Cinema e Escola - AndrezaOliveiraBerti
Cinema e Escola - AndrezaOliveiraBerti
Cinema e Escola - AndrezaOliveiraBerti
Rio de janeiro
Dezembro de 2016
ANDREZA OLIVEIRA BERTI
Rio de Janeiro
Dezembro de 2016
Dedico essa tese aos
À Rosa Malena Carvalho, companheira da/na vida, pelos afetos alegres e encontros
potentes.
À Lúcia Oliveira, minha amada mãe, mulher guerreira, pelo exemplo de coragem e
determinação.
Ao Carlos Alberto, Beto (in memoriam), meu pai escolhido, pela nobreza dos seus gestos.
Aos demais familiares Esenhower Berti, Aline Berti, Jaqueline Berti, Victor Berti, Rossana
Ourem, Cátia Carvalho, Fatima Carvalho e Marlene Carvalho, pela companhia nessa
jornada.
Aos pequenos habitantes da Terra, Júlia Castro, Gustavo Santos, João Pedro Carvalho,
Guilherme Oliveira, Gabriela Fialho, Gabriela Ourem, Helena Costa, Helena Berti e Henri
Wanis, com quem tenho brincado e descoberto coisas incríveis.
Aos queridos e queridas Alan Oliveira, Alessandra Raimundo, Amanda Wanis, Barbara
Santos, Camila Costa, Carla Castro, Cíntia de Assis, Dinah Terra, Fernanda Cupolillo,
Hélio Moura, Isabela Martinez, Janete Ribeiro, Leonardo Marques, Luiz Henrique Pinto,
Maria Silvia dos Santos, Regiane Costa, Renata Ramos, Valéria Dutra e Valéria Faria, pela
amizade, parceria e incentivo.
Aos membros da Banca Examinadora, professores Silvio Gallo e Walter Kohan, pelo
encorajamento para o pensarlerescrever.
Aos professores, Fabían Núñez e Marcos da Silva, por aceitarem o convite para a suplência
na Banca.
À Núria Aidelman e Laia Colell, do Cinema en Curs, pela anuência da presença de uma
pesquisadora estrangeira e pela gentil receptividade no projeto.
Ao Lluís Garcia, professor do Institut Castellet, responsável pelas aulas de cinema do ano
letivo 2015-2016, pelo acolhimento fraterno.
À comunidade escolar das E.M Marechal Alcides Etchegoyen, E.M Villa-Lobos, E.M
Levy Miranda e dos CIEPs Marechal Henrique Teixeira Lott e Vila Kennedy, por se
constituírem como espaçostempos da minha formação como professora.
Aos colegas professores das Redes estaduais e municipais do Rio de Janeiro, pela
companhia na luta em prol da educação pública, gratuita e laica.
The research “Experiences with the cinema in the school: pedagogic gestures in highlight”
investigated the pedagogical gestures mobilized in the school, through the experience with
the cinema, in the dialogue with the collective of the research “Curriculum, Teaching and
Language”, of the Post-Graduation Program in Education of the Federal University of Rio
de Janeiro, in specific, with the research group CINEAD/LECAV - Cinema: Learn and
Unlearn from the Education, Cinema and Audiovisual Laboratory. This thesis is based on
two questions: what pedagogical gestures does the experience with the Lumière Minute
reveal? What educational relationship, what form of being in the world does this
experience promote? From these, it sought to identify, through exercises with the Lumière
Minutes, a way of doing and relating to the world, with respect to educational materiality
and to characterize the pedagogical gestures that the Minute allows in the school. Based on
the philosophical contribution of Hannah Arendt, Jacques Rancière, Jan Masschelein,
Maarten Simons, among others, it was characterized the type of education chosen to guide
this study and, consequently, the form how we understand school and school's form. The
theoretical framework of the cinema-education field was developed in the dialogue with
Alain Bergala, Adriana Fresquet, Cezar Migliorin, Nuria Aidelman, among other authors.
It had as a methodological presupposition the research as experience and the records of
observations, comments and reflections in the field diary, whose space-time clipping is
delimited by the accompaniment of two experiences with the cinema in the school: in the
first semester of 2015, in Rio de Janeiro, in the School of Application of UFRJ and; in the
first half of 2016, in Barcelona, at the Institut Castellet. Formulating the thesis that the
presence of cinema in school, through the educational experience with the Lumière
Minutes, reveals a pedagogical gesture of paying attention to the world. By putting
something of the world in the spotlight for students to pay attention to - here, the cinema -,
the school can spark students' interest in some materiality of the world. In the final
considerations, I pointed some implications of working with cinema in schools and in other
educational spacetimes.
APÊNDICES
ANEXOS
1- PLANO GERAL
Cena: Sala de aula. A professora solicita que uma menina vá para frente da turma e
explica para as demais crianças que ela será filmada. Em seguida a posiciona em frente à
câmera que tem suas particularidades – não é uma câmera cinematográfica tal como a
conhecemos. Não é analógica, tampouco digital. É, sim, confeccionada manualmente, com
uma caixa de sapatos e outros materiais escolares que permitem representar esse aparelho,
“como se” fosse uma câmera. Ao mesmo tempo em que mostra para a turma o dispositivo,
pergunta quem poderá manuseá-la. Alguns meninos se apresentam como voluntários. A
professora dá a primeira instrução: “vamos posicionar a câmera para fazer um plano geral”.
Recomendando cuidado no manuseio, mas, ainda assim, a câmera cai no chão. Os meninos
a pegam imediatamente e entregam à professora, que continua dando as instruções
enquanto recompõe o dispositivo. Agora, posicionados no fundo da sala, certificam-se de
que é a maior distância possível entre a câmera e a menina. Sabedores do que significa um
plano geral, a professora segue para o próximo exercício. “Se tivéssemos agora que fazer
um plano médio, onde teríamos que posicionar a câmera?”. Os alunos avançam para o
meio da sala, confirmando uma distância precisa para o plano médio. A professora indaga:
“o que se vê no plano médio?”. Eles olham através da câmera e pronunciam a resposta. O
exercício prossegue. Agora terão que posicionar a câmera para realizar o plano americano.
Os estudantes avançam um pouco mais e param quando ouvem a voz da professora
indicando que ali (talvez seja) o local correto. Novamente ela indaga: “o que veem? Até
onde veem a personagem?”. Os meninos olham pela câmera e dizem a resposta (ajudados
pelos demais companheiros de classe). A professora pede que a equipe de filmagem se
aproxime mais da menina e lança a pergunta para toda a classe: “qual o nome desse
plano?”. Algumas crianças timidamente respondem e ela confirma: “sim, esse é o primeiro
plano”. “Vemos muito próximo”. Meninos e meninas acompanham todos os movimentos.
Corte seco.
15
1
Representa cada uma das imagens impressas quimicamente no filme cinematográfico. Fotografados por
uma câmera a uma cadência constante e depois projetada no mesmo ritmo sobre uma tela. Os fotogramas
produzem no espectador a ilusão de movimento. É também a imagem individual de um filme,
correspondendo a um “quadro”.
2
Um tambor giratório com frestas em toda a sua circunferência criado, em 1834, por William Horner. Em
seu interior montavam-se sequências de imagens produzidas em tiras de papel, de modo que cada imagem
estivesse posicionada do lado oposto a uma fresta. Ao girar, o tambor cria uma ilusão de movimento.
3
A respeito desse documentário, há um artigo publicado na Revista Comunicações (Piracicaba, UNIMEP),
no ano de 2016, em que estabeleci uma relação entre as infâncias visibilizadas nos filmes O Que Eu Mais
Desejo (2011) e Cien Niños Esperando un Tren (1987), intitulado Cinema e educação: aproximação entre
infâncias.
4
Oferecida pela orientadora dessa pesquisa, no segundo semestre de 2013, no Programa de Pós-Graduação
em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
16
1.1 – Introdução
5
Expressão utilizada na dissertação A corporeidade no espaçotempo escolar: uma possibilidade na
construção rizomática do conhecimento (BERTI, 2009), com a finalidade de expressar a coexistência das
experiências espaciais e temporais no cotidiano das aulas, articulando os diversos saberes e fazeres
produzidos nas situações escolares.
17
6
Na ocasião abrigava a exposição intitulada “Fabulosas Desordens”, a qual expunha obras de dezoito
grafiteiros brasileiros e estrangeiros conhecidos e, muitos deles, pioneiros na técnica.
7
O Ponto Cine é a primeira sala popular de cinema digital do Brasil e tem como compromisso difundir o
cinema brasileiro. Nesse espaço, tivemos uma sessão exclusiva do filme-documentário Pro Dia Nascer Feliz,
para um grupo de jovens do horário regular e para outro grupo do Programa de Educação de Jovens e Adultos
(PEJA).
19
protagonistas das minhas problematizações. A atuação profissional, por dois anos, como
professora no curso de formação de professores em nível médio, da rede estadual de
Ensino do Rio de Janeiro e, a atual inserção em unidade extensionista em Universidade
Pública Federal, provocou ainda mais o desejo por estreitar as relações entre arte e
educação com os alunos da rede pública – o que ficou explícito nas atividades educativas
integradoras entre as instituições universitárias e escolares. Os estudantes visitaram
exposições realizadas pela Casa da Ciência (vinculada ao Fórum de Ciência e Cultura
FCC-UFRJ) e pelo Museu da Geodiversidade (Departamento de Geologia, do Instituto de
Geociências IGEO-UFRJ), participaram de oficinas artístico-pedagógicas nesses espaços e
conheceram um pouco do Campus da Praia Vermelha e do Campus da Cidade
Universitária.
A Casa da Ciência da UFRJ assume um importante papel no cenário universitário,
ao se afirmar como espaço de educação não formal (ambiente compartilhado de forma
intencional, mas não regulamentados por Sistemas de Ensino e currículos prescritos),
constituindo-se como um centro interativo de popularização da ciência8 que estimula o
público, a partir de diferentes atividades que transitam entre a ciência e a arte. Por meio de
uma linguagem acessível e diversificada, que passa pelas exposições temporárias e
itinerantes, oficinas, ciclos de palestras, cineclube, workshops, cursos e teatro; o público é
convidado a problematizar as questões científicas contemporâneas através de atividades de
experimentação.
Quando comecei a coordenar o projeto de extensão Ciência para Poetas nas
Escolas9 – cuja atividade central era realizar palestras em escolas públicas de Ensino
Médio com o objetivo de promover a popularização da ciência, socializar o conhecimento
produzido pela Universidade e fortalecer o diálogo entre a UFRJ e as unidades escolares
públicas do Rio de Janeiro – foi possível observar a forma como a existência do outro,
8
O movimento de popularização da ciência no Brasil ganhou fôlego com a criação do Departamento de
Difusão e Popularização da Ciência e Tecnologia, órgão vinculado ao Ministério de Ciência, Tecnologia e
Inovação e vem sofrendo constantes ameaças de extinção, diante do desmantelamento do Estado e do agora
fundido Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. Esse movimento é aliado a outras
ações internacionais como, por exemplo, a Rede de Popularização da Ciência e da Tecnologia na América
Latina e no Caribe (Rede-POP). No âmbito das políticas do MEC, existem indicativos para o diálogo entre os
Museus e Centros de Ciência e as escolas brasileiras, como por exemplo, através da articulação com o
Programa Mais Educação. Para maiores informações, sugiro acessar os seguintes sítios eletrônicos:
http://portal.mec.gov.br/ e http://www.redpop.org/.
9
O projeto tem apoio do Programa Institucional de Fomento a Cultura e ao Esporte – PRÓ- CULTURA E
ESPORTE, submetido ao SIGProj (Sistema de Informação e Gestão de Projetos), através do qual são
concedidas Bolsas de Extensão para estudantes da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O projeto está
vinculado ao programa “Ciência, Arte e Cultura - Caminhos para a Popularização da Ciência” da Casa da
Ciência da UFRJ. Mais de quatro mil estudantes da rede pública do Rio de Janeiro já participaram dessa ação
extensionista. Atualmente, o projeto está suspenso devido ao meu afastamento para estudos.
20
10
O aporte teórico-metodológico dessa ação foi publicado nos anais de textos completos do XVIII Encontro
SOCINE (Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual), com o título “Cinema em Foco: cine
debate como provocação e invenção de sentidos”. Acesso no site: http://socine.org.br/anais.asp.
11
As análises dos resultados das discussões estão registradas no artigo O Cine Debate promovendo encontros
do cinema com a escola, publicado na Revista Pro-Posições (Campinas, UNICAMP) de 2013.
12
Essa multiplicidade juvenil e institucional foi enriquecedora, pois durante o período em que coordenei esse
projeto, do ano de 2010 até 2014, atuamos em escolas da Zona Oeste e Zona Sul do Rio de Janeiro, da
Baixada Fluminense (Nova Iguaçu, São João e Belford Roxo), Niterói e São Gonçalo; além do Instituto
Nacional de Educação dos Surdos/INES.
21
13
Um documentário independente, lançado em 2011, dirigido por Gustavo Coelho, Marcelo Guerra e Bruno
Caetano, sobre a cultura de rua da pichação no Rio de Janeiro. O filme possibilita uma aproximação do
universo dos pichadores, acompanhando as narrativas e desafios destes anônimos da juventude urbana.
22
14
Duas escolas municipais (uma na zona sul do Rio de Janeiro, no Vidigal e, outra no interior do estado, na
cidade de Paraíba do Sul), duas estaduais (uma na baixada fluminense, na cidade de São João de Meriti e
outra na região serrana, em São Pedro da Serra), duas federais na zona sul carioca (Instituto Nacional de
Educação dos Surdos e o Instituto Benjamin Constant), além do Colégio de Aplicação e da Escola de
Educação Infantil da UFRJ.
23
15
Laboratório de Educação, Cinema e Audiovisual, criado em 2010, pela professora Adriana Fresquet, com o
intuito de articular as atividades de pesquisa, ensino e extensão; socializar com a comunidade acadêmica o
acervo de filmes e contribuir com os eventos da Faculdade de Educação.
16
O resultado desse ensaio audiovisual está disponível em vídeo no site: http://vimeo.com/113415238.
17
Em breve estará disponível na página do CINEAD/LECAV: http://www.cinead.org/
18
Gostaria de ressaltar que, a estadia em Barcelona foi permeada por diversas visitas em espaços culturais,
das quais destaco as seguintes: Centre de Cultura Contemporània de Barcelona, Fundació Antoni Tàpies,
Fundació Miró, Museu Picasso, CosmoCaixa, CaixaForum, Museu d'Art Contemporani de Barcelona, Museu
Nacional d'Art de Catalunya, Filmoteca de Catalunya, Teatro-Museo Dalí (Figueres), Museo de Goya
(Zaragoza), Ciutat de les Arts i les Ciències (Valencia), Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía
(Madrid), Museo Guggenheim (Bilbao), Hamburger Bahnhof (Berlim) – além das diversas obras de Gaudí.
Incluo, também, a participação no Festival internacional de cinema d'autor de Barcelona e Mostra de filmes
de Harun Farocki.
26
da Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), estabelecendo que
“a exibição de filmes de produção nacional constituirá componente curricular
complementar integrado à proposta pedagógica da escola, sendo a sua exibição obrigatória
por, no mínimo, 2 (duas) horas mensais” (BRASIL, 2014). Possivelmente, pensar o cinema
como algo imposto nas escolas coloca um incômodo pelo próprio aspecto da
obrigatoriedade. Porém, dadas às assimetrias de acesso e de produção de conhecimento em
um país de tamanho continental, consideramos que o fato de instituir uma Lei garante ao
menos a democratização do acesso ao cinema brasileiro e as condições para assisti-lo – o
que para algumas cidades ocasionaria uma grande mudança, visto que apenas 10% (dez por
cento) dos 5.570 (cinco mil, quinhentos e setenta) municípios brasileiros têm ao menos
uma sala de cinema, segundo os dados publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística, em dezembro 201519.
Em um movimento de aproximação com a Lei temos percebido dois tipos de
avaliações quando tratamos da entrada do cinema brasileiro na escola. Alguns percebem a
obrigatoriedade como divulgação do cinema nacional e, consequentemente, da cultura
audiovisual brasileira. Outros, como mais uma inserção no currículo escolar, como mais
uma tarefa para os professores cumprirem. Em todo caso, cabe advertir, o cotidiano escolar
já convive com a presença de filmes. Em algumas circunstâncias como integrante do
planejamento de ensino (para ilustrar conteúdos de uma disciplina específica ou como
parte de um evento pedagógico), em outras para “tapar buraco” na ausência de um
professor ou na habitual junção de turmas, quando estão com número reduzido de alunos.
O que precisamos problematizar é se a exibição de filmes brasileiros atenderá apenas a
exigência legal ou estará efetivamente integrada no projeto político pedagógico das escolas
com uma especificidade ética, estética e política própria da arte.
Essa inserção curricular é aqui compreendida como expressão do esforço em
proporcionar uma Educação Básica de qualidade, direito assegurado pela Constituição
Federal e defendido pelos fóruns docentes. Entretanto, o que parece urgente (e relevante
para essa investigação), a partir da demanda da Lei 13.006/2014, é perguntarmo-nos sobre
a implementação e o acesso: que tipo de filme brasileiro será exibido na escola? Em que
condições serão exibidos? Os filmes entrarão apenas como recurso didático, para ilustrar
conteúdos? Como as experiências com o cinema poderão contribuir para a produção de
conhecimento e de singularidades?
19
Informações disponíveis no site do IBGE: http://www.ibge.gov.br/home/
29
Ainda que a escolaridade não seja garantia de inserção na sociedade, sabemos que
sem ela meninos e meninas continuarão discriminados e excluídos de exercerem
plenamente os seus direitos político-sociais. É importante salientar que a crescente
presença dos jovens nas escolas, por exemplo, além de contribuir com o aumento da
escolaridade, também colabora para que muitos deles acessem aos bens culturais, haja vista
a enorme desigualdade social que propicia ora a ausência de opções culturais, ora a não
existência de um protagonismo juvenil (SPOSITO, 2005). Isso significa, por um lado dar
acesso, mas por outro reconhecer a cultura produzida por cada criança, jovem, bairro,
escola.
As atuais gerações fazem parte de diferentes camadas sociais e das grandes
transformações ocorridas nas últimas décadas em termos de sociedade, culturas,
tecnologias, mercado de trabalho e, por isso, enfrentam muitos desafios – desde a violência
simbólica, familiar, do narcotráfico até a do próprio estado (através dos seus agentes e suas
instituições). Na busca por superá-los, parece que a experiência cultural surge como
componente de resistência das distintas práticas que os diferenciam, que os reconhecem.
Embora tenhamos essa preocupação, destacamos o aspecto de a escola oferecer momentos
democráticos de produção, difusão e circulação dos diversos bens culturais produzidos
pelos/para os jovens – o que vai ao encontro de um dos dez pontos assinalados por
Fresquet e Migliorin (2015) sobre a importância de Valorizar as ações existentes e locais
para a proliferação de atividades.
Acreditando que O cinema deve ser arriscado, inquietante e, por isso, é
conhecimento e invenção de mundo – porque enquanto produção sociocultural permite a
ampliação do conhecimento de si e do mundo – a sua presença pode perturbar as
configurações educacionais hegemônicas, promover um alargamento de sentidos,
contribuir para a formação ético-estético da comunidade e diminuir o preconceito, ainda
existente, com o nosso cinema. Nesse movimento, o cinema na escola pode Promover a
criação com imagens ao oportunizar momentos de exercícios imaginativos e criativos na
relação com os filmes exibidos.
A relevância, os limites, as possibilidades, o acesso e a acessibilidade do cinema
brasileiro dentro da escola, no diálogo com a Lei 13.006/2014, foram amplamente
debatidos no Encontro da Temática Educação: VII Fórum da Rede Kino (Rede Latino-
Americana de Educação, Cinema e Audiovisual), dentro da 10ª CineOP - Mostra de
Cinema de Ouro Preto. Um evento fortemente marcado pelo encontro e debate entre
cineastas, preservadores e educadores preocupados com a implementação, regulamentação
31
20
Carta disponível em: http://www.cineop.com.br/carta-educacao.php?menu=programacao&item=carta.
Acesso em 25 de junho de 2015.
32
brasileiras. Alguns desses pontos dizem respeito ao fortalecimento das parcerias entre
universidades, escolas, cineclubes, pontos de culturas21 e demais associações; ao acesso e
compartilhamento da produção audiovisual brasileira, à formação inicial e continuada de
professores; ao investimento progressivo na infraestrutura das escolas; à constituição e
ampliação de um acervo audiovisual escolar; à criação de uma plataforma digital virtual
para a exibição e download de filmes na escola; entre outros.
Nessa direção, o Acordo de Cooperação Técnica (001/2016), firmado entre os
Ministérios da Educação e da Cultura, “busca alinhar os Planos Nacionais de Cultura e de
Educação, apresentando amplas diretrizes e vigência até 2024” (DOZZI, 2016, p. 200), no
sentido de fomentar ações e programas de infraestrutura, tanto nas escolas quanto nas
universidades, para que currículos e planos culturais estejam conectados com a
multiplicidade artística e de conhecimento dos distintos territórios, além da preocupação
com “a formação de gestores e docentes voltada à democratização dos acessos e
potencialização dos processos educativos em contínuo diálogo com os saberes artísticos e
culturais, desde a primeira infância” (DOZZI, 2016, p. 200).
Com relação à seleção das obras, a Programadora Brasil, Rede Nacional de Difusão
do Audiovisual Brasileiro, organismo da Secretaria do Audiovisual do Ministério de
Cultura, localizado na cidade do Rio de Janeiro, desativada em 2014, sistematizou, em
formato de DVD, mais de mil exemplares de longas, medias e curtas metragens para
acesso das instituições públicas e privadas por um valor simbólico – que basicamente
custeava o envio dos pacotes para todo e qualquer lugar do Brasil. Dentre os filmes do
catálogo, alguns incluíam recursos de audiodescrição, com o intuito de beneficiar
deficientes visuais e, closed caption, programa de legendas para pessoas com deficiência
auditiva.
A Programadora previa um formato final de plataforma para livre acesso de escolas
e outras instituições públicas. Em seu website, abria um espaço para o compartilhamento
das experiências pedagógicas com os filmes. Existem muitas opções cinematográficas –
que não se restringem apenas aos longas-metragens, pois temos uma série de curtas-
metragens disponíveis22. É preciso conhecer para poder decidir colaborativamente e com
21
Os Pontos de Cultura são coletivos e entidades que desenvolvem e articulam ações de impacto
sociocultural em suas comunidades, reconhecidos e certificados pelo Ministério da Cultura. Informações
completas disponibilizadas em: http://culturaviva.gov.br/rede/.
22
No artigo 50 curtas para uma infância alternativa (e para uma alternativa de infância), de Fernanda
Omelczuk (2015), há uma tabela com cinquenta curtas-metragens selecionados (com sinopse, ano de
produção, diretor e duração), com base no catálogo da Programadora Brasil. Texto disponível em:
http://www.cinead.org/files/4deac39ffe2b937b26f5d26439afc2d7livreto_educacao10cineop_webpdf.pdf
33
orientação de especialistas da área, quais serão as obras mais indicadas para levar à escola,
especialmente aquelas que fogem da estética dominante nas mídias que já impregnam os
dispositivos móveis de comunicação de muitos estudantes como telas de bolso.
Nesse processo, as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação
Básica (BRASIL, 2013), em interlocução com os objetivos constitucionais (BRASIL,
1988) e com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), apontam
que além de garantir o acesso e a permanência ao sistema escolar, é necessário assegurar as
múltiplas manifestações culturais, de pensamento e de conhecimento. Legislações que
repercutem uma concepção ampliada de educação, a qual contém a tarefa docente de
apresentar essas expressões artísticas para os alunos, colocando em diálogo os saberes
produzidos e tecidos por cada coletivo sociocultural brasileiro, conectando questões
políticas, éticas e estéticas.
A Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2016), em atendimento ao Plano
Nacional de Educação (BRASIL, 2014), ao contemplar os sujeitos da Educação Básica
(professores, estudantes e demais integrantes da comunidade escolar), compromete-se em
oferecer condições para o desenvolvimento de múltiplas linguagens. Atualmente, a Base
encontra-se numa segunda versão, em consulta pública e, nas suas seiscentas e cinquenta e
duas páginas, introduz o cinema de maneira bastante tímida – sequer constitui um
subcomponente curricular das linguagens artísticas, nem mesmo dentro das artes visuais.
A palavra cinema aparece doze vezes ao longo do Documento, com maior
frequência na Educação Infantil e Ensino Fundamental. No Ensino Médio, dentro do
componente curricular “Artes”, o cinema aparece na relação com a Lei, quando afirma “As
artes podem incluir as práticas de cinema e audiovisual e o previsto na Lei 13006/2014”
(BRASIL, 2016, p. 517). Entretanto, o uso do verbo “poder” pode tornar facultativa esta
inclusão.
A interseção entre os territórios cinematográficos e educativos vem se
desenvolvendo sistematicamente. Ao pesquisar no Banco de Teses da Capes23 a expressão
“cinema e educação”, encontramos distribuídas nas seguintes áreas do conhecimento:
Comunicação (217), Letras (122), Artes (72), História (64), Educação (34). Centrando-nos
no campo educacional, dos trinta e quatro registros encontrados, trinta estão localizados em
23
Consulta realizada no Banco de Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES), em agosto de 2015 e em fevereiro de 2016. Através do Portal de Periódicos da Capes, é possível
acessar o banco com uma ferramenta de busca e consulta, com resumos relativos a teses e dissertações
defendidas desde 1987. As informações são fornecidas diretamente pelos Programas de pós-graduação, que
se responsabilizam pela veracidade dos dados. Disponível em: http://bancodeteses.capes.gov.br/
34
Programas de Pós-Graduação dessa área. Das oito teses de doutorado, quatro analisam e
dialogam com produções fílmicas. Duas investigam a recepção da arte cinematográfica
pelos professores (formados ou em formação). Uma reflete sobre o cinema no processo
formativo dos estudantes. Uma analisa a relação específica entre cinema documentário e
educação. Com relação às dissertações, das vinte e duas encontradas, dezenove realizam
análise de filmes em articulação com temas educacionais, ora articulados às disciplinas
curriculares, ora como recurso didático, duas relacionam cinema e formação de
professores. Uma analisa o cinema como experiência artística.
