novidade, talvez por ser um belo
jovem varão, talvez pelo programa estar mais em alta na época, foi um verdadeiro divisor
de águas para mim. No dia seguinte eu estava recebendo ligações, convites e
xingamentos. Na série de reprises do programa que a Globo exibia no ano seguinte, fui a
primeira entrevista reprisada.
tempestade e alagamento em São Paulo, com aeroporto fechado e muitos convidados não
conseguindo chegar ao estúdio. Me ligaram em cima da hora, não pude nem me depilar...
Talvez por isso senti o Jô meio despreparado, talvez um pouco velhinho, meio pescando.
Mas quando terminou a entrevista ele disse: "Você sabe que gosto muito de você, né?"
Fiquei enternecido.
- Sem dúvida o programa lançou meu nome para um grande público, mas não
sei se refletiu muito na venda dos livros. As entrevistas também me venderam mais como
um personagem bizarro - ex-escritor de disk sexo, performer de auto-mutilação, barman
de "prostíbulo gay"- do que como escritor. Ainda assim, tenho de reconhecer que sempre
deram espaço para eu falar dos livros, ainda que não tenha sido o que mais atraiu a
audiência...
- Nunca houve nenhum corte em nenhuma das entrevistas. O que eu falei foi
integralmente no ar, como se fosse ao vivo (embora as entrevistas todas fossem gravadas
durantes as tardes de segunda, terça, quarta e quinta).
- Meu contato com o Jô também foi quase integralmente só o que foi ao ar,
tirando alguns segundos pós-entrevista de "obrigado, volte sempre". Ele não costumava
receber convidados no camarim, você só o vê quando vai ao estúdio. Fora isso, eu o
encontrei uma vez numa galeria de arte e uma vez no show do Rufus, mas foram só
rápidos cumprimentos.
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Beijo no gordo.
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13/09/2018
CULTURA EM CHAMAS
Reconfortante porque a gente se sente menos merda, né? Saber que o fracasso
não é tão pessoal, que gente melhor do que a gente tá na mesma, ou pior. Desesperador
porque a gente sabe que não tem muito como escapar; gente melhor do que a gente está
na pior...
O meio literário-editoral está numa situação muito complicada. As livrarias
não vendem e não repassam às editoras. As editoras cortam custos, publicações,
traduções. Os autores não recebem. Mutarelli expôs sua situação pessoal na Folha, mas
todos os colegas que encontro estão na mesma, perdidos.
Primeira mesa da primeira Flip (2003) foi comigo (e Cuenca e Chico Matoso, mediados por Paulo Roberto
Pires)
brasileiro, que precisavam de novos roteiristas; e todo um público para aulas de escrita,
de oficinas criativas. O escritor tinha trabalho.
Lá por 2007 dava para ganhar um (bom) dinheiro até escrevendo pro São Paulo Fashion Week.
Em 2014, fiz aquela matéria grande na Folha (aqui) sobre do que vivem ("do
que se alimentam") os escritores no Brasil. Apesar de alguns escritores mais "comerciais"
me chamarem de negativo, eu avaliava aquele cenário como muito positivo. Se os
escritores não conseguiam viver da venda de livros, estavam se mantendo com as aulas,
as traduções, roteiros, jornalismo.
De lá para cá, a situação deteriorou muito, com a crise econômica, ideológica
e o incêndio total da cultura. Os autores que, como eu, como Mutarelli, começaram nesse
novo século, encontram o pior cenário literário que já viveram.
Espanha, 2010.
É desesperador para um mestre como ele, aos 54; é desesperador para mim,
aos 41. A gente começa uma carreira, alcança certo nome, e acha que com o tempo terá
certa estabilidade (se não riqueza!). Mas é tudo cada vez mais incerto. No meu caso, penso
se o melhor já não passou, se meu melhor já passou (bem, foi muito a crise que expus
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em BIOFOBIA). Já vendi bem, já viajei o mundo (da Argentina ao Japão), será que devo
apenas me contentar de já ter sido feliz?
De BIOFOBIA
Penso nos cachês dos eventos literários. São praticamente os MESMOS desde
que comecei, sem reajustes de inflação - isso quando HÁ cachês...
Quando fui "bestseller" num jornal Alemâ... Ah, me perdoem, estou tentando elevar meu moral.
Debatendo sobre isso no Facebook (sempre), o jovem autor Danilo Potens fez
uma provocação pertinente:
É triste, mas cabe citar que ele [Mutarelli] ganha mais de 4.664,68 por mês,
tendo em vista os 27% de imposto de renda. É bem acima da média salarial dos pobres.
Tenho medo da palavra "falido", pois já conheci diversos homens que ganhavam 15 mil
por mês e ficavam lamentando sobre a "vida precária" que levavam. "Mal dava pra
comer no Paris 6". Enquanto o povo come no bom prato.
É verdade. Mas para o tetraplégico o amputado teve sorte. E Mutarelli ressalta
bem que "não pode reclamar" pois é um dos que têm sorte, que deu certo. É triste pensar
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que o exemplo de "sucesso" no mundo literário não te salva do "Bom Prato". Nos últimos
tempos, já passei por meses em que tive de esperar pagamentos atrasados para trocar
chuveiro queimado (isso, uns 70 reais, né?). Tomar banho gelado por uma semana é lição
de humildade.
(E Danilo, como marido de chef, te digo que Paris 6 e Bom Prato tão pau a pau...)
O escritor não é um vagabundo que teve sorte, creio eu - ou nem sempre. Para
ser um escritor publicado, lido, premiado, vai um investimento pesado. Tem muito
estudo, leitura, COMPRA de livros, isso é o básico. Muitos investem na formação, cursos
de escrita, graduação, mestrado, doutorado. Então, em tese, estamos falando de gente com
especialização que não consegue pagar as contas - é um investimento que não se paga.
No meu caso, além de um diplominha universitário básico (comunicação na FAAP), e
todo o repertório, teve as línguas, aulas de francês, de finlandês, o tempo que morei fora
(na raça, sem bolsa). Com isso tento viver basicamente da tradução.
Mas afinal, que diferença faz, que diferença fazemos, para que serve um
escritor?
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Com Veronica Stigger, Cuenca, Adriana Lisboa, em foto de Daniel Mordzinski (Botogá, 2007). Adoro
essa foto