Com a expressão “cinema e escola” o sistema localizou pesquisas na área de Artes
(25), Comunicação (20), Educação (11), História (5) e Sociais e Humanidades (4). No que
diz respeito à Educação, desses onze trabalhos (três teses e oito dissertações) dez estão
localizados em Programas de Pós-Graduação dessa área. A diversidade de abordagem do
cinema na sala de aula teve grande destaque nessas pesquisas. Isso significa que o cinema
entrou na escola através de filmes, a partir de análises destes (com alunos e professores),
de produções audiovisuais realizadas por discentes e docentes e, como parte do patrimônio
cultural, tanto mundial como brasileiro. Cabe ressaltar que essas produções se incluem no
critério de busca anterior “cinema e educação”.
Nesse movimento, destacamos o estudo Cinema, Educação e Filosofia:
Possibilidades de uma poética no ensino, de Paula Angerami (2014), por ter analisado as
possibilidades do cinema na educação, em específico, na apropriação de determinadas
obras cinematográficas por parte dos docentes, tendo como referencial teórico a
experiência e, a pesquisa Poéticas, cinema e educação – um estudo sobre experiências de
aprendizagem com cinema na escola, de Alessandra Gomes (2015), por ter examinado
uma ação extensionista de realização de filmes junto a professores e estudantes de escolas
públicas do Rio de Janeiro, cuja pretensão foi compreender os processos formativos
promovidos pelas atividades com cinema, analisando as situações de fruição
cinematográfica, pensando aspectos de valorização da cultura escolar e da construção de
discursos sobre a escola.
Com relação aos exercícios Minutos Lumière, a base de dados não localizou
nenhuma pesquisa. Apenas foram localizadas três pesquisas com menção aos irmãos
Lumière: duas na área de comunicação e uma na Educação Física. As duas da área de
comunicação abordam o surgimento do cinema com os irmãos Lumière e os
desdobramentos desse invento na contemporaneidade. E a da área de Educação física
realiza uma associação entre a linguagem cinematográfica e a da dança. Por isso é
35
24
Esse curso teve como objetivo apoiar a criação de Escolas de Cinema oferecidas a alunos de Ensino
Fundamental das redes municipais, estaduais ou federais, por meio de capacitação em Cinema e Educação.
Ao final do curso, quatro escolas receberam a doação de DVDs e cessão de equipamentos para produção e
exibição audiovisual, obedecendo aos critérios apontados pelo Edital de seleção de escolas
públicas/CINEAD. Para ter acesso aos exercícios produzidos nesse curso de formação, acessem:
http://www.cinead.org/pagina/cursoAperfeicoamentoEB
36
projeto. Nesse processo da oficina, os professores viram passeur, ou seja, passam pelo
processo junto com seus alunos”.
Essa pesquisa apontou como resultado que, a primeira potencialidade de uma escola
de cinema, refere-se ao como ela é pensada e elaborada. A abordagem metodológica do
curso de formação para os professores baseou-se no referencial teórico-prático de Alain
Bergala e o programa do curso foi preparado com base na premissa de que o cinema na
escola é entendido como arte, como criação. Como desdobramento, os docentes, à época
cursistas, agora professores nas Escolas de Cinema, ressaltaram o olhar diferenciado
lançado para o seu campo de atuação e, também, realçaram o impacto na postura dos
estudantes, na forma como passaram a se relacionar com o mundo25.
No movimento de pensar as potencialidades artísticas dentro do espaçotempo
escolar, realizamos uma aproximação com a Escola de Cinema do CAp-UFRJ, pois ela tem
sido constantemente investigada por pesquisadores do CINEAD/LECAV. Desde a primeira
dissertação Reflexões sobre currículo e linguagem a partir de uma experiência da escola
de cinema no CAp-UFRJ, de Janaina Pires Garcia (2010), que teve como finalidade
investigar as aproximações entre currículo e linguagem cinematográfica, a partir das aulas
de cinema no CAp-UFRJ; passando pela dissertação Linguagem cinematográfica no
currículo da educação básica: uma experiência de introdução ao cinema na escola, de
Gisela Leite Pascale (2012), que objetivou repensar a relação escolar com o cinema, no
diálogo com o currículo, a partir de uma experiência de introdução ao cinema no CAp-
UFRJ e; a primeira tese do Grupo Cinema e educação: narrativas de experiências
docentes em colégios de aplicação, de Regina Ferreira Barra (2015), cuja intenção foi
investigar as possibilidades de encontro do cinema com a educação na prática pedagógica
de professores que atuam em Colégios de Aplicação de Universidades Federais brasileiras.
A investigação de Garcia (2010), situada no primeiro ano do projeto da Escola de
Cinema no CAp-UFRJ, em horário extracurricular, com uma carga semanal de 2 horas,
analisou os registros das aulas de uma turma do Ensino Médio, no decorrer do ano letivo
de 2008, em consonância com a participação nos planejamentos das atividades dentro e
fora da escola. Nessa mesma linha, a pesquisa de Pascale (2012) acompanhou um grupo de
jovens do Ensino Médio e do segundo segmento do Ensino Fundamental, durante o ano de
25
Essa pesquisa, do Programa de Pós-Graduação de Ensino de Educação Básica – Curso de Mestrado
Profissional (PPGEB), do Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira, da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (CAp-UERJ), apresentou como produto pedagógico um curta-metragem com os pontos
destacados pelos professores entrevistados, intercalados com trechos de produções dos estudantes das escolas
de cinema.
37
comentários e reflexões que não se detiveram somente ao campo de pesquisa escolar, mas
também da participação nos grupos de pesquisa; aulas com a orientadora no Brasil e
coorientador em Barcelona; das leituras e da aproximação amorosa com os autores, com os
eventos acadêmico-científicos; com os ciclos e festivais de cinema; com a Escola de
Cinema do CAp-UFRJ; com o Cinema en Curs (tanto na escola como nas Jornadas); com
visitas às cinematecas, filmotecas, museus e fundações culturais.
A opção metodológica pela pesquisa qualitativa, que pressupõe características
específicas ao focar os processos interativos nas relações humanas e, com isso, permite-nos
descrever e analisar os múltiplos significados construídos e atribuídos aos/pelos sujeitos
pesquisados (CHIZZOTTI, 2003). Indica, sobretudo, que
tantos outros. O outro como tudo aquilo que sou e não sou. Como a diferença encarnada
que desterritorializa, territorializa e reterritorializa as singularidades (BERTI e
CARVALHO, 2013).
Essa tese está composta por cinco planos. Em cada abertura de plano narro um
trecho, uma cena, de algum filme que me tocou e me acompanhou no decorrer desses
quatro anos do doutorado. Esses fragmentos aparecem como um exórdio do que será
tratado nos capítulos. No plano geral, busquei apresentar a minha trajetória acadêmico-
profissional no campo educativo e como ocorreu a aproximação com o campo
cinematográfico e seus desdobramentos nos diferentes territórios percorridos ao longo da
tessitura dessa investigação. Ao longo dessa introdução, expus a relevância da
investigação, as justificativas, os objetivos, as questões do estudo, a delimitação dos
contextos da pesquisa, os atravessamentos teóricos e o percurso metodológico adotado.
Com o intuito de assinalar o que é educação e, a partir daí, marcar o que é a escola,
desde o ponto de vista do “escolar”; de eleger um sentido filosófico para essa investigação;
da incorporação da metodologia dos Minutos e dos gestos pedagógicos, políticos,
filosóficos éticos e estéticos desse exercício; é que nasce a primeira parte da tese, o
Primeiro plano: cinema e educação. Nele, apresento o estudo, no diálogo constante com
perguntas centrais para qualquer tese no âmbito da educação (o que é a educação?), da
escola (o que faz com que a escola seja realmente uma escola?) e do cinema-educação, do
ponto de vista da alteridade, (o que o cinema, como bem comum, convertido em gesto
pedagógico, é capaz de suscitar como forma de atenção às coisas do/no mundo?), através
de dois gestos cinematográficos o “ver” e o “fazer” e sob o prisma pedagógico dos
exercícios com o Minuto Lumière. A construção desse capítulo foi circundada pelo
questionamento do que faço aqui (mundo), quando faço uma investigação?
O Primeiro plano, portanto, é tecido por meio de textos que transitam entre os
campos da filosofia, da educação, da arte e do cinema. Com base no aporte filosófico de
Hannah Arendt e Jacques Rancière, caminhamos rumo à caracterização do tipo de
educação que escolhemos para orientar essa tese e, consequentemente, da forma como
entendemos a escola (e o escolar), segundo os conceitos desenvolvidos por Jan
Masschelein e Maarten Simons. O marco teórico do cinema, do ponto de vista da
alteridade, bem como os gestos ver e fazer, foram fundamentados a partir das
considerações de Alain Bergala e de Cezar Migliorin, passando pelas observações política-
ética-estética de Jacques Rancière. Com relação ao Minuto Lumière, procuramos entrelaçar
visitas e apontamentos de Alain Bergala, Núria Aidelman e Adriana Fresquet.
43
Cenário: uma sala (de aula?), uma porta e uma cadeira. Um jovem entra na sala,
senta na cadeira e o entrevistado, Eduardo Coutinho, conduz a conversa, que vai correndo
bem até que Thiago se incomoda com o silêncio. O jovem diz: “o silêncio ficou estranho”.
O entrevistado – que antes abordara temas como sanidade, caos, vida, morte e suas
concepções sobre o mundo – em meio ao silêncio, mostra-se pensativo. Coutinho ressalta a
potência do silêncio e o quanto este provoca o pensamento. Parecendo sentenciar e
sintetizar a vida, comenta: “É por isso que não dá para rejeitar nada e nem aceitar
inteiramente tudo. É um mistério, não é não?”. E o entrevistado, em um tom de
concordância, responde com um sutil e quase inaudível “uhum”27.
Podemos entender essa cena em consonância com diversos pontos de vista. Como
um convite à experiência. Como um gesto de atenção. Como um exercício de alteridade.
Como um apelo a viver o mistério, entre o que abandonamos e acolhemos no agora. Seja
qual for o caminho escolhido, essa cena é reveladora tanto do tom da conversa quanto da
maneira de filmar do cineasta brasileiro Eduardo Coutinho28.
O que Coutinho nos permite ver em Últimas Conversas é a intensa vitalidade do
cineasta, entrevistados, vozes, expressões e silêncios. Tudo isso em primeiro plano. Os
desconfortos, dúvidas e ponderações estão ali, bem diante de nós (espectadores). Como
estão também os professores em sala de aula, nos momentos iniciais de cada aula, em
primeiro plano. Assim como nesse texto, em que palavras, gestos, ideias, observações,
referências e experiências se fazem presentes.
Nesse movimento, como no cinema, em primeiro plano, buscaremos enfocar a
educação, fundamentando-nos em conceitos do campo filosófico e, a partir daí, enquadrar
a escola, na perspectiva do “escolar”. Em seguida, revelaremos o cinema, do ponto de vista
27
Últimas Conversas (2015). Documentário idealizado e iniciado por Eduardo Coutinho, entretanto,
terminado por Jordana Berg e João Moreira Salles, após a trágica morte do cineasta. É composto de
entrevistas realizadas com estudantes do último ano do ensino médio da rede pública da cidade do Rio de
Janeiro, selecionados após uma pesquisa prévia para saber o que pensam, sonham e vivem.
28
Eduardo Coutinho (1933 - 2014), cineasta e jornalista brasileiro, considerado um dos maiores
documentaristas da história do cinema nacional. Suas principais obras são: Cabra Marcado para Morrer
(1984), Santo Forte (1999), Edifício Master (2002), Jogo de Cena (2007) e As Canções (2011). Últimas
Conversas (2015 – obra póstuma) é o 14º longa-metragem de Eduardo Coutinho e apresentou autoria
compartilhada, pois a edição e montagem ficaram por conta de Jordana Berg e a finalização por João Moreira
Salles, produtor dos filmes do cineasta desde 2000.
45
29
Hannah Arendt (1906-1975), filósofa alemã de origem judaica, investigou temas como a política, o
totalitarismo, a educação, a condição laboral e a condição feminina, problematizando a barbárie e as
tendências autoritárias emergidas do regime nazista. Realizou uma análise brilhante do nazismo e do
stalinismo no livro As origens do totalitarismo (1951) extraindo dessas reflexões o conceito de “banalidade
do mal”, exposto na obra Eichmann em Jerusalém (1963) – que também pode ser compreendido no filme
Hannah Arendt (2013), dirigido por Margarethe Von Trotta e tem como pano de fundo o julgamento do
nazista Adolf Eichmann.
30
Jacques Rancière (1940), filósofo franco-argelino e professor de Filosofia na Escola Europeia de Pós-
Graduação e Professor Emérito de Filosofia da Universidade de Paris. Tem importantes obras nos campos da
arte, estética e da política, como O Destino das Imagens, O espectador emancipado, A partilha do sensível, O
mestre ignorante, O ódio à democracia, dentre outras.
46
31
Aqui, pactuamos com a tese de Rancière (2009) de que a política precisa ter como base o embate. A
política não se presta ao controle de conflitos, deveria, antes de tudo, conferi-los potência. Para o filósofo, o
dissenso promove formas de resistência ao que é consensual.
48
aparece quando provoca a suspensão de si, isto é, quando na interrupção do estudante que
olha somente para si, se instaura um interesse, capaz de conduzi-lo para fora (de si),
descentrando-o. Nesse processo, os estudantes têm a potência de descoberta e curiosidade
alargadas, abrindo a possibilidade de lançarem um olhar atento para o mundo. Nesse tipo
de relação pedagógica, o Mestre (no sentido de Rancière) interroga (convidando a uma
busca) e verifica se essa busca é realizada com atenção. Para isso, o gesto do mestre, como
ser de palavra que “se expõe [e] espera a contra-palavra” (MASSCHELEIN, 2003, p. 287)
evocando três questões: o que vê? O que pensa? O que faz? Dessa forma,
Eis porque a relação pedagógica não pode ser vista, nem como uma
relação hierárquica (como a relação entre sábios e não sábios), nem como
uma relação simétrica (relação entre sujeitos principalmente idênticos a si
mesmos e entre si), mas como uma relação de diálogo entre seres de
palavra. Uma relação, portanto, também de exposição às palavras dos
outros (...) (MASSCHELEIN, 2003, p. 287).
p. 99), em um contínuo ir-e-vir das questões de Rancière, a partir de Jacotot: o que vê? O
que pensa? O que faz?
Além do medo da democracia nas escolas, Masschelein e Simons (2014a) também
chamam a atenção para a “subjetivação pedagógica”, a verificação das potencialidades dos
estudantes, partindo do princípio da igualdade. Embasados em Hannah Arendt, trazem à
tona o significado do conceito “escola”, como “tempo livre”. Nessa perspectiva, o
educador tem o papel fundamental de contribuir para que o acontecimento do tempo atue
na escola, para que os alunos experimentem o “tempo sem destino”, sem resultado pré-
definido, que não deve ser confundido como “tempo de lazer nem o tempo de
aprendizagem, desenvolvimento ou crescimento, mas o tempo de pensamento, estudo e
exercício” (MASSCHELEIN e SIMONS, 2014a, p. 160). Assim,
(...) renovar o mundo comum é uma tarefa tanto da nova geração quanto
da velha. Esse mundo comum não é dado previamente; não é algo que a
velha geração e a nova compartilhem (têm em comum nesse sentido),
mas ele, precisamente acha (seu) lugar (comum) entre eles, exigindo que
a velha geração coloque, por assim dizer, seu mundo à disposição
(MASSCHELEIN e SIMONS, 2014a, p. 176).
Para esses que chegam, a escola apresenta-se, portanto, como espaço público
comum, em que as coisas comuns são “livres para uso”. Segundo Arendt (2001), apesar
dos esforços pela resolução da crise educacional, a incapacidade de solucioná-la somada à
maneira como atingiu o campo da política são as principais razões para o seu caráter
problemático, pois “sempre que, em questões políticas, o são juízo humano fracassa ou
renuncia à tentativa de fornecer respostas, nos deparamos com uma crise” (ARENDT,
2001, p. 227). No entanto, a crise propicia a revisão, o diagnóstico, à desconstrução de
paradigmas.
Ainda a autora, ao realizar uma análise do contexto norte-americano, considerando
sua história como terra de imigrantes, de desejo pelo novo, de “americanização” dos
recém-chegados, a crise na educação, segundo Arendt (2001), possibilita o conhecimento e
a compreensão de elementos tanto educacionais quanto políticos, visto que articulam esses
dois campos, não podendo ser confundido com o uso da educação como instrumento da
política, como o ocorrido na Europa. As crianças não podem ser compreendidas como a
esperança (e instrumento) da realização dos ideais políticos de uma sociedade.
Arendt (2001) empreendeu críticas contundentes as ideias educacionais
pragmáticas, em voga àquela época nos Estados Unidos, tendo como um dos seus
fundadores o filósofo e pedagogo John Dewey32. Para ela, os adultos concederam uma
liberdade à “população” infantil e juvenil, a qual não teriam condições de usufruí-la. Ao
saírem de cena, em nome de uma suposta formação autônoma de crianças e jovens, os
adultos se eximiram do compromisso com aqueles que vêm ao mundo e,
consequentemente, com o próprio mundo. No abandono da responsabilidade de
preservação e renovação do mundo, os professores (adultos) renunciaram a sua autoridade
32
A filosofia educacional de John Dewey (1859 - 1952) está centrada no desenvolvimento da capacidade de
raciocínio e espírito crítico do aluno. Para ele, a educação deve servir para ajudar na solução das situações
cotidianas, pois o pensamento não existe isolado da ação. No Brasil, um dos maiores estudiosos do
pensamento de Dewey foi o educador Anísio Teixeira – integrante do movimento escolanovista. Esse
movimento foi responsável pela redação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932), escrito por
26 educadores, com o título “A reconstrução educacional no Brasil: ao povo e ao governo”, tendo por
finalidade oferecer diretrizes para a renovação da política educacional do país, destacando a educação
pública, a escola única, a laicidade, a gratuidade e a obrigatoriedade da educação.
54
(que nada tem a ver com autoritarismo) de, como docentes, diante dos novos que chegam,
estabelecer essa conexão entre a tradição e a transformação.
Nas palavras de Arendt (2001), “[...] a educação não pode desempenhar papel
nenhum na política, pois na política lidamos com aqueles que já estão educados. Quem
quer que queira educar adultos na realidade pretende agir como guardião e impedi-los de
atividade política” (ARENDT, 2001, p. 225). A concepção política da filósofa é baseada
em uma relação entre iguais, entre sujeitos adultos, em que no espaço público ouvem,
falam e debatem.
O que fica forte no texto de Arendt (2001) é essa preocupação com uma dita
“sociedade infantil”, a partir da premissa de que aprendemos deles e que, portanto, gera
toda uma pedagogia centrada nos métodos e procedimentos do processo de ensino e
aprendizagem, esvaziando o sentido do ensino, da matéria de ensinar (o conhecimento de
algo). Esse tipo de pedagogia centrada na transmissão de competências e habilidades que
deve se estender à vida, como um treino para a “vida real”, um simples “ensinar como
viver”, conduz a uma compreensão apressada (para não dizer equivocada) da educação
como política. Pois, como fica explícito na argumentação arendtiana, a política só pode ser
feita entre iguais, entre adultos e, a relação de uso que se faz com as crianças, como uma
apropriação assimétrica (e desigual), ressalta a irresponsabilidade educativa.
Ao finalizar suas análises, Arendt (2001) busca equacionar o necessário equilíbrio
na utilização da autoridade e da tradição no âmbito educacional, em um mundo não mais
sustentado pela autoridade do adulto e pelas velhas convenções tradicionais. A escola
assume, portanto, a tarefa de apresentar às crianças o que é o mundo. E, ao apresentá-lo, o
faz como expressão de um gesto político, na medida em que o nomeia.
delegando para os adultos professores a responsabilidade com cada estudante, para que
“não seja apenas mais um estrangeiro no mundo, mas alguma coisa que nunca antes tinha
existido” (MASSCHELEIN e SIMONS, 2014a, p. 42). Segundo os autores, “a escola é a
arquitetura pública que organiza o acesso ao mundo, e que assim observa e controla a vida
pública” (MASSCHELEIN e SIMONS, 2014a, p. 181), a partir da apropriação da
“linguagem desse mundo”, da sua língua comum, pelo menos no sentido predominante.
Dito isso, em intensa aproximação com o sentido de natalidade de Arendt (2001), a relação
educativa entre infância e mundo, se constitui a partir da apresentação do mundo (para
esses novos que chegam) por professores (adultos) que estão no mundo há mais tempo.
Estabelecendo, de tal modo, um ato entre gerações, ao mesmo tempo em que interrompe a
filiação (ARENDT, 2001).
Ao transformar crianças e jovens em estudantes, a escola se assume como protetora
do mundo (preservando seus códigos/regimes) e dos recém-chegados (preservando-os dos
perigos das ruas, para que um dia se tornem o futuro desse mesmo mundo). Todavia, essa é
apenas uma das possibilidades de compreensão do conceito de “público” na escola. O
público na escola pode estar diretamente relacionado com a escola em si mesma e não
posto em conexão com o mundo. O “espaço público nesse sentido é um lugar ou espaço de
ninguém, e um tempo de ninguém, e assim um lugar e tempo para ninguém em particular”
(MASSCHELEIN e SIMONS, 2014a, p. 185), mas que assume o pressuposto de que tudo
pode ser compartilhado e de que todos são capazes.
Um filme, por exemplo, pode ser colocado em discussão tornando-o assunto
comum, capaz de oferecer elementos cinematográficos para deixá-los à disposição dos
alunos, a fim de inaugurar possibilidades para uma nova experiência – sem perder de vista
que existe uma diferenciação entre o filme e o cinema. O filme “é sempre um produto
cultural” (DUARTE, 2009, p. 86). Já, “quando se fala em cinema, está-se falando de um
amplo aparato multidimensional que engloba fatos que vêm antes, depois ou por fora do
filme...” (DUARTE, 2009, p. 86).
Nesse sentido, o cinema materializado em um espaço e um tempo, surge como um
território experimental. Ao se desenvolver em um espaço, editado por um tempo,
presentificado na matéria fílmica, pode relacionar acontecimentos pedagógicos altamente
intensos, na medida em que colocam coisas do mundo, assuntos públicos, em discussão.
Por isso, a partir da materialidade cinema, convertido em gesto pedagógico, desejamos
despertar o interesse por algo do mundo e, que o conhecimento (público) expresso através
de campos conceituais distintos (filosofia, história, sociologia, política, educação e arte)
56
possa circular pelos territórios escolares – ainda que saibamos dos mais variados discursos
e práticas em disputas (e negociações) no campo educacional. Assim como no imprevisto
da relação entre estudante e elementos cinematográficos.
Finalizando essa seção, sem encerrar o exercício do pensamento, na perspectiva de
educação pública aqui explicitada, acreditamos que o cinema, entendido com bem comum,
pode nos ajudar a pensar sobre quais gestos pedagógicos mobilizamos no contexto escolar
– que supõe relação de abertura para o mundo, a partir das perguntas que surgem nessa
abertura, como experiência vivida, para além da decodificação e interpretação dos signos
cinematográficos. Por isso, elegemos como ponto de contato no campo cinema-educação,
as experimentações cinematográficas com os Minutos Lumiere, visto que esse exercício
convoca para um gesto de atenção com o mundo.
Insistindo no argumento de que a educação escolar tem a ver com transmitir o
mundo e introduzir no mundo, a partir de um acordo social prévio em que a família libera
suas crianças e jovens para estarem na escola e, estando na escola, esses meninos e
meninas, convertidos em estudantes, têm a oportunidade de suspenderem o tempo e as
etiquetas destinadas a eles (por sua família, comunidade, sociedade etc). A continuidade
desse gesto escolar de apresentação pública do mundo comum é o que assegura, por muitas
vezes, que a escola siga sendo um espaço de emancipação. Esse caráter emancipatório é
nítido na seguinte afirmação:
No meu romance pessoal, fui salvo duas vezes: pela escola e pelo cinema.
A escola, em primeiro lugar me salvou de um destino de provinciano que
nunca teria acesso à vida e à cultura de adulto que se tornaram as minhas.
(...) O cinema entrou na minha vida, em meio a uma infância triste e
angustiada, como algo que eu soube muito cedo que seria minha tábua de
salvação (BERGALA, 2008, pp. 13-14).
vida, Derrida diz que essa introdução aconteceu muito cedo. Ainda como criança em
Argel, marcado pelos acontecimentos do final da guerra (e do pós-guerra), a arte
cinematográfica apresentou-se como uma forma de emancipação e fuga do ambiente
familiar. Passou então a nutrir uma paixão pelo cinema, que o permitia passar horas em
uma sala de projeção. Segundo Derrida (1998, s/p), “para um pequeno argelino sedentário,
o cinema era a graça de uma viagem extraordinária”, era a possibilidade de uma
experiência singular como espectador, na relação com suas emoções, suas memórias e seus
desejos.
Nessa entrevista, é interessante perceber a potência que o filósofo imprime no
regime de crença que o cinema mobiliza, pois a experiência com a arte cinematográfica
está intimamente relacionada ao crédito que damos àquilo que vemos, ouvimos e sentimos.
Uma aproximação com as ideias de Migliorin (2010) torna-se inevitável, pois a aposta na
possibilidade de se trabalhar o cinema no espaçotempo escolar está baseada em três
crenças: a primeira é motivada pela afirmação de que o cinema intensifica as invenções de
mundo; depois no reconhecimento que a escola é um espaço propício para invenções e, por
último, porque a criança cria com/no mundo. Deste modo, a eleição do cinema como tema
comum, como algo que está no meio, como “objeto” cultural e de conhecimento, colocado
pela escola, pode dar a ver coisas do/no mundo.
Assim, olhar para a educação, pelas lentes da filosofia, é apresentar os sentidos (e
crenças) que percorrem essa tese.
Tratar do cinema como tema comum nada tem a ver com o sentido de comunicar
informações e conhecimentos acerca do assunto cinema – o que nos levaria para um
caminho explicador e, portanto, embrutecedor. Todavia, tem relação direta com o que (do
mundo) prestar atenção. Diante de inúmeras possibilidades de “aventuras intelectuais”,
como nos mostrou Rancière (2002) com o professor francês Jacotot, cujas exigências aos
estudantes flamencos (holandeses) passavam pela leitura, releitura, expressão escrita e oral
do que haviam pensado a partir da obra literária Telêmaco, isto é, a reivindicação
pedagógica explícita era a de que os alunos estivessem atentos ao assunto comum.
Igualmente como a materialidade literária de Telêmaco, a materialidade cinema
fílmica também pode proporcionar a aproximação dos alunos com o assunto posto em
58
relação, como objeto de estudo, no sentido de uma terceira coisa, de acordo com Rancière
(2010). No que está entre o mestre e o aprendiz e nenhum dos dois é proprietário. O que
está entre professores e estudantes, como o que emergiu a partir da relação entre
alteridades (docentes, discentes, matéria). Assim, a questão da alteridade na educação é
imprescindível, pois o trato com outro é condição sine qua non para as relações no
espaçotempo escolar e, no que diz respeito à arte cinematográfica, essa pesquisa tem como
premissa a compreensão do cinema como alteridade.
Nesse movimento, como em um determinado momento do filme de Eduardo
Coutinho, cabe um instante de silêncio, uma suspensão, antes das questões sobre o outro,
para o outro. Antes das perguntas e/ou acusações dirigidas ao outro, é importante
lembrarmos que, em primeira e última instância, o outro sempre se voltará para nós,
podendo, inclusive, partir de nós mesmos. No caso específico dessa seção, a alteridade será
pensada a partir do cinema, na relação entre o campo cinema-educação.
A partir da interlocução com Alain Bergala (2008), o cinema na escola como
hipótese de alteridade, surge como convocatória da obra Hipótese-cinema. Pequeno
tratado de transmissão do cinema dentro e fora da escola. A Hipótese-cinema é uma
reflexão teórico-metodológica sobre o ensino de cinema nas escolas, desenvolvida a partir
da experiência de Bergala como conselheiro no Plan de Cinq Ans pour les Arts et la
Culture33 (FRANÇA, 2001), quando convidado pelo Ministro da Educação Jack Lang para
pensar novas estratégias para o cenário da arte nas escolas francesas. O pressuposto da arte
na escola como alteridade é norteador do projeto, na medida em que expõe a convicção de
que a escola é o lugar potente para que esse encontro aconteça. Nesse plano, propõe-se dar
às artes e à cultura um lugar central no sistema educacional, em específico, com a arte
cinematográfica, orienta-se a necessidade de assegurar um contato estreito com os
estudantes, estabelecendo como ponto de partida a compreensão do cinema como arte,
mediado por uma ação pedagógica fundamentada na criação.
Na aproximação com as ideias do Ministro da Educação Francês, Jack Lang,
Bergala colocou em ação o projeto de introdução da arte cinematográfica na escola como
alteridade. Para isso, buscou romper com as normas imputadas pelos programas
disciplinares que reduziram a educação artística ao ensino de artes, segundo ele, “a arte não
se ensina, mas se encontra, se experimenta, se transmite por outras vias além do discurso
33
O Plano de cinco anos para o desenvolvimento das artes e da cultura na escola foi uma iniciativa conjunta
dos Ministérios da Educação e da Cultura lançado em dezembro de 2000. Documento disponível
em:http://www.education.gouv.fr/archives/2012/refondonslecole/wp-
content/uploads/2012/07/le_plan_pour_les_arts_et_la_culture.pdf. Acessado em 10 de novembro de 2014.
59
do saber, e às vezes mesmo sem qualquer discurso” (BERGALA, 2008, p. 31). Mesmo
sabendo da fragilidade do sistema educacional francês, da dúvida se poderia ou não a arte
entrar como um “bloco de alteridade”, estabelecendo outro modo de “fazer arte” nas
instituições educativas, Bergala (2008) se arriscou, ofereceu atividades artísticas nas
escolas, com a convicção de que para muitos estudantes, esse é o único local possível para
se experienciar a arte. Contudo, era necessário vencer alguns obstáculos, pois a escola
abordava o cinema como linguagem e mensagem ideológica.
A perspectiva apresentada por Bergala (2008), em consonância com os princípios
pedagógicos do projeto de educação artística e ação cultural do ministério, compreendia “o
filme não como objeto, mas como marca final de um processo criativo, e o cinema como
arte. Pensar o filme como a marca de um gesto de criação” (BERGALA, 2008, pp.33-34).
Esse entendimento do cinema como arte, como criação, atinge tanto espectador quanto
realizador, quando experimentam o filme. Nesse movimento, o “objeto cultural” filme não
tem um fim em si mesmo, antes, sobretudo, revela um gesto, uma maneira de pensar, uma
forma de ver o mundo, de viver nele.
A compreensão do cinema apenas como linguagem proporciona uma abordagem
conteudista nas aulas, afasta a alteridade e a possibilidade de experiências inventivas com o
cinema. Alguns professores, ainda que bem intencionados, não conseguem escapar do
modelo instrumental e se delimitam as explorações temáticas das suas disciplinas. Por
exemplo, ao analisar o objeto fílmico como uma escritura da realidade, desperdiça-se “(...)
uma parte essencial do cinema se não se fala do mundo que o filme nos faz ver ao mesmo
tempo em que analisa o modo como ele nos mostra e reconstrói esse mundo” (BERGALA,
2008, pp.38-39).
Fresquet (2013) ao pensar essa (re)construção do mundo, em sua possibilidade de
articular o real e a fantasia, considera que a imaginação depende da quantidade de
situações experenciadas, destacando a pertinência da alteridade para essa relação. “Só
porque a imaginação trabalha orientada pela experiência do outro é que o produto da nossa
fantasia nos aproxima de determinada realidade, alargando as possibilidades do
conhecimento” (FRESQUET, 2013, p. 33). Assim, o outro nos ajuda a ver coisas que não
vimos e, a partir do relato de outrem, podemos (de)compor a imaginação e inventar a
realidade, portanto, o mundo.
Esse caráter de novidade materializado pela imaginação passa a existir e influenciar
a realidade, podendo gerar objetos ou fatos que não existiam antes. Invertendo, assim, a
ordem das coisas para criar outras formas possíveis, que possibilitem diferentes relações
60
com o mundo e alterações no próprio mundo. Nesse movimento, segundo Fresquet (2013,
p. 30), “a realidade e a fantasia são extremos de um caminho pelo qual cinema e educação
transitam e, eventualmente, se encontram”.
Com o intuito de ressaltar a articulação entre o real e a fantasia como aspectos
fundamentais para o trabalho pedagógico com o cinema, Fresquet (2013) aproxima essa
discussão da obra Imaginação e criação na infância, do psicólogo russo Lev Vygotsky34,
ao apresentar a relação entre imaginação e realidade a partir de quatro modos: o primeiro
considera que a imaginação depende da quantidade de situações experenciadas, pois a
fantasia constrói-se a partir de elementos tomados dessa realidade; o segundo afirma que a
própria experiência apoia-se na imaginação para interpretar a realidade, como uma lei
dupla das emoções, na medida em que a imaginação provoca uma emoção real; o terceiro é
de que a emoção interfere na relação entre fantasia e realidade, ora produz a imaginação
ora sofre influência da mesma; o quarto aponta o caráter de novidade para o sujeito, sem
necessariamente remetê-lo a vivências anteriores. O novo materializa a imaginação e passa
a existir e influenciar a realidade, podendo gerar objetos ou fatos que não existiam antes.
Invertendo, assim, a ordem das coisas para criar outras formas possíveis, que possibilitem
diferentes relações com o mundo e alterações no próprio mundo.
Em uma aproximação com os exercícios cinematográficos realizados na escola,
podemos perceber uma relação íntima entre a atividade imaginativa e a realidade, em que
são considerados distintos aspectos das experiências reais e/ou ficcionais. Por exemplo, as
situações idealizadas no plano ficcional são articuladas à realidade, em profundo diálogo
com o repertório imaginativo, provocando e transformando as emoções a ponto de torná-
las completamente reais. A imaginação, portanto, materializa-se, em forma de novidade,
em um mundo palpável e sensível – tanto para professores quanto para estudantes.
No encontro entre cinema e educação, estabelecendo relação com a formação
docente e o cuidado que os cursos acadêmicos precisam ter com as atividades artísticas e
culturais, Ramos e Teixeira (2010) advertem sobre o predomínio da concepção
instrumentalizada nesses cursos. E, a partir de uma pesquisa realizada com grupo de
professores em formação continuada, verificaram que a forma de acesso aos bens culturais
restringe-se ao consumo doméstico (DVDs, Tv e internet, por exemplo). Os filmes que
34
Principal referência da perspectiva Histórico-Cultural, Vygotsky foi pioneiro no conceito de que o
desenvolvimento intelectual das crianças ocorre em função das interações sociais e condições de vida,
entrelaçando pensamento e linguagem.
61
35
O conceito de Indústria Cultural é abordado no livro Dialética do Esclarecimento (1985) de Theodor
Adorno e Max Horkheimer, publicado imediatamente após a 2ª guerra mundial. Neste livro, os filósofos
discutem exaustivamente o processo de mercantilização da cultura na sociedade capitalista, o qual padroniza
estilos de vida e identidades; capaz de se tornar o “mais sensível instrumento de controle social” (ADORNO,
apud PUCCI, 1994, p. 32).
36
O conceito de devir é fortemente explorado por Gilles Deleuze e Félix Guattari tanto no volume quatro de
Mil Platôs (1997) quanto em Kafka: por uma literatura menor (2014), quando expõem o caráter não
62
cinema. Tornar-se outros – não no sentido de apropriar-se do lugar do outro, mas de abrir-
se para o outro.
Nessa direção, no Abecedário de cinema, Bergala (2012) discorre sobre o conceito
“alteridade”, no verbete “A”, ao destacar a capacidade de o cinema capturar a alteridade do
mundo, de nos fazer ver em um filme, às vezes em um mesmo quadro, elementos
radicalmente heterogêneos e diferentes entre si. No cinema podemos nos colocar no lugar
do outro, experimentar coisas que desconhecemos – o que na “vida real” é extremamente
difícil. E, a partir do encontro com a sétima arte e com os cineastas, perceber que “(...) o
artista é mostrador de afectos, inventor de afectos, criador de afectos, em relação com os
perceptos ou as visões que nos dá. Não é somente em sua obra que ele os cria, ele os dá
para nós e nos faz transformarmos com eles (...)” (DELEUZE e GUATTARI, 1992, p.
227).
Partindo da ideia de que não podemos obrigar alunos a serem tocados pelos filmes,
uma vez que a experiência é singular, Bergala (2008) propõe que a escola seja um
espaçotempo de iniciação, de encontros dos estudantes com bons filmes. Segundo o autor,
existem “bons filmes”, “maus filmes” e “filmes medíocres”. Ele é radicalmente contra a
ideia de que filmes ruins e medíocres entrem na escola, ainda que tenham como intenção
pedagógica problematizá-los, pois “a vida (dentro e fora da sala de aula) é curta demais
para que se perca tempo e energia assistindo e analisando filmes ruins” (BERGALA, 2008,
p. 45).
Para isso, cabe à escola a tarefa de organizar a possibilidade do encontro com os
filmes, àqueles os quais dificilmente poderão ser encontrados fora do ambiente escolar;
designar, iniciar, tornar-se passador, através da relação amorosa estabelecida entre
professores e alunos. O adulto “passador”, diferente da figura do mestre explicador,
abandona-se no filme e deixa vir à tona preferências que o tocam pessoalmente, permitindo
instaurar uma relação mais íntima com os estudantes; aprender a frequentar os filmes e
entender que esse processo é lento e atravessado por múltiplas condições. Aqui, é
importante perceber a constituição do “espectador-criador” que se revela a partir de cada
encontro com a obra, de cada momento de atenção aos sons e imagens que se passam na
reprodutivo, evolutivo e generalista do devir. “Devir é um rizoma, não é uma árvore classificatória nem
genealógica. Devir não é certamente imitar, nem identificar-se; nem regredir-progredir; nem corresponder,
instaurar relações correspondentes; nem produzir, produzir uma filiação, produzir por filiação. Devir é um
verbo tendo toda sua consistência; ele não se reduz, ele não nos conduz a ‘parecer’, nem ‘ser’, nem
‘equivaler’, nem ‘produzir’” (DELEUZE e GUATTARI, 1997, p. 19).
63
tela; tecer laços entre os filmes e situá-los em seu contexto histórico, político, artístico,
cultural e social.
Essas considerações sobre o papel da escola e a presença do professor são
imprescindíveis, mas não podemos em nome de nossas boas intenções pedagógicas, traçar
um caminho para ser seguido pelos alunos. Eles precisarão descobrir sozinhos,
experimentar intimamente cada filme apresentado pela escola. Não temos como prever,
“(...) ninguém pode poupar o outro de viver suas próprias experiências, inclusive e
sobretudo na formação do gosto e do juízo” (BERGALA, 2008, p. 75), o que podemos, e
temos como compromisso, é diversificar os gostos. Assim, destacamos como atitude
desejada na escola, iniciar a arte cinematográfica como alteridade. Promover experiências
de contato com o outro (cinema), o outro (conhecimento), a outra (linguagem).
Quando Larrosa (2011) traça um percurso pelas dimensões da experiência a fim de
que se possa ensaiar um pensamento educacional, aponta princípios norteadores para se
refletir a respeito do que “nos acontece”, sobre “isso que nos passa”, que também significa
algo que não sou eu, isto é, alguma coisa acontece comigo, mas não depende inteiramente
de mim – o que para Larrosa (2011) constitui-se como o “princípio alteridade”.
pensar o outro por si mesmo, significa perceber o outro em sua diferença, em sua
multiplicidade, no inesperado e imprevisto que sua presença causa.
O outro como representação também surge na relação com as imagens
(cinematográficas, por exemplo), quando ao assistirmos a um filme buscamos mecanismos
de identificação, territorializando paisagens, sujeitos, conceitos e cenários. Na busca por
harmonizar as imagens que surgem na tela – ainda que momentaneamente – é perceptível
uma forte tendência em conferir um status representacional do que pensamos que as
imagens podem traduzir, isto é, do que prevemos a partir de sua presença (ou de sua
ausência) em uma cena, diálogo, enquadramento, som, luz.
O excesso de imagens e sua ininterrupta circulação na contemporaneidade invocam
a problematização da alteridade na visualidade das artes. No diálogo com as questões
levantadas por Rancière (2012), no livro O destino das imagens, onde o filósofo comenta
sobre o conceito de imagem na atualidade, em que é imprescindível desconstruir a
narrativa histórica de vinculação entre o conceito imagem e destino, para elaborar um
sistema de pensamento no interior de dois regimes de visualidade: um representativo e o
outro estético.
desse sentido de inteligibilidade que tentam atribuir ao cinema é dado pelo próprio
Rancière:
O que esse trecho destacado nos alerta vai ao encontro do que Bergala (2008; 2012;
2014) vem insistindo com relação a capacidade de o cinema captar e revelar as alteridades
do/no mundo. São tantas possibilidades, diante dos planos cinematográficos, de se fazer
histórias, de escrever uma história singular, que o encontro com o outro pode proporcionar
algo para além do mesmo (para além da sua semelhança), alterando essa similitude.
Todavia, a relação com o outro ainda é demarcada pela tão conhecida passagem do
filósofo Jean-Paul Sartre37: “o inferno são os outros”. Essa assertiva da filosofia moderna,
em específico dos estudos fenomenológicos, ressoa em muitas práticas socioculturais e,
inclusive, educacionais. Gallo (2008a) problematiza o sentido “de fora” concedido à
alteridade, como o anunciado nessa frase, ao movimentar-se para o exterior, para perceber
o mundo, o retorno possível é para a interioridade, com a finalidade de compreender o ser.
A ação fundante do sujeito – da consciência para Sartre – é a inversão da ordem cartesiana
do “penso, logo existo” como constituição racional do ser. Para a filosofia sartriana, a
consciência do ser só pode vir à tona quando se olha para o outro e “(...) descobre-se presa
do outro, descobre-se objetivada pelo outro” (GALLO, 2008a, p. 3). Essa descoberta não é
nada cômoda. Tal desconforto gerado nessa relação com o outro parece infindável, porque
nos faz oscilar entre o que o outro é e o que nos faz ser.
37
Jean-Paul Sartre (1905 - 1980), filósofo francês e intelectual engajado, representante do pensamento
existencialista (“a existência precede a essência”). Participou do movimento estudantil de 1968. Suas
principais obras são: A Imaginação (1936), A Transcendência do Ego (1937), Esboço de uma Teoria das
Emoções (1939), O Ser e o Nada: ensaio de ontologia fenomenológica (1943), A Idade da razão (1945),
Com a morte na Alma (1949) e a autobiografia As palavras (1964).
66
Esse movimento que ora objetiva ora subjetiva, pode gerar sentimentos conflitantes
que desencadeiam desejos de negação e até de extinção do outro, mas que nunca resolverá
o problema, porque o outro sempre estará ali, incomodando, ainda que em sua
representação. Em se tratando de educação, o outro aparece (hegemonicamente) como
representação – o que explica grande parte dos métodos desenvolvidos ao longo da
tradição pedagógica para ensinar algo a alguém, tendo como referência a figura do
professor que planeja e explica suas aulas para estudantes idealizados por ele, tornando-os
objetos desse modelo de ensino-aprendizagem. Contudo, para Gallo (2008a), mesmo em
uma educação que se pretenda progressista, o outro ainda permanece objeto (respeitável e
suportável) que deve ser assimilado, tolerado ou abandonado. Ainda assim, persiste como
problema.
Nesse fluxo, é muito sedutor reduzir o outro ao próximo, àquele com o qual
precisamos conviver e tolerar. Como professores, podemos observar em nossos cotidianos
que algumas práticas pedagógicas consentem a permanência desse outro, desde que siga as
normas impostas, desde que saiba o “lugar” que deverá ocupar dentro do contexto escolar.
Os currículos e festividades estão repletos de exemplos de “fabricação do outro à imagem e
semelhança” (SKLIAR, 2004): celebração do outro-índio, do outro-negro, do outro-
mulher, do outro-regional, do outro-colonizador, do outro-colonizado, do outro-velho, do
outro-criança etc. E, nesse contexto, a presença do cinema, do “objeto cultural” filme,
surge, por vezes, como legitimador do outro “tolerável”. Dito de outra maneira, nesses
momentos de celebração do outro, ou da visibilidade do outro, através de mostras
imagéticas, não contribuímos para a possibilidade de que algo passe aos nossos estudantes,
de que “a aparição de alguém, ou de algo, ou de um isso” – como acentua Larrosa (2011, p.
5) – aconteça de maneira radical, singular, inesperada.
Nessa discussão em torno da alteridade, pretendemos compreendê-la como parte da
experiência com o cinema, a partir da relação estabelecida com o outro (outro-cinema,
outro-espectador, outro-realizador, outro-educação). Após tomar a decisão de ver um
67
filme, ou fazer um filme, nossas escolhas serão entrecruzadas por múltiplas experiências de
alteridade: o que nos aproximará (ou nos distanciará) do outro? Quais afetos serão
mobilizados em nós, a partir da presença do outro?
Há, então, um outro que nos é próximo, que parece ser compreensível
para nós, previsível, maleável etc. E há um outro que nos é distante, que
parece ser incompreensível, imprevisível, maleável. Assim entendido, o
outro pode ser pensado sempre como exterioridade, como alguma coisa
que eu não sou, que nós não somos. Mas a mesma dualidade apontada
acima (outro próximo - outro radical) existe também em termos de
interioridade, quer dizer, que esses outros também podem ser eu, sermos
nós (SKLIAR, 2003, p. 26).
desenhando uma ação pedagógica artisticamente potente, é revelar o que fazemos nesse
espaçotempo.
Outra possibilidade para resistir e criar na escola é “fazer de nossas salas de aula
nossas trincheiras de luta” (GALLO, 2009, p. 34). Estando nela, lutar contra as práticas e
discursos hegemônicos que insistem em traçar o destino dos estudantes, baseado em cor de
pele, classe social, religião, gênero, local de moradia, filiação, pertencimento e identidades
culturais. Retirando, portanto,
a maior riqueza
do homem
[que] é sua incompletude.
Nesse ponto
sou abastado.
Palavras que me aceitam
como sou
- eu não aceito.
Não aguento ser apenas
um sujeito que abre
portas, que puxa
válvulas, que olha o
relógio, que compra pão
às 6 da tarde, que vai
lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.
Perdoai. Mas eu
preciso ser Outros.
Eu penso
renovar o homem
usando borboletas.
(BARROS, 2002, p. 79)
Nessa seção da tese, com base no artigo Reflexões pedagógicas sobre o cinema38,
relacionamos os gestos cinematográficos ver e fazer, entendendo que experiências
pedagógicas desenvolvidas em sala de aula, a partir da materialidade cinema, podem
revelar a potência do entrelaçamento entre o campo educacional e o cinematográfico. O
cinema na escola, portanto, pode ser um gesto de interrupção dos ritos pedagógicos –
38
Esse artigo, publicado em 2015, na Revista de Educação PUC-Campinas, é fruto da disciplina Tópicos
Especiais em Educação Cinema e Educação, cursada com a professora Adriana Fresquet, no Programa de
Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGE/UFRJ), no segundo semestre
de 2014.
70
pois é um material leve, de baixo custo e permite um rápido acesso ao conjunto de filmes
selecionados e gravados nesse suporte.
[...] começa quando se compreende que olhar é também uma acção que
confirma ou transforma essa distribuição das posições. O espectador
também age, como o aluno ou o cientista. Observa, selecciona, compara,
interpreta. Liga o que vê com muitas outras coisas que viu noutros
espaços cénicos e noutro género de lugares. Compõe o seu poema com os
elementos do poema que tem à sua frente (RANCIÈRE, 2010, p. 22).
Mas a imagem não é apenas algo que é afetado pelo mundo, ela não
apenas sofre o mundo, mas ela é também criação de mundo. Recorta-se
um quadro, faz-se um movimento dentro da cena, une-se uma imagem à
75
39
La sortie de l'usine Lumière à Lyon. http://www.youtube.com/watch?v=EXhtq01E6JI. Acessado em 10 de
dezembro de 2014.
40
L'arrivée d'un train à La Ciotat. http://www.youtube.com/watch?v=b9MoAQJFn_8. Acessado em 10 de
dezembro de 2014.
76
41
Na ocasião da comemoração dos sessenta anos do Festival de Cinema de Cannes, o presidente do festival
convidou trinta e cinco cineastas para encenar em três minutos uma história que tivesse como tema central o
amor pelo cinema. O resultado foi o belo longa-metragem Chacun son cinema (2007).
77
das mais variadas subjetividades – que até então não eram visíveis pelas lógicas de
silenciamento.
Nesse fluxo, a arte aparece como forma de resistência e pode desestabilizar as
certezas do contexto escolar. Os conflitos permitem instaurar uma comunidade política de
partilha do comum na qual a igualdade é vista como pressuposto da relação entre os
sujeitos. Não é necessário oprimir, hierarquizar, subordinar, consentir ou calar. O princípio
da igualdade das inteligências atravessa o processo de emancipação intelectual anunciado
por Ranciére em todas as suas obras filosóficas, artísticas e políticas – o que permite
aproximar da hipótese de que a arte desestabiliza.
Acreditando na potência perturbadora da arte, percorremos as pistas apontadas por
Bergala (2008) que revelam a importância de a escola oferecer momentos em que cada
aluno, igualmente, possa viver o ato de criação ao experimentar os dilemas e tensões de
um cineasta diante da câmera. Para o autor, a passagem ao ato pode acontecer por
intermédio de um único plano capaz de mobilizar as três operações para um único
acontecimento no instante em que é necessário “decidir disparar a câmera, a angústia e a
esperança diante de tudo que poderia dar certo ou errado para seu plano durante este
minuto fatídico, mais intenso que qualquer outro [...]” (BERGALA, 2008, p.209).
O exercício escolhido para oportunizar aos estudantes uma experiência autoral e
introdutória do cinema foi o Minuto Lumière e, sobre ele, versaremos na próxima seção.
Nesse tipo de exercício, podemos perceber o cinema como “uma operação de escritura com
as imagens” (MIGLIORIN, 2014b, p.102), como captura cotidiana do que é dado a ver, de
como se podem ver as coisas que não se viam, porque são da ordem do sensível
(RANCIÉRE, 2009). No Minuto Lumière os alunos precisam prever um complexo de
especificidades para eleger o plano, a fixação da câmera, a disposição dos elementos
cinematográficos e a melhor hora de atacar.
Como exemplo desses exercícios, encontramos no site do projeto Inventar com a
Diferença: cinema e direitos humanos um exercício produzido pelo coletivo de alunos da
Escola Municipal de Educação Infantil Ana Móglia da cidade de Bagé no Rio Grande do
Sul, intitulado Minuto Lumière III (2014)42. Nesse Minuto, é dado destaque à câmera por
trás da grade, insinuando um ambiente rural. O que está projetado diante de nós, de forma
desfocada, sugere uma paisagem do campo, pois há destaque para árvores e uma imensidão
42
Minuto Lumière III produzido pela Escola Municipal de Educação Infantil Ana Móglia:
http://www.inventarcomadiferenca.org/v%C3%ADdeos/minuto-lumi%C3%A8re/emei-ana-moglia-minuto-
lumi%C3%A8re-iii. Acessado em 20 de outubro de 2014.
78
de terras, revelando variados tons de verde. O que ocupa esse plano é o caminhar de um
galo entre a grade e a árvore que preenche toda a tela até desaparecer por completo. O
enquadramento ressalta a luz saturada, as grades ofuscadas, as folhas da árvore balançando
com o vento que adentra todo o plano para compor a paisagem, desvendando um tempo
estendido entre o vazio e o silêncio, entre o que não é e o que poderá ser.
Nesse Minuto, podemos perceber o contraste potente entre o plano preenchido por
pessoas, carros, trânsitos, metrópoles – como axioma do ambiente urbano representado nas
telas de cinema e TV – e o plano que expressa um ambiente rural. Há, nesse plano, uma
forte presença do realizador e das escolhas feitas. Muitas diferenças podem ser
visibilizadas a partir dessa experiência, entretanto, é necessário chamar a atenção para os
contextos ficcionais articulados à realidade, em profundo diálogo entre o repertório
imaginativo e o real.
transitam diferentes sujeitos, e, embora cada um tenha uma posição definida nesse
território, a entrada da arte cinematográfica possibilita realçar a força política presente no
princípio da igualdade entre pessoas, disciplinas, tempos e espaços.
Quando estão assistindo a um filme, alunos e professores partem da mesma
condição, estão vendo algo pela primeira vez, pois “não se pode percorrer duas vezes o
mesmo rio”, como acreditava o filósofo pré-socrático Heráclito. Essa assertiva filosófica
de que nada permanece estático induz pensar que a cada experiência, educadores e
educandos, mobilizarão seus repertórios sensíveis para estabelecer uma aproximação ou
um distanciamento com a arte. O mesmo acontece na realização, ambos partem do
momento inicial em que idealizarão um projeto fílmico. Não há nada pronto. As coisas
acontecerão no movimento e englobarão necessariamente os processos de eleger, dispor e
atacar.
Portanto, alguém pode estabelecer uma conexão extremamente íntima com o
cinema, tanto na condição de espectador como na de proponente da ação. Em ambos os
casos, a linguagem cinematográfica provoca uma afetação passível de aproximar uns dos
outros na relação com a imagem. Oportuniza uma prática não hierarquizante, não
dicotômica entre quem produz e consome a imagem e, sobretudo, convida para uma ação
cujo foco é o exercício democrático. Nesse processo, os elementos cinematográficos se
apresentam como disparadores de reflexões tanto consensuais quanto discordantes,
instaurando dissensos, na medida em que acentua o conflito (positivo) de ideias surgidas a
partir da relação de sujeitos políticos diferentes. A construção desses espaços pode
reconfigurar as ações políticas.
Na aproximação com a comunidade escolar, as situações de dissensos e
contradições são pertinentes para a formação dos alunos, pois, ao se colocarem as ideias
em suspeito – ao duvidar –, outros exercícios autorais são experimentados. As múltiplas
tensões que “forçam o pensar” no jogo político entre iguais exercem uma força tal que
pode desestabilizar práticas e discursos hegemônicos. Da premissa da igualdade entre os
indivíduos, nasce o exercício constante de regular a proximidade e a distância entre as
experiências, pois a igualdade não se institui como algo porvir, mas como a priori, como
base fundante das relações educativas.
Retomando as operações intelectuais recomendadas por Bergala (2008) – que nos
acompanhou ao longo dessa seção –, podemos perceber que elas estão presentes nos gestos
de ver e fazer, porque permitem visibilizar a relação íntima entre as experiências reais e
ficcionais mobilizadas pelos alunos-espectadores/alunos-realizadores no contato com o
80
43
Louis Lumière: a vida em imagens. http://www.youtube.com/watch?v=ROkBWuYsysM. Acessado em 10
de outubro de 2014.
44
Aparelho criado pelos irmãos Lumière que se constitui como marco inicial da história do cinema. O
cinematógrafo pesava cinco quilos, o rolo da película tinha 17 metros e cerca de 50 segundos de duração. As
lentes ampliavam as imagens projetadas. Esse mesmo dispositivo combinava as funções técnicas da câmera e
do projetor.
81
45
“o lugar onde eram registradas as imagens (no exterior) e o modo como eram projetadas (em uma tela
grande de uma sala escura)”. Tradução Nossa.
82
sobre interior e exterior, sobre tempo livre e tempo ocupado, que atravessa décadas e
constitui o imaginário do cinema, como é possível perceber no filme montagem do cineasta
alemão Harun Farocki, A saída dos operários da fábrica48 (1995), que coloca em diálogo
diversas “saídas da fábrica”.
Desde o princípio, a assertiva de que “o cinema cria o real” se manifesta nas
representações sobre o real, pois revela certa visão do mundo, certa maneira de elaborar o
mundo. “Los hermanos franceses (y sus operadores) intervenían de un modo considerable
en la realidad (es decir, no se limitaban a filmar sino dirigían a los curiosos, calculaban el
tiempo que debía durar la toma, y elegían cuidadosamente la composición del encuadre)
con la esperanza de alcanzar una cierta narratividad”49 (BALASH, 2011, p. 30). Devido ao
êxito da primeira exibição pública, os irmãos Lumière se dedicaram ao desenvolvimento
da sua invenção com fins comerciais. Para isso, enviou uma equipe de profissionais com o
cinematógrafo para diversos países, com o objetivo de registrar cenas cotidianas (trabalho,
costumes, natureza, atualidades) para serem exibidas em Paris. A produção dos irmãos,
junto com esses operadores50, originou um acervo com mil quatrocentos e vinte e dois
curtas, ou “vistas” como costumam chamar. É possível ter acesso a muitas dessas
produções pelo site de compartilhamento de vídeos YouTube, mas, recentemente, o
Instituto Lumière restaurou cento e catorze desses filmes, em alta qualidade e está
organizado por temáticas51.
Sabemos que outras contribuições à sétima arte ocorreram no final do século XIX,
em paralelo aos irmãos franceses. Diferentes processos criativos aconteceram em outros
lugares do mundo. Por exemplo, pelos olhos do cineasta alemão Wim Wenders, no filme
Truque de Luz52 (1995), foi possível acompanhar a contribuição que sua terra natal
48
A montagem é realizada com cenas produzidas ao longo de 100 anos de história do cinema, refletindo
sobre a economia da sociedade de trabalho e também sobre o próprio cinema. Em visita a exposição Harun
Farocki: Empatía, na Fundació Antoni Tàpies, em Barcelona, foi possível assistir esse filme e conhecer um
pouco mais da produção desse artista.
49
“Os irmãos franceses (e seus operadores) interviam de maneira considerável na realidade (ou seja, não se
limitavam a filmar, mas dirigiam os curiosos, calculavam o tempo que devia durar a cena, e elegiam
cuidadosamente a composição do quadro) com a esperança de alcançar uma certa narratividade”. Tradução
Nossa.
50
Durante a visita ao Museu Lumière foi possível conhecer um pouco mais desses operadores, por meio dos
filmes que exibiam tanto as habilidades de enquadramento quanto o gosto estético dessa equipe. Uma sala do
Museu é dedicada a Gabriel Veyre (o mais famoso operador, devido à qualidade dos seus filmes e às
fotografias belíssimas que produziu em Marrocos, com placas Autochrome, que são consideradas obras-
primas). Além de Marrocos, Veyre filmou e fotografou em alguns países da Ásia, no Canadá e no México.
51
Em dezembro de 2015 a cidade do Rio de Janeiro recebeu pela primeira vez vinte “Vistas Lumière”, como
parte da exposição As Vistas Lumière e os 450 anos do Rio de Janeiro, no Centro Cultural Correios. Foram
exibidos os Minutos Lumière produzidos por alunos da Escola de Cinema do Instituto Benjamin Constant.
52
O filme conta as histórias dos irmãos Skladanowsky, inventores do bioscópio (a versão inicial do projetor
de filmes). Por meio de uma combinação de formatos entre o documentário e a ficção, o filme apresenta a
84
entrevista com a filha de um dos irmãos Skladanowsky, intercalando cores e performances da época,
evocados por ela.
85
A pertinência dessa metodologia se deve ao fato de, ao filmar um plano fixo, com
duração de um minuto, temos a oportunidade de rememorarmos a infância do cinema,
conectando-nos com o primeiro ato cinematográfico; revelando as condições temporais,
espaciais e técnicos enfrentados pelos irmãos franceses àquela época, pois “rodar um plano
é colocar-se no coração do ato cinematográfico, descobrir que toda potência do cinema está
no ato bruto de captar um minuto do mundo” (BERGALA, 2008, p. 210). Essa experiência
de fazer cinema é autoral, dado que só um estudante é responsável por eleger, dispor e
capturar os elementos presentes no mundo e assumir, diante de todos, a sua escolha política
e estética. A produção do Minuto Lumière, portanto, assume um caráter “original” e, ao
mesmo tempo introdutório do cinema, ao passo que os estudantes podem rememorar a
experiência primeira do ato de filmar, ao colocarem-se diante de uma câmera fixa e filmar
um plano de um minuto pela “primeira vez”.
Esses planos fixos filmados pelos irmãos Lumière e seus operadores, demandavam
condições precisas, devido ao aparato técnico: do momento que começava a girar a
manivela até acabar o rolo da película, quando projetados correspondiam a pouco menos
do que um minuto. Cabe lembrar que eram as atividades cotidianas que importavam para
eles: cenas de trabalho, familiares e de festas; movimentos nas ruas, praças e rios etc.
Igualmente, a possibilidade de emergência do novo é parte constitutiva dos exercícios com
o “Minuto Lumière”, dada a delimitação solicitada para os estudantes: câmera parada, não
pode ultrapassar um minuto, não é possível utilizar os recursos tecnológicos
disponibilizados pelo suporte (como o zoom in e o zoom out, por exemplo) e, não pode
86
haver intervenção no ambiente durante a filmagem, isto é, não pode incluir elementos para
compor o cenário, nem criar uma esquete. Todas essas restrições exigem do aluno um
planejamento prévio para saber qual será o melhor posicionamento da câmera, o local, o
ângulo e o momento apropriado para agir. No contato com o dispositivo câmera é preciso
considerar que:
Nesse sentido, capturar o visível com o que está dentro do campo, implicando
(sempre) um fora do campo, como o não visível, expõe o caráter efêmero das coisas que se
passam no mundo. Atravessar essas fronteiras, buscando fazer-se presente no aqui e agora,
no exato momento em que se captura um fragmento do real, a partir do enquadramento
escolhido a priori; destaca a potência da tomada de atenção solicitada para a realização do
Minuto Lumière, na medida em que esse exercício demanda um olhar atento e demorado
para algo que vemos cotidianamente e, às vezes, não damos demasiada importância.
Ao prestar atenção nos detalhes, os estudantes são convidados a (re)descobrir e
(re)inventar o olhar lançado para as coisas do mundo, frequentemente impregnado por um
olhar acostumado. Com a câmera, esse objeto “que hace extraño lo visible que nos es
familiar, que lo separa de lo que nuestras sensaciones habituales nos hacen creer”54
(COMOLLI, 2016, p. 119) e que “registra un estado determinado del mundo, que
perfectamente puede no ver el cineasta”55 (Idem), podemos revelar algo novo do mundo no
momento em que os estudantes tornam a ver o que (aparentemente) já foi visto. Em um
exercício constante de “grabar lo visible para volver a verlo, para verlo de verdad, para
verlo como lo haya captado una máquina”56 (op. Cit, p. 119).
53
“Toda câmera produz um ‘mundo enquadrado’, que se opõe ao mundo não enquadrado da nossa visão
habitual. Enquadrado significa que o olhar do espectador está formado pelo enquadre, mas também que o
enquadre - necessariamente limitado - articula o visível com o não visível, e, portanto, o campo com o fora
do campo”. Tradução Nossa.
54
“Que faz estranho o visível que nos é familiar, separando-nos do que nossas sensações habituais nos fazem
acreditar”. Tradução Nossa.
55
“Registra um estado determinado do mundo, que perfeitamente pode não ver o cineasta”. Tradução Nossa.
56
“Gravar o visível para vê-lo novamente, para vê-lo de verdade, para ver como a máquina capturou”.
Tradução Nossa.
87
sem alterar nenhum parâmetro. É a prática iniciadora ou iniciática de descoberta da realidade e do cinema. A
proposta se opõe radicalmente ao hábito de gravar indiscriminadamente (com celulares, câmera de fotos e
vídeo). Um único plano pode ser algo excepcional”. Tradução Nossa.
58
A metodologia utilizada com os Minutos Lumière, como exercício introdutório de cinema na escola, é
mencionada nas dissertações Reflexões sobre currículo e linguagem a partir de uma experiência da escola de
cinema no CAp-UFRJ (GARCIA, 2010), Linguagem cinematográfica no currículo da educação básica: uma
experiência de introdução ao cinema na escola (PASCALE, 2012), Cinema na escola: aprender a construir
o ponto de escuta (DOMINGUES, 2013), O cinema e o rural em uma escola no campo (NORTON, 2014), O
Cinema e a Geografia nos filmes-carta do projeto “Inventar com a Diferença” (SOUSA, 2016). Nas teses
Cinema e educação: narrativas de experiências docentes em colégios de aplicação (BARRA, 2015) e O que
se aprende quando se aprende cinema no hospital? (OMELCZUK, 2016).
89
59
A eleição das obras de pintores como Manet (Na Estufa, 1879), Seurat (Parada de Circo, 1888) e Cézanne
(Pinheiros e Rochas, 1900) revelou a ruptura e descoberta do que eles realizaram em suas experimentações,
tendo como eixo a atenção ou uma hesitação da percepção atenta, problematizando “a síntese perceptiva e a
capacidade unificadora e desintegradora da atenção” (CRARY, 2013, p.31). Em específico, a partir das obras
tardias de Cézanne, o problema da atenção no final do século XIX mostrou-se como algo bastante
controverso, desde o ponto de vista de “percepção pura” até “presença na percepção”. Nesse diálogo com a
pintura de Cézanne, Crary (2013) explicitou a estreita relação das investigações da época em fisiologia ótica,
neurologia e filosofia para se pensar modelos de medição da atenção.
91
como novo estatuto do observador moderno, o apelo constante da atenção 60, inaugurando
modelos de dissociação entre coesão e coerência do sujeito, esvaziando de sentido a crença
moderna, segura e estável, de uma possível relação sujeito e objeto.
As análises de Crary (2013) a propósito da atenção e dos seus desdobramentos em
diversas correntes da História da Arte continuam, contudo, o que nos cabe aqui (e o que
nos traz aqui) são as questões educacionais em aproximação com o cinema, propiciando
pensar o campo cinema-educação. Nessa sequência, recorremos mais uma vez a
Masschelein (2008), em seu artigo E-ducando o olhar: a necessidade de uma Pedagogia
Pobre, porque nos auxilia a pensar a questão da atenção quando propõe liberar a visão do
seu uso habitual, isto é, “e-ducar o olhar para que se torne atento” (MASSCHELEIN, 2008,
p. 42). Ao abrirmos os nossos olhos e observarmos o mundo de maneira atenta, essa atitude
de atenção com o mundo pode nos expor ao mundo, no mesmo momento em que nos
revela alguma coisa dele. De tal modo que,
60
E do seu contrário, a distração. Portanto, não seria possível pensar atenção e distração como polos opostos.
Elas são “um continuum no qual as duas fluem incessantemente de uma para a outra, como parte de um
campo social em que os mesmos imperativos e forças incitam ambas” (CRARY, 2013, p. 75).
92
(...) estar atento não é ser cativado por uma intenção, ou projeto, ou visão,
ou perspectiva, ou imaginação (que sempre nos dão um objeto e capturam
o presente numa re-presentação). A atenção não me oferece uma visão ou
perspectiva, ela abre para aquilo que se apresenta como evidência. A
atenção é a falta de intenção. A atenção requer a suspensão do julgamento
e implica um tipo de espera... (MASSCHELEIN, 2008, p. 42).
61
“A atenção absolutamente pura e sem mistura é oração”. Tradução Nossa.
93
precisam ser “expostos ao mundo e convidados a se interessarem por ele... (...) Sem um
mundo, não há interesse nem atenção” (Idem, p. 52).
Debruçar-se sobre a temática da atenção ao longo desse capítulo, impregnado pelo
legado dos irmãos Lumière e, consequentemente, dos gestos pedagógicos experimentados
na articulação com os gestos cinematográficos destacados na seção anterior, mostrou-se
como caminho potente; na medida em que pensar sobre os Minutos Lumière, acompanhar
as diferentes formas da realização desse exercício nas escolas e materializá-los com os
alunos, demandou a todo o momento uma presença plena (e cuidadosa) diante de uma
terceira coisa que convocou à tripla interrogação do Mestre Ignorante: o que vemos,
pensamos e dizemos. Essas perguntas (e os seus desdobramentos) estiveram ecoando e
sinalizando a importância do prestar atenção, em manter a atenção.
Neste percurso, esse capítulo apresentou o recorte bibliográfico realizado em torno
da temática cinema-educação e buscou destacar a relevância do trabalho pedagógico com o
cinema, pois ver filmes (com a postura de espectador emancipado) e/ou fazer filmes (como
as experiências com o Minuto Lumière) na escola contribui para a abertura do mundo, uma
vez que as análises, os debates e as produções/invenções nos cotidianos escolares oferecem
condições para que os alunos, em contato com a materialidade cinema, se interessem por
coisas do mundo.
Assim, acreditamos que o entrelaçamento entre cinema e educação pode inventar
diferentes formas de relação com as imagens, transbordando seu uso apressado e
explicativo. Pode, ainda, potencializar a proliferação de espectadores emancipados uma
vez que promove outras maneiras de expressão ao passo que oferece distintos caminhos
para a expressão artística dos estudantes. A partir da crença de que o encontro entre cinema
e educação pode perturbar as ordens instituídas, ao apresentar outros rumos para as práticas
cotidianas, o próximo capítulo apresentará o plano detalhe, com as experiências em
destaque.
95
nesse capítulo. Nosso desejo, nessa parte da tese, é de que a narrativa (ainda que breve) de
alguns exercícios cinematográficos realizados nas escolas possam revelar pistas do que é
escolar e gestos do pedagógico.
Este capítulo apresentará a escolha metodológica dessa pesquisa e os caminhos
percorridos durante o processo investigativo no encontro com o projeto brasileiro-
fluminense CINEAD/LECAV e o projeto espanhol-catalão Cinema en Curs, expondo
algumas das afetações teóricas, metodológicas, artísticas, cinematográficas, educativas e
pedagógicas provocadas a partir do contato com essas experiências.
63
“transformar a experiência em outra coisa, mas acompanhá-la, interrogá-la, revelando significados e
sentidos potentes, embora reconhecendo sua impossibilidade de saturação”. Tradução Nossa.
98
As perguntas que atravessam essa pesquisa – desde o início, quando ainda projeto –
revelam o caminho percorrido que, ao viver a experiência de fazer uma tese, deixavam-se
surpreender pelos gestos pedagógicos na ocasião do acompanhamento das escolas. Por
isso, ainda que esse acompanhamento tenha sido de situações escolares com o cinema
(podendo ser lidas como experiências escolares no campo cinema-educação), gostaríamos
de deixar claro que, investigar essas situações é “mirar a la educación en cuanto que
experiência”64 (CONTRERAS e PÉREZ DE LARA, 2010, p.22). É “estar junto”, “estar
entre”, “estar atenta”, “caminhar”, como constitutivos do ser professora e estar em
permanente formação. Entendendo que
64
“olhar para a educação como experiência”. Tradução Nossa
65
“o fundamental, portanto, não são nossas habilidades como coletores de dados, caçadores de provas,
especialistas em tratar e reduzir a informação, mas o que nos alimenta e o que nos prepara para viver a
experiência do encontro de investigação e para sondar as questões pedagógicas das experiências que
buscamos compreender”. Tradução Nossa
66
“(...) embora o que investiguemos não seja a nossa própria experiência, tem significação pedagógica ao
ressoar em nós (...)”. Tradução Nossa.
99
Tais aspectos caracterizam a opção por um tipo de pesquisa que coloca a figura do
pesquisador em xeque, bem como as questões da própria pesquisa, solicitando novas
formas de relação com o mundo, em um exercício constante de deslocamentos.
Deslocamento da noção de “sujeito intencional” – cujos instrumentos científicos de
validação de um regime de verdade impõem certa maneira de fazer pesquisa – para a noção
de “sujeito atento”. O pesquisador atento, por conseguinte, revela uma disponibilidade para
o mundo, na medida em que está aberto para que algo aconteça. Ao estarmos atentos e
presentes nos deslocamentos, ao estarmos expostos, na experiência do caminhar, é preciso
experimentar a autoridade do caminho, do que se revela durante o trajeto, como aponta
Masschelein (2008).
Nesse olhar atento para a realidade, colocamos em jogo o nosso pensamento
(enquanto pesquisador) e o próprio pensamento pedagógico. Por isso, não seria redundante
afirmar aqui que o caminho se faz caminhando, pois o percurso metodológico da pesquisa
se traça quando nos propomos a caminhar – abrindo-nos para o caminho que “não nos diz
aonde deveríamos ir, mas puxa-nos, fazendo-nos sair de onde estamos (nos afasta de quem
somos e do que pensamos)” (MASSCHELEIN e SIMONS 2014a, pp. 45-46).
Nesse percurso, alguns instrumentos metodológicos foram solicitados. Alguns tão
conhecidos nosso da investigação qualitativa, como os registros no diário de campo e a
observação participante. Outros foram demandados pela própria experiência investigativa
que solicitava uma pesquisa exploratória, não somente bibliográficas, mas, sobretudo,
fílmicas, com bases nas perguntas e no contato com o próprio estudo, com as pessoas e
100
situações. Por isso, em diversas ocasiões, as indagações pedagógicas suscitadas têm mais a
ver com as inquietações da pesquisadora do que com as demandas escolares daquele
momento, menos como descrição ipsis litteris e mais com as reflexões que tentavam
articular as experiências com o exercício de pensamento.
Tudo isso ficou claro com relação aos textos e filmes. Encontrar e encontrar-se com
os livros. Ver filmes, tornar a vê-los. Rever gestos e palavras presentes neles para entender
algumas questões, aprofundar-se nelas. Rever muitas vezes um posicionamento de câmera,
um enquadramento, um diálogo. Conhecer um pouco mais de correntes estilísticas e
teóricas de determinados cineastas e autores. Nessa aproximação com o cinema, por
exemplo, acreditando que o diálogo tratado nessa pesquisa se apresenta como ensaio da
experiência cinema-educação, trazemos para a discussão o convite feito por Larrosa
(2014b) para pensarmos a investigação no campo educacional a partir da “metodologia” de
alguns cineastas, isto é, o entrelaçamento dos procedimentos metodológicos
cinematográficos e educativos.
A forma como escolhem trabalhar com o material fílmico, como percorrem o
caminho (no processo de fazer filmes) e como as coisas acontecem no presente, no exato
momento, no movimento em que se está produzindo um filme; fornecem pistas para
concebermos a pesquisa em educação, em específico, na temática cinema-educação. Para
tecer os fios dessa relação pesquisa-cinema-educação, na interlocução com algumas notas
de Larrosa (2014b, p. 23):
67
“Se o que a experiência faz é nos dar o que pensar, o que buscamos não é analisar a experiência, mas tratar
de nos conectar com o que nos dá a pensar, tentar aprofundar no que tem para pensar. Trata de ver o que
interrompe nossos mecanismos de pensamento ao surgir como novidade”. Tradução Nossa.
101
68
Dentre seus muitos filmes destacamos: O sangue (1989), Casa de Lava (1994), Ossos (1997), Juventude
em Marcha (2006) e No quarto de Vanda (2000). Pedro Costa é um cineasta independente que busca
apresentar pessoas que ficcionam suas realidades.
102
com “encontrar um mestre”, cuja presença nos inspira “a pensar o que fazemos e como
fazemos” (LARROSA, 2014b, p.31). Essas regras, quando nos acompanham ao longo da
pesquisa, podem transformar a nossa presença no mundo e nossa relação com a
investigação – ou daquilo que habitualmente chamamos de “objeto de pesquisa”.
Realizar esses exercícios solicitados a partir do contato com as regras acima, de
limitação (ou delimitação do assunto), de sentir o tempo da pesquisa e de encontrar
inspirações, materializa-se “(...) através do encontro de presenças. Para fazer um filme (ou
uma pesquisa) é preciso acreditar no mundo (na presença do mundo) e é preciso acreditar
em si mesmo (na vontade de estar presente no mundo)” (LARROSA, 2014b, p. 37).
Todavia, a presença também acolhe a distância. A distância em seu sentido justo, no entre
“eu” pesquisador e os sujeitos envolvidos na pesquisa (co-pesquisadores); entre as formas
de vida e as formas de se fazer pesquisa. Nessa busca por “ajuste”, é claro que a pesquisa
deixa visível alguma coisa do mundo. Algo escolhido previamente pelo pesquisador.
Enquadrado. Montado. Organizado. Revelado. Publicizado. Tudo isso indica a presença do
pesquisador como sujeito da experiência.
Por isso, o conceito de experiência é fundamental, o sujeito da experiência –
exposto, sensível e intenso – é afetado e deixa-se afetar pelos acontecimentos que
interrompem o tempo e o espaço, a tal ponto de suspendê-los, fazê-los parar, a fim de
apreciar, atentamente, o que se passa. Nesse sentido, “o saber da experiência é um saber
particular, subjetivo, relativo, contingente, pessoal” (LARROSA, 2014a, p. 32).
Etimologicamente,
cuidado o autor expõe a preocupação para que a experiência não se torne um fetiche, algo
mandatório, em que todos, em todas as circunstâncias, têm que passar. E, por último,
aconselha termos cautela no emprego da palavra experiência, para que não seja
naturalizada e seu sentido despotencializado69.
Cabe ressaltar que, embora essa tese venha explicitando conceitos e/ou categorias
para o encadeamento de ideias no campo cinema-educação, o conceito é entendido como
acontecimento, não como essência ou representação de coisas, fundamentamo-nos em
Deleuze e Guattari (1992), no livro O que é Filosofia?, quando afirmam que os conceitos
não preexistem, são, antes de tudo, fabricados/inventados; em concordância com o
enunciado de que “o primeiro princípio da filosofia é que os universais não explicam nada,
eles próprios devem ser explicados” (DELEUZE e GUATTARI, 1992, p.15). Portanto,
pensar a educação é criar noções neste campo.
O que podemos considerar, a partir das criações e das precauções, é que existe
muito trabalho a ser feito, embora estudos contemporâneos educacionais venham
apontando para a pertinência da noção de experiência nesse campo e até mesmo a
articulação com outras áreas. No entanto, se não desejamos cair em armadilhas que
configuram práticas pedagógicas autoritárias e cientificistas, precisamos reconhecer as
implicações relacionais da educação com a própria vida. Não as implicações restritas do
“isso serve para” ou “vou te explicar como é”, mas, sobretudo, da força de cada
experiência educativa no espaço público da escola, sem qualquer previsão, sem a menor
possibilidade de se controlar esta ou aquela experiência. A educação compreendida,
portanto, como território das experiências, como lócus da experiência, na relação que se
estabelece entre os sujeitos habitantes desse espaçotempo.
Por isso, o convite de Larrosa (2004; 2014a) para pensarmos a educação (e também
a pesquisa em educação), a partir da experiência, é inspirador, porque sugerem
movimentos, deslocamentos, interrupções temporais, obrigando-nos a parar, escutar, olhar
com atenção. Forçando-nos a suspender a opinião, tão demasiadamente fabricada pelo
excesso de esclarecimento e informação do modo de vida contemporâneo. A experiência
não se reduz ao âmbito dos esclarecimentos, não é preciso que alguém esclareça/ilustre
sistematicamente uma coisa para que se aprenda a ter experiência. A experiência, e os
saberes de que dela emanam, é a apropriação da própria vida, é caminhar pela vida é, antes
69
Larrosa vem afirmando em suas aulas e palestras que, nos dias que correm, passar pela experiência tem
sido improvável, uma vez que não existe mais mundo comum. Se não há mundo comum, tampouco há
possibilidade de experiência.
105
de tudo, “(...) uma forma singular de estar no mundo, que é por sua vez uma ética (um
modo de conduzir-se) e uma estética (um estilo)” (LARROSA, 2014a, p.32).
Nesse processo ético-estético, sem perder de vista a preocupação com o pedagógico
em uma investigação da/na experiência educativa e, tampouco, estabelecer uma dicotomia
teoria-prática em que uma se aplica a outra; a (ex)posição assumida nessa tese é que no
delineamento bibliográfico do tema (em livros, revistas, vídeos, filmes, documentos
impressos e eletrônicos), o saber da/na experiência force o pensamento sobre o que
vivemos, vemos e fazemos. A observação (dos gestos e atitudes pedagógicas, mediadas
pelos registros no diário de campo) revelou diversos aspectos do educativo, do sentido
escolar, a partir das tensões entre o vivido e o que se idealizou ver e viver – especialmente
quando se trata de contextos tão diferentes, de formas variadas na realização dos Minutos
Lumière, por exemplo.
Ao forçar o pensar, ao dar muitas voltas ao pensamento, com diversas vozes
ecoando, mergulhei nas observações das aulas de cinema no CAp-UFRJ; além de me
colocar disponível para viver as experiências em Barcelona, atenta aos sinais que o contato
com o Cinema en Curs poderia emitir. O registro no diário de campo foi um importante
aliado para as reflexões em todas as etapas desse processo, uma vez que propiciou o
estabelecimento das relações entre os campos cinema e educação, na medida em que as
anotações e comentários provenientes das aulas e demais atividades, eram colocadas em
relação com inferências teórico-conceituais, bem como as produções do Grupo de Pesquisa
CINEAD/LECAV e do projeto Cinema en Curs, sistematizadas ao longo da trajetória de
pesquisa.
Os registros fotografados e filmados no percurso da tese foram preciosos para a
composição dessa escrita e nutrem muitos dos relatos aqui presentes. No entanto, eles não
serão mostrados, em sua materialidade imagética, mas sim, presentificados nos
comentários e notas, a partir do que deram a ver, do que forçaram pensar.
Da mesma forma como o fragmento destacado na abertura desse capítulo mostra a
projeção de uma cena na palma da mão da nossa personagem, em um belo plano detalhe, a
seção seguinte tem como objetivo “lançar luz” sobre as duas experiências com o cinema na
escola analisadas nesse estudo.
106
70
Além do analisado nessa tese, o Programa articula outros projetos com a pesquisa e o ensino: Curso de
Extensão Universitária Cinema para Aprender e Desaprender; A Escola vai à Cinemateca do MAM; Cinema
no hospital? (IPPMG/UFRJ); Escolas de Cinema na rede pública de Ensino Fundamental; Escolas de Cinema
dos Colégios Municipais; Escolas de Cinema dos Colégios Estaduais; Atendimento interno (construção da
memória dos eventos da FE/UFRJ), temporariamente suspenso pela interdição do Palácio Universitário e,
consultorias (rede pública) no Laboratório de Educação, cinema e audiovisual; Cineclube Educação em Tela;
Escola de cinema no Instituto Nacional de Educação de Surdos; Escola de cinema no Instituto Benjamin
Constant; Escola de Cinema da Escola de Educação Infantil da UFRJ; Cinema com as “Mulheres Cuidadoras
das Creches” no Centro de Referência de Mulheres da Maré e Cinema e velhice: a imaginação atravessando a
memória. Esses dois últimos estão concluídos.
107
71
Dados obtidos de acordo com o documento disponibilizado no site da escola, no setor de publicações:
http://www.cap.ufrj.br/papelcap.pdf. Acessado em 15 de abril de 2015. Caso tenham interesse na organização
curricular do CAp-UFRJ, há uma tabela ilustrativa no final dessa tese (APÊNDICE E).
72
Para maiores informações sobre o surgimento e consolidação da Escola de Cinema do CAp-UFRJ,
indicamos a leitura do Material Didático do CINEAD, em específico o documento “Currículo de Cinema”,
organizado por Adriana Fresquet e disponibilizado no website:
http://www.cinead.org/files/curriculo_cinema.pdf e, da última parte do primeiro capítulo da tese de Regina
Barra, disponível em: http://www.educacao.ufrj.br/ppge/teses2015/treginabarra.pdf
108
73
Exercício inspirado no documentário autobiográfico JLG por JLG – autorretrato (1994), do cineasta
francês Jean-Luc Godard. Nesse filme Godard nunca posiciona a câmera de frente para ele.
74
Em Cada um com seu cada qual (2006), da cineasta brasileira Flávia Castro, a personagem Camila, uma
menina de oito anos, vê uma caixa de papelão cair de um “burro sem rabo” e tenta devolvê-la ao dono, um
catador de papel. O homem lhe presenteia com uma velha caixa. Quando chega em casa, Camila encontra
uma câmera na caixa e a partir daí começa a sua aventura.
110
poesia etc) ou mesmo oral (em uma “rodada de apresentação”), percebemos que a presença
do objeto câmera gerava outra forma de exposição. As palavras pronunciadas foram
mediadas por composições cenográficas, em espaços variados da escola e enquadramentos
de partes do corpo específicas (mãos, boca e pés).
Como desdobramento dessas inquietudes, apresentamos um trabalho no VIII
Seminário internacional As Redes Educativas e as Tecnologias: Movimentos Sociais e
Educação (2015), sob o eixo de Estudos da Infância, da Juventude e os Movimentos
Sociais, com o intuito de conversar com outros professores-pesquisadores acerca da
experiência “autorretrato filmado”, através do qual os estudantes expressaram o que
pensam sobre si, como se percebem na escola e o que significa fazer cinema na escola75.
O segundo dia teve como proposta o exercício com os Minutos Lumière. Antes da
projeção de alguns filmes dos irmãos Lumière, Gisela perguntou à turma se alguém os
conhecia. Uma menina de 12 anos, de maneira breve, contou a história dos irmãos e os
filmes que havia visto em uma aula do ano anterior. A partir disso, Gisela começou a
explicar a importância deles para a história do cinema, a invenção do cinematógrafo, a
primeira exibição pública dos filmes e algumas curiosidades sobre esse evento. Em
seguida, foram exibidos os filmes “A saída da fábrica”, “O almoço do bebê”, “A saída do
barco”, “O regador”, “Jogo de cartas”, “A chegada do trem na estação” e “Demolição de
um muro”.
Após exibição, conversamos sobre a escolha dos ângulos, o posicionamento da
câmera fixa, a disposição dos elementos cinematográficos no enquadramento, a força do
acaso, as peculiaridades daquela época e sobre o uso do cinematógrafo. Em continuidade,
foi projetado para o grupo os Minutos produzidos pelos alunos da aula de cinema do CAp,
do ano anterior, apresentados em festivais de Cinema e, também, Minutos produzidos por
escolas de Barcelona, dentro do projeto Cinema en Curs. Quando já estavam
familiarizados com os filmes dos irmãos franceses e com as possibilidades
cinematográficas realizadas por outros estudantes, esclarecemos que o exercício do dia
seria inspirado nesse ato fundador do cinema – que podemos chamar de “infância do
cinema” (FRESQUET, 2013) – e teriam de cumprir algumas regras: câmera fixa em algum
suporte (não necessariamente um tripé), um minuto sem cortes e não poderiam utilizar os
recursos da câmera.
75
Trabalho intitulado “Uma experiência de autorretratos filmados na escola”, sob a autoria de Andreza Berti
e Gisela Leite Pascale. Nele, analisamos e detalhamos todos os autorretratos produzidos pelos alunos.
Disponível nos anais do evento no website: http://www.seminarioredes.com.br/#.
112
A partir daí iniciamos uma conversa sobre a importância dos gestos sugeridos por
Bergala (2008) de escolher, dispor e atacar (fundamentais para a produção) e cada aluno
começou a imaginar o seu Minuto, tendo essas operações como referência. Dividimo-nos
em pequenos grupos, caminhamos pela escola, com o objetivo de pensar a “locação” para o
Minuto. O caminhar pela escola com um olhar endereçado e, ao mesmo tempo, alimentado
pelos filmes assistidos na sala foi um gesto extremamente rico e significativo, pois as
observações, os olhares e as reflexões acerca do território no momento em que percorriam
e pensavam sobre o que poderia dar a ver uma sala de aula vazia, a cantina da escola, o
laboratório de ciências, o pátio, a quadra etc; indicavam surpresas.
Algumas imagens – impregnadas nos estudantes – quando se deslocavam pela
escola, não “funcionavam” (ou não se ajustavam ao tempo de duração do Minuto), como
por exemplo, o grupo que queria filmar a hora do lanche das crianças dos anos iniciais,
imaginando previamente uma ação que não aconteceu pela impossibilidade de
aproximação e filmagem. E assim seguimos, em busca do espaço e do tempo para a
realização do Minuto, observando o que queriam e o momento exato em que disparariam o
botão para filmar. Contudo, muitos estudantes já tinham concebido o seu Minuto, quando
ainda assistiam aos filmes dos irmãos Lumière. Conclusão: estavam ansiosos para a
produção do primeiro filme, mas as dúvidas e ponderações surgiam praticamente a cada
passo.
As ideias foram se afinando durante o percurso pela escola. Nessa direção, três
Minutos foram produzidos em duplas76: Correria Insana77 (Gabriella e Diogo), Através da
Janela (Peterson e Marcella) e Vendo o mundo atrás das grades (Manuela e Rebeca). Em
Correria Insana os estudantes-diretores optaram por posicionar a câmera no chão e
estavam bem preocupados que a mise en scène78 caracterizasse o gesto de brincar. Em
Através da Janela, escolheram uma sala vazia, no segundo andar da escola, em que a
presença do sol fosse acentuada, apresentando como opção de filmagem a intervenção
76
Cabe destacar que, cada componente da dupla realizou o seu próprio Minuto. Ambos refletiram sobre os
dois minutos produzidos e a tomada de decisão (em cada caso) foi responsabilidade de cada um. Eles também
decidiram qual Minuto queriam disponibilizar para a pesquisa. Entretanto, quando expuseram a ideia para o
grupo, outros compartilharam da mesma formulação e decidiram pela realização em pares, delegando ao seu
exercício, por consequência, o caráter de Minuto-ensaio/Minuto-experimental.
77
Os filmes Correria Insana, O Bebedouro e Vendo o mundo atrás das grades foram apresentados na sessão
de curtas da temática Educação, intitulado Minutos Lumière CINEOP, na Mostra de Cinema de Ouro Preto –
10° CINEOP, em junho de 2015. Disponível no sítio eletrônico do evento
(http://www.universoproducao.com.br/cineop/10cineop_2015/filmes.php?menu=fi&lg) e no site de
compartilhamentos YouTube (https://www.youtube.com/watch?v=nImIee20YwU).
78
Mise en scène é uma expressão francesa relacionada com encenação ou o posicionamento em uma cena, ou
seja, com tudo aquilo que aparece no enquadramento (atores, iluminação, decoração, adereços, figurino etc).
113
explícita de um gesto: abrir e fechar a janela. Vendo o mundo atrás das grades foi o último
Minuto realizado, pois a dupla havia escolhido hora e local apropriados para a filmagem,
mas não encontravam o lugar adequado para dispor a câmera. Depois de muito
experimentarem (câmera no tripé, em cima da cadeira, sobre uma mochila, no alto da
escada) descobriram a altura ideal: no degrau situado no meio da escada.
Os demais seguiram o previsto, com apenas um diretor. Em O Jogo (Gustavo),
todos os alunos da aula de cinema participaram da construção e execução da cena,
enquanto o diretor filmava do lado de fora da quadra. Entretanto, mais uma vez a
intervenção foi explícita, aos 25 segundos do filme, o balanço na rede de proteção da
quadra é perceptível, assim como a mão que provoca o movimento de vai-e-vem. O mesmo
desejo de interferência ocorreu n’O barraco das Abelhas (Gabriel), quando ao filmar o
movimento das abelhas, em cima de uma caçamba de lixo, em um enquadramento
diagonal, por volta dos vinte segundos, uma folha atravessa a tela e, em seguida, é lançada
uma pedra dentro da lixeira. Mais uma vez a mise en scène aparece, como no caso do
Minuto G. G: O Gingado do Gabriel (Sofia). Conforme o nome sugere, há um
protagonista que atua para a câmera.
A saída diária (Felipe), inspirado no filme dos Lumière A saída da fábrica, situa a
câmera no acesso de descida ou subida da rampa – que conecta o segundo andar da escola
com o pátio –, filmando os alunos que descem para o recreio. No Minuto Um dia de sol
(Isabela), a câmera está posicionada no alto da rampa de modo que o emoldurado em plano
geral (quadra, árvores, prédio e sol) revela cores, texturas e sons. A aula de Educação
Física com as crianças do primeiro segmento aparece no contraste entre a luz do sol e a
sombra das árvores. Na mesma linha O bebedouro (Rebeca), buscou enquadrar reflexos e
texturas, posicionando a câmera em diagonal – o que permitiu perceber a profundidade do
campo em contraposição com a ação (de abrir a bica e encher o copo) mediada pelos
corpos em perfil e refletida na chapa de aço do reservatório.
O lanche (Davi) é filmado com a câmera no solo, enquadrando um grupo de
meninos e meninas merendando no chão, mas é interrompido pela professora da turma que
o adverte, pois não é possível registrar imagens das crianças pequenas, sem autorização.
Esse Minuto, portanto, não compõe o acervo do Laboratório, restringindo-se ao uso na
turma da Escola de Cinema 2015, na qualidade de exercício audiovisual.
O que podemos inferir no diálogo com esses dois exercícios relatados até agora
(autorretratos e Minutos Lumière), é a pertinência da experiência, não somente por todo o
exposto no início desse capítulo, em diálogo com a literatura educacional, mas, também,
114
no sentido atribuído por Bergala (2012), ao ressaltar o verbete “E”79 – condição básica para
se iniciar qualquer conversa, pois todo o saber necessário está na relação estabelecida com
o filme, com o que ficou, compreendeu, impactou e tocou durante a “travessia do filme” e,
somado a tudo isso, está outro aspecto fundamental da experiência cinematográfica: a
passagem ao ato80.
Para Bergala (2008), essa passagem para o ato de realizar filmes “só tem sentido
(verdadeiramente educativo) se modifica esquemas inscritos desde o pátio da escola”
(Idem, p. 203), se possibilita deslocar os papéis bem definidos no interior dos colégios, que
produz alunos etiquetados e predestinados durante todo o percurso escolar (“aluno-
escritor”, “aluno-esportista”, “aluno-cantor”, “aluno-ator”, “aluno-problema” etc), ou seja,
o ato de filmar precisa embaralhar e sacudir essas posições fixas que, por vezes, as
instituições escolares ajudam a legitimar.
Impregnada por essas experiências e considerações, narro o terceiro dia de aula
cujo exercício pressupunha filmar cenas para a realização de uma montagem, a partir de
uma proposta de reinvenção do filme “A velha a fiar”81. A construção desse curta, com três
minutos de duração, baseou-se no mesmo formato do Minuto Lumière (câmera fixa,
filmagem ininterrupta, sem ultrapassar um minuto). A turma foi dividida em dois grupos.
O primeiro ficou com a tarefa de filmar as cenas com os elementos mosca, aranha, rato,
gato, cachorro e pau. O segundo tinha o encargo de filmar os itens fogo, água, boi, homem,
mulher e morte, em diferentes ângulos. Ambos os grupos tinham a responsabilidade de
filmar cenas com a velha a fiar mantendo os mesmos enquadramentos.
Os estudantes exploraram o espaço da biblioteca, pátio, salas de aula, corredores da
escola, bebedouro e confeccionaram objetos (com papel celofane, papelão, palito de
sorvete e barbante) para simular o fogo e a mosca. Artefato como uma cadeira, por
exemplo, se transformou em personagem central da trama junto com a velha. O elenco foi
composto pelos próprios alunos, com participação de uma bibliotecária e alguns
funcionários da equipe de limpeza. Houve um estudante responsável por filmar e dirigir as
79
Inspirado no Abecedário de Gilles Deleuze (1988-1989), Fresquet e Nanchery (2012) realizaram o
Abecedário de cinema com Alain Bergala, em que elencam treze conceitos caros ao cinema: alteridade; bom
filme; intuição; coletivo; emoção; escolha a disposição e ataque; experiência; infância; interior; kiarostami;
roteiro; zoom e travelling. Material completo disponível no site www.cinead.org.
80
Essa passagem ao ato é extremamente importante, pois somente a análise de filmes não oportuniza um
saber de outra ordem, da ordem da experiência. Entretanto, Bergala (2008) alerta que a realização de filmes
na escola não poderá se reduzir a “mostras” de produtos fílmicos. O que importa mesmo é “a experiência
insubstituível de um ato, mesmo modesto, de criação” (BERGALA, 2008, p. 173).
81
Curta-metragem brasileiro, do ano 1964, dirigido por Humberto Mauro, com a música popular homônima
cantada pelo Trio Irakitan. O filme é baseado em uma cantiga popular e mostra uma sequência de imagens e
fotos para ilustrar essa canção.
115
82
Importante ressaltar que a alteração do material acontecia de duas maneiras. A primeira através das aulas
posteriores ao exercício, com toda a turma, uma vez por semana. A segunda, via grupos na rede social
Facebook e no WhatsApp (plataformas digitais que permitem o compartilhamento de vídeos, áudios e
imagens).
83
Intitulado O Ciclo da Vida da Velha a Fiar. Disponível no sítio eletrônico do evento
(http://www.universoproducao.com.br/cineop/10cineop_2015/filmes.php?menu=fi&lg) e no site de
compartilhamentos YouTube (https://www.youtube.com/watch?v=GZMe81EeIpM).
116
84
Filme de Fernando Coimbra, ano de 2009.
85
Filme de Flávia Castro, ano de 2006.
86
Filme de Roberval Duarte, ano de 1999.
87
A análise desse exercício foi apresentada no III Cocaal – Colóquio de Cinema e Arte na América Latina
Relatos Selvagens: Tensões, Disputas e Desvios, no trabalho intitulado “Criações cinematográficas:
semelhanças, diferenças, rotas e desvios”, no ano de 2015, por Andreza Berti e Gisela Leite Pascale.
Disponível nos Anais do evento, através do sítio eletrônico: http://www.cocaal.uff.br/wp-
content/uploads/2015/10/AnaisCompletos_Cocaal.pdf
88
Longa-metragem de Julia Murat, ano de 2011.
89
Longa-metragem de Walter Lima Junior, ano de 1997.
90
Curta-metragem de Bel Bechara e Sandro Serpa, ano de 2006.
91
Curta-metragem de Caroline Leone, ano de 2005.
117
registros foram realizados em três grandes grupos, pois exigiam uma equipe de produção
maior.
O primeiro grupo ressaltou as imagens das conversas entre eles, refletidas no vidro
de um carro estacionado no pátio da escola. O segundo agregou dois elementos ao mesmo
tempo, um espelho e uma lanterna; além de pensarem no reflexo através do espelho,
experimentaram a composição de luz e sombra tanto natural (sol da tarde) quanto artificial
(lanterna). O terceiro grupo, apenas com alunos do Ensino Médio, tentou produzir imagens
em um espaço no fundo do pátio da escola, utilizando o espelho e a sombra produzida pelo
muro. Depois de muitas experimentações desistiram, alegando que a luz não era favorável,
o espelho era pequeno e o espaço inadequado. Diante de tanta (auto) exigência, sugeri que
tentassem em outro dia ou em outro espaço, mas que não desistissem. Conversamos sobre
as possibilidades cinematográficas que esse exercício oferecia e, inclusive, eles já tinham
repertório para incluir outros elementos nesse ensaio.
Na aula seguinte, ao recuperarmos o exercício realizado com os espelhos e reflexos,
para seguir com a atividade planejada do sexto dia, um aluno do Ensino Médio expôs dois
ensaios produzidos ao longo da semana, em sinal de acolhimento a sugestão de
continuidade da tarefa. Com o uso da câmera filmadora de um smartphone elaborou duas
cenas, uma em sua casa e outro no shopping. O realizado em casa, com duração de trinta
segundos, junto com outra pessoa (que não era aluna da Escola de Cinema), iniciou com a
sobreposição de dois rostos (o dele e o dela), refletidos, ao mesmo tempo, em uma janela e
em uma cortina da cor branca. O enquadramento, até os quinze segundos, apresentava
como elementos do cenário, uma janela, uma cortina, um menino, uma menina e o
aparelho celular. A partir do décimo sexto segundo até o final, a câmera passa a se
movimentar de maneira mais rápida. Inverte o ângulo. E, quando retorna a posição inicial,
centraliza no plano o reflexo dos dois semblantes sorrindo.
O produzido no shopping apresenta em plano geral o aluno sentado no chão
olhando para uma vitrine. Interrupção. Retoma. O menino surge no canto da tela, em pé, de
frente para uma tela de anúncio publicitário. Nova interrupção. Ele aparece sentado de
frente para a vitrine novamente, entretanto, mais perto de um painel publicitário. Balança a
cabeça como um gesto de discordância. Nesse ensaio não percebemos a relação explícita
entre espelho e reflexo. Apenas podemos inferir uma interação entre o estudante e o seu
reflexo. Essa inferência apresenta validade na medida em que, ao conversar com o
estudante após a aula, ele esclareceu que a intenção da filmagem não era revelar o reflexo,
somente insinuar – a partir da relação estabelecida entre ele e o aparato.
118
92
Graduanda no curso de comunicação social e cinema da PUC-Rio, ex-aluna da primeira turma da Escola de
Cinema do CAp-UFRJ, foi colaboradora do CINEAD e decidiu acompanhar as atividades das aulas de
cinema durante esse ano. O curta-metragem, produzido para uma disciplina, abordou o cotidiano da
Orquestra Jovem de Paquetá, na Ilha de Paquetá, Rio de Janeiro.
119
93
As perguntas que orientaram esse grupo foram as seguintes: por que você resolveu ser bibliotecária? Há
quanto tempo você trabalha no CAp? Qual seu livro favorito? Qual a importância da leitura pra você? Como
é para você trabalhar aqui? Como você se sente em relação às crianças? Quais são os livros de maior
interesse ou mais procurados pelas pessoas? O que você acha da movimentação do local? O que você acha
que pode melhorar?
120
escola, coordenado por Gisela, explorou diversos espaços da escola para o registro de
diferentes imagens que retratassem o “ser aluno”, desde fragmentos de atividades
recreativas, aulas na sala de aula, na quadra, no laboratório até os materiais escolares
utilizados (mochilas, cadernos, canetas etc)94. A equipe do documentário Os funcionários
terceirizados em greve, acompanhados por mim, entrevistou três funcionários da escola
(dois da limpeza e um da segurança), intercalando com as imagens de cartazes, espalhados
pela escola, confeccionados pelos alunos na semana anterior, em apoio à paralisação desse
segmento. Optaram por uma gravação de voz em off, preparada em uma sala silenciosa, ao
lado da biblioteca, para depois juntar à imagem na hora da edição95.
Um pouco antes do término da aula, voltamos à sala de aula para iniciarmos a
edição dos documentários. Gisela apresentou para a turma um programa que podia ser
baixado da internet, gratuitamente, compatível com a maioria dos sistemas operacionais
dos computadores. Assim, após a explicação de alguns comandos de seleção de trechos, de
edição de som, de transição de frames, de legendas e de créditos, cada grupo foi orientado
a criar nomes para as cenas filmadas, seguindo uma sequência para facilitar a montagem. A
montagem final do filme ficou sob a responsabilidade dos alunos, pois a intenção dessa
aula era promover a familiarização com programas de edição de imagens.
As duas aulas seguintes, nona e décima do nosso planejamento, tiveram como
exercício a produção e edição do curta-metragem “Telefone sem fio”. Essa experiência
teve como inspiração poética o documentário brasileiro Só dez por cento é mentira96 sobre
a vida e obra de Manoel de Barros. A partir de um trecho, Gisela problematizou a questão
da matéria, da sustância da arte e dos “lugares” nos quais podemos encontrar poesia (ou
matéria poética), como os enunciados no filme “abridor de amanhecer” ou “esticador de
horizonte”, por exemplo.
94
A entrevista tinha como base as seguintes questões: você tira nota boa? Você gosta de estudar? Qual sua
matéria favorita? De que matéria você gosta menos? Você gostaria de sair do CAp? Você gosta de esportes?
Lê? Qual livro? E filme?
95
As perguntas que orientaram essa equipe foram as seguintes: há quanto tempo trabalha no atual emprego?
Você gosta do seu trabalho? Gostaria de mudar de emprego? Você tem orgulho do seu trabalho? Você teve
opção para escolher seu trabalho? No ano em que você nasceu o Brasil era melhor? O que você gostaria que
melhorasse? Qual matéria você gostava quando criança? Como é viver em uma situação em que o dinheiro
que lhe sustenta está em falta? Você se considera “escravizado”, como diz o cartaz no corredor? Você
concorda com as paralisações que vem ocorrendo recentemente? O que você faria para resolvê-las? Por que
você acha que elas estão acontecendo? Como você se sente sobre a situação da escola? Você toca algum
instrumento musical? Se você ganhasse na loteria o que você compraria primeiro? Se você tivesse
oportunidade, você moraria em outro país?
96
Filme de Pedro Cezar, ano de 2008.
121
97
Exercício baseado na atividade desenvolvida no curso de extensão para professores, oferecido por Adriana
Fresquet.
98
Poesia completa no livro: BARROS, Manoel de. Gramática expositiva do chão. (Poesia quase toda). Int.
Berta Waldman. Il. Poty. 3 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996.
122
99
Essa técnica de montagem, idealizada pelo cineasta e professor da Escola de Cinema de Moscou Lev
Kuleshov, na segunda década do século XX, é fruto de suas experimentações para demonstrar as
significações atribuídas pelo espectador, a partir da justaposição de imagens distintas. Para isso, filmou o
rosto de um ator com uma única expressão e três cenas isoladas: um prato de sopa, um caixão e uma moça.
Na edição, ele intercalou a mesma imagem do ator e as três cenas. A percepção de que as imagens dos rostos
têm expressões diferentes se deve a interpretação do espectador com relação às cenas apresentadas.
100
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=5JTX2DD4qTQ
123
101
Projeto desenvolvido pela organização A Bao A Qu – uma associação cultural catalã sem fins lucrativos
que se dedica à concepção e desenvolvimento de projetos que vinculam cultura, criação e educação. Desde
2004 atua em escolas, com a participação de profissionais do cinema, fotógrafos e artistas que trabalham em
conjunto com os professores.
124
102
É possível encontrar diversos textos em que Larrosa elabora uma estreita relação entre cinema e educação.
Alguns serviram de inspiração e embasamento teórico dessa tese, expostos nas referências bibliográficas.
103
As disciplinas Pedagogía Social, Sociología de la Educación e Arte y Cultura en la educación social.
104
La investigación de la experiencia: lenguajes y saberes e Pensar la educación en tiempos de crisis:
Miradas filosóficas, do curso de mestrado “Investigación y cambio educativo”.
105
Sobre a experiência com fragmentos fílmicos em um curso universitário, escrevemos o artigo “Cinema em
(per)curso. Um exercício de pensamento entre Lixo Extraordinário e Estamira”, que será publicado no livro
Alguns filmes brasileiros para começar... Reflexões e propostas de experiências pedagógicas de cinema
(organizado por Adriana Fresquet, Rio de Janeiro/Brasil, no prelo).
106
Eis algumas das referências cinematográficas: Luis Buñuel – Las Hurdes, tierra sin pan (1933) e Los
olvidados (1950); José Luís Guerín – En construcción (2001) e La academia de las musas (2015); Víctor
Erice – Alumbramiento (2002); Jo Sol Marc – El taxista full (2006); Joaquín Jordá – De nens (2004) e Monos
como Becky (1999); Mercedes Álvarez – Mercado de futuros (2010).
125
107
No Museu Lumière havia programação especial para crianças, pelo dia do Halloween. Na Cinemateca, em
razão da exposição temporária dedicada ao cineasta americano Gus van Sant, a Mostra de filmes era
relacionada à produção dele. É possível encontrar informações detalhadas no site da Cinémathèque française:
http://www.cinematheque.fr/cycle/gus-van-sant-269.html.
108
Cinema Cem Anos de Juventude é um projeto pedagógico internacional compartilhado de iniciação ao
cinema, criado e coordenado pela Cinemateca Francesa à época da celebração dos cem anos da invenção do
cinema. Atualmente reúne profissionais do cinema, professores, estudantes, salas de cinema, associações e
cinematecas dedicados à pedagogia do cinema.
126
109
“(...) há muitas maneiras de trabalhar com cinema na educação e também há muitas formas de conceber os
filmes. Em Cinema en curs o entendemos como arte e como criação, partindo sempre do processo criativo.
Assim, apostamos na transmissão do filme com base na experiência: da criação e como espectadores”.
Tradução nossa.
110
“(...) trabalhar a partir de fragmentos [que] permite que os alunos compreendam as escolhas dos cineastas
com muito detalhe: podemos olhar como são feitos cada um dos planos, determo-nos sobre a montagem ou
som. Além disso, trabalhar com fragmentos permite despertar o interesse sobre filmes que se passados por
127
inteiro provavelmente não gerariam desejo (sempre precioso para a aprendizagem!) de ver esse filme que não
sabemos como continua”. Tradução nossa.
128
111
Em entrevista concedida a equipe do contrapicado.net, em abril de 2011: “Cinema en Curs é também um
espaço de reflexão sobre metodologias de transmissão do cinema e também muito além do cinema. É um
laboratório de criação de vínculos entre pessoas diferentes: tanto entre os professores [de crianças e jovens]
como com profissionais do cinema. É também uma experiência da diversidade, pois o cinema proporciona o
vínculo entre crianças e jovens que por idades, contextos geográficos ou socioculturais nunca teriam se
conhecido”. Tradução nossa.
129
Por eso una verdadera iniciación al arte debe pasar por la impregnación.
Y es en gran medida esta tarea, fundamental e imprescindible, la que
debe desempeñar la transmisión. Si de verdad creemos en el arte tenemos
que creer en su poder. ¡Atrevámonos a exponer a los chicos al arte! El
arte dejará rastro112 (AIDELMAN e COLELL, 2012, p. 233).
112
“Assim, uma verdadeira iniciação à arte deve passar pela impregnação. E é em grande parte esta a tarefa,
fundamental e essencial, que deve realizar a transmissão. Se acreditamos verdadeiramente na arte temos que
acreditar em seu poder. Ousemos expor as crianças à arte! A arte deixará rastro”. Tradução nossa.
130
113
Para a realização dos filmes, o Cinema en Curs propõe algumas diretrizes para a orientação das oficinas
em todas as escolas e institutos participantes do projeto, a fim de propiciar uma exploração cinematográfica
mais profunda, intitulada, em catalão, “Regles del Joc”.
114
O filme, primeiro longa-metragem de Fançois Truffaut, narra a história do menino parisiense Antoine
Doinel, de 14 anos, negligenciado pela mãe e padrasto. Antoine deixa de ir ao colégio para assistir filmes e
brincar. Mente para ocultar as suas fugas da escola. A situação se agrava quando, para justificar sua ausência
no colégio, “mata” a mãe e a verdade vem à tona. Ele decide fugir de casa e passa a viver de pequenos
roubos.
131
Diante dessas regras, cada grupo, de acordo com seu contexto, vivenciou as
oficinas de cinema, que tinham como objetivo principal experimentar uma relação estreita
com o tempo. Não somente o tempo cronológico – que marca muito das atividades
escolares cotidianas –, mas aquele tempo interrompido, da pausa, para escolher ângulos,
enquadramentos, posicionamentos de câmera e de microfone. Sentir a presença do tempo
para tomar a decisão, porque
(…) decidir es una de las cosas más importantes de este tipo de proyecto.
Nos hemos dado cuenta de que en la escuela se decide muy poco. Decidir
y elegir. El día a día en la escuela requiere elegir poco, y proyectos así
obligan a hacerlo constantemente: cómo hacer un plano, o qué fotografía
voy a hacer. Es un proceso de continua toma de decisiones. Y no hay
“bien” o “mal” elegido, no hay “soluciones únicas”, hay posibilidades. Es
algo en lo que Alain Bergala insiste mucho también. Es muy vertiginoso
porque todo es posible. La primera reacción es decir “¿qué hago? Dime
qué hago”. La respuesta es: “busca, mira, piensa, elige”. Y además, la
mayor parte de estas decisiones son en grupo...115 (AIDELMAN, 2011).
Esse destaque para o processo de decisão, para o gesto de atenção imbuído nessa
atividade, o rigor e o zelo com que trabalham a materialidade fílmica, expressa a grandeza
desses momentos (bonitos, divertidos, cansativos, consensuais, desconcertantes),
igualmente como a materialidade escolar. Ou seja, tanto a materialidade cinema (planos,
enquadramentos, fotografias, iluminação, som, montagem etc) como a materialidade
escolar (exercícios, ritos pedagógicos, organização espaço-temporal, componentes
curriculares etc), exigem de professores e estudantes escolhas, disposições, decisões,
atenção e disciplina.
Muitas dessas características foram perceptíveis na Estreia de filmes da décima
primeira edição do Cinema en Curs, que aconteceu em dois dias e tinha como objetivo
apresentar os filmes, produzidos ao longo do ano acadêmico 2015-2016, pelos alunos das
escolas e Institutos de Barcelona, Madrid e La Coruña. A apresentação dos curtas-
metragens, na Filmoteca da Catalunha, reuniu as instituições educativas participantes do
projeto. Depois de cada exibição, os estudantes, acompanhados dos seus professores e
cineasta, explicaram como foi o processo criativo e responderam as perguntas feitas por
115
Trecho da entrevista de abril de 2011: “Decidir é uma das coisas mais importantes deste tipo de projeto.
Temos nos dado conta de que na escola se decide muito pouco. Decidir e escolher. O dia-a-dia na escola
requer pouca escolha e, projetos assim obrigam a fazê-la constantemente: como fazer um plano, ou que
fotografia fazer. É um processo contínuo de tomada de decisão. E não há ‘boa’ ou ‘má’ escolha, não há
‘soluções únicas’, há possibilidades. É algo que Alain Bergala insiste muito também. É muito arriscado
porque tudo é possível. A primeira reação é dizer ‘o que eu faço? Diga-me o que eu faço’. A resposta é:
‘busque, olhe, pense, escolha’. E, além disso, a maioria destas decisões é em grupo...” Tradução nossa.
132
116
No dia 02 de junho de 2016 as escolas participantes foram: Escola de Bordils (Bordils), Escola La Popa
(Castellcir), CEIP A Rúa (Cangas), Institut La Sedeta (Barcelona), Institut Milà i Fontanals (Barcelona),
Institut Moisès Broggi (Barcelona), Institut Pablo Ruiz Picasso (Barcelona), IES Jimena Menéndez Pidal
(Fuenlabrada). E no dia 07 de junho: Escola Rafael Alberti (Badalona), Escola Riera de Ribes (Sant Pere de
Ribes), Institut Bellvitge (L’Hospitalet de Llobregat), Institut Castellet (Sant Vicenç de Castellet), Institut
Joan d’Àustria (Barcelona), Institut Milà i Fontanals (Barcelona), Institut Quatre Cantons (Barcelona). Além
dessas exibições na Filmoteca de Catalunya (Barcelona), também aconteceu Estreia de filmes na Cineteca de
Madrid, no dia 13 de junho, com as seguintes escolas: CEIP Ntra. Sra. de la Fuencisla (Madrid), Colegio
Montserrat – Orcasitas (Madrid), IES Jimena Menéndez Pidal (Fuenlabrada), Escola de Bordils (Bordils),
Institut Milà i Fontanals (Barcelona), Institut Moisès Broggi (Barcelona) e CEIP San Xoán (Becerreá). E, na
região da Galícia, no Centro Galego de Artes da Imaxe (CGAI), no dia 16 de junho, com as seguintes
instituições: CEIP A Rúa (Cangas), CEIP San Xoán (Becerreá), IES Manuel Murguía (Arteixo) e IES
Manuel Chamoso Lamas (O Carballiño).
133
117
Movimento realizado para conseguir um plano de deslocamento no espaço. Frequentemente obtido com o
auxílio de um carrinho sobre trilhos, ou apoiado em qualquer suporte que coloque a câmera em movimento.
118
Filme disponível no site do projeto Cinema en Curs: http://www.cinemaencurs.org/de/node/2480
134
119
Esse Instituto oferece cursos de Batxillerat (Bacharelado opcional, similar ao nosso curso técnico pós-
médio, com dois anos de duração) e Educació Secundària Obligatòria – ESO (Educação Secundária
Obrigatória, com quatro anos de duração, dos 12 aos 16 anos). Assim como no CAp-UFRJ, as aula de cinema
são oferecidas como atividades extraescolares, entretanto a participação em alguma atividade é obrigatória,
podendo escolher entre cinema, teatro, produção de revistas e educação ambiental. O Cinema en Curs atua
tanto na ESO quanto no Bacharelado. No APÊNDICE D dessa tese, é possível consultar a organização
curricular do Institut Castellet.
120
Assistiram aos seguintes filmes dos irmãos Lumière produzidos entre os anos de 1895 e 1900: Saída da
Fabrica, Chegada do trem na estação, Acoplamento de um caminhão, Mulheres lavando roupa no rio, A
135
orientação do Cinema en Curs que pressupõe ver e comentar as “vistas Lumière”, para
somente depois cada estudante realizar seu plano escolhendo o quê e onde filmar, como
um primeiro passo rumo à criação cinematográfica.
É importante destacar que, conforme o relatado pelo professor antes de começar a
aula, os estudantes tiveram como tarefa filmar com a câmera dos seus smartphones,
durante o trajeto da escola para casa (e/ou vice-versa), situações, pessoas e lugares. Cada
exercício deveria ser armazenado no Google Drive121 da turma para que todos soubessem o
que estava sendo filmado ao longo da semana. Graças a isso, tive a oportunidade de ver
cada exercício, antes mesmo de conhecer seus autores. Nesses exercícios, atravessados por
referências às “vistas Lumière”, notou-se a forte presença das estações de trem, de diversas
praças, de diferentes tipos de ruas, dos trabalhadores em serviço ou se deslocando para ele.
Voltando à aula, a proposta do dia era analisar cada exercício realizado, com
atenção ao fato de que as filmagens seriam realizadas em grupo122. Para isso, o professor
Lluís expôs cada filmagem produzida e analisaram minuciosamente com a finalidade de
recolher pistas para que o transformasse em um Minuto Lumière, pois o material
compartilhado no Google Drive se tratava apenas de uma experimentação. Era o esboço de
uma ideia para o Minuto. Assim, na conversa com os alunos, Lluís apresentou o primeiro
Minuto-ensaio intitulado Pastisseria123. Nele, foram feitas várias tomadas para testar
enquadramentos e ângulos: câmera em diagonal, pasteleiro de costas, de frente, entrando
no quadro, saindo do quadro. No final, acharam que o melhor plano terminaria com a saída
do pasteleiro do campo. No entanto, para a filmagem desse Minuto, a equipe seria
reduzida, para caber no pequeno espaço da Pastisseria, contendo apenas o diretor e o
sonoplasta.
saída do barco, Carmaux, resfriamento do carvão, Praça de Cordeliers de Lyon, Panorama do Grande
Canal de Veneza, Panorama da chegada do trem na estação Perrache (Lyon), Panorama do Porto de
Barcelona, Panorama do Como do Ouro (Constantinopla/Istambul), Panorama de subida da Torre Eiffel,
Exposição Universal de 1900: vista da passarela móvel (Paris), Banho de Cavalo (México), Fábrica em
Ciotat, Exercícios de resgate (Belfast), Cultivo, Gravação de um filme: carros de competição adornados em
Paris.
121
O acesso inicial aconteceu via coordenadora do projeto Cinema en Curs, na mesma semana em que
comecei na escola. Por meio dessa plataforma de armazenamento, compartilhamento e sincronização de
arquivos – que pode ser acessado a partir de qualquer computador ou outros dispositivos compatíveis, desde
que conectados à internet –, tive condições de acompanhar os diversos exercícios (com o Minuto Lumière)
realizados ao longo das oficinas.
122
Segundo as recomendações do Cinema en Curs, todas as rodagens dos Minutos são realizadas em equipe,
incluindo um estudante-diretor/câmera, um estudante-assistente de direção, um estudante-sonoplasta e um
estudante-fotógrafo.
123
Em português, Pastelaria.
136
124
Em português, Cozinha.
125
Em português, Caminhoneta. Mas, nesse caso específico, a identificação mais rápida do veículo seria com
um furgão.
126
Em português, Fábrica têxtil.
137
momento dos comentários. Invariavelmente, o ensaio era visto, revisto e interrompido para
ponderar sobre algum detalhe.
Quando todas as possibilidades de decomposição do Minuto pareceram esgotadas,
o professor prosseguiu com questões logísticas, isto é, a organização de cada equipe para a
filmagem. Nesse tópico, cada grupo de trabalho deveria considerar as possibilidades
concretas da filmagem. Retornar aos lugares, estudando o melhor momento do dia (manhã?
Tarde? Noite?); contatar as pessoas (e/ou instituições) para solicitar autorização e consultar
se haveria disponibilidade para que a equipe estivesse no local com uma hora de
antecedência e; prestar atenção se a situação observada apresentava periodicidade. Diante
dessas tarefas, os estudantes tiveram o prazo de um mês para a verificação desses
elementos, em paralelo às oficinas de curta-metragem desenvolvidas nas sessões com os
cineastas.
Ao longo desse mês, em conversa frequente com o professor por e-mail, tinha
notícias de como caminhavam as investigações de cada equipe. Ao longo do processo, o
contato com o gerente da Pastisseria não teve retorno positivo, pois o mesmo não
autorizou a filmagem. Com relação ao Minuto-ensaio Cuina, a resposta também foi
negativa, porque o cozinheiro estaria de férias no período de realização da rodagem. Com o
Camió, a aluna que filmou esteve um tempo ausente das aulas por motivos de doença na
família. Nesse contexto, o Minuto Fàbrica tèxtil foi o único que obteve desfecho positivo e
este será o exposto aqui.
No dia e horário previamente combinados nos encontramos na escola para irmos
juntos à fábrica. Por ficar no vilarejo El Pont de Vilomara (que não é o mesmo do
Instituto), cerca de dez minutos em automóvel, fomos juntos no carro do professor Lluís.
Ao chegar lá, com uma hora de antecedência, a estudante responsável pelo contato dirigiu-
se imediatamente ao funcionário responsável do setor (que havia autorizado a rodagem) e a
funcionária que participaria da cena apresentando o grupo de trabalho, o professor e a
pesquisadora.
Esse grupo, composto somente por meninas, começou a preparar o equipamento da
filmagem, repassando a seguinte formação: diretora-câmera (idealizadora do Minuto),
assistente de direção (que reunia tarefas de testar luz e enquadramentos juntos com a
diretora, além de registrar data, hora, locação, nome do filme e o número da fita), fotógrafa
(também responsável pelo making of) e sonoplasta (encarregada de testar o som junto com
a cineasta). Depois das verificações realizadas, tanto de equipe quanto de material, o
professor iniciou uma série de orientações à cineasta (sugerindo que circulasse pelo local
138
com a câmera na mão, a fim de experimentar ângulos e enquadramentos, bem como prestar
atenção aos detalhes da câmera, como por exemplo, ao diafragma e obturador, juntamente
com a assistente de direção); à sonoplasta (para a testagem do som nos diferentes espaços
da fábrica); à fotógrafa (para que já iniciasse os registros dessas experimentações).
Em um determinado momento, a equipe sentiu a necessidade de rever o Minuto-
ensaio realizado com o aparelho celular, para comparar o enquadramento escolhido
naquela experimentação. Testaram inúmeras vezes o mesmo enquadre, com a perspectiva
de encontrar o melhor ângulo, uma vez que a opção era filmar em diagonal. O professor
alertou para o fato de que poderia haver descompasso na cena, se a diretora não estivesse
comparando o mesmo quadro – porque ela confrontava imagens a partir de dispositivos
diferentes (smartphone e câmera analógica). A estudante-cineasta preferiu o resultado da
filmagem do smartphone do que as experimentadas com a câmera analógica na fábrica e,
para isso, empreendeu um esforço tremendo para chegar ao mesmo posicionamento,
ângulo, altura e iluminação que havia capturado no mês anterior.
Quando a questão de enquadramento e posicionamento de câmera estava resolvida,
a equipe se deteve em solucionar o problema da iluminação. Como o espaço tinha pouca
luz, foi necessário ajustar a câmera. Para isso, realizaram testes com uma folha de ofício
para ajustar o balanço de cores entre os recursos de automático, branco ou azul. Depois
desses ensaios, optaram pelo automático. No que diz respeito ao som, buscaram o melhor
local para o posicionamento do microfone para abafar um pouco do ruído da fábrica, sem
descaracterizar o local. Após todas essas verificações, testaram a cena do Minuto, ainda
sem a fita na câmera.
Cronometraram o tempo que a máquina embobinadora de linhas levava para
atravessar um canto ao outro do quadro – o que levaria mais de um minuto só nesse
movimento. E, como o que importava era dar mais movimento a cena, optou-se por
começar a partir de um ponto central para que a funcionária pudesse entrar no plano. Ao
conversar com ela, houve uma interferência no sentido de pedir que em vez de carregar
dois rolos de linha, carregasse três, solicitando que a sua entrada acontecesse a partir do
vigésimo segundo, sendo devidamente avisada pela equipe.
Fita introduzida na câmera. O Minuto foi realizado. Após o nervosismo das alunas,
para que tudo desse certo, a diretora do Minuto não pareceu muito contente. De antemão já
mudaria alguma coisa. Se pudesse, se a metodologia permitisse, ela confirmou que faria
outro, mas o exercício com o Minuto Lumière não permite filmar de novo. No decorrer da
conversa com a equipe, o resultado foi positivo. Todos gostaram do que fizeram. Todos os
139
gestos de atenção com o Minuto, com o espaço da fábrica, com a câmera e com a equipe
foram percebidos nesse momento de preparação e execução do Minuto Lumière.
Fim do Minuto. Deixamos a fábrica, em direção à escola. Despedimo-nos (alunos,
professor e pesquisadora) no pátio da escola, após a combinação de seguirmos nos falando
por meio das plataformas digitais. Caminhei em direção à estação de trem da cidade de
Sant Vicenç de Castellet e retornei a Barcelona. Da mesma maneira que, para Larrosa
(2014b, p. 39), “um filme (ou uma pesquisa) está feito de presenças, [e] também de
distâncias”, o tempo de espera entre o dia de filmagem na fábrica e o exato momento em
que assisti ao filme, foi um tempo de aproximações e distanciamentos com os gestos,
presenças, imagens, sons, palavras e sensações da experiência de estar com os estudantes
(e o professor Lluís) na produção do Minuto Lumière.
Durante essa espera, debrucei-me sobre os documentos do Cinema en Curs, assisti
aos filmes produzidos pelos estudantes nas edições anteriores, li e reli artigos publicados
sobre o projeto, voltei às minhas notas do diário de campo, busquei ver os filmes
trabalhados ao longo do curso 2015-2016, assisti as produções (curtas-metragens e longas-
metragens) dos cineastas127 participantes nesse ano. E, assim como no CAp-UFRJ, o gesto
de escrever revelou-se fundamental para experimentar o tempo – medido e desmedido –
do estar sendo pesquisadora (observadora e participante).
127
O curso 2015-2016 contou com a presença dos seguintes cineastas: Mercedes Álvarez, Teresa Arredondo,
Pablo Baur, Meritxell Colell, Jaione Camborda, Felipe Correa, Raquel Cors, Marcos Florez, Verònica Font,
Lluís Galter, Alex García, Pablo García Pérez de Lara, Pep Garrido, Daniel Lacasa, Jordi Morató, Nely
Reguera, Guillermo Salinas, Ángel Santos, Ana Serret, Carla Simón, Guillermo Söhrens, Jonás Trueba,
Gonzalo Verdugo e Javier Zoro.
140
O fragmento acima é do filme brasileiro Viajo porque preciso, volto porque te amo
(2009)128. O filme é construído em primeira pessoa, com planos subjetivos e a câmera está
o tempo todo com a personagem. Da personagem, só ouvimos a voz (do ator Irandhir
Santos). Viajo porque preciso, volto porque te amo vai se construindo na relação com o
tempo e com o processo da personagem. Estar na estrada, deslocando-se por lugares e não
lugares, revela os momentos de busca de uma viagem duplamente exploratória: do terreno
para a transposição das águas e de si mesmo – o que é percebido nos momentos de deriva
da personagem quando relata detalhes técnicos geológicos e tece comentários sobre as
paisagens, pessoas e a sua condição de trabalho.
128
O road movie de Karim Aïnouz e Marcelo Gomes traz a história de José Renato, geólogo, que é enviado
para realizar uma pesquisa de campo pelo sertão nordestino brasileiro, cujo objetivo é avaliar o possível
percurso de um canal que será construído, desviando as águas do único rio da região. Muitos dos lugares que
José Renato percorre serão submersos e os habitantes serão desapropriados. Cada dia da sua viagem é
registrado em um diário de bordo que apresenta tanto os dados geológicos da região quanto os aspectos
subjetivos da personagem. Ao longo do percorrido, ele percebe que possui muitas coisas em comum com as
pessoas e os locais por onde passa, desde a sensação de solidão e abandono, até o isolamento, o que torna a
viagem cada vez mais penosa.
141
Assim como nesse road movie, essa pesquisa continua com o “pé na estrada”.
Daqui em diante, seguiremos na interlocução com as pistas apontadas (e reveladas) durante
o percurso dessa viagem investigativa. Um pouco dessas ressonâncias já foram anunciadas
no “Plano detalhe: experiências em cena”, mas trazemos para esse capítulo os Minutos
Lumière de cada experiência (Rio de Janeiro e Barcelona) e, o que os exercícios com os
Minutos podem dar a ver da materialidade educativa, sem perder de foco as formas de
fazer e de se relacionar com o mundo. Desse modo, esse capítulo trata de identificar e
caracterizar os gestos pedagógicos dados a ver através do Minuto.
Cabe ressaltar que, os dois Minutos Lumière destacados na tese, foram elaborados
de acordo com todas as etapas mínimas de produção de um filme: preparação, filmagem e
finalização. Evidentemente, não tínhamos a pretensão de aprisionar (ou engessar) o
processo de criação dos estudantes, mas seria importante acompanhá-los durante essa
trajetória. Tanto foi assim que, ao longo do plano detalhe, os apontamentos sobre as
experiências mostraram os diversos Minutos produzidos, como forma de exercício. Esta
opção, por percorrer junto com os alunos as fases da produção cinematográfica, se deve ao
fato de perceber a pertinência do planejamento tanto para docentes quanto para discentes.
A forma de narrar os dois Minutos Lumière, em que optei pelo exercício da escrita,
no diálogo com a imagem em movimento, está em consonância com as demais sequências
descritas, a partir dos trechos fílmicos previamente selecionados e apresentados ao leitor
no princípio de cada capítulo dessa tese. Mais do que relatar uma história, ou uma sucessão
de fatos encadeados, os fragmentos destacados buscam expor uma forma de relação com o
filme, uma maneira de experienciar determinada sequência de imagens. E foi com essa
lente subjetiva que busquei compor a relação educativa com o cinema, em primeira pessoa
(a partir daqui), em primeiro plano.
O quarto capítulo caracteriza o que há na escola para se vê, na aproximação com o
cinema; o que esse espaço público do aprender e do tempo livre, por meio do exercício
Minuto Lumière, pode revelar para nós professores-pesquisadores dos gestos pedagógicos.
142
Os dois alunos do Ensino Médio, um menino e uma menina, com quinze anos cada
um, optaram pela produção do Minuto Lumière em dupla. Um, queria marcar a presença
da natureza na parte externa da escola, outro queria acentuar a presença do sol dentro da
sala de aula. Juntos escolheram uma sala no segundo andar da escola e posicionaram a
câmera de frente para uma janela fechada, em plano médio, que se abria lentamente (por
um dos alunos da equipe de filmagem). Ao abrir a janela, a grade externa posicionada
verticalmente contrasta com o movimento de abrir em horizontal. Em poucos instantes, a
luz do sol surge no canto esquerdo do quadro, na altura de um prédio residencial que fica
de frente para a janela e nos deparamos com uma luminosidade estourada. Com a janela
toda aberta, a luz do sol fica mais branda e parece compor com outros elementos: edifício,
duas árvores (uma no canto esquerdo do quadro e outro em profundidade do campo
direito), carros estacionados na rua, pessoas caminhando no sentido oposto dos carros que
se movimentam pela pequena rua. Um homem e um menino atravessam todo o nosso
campo de visão (da direita para a esquerda) até desaparecer por entre o verde das folhas da
árvore. No exato momento em que esses dois deixam o quadro, o vento (de maneira leve e
sutil) impõe a sua presença diante dos nossos olhos, opondo-se a imagem rígida das grades
verticais que marcam a divisão entre a escola e a rua. A separação do que se passa fora, do
que acontece dentro. E, antes que ousemos questionar essa fragmentação, um pedaço da
janela começa a deslizar em um movimento da esquerda para a direita, juntando-se ao
outro que vem em movimento oposto. Os raios do sol se escondem no mesmo momento
em que as árvores se camuflam. Em um esforço, a última fresta da janela – que se recusa a
fechar de maneira suave –, anuncia que estamos do lado de dentro. E assim, voltamos
todos à escola.
129
Minuto Lumière produzido pelos estudantes do Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, na cidade do Rio de Janeiro (Brasil), dentro do projeto CINEAD/LECAV. Disponível no website
http://cinead.org/.
143
Quatro alunas, quinze anos cada uma, juntas produziram o Minuto. No entanto, em
funções diferenciadas: câmera/diretora, assistente de direção, operadora de som/sonoplasta,
fotógrafa (making of). Todas trabalharam juntas. Todas decidiram em conjunto. O plano
inicia em ângulo diagonal enquadrando as lâmpadas superiores do galpão da fábrica de
tecidos (único foco de iluminação do local), uma máquina embobinadora de linhas e dez
pinos de rolo de fios. A máquina segue em movimento do campo direito para o esquerdo.
O ruído desse movimento de vai e vem é quase ensurdecedor. Após vinte segundos, em
que apenas acompanhamos o ambiente da fábrica e nos familiarizamos com o som e tipo
de atividade desenvolvida, uma funcionária jovem entra pelo canto esquerdo da tela, com
três grandes rolos de fio nas mãos. A máquina continua trabalhando, no fundo da cena,
enquanto a moça distribui os rolos de fio ao longo de uma bancada de aço, situando-se em
primeiro plano, em um movimento inverso ao do equipamento. A pouca iluminação do
ambiente, a distância da câmera, em composição com a vestimenta opaca da moça, não nos
permite observar os detalhes dessa bancada. Após espalhar os rolos sobre a bancada, a
trabalhadora chega ao canto direito do quadro, tira uma tesoura do bolso do casaco e
começa a cortar as pontas emboladas dos fios de cada rolo, conectando-os com outros
pinos apoiados na parte superior da bancada. O Minuto acaba com a moça no ponto central
do quadro – não nos deixando esquecer em que local estamos: uma fábrica de tecidos. Ou,
como destacam as estudantes-cineastas, Un lloc fred .
130
Minuto Lumière produzido pelos estudantes do Institut Castellet, Sant Vicenç de Castellet, região
metropolitana de Barcelona (Espanha), dentro do projeto Cinema en Curs. Quando a equipe editou o Minuto
para a inclusão dos créditos, a estudante-diretora decidiu alterar o nome do Minuto de Fàbrica têxtil para Un
lloc fred (em português Um Lugar Frio). Disponível em: http://www.cinemaencurs.org/ca/post-diari/minut-
lumiere-un-lloc-
fred?text=¢er_nid=&&&process_phase[27]=27&exchange=0&author_uid=0&author_name=&film_nid
=0&is_highlighted=0&film_title=&order=created&direction=DESC&limit=24&all_centers_from_land_50=
0¢ers_from_land_50[50]=50&all_centers_from_land_51=0&&all_centers_from_land_52=0&&all_cent
ers_from_land_54=0&&all_centers_from_land_53=0&&all_centers_from_land_2715=0&&all_centers_fro
m_land_2908=0&
144
131
Para uma leitura mais detalhada de cada gesto elencado sugerimos consultar o artigo “Formação de
professores e atividades na escola: algumas ideias”, disponibilizado no seguinte sítio eletrônico:
http://www.cinead.org/files/curriculo_cinema.pdf
148
Hoy se habla demasiado de una educación para todos, pero en ése Todos
sin excepción – donde se marca en demasía lo substantivo, lo mayúsculo,
otra vez la totalidad- no parece caber un cualquiera: cualquier niño,
cualquier niña, cualquier joven, en fin, cualquier otro, con cualquier
cuerpo, cualquier modo de aprender, cualquier posición social, cualquier
sexualidad, en fin: cualquier cualquiera. Lo que quiero decir es que hay
la pretensión de un gesto siempre desmesurado, siempre excesivo en esa
enunciación del “todos” y nos faltan, nos hacen falta, hacen falta los
gestos mínimos para educar. Para educar a cualquiera132 (SKLIAR, 2011,
p. 17).
Com o intuito de dar a ver os gestos pedagógicos, na relação dos professores com
os estudantes, trazemos o bem púbico cinema para dentro da escola, uma vez que revelam,
também, a dimensão ética e estética tanto do campo educação quanto do campo cinema-
educação. O ato pedagógico por excelência na escola é baseado no princípio da igualdade,
é para todos (não no sentido abstrato e universal), mas no sentido do qualquer um, para
“educar um qualquer” (SKLIAR, 2011).
Em se tratando de gestos, as considerações de Vilém Flusser133 na obra Los Gestos:
fenomelogía e comunicación tornam-se pertinentes. A primeira definição de gesto proposta
pelo autor é de que como “movimiento del cuerpo, o de um instrumento unido a él, para el
que no se da ninguna explicación causal satisfactoria”134 (1994, p. 8). Ainda que tentemos
dar “explicações” para cada gesto, como se eles fossem puros, ou gestos em si mesmos,
não podemos esquecer que estão entremeados por diversos padrões socioculturais. Como
desdobramento,
132
“Hoje falamos muito em uma educação para todos, mas que esse Todos sem exceção – onde se marca em
demasia o substantivo, o maiúsculo, outra vez a totalidade – não parece caber um qualquer: qualquer menino,
qualquer menina, qualquer jovem, enfim, qualquer outro, com qualquer corpo, com qualquer modo de
aprender, qualquer posição social, qualquer sexualidade, enfim: qualquer qualquera. O que quero dizer é que
há a pretensão de um gesto sempre desmesurado, sempre excessivo nessa enunciação de "todos" e nos faltam,
não fazem falta, fazem falta os gestos mínimos para educar. Para educar qualquer um”. Tradução nossa.
133
Vilém Flusser (1920 - 1991), autodidata filósofo e escritor tcheco-brasileiro, pioneiro no campo da teoria
da mídia e da comunicação. A versão da obra Gestos é escrita originalmente por Flusser em português. O
pensador, segundo contam, costumava escrever e reescrever todos os seus textos em quatro línguas, nessa
ordem: alemão, português, inglês e francês.
134
“como movimento do corpo, ou de uma ferramenta a ele unida, para o qual não existe nenhuma
explicação causal suficiente”. Tradução nossa.
149
135
“os gestos são movimentos corporais, em que se manifesta a existência. Por ele, pode-se deduzir como
está o gesticulante no mundo. E isso é certamente possível, porque a pessoa que gesticula está convencida de
realizar livremente os seus movimentos, mesmo sabendo que, como qualquer movimento, eles estão também
condicionados”. Tradução nossa.
136
“Roçar, arranhar uma superfície”. Tradução nossa.
137
“Inscrições”. Tradução nossa.
150
Assim, o movimento de compor este texto com palavras que, por vezes me faltam,
anuncia de que lugar falo, bem como expressa o desejo de pertencimento às classes dos
poetas e tontos [que] se compõem com palavras, no intuito de contribuir com diferentes
sentidos e olhares sobre as práticas pedagógicas. Com o único amparo de que “escribir
significa abandonarse al poder mágico de las palabras, manteniendo no obstante un cierto
control sobre el gesto”138 (FLUSSER, 1994, p. 36).
Inevitavelmente, lembrei-me de Foucault (2010), em uma entrevista de 1978,
concedida ao jornalista italiano Duccio Trombadori, em que comentou sobre o processo de
transformação do escritor e do leitor. Segundo ele, os seus livros são escritos de
“experimentador” mais que escritos teóricos, por isso assumem caráter transformador,
aptos a se conectarem com alguma prática coletiva, porque são construídos a partir de uma
experiência pessoal que permite uma modificação do autor e dos leitores, desconstruindo
formas tradicionais de pensar, evitando todo caráter prescritivo. Ao definir suas obras
como “livros-experiência”, opondo-se aos “livros-verdade”, Foucault (2010) traz à tona
problematizações sobre o que se considerava verdadeiro (em algum campo específico do
saber e em determinado momento histórico), produzindo transformações tanto em quem
escreve como em quem lê.
Nessa entrevista, Foucault (2010) parte da noção de experiência para conduzir um
fio que liga múltiplos aspectos da sua trajetória intelectual e pessoal, imbricado no
contexto histórico da intelectualidade francesa à época. Essa entrevista evidencia as
experiências-limite – porque transformam subjetividades – vivenciadas por ele a partir da
leitura de Friedrich Nietzsche (1844-1900), Georges Bataille (1897-1962) e Maurice
Blanchot (1907-2003) e do desejo de que seus livros tivessem esse tipo de efeito (para si e
para os leitores). Se para o escritor francês a experiência tanto arrebata o sujeito de si
mesmo quanto modifica as relações (históricas, teóricas, morais, éticas e estéticas); a
138
“Escrever significa abandonar-se ao poder mágico das palavras, mantendo, no entanto algum controle
sobre o gesto”. Tradução nossa.
151
Quando Godard escreve uma carta, é num belo papel. Ele adora a
papelaria, a escrita como grafismo. Ele tem uma bela letra. Quando
Godard faz um envelope, trata-se de um objeto. Ele é bastante artista com
sua mão. Um roteiro de Godard é algo muito bem cuidado. Ele coloca
muito trabalho na escrita. Mesmo quando ele escreve três palavras, é
bom. Respeitar a escrita é isso. Ele não a toma apenas como um veículo.
A escrita, para ele, é algo concreto, visível. É necessário que ela seja bem
feita. Godard é um louco pela papelaria. Ele tem um prazer todo material
de escrever (COUTINHO, 2007, p. 101).
Esse “prazer material pela escrita” de Godard potencializa o gesto de escrever nessa
investigação, ao manifestar autoridade não somente porque através dele essa tese se
constrói e torna-se visível, mas, especialmente, porque os trabalhos escritos em parceria
com a professora da escola de cinema do CAp-UFRJ (ano 2015) apresentados em eventos
do campo da educação e do cinema-educação, como também os artigos tecidos
coletivamente na ocasião do doutorado sanduíche; convertem-se em materialidade. Além
disso, o gesto de escrever, como exercício do pensamento e sistematização dos registros,
demanda um gesto pedagógico primoroso – que é o de avaliar (e de autoavaliação) durante
o processo. Nessa perspectiva, “si la experiencia, que no es la vivencia, busca ser pensada
y expresada, la escritura es pasaje, puente, mediación, traducción entre vivir y pensar”139
(CONTRERAS e PÉREZ DE LARA, 2010, p. 81)
Como exercício docente indispensável, a avaliação orienta o trabalho do professor e
o estudo dos alunos, com base nos objetivos propostos. Ela está presente desde o princípio,
quando desejamos conhecer um pouco mais dos nossos estudantes, no sentido do
conhecimento pedagógico (o que já sabem ou querem saber), conforme podemos perceber
no primeiro exercício realizado no CAp-UFRJ em que na interlocução com o
“Autorretrato” produzido por cada aluno, tivemos a oportunidade de considerar cada caso.
139
“Se a experiência, que não é a vivência, busca ser pensada e expressada, a escrita é passagem, ponte,
mediação, tradução entre viver e pensar”. Tradução nossa.
152
materiais audiovisuais. A escola, por meio do Minuto Lumiére (e que poderia ser qualquer
outro exercício), é capaz de provocar interesse por alguma coisa, descentrando do aspecto
ensimesmado do estudante – que se aproxima da relação pedagógica explicitada na obra
Mestre Ignorante, onde a autoridade educativa está no objeto (livro, câmera, exercícios
etc). Para Rancière (2002), a forma a qual o professor se aproxima do objeto, a maneira
pela qual se faz presente na relação entre o objeto (de estudo) e o estudante, “liberando a
inteligência” do aprendiz para que se conecte com a matéria e, concentrando a atenção
nela, insista, pense, construa o seu próprio caminho; sempre na companhia do mestre – que
estará junto durante o percurso.
Sabendo da potência do objeto de estudo, dessa terceira coisa, que pode ser
estrangeira tanto ao mestre como ao aprendiz, no sentido da alteridade, do outro que se
coloca de forma inédita diante de nós (docentes e discentes) – como podemos pensar com
o cinema. Pois, mesmo que o professor conheça o que está sendo colocado em jogo, até
porque o planejamento foi construído por ele, não há uma relação em que o aluno recebe
passivamente as informações e explicações. Diante de um filme, por exemplo, embarcamos
juntos em uma aventura pedagógica com essa terceira coisa que nos “conduz para fora”
(MASSCHELEIN, 2003), ao gerar uma suspensão de si, despertando um interesse para
algo distinto de nós mesmos.
No momento que voltamos à escola, pelas lentes do Minuto Lumière do CAp, após
o movimento de fechar a janela que suaviza a entrada dos raios do sol dentro da sala de
aula, sentimos o quanto a escola pode oferecer tempo livre aos estudantes. Tempo livre
para criação, suspensão das previsibilidades e do uso mercadológico do tempo. Tempo
liberado para pensar, olhar com atenção, se demorar sobre uma matéria de estudo que pode
não servir para nada, segundo a lógica neoliberal.
Esse tempo desonerado (ou de uma “inteligência liberada”) para que o estudante
“dê voltas ao pensamento”, é tangível no Minuto Lumière Un lloc fred, do Institut
Castellet. O fato de esse Minuto ter sido filmado em uma fábrica de tecidos, focando
apenas uma parte do trabalho realizado nesse local, traz à tona toda uma discussão
elaborada em torno do binarismo temporal ocupado e ocioso e, consequentemente, tempo
do trabalho e tempo do lazer que por muito tempo o cinema se dedicou (ou dedica).
Segundo Hée (2016, p. 40), “el privilegio que se concede a la salida del trabajo
seguramente tiene que ver con la posición ideológica del cine, que mayoritariamente es
155
140
“O privilégio que se concede a saída do trabalho certamente tem a ver com a posição ideológica do
cinema, que principalmente é veículo de um discurso progressista de emancipação que gosta de denunciar a
escravidão”. Tradução nossa.
156
Por ser um gesto extremamente complexo, Flusser (1994) tenta decompor o gesto
de fazer de uma maneira simples: “ambas manos se extienden hacia el mundo de los
objetos. Agarran un objeto y lo arrancan de su entorno. Presionan por ambos lados sobre el
objeto y cambian su forma”141 (FLUSSER, 1994, p. 52). Com essa definição, o autor traz
a atenção para as mãos. Para as mãos que desejam, ao manipular o objeto, em uma relação
de interesse com ele, encontrar-se e encontrá-lo. Jogando com o objeto câmera, entre as
mãos, a curiosidade se impõe (tanto pelo dispositivo quanto pelo mundo), porque “cada par
de manos tiene una forma y manera específica de moverse en el mundo”142 (Idem, pp. 60-
61).
Ao relacionar com o gesto de fazer, no contato com os objetos, como por exemplo,
uma câmera de filmar ou fotografar, podemos pensar sobre o que temos “entre as mãos”, o
que fazemos com o que temos entre elas, buscando estabelecer um vínculo ao mesmo
tempo em que já desenhamos uma forma (ou ideia) de dar sentido a esse objeto – o que
antecede, consequentemente, o gesto de produzir. À primeira vista, esse vínculo com o
objeto parece passivo, mas quando tiramos “el objeto en cuestión de su contexto para
ponerlo en outro”143 (FLUSSER, 1994, p. 57), o que antes assemelhava-se a uma inércia,
começa a reagir. O “material bruto” sofre alterações e percorre caminhos previstos e
imprevistos. No caso da câmera, um dispositivo formado
141
“Ambas as mãos se estendem ao mundo dos objetos. Agarram um objeto e o arrancam do seu ambiente.
Pressionam sobre ambos os lados do objeto e alteram a sua forma”. Tradução nossa.
142
“Cada par de mãos tem uma forma e uma maneira específica de mover-se no mundo”. Tradução nossa.
143
“o objeto em questão do seu contexto para colocá-lo em outro”. Tradução nossa.
144
“por um ‘corpo’, suporte de vários controles, um ‘depósito’ (ou gravador-leitor), uma ‘lente fotográfica' e
a partir dos anos vinte um ‘sistema de enquadramento’, que permite ver (‘visor reflex’ ou controle da tela) ou
decifrar (colimador) o que será a imagem gravada”. Tradução nossa.
157
145
“Isto vale para qualquer gesto humano, mas se aplica especialmente ao gesto do fotógrafo. O gesto do
fotógrafo é um gesto filosófico; ou, dito de outra forma: desde que se inventou a fotografia é possível
filosofar não somente no meio ambiente das palavras, mas também no das fotografias. Isso ocorre porque o
gesto de fotografar é um gesto de ver”. Tradução nossa.
146
“combinar fenômenos que ainda não ocorreram em uma forma ainda não determinada, e assim fazê-los
transcorrer. Isso significa não só contar algo que ocorreu ou que poderia ter acontecido, mas fazê-lo que se
desenvolva agora o que poderia ocorrer: pode antecipar o futuro, não como uma utopia ou ficção científica,
mas como um acontecimento presente. Pode, por conseguinte, fazer história no primeiro sentido, e não
apenas no segundo. Pode não somente relatar algum evento (possível ou verdadeiro), mas que também pode
fazer um acontecimento”. Tradução nossa.
158
dispositivo o qual os estudantes realizam o Minuto Lumière, com o gesto escolar cotidiano
em que colocamos “entre as mãos” dos nossos alunos diversos objetos para que possam
encontrar a sua forma de estar, mover e criar no mundo. Na relação com a câmera, com o
livro, com a Língua (Portuguesa ou estrangeira), com o tubo de ensaio, com o microscópio,
com o pincel, com o mapa, entre tantos outros materiais escolares, em que buscamos
formas de iniciar aqueles que são novos no mundo, por nascimento, no sentido arendtiano
de natalidade.
Ainda no diálogo com Flusser (1994), o gesto de fazer, que se estende no gesto de
produzir (seja uma fotografia ou um filme), implica, em última e primeira instância, um
gesto de amor, com a manutenção e continuidade do mundo, na corresponsabilidade (entre
os que já estavam e os recém-chegados) que se desdobra no gesto de oferecer. Em primeira
instância porque, como professores, oferecemos algo do mundo que está entre nossas mãos
para que os alunos possam experimentar uma relação com esse objeto. Em última instância
porque, estando já nas mãos dos alunos, eles têm a oportunidade de apresentar a outros
também, encerrando, portanto, o gesto de fazer ao abrirem suas mãos para entregar aos
demais. Em função disso, cremos, ainda, que “el gesto de ofrecer es un gesto político. Es el
gesto de apertura”147 (FLUSSER, 1994, p. 67).
Nesse movimento, quando oferecemos algo do mundo para nossos estudantes,
fazemos isso por amor ao mundo e por amor a eles. Amor no sentido do exposto e versado
na obra Em defesa da Escola, amor “em pequenos gestos ordinários, em certos modos de
falar e de escutar” (MASSCHELEIN e SIMONS 2014b, p. 76). Essa ideia de professor
amador (amateur) que se expressa no amor à matéria e, que por amor a ela, é capaz de
despertar o interesse dos alunos, trazendo-os ao presente, convocando-os à atenção para
um assunto do mundo.
147
“o gesto de oferecimento é um gesto político. É o gesto de abertura”. Tradução nossa.
159
que é de qualquer um, para ser apreciado por todos, porque “algo presentado como una
cosa en común es algo que el maestro no posee, algo que invita a uno a mirar, a pensar y a
hablar. Permite a los estudiantes utilizar su inteligencia bajo la absoluta autoridad de la
voluntad (estar atento)”148 (CORNELISSEN, 2011, p. 64).
No precioso momento em que decidiram apertar o botão rec da câmera para a
rodagem do Minuto Lumière Un lloc fred, enquadrando as lâmpadas do galpão da fábrica
de tecidos no campo superior da tela, cujo ponto central oscilava ora entre a máquina
embobinadora de linhas e os dez pinos de rolo de fios, ora a funcionária; percebemos que o
olhar daquela estudante (para o mundo) era mediado pelas lentes da filmadora. Dispositivo
que, naquele momento, sintetizou o interesse, a atenção, a prática e o estudo. Sim, existia
um dispositivo. Um artefato através do qual pude presenciar a relação estabelecida entre a
estudante e o mundo – o que do mundo (a aluna) havia escolhido para olhar com mais
atenção. O exercício com o Minuto Lumière não seria também uma materialidade escolar?
No sentido de que coloca algo do mundo, um assunto comum, para que os alunos
experimentem, estudem e pratiquem.
Recordando a aula em que realizaram coletivamente a análise do Minuto, em que o
professor fazia referência aos exercícios realizados nas oficinas anteriores, trazendo à
presença esses exercícios para ver e rever os ângulos testados e escolhidos; torna-se
oportuna uma aproximação com o gesto de buscar/pesquisar. Enquanto tarefa escolar
cotidiana, podemos incluí-lo como exercício característico da relação entre docentes e
discentes. Ambos realizam essa atividade com frequência.
No que concerne o gesto pedagógico de buscar/pesquisar, notamos que ele está
atrelado a outros, se faz na relação com muitos outros, facilmente identificáveis nas
atribuições docentes de selecionar conteúdos (conhecimentos). O que elegemos como
componente curricular importante para determinado contexto, como editamos e/ou
montamos, como organizamos em nossas ações pedagógicas, expressam a nossa forma de
relação com o mundo e nossa perspectiva de educação. Quando escolhemos um assunto
para “colocar na roda”, fazemos isso como quem “monta” um filme.
Buscamos/pesquisamos o que do tema poderá despertar o interesse dos alunos e o que esse
tópico revelará sobre as distintas maneiras de estarmos no mundo.
148
“algo apresentado como uma coisa em comum é algo que o professor não tem, algo que convida a olhar,
pensar e falar. Permite que os alunos usem sua inteligência sob a autoridade absoluta da vontade (estar
atento)”. Tradução nossa.
160
Ainda que saibamos das tensões e disputas materializadas dentro e fora das escolas,
com o que entra ou não no currículo escolar, expressas em Projetos de Leis, propostas de
reforma curriculares, debates públicos (e às vezes privados) em torno das necessidades
formativas, o que gostaríamos de destacar é o que Masschelein e Simons (2014b) nomeiam
de “amor pelo assunto” que se desdobra em um amor pelo mundo (e sua partilha). De
salientar o profundo amor que o professor tem (ou pode ter) por uma materialidade do
mundo, organizada na escola em forma de disciplina, o qual o faz desejar compartilhar
com crianças, jovens ou adultos.
O que se manifesta através da expressão de amor à matéria cinematográfica (ou
poética, musical, histórica, geográfica etc) na hora de escolher e montar os conhecimentos
que serão colocados diante dos alunos. Na forma como me relaciono, como me exponho
inteiramente na presença da matéria e dos estudantes, sem esquecer a minha
responsabilidade com o mundo (e com os próprios alunos), como apresento esse assunto
“recortado” em que contextualizo com a finalidade de apresentar uma parte dos
conhecimentos socialmente produzidos, sem com isso diminuir o conflito que existe na
seleção destes, tornando públicos os critérios utilizados – inclusive evidenciando-os,
porque sabemos que não há neutralidade e, de acordo com a assertiva radical de Flusser
(1994, p.195): “todos nuestros gestos (nuestros actos y nuestros pensamientos) están
estructurados por la investigación científica”149.
Essa radicalidade advém do fato de que, para o escritor, o gesto de buscar não
deveria servir de modelo para outros gestos, porque está delineado pelo método científico
e, o lugar ocupado pela investigação científica em nossa sociedade encontra-se em
contradição com a investigação mesma. A tese desenvolvida por Flusser (1994) e, exposta
no último capítulo da obra Los gestos, é de que se há uma crise dos gestos, está baseada em
uma crise da ciência. Segundo ele, a experiência concreta no mundo, de estar no mundo,
seria a base fundante desse gesto, visto que, “es más bien un punto de partida ‘estético’, si
traducimos el griego aistheton por ‘experiencia’ y aisthesthai por ‘experimentar’”150
(FLUSSER, 1994, p. 205). Por isso o conceito de experiência nessa tese, bem como o
próprio caminho investigativo assumido como experiência, é uma potente contribuição
para se pensar a educação e, consequentemente, os gestos pedagógicos.
149
“todos os nossos gestos (nossos atos e nossos pensamentos) estão estruturados pela investigação
científica”. Tradução nossa.
150
“é mais um ponto de partida ‘estético’, se traduzirmos o grego aistheton por ‘experiência’ e aisthesthai
por ‘experimentar’". Tradução nossa.
161
151
“e, enquanto investigação, esta exploração, embora promova um saber pessoal, também visa tornar-se
pública além de mim. Enquanto que investigação pública, a pergunta é a relação entre a encarnação do saber
e seu potencial significado mais além de mim: o que revela minha exploração que vale a pena compartilhar;
como participar da conversa pública do conhecimento compartilhado, do conhecimento que circula e nos
alimenta mutuamente?” Tradução nossa.
162
152
“atenção é sempre dirigida para alguma coisa. Rancière tenta sublinhar o fato de que existe uma relação
particular entre alguém que está atento e as coisas as quais presta atenção, ou entre o professor atento e o
material de ensino”. Tradução nossa.
163
153
“é um estado de ânimo particular, uma atitude que precisa ser exercida repetidamente”. Tradução nossa.
154
“Tais situações, que são em certo sentido, experimentais, parecem pedir um uso particular da inteligência
que interrompe a ordem pedagógica”. Tradução Nossa.
155
“o modo mais frequente de exercitar-se é a repetição: ler e reler um livro, assistir a um filme várias vezes,
escrever e reescrever, fazer exercícios mnemotécnicos e traduzir”. Tradução Nossa.
156
“Jacotot parece se referir a circunstâncias que permitem que um se libere, se desconecte ou se distancie da
lógica social. Parece falar de circunstâncias de urgências (circunstâncias experimentais) que, de uma forma
ou de outra, oferecem a possibilidade de ignorar a conexão entre a qualificação e o ato. Essa ignorância se
insinua sempre quando se atua sob o pressuposto da igualdade”. Tradução Nossa.
164
157
“aqueles eixos que nos orientam no vivido para encontrar o fio de pensamento”. Tradução Nossa.
165
5 - PLANO FINAL
Assim como em Cinemas, Aspirinas e Urubus, essa tese construída com palavras e
imagens (narradas) dos longas-metragens e dos exercícios fílmicos na escola também
chega ao fim. Temas e questões que circularam entre notas artísticas, educativas e
filosóficas, igualmente se findam. Mas, como o exercício do pensamento não encerra,
assim como novas inquietações surgem, como escrever a finalização de algo que se
apresenta como um (eterno) começar?
Nesse sentido, com o tempo, vi que as linhas que se construíam – como um
roadmovie na estrada –, revelavam mais sobre o que aprendi na relação com os professores
e estudantes nos exercícios cinematográficos, do que os resultados dessa pesquisa podem
demonstrar. Se antes havia um incômodo pela forma a qual o cinema entrava na escola, em
sua materialidade fílmica, quase exclusivamente com um sentido utilitarista (preencher
tempo, ilustrar conteúdos, premiação etc), a partir das leituras e experiências pude perceber
a sua pertinência enquanto bem comum. Pois, em cenário que os direitos não são plenos,
por vezes pode parecer privilégio estudar elementos do campo cinematográfico, ir ao
cinema, ter acesso às produções fílmicas e seus equipamentos. Mas, como produção
168
humana – assim como o campo educacional – pode ter seu livre uso e acesso
intensificados.
Com relação aos “campos da pesquisa” foi possível acompanhar o itinerário ético-
estético-político traçado para a identificação e análise do problema; os instrumentos de
pesquisa escolhidos; a fundamentação teórico-metodológica do tema; os princípios e
intenções dessa argumentação. Do plano geral ao plano subjetivo dediquei-me a pensar,
com muitos autores, sobre a possibilidade educativa de elaborar deslocamentos para
ensaiar formas sensíveis de estar no mundo, tendo como premissa que a arte
cinematográfica pode desestabilizar as instituições escolares, em consonância com a ideia
da igualdade das inteligências.
O fato de estar afastada das minhas atividades profissionais permitiu perceber
gestos pedagógicos mobilizados pelos professores na escola. Ao deslocar-me da minha
experiência docente, encontrei-me diante do outro. Nessa relação entre o “eu” e o “outro”,
em toda a sua diferença, em toda a sua potência, fui descobrindo e/ou compreendendo
novos significados para os gestos de avaliar e autoavaliar, de planejar e mapear, de
pesquisar e fazer circular (pensamentos, conhecimentos, sensações e afetos).
Nessa perspectiva, a pesquisa realizada, agora estruturada em Tese, possibilitou
identificar, através de exercícios com os Minutos, uma maneira de fazer e de se relacionar
com o mundo, no que diz respeito à materialidade educativa e, caracterizar gestos
pedagógicos que o Minuto Lumière permite na escola. Com o objetivo de dar a ver tais
gestos, destaco três nesse final.
5.1 Gesto 1
despertar a curiosidade para um tema comum, potente em sua relação com o mundo,
quando passa a interessá-los.
No caso dessa tese, por meio dos Minutos Lumière, colocamos o próprio mundo em
estudo. Isso significa que, quando convertidos em exercícios escolares, os Minutos liberam
o mundo, ou pelo menos a maneira funcionalista predominante de entendê-lo (como lugar
de aplicabilidade, com um dado a priori). O exercício com o Minuto solicita gestos
ininterruptos de estudo quando, por exemplo, alguma coisa do mundo convoca a atenção
do estudante, solicitando um olhar para fora de si mesmo – o que desestabiliza
inicialmente, pois o que está fora de alcance, apresenta-se como desconhecido. Mas, por
isso mesmo, pode ser tão fascinante.
Essa forma potente da escola em oferecer tempo livre, liberado para estudo, exige
dedicação por parte dos estudantes. Realizar o exercício com o Minuto demanda empenho,
insistência e repetição. Não se explica como fazer um Minuto, apenas orienta-se sobre as
condições e regras para fazê-lo (um minuto exato de duração, câmera fixa no tripé, um
único plano contínuo, sem alteração do foco, diafragma, obturador ou zoom do dispositivo,
sem intervenção durante a filmagem e, tampouco, filmar de novo o plano), assim como o
impacto dessas regras e condições para a criação do que hoje chamamos cinema. Uma vez
sabendo das circunstâncias, baseado em suas escolhas, em seus motivos visuais, estudos
sobre o tema que despertou interesse no/do mundo e obstinação para experienciar pontos
de vista quantas vezes forem necessárias, o estudante filma o seu Minuto.
O processo de produção do Minuto está atravessado por um estudo minucioso do
assunto. Para a filmagem é necessário levar em consideração as condições de luminosidade
(e suas variações de tonalidades de acordo com o período do dia), as circunstâncias
climáticas, a escolha do cenário, a disposição dos elementos cenográficos, o
enquadramento; do mesmo modo que reivindica exercícios de repetição para fazer com que
as coisas observadas e estudadas ao longo da preparação do Minuto apareçam no filme.
Repetir enquadramentos e ângulos até que cada detalhe esteja contemplado no plano.
Ainda assim, mesmo que ensaie e repita demasiadas vezes, o Minuto sempre estará
condicionado ao acaso, ao imprevisível de uma campainha (ou alarme) que dispare, ou um
passarinho que pouse no centro do plano. Em alguma medida só podemos inventar,
combinar, ousar outras formas de relação com o real quando aprofundamos o
conhecimento sobre ele.
Sendo assim, a forma escolhida pela escola para revelar alguma coisa que nos
vincula ao mundo, o critério pedagógico utilizado, materializa-se por meio dos exercícios
170
escolares e do estudo. Nessa perspectiva, algo acontece quando o cinema entra na escola na
condição de exercício escolar. Algo acontece quando no documentário chileno Cien Niños
Esperando un Tren, exposto na abertura do plano geral dessa pesquisa, uma professora
apresenta às crianças a materialidade da arte cinematográfica. Dispositivos confeccionados
por ela e pelos alunos, com materiais tipicamente escolares (caixa de papelão, cola,
tesoura, canetinhas, lápis de cor e papéis dos mais variados formatos e cores), como os
jogos óticos (zootropo e traumátropio) e os fotogramas desenhados em papel. Em um
determinado momento do filme a professora Alicia surge em um plano externo
acompanhada das crianças. Nesse plano, vemos uma criança dentro de um carro de
madeira (como o dos catadores de papelão), segurando a sua câmera (produzida
artesanalmente), sendo empurrado por um menino um pouco maior. Enquanto vemos essa
cena, não podemos esquecer a voz da professora que, segundos antes, contava uma
história: a história do surgimento do travelling. Nesse momento, o que aparece em foco são
as crianças experimentando esse movimento de câmera, sob o olhar atento de Alicia. Esse
documentário expõe, através dos exercícios cinematográficos convertidos em exercícios
escolares, a potência desse conhecimento, colocado no meio, posicionado entre estudantes
e professora, dando a ver um assunto comum.
Nesse sentido, quando a aula sobre movimentos de câmera ou planos
cinematográficos, se converte em assunto comum e se estabelece um jogo, o cinema
assume o caráter de “como se”. Ao experimentar planos, ângulos e enquadramentos – seja
com uma câmera analógica, digital ou de caixa de sapato – o estudante está realizando um
exercício, em que é possível dilatar o tempo, testar alternativas, experimentar espaços,
repetir demasiadas vezes, começar e recomeçar.
5.2 Gesto 2
momento as considerações apontadas quando assistiram aos filmes (dos irmãos Lumière ou
outros) que, como já mencionado no primeiro plano dessa tese, ver filmes nada tem a ver
com realizar uma análise dos signos linguísticos, mas sim colocar o cinema em “xeque”,
suspeitar, duvidar, relacionar-se com alteridades.
Ademais, a escrita pode revelar um gesto de atenção (no antes, durante e depois da
filmagem), na medida em que expressa reflexões sobre o visto e o realizado. As anotações
das impressões sobre os resultados (do que se esperava, do que realmente aconteceu e se
algo surpreendeu), por exemplo, podem ser compartilhadas entre todos os estudantes,
publicizando no espaçotempo da aula o tema destacado por cada um, explicitando o que
do/no mundo pleiteou um olhar atento e persistente.
Nesse movimento, a tríade ver-fazer-ver torna pública a relação de atenção com o
mundo. Na potência de estar (e fazer-se) presente no mundo, as escolhas ético-estéticas e,
também técnicas, anunciam que tipo de relação o estudante tem com as imagens, em
movimento ou não. A distância que separa o ato de pressionar o Rec da câmera para iniciar
a gravação do Minuto Lumière e o Play para ver o filmado, é atravessada por instantes de
espera: expectativa de que o planejado na ocasião da eleição do que dar a ver através do
Minuto aconteça, junto com a espera do momento exato para apertar o botão Rec (tempo
totalmente desmedido). Uma vez gravado, o Minuto convertido em materialidade fílmica,
revela um mundo alterado, portanto, inventado. O mundo não voltará a ser mais daquela
maneira. No entanto, ao pressionar o Play para ver o exercício, o filmado mostrará o que
foi capturado naquele instante (e que somente voltará na forma de materialidade fílmica).
A curiosidade despertou uma tomada de atenção às coisas do mundo, desdobrando-
se no estudo. Como na proposição de Simone Weil (1994, p. 154), “la atención se halla
ligada al deseo”158, logo, intimamente relacionada ao interesse. E, a escola é esse
espaçotempo capaz de provocar encantamento por algo – que não em si mesmo. Não
podemos perder de vista que a instituição escolar transforma crianças e jovens, quando
entram na sala de aula, em estudantes. Dito isso, cada situação pedagógica pode conectar
distintos fios de sentidos para a construção de um significado educativo, de um
conhecimento escolar e de um conhecimento sobre o mundo.
158
“A atenção está ligada ao desejo”. Tradução nossa.
173
5.3 Gesto 3
a finalidade de que os estudantes se sintam instigados a conhecer algo mais sobre esse
tema.
Nesse movimento, a presença do docente é fundamental para mediar a relação entre
estudantes e um assunto comum, com o que está entre, com o que se passa entre. O
professor, ao escolher a matéria de ensino, ao eleger por qual materialidade do mundo
empreende dedicação (artística, filosófica, sociológica, científica, linguística, matemática
etc), revela um gesto de amor ao mundo. Dedica-se por interesse a ela, pelo que ela revela
do mundo. O amor por sua matéria de ensino transborda no trabalho com os alunos, na sua
forma de torná-la presente na aula, através do seu entusiasmo, das suas palavras e ações.
5.4 Ressonâncias
por algum assunto comum, estabelecendo essa relação entre os adultos, representantes de
uma geração anterior, com os mais jovens que têm a possibilidade de experimentar esses
conhecimentos comuns e públicos, atribuindo um novo significado, na medida em que há
um compartilhamento desse conhecimento produzido socialmente, através da maneira a
qual o professor cuidadosamente (e amorosamente) elege o assunto para todos e qualquer
um.
No exercício contínuo da docência – o que nos exige responsabilidade e
amorosidade (ao mundo, aos estudantes e a matéria de estudo) – nos cabe proporcionar
uma experiência de profanação. A forma escolarizada do cinema é o que possibilita liberá-
lo do seu uso recorrente, para colocá-lo, publicamente, em presença de todos, como
matéria de estudo. E, estando diante do cinema, esforçarmo-nos para separá-lo da sua
função produtiva na sociedade, atribuindo-o gestos novos.
No exercício com os Minutos Lumière pode-se perceber esse caráter de novidade.
Na realização dos Minutos os estudantes não são expostos ao uso mercadológico de uma
gramática cinematográfica, para ensinar regras de edição, decupagem, montagem,
enquadramentos ou planos. Elas podem aparecer como consequência do estudo e do
aprofundamento desse exercício, em articulação com o que o mundo despertou interesse e
solicitou atenção. Depois de um olhar atento para alguma coisa do mundo, o cinema se
transforma em matéria de estudo, não ao contrário. Primeiro há um despertar de interesse
para alguma materialidade para depois debruçar-se sobre as questões que esse assunto
envolve, incluindo seu arcabouço teórico-conceitual.
Como espaçotempo público, a escola difunde-se como território do comum,
portanto, como território de emancipação. Ao transmitir (conhecimentos, culturas, línguas
etc) proporcionamos a oportunidade de alteração e de renovação do mundo pelos que
acabaram de chegar. Na direção de oferecer a possibilidade de realizar as coisas em
público, diante de todos os sujeitos escolares, os estudantes publicizam os conhecimentos
aprendidos sobre (e na relação com) o mundo – não no sentido funcional do “isto serve
para”, mas no sentido de comprometer-se com ele.
A responsabilidade da escola e, consequentemente, a do professor, está em
despertar o interesse por alguma coisa que valha a pena se dedicar, estudar, estabelecendo
uma relação atenta com o mundo. É conduzir o estudante para fora de si. É convidá-lo a
conhecer o mundo, fundamentado no princípio da igualdade das inteligências, como
capacidade de um qualquer. Como bem comum público, as coisas do mundo estão
disponíveis para qualquer um, todos têm acesso a elas, todos compartilham entre todos.
176
6. CRÉDITOS
6.1 Bibliográficos
_____. Cine en curso. La transmisión del cine como creación y la creación como
experiência. Revista TOMA UNO. Córdoba, Argentina, n. 1, pp. 231-242, jul-2012.
_____. Elogio del amor. Cine en curso. Revista Cinema Comparat/ive Cinema.
Barcelona, Espanha, nº 5, vol 2, Pedagogías de la creación, pp. 24-31, 2014.
ARENDT, Hannah. A Crise na Educação. In: Entre o Passado e o Futuro. São Paulo:
Editora Perspectiva, 2001, pp. 221- 247.
BALASH, Carles. En busca de la revelación: el cine como experiencia del instante que
dura. Treball de recerca de Postgrau. Departament de Comunicació. Universitat Pompeu
Fabra. 2011.
BARROS, Manoel de. Gramática expositiva do chão. (Poesia quase toda). Int. Berta
Waldman. Il. Poty. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996.
_____. Retrato Quase Apagado em que se Pode Ver Perfeitamente Nada. In: O
Guardador de Águas. 2ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1998.
_____. Retrato do artista quando coisa. 3ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2002.
DELEUZE, Gilles e Guattari, Felix. O que é a Filosofia? São Paulo: Editora 34, 1992.
_____. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Editora 34, 1997.
_____. Kafka: por uma literatura menor. Tradução: Cíntia Vieira da Silva. Belo Horizonte:
Autêntica Editora, 2014.
DUARTE, Rosália. Cinema & educação. 3ª edição. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.
_____. Dossiê Cinema e Educação: uma relação sob a hipótese de alteridade (Org.).
Revista Contemporânea de Educação, v. 9, p. 1-87, 2010.
_____. Dossiê Cinema e Educação (Org.). 1ª ed. Rio de Janeiro: Booklink, v. 2. 140p,
2011.
HÉE, Arnaud. La salida del trabajo. In: BALLÓ, Jordi y BERGALA, Alain. Motivos
visuales del cine. Barcelona: Galaxia Gutenberg, S.L., pp: 38-43, 2016.
_____. Um exercício que faz escola: notas para pensar a investigação educacional a partir
de uma experiência de formação no Rio de Janeiro. In: KOHAN, Walter; MARTINS,
Fabiana; NETTO, Maria Jacintha (orgs). Encontrar escola: o ato educativo e a
experiência da pesquisa em educação. Rio de Janeiro: Lamparina, FAPERJ, 2014.
_____. Experiência e alteridade em educação. Revista Reflexão e Ação, Santa Cruz do Sul,
v.19, n. 2, p.4-27, jul./dez. 2011.
_____. Como entrar no quarto da Vanda: notas sobre a investigação como experiência
(tendo como referência três filmes e alguns textos de Pedro Costa) e considerações sobre a
investigação como verificação da igualdade (tendo como referência alguns textos de
Jacques Rancière). In: KOHAN, Walter; MARTINS, Fabiana; NETTO, Maria Jacintha
(orgs). Encontrar escola: o ato educativo e a experiência da pesquisa em educação.
Rio de Janeiro: Lamparina, FAPERJ, 2014b.
LEANDRO, Anita. Posfácio: uma questão de Ponto de vista. Dossiê Cinema e Educação.
Revista Contemporânea de Educação. volume V, nº 10, jul/dez 2010. Faculdade de
Educação UFRJ, 2010.
_____. Em defesa da escola: uma questão pública. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica,
2014b.
MIGLIORIN, Cezar. Deixem essas crianças em paz: o mafuá e o cinema na escola. In:
BARBOSA, Maria Carmen e SANTOS, Maria Angélica (Org.). Escritos de alfabetização
audiovisual. Porto Alegre: Libretos, 2014a. pp. 99-107.
_____. A partilha do sensível: estética e política. São Paulo. Ed. 34, 2 edição, 2009.
6.2 Eletrônicos
_____. Ministério da Educação. Plano Nacional de Educação. MEC. Brasília, DF, 2014.
Disponível em: http://pne.mec.gov.br/. Acesso em 15 de novembro de 2016.
DELEUZE, Gilles. O ato de criação. Palestra de 1987. Edição brasileira: Folha de São
Paulo, 27/06/1999. Tradução: José Marcos Macedo. Disponível em <
https://ladcor.wordpress.com/textos-de-apoio/>. Acesso em 02 de abril de 2015.
MIGLIORIN, Cezar. Posfácio: Cinema e escola, sob o risco da democracia. In: Revista de
Educação Contemporânea. Rio de Janeiro, v. 5, n. 9. - janeiro/julho 2010.
http://132.248.9.1:8991/hevila/Revistacontemporaneadeeducacao/2010/vol5/no9/8.pdf.
Acesso em 16 de agosto de 2012.
_____. 50 curtas para uma infância alternativa (e para uma alternativa de infância),
2015. Disponível em:
http://www.cinead.org/files/4deac39ffe2b937b26f5d26439afc2d7livreto_educacao10cineo
p_webpdf.pdf. Acesso em 15 de novembro de 2016.
SKLIAR, Carlos. Diez escenas educativas para narrar lo pedagógico entre lo filosófico
y lo literario, Plumilla Educativa, ISSN-e 1657-4672, Nº. 8, 2011. Disponível em:
https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=3801058. Acesso em 13 de setembro de
2016.
186
6.3 Fílmicos
BECHARA, Bel e SERPA, Sandro. As coisas que moram nas coisas. Brasil: curta-
metragem, 2006.
CASTRO, Flávia. Cada um com seu cada qual. Brasil: curta-metragem, 2006.
GOMES, Marcelo e AÏNOUZ, Karim. Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo.
Brasil: longa metragem, 2009.
YIMOU, Zhang. En Regardant le Film. In: Cada um com seu cinema. França: Coletânea
de curtas-metragens, 2007.
188
2 – Convite
Você está sendo convidado(a) a participar da pesquisa A EXPERIÊNCIA COM O
CINEMA NA ESCOLA: ENCONTROS COM A ALTERIDADE E A DIFERENÇA.
Antes de decidir se participará, é importante que você entenda porque o estudo está sendo
feito e o que ele envolverá. Você não será o único a participar dessa pesquisa. Outros
estudantes do Ensino Médio, no Rio de Janeiro (Brasil) e em Barcelona (Espanha),
também participarão. Eu ficarei na sala observando e acompanhando as suas aulas de
cinema. Espero que a minha presença não atrapalhe as atividades.
3 – O que é o projeto?
O projeto consiste em perceber se a experiência com o cinema pode fortalecer a diferença e
a alteridade dos jovens estudantes brasileiros e catalães do Ensino Médio, quando entram
em contato com o cinema, por meio da prática do “Minuto Lumière”. Será que essas
atividades podem desconstruir padrões identitários fixos e hierarquizados, inventando
novas singularidades juvenis? Para isso, apenas observarei as aulas e registrarei em um
diário de campo a reação do seu grupo às propostas dos professores.
14 – Remunerações financeiras
Não há incentivo ou recompensa financeira prevista pela sua participação nesta pesquisa.
Obrigado por ler estas informações. Se desejar participar deste estudo, assine o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, em anexo.
Sugiro que guarde uma cópia das informações dessa pesquisa e do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido para seu próprio registro.
191
1 – Confirmo que li e entendi a folha de informações para o estudo acima e que tive a
oportunidade de fazer perguntas.
3 – Estou ciente de que a análise dos dados coletados, a partir da observação realizada pela
pesquisadora, será para fins exclusivamente acadêmicos e haverá a divulgação de
relatórios, artigos e apresentações elaborados a partir do material analisado.
Local: _______________________________________________________
Data: ______/______/______
Assinatura do participante:
________________________________________________________
Assinatura da pesquisadora:
_______________________________________________________
192
2 – Convite
Você está sendo convidado(a) a participar da pesquisa A EXPERIÊNCIA COM O
CINEMA NA ESCOLA: ENCONTROS COM A ALTERIDADE E A DIFERENÇA.
Antes de decidir se participará, é importante que você entenda porque o estudo está sendo
feito e o que ele envolverá. Você não será o único a participar dessa pesquisa. Outros
professores do Ensino Médio, no Rio de Janeiro (Brasil) e em Barcelona (Espanha),
também participarão. Eu ficarei na sala observando e acompanhando a metodologia das
suas aulas de cinema. Espero que a minha presença não atrapalhe as atividades.
3 – O que é o projeto?
O projeto consiste em perceber se a experiência com o cinema pode fortalecer a diferença e
a alteridade dos jovens estudantes brasileiros e catalães do Ensino Médio, quando entram
em contato com o cinema, por meio da prática do “Minuto Lumière”. Será que essas
atividades podem desconstruir padrões identitários fixos e hierarquizados, inventando
novas singularidades juvenis? Para isso, apenas observarei as aulas e registrarei em um
diário de campo a reação do seu grupo às propostas dos professores.
14 – Remunerações financeiras
Não há incentivo ou recompensa financeira prevista pela sua participação nesta pesquisa.
Obrigado por ler estas informações. Se desejar participar deste estudo, assine o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, em anexo.
Sugiro que guarde uma cópia das informações dessa pesquisa e do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido para seu próprio registro.
194
Eu,____________________________________________________, professor(a) do
colégio __________________________________________________________________.
1 – Confirmo que li e entendi a folha de informações para o estudo acima e que tive a
oportunidade de fazer perguntas.
3 – Estou ciente de que a análise dos dados coletados, a partir da observação realizada pela
pesquisadora, será para fins exclusivamente acadêmicos e haverá a divulgação de
relatórios, artigos e apresentações elaborados a partir do material analisado.
Local: __________________________________________________________________
Data: ______/______/______
Assinatura do participante:
________________________________________________________
Assinatura da pesquisadora:
_______________________________________________________
195
ATIVIDADES
159
L’educació secundària obligatòria (ESO), com quatro anos letivos, contempla adolescentes e jovens entre
12 e 16 anos. Informações disponíveis no website do Instituto: http://inscastellet.cat/?page_id=54
160
Compreendendo disciplinas instrumentais (Língua catalana, Língua castelhana, Inglês e Matemática) e
disciplinas optativas. Cada escola prepara disciplinas optativas para os primeiros três anos. Estas matérias
devem incluir uma segunda língua estrangeira (Francês). No primeiro ano todos os alunos fazem uma
optativa de educação física e de leitura.
199
161
Compreendendo disciplinas instrumentais (Língua catalana, Língua castelhana, Inglês e Matemática) e
disciplinas optativas. No segundo ano, as optativas são oferecidas a cada quadrimestre.
200
162
Compreendendo disciplinas instrumentais (Língua catalana, Língua castelhana, Inglês e Matemática) e
disciplinas optativas. No terceiro ano introduz-se a optativa “empreendedorismo” e as eletivas restantes estão
vinculadas a uma das disciplinas do curso. No quarto ano as disciplinas são as mesmas para todas as escolas
da Catalunha e os alunos escolhem três disciplinas, dependendo do que irão fazer no próximo curso
(Bacharelado). As matérias opcionais são: Biologia e Geologia; Educação Visual e Plástica; Física e
Química; Informática; Latim; Música; Segunda Língua estrangeira; Tecnologia.
201
163
As disciplinas do bloco I e II são obrigatórias dependendo da rota escolhida. Os estudantes podem
escolher o Bloco III, desde que a segunda língua tenha sido escolhida como disciplina opcional nos anos
anteriores. As matérias marcadas com (1) fazem parte do projeto Cinema en Curs. As disciplinas marcadas
com (2) nas rotas mistas indicam que a matéria será para manuseio e adaptada ao nível de conhecimento dos
alunos.
202
164
Informações contidas no Projeto Político Pedagógico do Colégio de Aplicação da Universidade Federal do
Rio de Janeiro. Para leitura completa do documento, acesse: http://cap.ufrj.br/index.php/informes-diretrizes#
203